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OS CONTINGENT CONVERTIBLES (COCOS) COMO
INSTRUMENTOS DE FUNDOS PRÓPRIOS À LUZ DA CRD IV E DO
CRR - DESTAQUE PARA OS PERIGOS DE UMA OPÇÃO
LEGISLATIVA POR UM “LOW TRIGGER”
2016
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SUMÁRIO
A Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de
2013, e o Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, da
mesma data, estabeleceram um novo complexo normativo no que concerne aos
fundos de capitais próprios das instituições de crédito, nomeadamente no que aos
fundos próprios mínimos diz respeito.
O objeto da presente obra incide, em especial, sobre uma das categorias dos fundos
próprios mínimos, os fundos próprios adicionais de nível 1, nomeadamente os
requisitos para que um instrumento possa ser considerado como tal. Nessa matéria,
adquirem especial relevância os contingent convertibles (CoCos), termo que
originariamente se refere a instrumentos representativos de dívida que, mediante a
verificação de um evento de desencadeamento, se convertem em ações. No caso
dos CoCos emitidos por instituições de crédito, os mesmos são convertidos,
mediante a verificação de que os fundos próprios desceram abaixo de determinado
grau, em fundos próprios de melhor qualidade (v.g. ações).
Após uma análise ao enquadramento normativo juseuropeu a nível dos fundos
próprios das instituições de crédito e ao papel dos CoCos nesse contexto, centrar-
nos-emos nos eventuais problemas decorrentes da previsão, por parte do
Regulamento (UE) n.º 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de
junho de 2013, de um evento de desencadeamento para os CoCos (contabilizáveis
como instrumentos de fundos próprios adicionais de nível 1) que consiste na
verificação de um rácio de fundos próprios principais de nível 1 relativamente baixo.
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ÍNDICE
1. Contextualização: nota sintética a respeito dos requisitos de fundos próprios previstos na
CRD IV e no CRR....................................................................................................................... 5
1.1. Enquadramento Geral ................................................................................................... 5
1.2. Pilar I: Requisitos mínimos de fundos próprios ............................................................. 7
1.3. Fundos próprios adicionais de nível 1 ........................................................................... 8
2. Contingent Convertibles .......................................................................................................... 9
2.1. Caracterização genérica................................................................................................. 9
2.1.1. Conceito base ........................................................................................................ 9
2.1.2. Write- down CoCos e as implicações práticas do alargamento do conceito ...... 11
2.2. CoCos como instrumentos de absorção de perdas das instituições no panorama pós-
crise.............................................................................................................................. 12
2.2.1. Apenas capitais próprios? ................................................................................... 12
2.2.2. Instrumentos convertíveis: uma solução intermédia ......................................... 13
2.3. Configuração dos CoCos .............................................................................................. 15
2.3.1. Generalidades ..................................................................................................... 15
2.3.2. Termos da conversão .......................................................................................... 15
2.3.3. Evento de desencadeamento.............................................................................. 17
3. CoCos como instrumentos elegíveis como fundos próprios AT1......................................... 21
3.1. Generalidades.............................................................................................................. 21
3.2. Requisitos legais .......................................................................................................... 21
3.2.1. Permanência........................................................................................................ 22
3.2.2. Capacidade de absorção de prejuízos................................................................. 25
3.2.3. Limitação aos pagamentos.................................................................................. 27
3.2.4. Instrumentos não emitidos diretamente por uma instituição............................ 30
3.3. A emissão de CoCos na União Europeia ...................................................................... 30
4. A opção legislativa por um evento de desencadeamento (mínimo) relativamente baixo e
o artigo 54.º, n.º 5, do CRR, como forma de mitigar as desvantagens daí decorrentes...…33
4.1. O evento de desencadeamento................................................................................... 33
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4.2. Potencial problema de um evento de desencadeamento baixo................................. 34
4.3. Genericamente: os pressupostos para a aplicação das medidas de intervenção
precoce e de resolução................................................................................................ 35
4.4. Rácio CET1 em 5,125%: tarde demais?........................................................................ 38
4.5. O artigo 54.º, n.º 5, do CRR, como forma de mitigar os perigos de um low trigger ... 41
4.5.1. As diligências a efetuar mediante a verificação do evento de desencadeamento
………………………………………………………………………………………………………………………..41
4.5.2. Os momentos subjacentes ao período entre a verificação do evento de
desencadeamento e a conversão/redução......................................................................... 42
4.5.3. Alguns esclarecimentos da EBA conexos com o artigo 54.º, n.º 5...................... 44
5. Notas finais ............................................................................................................................ 45
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1. CONTEXTUALIZAÇÃO: NOTA SINTÉTICA A RESPEITO DOS REQUISITOS DE FUNDOS PRÓPRIOS
PREVISTOS NA CRD IV E NO CRR
1.1. ENQUADRAMENTO GERAL
Como breve enquadramento para a análise que aqui se verte, cumpre, de modo muito
sintético, referenciar as normas juseuropeias que, na esteira do modelo definido por
Basileia III (1), regulam os requisitos de fundos próprios das instituições de crédito (2),
i.e. a Diretiva 2013/36/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de
2013 (a “CRD IV”), e o Regulamento (EU) n.º 575/2013, do Parlamento Europeu e do
Conselho, da mesma data (o “CRR”) (3).
O regime visa garantir que as instituições apresentem níveis de fundos próprios
suficientes para fazer face a eventuais perdas imprevisíveis, que, por princípio, devem
ser absorvidas por recursos próprios das instituições - numa lógica de continuação da
sua atividade (going concern capital [4]) -, evitando a aplicação de medidas de
resolução (5) e, principalmente, que essas perdas possam vir a ser suportadas pelos
(
1) Basel III: A global regulatory framework for more resilient banks and banking systems, 2010. A crise financeira de
2007-2009 revelou que os requisitos de capital das instituições de crédito não eram suficientemente robustos, na medida em que, nomeadamente, se permitiu que os bancos não constituíssem reservas de capital suficiente e parte dos instrumentos contabilizáveis como capital não revelaram a capacidade de absorção de perdas pretendida (vide, a título exemplificativo, Andreas Khan e Patrick Kenadjian, Contingent Convertibles: from theory to CRD IV, Institute for Law and Finance, Working Paper Series n.º 143/2014, 2014, 2 e ss; Peter Miu, Bogie Ozdemir, Michael Giesinger, Can Basel III Work? Examining the New Capital Stability Rules by the Basel Committee: A Theoretical and Empirical Study of Capital Buffers, 2010; Marianne Ojo, Basel III and Responding to the Recent Financial Crisis: Progress Made by the Basel Committee in Relation to the Need for Increased Bank Capital and Increased Quality of Loss Absorbing Capital, 2010; em português, Manuel Magalhães, A Evolução do Direito Prudencial Bancário no Pós-crise: Basileia III e CRD IV, o Novo Direito Bancário, 2012, 317 e ss.). Comparando as soluções apresentadas pela CRD IV em face do proposto por Basileia III, em especial no que concerne aos fundos próprios adicionais de nível 1 e aos fundos próprios de nível 2, ver Linklaters, CRD IV: The European Response to Basel III and the Impact on Tier 1 and Tier 2 Bank Capital, 2011. (
2) Por facilidade, na presente obra, referiremo-nos indistintamente a “instituição de crédito” e a “instituição”
(ainda que nos termos da CRD IV [artigo 1.º, alínea a)] e da CRR [artigo 4.º, n.º 1, ponto 3)] o segundo conceito inclua as empresas de investimento, tal como aí definidas). Utilizar-se-á, igualmente, a expressão corrente “banco”. (
3) Comparando as soluções apresentadas pela CRD IV em face do proposto por Basileia III, em especial no que
concerne aos fundos próprios adicionais de nível 1 e aos fundos próprios de nível 2, ver Linklaters, CRD IV: The European Response to Basel III and the Impact on Tier 1 and Tier 2 Bank Capital, 2011. (
4) Financial Services Authority, A Regulatory Response to the Global Banking Crisis, Discussion Paper 09/2, 2009,
foca, precisamente, o facto de a regulamentação de adequação de capital das instituições de crédito, antes da crise de 2007-2009, adotar uma abordagem “gone-concern”, i.e. focada na proteção dos credores sénior e depositantes num cenário de resolução bancária (medidas ex-post), ao invés de “going-concern”, ou seja, direcionada para a necessidade de garantir que o capital dos bancos é suficiente para absorver perdas enquanto os mesmos ainda se encontram em atividade e com capacidade de gerar valor, portanto numa lógica de prevenir uma situação de falência (medidas ex-ante). (
5) As instituições financeiras europeias encontram-se sujeitas à aplicação de medidas corretivas ou de resolução
nos termos da Diretiva 2014/59/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio, transposta para o
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contribuintes através de um bail-out.
O regime visa igualmente desincentivar a adoção de comportamentos de risco
excessivo por parte dos acionistas e administração das instituições de crédito (6) (7).
Os requisitos de fundos próprios previstos na CRD IV e no CRR comportam três níveis:
(a) Pilar I: fundos próprios mínimos, que incluem (i) fundos próprios de nível 1,
compostos por (1) fundos próprios principais de nível 1 (Common Equity Tier 1,
“CET1”) e (2) fundos próprios adicionais de nível 1 (Additional Tier 1 Capital,
“AT1”); e (i) fundos próprios de nível 2 (Tier 2, “T2”) (8);
(b) Pilar II: fundos próprios adicionais, definidos pelo supervisor em função do perfil
de risco da instituição (9);
(c) Reservas de fundos próprios, que incluem: (i) reserva de conservação de fundos
próprios principais de nível 1, correspondente a 2,5% por CET1 em 2019 (10); (ii)
reserva contracíclica de fundos próprios (11); e (iii) máximo entre (1) reserva para
ordenamento jurídico português pela Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março, que altera o RGICSF; este tema será abordado em mais detalhe infra no Capítulo 4. (
6) Para uma visão geral sobre o papel e importância do capital nas instituições de crédito: Daniel K. Tarullo, Banking
on Basel: The Future of International Financial Regulation, 2008, 15-44; e João A. C. Santos, Bank Capital Regulation in Contemporary Banking Theory: A Review of the Literature, BIS Working Papers, n.º 90, 2000. (
7) V.g. considerando 90) do CRR, “Os anos que antecederam a crise financeira caracterizaram-se por uma excessiva
acumulação das posições em risco das instituições relativamente aos seus fundos próprios (alavancagem). Durante a crise financeira, as perdas e a falta de financiamento forçaram as instituições a reduzirem significativamente a sua alavancagem durante um curto período de tempo. O facto aumentou as pressões no sentido da descida dos preços dos ativos, causando mais perdas às instituições o que, por sua vez, levou a novas reduções nos seus fundos próprios. Em última instância, os resultados desta espiral negativa foram a redução da disponibilização de crédito à economia real e uma crise mais profunda e mais prolongada”. (
8) Nos termos previstos na Parte II do CRR.
(9) De acordo com o disposto no artigo 104.º, n.º 1, alínea a), da CRD IV:
“(…) as autoridades competentes devem dispor, pelo menos, de poderes para: a) Exigir que as instituições detenham fundos próprios superiores aos previstos nos requisitos estabelecidos no Capítulo 4 do presente título e no Regulamento (UE) n.º 575/2013 relacionados com os elementos dos riscos e os riscos não cobertos pelo artigo 1.º do referido regulamento (…)” (
10) Cfr. artigos 129.º da CRD IV e 138.º-D do RGICSF. Exige-se a manutenção de uma reserva de conservação de
fundos próprios CET1 de 2,5 % do montante total das posições em risco (ver descrição infra em 1.2.), em base individual e consolidada, consoante o caso. Não obstante, o artigo 160.º da CRD IV (transposto para o direito nacional pelo artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro) prevê a aplicação dessa regra de forma faseada, podendo a reserva ser constituída nos seguintes termos: (a) entre 1 de janeiro de 2016 e 31 de dezembro de 2016: 0,625%; (b) entre 1 de janeiro de 2017 e 31 de dezembro de 2017: 1,25%; (c) entre 1 de janeiro de 2018 e 31 de dezembro de 2018: 1,875%. O Banco de Portugal, através do Aviso 1/2015, decidiu, por aplicação da faculdade prevista no artigo 160.º, n.º 6, da CRD IV (artigo 23.º, n.º 6, do RGISF) antecipar a reserva de conservação de fundos próprios, reduzindo o aludido período transitório de aplicação. No entanto, o Aviso n.º 6/2016 veio revogar o Aviso 1/2015, implicando a sujeição das entidades compreendidas no âmbito do mesmo ao regime transitório estabelecido pelo referido artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro. (
11) Nos termos do disposto nos artigos 130.º e 135.º e ss. da CRD IV e 138.º-E e ss. do RGICSF. Exige-se a
manutenção de uma reserva contracíclica de fundos próprios específica da instituição, constituída por fundos próprios CET1, em base individual e consolidada, consoante o caso, equivalente ao montante total das suas posições em risco (ver descrição infra em 1.2) multiplicado pela média ponderada das percentagens da reserva
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instituições de importância sistemática (12) e (2) reserva para risco sistemático
(13).
1.2. PILAR I: REQUISITOS MÍNIMOS DE FUNDOS PRÓPRIOS
O CRR, no âmbito do Pilar I, estabelece os requisitos dos diferentes níveis dos fundos
próprios mínimos, constituídos pela soma dos fundos próprios de nível 1 e dos fundos
próprios T2 (artigo 72.º do CRR).
Tal como anteriormente referido, os fundos próprios de nível 1 subdividem-se em: (a)
fundos próprios CET1 (artigos 26.º e ss. do CRR), que incluem, grosso modo, ações,
prémios de emissão, resultados retidos e outras reservas (14); e (b) fundos próprios AT1
contracíclica de fundos próprios. Neste âmbito, em Portugal, o Banco de Portugal é responsável por definir e divulgar, trimestralmente, a percentagem de reserva contracíclica aplicável a todas as instituições de crédito e sociedades de investimento com posições em risco de crédito sobre o setor privado não financeiro nacional. A percentagem é definida entre 0% e 2,5% (do montante total das posições em risco) - sujeita às disposições transitórias previstas no artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro, por transposição do artigo 160.º da CRD IV -, exceto quando circunstâncias excecionais justifiquem a definição de uma percentagem mais elevada (cfr. artigo 138.º-G do RGISF). A percentagem de reserva para cada instituição é uma média ponderada das percentagens daquela reserva aplicáveis nos países onde se localizam as posições em risco de crédito dessa instituição (138.º-L do RGISF). O Banco de Portugal decidiu que a percentagem de reserva contracíclica de fundos próprios a vigorar no 3.º trimestre de 2016 é de 0% do montante total das posições em risco (tal como referido em https://www.bportugal.pt/ptPT/OBancoeoEurosistema/ComunicadoseNotasdeInformacao/Paginas/combp20160630-1.aspx). Para mais detalhes, nomeadamente sobre a abordagem metodológica do Banco de Portugal nesta matéria: https://www.bportugal.pt/ptPT/EstabilidadeFinanceira/MedidasMacroprudenciais/ReservaContraciclica/ Paginas/inicio.aspx. (
12) Cfr. artigos 131.º e 132.º da CRD IV e 138.º-N e ss. do RGICSF. As instituições de importância sistemática
dividem-se em instituições de importância sistémica global (as “G-SII”) e outras instituições de importância sistémica (as “O-SII”). O Banco de Portugal é responsável pela identificação dessas instituições em Portugal. As G-SII mantêm, em base consolidada, uma reserva de G-SII constituída por fundos próprios CET1, dependendo da subcategoria da G-SII em causa (a reserva mediará entre 1% e 3,5% do montante total de posições de risco) (artigos 131.º, n.º 9, da CRD IV, e 138.º-P do RGICSF). O Banco de Portugal pode impor às O-SIIs, em base consolidada, subconsolidada ou individual, consoante aplicável, uma reserva de O-SII constituída por fundos próprios CET1 de até 2% do montante total das posições em risco (artigos 131.º, n.º 5, da CRD IV, e 138.º-R do RGICSF). Em Portugal, uma vez que não foi identificada qualquer G-SII, a reserva de G-SII não se aplica. O Aviso do Banco de Portugal n.º 4/2015 estabelece os elementos a divulgar pelo Banco de Portugal relativos à identificação das O-SII, à reserva aplicável a cada uma dessas instituições e a periodicidade dessa divulgação. Para mais detalhes, nomeadamente demais regulamentação e abordagem metodológica do Banco de Portugal nesta matéria, consultar: https://www.bportugal.pt/pt-PT/EstabilidadeFinanceira/MedidasMacroprudenciais/ReservaOSII/Paginas/inicio.asp x (
13) Tal como previsto nos artigos 133.º e 134.º da CRD IV e artigos 138.º-U e ss. do RGICSF. Exige-se uma reserva
para risco sistémico de fundos próprios CET1, a fim de prevenir e reduzir os riscos sistémico ou macroprudencial não cíclico a longo prazo não cobertos pelo CRR. O Banco de Portugal, como autoridade competente em Portugal, pode determinar a aplicação dessa reserva em base individual, subconsolidada ou consolidada, que será de, pelo menos, 1% das posições de risco a que a reserva se aplica (vide artigos 133.º, n.º 3, da CRD IV, e 138.º-U, n.º 2, do RGICSF). (
14) Nos termos do artigo 26.º, n.º 3, do CRR, a European Banking Authority (a “EBA”) publica e atualiza uma lista
das formas de instrumentos de fundos próprios que são elegíveis em cada Estado-Membro como instrumentos de fundos próprios CET1. Ultima atualização da lista disponível em https://www.eba.euro pa.eu/-/eba-updates-list-of-common-equity-tier-1-cet1-capital-instrumen-1.
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(artigos 55.º e ss. do CRR) onde se incluem instrumentos que reúnem características
típicas de capital próprio e de dívida - e cujos requisitos iremos analisar infra. Estes
instrumentos são os primeiros a absorver eventuais perdas.
Os elementos respeitantes aos fundos próprios T2 (artigos 62.º e ss do CRR),
correspondem, nomeadamente, a instrumentos e empréstimos subordinados
(subordinated debt) e a prémios de emissão relacionados. Estes instrumentos
absorvem as perdas após os fundos próprios CET1 e AT1.
Nos termos do artigo 92.º do CRR, as instituições de crédito devem manter, no
mínimo, um rácio de fundos próprios CET1 de 4,5%, um rácio de fundos próprios de
nível 1 de 6% e um rácio de fundos próprios totais de 8%.
Cada um dos rácios corresponde:
(a) aos montantes de fundos próprios relevantes (numerador), i.e., (i) fundos
próprios CET1; ou (ii) fundos próprios de nível 1 (soma dos fundos próprios
CET1 e dos fundos próprios AT1); ou (iii) fundos próprios totais (soma dos
fundos próprios de nível 1 e dos fundos próprios de nível 2);
(b) expressos em montante total das posições em risco (15) (denominador).
De referir que o CRR prevê um conjunto de disposições transitórias em matéria de
requisitos de fundos próprios, nos artigos 465.º e ss. (16).
1.3. FUNDOS PRÓPRIOS ADICIONAIS DE NÍVEL 1
No que concerne, em específico, aos elementos e instrumentos de fundos próprios
AT1, o CRR prevê, no seu artigo 51.º, que se incluem nessa categoria os instrumentos
que preenchem os requisitos previstos no artigo 52.º, n.º 1, e os prémios de emissão
relacionados com esses instrumentos. Ora, os artigos 52.º e ss. do CRR estabelecem
um conjunto de requisitos cumulativos extenso para que um instrumento possa ser
considerado AT1, que, tal como antecipámos, incluem um misto de elementos típicos
de capital próprio e de dívida. A presente obra irá debruçar-se sobre estes aspetos,
mais em detalhe, no Capítulo 3. infra.
(
15) O valor do denominador (i.e. o valor dos ativos) para efeitos de cálculo dos rácios, corresponde, de modo
sintético, à soma dos ativos da instituição ponderados em função do risco (de acordo com as determinadas categorias definidas), nos termos do artigo 92.º, n.º 3, do CRR. (
16) Em Portugal, o Aviso do Banco de Portugal n.º 6/2013 regula esse regime transitório.
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2. CONTINGENT CONVERTIBLES
2.1. CARACTERIZAÇÃO GENÉRICA
2.1.1. CONCEITO BASE
Genericamente, os Contingent Convertibles (os “CoCos”) têm vindo a ser
caracterizados como instrumentos financeiros (17), de natureza híbrida e convertíveis
automaticamente em ações mediante a verificação de um determinado evento de
desencadeamento (trigger event).
O cariz híbrido dos Cocos prende-se com o facto de os mesmos captarem
características típicas de passivo e de instrumentos de capital próprio. De um lado,
conferem aos seus titulares, aquando da emissão, um direito de crédito referente ao
reembolso do capital e aos juros convencionados. De outro, esse direito cessa com a
conversão do instrumento em ações, passando o titular do instrumento a ter o status
de acionista, beneficiando, por esse efeito, dos direitos inerentes a essa condição (18).
Os Cocos enquadram-se, ainda, numa classe alargada de instrumentos convertíveis. A
sua conversão é, em princípio, automática e ocorre por efeito da verificação de um
(
17) Por facilidade, e tendo em conta o facto da presente obra se debruçar, prima facie, sobre as matérias e as
opções legislativas do ponto de vista comunitário, adotar-se-á a terminologia “instrumento”, tal como utilizado no CRR, quando fizermos referência a CoCos. No ordenamento jurídico português, “instrumento financeiro” representa uma noção central que engloba os valores mobiliários, os instrumentos monetários e os instrumentos derivados (art. 2.º, n.º 1 do Código dos Valores Mobiliários [o “CVM”]). Os CoCos, como é bom de ver, tratam-se de valores mobiliários (cfr. artigo 1.º do CVM), i.e. “posição jurídica fungível ligada em termos causais a uma operação colectiva de investimento e susceptível de negociação em mercado”, como descreve Paulo Câmara, em Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2011, 164. (
18) Existe um espetro bastante alargado de instrumentos financeiros que se podem caracterizar como híbridos,
para além dos instrumentos convertíveis (referidos na nota infra). É o caso, por exemplo, das ações preferenciais sem voto (em Portugal reguladas nos artigos 341.º e ss. do Código das Sociedades Comerciais [o CSC]), que conferem direito a um dividendo prioritário; das obrigações com warrant (no nosso ordenamento previstas nos artigos 372.º-A e 372.º-B do CSC), obrigações essas que têm associado o direito de subscrever determinado valor mobiliário; das obrigações perpétuas (perpetual bonds) i.e. obrigações sem prazo de reembolso (entre nós aplica-se a esses instrumentos o regime das obrigações, conforme prescreve o artigo 360.º, n.º 2, al. a), do CSC); ou das credit linked notes ou valores mobiliários condicionados por eventos de crédito (Regulamento da CMVM n.º 14/2002), instrumentos caraterizados por atribuírem ao titular um direito de crédito cujo quantum ou existência ficam dependentes da verificação ou não de um determinado evento de crédito definido no momento da emissão. A respeito dos instrumentos híbridos consultar, v.g. Tyrone M. Carlin, Nigel Finch e Guy Ford, Hybrid Financial Instruments, Cost of Capital and Regulatory Arbitrage - An Empirical Investigation, Journal of Applied Research in Accounting and Finance, Vol. 1, n.º 1, 2006, 43 e ss. e Wells Fargo Advisors, A Guide to Investing in Hybrid Securities, 2012 (disponível em https://saf.wellsfa rgoadvisors.com/emx/dctm/Marketing/Marketing_Materials/Fixed_Income _Bonds/e6728.pdf); em português: Orlando Vogler Guiné, O financiamento das sociedades por meio de valores mobiliários híbridos, AAVV, I Congresso Direito das Sociedades em Revista, 2011 e Ana Perestrelo de Oliveira, Manual de Corporate Finance, 2015, 151 e ss.
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acontecimento futuro incerto (i.e. não se sabe quando - nem se - ocorrerá) (19).
Em termos simplistas, por efeito da conversão o capital do emitente aumenta e o
passivo diminui, melhorando a sua situação líquida (20).
A título meramente indicativo, cabe-nos fazer referência ao facto de CoCos se
afigurarem atípicos à luz da lei portuguesa (21). Ainda assim, podem encontrar-se
semelhanças com as obrigações convertíveis (cfr. artigos 365.º e ss. do CSC), cabendo
notar uma diferença assinalável: no caso das obrigações convertíveis, a conversão do
instrumento em ações opera por efeito de uma opção exercida pelo investidor
(adicionalmente, a possibilidade de se emitirem valores mobiliários convertíveis em
ações por iniciativa do emitente passou a estar expressamente prevista no artigo
360.º, n.º 2, alínea b), do CSC, com a alteração operada pelo Decreto-Lei n.º 26/2015,
de 6 de fevereiro, aplicando-se a esses valores mobiliários o regime das obrigações
convertíveis), o que se pode revelar essencial na tarefa de aferir se, e em que medida,
o regime das obrigações convertíveis pode ser aplicado, por analogia, aos CoCos (22).
(
19) De entre o elenco de instrumentos convertíveis destacamos, a título indicativo, as obrigações convertíveis
(convertible securities), os valores mobiliários convertíveis por opção do emitente (reverse convertibles) e os valores mobiliários obrigatoriamente convertíveis (mandatory convertibles). No primeiro caso, que desenvolveremos mais em detalhe em seguida, o instrumento é emitido como instrumento de dívida, tendo o investidor o direito de acionar a conversão do instrumento em ações, de acordo com determinadas condições definidas (em Portugal, encontra-se regulado pelos artigos 365.º e ss. do CSC). Já no caso dos reverse convertibles, com estrutura semelhante aos convertibles, a faculdade de conversão pertence ao emitente do instrumento (aplica-se a estes valores mobiliários, entre nós, o regime das obrigações - cfr. al. b) do n.º 2 do artigo 360.º do CSC). Por fim, os mandatory convertibles diferem dos dois instrumentos anteriormente referidos pelo facto de a conversão não estar dependente de uma mera opção, ao invés ocorrendo necessariamente na data de vencimento (em Portugal, sobre esta matéria ver o Regulamento da CMVM n.º 14/2002). A respeito dos instrumentos convertíveis consultar, por exemplo, Sandra Laurent, Convertible Debt and Preference Share Financing: an Empirical Study, 2005; em português, Fátima Gomes, Obrigações Convertíveis em Acções, 1999; Cristina Sofia Dias, Certificados, Valores Mobiliários Condicionados por Eventos de Crédito: algumas notas comparativas, Cadernos de Mercado de Valores Mobiliários (15), 2002 e Ana Perestrelo de Oliveira, Manual de Corporate Finance, 2015, 160-170. (
20) O tratamento contabilístico dos instrumentos híbridos deve ter em conta o facto de os mesmos captarem
características de instrumentos de capital próprio e de passivo financeiro. Donde, este tipo de instrumentos deve ser contabilizado, de acordo com as normas internacionais, em duas partes: uma parte de passivo e uma de capital próprio - Pedro Jorge Figueiredo Pulido, Instrumentos Financeiros Contabilizados de Acordo com a IFRS 9 e Principais Questões de Auditoria, Revista da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, n.º 56, 2012, 7. (
21) De qualquer das formas, a emissão de CoCos afigura-se admissível, em face do princípio da atipicidade dos
valores mobiliários refletido na última alínea do artigo 1.º do CVM. (
22) Tendo em conta o objeto da presente obra, não será efetuada uma análise detalhada quanto a este aspeto. De
qualquer forma, antecipamos que a mobilização do regime jurídico das obrigações convertíveis aos CoCos implicará uma análise à luz da ratio de cada uma das disposições do CSC respeitantes às obrigações convertíveis, de modo a aferir até que ponto as mesmas podem, por via de analogia, ser aplicáveis aos CoCos. Note-se que, como veremos de seguida, os CoCos podem assumir uma série de configurações diferentes, pelo que será necessário efetuar uma análise casuística de modo a concluir se, em concreto, um determinado instrumento CoCo se deve encontrar sujeito a disposições referentes às obrigações em geral (348.º e ss. do CSC) e às obrigações convertíveis. Para uma análise a respeito deste tema (ainda que à luz do CSC ainda não alterado pelo Decreto-Lei 26/2015, de 6 de fevereiro) vide Miguel Brito Bastos, A Elegibilidade de Valores Mobiliários Condicionalmente Convertíveis em Ações Comuns (Contingent Convertibles) como fundos próprios das instituições de crédito na transição para Basileia III, O Novo Direito Bancário, Almedina, 2012, 204-205, entendendo o autor que os artigos 366.º (deliberação de emissão),
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2.1.2. WRITE- DOWN COCOS E AS IMPLICAÇÕES PRÁTICAS DO ALARGAMENTO DO CONCEITO
Não obstante o que antecede, a terminologia “CoCo” tem sido, também, utilizada para
definir instrumentos que, mediante a verificação de um evento de desencadeamento,
vêm o seu valor nominal diminuído (ao invés de se converterem em ações) - write-
down CoCos (23). A obrigação de reembolso do capital por parte do emitente aos
titulares do instrumento é, assim, reduzida total ou parcialmente, podendo, em certos
casos, o valor nominal ser reposto (24).
Ao passo que no caso dos CoCos tradicionais, os acionistas do emitente podem, por
efeito da conversão, sofrer uma diluição do ponto de vista económico (financial
dilution), sendo que em princípio verificar-se-á sempre uma diluição a nível de
percentagem do capital social e do poder de decisão (governance dilution) (25), tal não
se verifica no caso dos write-down CoCos.
O que antecede pode levar-nos a concluir, pois, que os write-down-only CoCos
apresentam, do ponto de vista dos acionistas do emitente, a vantagem de constituírem
367.º (direito de preferência dos acionistas) e 368.º (proibição de alteração da sociedade), todos do CSC, se aplicam, por analogia, aos valores mobiliários condicionalmente convertíveis. Para uma análise em português sobre CoCos: Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2011, 164; Miguel Brito Bastos, A Elegibilidade de Valores Mobiliários Condicionalmente Convertíveis em Ações Comuns (Contingent Convertibles) como fundos próprios das instituições de crédito na transição para Basileia III, O Novo Direito Bancário, 2012, 175 e ss.; Ana Perestrelo de Oliveira, Manual de Corporate Finance, 2015, 165-166. (
23) Em rigor, e como bem aponta George M. von Furstenberg, Contingent Convertibles [CoCos], a Potent Instrument
for Financial Reform, World Scientific – Now Publishers Series in Business, Vol. 5, 2015, 121 ss., a caracterização de instrumentos cujo efeito da verificação do evento de desencadeamento constitui, “apenas”, a redução do montante de capital (write-down-only) como CoCos não, do ponto de vista conceptual, rigoroso, devendo, ao invés, esses instrumentos ser denominados “CoCas” (Contingent Cancellable Debt Securities). A utilização de write-down-only CoCos tornou-se comum após 2011, com diversas variantes, podendo destacar-se as seguintes emissões: (a) Rabobank, em 2010, caracterizando-se os instrumentos por combinarem traços de senior bonds e write-off-only securities, podendo o capital ser reduzido se o rácio de fundos próprios CET1 baixasse de 7%; (b) Rabobank, em 2011, caso em que o capital poderia vir a ser reduzido mediante a verificação de eventos de desencadeamento sucessivos até, no limite, ao valor total de capital; (c) perpetual contingente bonds emitidas pela Société Générale em 2013, com uma estrutura que permitia a reposição do capital (write-up) em caso de prévia redução. Genericamente, os instrumentos write-down podem ser objeto de: (a) redução permanente ou temporária, conforme essa redução possa ou não ser objeto de reposição; e (b) redução total ou parcial, conforme a redução, possa ou não (mediante a verificação de um só evento de desencadeamento ou vários eventos de desencadeamento sucessivos) incluir a totalidade do capital; para mais detalhes, p.e., Ayowande A. McCunn, Forbearance Incentives: Undeterming The Distinction Between Going and Gone-Concern Capital, 2016, 7. (
24) “Elasticidade do valor nominal”, como apelida Orlando Vogler Guiné, em Código das Sociedades Comerciais em
Comentário, Volume V, 2012, 901. (
25) A diluição económica dos acionistas do emitente de CoCos representa uma diminuição do valor económico das
ações dos mesmos, que se verificará (ou não) na medida em que dos termos da conversão dos CoCos em ações resultar a atribuição, aos detentores de CoCos, de ações por um valor inferior ao valor económico das mesmas antes da conversão. A outro passo, a diluição percentual dos acionistas no que concerne ao capital social detido sucederá, em princípio, sempre, dado que do aumento de capital resultará uma diminuição da sua posição relativa e uma diminuição do seu poder de decisão na sociedade. Para um estudo detalhado a respeito dos tipos de diluição e formas contratuais de mitigação ver, a título ilustrativo, Michel A. Woronoff and Jonathan A. Rosen, Understanding Anti-dilution Provisions in Convertible Securities, 2005, 102-112 e Marcel Kahan, Anti-Dilution Provisions in Convertible Securities: a Guide Throw Maze, Harvard Law School, 1995.
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um almofada financeira para fazer face a eventuais perdas antes do valor da sua
participação ser diretamente afetado. No entanto, essa circunstância pode ser
entendida como encorajadora da adoção de comportamentos de risco por parte dos
acionistas.
Com efeito, a circunstância de a conversão dos CoCos em ações resultar numa diluição
dos acionistas, poderá ter dois efeitos. Em primeiro lugar, promover o
desencorajamento da adoção de comportamentos de risco (ex-ante), como seja o
excessivo endividamento. Em segundo lugar, constituir um estímulo para que os
acionistas e os administradores promovam um aumento de capital antes da verificação
do evento de desencadeamento, caso o mesmo se revele eminente (26).
2.2. COCOS COMO INSTRUMENTOS DE ABSORÇÃO DE PERDAS DAS INSTITUIÇÕES NO PANORAMA PÓS-
CRISE
2.2.1. APENAS CAPITAIS PRÓPRIOS?
Tal como anteriormente referido, a crise de 2007-2009 revelou que as instituições de
crédito não se encontravam suficientemente capitalizadas para fazer face a perdas
imprevisíveis, para além do facto de alguns dos instrumentos classificáveis como
capital não terem a capacidade suficiente de absorver perdas numa lógica “going
concern”.
Perante a necessidade de reajustar o nível e configuração dos fundos de capitais
exigidos, uma resposta direta ao problema (e, eventualmente, simplista) poderia ser,
concomitantemente à exigência de aumento dos rácios de capital, restringir ao
máximo a admissibilidade de instrumentos que não configurassem common equity
(v.g. ações, resultados transitados e prémios de emissão) para efeitos dos requisitos
regulatórios em matéria de capital (27).
(
26) No sentido em que, ao contrário dos CoCos convertíveis, os write-down CoCos criam incentivos perversos a nível
do endividamento e “money burning”, vide Charles P. Himmelberg and Sergey Tsyplakov, Incentive Effects of Contingent Capital, 2012, 4. (
27) Defendendo uma abordagem regulatória centrada no aumento dos requisitos de capital common equity e
desconsiderando as vantagens da utilização de instrumentos híbridos como os CoCos, Anat R. Admati, Peter M. DeMarzo, Paul Pfleiderer, Fallacies, Irrelevant Facts, and Myths in the Discussion of Capital Regulation: Why Bank Equity is not Socially Expensive, 2013, 43. ss. Os autores procuram desmistificar um conjunto de desvantagens associadas ao capital “puro”, sendo de destacar, a título de ilustração, as seguintes conclusões: (a) os capitais próprios dos bancos não são “social expensive”, nem obstam a que os mesmos desenvolvam a sua atividade do ponto de vista socialmente mais benéfico, sendo que incentivam a promoção de políticas de concessão de crédito racionais; (b) o alto endividamento dos bancos não é socialmente benéfico e os incentivos subjacentes à dedutibilidade fiscal dos juros criam externalidades negativas e distorções de mercado; (c) sob o fundo da teoria
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No entanto, ainda que a preferência por capitais próprios puros se afigure um princípio
útil e indique, potencialmente, a abordagem mais benéfica do ponto de vista social,
diversos fatores se poderão apontar como limitadores de uma solução tão extremista,
designadamente o facto da common equity ser a mais cara forma de capital - na
medida em que o retorno exigido é superior (risco superior) - e da remuneração
associada ao common equity (v.g. dividendos) não ser fiscalmente dedutível, ao
contrário dos juros.
2.2.2. INSTRUMENTOS CONVERTÍVEIS: UMA SOLUÇÃO INTERMÉDIA
Neste contexto, a emissão de Cocos tem sido apontada como uma solução intermédia,
capaz de captar algumas das vantagens associadas à dívida e ao capital próprio.
A um tempo, a sua emissão comporta um custo inferior ao da common equity para as
instituições e, a outro tempo, a sua remuneração (juros) é fiscalmente dedutível.
Adicionalmente, os Cocos têm a capacidade de absorver perdas numa lógica “going
concern”, através da conversão em instrumentos de capital próprio de qualidade
superior ou da redução do seu valor nominal, mediante a verificação de um evento de
desencadeamento indicativo de insuficiência de capital. Ou seja, em momentos de
solidez o instrumento tem a natureza de dívida, tendo os respetivos investidores
direito a juros - e não a dividendos -, ao passo que, em momentos de necessidade de
capital, os mesmos participam na absorção das perdas.
Por fim, os CoCos podem reduzir a adoção de comportamentos de risco por parte dos
administradores e acionistas, dependendo do desenho do trigger event (28).
Como desvantagens à utilização destes instrumentos, podem ser apontados,
genericamente, os seguintes aspetos:
(a) excessiva complexidade, podendo os riscos associados aos mesmos não ser
Modigliani e Miller, o aumento dos capitais próprios não aumenta os custos totais de financiamento (i.e. média ponderada dos custos do financiamento por capitais próprios [cost of equity) e por dívida [cost of debt]) porque, apesar do cost of equity ser superior ao cost of debt, a diminuição do risco dos capitais próprios por efeito de uma diminuição da dívida leva a uma diminuição do cost of equity, não se verificando um aumento dos custos totais de financiamento. A respeito, em específico, da utilidade dos contingent convertibles em comparação com capital “puro” (capítulo 8 da referida obra [43 e ss.]), notam os autores que aqueles permitem aos acionistas dos bancos não suportar a sua quota-parte de risco. (
28) Em face da possibilidade de diluição (ver 2.1. supra). Desenvolvendo este aspeto: European Parliament,
Contingent convertible securities – is a storm brewing?, 2016, 6, que cita Natalya Martynova e Enrico Perotti, Convertible bonds and bank risk-taking, 2012, “By shifting the costs of the failure of a financial institution from taxpayers as a whole to investors and debt - holders, the latter are thought to be incentivesed to keep a closer eye on the institution's management and ensure that it is acting prudently”. Quanto a nós, o incentivo dependerá dos termos da conversão: quem perde valor por via da conversão?
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devidamente apreendidos pelos investidores (29);
(b) projetando como improvável a verificação do evento de desencadeamento, os
investidores, “sedentos” de instrumentos com yields altos, podem desconsiderar
o risco de conversão;
(c) a conversão dos CoCos (i) envia um sinal negativo ao mercado, diminuindo a
confiança na solidez da instituição de crédito por parte dos vários stakeholders,
(ii) pode provocar risco sistémico, afetando tanto instituições de crédito
emitentes de CoCos (30), como, eventualmente, não emitentes (por exemplo, no
caso de serem detentoras de Cocos emitidos por outras instituições);
(d) no contexto de uma crise financeira, os investidores (diríamos, principalmente os
que desconsideraram o risco de conversão na compra do instrumento) tenderão
a procurar alienar rapidamente os seus instrumentos. Por um lado, existe a
possibilidade de alienarem os instrumentos com um desconto considerável,
diminuindo ainda mais o seu valor de mercado. Por outro, tendo em conta o
facto de o mercado de CoCos não ser, ainda, suficientemente líquido, esses
investidores poderão encontrar grandes dificuldades em alienar os mesmos,
sendo tentados a: (i) vender ações do emitente a descoberto (short-selling) (31)
na tentativa de diminuir o valor dessas ações, saindo beneficiados da conversão
dos CoCos (o valor das mesmas voltaria depois ao seu real valor); (ii) adquirir um
swap de risco de incumprimento (credit-default swap) (32), de modo a prevenir o
(
29) Não foi despiciente a emissão, por parte da ESMA, de uma nota sobre os vários riscos associados aos CoCos, cfr.
ESMA, Potencial Risks Associated with Investing in Contingent Convertibles Instruments, 2014, que, numa lista não exaustiva, refere os seguintes riscos: (a) trigger level risk: relacionado com o risco de conversão do instrumento, que depende do rácio de fundos próprios CET1 existente e do trigger event; (b) risco do cancelamento do pagamento de juros; (b) capital structure inversion risk, tendo em conta o facto de os titulares dos CoCos poderem vir a absorver perdas antes dos acionistas (p.e. em caso de write-down); (c) risco de não reembolso na call date, dado o carácter tendencialmente perpétuo desses instrumentos (d) o facto de os CoCos terem uma estrutura ainda não testada suficientemente pelo mercado; (e) yield/valuation risk: conexo com a circunstância de os investidores poderem desconsiderar os riscos associados aos CoCos, focando-se no yield generoso oferecido pelos mesmos. (
30) Como demonstra o sucedido no início de 2016: com a instabilidade do Deutsche Bank e a descida do preço dos
seus CoCos, o valor dos CoCos de outras instituições europeias caiu consideravelmente, como veremos no ponto 3.3. da presente obra. (
31) Operação de venda em que o ordenador obteve os instrumentos financeiros alienados por via de empréstimo
ou por qualquer outro negócio jurídico que lhe atribua uma titularidade temporária e o constitua numa obrigação de restituição desses instrumentos. Este tipo de operações encontram-se, no âmbito europeu, reguladas pelo Regulamento (UE) n.º 236/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2012, tal como alterado. (
32) Um contrato derivado no qual uma parte paga uma remuneração à outra parte como contrapartida de um
pagamento ou outro benefício no caso de um acontecimento de crédito relativo a essa entidade de referência e de qualquer outro incumprimento, relativo a esse contrato derivado, que tenha um efeito económico equivalente. Também regulado pelo Regulamento (UE) n.º 236/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2012, tal como alterado.
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risco de conversão, produzindo um aumento do preço desses instrumentos (33);
todos estes fatores convergindo numa espiral de perda de confiança no mercado
(34).
As vantagens e desvantagens acima elencadas de modo exemplificativo têm um peso
diferente conforme as várias possíveis configurações dos CoCos, tema que se analisa
de seguida.
2.3. CONFIGURAÇÃO DOS COCOS
2.3.1. GENERALIDADES
A escolha da configuração dos CoCos dependerá sempre do peso relativo a considerar
nos objetivos que se pretende atingir com a sua emissão e, portanto, nas variáveis que
podem, nomeadamente, facilitar a sua aceitação pelo mercado, incentivar a adoção de
políticas racionais do ponto de vista da assunção de riscos e, principalmente,
influenciar a sua capacidade de absorção de perdas em caso de necessidade, num
equilíbrio entre os vários interesses em jogo.
Podem ser identificados dois elementos especialmente relevantes no que respeita à
configuração dos CoCos, a saber: os termos da conversão e o evento de
desencadeamento (35) (36).
2.3.2. TERMOS DA CONVERSÃO
Como ponto prévio, notar que este aspeto é apenas relevante nos CoCos “puros”, ou
seja, quando o efeito do evento de desencadeamento provoca a conversão dos
(
33) Este fenómeno verificou-se em fevereiro de 2016, aquando das dúvidas quanto aos CoCos do Deutsche Bank,
tendo o valor dos credit default swaps subido a pique - European Parliament, Contingent convertible securities – is a storm brewing?, 2016, 8. (
34) Para mais detalhes sobre as várias vantagens e desvantagens genéricas dos CoCos vide, a título ilustrativo,
Martynova e Enrico Perotti, Convertible bonds and bank risk-taking, 2012, 4-6; Hilary J. Allen, CoCos can Drive Markets Cuckoo, 2012; Mark J. Flannery, Contingent Capital Instruments for Large Financial Institutions: A Review of the Literature, 2013. (
35) Ver, a este respeito, Marks Flannery, Stabilizing Large Financial Institutions with Contingent Capital Certificates,
2009 e, em versão resumida, Marks Flannery e Enrico Perotti, CoCo design as a risk preventive tool, Vox, 2011. (
36) Stefan Avdjiev, Anastasia Kartasheva, Bilyanna Bogdanova, CoCos: a primier, BIS Quaterly Review, 2013, 44,
apontam que, no sentido de maximizar a capacidade de absorção de perdas, os CoCos devem possuir três características básicas: (a) absorver perdas antes da instituição de crédito se encontrar em situação de insolvência; (b) a ativação do evento de desencadeamento deve ser efetuada em função dos níveis de capitalização das instituições de crédito e (c) ser configurados de forma a evitar a manipulação de preço e ataques especulativos.
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mesmos noutro tipo de instrumento. No caso dos denominados write-down-only
CoCos, não cumpre aferir qualquer tipo de relação de conversão, dado que a
consequência da verificação do evento de desencadeamento é a redução do valor
nominal.
A relação de conversão indica o número de ações que o titular dos CoCos recebe por
efeito da conversão, em função dos CoCos por si detidos no momento do evento de
desencadeamento. Desde logo, a relação de conversão pode ser concretamente fixada
no momento da emissão dos CoCos (relação de conversão fixa) ou ser apenas
efetivamente aferível no momento da verificação do evento de desencadeamento, em
função de critérios pré-estabelecidos no momento da emissão dos CoCos (relação de
conversão variável). A relação de conversão (fixa ou variável) baseia-se no valor
atribuído a cada um dos instrumentos para esse efeito (podendo esse valor de
referência ser, p.e., o valor de mercado ou o valor nominal dos mesmos).
São exemplos de relação fixa o estabelecimento, no momento da emissão, de um valor
de referência dos CoCos e das ações para efeitos de conversão ou, simplesmente, a
definição do número de ações que serão atribuídas por cada CoCo convertido. No
primeiro caso, o valor das ações poder ser, p.e., (a) fixado a desconto em relação ao
seu valor de mercado no momento da emissão dos CoCos; (b) o valor de mercado no
momento da emissão dos CoCos; ou (c) o seu valor nominal; por seu lado, o valor dos
CoCos é, por norma, o seu valor nominal.
No caso de uma relação de conversão variável poder-se-á estabelecer que a mesma se
baseará: (a) no valor de mercado das ações e dos CoCos no momento da verificação do
evento de desencadeamento; (b) no valor de mercado das ações no momento da
verificação do evento de desencadeamento e no valor nominal dos CoCos; (c) em
quaisquer outras combinações possíveis em que pelo menos o valor de referência de
um dos instrumentos seja apenas concretizado no momento da verificação do evento
de desencadeamento (37).
As diferentes configurações terão influência na verificação - ou não - e na medida da
diluição dos acionistas, o que, por sua vez, influenciará a conduta dos acionistas no que
diz respeito aos riscos que se propõem a assumir e à eventual adoção de
comportamentos com vista a adiar o evento de desencadeamento (38). Com efeito, o
(
37) Para uma análise a respeito dos tipos de relação de conversão no contexto das obrigações convertíveis, ver
Fátima Gomes, Obrigações Convertíveis em Acções, 1999, 22 e 24 e 95 e ss.. Mais detalhes a respeito da conversão no âmbito do regime das obrigações convertíveis na nota 54 infra. (
38) Por aqui se vê que os write-down-only CoCos limitam a absorção de perdas apenas aos detentores dos CoCos.
Não obstante, a verdade é que desconfiança do mercado gerada pela verificação do write-down provocará em princípio, ceteris paribus, uma redução do valor de mercado das ações.
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estabelecimento de uma relação de conversão que implique uma diluição considerável
- principalmente económica - dos acionistas, pode atuar como incentivo para que os
mesmos limitem o risco e monitorizem a atividade da administração da instituição.
Tendo em conta o que antecede, poder-se-á concluir que uma relação de conversão
com base no valor nominal dos CoCos e no valor de mercado das ações no momento
da verificação do evento de desencadeamento assegura uma diluição considerável dos
acionistas, constituindo um forte incentivo a que os mesmos atuem de forma a
preservar os rácios de capital com robustez suficiente para que se mantenham acima
do limite estabelecido como evento de desencadeamento (39).
2.3.3. EVENTO DE DESENCADEAMENTO
2.3.3.1. FORMA DE VERIFICAÇÃO
Pode configurar-se o evento de desencadeamento de diferentes formas no que diz
respeito ao modo de ativação, podendo o mesmo ser ativado de forma automática ou
ficar dependente de decisão do regulador (regulatory trigger).
Sendo ativado de forma automática, i.e., apenas por efeito da verificação do critério
definido, pode ter por base: (a) um critério contabilístico (accounting value trigger); ou
(b) um critério de mercado (market value trigger):
- no primeiro caso, o evento de desencadeamento consiste na verificação de um
rácio constituído pelo valor contabilístico dos fundos próprios CET1 do emitente
(numerador) em percentagem dos ativos ponderados por risco (risk weighted
assets) (denominador). Esta configuração apresenta-se mais objetiva, evitando
exposição ao mercado e a manipulação, como se verá no caso dos market-value
triggers (40). A outro tempo, parece-nos que a eficácia deste método variará em
função da frequência com que os rácios são calculados e reportados, bem como
o rigor e consistência dos modelos internos de mensuração dos riscos;
- no segundo caso, o evento de desencadeamento baseia-se num rácio que tem
(
39) Daí parecer ser este o modelo preconizado por Marks Flannery e Enrico Perotti, CoCo design as a risk preventive
tool, Vox, 2011, 2. (
40) Louise Pitt, Amanda Hindlian, Sandra Lawson, Charles P. Himmelberg, Contingent Capital Possibilities, Problems
and Opportunities, 2011, 8. Poderá, no limite, existir a possibilidade de os detentores de CoCos causarem deliberadamente um evento de desencadeamento mediante uma venda a descoberto em bloco das ações do emitente de forma a baixar o seu preço de mercado que, posteriormente, voltaria ao normal. Esta possibilidade é, eventualmente, meramente teórica, tendo em conta o volume de operações que seriam necessárias para surtir o efeito pretendido.
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como numerador a capitalização de mercado do emitente. Verifica-se, nesta
hipótese, uma menor exposição ao risco de manipulação das contas e, por
comparação com o regulatory trigger, evita-se a exposição à potencial inércia da
entidade supervisora. No caso de as ações das instituições se encontrarem
cotadas em mercado regulamentado, este método permite uma transparência
superior aos restantes, na medida em que a probabilidade de verificação do
evento de desencadeamento pode ser aferida diariamente pelos investidores e
facilmente apreensível pelos mesmos. No entanto, diversas questões têm sido
suscitadas quanto à eficácia dos market triggers, nomeadamente a possibilidade
de os indicadores serem manipulados pelos titulares dos CoCos (41) e as
limitações quanto à aplicação deste método em relação a instituições não
cotadas (42) (43).
A segunda alternativa de configuração do modo de verificação do evento de
desencadeamento consiste na sua ativação por decisão do regulador, nomeadamente
com base num juízo em relação à solvência da instituição de crédito (point of non-
viability). A opção por um trigger desta natureza poderá permitir mitigar algumas
desvantagens apontadas ao accounting value trigger e ao market trigger. Porque, por
um lado, permite ao regulador desencadear o mecanismo de absorção de perdas
quando a instituição já apresenta uma situação financeira deficitária e as contas não
refletem corretamente esse estado (seja por não se encontrarem atualizadas, seja
porque o supervisor suspeita da falta de fiabilidade em relação à informação aí vertida)
e, por outro, permite mitigar o risco de o desencadeamento do mecanismo de
absorção de perdas ocorrer em virtude de fatores conjunturais ligados à volatilidade
dos mercados ou a qualquer tipo de manipulação. Com efeito, pelo menos idealmente,
os supervisores estão melhor informados sobre a situação financeira real das
instituições do que o mercado e, por isso, tomam conhecimento do registo de perdas
consideráveis antes de as mesmas serem publicamente divulgadas.
No entanto, a colocação do desencadeamento do mecanismo no plano da
discricionariedade da autoridade supervisora retira alguma objetividade ao seu
funcionamento e pode provocar alguma incerteza quanto ao timing do
desencadeamento. Poderá, neste contexto, arguir-se que o passado tem revelado que
(
41) Tal como vimos antes. Uma solução poderia passar por estabelecer como market trigger o valor médio da
capitalização durante um determinado período. (
42) As limitações no panorama europeu são óbvias: em 2012, apenas 312 das quase 7800 instituições de crédito
europeias encontravam-se cotadas em mercado regulamentado, como nota Marie Nieto, What a role, if any, can market discipline play in supporting macro prudentiual policy?, Bank of Spain, 2012, 16 (
43) Ver Marks Flannery e Enrico Perotti, CoCo design as a risk preventive tool, Vox, 2011, 2 e 3, para uma análise
mais detalhada sobre a fiabilidade dos preços das ações dos bancos como indicadores da efetiva situação de solvabilidade dos bancos.
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a supervisão, no geral, actua demasiado tarde.
2.3.3.2. HIGH TRIGGER OU LOW TRIGGER?
O evento de desencadeamento pode consistir na verificação de um rácio de capital
mais ou menos elevado, com consequência na probabilidade do mecanismo vir a ser
desencadeado.
A previsão de um trigger baixo permite aos bancos adiar a sua recapitalização,
podendo impedir que os CoCos funcionem como um instrumento de absorção de
perdas “going concern”, dado que, aquando da conversão ou write-off, poderá já ser
demasiado tarde para evitar a aplicação de medidas mais drásticas, v.g. a resolução.
De facto, quanto mais baixo for o rácio que configura o evento de desencadeamento
do mecanismo de absorção, mais o instrumento se aproxima de uma forma de bail-in.
A verificação de um trigger baixo provoca mais facilmente uma desconfiança por parte
do mercado quanto à viabilidade do banco do que a verificação de um trigger alto,
nomeadamente por parte dos depositantes (44). A outro tempo, mitiga o papel
disciplinador e preventivo contra a adoção de comportamentos de risco, tendo em
conta que permite ao banco atuar mais tempo com níveis de endividamento elevados
antes de o mecanismo de absorção de perdas ser acionado.
Conquanto seja possível encontrar diversas vantagens na adoção de um evento de
desencadeamento mais alto, cumprirá pesar esses fatores com a circunstância de os
investidores (em face do maior risco de conversão) exigirem um yield mais alto em
relação aos instrumentos com um high-trigger e com o facto de qualquer verificação
do evento de desencadeamento comportar, potencialmente, alarme no mercado e
desconfiança em relação ao banco e ao sistema bancário.
O desafio, está, pois e então, em encontrar uma configuração que, ponderando os
efeitos positivos e negativos da adoção de cada uma das possibilidade de formato dos
CoCos, permita alcançar um resultado mais satisfatório (45). Tal dependerá, em última
instância, das características específicas da instituição em causa.
Tal como se detalhará em seguida, a regulamentação europeia optou por prever que
os CoCos elegíveis como instrumentos de fundos próprios AT1 devem comportar um
(
44) Desconfiança essa que pode levar às famosas corridas aos bancos (bank runs), provocando graves problemas de
liquidez à instituição. Recorde-se os casos do Northern Rock em 2007 ou, mais recentemente (2015), em Portugal, o Banif - Banco Internacional do Funchal, S.A.. (
45) Marks Flannery e Enrico Perotti, CoCo design as a risk preventive tool, Vox, 2011, p. 5 defendem que a opção
regulatória mais adequada será a adoção de uma configuração (a) com uma taxa de conversão que implique perda de valor para os acionistas e (b) com um evento de desencadeamento mecânico, a market-value e elevado.
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evento de desencadeamento mecânico e accounting value e um rácio de
desencadeamento mínimo relativamente baixo (5,125% de CET1).
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3. COCOS COMO INSTRUMENTOS ELEGÍVEIS COMO FUNDOS PRÓPRIOS AT1
3.1. GENERALIDADES
Para que um instrumento possa ser considerado elegível como instrumento de fundos
próprios AT1, terá que respeitar um conjunto de requisitos previstos no artigo 52.º, n.º
1, do CRR.
Como se poderá constatar, esses requisitos (cumulativos) incorporam um conjunto de
características típicas quer de dívida, quer de capital próprio, sendo que optámos, por
mera facilidade metodológica, em separar esses requisitos pelas seguintes categorias:
(a) permanência; (b) capacidade de absorção; (c) limitação de pagamentos; e (d)
requisitos específicos para instrumentos não emitidos diretamente pela instituição.
Após um excurso a respeito desses requisitos, iremos, posteriormente, circunscrever a
análise a um dos requisitos da categoria (b), em especial ao rácio de desencadeamento
mínimo exigido pelo CRR.
Tendo em conta a necessidade de densificação de algumas das normas a respeito dos
instrumentos de fundos próprios AT1 e as dúvidas levantadas em relação à sua
interpretação, cumpre dar nota que a EBA tem vindo a emanar um conjunto de
indicações no sentido de clarificar alguns aspetos do regime (46).
Adicionalmente, foi aprovado o Regulamento Delegado (UE) n.º 241/2014 da
Comissão, de 7 de janeiro de 2014 (o “RD n.º 241/2014”), que completa o CRR quanto
a normas técnicas de regulamentação de fundos próprios, sendo de destacar, no que
aos instrumentos de fundos próprios AT1 diz respeito, o seu Capítulo III.
3.2. REQUISITOS LEGAIS
(
46) No âmbito da monitorização da qualidade dos instrumentos de fundos próprios emitidos pelas instituições de
crédito da União Europeia, a EBA publicou um relatório com análise à adequação das práticas que têm sido seguidas na emissão de instrumentos de fundos próprios AT1, estando a última versão (atualizada em 11 de Julho de 2016) (o “EBA Report AT1”) disponível em https://www.eba. europa.eu/documents/10180/950548/EBA+Report+on+the+ Additional+Tier+1+instruments+-+May+201 5.pdf. Adicionalmente, a mesma entidade emanou, no passado dia 11 de julho, propostas de redação para as disposições que regulam os instrumentos AT1: https://www. eba.euro pa.eu/documents/10180 /1360107/EBA+draft+AT1+templates+-+2016.pdf. Destaque ainda para o Single Rule Book da EBA: https://www.eba.europa.eu/regulation-and-policy/single-rulebook/interactive-single-rulebook.
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3.2.1. PERMANÊNCIA
De forma a que constituam fundos duradouros e uma fonte sólida de financiamento, o
CRR exige que os instrumentos de fundos próprios AT1:
(a) sejam perpétuos e as disposições que os regem não incluam qualquer incentivo
ao seu reembolso por parte da instituição (47) (artigo 52.º, n.º 1, alínea g)). O
artigo 20.º do RD n.º 241/2014 indica a forma e a natureza desses incentivos ao
reembolso;
(b) caso as disposições que regem os instrumentos incluam uma ou mais opções de
reembolso, o exercício da opção de reembolso dependa exclusivamente da
decisão discricionária do emitente (artigo 52.º, n.º 1, alínea h));
(c) só possam ser reembolsados ou recomprados (artigo 52.º, n.º 1, alínea i)) (48):
(i) “quando estiverem preenchidas as condições estabelecidas no artigo
77.º”, que se refere à necessidade de solicitação prévia à autoridade
competente (prevendo os artigos 28.º e ss. do RD n.º 241/2014 as regras
referentes aos requisitos de informação, apresentação e conteúdo dos
pedidos de autorização); e
(ii) nunca antes de decorridos cinco anos a contar da data de emissão,
exceto quando “estiverem reunidas as condições estabelecidas no artigo
78.º, n.º 4”.
O artigo 78.º, n.º 4, prevê que “as autoridades competentes só podem
autorizar as instituições a reembolsar instrumentos de fundos próprios
adicionais de nível 1 (…) antes de decorridos cinco anos a contar da data
de emissão se estiverem reunidas as condições estabelecidas no número 1
ou nas alíneas a) ou b) do presente número” (sublinhado e destaque
nossos).
(
47) A título indicativo, referir que em Portugal tem vindo a ser discutido se um valor mobiliário representativo de
dívida que confira direito ao pagamento de juro mas que não preveja uma data para o reembolso do capital pode ser qualificado como obrigação (artigos 348.º e ss. do CSC). Já se arguiu nesse sentido que: essa circunstância configura um afastamento decisivo em relação ao mútuo; o reembolso do capital corresponde a um direito de crédito do titular do instrumento (348.º, n.º 1, do CSC); em sede de insolvência, o titular do instrumento assume um direito de crédito sobre o capital em caso de liquidação da sociedade. Tem sido igualmente suscitada a possibilidade de se configurar a obrigação de reembolso de capital, nesse caso, como uma obrigação com cláusula cum voluerit (artigo 778.º, n.º 2, do Código Civil). De notar que, por efeito do Decreto-Lei 26/2015, de 6 de fevereiro, o CSC passou a prever este tipo de valores mobiliários (artigo 360.º, n.º 2, alínea a)), não os configurando como obrigações mas fazendo-lhe aplicar o seu regime. Para mais detalhes ver Ana Perestrelo de Oliveira, Manual de Corporate Finance, 2015, 148 e 171, Orlando Vogler Guiné, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume V, 2012, 897-898 e Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2011. (
48) Ver a este respeito, genericamente, os artigos 27.º e ss. do RD n.º 241/2014 e os parágrafos 26-36, 49 e 59 do
EBA Report AT1.
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Ora, por seu lado, o artigo 78º, n.º 1, estatui que a recompra ou
reembolso pode ocorrer se estiver reunida uma das seguintes condições:
(1) ocorra a substituição dos instrumentos por outros de igual ou melhor
qualidade (ver, em complemento, o artigo 27.º do RD n.º 241/2014) ou
(2) se conclua que do referido reembolso ou recompra não resulta
prejuízo para o cumprimento dos requisitos mínimos de fundos próprios
e o requisito combinado de reservas (49) por parte da instituição.
Já as condições estabelecidas nas alíneas a) e b) do artigo 78.º, n.º 4,
referem-se (1) à verificação de uma alteração de classificação
regulamentar dos instrumentos que poderá resultar na sua exclusão
como instrumento de fundos próprios AT1 ou reclassificação em fundos
próprios de qualidade inferior (50) e (2) à verificação de um alteração no
tratamento fiscal aplicável a esse instrumentos que seja significativa e
não razoavelmente previsível (51).
Não nos parece que a remissão operada pelo artigo 52.º, n.º 1, alínea i), para os
artigos 77.º e 78.º, n.º 4, seja isenta de dúvidas, nomeadamente quanto ao seu
alcance.
A primeira dúvida prende-se com a remissão para as condições constantes do
artigo 77.º. O artigo 52.º, n.º 1, alínea i), refere a necessidade de, em qualquer
reembolso ou recompra (ou seja, independentemente do momento em que tal
ocorre), estarem preenchidas as “condições estabelecidas no artigo 77.º”. Por
seu lado, o artigo 77.º exige que instituição solicite prévia autorização à entidade
competente para reduzir, reembolsar ou recomprar instrumentos de fundos
próprios CET1 (não aplicável ao caso) e/ou efetuar o reembolso ou a recompra
de instrumentos de fundos próprios AT1 ou T2 antes da data do respetivo
vencimento contratual.
Ora, “condições estabelecidas no artigo 77.º” parece-nos que diz respeito
somente à necessidade de a instituição efetuar uma solicitação prévia para
proceder ao reembolso ou recompra dos instrumentos, não se vislumbrando
quaisquer outras “condições” previstas no artigo 77.º (será que a redação
pretende aludir - desnecessariamente e de uma forma tecnicamente duvidosa -
(
49) Artigo 128.º, ponto 6) da CRD IV.
(50
) “Regulatory call”. Ver EBA Report AT1, nos seus parágrafos 26. a 28. e 49. A EBA entende que são apenas admissíveis “regulatory calls” que incidam sobre o montante total da emissão, independentemente do trigger ter sido o desreconhecimento parcial ou total do instrumento. (
51) “Tax calls”. Ver EBA Report AT1, nos seus parágrafos 30. a 33. e 38. A EBA aceita a possibilidade de um “tax cal”
sobre parte do montante da emissão.
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às normas que viriam a regular o pedido de autorização [emanadas,
posteriormente, via RD n.º 241/2014]?).
Por outro lado, cabe sublinhar o facto de uma leitura literal da segunda parte do
artigo 52.º, n.º 1, alínea i), nos levar a concluir que só se exige o preenchimento
das condições estabelecidas no artigo 78.º, n.º 1 (ex-vi artigo 78.º, n.º 4) no caso
de estar em causa um reembolso ou recompra antes de decorridos 5 anos da
data de emissão. Tal significaria, então, que os referidos requisitos não se
aplicariam à recompra ou reembolso após 5 anos decorridos da emissão. Essa
interpretação não parece coadunar-se com o espírito da norma (v.g. garantir um
carácter de permanência e estabilidade aos fundos em causa, no sentido do
cumprimento dos requisitos de fundos próprios), nem faria sentido do ponto de
vista sistemático - no caso de um reembolso ou recompra depois de decorridos 5
anos desde a data de emissão, a autoridade competente daria a autorização nos
termos do artigo 77.º com base em que critérios? De modo puramente
discricionário? A própria estrutura do artigo 78.º - tendo o n.º 1 como princípio
geral e o n.º 4 como regime especial no caso de estar em causa um
reembolso/recompra antes de decorridos 5 anos da data de emissão - não
parece compaginável com aquela leitura literal.
Assim, quanto a nós, faria sentido que a remissão para as “condições
estabelecidas no artigo 77.º” devesse ser feita para as “condições estabelecidas
nos artigos 77.º e 78.º” o que, na verdade, tornaria a segunda parte da alínea i)
(“(…) e nunca antes de decorridos 5 anos a contar da data de emissão, excepto
quando reunidas as condições estabelecidas no artigo 78.º, n.º 4”) redundante
(52).
O caminho acima ensaiado encerra, porém, um novo problema interpretativo: se
entendermos que as condições do artigo 78.º, n.º 1, devem estar preenchidas
em qualquer recompra/reembolso (independentemente de ser antes ou depois
de decorridos 5 anos da emissão), então qual a diferença entre os requisitos para
a recompra/reembolso realizada antes de decorridos 5 anos após a emissão e os
requisitos para a realizada posteriormente?
Recorde-se que o artigo 78.º, n.º 4 (para as recompras/reembolsos anteriores a 5
anos antes da data de emissão), prevê que “as autoridades competentes só
podem autorizar as instituições a reembolsar instrumentos de fundos próprios
adicionais de nível 1 (…) antes de decorridos cinco anos a contar da data de
(
52) Em boa verdade, este entendimento parece coincidente com a cláusula relativa às condições para reembolso e
recompra proposta pela EBA (EBA Standartised Templates for Additional Tier 1 Instruments - Draft, 17).
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emissão se estiverem reunidas as condições estabelecidas no número 1 ou nas
alíneas a) ou b) do presente número” (sublinhado e destaque nossos). Desta
forma, a recompra/reembolso antes de decorridos 5 anos após a emissão teria
um regime mais permissivo, podendo não estar preenchido qualquer requisito
do artigo 78.º, n.º 1, se estivesse verificado algum dos requisitos previstos nas
alíneas a) e b) do 78.º, n.º 4. Obviamente, esta solução contrariaria os princípios
lógicos interpretativos a maiori ad minus e a minori ad maius.
A resposta encontra-se, parece-nos, numa incorreta tradução do artigo 78.º, n.º
4, pois que, olhando à versão em língua inglesa (53) onde se lê “(…) condições
estabelecidas no número 1 ou nas alíneas a) ou b) do presente número”, deve ler-
se “condições estabelecidas no número 1 e nas alíneas a) ou b) do presente
número”.
Conclui-se, assim, que (i) em caso de recompra/reembolso antes de 5 anos após
a emissão, deve exigir-se o preenchimento de uma das condições previstas no
n.º 1 do artigo 78.º cumulativamente com a verificação alternativa dos
pressupostos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 78.º; e (ii) em caso
de recompra/reembolso após 5 anos decorridos da emissão, cumprirá preencher
um dos requisitos do n.º 1 do artigo 78.º.
(d) as disposições que regem os instrumentos não indiquem, expressa ou
implicitamente, que os instrumentos são ou podem ser reembolsados ou
recomprados, não devendo a instituição prestar de outra forma qualquer
indicação nesse sentido, exceto em caso de liquidação ou de recompras
discricionárias dos instrumentos (artigo 52.º, n.º 1, alínea j));
(e) a instituição não indique, expressa ou implicitamente, que a autoridade
competente dará o seu consentimento a um pedido de reembolso ou recompra
dos instrumentos (artigo 52.º, n.º 1, alínea k)).
3.2.2. CAPACIDADE DE ABSORÇÃO DE PREJUÍZOS
No sentido de garantir a capacidade de absorção de prejuízos por parte dos
instrumentos de fundos próprios AT1 e a sua subordinação em relação a outros
instrumentos de dívida (repara-se aqui, uma vez mais, a natureza híbrida do
instrumento e a aproximação das suas características às dos capitais próprios) exige-se
(
53) “The competent authorities may permit institutions to redeem Additional Tier 1 or Tier 2 instruments before five
years of the date of issue only where the conditions laid down in paragraph 1 and point (a) or (b) of this paragraph are met:”
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que:
(a) os instrumentos devem estar emitidos e realizados, perdendo a sua elegibilidade
se forem subscritos ou adquiridos pela instituição emitente ou por alguma das
suas filiais ou sociedade em que detenha uma participação superior a 20%
(artigo 52.º, n.º 1, alíneas a) e b));
(b) a sua aquisição por terceiros não seja financiada direta ou indiretamente pela
instituição emitente (artigo 52.º, n.º 1, alínea c));
(c) tenham uma graduação hierárquica inferior aos instrumentos de fundos próprios
T2 em caso de insolvência da instituição (artigo 52.º, n.º 1, alínea d)); não
podendo estar garantidos ou ser objeto de qualquer garantia que aumente a
senioridade do crédito (artigo 52.º, n.º 1, alínea e);
(d) não estejam sujeitos a qualquer disposição, contratual ou outra, que aumente a
graduação do crédito a título dos instrumentos em caso de insolvência ou
liquidação (artigo 52.º, n.º 1, alínea f));
(e) não contribuam para determinar que os passivos de uma instituição excedem os
seus ativos em situações em que tal determinação constitua um teste de
insolvência, se aplicável, nos termos do direito nacional (artigo 52.º, n.º 1, alínea
m));
(f) as disposições que regem os instrumentos não incluam qualquer característica
suscetível de impedir a recapitalização da instituição (artigo 52.º, n.º 1, alínea o),
em conjugação com o artigo 53.º). O artigo 23.º do RD n.º 241/2014 estatui que
que se incluem nessas características as disposições que exijam que a instituição
compense os detentores existentes de instrumentos de fundos próprios quando
sor emitido um novo instrumento de fundos próprios;
(g) mediante a verificação de um evento de desencadeamento (artigo 52.º, n.º 1,
alínea n) e artigo 54.º):
(i) o montante do capital dos instrumentos seja reduzido (write-off), a título
permanente ou temporário, ou
(ii) os instrumentos sejam convertidos em instrumentos CET1.
Nos termos do artigo 54.º, n.º 1, alínea a), o evento de desencadeamento ocorre
quando o rácio de capitais CET1 for inferior a 5,125% ou a um nível superior - nos
termos e condições previstos nas disposições referentes ao instrumento -
podendo, adicionalmente, prever-se outros eventos de desencadeamento.
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O CRR permite, assim, que se incluam como instrumentos de fundos próprios
AT1 tanto CoCos “convertíveis” como write-down CoCos. Adicionalmente,
acabou por prever a necessidade de o (ou pelo menos um) evento de
desencadeamento ser a verificação de que o rácio de fundos próprios CET1 ficou
abaixo de determinado nível (no mínimo 5,125%), tal consubstanciando um
trigger mecânico, baseado no accounting value, e relativamente baixo em função
dos requisitos mínimos de capital (4,5% de CET1). Quanto aos termos da
conversão, o CRR estatui apenas a necessidade de se prever, nas disposições que
regem os instrumentos, a taxa de conversão e o limite para o montante de
conversão autorizado, não tomando posição quanto à configuração dos termos
da conversão (54). Notar, por fim, que se podem prever cláusulas anti-diluição
(55). Estes temas serão analisados com mais detalhe em 3.4. infra.
3.2.3. LIMITAÇÃO AOS PAGAMENTOS
Um dos aspetos mais relevantes no que concerne à admissibilidade dos instrumentos
como AT1 diz respeito à limitação aos pagamentos, i.e., à possibilidade de a instituição
não proceder ao pagamento dos juros referentes aos instrumentos (de novo,
encontramos aqui uma aproximação às características dos capitais próprios e a um
tipo de remuneração que se aproxima dos dividendos). Nesta matéria, pode verificar-
se o cancelamento de pagamentos em virtude de limitações legais ou por decisão do
emitente ou da autoridade competente.
3.2.3.1. LIMITAÇÕES LEGAIS
Nos termos do artigo 52.º, n.º 1, alínea l), as distribuições (56) a título dos instrumentos
têm de provir de elementos distribuíveis (57), não podendo o nível de distribuições
(
54) Em Portugal, o artigo 366.º do CSC, no âmbito das obrigações convertíveis, exige que a deliberação de emissão
inclua “as bases e os termos da conversão” (cfr. n.º 2, alínea a). Caberá, adicionalmente, chamar a atenção para o facto de, entre nós, não poderem ser emitidas ações abaixo do par, i.e. o valor nominal das ações não pode ser superior ao valor das entradas do acionista (artigos 25.º, n.º 1, e 298.º, n.º 1, do CSC), o que tem levado alguma doutrina a concluir, a respeito das obrigações convertíveis, que o valor nominal das ações atribuídas por efeito da conversão não pode exceder o valor de subscrição das obrigações, princípio este que nos parece aplicável aos CoCos. Para mais detalhes ver Carlos Osório de Castro, Valores Mobiliários: Conceitos e Espécies, 1998, 174, Orlando Vogler Guiné, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume V, 2012, 934 e demais bibliografia aí indicada, em especial Fátima Gomes, Obrigações Convertíveis em Ações, 1999, 106. e ss. (
55) EBA, EBA Standardized Templates for Additional Tier 1 Instruments - DRAFT, 23.
(56
) Nos termos do artigo 4.º, ponto 110), pagamentos de dividendos ou de juros, sob qualquer forma. (
57) Nos termos do artigo 4.º, ponto 128), corresponde ao montante dos lucros no final do último exercício:
(a) acrescido dos lucros transitados e das reservas disponíveis para esse efeito antes das distribuições aos detentores de instrumentos de fundos próprios e;
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efetuadas sobre os instrumentos ser alterado com base na qualidade de crédito da
instituição ou da sua empresa-mãe (v.g. notação de risco) (artigo 52.º, n.º 1, alínea l),
parágrafos i) e ii)).
Adicionalmente, as instituições que não cumpram o requisito combinado de reserva de
fundos próprios (58) devem calcular o montante máximo distribuível (o "MMD") (59) e
notificar a autoridade competente, sendo que (a) enquanto não o fizerem, aplicam-se
um conjunto de limitações a respeito de distribuições de dividendos, pagamento de
bónus e pagamentos vinculados a instrumentos de fundos próprios AT1 (e.g. juros); (b)
apenas poderão efetuar distribuições na medida em que não excedam o MMD (vide
artigo 141.º, n.º 2 e ss. da CRD IV e, no ordenamento jurídico português, artigos 138.º-
AA e ss. do RGICSF).
3.2.3.2. CANCELAMENTO DISCRICIONÁRIO
Em primeiro lugar, o cancelamento dos pagamentos pode ocorrer por decisão da
instituição, dado que as disposições que regem os instrumentos devem prever que a
instituição tem plenos poderes discricionários para cancelar as distribuições durante
um período ilimitado e numa base não cumulativa, sem que esse cancelamento (60): (a)
constitua um caso de incumprimento (event of default [61]) ou (b) imponha quaisquer
restrições à instituição (artigo 52.º, n.º 1, alínea l), parágrafos iii) a e v)). O artigo 53.º
refere, a título meramente exemplificativo, disposições que constituem restrições ao
cancelamento das distribuições (62).
Em segundo lugar, nos termos do artigo 104.º, n.º 1, alínea i), a autoridade
(b) deduzidas as perdas transitadas, os lucros que não sejam distribuíveis por força de disposições legislativas ou dos estatutos da instituição e as verbas colocadas em reservas não distribuíveis nos termos do direito nacional aplicável ou dos estatutos da instituição, sendo essas perdas e reservas determinadas com base nas contas individuais da instituição e não com base nas contas consolidadas. (
58) Artigo 128.º, ponto 6) da CRD IV.
(59
) Calculado de acordo com o artigo 141.º da CRD IV, n.º 4 e ss. No RGICSF, 138.º-AB. (
60) Relembre-se o que se disse supra a respeito das obrigações perpétuas (aí por referência à obrigação de
reembolso): pode, à luz do regime português, um instrumento cujo pagamento do juro é discricionário, por opção do emitente, não existindo, pois, um direito de crédito por parte do titular (numa base semelhante a uma obrigação natural [402.º do Código Civil]? - como refere Orlando Vogler Guiné, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume V, 2012, 900), ser subsumível ao conceito de obrigação? (
61) Ver EBA Report AT1, parágrafo 37, sobre a necessidade de as disposições que regem os instrumentos não
incluírem expressões que podem indicar que o cancelamento do pagamento dos juros constitui event of default, e parágrafo 50, sobre a inadmissibilidade da ligação dos pagamentos a determinados fatores. (
62) Ver, ainda, EBA Report AT1, parágrafos 37 (supra referido), 45 (sobre a inadmissibilidade da previsão de um
evento de desencadeamento duplo, em que a conversão/redução apenas ocorre se o cancelamento do pagamento dos juros não se revelar suficiente) e 65 e ss. (a respeito do desaconselhamento da EBA à utilização de contingente clauses que prevejam a possibilidade de o pagamento de juros se tornar obrigatório no caso de os instrumentos deixarem de ser considerados instrumentos de fundos próprios AT1).
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competente pode “limitar ou proibir as distribuições ou os pagamentos de juros por
uma instituição aos acionistas, sócios ou detentores de instrumentos de fundos
próprios adicionais de nível 1 caso a proibição não constitua um caso de
incumprimento da instituição”.
3.2.3.3. OBJETIVO DAS LIMITAÇÕES AOS PAGAMENTOS
As referidas limitações visam, inter alia, constituir medidas de conservação do capital
das instituições e um forte incentivo no sentido do cumprimento das regras referentes
às reservas de fundos próprios (63).
De outro enfoque, a possibilidade de cancelamento discricionário permite que a
instituição possa lançar mão deste mecanismo caso necessário, mitigando,
nomeadamente, o risco de conversão/write-off em caso de dificuldades. As próprias
restrições obrigatórias permitem, se respeitadas, reduzir a possibilidade de a
conversão/write-off vir a ocorrer.
Pode apontar-se, contudo, que, baseando-se a aferição dos elementos distribuíveis na
contabilidade, a mesma encontra-se sujeita a manipulação por parte dos
administradores.
Neste âmbito, cumpre chamar à colação a instabilidade do mercado dos CoCos no
início de 2016, causada pelo alarme do mercado em relação ao risco de não
pagamento do cupão, quanto a nós, nomeadamente, por dois fatores. A um tempo, a
circunstância de, em Dezembro de 2015, a EBA ter emitido um parecer no sentido de
que o MMD deve ser calculado tendo em conta tanto os requisitos mínimos de capital
(Pilar I) como as reservas adicionais (Pilar II), opinião posteriormente sufragada pelo
Banco Central Europeu (o “BCE”) (64). A outro tempo, os receios quanto à situação
financeira do Deutsche Bank, que em Maio de 2014 emitiu CoCos no montante total
de € 3,5 mil milhões (em tranches com cupões a 6%, 6,25% e 7,125%), e a possibilidade
de ser cancelado o pagamento de juros referentes a esses CoCos.
(
63) O Considerando 89) da CRD IV é bastante esclarecedor quando aos interesses que visa tutelar: “se uma
instituição de crédito ou empresa de investimento não conseguir cumprir na íntegra o requisito combinado de reservas de fundos próprios, deverá ser objeto de medidas destinadas a assegurar que reconstitua os seus níveis de fundos próprios em tempo oportuno. Para conservar os fundos próprios, convém impor restrições proporcionais sobre a distribuição discricionária de lucros, incluindo o pagamento de dividendos e o pagamento de remunerações variáveis” (
64) Estando o parecer da EBA disponível em https://www.eba.europa.eu/documents/10180/983359 /EBA-Op-2015-
24+Opinion+on+MDA.pdf, e o entendimento do BCE, exposto no Caderno do Mecanismo Único de Supervisão sobre a metodologia do processo de análise e avaliação para fins de supervisão (Supervisory Review and Evaluation Process - SREP), 28, disponível em https://www.bankingsupervision.europa.eu/ecb/pub/pdf/ssm_srep_method ology_bookle t.en.pdf
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Esta situação provocou algum abrandamento na emissão de CoCos por parte dos
bancos europeus, tendo, durante o período de instabilidade, o preço dos CoCos do
Deutsche Bank baixado de 93% do seu valor nominal, no início do ano, para 72%, em 8
de Fevereiro (65).
3.2.4. INSTRUMENTOS NÃO EMITIDOS DIRETAMENTE POR UMA INSTITUIÇÃO
Nos termos do disposto no artigo 52.º, n.º 1, alínea p), caso os instrumentos não sejam
emitidos diretamente por uma instituição, devem ser emitidos através de uma
entidade incluída no âmbito da consolidação e o produto da emissão deve ser
imediatamente disponibilizado a essa instituição, sem limitação, e nos mesmos moldes
como se fosse emitido diretamente pela instituição. O artigo 24.º do RD n.º 241/2014
estabelece requisitos adicionais a este respeito.
3.3. A EMISSÃO DE COCOS NA UNIÃO EUROPEIA
Nos últimos anos, as instituições de crédito europeias têm vindo a emitir um volume
bastante considerável de CoCos elegíveis como fundos próprios AT1, como demonstra
o Quadro 1 infra.
(Quadro 1)
Fonte: Financial Times (66)
(
65) Com mais detalhe, BCE, Contingent Convertible Securities, is a storm brewing?, 2016, Financial Times, Music
Stops For Buyers of Bank Coco Debt, 11 de fevereiro de 2016; Financial Times, ECB is Having Second Thoughts on “CoCo” bonds, 24 de abril de 2016. (
66) ECB is having second thoughts on “CoCo” bonds, 24 de abril de 2016.
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Não obstante, tal como referido em 3.2.3 supra o mercado de CoCos foi, no início de
2016, objeto de alguma desconfiança por parte investidores, verificando-se, em
consequência, uma descida considerável na cotação dos CoCos (67). Não obstante,
após algum período de congelamento do mercado, já se registaram algumas emissões,
sendo exemplo disso os CoCos emitidos recentemente pelo Banco Bilbao Vizcaya
Argentaria, pelo ING Bank (68) e pelo Bankinter.
No que a Portugal diz respeito, damos nota da emissão dos denominados instrumentos
de capital elegíveis, emitidos pelo Banco Comercial Português, S.A. (3 mil milhões de
euros) (69), pelo Banco BPI, S.A. (1,5 mil milhões de euros) (70) e pela Caixa Geral de
Depósitos, S.A. (900 milhões de euros) (71) em 2012, e subscritos pelo Estado
Português no âmbito de operações de recapitalização com recurso a investimento
público, ao abrigo da Lei n.º 63-A/2008, de 24 de novembro e da Portaria 150-A/2012,
de 17 de maio (entretanto revogada pela Portaria 14/2014).
Os referidos instrumentos foram emitidos como instrumentos elegíveis como fundos
CET1 (e não AT1) - visaram que as referidas instituições atingissem os requisitos de
CET1 então exigidos -, com as seguintes características genéricas: (a) não garantidos,
sem termo e subordinados; (b) tendo o Estado Português direito a juros sobre o
montante de capital (crescente [72]); e (c) estando sujeitos a conversão em ações
(ações especiais).
Previu-se que a conversão era obrigatória (se o emitente cancelasse ou suspendesse o
pagamento de juros ou se verificasse um incumprimento relevante - nomeadamente
as metas do plano de recapitalização) ou sucedesse por efeito do exercício desse
direito por parte do Estado Português (no caso de o emitente se tornar inviável sem
essa conversão ou sem outras subscrições de capital por parte do Estado Português).
(
67) Para além dos CoCos emitidos pelo Deutsche Bank, verificou-se, por exemplo, uma descida abrupta no preço
dos CoCos emitidos pelo UniCredit e pelo Banco Popular, tendo, em ambos os casos, a cotação baixado de cerca de 85% por cento do valor nominal no início do ano de 2006, para menos de 75% em Fevereiro – Financial Times, ECB is having second thoughts on “CoCo” bonds, 24 de abril de 2016. (
68) Em abril de 2016, o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria emitiu CoCos no valor de mil milhões, a uma taxa de
8,875%, tendo sido o primeiro banco “periférico” a colocar CoCos no mercado desde a emissão do Banca Intesa. No mesmo mês, o ING Bank emitiu, igualmente, CoCos elegíveis como AT1. Ver, p.e. Financial Times, BBVA issues first peripheral CoCo bond since turmoil, 7 de abril de 2016. (
69) Despacho do Ministro das Finanças n.º 8840-B/2012, de 28 de junho, alterado pelo Despacho 12069/2012, de
10 de setembro. O Banco Comercial Português, S.A. já devolveu a maior parte do capital, permanecendo, à data, 750 milhões de euros por reembolsar; no passado mês de maio foi efetuado um pedido de autorização ao BCE no sentido de efetuar um novo reembolso de 250 milhões de euros. (
70) Despacho do Ministro das Finanças n.º 8840-A/2012, de 28 de junho. O Banco BPI, S.A. já procedeu à totalidade
do reembolso do capital dos instrumentos em 2014. (
71) Despacho do Ministro das Finanças n.º 8840-A/2012, de 28 de junho.
(72
) Para o período de investimento de 5 anos: (a) 8,5% no primeiro ano; (b) 8,75% no segundo ano; (c) 9% no terceiro ano; (d) 9,5% no quarto ano; (e) 10% no quinto ano.
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Em 2013, verificou-se uma emissão semelhante por parte do Banco Internacional do
Funchal, S.A. (73).
Por fim, mencionar que se discute, na presente data, o plano de recapitalização da
Caixa Geral de Depósitos, S.A., que, de acordo com o recente comunicado do
Ministério das Finanças (74), inclui, nomeadamente, a conversão de “960 milhões de
euros de instrumentos de capital contingentes (CoCo’s) subscritos pelo Estado em
ações” e a “emissão de instrumentos de dívida com elevado grau de subordinação, de
cerca de 1 000 milhões de euros, elegível para efeitos de cumprimento dos rácios de
capital regulatório”, estes últimos a subscrever por investidores privados e que não
serão convertíveis em ações, de acordo com o mesmo comunicado. Prevê-se que estes
instrumentos sejam, pois, instrumentos de fundos próprios AT1 (sujeitos a write-off,
como já tem sido avançado pela imprensa [75]).
(
73) Despacho do Ministro das Finanças n.º 1527-B/2013, de 23 de janeiro.
(74
) Gabinete do Ministro das Finanças, “Plano de Recapitalização da CGD aprovado pela Comissão Europeia”, de 24 de Agosto de 2016 - disponível em http://www.portugal.gov.pt/pt/ministerios/mf/comu nicados/20160824-mf-cgd.aspx (
75) Jornal de Negócios, CGD emitirá dívida com juro alto e risco de perdas, 26 de agosto de 2016.
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4. A OPÇÃO LEGISLATIVA POR UM EVENTO DE DESENCADEAMENTO (MÍNIMO) RELATIVAMENTE
BAIXO E O ARTIGO 54.º, N.º 5, DO CRR, COMO FORMA DE MITIGAR AS DESVANTAGENS DAÍ
DECORRENTES
4.1. O EVENTO DE DESENCADEAMENTO
Tal como supra referido em 3.2.2, a verificação de um evento de desencadeamento de
um instrumento de AT1 dará lugar a uma redução do valor nominal, a título
permanente ou temporário, ou à conversão em instrumentos CET1 (aumentando, por
esse efeito, o rácio de CET1) (76). O evento de desencadeamento ocorre quando o rácio
de capitais CET1 for inferior a 5,125% ou a um nível superior (ou, ainda, mediante a
verificação de outro evento de desencadeamento adicional).
No caso de se tratar de um instrumento convertível, as disposições que regem o
mesmo devem prever, por um lado, a taxa de conversão e o limite para o montante de
conversão autorizados e, por outro, o intervalo no âmbito do qual os instrumentos
serão convertidos em CET1 (artigo 54.º, alínea c) do CRR).
Tratando-se de instrumentos sujeitos a redução, esta inclui os elementos previstos no
artigo 54.º, alínea d), aplicando-se a redução de forma proporcional a todos os
detentores dos instrumentos que incluem um mecanismo de redução de valor
semelhante e com um nível de desencadeamento idêntico (artigo 21.º, n.º 1, do RD n.º
241/2014).
Tal como supra aludido, a redução pode, sob discricionariedade do emitente (77), ser
temporária (i.e. o valor do capital reduzido pode vir a ser reposto – “write-up” [78]),
devendo, nesse caso, preencher-se as condições previstas no artigo 21.º, n.º 2, do RD
n.º 241/2014 (destacamos, a este respeito, o facto de a alínea f) exigir que a soma dos
montantes repostos e pagamentos de cupões com base no montante reduzido do
capital se deve entender como pagamentos que causam redução dos fundos CET1,
estando sujeitos às restrições e aos limites acima explanados a respeito do MMD).
Tendo a redução ou conversão como efeito pretendido, num quadro de insuficiência
de capital CET1 (recorde-se o papel dos CoCos como mecanismo de absorção de (
76) Ver, genericamente, como apoio, parágrafos 39. a 48. e 85. a 98. do EBA Report AT1.
(77
) Não podem existir disposições que façam a reposição depender de disposições contratuais, estatutárias ou outras obrigações (cfr. parágrafo 51. do EBA Report AT1). (
78) Ver parágrafo 86 do EBA Report AT1 a respeito do funcionamento do write-up em caso de existência de um
duplo evento de desencadeamento.
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perdas), aumentar o rácio de CET1:
(a) exige-se que, do ponto de vista contabilístico, essa redução ou conversão gere
elementos que contem como instrumentos CET1 (artigo 52.º, n.º 2 do CRR);
(b) o montante reduzido ou convertido mediante a verificação do evento de
desencadeamento não pode ser inferior ao menor dos seguintes elementos: (a)
montante necessário para que o rácio de CET1 atinja 5,125% (artigo 52.º, n.º 4,
alínea a), do CRR); (b) totalidade do montante de capital do instrumento (artigo
52.º, n.º 4, alínea b), do CRR) (79).
Parece-nos que, no caso de o evento de desencadeamento ser a verificação de um
rácio superior a 5,125% se deve ler a alínea a) do artigo 52.º, n.º 4, do CRR, como
exigindo o montante necessário para que o rácio de CET1 volte, no mínimo, ao rácio de
CET1 que consubstancia o evento de desencadeamento. Um outro apontamento nesta
matéria: não será que a restituição dos rácios de capital para, apenas, 5,125% ou outro
nível correspondente ao evento de desencadeamento, deixa os CoCos perto de novo
evento de desencadeamento? Não deveria prever-se uma “folga”?
4.2. POTENCIAL PROBLEMA DE UM EVENTO DE DESENCADEAMENTO BAIXO
Como se viu, o CRR prescreve a necessidade de o evento de desencadeamento ser a
verificação de um rácio de CET1 de, no mínimo, 5,125%.
Um aspeto que nos parece importante analisar nesta sede reside em aferir até que
ponto a conversão ou redução do valor nominal de um instrumento de fundos
próprios AT1 por efeito de um evento de desencadeamento que consista na
verificação de um rácio de CET1 abaixo de 5,125% - ou ligeiramente superior - pode,
efetivamente, funcionar como um mecanismo de absorção de perdas numa lógica
going-concern, verificando-se num momento anterior à necessidade de intervenção
por parte da autoridade supervisora - e, portanto, quando ainda é possível a instituição
manter uma situação de solvência.
Para tal, cumprirá articular o regime da redução/conversão por efeito da verificação do
evento de desencadeamento e a regulação no que concerne à recuperação e resolução
bancária, prevista na Diretiva 2014/59/EU do Parlamento e do Conselho, de 15 de
(
79) No entender da EBA, no caso de serem desencadeados dois trigger events (p.e. o emitente fez duas emissões de
CoCos, uma com um trigger de 8% e outra com um trigger de 5,125% do CET1, e o CET1 baixa diretamente de 9% para 6%), as perdas devem ser absorvidas pelo trigger mais baixo e pelo mais alto, numa lógica pro-rata, até que se perfaça os 5,125% de CET1, sendo as perdas acima desse trigger suportadas apenas pelo instrumento com um evento de desencadeamento superior.
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maio (a “BRD”) (80) (81).
4.3. GENERICAMENTE: OS PRESSUPOSTOS PARA A APLICAÇÃO DAS MEDIDAS DE INTERVENÇÃO
PRECOCE E DE RESOLUÇÃO
A BRD prevê a possibilidade da autoridade supervisora aplicar medidas de intervenção
precoce (82) e medidas de resolução (83).
No que concerne à intervenção precoce, que inclui um conjunto bastante alargado de
possíveis medidas (e.g. elaboração de plano de restruturação por parte da
administração da instituição, restrições à atividade, alterações nas estruturas legais,
operacionais e funcionais ou destituição e substituição de membros dos órgão de
administração e fiscalização), as mesmas deverão ser aplicadas quando observado o
incumprimento ou risco de incumprimento, a avaliar num conjunto de fatores de
desencadeamento, das normas legais e regulamentares a que a instituição se encontra
adstrita (incluindo, pois, os requisitos de fundos próprios) - cfr. artigo 27.º da BRD e,
em Portugal, artigo 141.º, n.º 1, do RGICSF (84).
(
80) Transposta para o ordenamento jurídico português pela Lei n.º 23-A/2015, de 26 de março, que altera o RGICSF
(artigos 139.º e ss.). (
81) O novo enquadramento para a recuperação e resolução bancária visa reformular o anterior regime em face dos
problemas suscitados pela crise financeira, nomeadamente a necessidade de evitar a verificação de novas situações de bail-out, sendo que, para facilidade de enquadramento quanto aos princípios orientadores do referido regime, reproduzimos o primeiro Considerando da BRD “A crise financeira demonstrou uma grande falta de instrumentos adequados a nível da União para tratar com eficácia o problema das instituições de crédito e das empresas de investimento pouco sãs ou em situação de insolvência. Esses instrumentos são necessários, nomeadamente, para evitar procedimentos de insolvência ou, se tal não for possível, para minimizar as suas repercussões negativas, preservando as funções de importância sistémica das instituições em causa. Durante a crise, estes desafios constituíram um fator essencial que obrigou os Estados-Membros a salvarem instituições utilizando o dinheiro dos contribuintes. A finalidade de um enquadramento credível para a recuperação e a resolução consiste em evitar, ao máximo, a necessidade de proceder a tal intervenção.” (
82) Título III da BRD (artigos 27.º e ss.) e, no ordenamento jurídico português, Capítulo II do Título VIII do RGICSF
(artigos 141.º e ss.). (
83) Título IV (artigos 31.º e ss.) e, no ordenamento jurídico português, Capítulo III do Título VIII do RGICSF (artigos
145.º-C e ss.). (
84) Saliente-se que a EBA emitiu orientações relativas aos fatores de desencadeamento de intervenção precoce
(EBA/GL/2015/03), identificando os seguintes fatores de desencadeamento: (a) notação global do processo de revisão e avaliação pela supervisão (o “SREP”) e as combinações predefinidas da notação global do SREP e das notações dos elementos individuais do SREP; (b) alterações ou anomalias significativas identificadas na monitorização dos indicadores-chave financeiros e não financeiros no âmbito do SREP, que demonstrem que as condições para uma intervenção precoce foram preenchidas; (c) acontecimentos significativos que indiquem que as condições para uma intervenção precoce foram preenchidas. Documento disponível em https://www.eba.europa.eu/documents /10180/1151520/EBA-GL-201503PT+GL+on+early+intervention+measures.pdf/5d8afbdd-4f32-40eb-9b18-6dab419261a2. Em Portugal, o legislador optou por prever um conjunto de critérios indicadores do risco de incumprimento das disposições legais e regulamentares por parte das instituições de crédito, elencados no artigo 141.º, n.º 2 do RGICSF, sem prejuízo de o Banco de Portugal poder atender a outros fatores que legitimem a sua atuação à luz dos princípios enunciados no artigo 139.º do RGICSF.
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A outro passo, a aplicação de medidas de resolução (onde se incluem a alienação da
atividade, a criação de instituição de transição, a segregação de ativos e a
recapitalização interna) deve ser assegurada no caso de, no geral, cumulativamente:
(a) a instituição de crédito estar em situação ou em risco de insolvência;
(b) tendo em conta a situação concreta, não se afigurar expectável que a insolvência
seja evitada em prazo razoável por efeito da aplicação de medidas promovidas
pela instituição, de medidas de intervenção precoce ou de redução ou conversão
de instrumentos de fundos próprios e;
(c) as medidas serem necessárias para a defesa do interesse público (85).
Note-se, em especial, o poder da autoridade competente no que respeita à
possibilidade de redução ou conversão de instrumentos de fundos próprios (CET1, AT1
ou T2, por essa ordem - o que significa que os detentores de CET1 absorvem as perdas,
nestas circunstâncias, antes dos detentores de CoCos), caso estiverem preenchidos,
nomeadamente, algum dos seguintes requisitos:
(a) encontram-se verificados os pressupostos para a aplicação das medidas de
resolução e não tiver sido aplicada uma medida de resolução;
(b) se não for efetuada essa conversão ou redução, a instituição deixa de ser viável
(86).
As circunstâncias em que se poderá considerar que uma instituição de crédito está em
risco ou em situação de insolvência são, de acordo com o artigo 32.º, n.º 1, da BRD (à
semelhança do transposto no artigo 145.º-E, n.º 3, do RGICSF) (87):
“a) A instituição deixou de cumprir ou existem elementos objetivos que permitem
concluir que a instituição irá deixar de cumprir, dentro de pouco tempo, os requisitos
necessários à continuidade da sua autorização, a tal ponto que se justificaria a retirada
dessa autorização pela autoridade competente, nomeadamente, mas não
exclusivamente, porque a instituição sofreu ou irá provavelmente sofrer perdas que
levarão ao esgotamento total, ou de uma parte significativa, dos seus fundos próprios;
b) Os ativos da instituição são, ou existem elementos objetivos que permitem concluir
(
85) Vide, nomeadamente, artigos 32.º da CRD IV e 145.º-E do RGICSF.
(86
) Artigos 59.º e ss. da CRD IV e 145-I e ss. do RGICSF.
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que irão ser, dentro de pouco tempo, inferiores aos seus passivos;
c) A instituição é incapaz ou existem elementos objetivos que permitem concluir que irá
ser, dentro de pouco tempo, incapaz de pagar as suas dívidas e outras obrigações na
data de vencimento;
d) É requerido apoio financeiro público extraordinário, exceto quando, para prevenir ou
remediar uma perturbação grave da economia de um Estado-Membro e para preservar
a estabilidade financeira, o apoio financeiro público extraordinário assumir uma das
seguintes formas:
i) uma garantia do Estado para apoiar a utilização de linhas de crédito disponibilizadas
por bancos centrais nas condições aplicadas pelos bancos centrais,
ii) uma garantia estatal de novos instrumentos de passivo emitidos, ou
iii) uma entrada de fundos próprios ou a compra de instrumentos de capital a preços e
em condições que não confiram vantagens à instituição, caso não se verifiquem, no
momento em que o apoio público é concedido, as circunstâncias referidas nas alíneas
a), b) ou c) do presente número, nem as circunstâncias referidas no artigo 59.º , n.º 3”
Em cumprimento do disposto no artigo 32.º, n.º 6, da BRD, a EBA emanou um conjunto
de orientações (EBA/GL/2015/07) a respeito da interpretação das diferentes
circunstâncias em que uma instituição é considerada em situação ou risco de
insolvência, com foco nos elementos objetivos relacionados com os seguintes
domínios: fundos próprios da instituição, posição de liquidez da instituição e outros
requisitos para a continuidade da autorização (inter alia sistemas de governo e
capacidade operacional).
No que aos fundos próprios da instituição diz respeito, a EBA faz notar que a
instituição está em risco de insolvência quando se verificam que existem elementos
objetivos que permitem concluir, nomeadamente, que, a curto prazo, “a instituição
não cumpre os requisitos de fundos próprios, nomeadamente os requisitos impostos
nos termos do artigo 104.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva 2013/36/UE, relativos à
continuidade da sua autorização, a tal ponto que se justificaria a retirada dessa
autorização pela autoridade competente [nota nossa: a autorização pode ser retirada
no caso de incumprimento dos rácios de capital, cfr. artigo, 18.º, alínea d) da CRD IV],
nomeadamente, mas não exclusivamente, porque a instituição sofreu ou irá
provavelmente sofrer perdas que levarão ao esgotamento total, ou de uma parte
significativa, dos seus fundos próprios” (sublinhado e parênteses retos nossos).
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4.4. RÁCIO CET1 EM 5,125%: TARDE DEMAIS?
Ora, tal como acima referido, o legislador europeu optou por um evento de
desencadeamento baseado no rácio de fundos próprios (fundos próprios
CET1/montante total das posições de risco), o que, sendo um critério contabilístico,
poderá obstar a que o mesmo revele de forma fidedigna (e atual) a situação financeira
da instituição, nomeadamente no caso de existir manipulação das contas por parte dos
administradores das instituições (88), que, em defesa dos seus interesses, podem
sentir-se tentados a adiar o reconhecimento de perdas. De outro enfoque, pode
arguir-se que as entidades supervisoras, por motivos reputacionais ou por efeito de
pressão política exercida sobre as mesmas, têm um histórico de inação quanto ao
exercício dos seus poderes de controlo sobre as instituições.
Mesmo excluindo o efeito perverso decorrente da eventual manipulação dos
indicadores, a realidade tem demonstrado não só que as perdas das instituições de
crédito podem atingir dimensões consideráveis num curto período de tempo,
resultando numa descida abrupta dos seus rácios de capital, como que a contabilidade
possui limitações quanto à demonstração da realidade atual da situação financeira das
instituições de crédito; efeitos esses que apenas em parte podem ser mitigados pelas
obrigações de divulgação periódica de informação (89).
Saliente-se, no entanto, que estes apontamentos são aqui vertidos apenas com o fim
de indicar as desvantagens que caberá mitigar em face de um evento de
desencadeamento desta natureza, sem que tal signifique, após ponderação dos vários
fatores positivos e negativos, a nossa preferência por um trigger de mercado (90).
Em adição ao que antecede, pode defender-se que existe um incentivo generalizado
(
88) Tal como já antes referido, p.e. 2.3.3. supra. A manipulação de contas esteve, como é sabido, na origem de
diversos escândalos financeiros, sendo disso exemplo os famosos casos da Enron e da Worldcom. No plano bancário destaque para a acusação sobre vários executivos do Bankia, banco objeto de intervenção estatal em 2012, a respeito da manipulação das contas e de diversa informação no âmbito de um IPO prévio ao resgate. Em Portugal, destacar o caso do Banco Espírito Santo e a circunstância de as contas da Espírito Santo Internacional terem sido falsificadas, de acordo com o que foi apurado pelo Banco de Portugal. (
89) Veja-se, a título ilustrativo, o caso do Citibank, objeto de bail-out na última crise financeira, e cujo rácio CET1 (de
acordo com as regras aplicáveis) se manteve num nível superior a 7% durante esse período. Em Dezembro de 2008, num dos momentos mais sensíveis, o rácio estava em 11,8%, quando a capitalização da holding do Citibank já representava apenas 1% dos seus ativos contabilísticos - Darrell Duffie, Contractual Methods for Out-of-Court Restructuring of Systemically Important Financial Institutions, 2009, 4. (
90) Tal como referido anteriormente, um mecanismo dessa natureza seria de difícil aplicação na União Europeia,
tendo em conta o número restrito de instituições de crédito que se encontram cotadas em mercado. Ademais, não nos parece que o facto de um trigger de mercado, pelo menos teoricamente, facilitar a compreensibilidade do instrumento e consubstanciar uma fonte mais fidedigna e atual da situação da instituição, seja suficiente para obstar aos perigos decorrentes de o evento de desencadeamento ficar sujeito à volatilidade do mercado.
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no sentido de atrasar o reconhecimento da verificação do evento de
desencadeamento.
Em primeiro lugar, por parte das entidades supervisoras, pelas razões acima expostas
(91). Diríamos que as entidades supervisoras enfrentam um verdadeiro dilema: por um
lado devem atuar atempadamente (momento esse difícil de aferir), por outro, a sua
atuação enviará um sinal negativo para o mercado, sendo que, tendo em conta o
histórico generalizado de inação das entidades supervisoras - cuja intervenção se tem
revelado tardia em certos casos -, essa intervenção poderá ser interpretada pelo
mercado como um sinal de que a instituição está numa situação ainda pior do que na
realidade se verifica.
Os administradores da instituição poderão igualmente possuir incentivos no sentido de
adiar o reconhecimento da verificação do evento de desencadeamento, pela
descredibilização ao desempenho das suas funções que advém do reconhecimento da
diminuição dos rácios e em virtude da potencial tendência em tentar remediar a
situação sem alertar a entidade supervisora e o mercado (92).
O mesmo pode suceder em relação aos acionistas, dependendo dos efeitos da
conversão no que à sua diluição diz respeito (93). Nos casos dos CoCos apenas sujeitos
a redução, essa diluição não se verifica, não obstante a mesma, como acima
assinalámos, poder provocar a diminuição do valor de mercado das ações.
Por fim, os próprios detentores dos CoCos podem preferir uma situação de não
reconhecimento da verificação do evento de desencadeamento, em função dos
termos da conversão e, em situações de aproximação à aplicação de medidas de
resolução, da comparação entre a situação em que ficariam por efeito da conversão e
a situação resultante da aplicação de medidas de resolução (94).
(
91) Para uma (interessante) análise sobre as questões e incentivos que envolvem a atuação dos reguladores e
mecanismos que permitem mitigar uma atuação permissiva por parte dos mesmos: Ansgar Walther e Lucy White, Rules Versus Discretion in Bank Resolution, 2015. Destacamos alguns aspetos sublinhados pelos autores: (a) a concessão de discricionariedade ao regulador no que concerne às matérias de resolução bancárias permite uma atuação precisa e adaptada à situação em concreto e à informação (privada) que o mesmo dispõe; (b) destarte, o regulador pode sentir-se compelido a não atuar, com receio de transmitir sinais adversos ao mercado e provocar corridas aos depósitos; (c) o mecanismo de resolução mais eficaz será aquele que permita discricionariedade ao regulador em relação a matérias cuja informação é positivamente acolhida pelo mercado, e seja altamente regulamentado quando se tratam de temas com potencial impacto negativo no mercado. (
92) Ayowande A. McCunn, Forbearance Incentives: Undeterming the Distinction Between Going and Gone-Concern
Capital, 2016, 11-12. (
93) Exercendo os acionistas influência sobre a administração tendo em conta os seus poderes de nomeação e
destituição em sede de Assembleia Geral (em Portugal, cfr. artigos 373.º, 391.º, n.º 1, e 403.º, n.º 1, todos do CSC). (
94) Ayowande A. McCunn, Forbearance Incentives: Undeterming The Distinction Between Going and Gone-Concern
Capital, 2016, 14, aponta o facto de a aplicação do instrumento de recapitalização poder ser mais benéfico para os detentores de CoCos do que a conversão/write-off por efeito da verificação do evento de desencadeamento, tendo em conta a prioridade na absorção de perdas prevista no artigo 48.º da CRD IV.
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Os aspetos acima considerados podem produzir efeitos ainda mais perversos no caso
de o evento de desencadeamento ser um rácio de capital perto do requisito mínimo de
CET1 previsto no CRR. Com efeito, nesse caso, a instituição terá mais espaço para adiar
a sua recapitalização e a verificação do evento de desencadeamento provocará,
potencialmente, um efeito mais alarmante no mercado (e nos depositantes) no que no
caso de o mesmo ser um rácio de CET1 mais elevado.
A título de ilustração a respeito da repentina deterioração dos rácios de capital,
cumpre referir os casos do Bankia e do Grupo Banco Espírito Santo.
O rácio de fundos próprios CET1 do Bankia, banco objeto de bail out por parte do
Estado Espanhol em maio de 2012, desceu de 8,1% no final de 2011 (de acordo com os
critérios então aplicáveis) para 5,7% em apenas 6 meses (95), abaixo dos requisitos
mínimos de capital exigidos.
No caso do Banco Espírito Santo, S.A., o rácio de fundos próprios CET1 era, já aplicando
as regras da CRD IV e do CRR (phasing in), de 10,2% no final do ano de 2013 (96), 9,8%
no final do primeiro trimestre de 2014 (97) - ainda antes do aumento de capital do
Banco Espírito Santo, S.A. no valor de 1.045 milhões de euros que veio a ser registado
em 16 de junho de 2014 - e de 5% por referência a 30 de junho de 2014, já abaixo do
rácio mínimo de 7% exigido então de acordo com as regras aplicáveis (98), situação que
precipitou a aplicação de medida de resolução por parte do Banco de Portugal em 3 de
agosto de 2014.
Tendo em conta o que antecede, um efeito de desencadeamento de rácio nos 5,215%
pode significar que o mecanismo de absorção de perdas subjacente aos CoCos não
ocorra antes da necessidade de proceder à aplicação de uma medida corretiva por
violação dos rácios mínimos (com as necessárias consequências a nível da confiança do
mercado (99)) e, mais gravosamente, de uma medida de resolução (ou conversão e
redução via artigos 59.º e ss. da CRD IV, desconsiderando-se, nesse caso, os termos e
condições estabelecidos aquando da emissão), por não se encontrarem reunidos os
(
95) Condensed consolidated interim financial statements for the six months ended 30 June 2012, 45, disponível em
http://www.bankia.com/recursos/doc/corporativo/20121001/ingles/condensed-consolidated-interim-financialtatements-for-the-six-months-ended-30-.pdf. Note-se que o rácio do final de 2011 já tem em apreço o facto de as contas terem sido objeto de reformulação (para mais detalhes ver Las pérdidas antes de impuestos de Bankia son de 4.300 millones, El País, 26 de maio de 2012). (
96) Relatório e Contas 2013 do Banco Espírito Santo, S.A., 77, disponível em http://www.bes.pt/RelatorioseContas
/2013_Relatorio_Consolidado.pdf. (
97) Comunicado do Banco Espírito Santo, S.A. ao mercado de 15 de maio de 2014.
(98
) Comunicado do Banco Espírito Santo, S.A. ao mercado de 30 de julho de 2014. (
99) Suscitar-se-á a dúvida no caso concreto: tendo em conta que a própria verificação do evento de
conversão/redução dá, também, um sinal negativo para o mercado, o que teria sido pior do ponto de vista da salvaguarda da necessidade de repor os níveis de capital: verificação do evento de desencadeamento num ponto mais alto ou aplicação de uma medida corretiva?
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requisitos necessários para a sua viabilidade (100), o que, quanto a nós, desvirtua o
papel dos CoCos como instrumento going concern.
Esse perigo pode revelar-se em dois sentidos. Por um lado, pode verificar-se o
acionamento do mecanismo mas, em virtude da situação deficitária da instituição e
dos efeitos da conversão/redução na confiança do mercado, é ainda assim necessária a
aplicação de medidas de resolução. Por outro lado, pode o mecanismo não chegar a
ser acionado, pois a instituição passa diretamente para uma situação ou risco de
insolvência.
4.5. O ARTIGO 54.º, N.º 5, DO CRR, COMO FORMA DE MITIGAR OS PERIGOS DE UM LOW TRIGGER
4.5.1. AS DILIGÊNCIAS A EFETUAR MEDIANTE A VERIFICAÇÃO DO EVENTO DE DESENCADEAMENTO
Tendo como ratio legis a necessidade de, mediante a verificação do evento de
desencadeamento, a conversão/redução do capital suceder com a maior celeridade,
de modo a mitigar a incerteza subjacente à sua demora e o comprometimento da
eficácia do mecanismo de absorção imediata de perdas, o CRR prevê, no seu artigo
54.º, n.º 5 (a conjugar com o artigo 22.º do RD n.º 241/2014), que, quando ocorra um
evento de desencadeamento:
(a) o órgão de administração deve determinar, sem demora, que tal evento
ocorreu, existindo uma obrigação irrevogável de redução do valor ou de
conversão do instrumento (artigo 22.º, n.º 1, do RD n.º 241/2014 da Comissão);
(b) a instituição deve informar, imediatamente, as autoridades competentes
(artigo 54.º, n.º 5, alínea a), do CRR);
(c) a instituição deve informar os detentores de instrumentos AT1 (artigo 54.º, n.º
5, alínea b), do CRR);
(d) a instituição deve reduzir o montante de capital dos instrumentos, ou
converter, sem demora, no prazo máximo de um mês (período que pode ser
reduzido pela autoridade competente [101]), os instrumentos em instrumentos
(
100) A própria Prudential Regulation Authority (regulador bancário do Reino Unido) já deu nota disso mesmo:
“Dependendo das circunstâncias, um instrumento com um evento de desencadeamento em 5,215% do CET1 pode não ser objeto de conversão a tempo de evitar a resolução do banco” (tradução nossa), em CRD IV and Capital, SS/13, 3. (
101) Nos casos em que a mesma considere que existe certeza quanto ao montante a converter ou reduzir ou em
que considere ser necessária uma conversão ou redução imediata (cfr. artigo 22.º, n.º 3, do RD n.º 241/2014). Prevê-se, ainda, a possibilidade de reapreciação independente do valor a reduzir ou converter, que deve suceder o quanto antes, continuando a aplicar-se os requisitos elencados (artigo 22.º, n.º 4, do RD n.º 241/2014).
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de fundos próprios CET1 (artigo 54.º, n.º 5, alínea c), do CRR) - por esse efeito
aumentando os fundos próprios CET1 e, ceteris paribus, o rácio de CET1.
O artigo 22.º, n.º 2, do RD n.º 241/2014, indica que o período máximo de um
mês se conta a partir do momento em que, nos termos do indicado em (a)
supra, for determinado que o evento de desencadeamento ocorreu.
Uma dúvida interpretativa que se poderia colocar em relação ao artigo 54.º, n.º 5, diz
respeito ao facto de o mesmo prescrever, ou não, a necessidade de as diligências
previstas nas alíneas a) a c) terem de ser efetuadas sucessivamente, por essa ordem. A
EBA já se manifestou quanto a esta questão (102), tendo indicado, inclusivamente, que
não se exige uma comunicação aos investidores antes do instrumento ser
convertido/reduzido. O mecanismo, pode, pois, ser acionado independentemente de
os investidores terem sido previamente informados de que tal irá ocorrer.
4.5.2. OS MOMENTOS SUBJACENTES AO PERÍODO ENTRE A VERIFICAÇÃO DO EVENTO DE
DESENCADEAMENTO E A CONVERSÃO/REDUÇÃO
A nosso ver, neste âmbito, podemos encontrar, genericamente, três momentos
relevantes. Primeiro, o momento da verificação do evento de desencadeamento (i.e. o
rácio de CET1 ficar abaixo do rácio previsto nos termos e condições dos instrumentos).
Segundo, o momento em que esse facto é comunicado à autoridade competente/ao
mercado (o que pode não acontecer concomitantemente). Terceiro, o momento em
que sucede a conversão/redução dos instrumentos.
Assim, tanto quanto nos parece, o regime referente às diligências a verificar entre a
verificação do evento de desencadeamento e a conversão/redução dos instrumentos
tem dois planos de tutela.
Por um lado, visa garantir que a verificação do evento de desencadeamento da
conversão/redução é do conhecimento da autoridade competente e do mercado o
quanto antes, evitando que a instituição, eventualmente com poucos incentivos a
divulgar esse facto (103), o faça com alguma dilação em relação à tomada de
conhecimento dessa situação - o que poderia acarretar uma deterioração ainda maior
da situação financeira da instituição.
Por outro, visa acautelar que, após a comunicação ao mercado, o instrumento é
convertido/reduzido o mais rapidamente possível, evitando a criação de uma situação (
102) EBA, Report on Monitoring of Additional Tier 1 (AT1) Instruments of EU Institutions – second update – draft,
2016, 8. (
103) Tal como vimos antes no ponto 4.4. supra.
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de incerteza e uma espiral de desconfiança que coloque sérias dúvidas quanto à
solvabilidade da instituição (sendo esta tutela mais premente quando se estabeleceu
um rácio de desencadeamento baixo).
Ambos os planos têm, como base, a necessidade de garantir que o papel de absorção
de perdas por parte dos instrumentos é eficaz numa lógica going-concern.
No primeiro plano de tutela (relevante no que concerne ao período entre o primeiro e
o segundo momentos acima aludidos, ou seja, entre a verificação do evento de
desencadeamento e a sua comunicação à autoridade supervisora e ao mercado)
cumpre chamar à colação as obrigações em matéria de reporte dos rácios (104), que, a
nosso ver, poderiam ser mais exigentes quanto à periodicidade de cálculo dos rácios
de capital. Ademais, essa obrigação de reporte poderia ser tanto mais periódica
quanto o rácio de CET1 se aproximasse do limite para a verificação de um evento de
desencadeamento.
No segundo plano de tutela (relevante no que tange ao período entre o segundo e o
terceiro momentos acima aludidos, ou seja, entre a comunicação da verificação do
trigger event à autoridade supervisora e ao mercado e a conversão/redução dos
instrumentos), caberá dar nota da necessidade de, nos termos do disposto nos n.ºs 6 e
7 do artigo 54.º do CRR, nos casos de conversão, a instituição assegurar que: (a) a todo
o momento, o capital social autorizado é suficiente para garantir a conversão do
instrumento em ações; (b) todas as autorizações necessárias para a conversão e
emissão das ações são obtidas no momento da emissão do instrumento; (c) a
instituição mantém a todo o momento a autorização prévia para emitir as ações; (d)
não existem obstáculos processuais à conversão em virtude do seu ato constitutivo,
estatutos, ou outras disposições contratuais (105).
(
104) O artigo 99.º, n.º 1, do CRR prevê a necessidade de reporte dos requisitos de fundos próprios (incluindo, pois, o
rácio de CET1) pelo menos semestralmente. O Regulamento de Execução (UE) n.º 680/2014 da Comissão, de 16 de abril, refere que as instituições devem apresentar as informações relativas aos requisitos de fundos próprios com uma periodicidade trimestral. (
105) Entre nós, no campo da regulação das obrigações convertíveis, o CSC prevê, no artigo 366.º, n.º 3, que a
deliberação de emissão das obrigações convertíveis inclui a aprovação do aumento do capital da sociedade no montante e condições necessárias para “satisfazer os pedidos de conversão” - recorde-se que as obrigações convertíveis são apenas convertíveis por opção do investidor, aplicando-se igualmente o regime das obrigações no caso de a conversão ser efetuada por opção do emitente ou ser obrigatoriamente convertível, tal como previsto no artigo 360.º, n.º 2, alínea b). Para os problemas suscitados em relação à deliberação de aumento de capital no caso da relação de conversão ser variável, ver Fátima Gomes, Obrigações Convertíveis em Ações, 1999, 23. No caso dos CoCos, a aprovação do aumento de capital teria de ser efetuada no montante necessário para converter os instrumentos em ações por efeito do evento de desencadeamento. O regime das obrigações convertíveis prevê, ainda, os termos da formalização e registo do aumento de capital (artigo 370.º do CSC) e da emissão das ações (artigo 371.º do CSC), sendo de destacar que a conversão se considera efetuada, para todos os efeitos (e.g. considera-se o capital realizado subjacente à emissão das novas ações e a dívida diminuída; excetuando-se destes efeitos os direitos referentes à atribuição de juros e dividendos - artigo 369.º, n.º 1, do CSC), no “último dia do prazo
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4.5.3. ALGUNS ESCLARECIMENTOS DA EBA CONEXOS COM O ARTIGO 54.º, N.º 5
Por fim, parece-nos relevante referir algumas indicações da EBA nesta matéria,
vertidas no EBA Report AT1.
Em primeiro lugar, no caso de ser efetuado um aviso de reembolso por parte da
instituição e posteriormente se verificar um evento de desencadeamento antes de
esse reembolso ser efetuado, os efeitos do aviso de reembolso devem cessar
automaticamente (ponto 34. do EBA Report AT1).
Outro aspeto a reter é o facto de, tal como tem sucedido em algumas emissões, se
poder prever, caso a instituição não consiga emitir e entregar aos titulares o
instrumento de CET1 que deva resultar da conversão, se verificará uma redução
permanente do valor nominal do instrumento em vez de uma conversão (ponto 43. do
EBA Report AT1).
Por fim, os termos e condições do instrumento devem ser claros no sentido de indicar
que o cálculo do rácio de CET1 para efeitos do trigger event pode ser efetuado a
qualquer momento (pontos 60. e 61. do EBA Report AT1).
para a apresentação do pedido”, caso se preveja o momento (ou os momentos) em que o pedido de conversão pode ser efetuado, ou “em 30 de junho ou 31 de dezembro”, caso se preveja apenas o momento a partir do qual o direito de conversão pode ser exercido. Para mais detalhes ver, a título de ilustração, Florbela de Almeida Pires, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2009, 912 e ss., Orlando Vogler Guiné, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume V, 2012, 953, e ss. e Carlos Osório de Castro, Valores Mobiliários: Conceitos e Espécies, 1998, 178-180. No caso dos CoCos, cumprirá aos respetivos termos e condições prever esta matéria, sendo que, como vimos, a produção de efeitos da conversão não pode ocorrer depois de um mês decorrido da determinação, por parte do órgão de administração, da verificação do evento de desencadeamento.
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5. NOTAS FINAIS
Os CoCos são instrumentos híbridos (possuindo, pois, características de instrumentos
de capital próprio e de capital alheio) que podem assumir uma multiplicidade de
formatos, tendo como característica estruturante, no âmbito bancário, o facto de
consubstanciarem um mecanismo de absorção de perdas mediante a verificação do
seu evento de desencadeamento (e.g. a circunstância do rácio de fundos próprios
CET1 baixar de um determinado nível pré-definido).
A CRD IV e o CRR, positivando um novo regime no que concerne aos requisitos de
capital das instituições de crédito - com sustento em Basileia III -, estabeleceu os
requisitos para que um instrumento possa ser considerado como instrumento de
fundos próprios AT1, prevendo, nomeadamente, a necessidade de o mesmo reunir
certos pressupostos em matéria de permanência, subordinação, absorção de perdas e
limitações ao pagamento de juros.
No âmbito da capacidade de absorção de perdas, estatui-se a necessidade de esses
instrumentos serem, mediante a verificação do evento de desencadeamento, sujeitos
a redução do valor nominal ou conversão em instrumentos de fundos próprios CET1
(melhorando, por esse efeito, o rácio de capital CET1).
Ora, a opção por um rácio mínimo de 5,125% como trigger (aliado ao facto do mesmo
ter uma base contabilística, com as limitações que apontámos, e à potencial tendência
para os administradores e acionistas adiarem o reconhecimento da verificação do
evento de desencadeamento), comporta um perigo (real) de o mecanismo de absorção
de perdas - numa lógica going concern - ocorra antes da instituição se encontrar numa
situação de inviabilidade, tornando necessária a aplicação de medidas de resolução.
Não obstante, o artigo 54.º, n.º 5, do CRR, previu uma série de medidas no sentido de
mitigar os riscos decorrentes daquele perigo, visando que a autoridade competente e
o mercado sejam, o quanto antes, informados da verificação do evento de
desencadeamento e que a redução/conversão do instrumento ocorra rapidamente,
reduzindo-se, ao máximo, a ansiedade de todos os stakeholders. No que diz respeito,
em concreto, aos procedimentos a adotar por parte das instituições no âmbito da
conversão e da sua formalização, caberá, em especial, atender às limitações do ponto
de vista da legislação societária de cada Estado-Membro.
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