cobrança nas bacias dos rios piracicaba, capivari e jundiaí

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Dezembro/2007 A IMPLEMENTAÇÃO DA COBRANÇA PELO USO DE RECURSOS HÍDRICOS E AGÊNCIA DE ÁGUA DAS BACIAS DOS RIOS PIRACICABA, CAPIVARI E JUNDIAÍ Comitês das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí Agência de Água PCJ

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Implementação da cobrança pelo uso de recursos hídricos e agência de água das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí.

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  • Dezembro/2007

    A IMPLEMENTAO DA COBRANA PELOUSO DE RECURSOS HDRICOS E AGNCIA

    DE GUA DAS BACIAS DOS RIOSPIRACICABA, CAPIVARI E JUNDIA

    Comits das Bacias Hidrogrficas dosRios Piracicaba, Capivari e Jundia

    Agncia de gua PCJ

  • Repblica Federativa do BrasilLuiz Incio Lula da SilvaPresidente

    Ministrio do Meio Ambiente MMAMarina SilvaMinistra

    Agncia Nacional de guas ANADiretoria ColegiadaJos Machado Diretor-PresidenteBruno PagnoccheschiBenedito Pinto Ferreira Braga JniorDalvino Troccoli Franca Oscar de Morais Cordeiro Netto

    Superintendncia de Apoio Gesto de Recursos HdricosRodrigo Flecha Ferreira Alves SuperintendenteRosana Garjulli Superintendente AdjuntaPatrick Thomas Gerente de Cobrana pelo Uso de Recursos HdricosVictor Sucupira Gerente de Capacitao do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos HdricosWilde Cardoso Gontijo Junior Gerente de Gesto de Recursos Hdricos

    Comits PCJJos Roberto Trcoli PresidenteEduardo Lovo Paschoalotti 1a Vice-presidenteSebastio Antonio Camargo Rossi 2a Vice-presidenteLuiz Roberto Moretti Secretrio-executivo

    Agncia de gua PCJJos Roberto Fumach Presidente do Consrcio PCJFrancisco Carlos Castro Lahz Coordenador GeralSrgio Razera Coordenador Administrativo-financeiroPaulo Roberto Szeligowski Tinel Coordenador Tcnico

  • Superintendncia de Apoio Gesto de

    Recursos Hdricos

    Braslia-DF

    2007

    Agncia Nacional de guasMinistrio do Meio Ambiente

  • 2007 Todos os direitos reservados pela Agncia Nacional de guas (ANA). Os textos contidos nesta publicao, desde que no usados para fins comerciais, podero ser reproduzidos, armazenados ou trans-mitidos. As imagens no podem ser reproduzidas, transmitidas ou utilizadas sem expressa autorizao dos detentores dos respectivos direitos autorais.

    Agncia Nacional de guas (ANA)Setor Policial Sul, rea 5, Quadra 3, Bloco B, L e MCEP 70610-200, Braslia-DFPABX:2109-5400Endereo eletrnico: http://www.ana.gov.br

    Elaborao do TextoJos Pedro Soares Martins Escritor Contratado

    Claudio Antonio de Mauro; Francisco Carlos Castro Lahz; Giordano Bruno Bomtempo de Carvalho; Luiz Roberto Moretti; Marcelo Alexandre Costa Batista; Marlia Carvalho de Melo; Patrick Thomas; Roberto Carneiro de Moraes; Rodrigo Flecha Ferreira Alves; Srgio Razera; Wilde Cardoso Gontijo Junior.

    Equipe de redaoGeison de Figueiredo Laport; Marcelo Simes Gomes Apoio na elaborao de grficos, tabelas e quadros

    Produo:

    Editora Komedi

    Projeto grfico, editorao, arte-final e capa: Miriam Rosalem

    Mapas temticos: Agncia Nacional de guas (ANA)

    Fotos: Davi Negri, Marcelo Batista e Tomas May

    Revisora: Eleonora Dantas Brum

    Catalogao na fonte CDOC Biblioteca

    A265p Agncia Nacional de guas (Brasil)A Implementao da Cobrana pelo Uso de Recursos Hdricos e Agncia de gua das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundia. Braslia: ANA, SAG, 2007.112 p.ISBN: 978-85-7582-393-4

    CDU XXXXXXXX

  • Poltica nacional de recursos hdricos 5

    SUMRIO

    APRESENTAO. GUA PARA UM PLANETA SAUDVEL ............................................................... 9

    INTRODUO. COBRANA PELO USO DOS RECURSOS HDRICOS E AGNCIA DE GUA DAS BACIAS DOS RIOS PIRACICABA, CAPIVARI E JUNDIA ............................................... 13

    1. POLTICA NACIONAL DE RECURSOS HDRICOS ........................................................................ 17

    1.1. Desafios .................................................................................................................................. 24

    1.2. Pacto de gesto ....................................................................................................................... 25

    1.3. Panorama atual da gesto ....................................................................................................... 26

    2. ASPECTOS CONCEITUAIS E LEGAIS DA COBRANA PELO USO DE RECURSOS HDRICOS ..... 31

    A cobrana nas legislaes estaduais de MG e SP .......................................................................... 34

    3. PERFIL DAS BACIAS DOS RIOS PIRACICABA, CAPIVARI E JUNDIA .......................................... 37

    3.1. Caracterizao das Bacias PCJ ................................................................................................. 37

    3.1.1. Demografia, economia e os rios ...................................................................................... 38

    3.1.2. Coleta e tratamento de esgoto ......................................................................................... 45

    3.1.3. Usos e demandas ............................................................................................................ 47

    3.1.4. Disponibilidade hdrica superficial .................................................................................. 48

    3.1.5. Sistema Cantareira .......................................................................................................... 48

    3.1.6. Relao entre demanda e disponibilidade ....................................................................... 50

    3.1.7. Unidades de conservao ............................................................................................... 51

    3.2. Histrico da organizao institucional nas Bacias PCJ visando a gesto integrada ................... 53

    3.2.1. Plano Global da Bacia do Rio Piracicaba ........................................................................ 53

    3.2.2. Campanha ano 2000....................................................................................................... 54

    3.2.3. Consrcio PCJ ................................................................................................................. 54

    3.2.4. Comits PCJ .................................................................................................................... 56

    4. ANTECEDENTES DA COBRANA PELO USO DA GUA NAS BACIAS PCJ ................................. 63

    4.1. Protocolo de intenes ........................................................................................................... 64

    4.2. Convnio de integrao .......................................................................................................... 64

    4.3 Renovao da outorga do Sistema Cantareira ........................................................................... 65

  • 5. PASSOS PARA A COBRANA PELO USO DA GUA NAS BACIAS PCJ ........................................ 69

    5.1. Etapa preliminar ..................................................................................................................... 71

    5.2. Etapa 1 Construo da proposta de mecanismos e valores ................................................... 73

    5.2.1. Tema 1 Planejamento e nivelamento de conceitos ........................................................ 74

    5.2.2. Tema 2 Definio de mecanismos e parmetros ........................................................... 76

    5.2.3. Tema 3 Definio de valores e coeficientes ................................................................. 77

    5.3. Etapa 2 Deliberao dos comits e conselho nacional de recursos hdricos ........................... 80

    5.3.1. Comits PCJ .................................................................................................................... 80

    5.3.2. Conselho nacional de recursos hdricos .......................................................................... 85

    5.4. Etapa 3 operacionalizao e incio da cobrana ................................................................... 86

    5.4.1. Integrao das bases de dados ........................................................................................ 86

    5.4.2. Processo de regularizao ............................................................................................... 88

    5.4.3. Consolidao dos dados ................................................................................................. 90

    5.4.4. Atribuio de dominialidade ........................................................................................... 90

    5.4.5. Dominialidade no Sistema Cantareira ............................................................................. 91

    5.4.6. Atribuio de classes....................................................................................................... 91

    5.4.7. Incio da cobrana .......................................................................................................... 96

    5.4.8. Arrecadao .................................................................................................................... 97

    6. AGNCIA DE GUA DAS BACIAS PCJ .......................................................................................... 99

    6.1. Processo de estruturao da agncia de gua PCJ .................................................................... 100

    6.2. Agncia de gua PCJ em operao .......................................................................................... 101

    7. PERSPECTIVAS PARA A GESTO NAS BACIAS PCJ ...................................................................... 105

    7.1. Implantao integral da cobrana pelo uso de recursos hdricos de domnio da Unio e dos Estados de So Paulo e Minas Gerais .......................................................................... 106

    7.2. Definio de fontes complementares de recursos financeiros para total recuperao, preservao e proteo dos recursos hdricos ............................................................ 108

    7.3. Consolidao de uma cultura de valorizao da outorga do uso de recursos hdricos ............. 109

    7.4. Ousadia na formulao de Plano de Bacia .............................................................................. 110

    7.5. Reenquadramento dos corpos dgua ..................................................................................... 110

    7.6. Sinergia no sistema de gerenciamento .................................................................................... 111

    SIGLAS ............................................................................................................................................... 112

    SITES .................................................................................................................................................. 112

  • Poltica nacional de recursos hdricos 7

    NDICES DE IMAGENS

    FIGURAS

    1. Sistema Cantareira Represa do rio Cachoeira, em Piracaia (SP) .................................................... 112. Sistema Cantareira Represa do rio Atibainha, em Nazar Paulista (SP) ......................................... 123. Preservada Corredeira na Serra do Japi, em Jundia (SP) ............................................................... 154. Formao Confluncia dos rios Jaguari e Atibaia forma o rio Piracicaba, em Americana (SP) ....... 165. Alto Piracicaba Rio Cachoeira: cachoeira dos Pretos, em Bom Jesus dos Perdes (SP) .................. 236. Tratamento de esgoto ETE Piarro, em Campinas (SP) ................................................................ 247. Alto Piracicaba Rio Camanducaia, em Toledo (MG) .................................................................... 268. Baixo Piracicaba ETA 5, em Santa Brbara dOeste (SP) ............................................................... 279. Mapas de comits e agncias de bacias hidrogrficas nacionais ...................................................... 2810. Plo Petroqumico Replan: refinaria da Petrobras, em Paulnia (SP) ........................................... 2911. Baixo Piracicaba Rio Corumbata, em Rio Claro (SP) .................................................................. 3012. Tratamento de esgoto ETE Piracicamirim, em Piracicaba (SP) ..................................................... 3313. Alto Piracicaba Rio Jaguari, em Extrema (MG)............................................................................ 3514. Baixo Piracicaba Rio Piracicaba, em Piracicaba (SP) .................................................................. 3615. Plo txtil Vista area de Americana (SP) ................................................................................... 3916. Agricultura Plantao de tomates, em Sumar (SP) ..................................................................... 3917. Mapa das bacias hidrogrficas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia ........................................... 4018. Transporte Rodovia D. Pedro I, em Campinas (SP) ..................................................................... 4319. Educao Campus da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Campinas (SP) ......... 4320. Metrpole Regional Cidade de Campinas (SP) ........................................................................... 4421. Tratamento de esgoto ETE Jundia, em Jundia (SP) ..................................................................... 4522. Tratamento de esgoto ETE Jaguarina, em Jaguarina (SP) .......................................................... 4623. Tratamento de gua ETA Jundia, em Jundia (SP) ....................................................................... 4724. Sistema Cantareira Represa do rio Cachoeira, em Piracaia (SP) .................................................. 4925. Perfil Sistema Cantareira ............................................................................................................... 5026. Relao demanda/disponibilidade de gua nas bacias PCJ ............................................................ 5027. Rio Jaguari Corredeira do Poo, em Cosmpolis (SP) ............................................................... 5128. Consrcio PCJ Uma das primeiras reunies da entidade ............................................................ 5529. Educao Ambiental Programa Semana da gua, em Limeira (SP) ............................................. 5630. PCJ Federal 1 Reunio Ordinria do Comit PCJ (Federal), realizada em Piracicaba ................. 5731. Bacia do rio Jundia Rio Jundia, em Salto (SP) ........................................................................... 6132. Sistema Cantareira Represa do rio Cachoeira, em Piracaia (SP) .................................................. 6233. Consulta aos usurios Reunio promovida pelo Consrcio PCJ em Nova Odessa (SP) ................ 6434. Sistema Cantareira Audincia pblica realizada em Campinas (SP) ............................................ 6735. Sistema Cantareira Reunio dos Comits PCJ realizada em Campinas (SP) ................................. 6736. Mdio Piracicaba Rio Atibaia, em Campinas (SP) ....................................................................... 6837. GT-Cobrana Reunio realizada em 2005 na sede do Consrcio PCJ, em Americana (SP) ......... 73

  • Poltica nacional de recursos hdricos8

    38. Plenria dos Comits PCJ Reunio realizada em Jaguarina ....................................................... 8339. CTCOB Reunio da Cmara Tcnica de Cobrana pelo Uso da gua do (CNRH) ...................... 8540. Alto Piracicaba Rio Cachoeira, em Joanpolis (SP) ..................................................................... 8641. Imagem do CNRH no site da ANA www.ana.gov.br ..................................................................... 8742. Imagem de localizao de uso no CNARH, no site da ANA www.ana.gov.br ............................... 8843. Imagem da apresentao do CNARH / Bacias PCJ no site da ANA www.ana.gov.br ..................... 8944. Alto Piracicaba Rio Atibainha, em Bom Jesus dos Perdes (SP) .................................................. 9045. Sistema Cantareira Esquema Hidrulico ..................................................................................... 9146. Mapa das bacias PCJ Dominialidade .......................................................................................... 9247. Mapa das bacias PCJ Enquadramento dos corpos dgua............................................................ 9448. Sistema Digital de Cobrana (Digicob) da ANA ............................................................................ 9649. Grfico da Cobrana ..................................................................................................................... 9750. Foz do rio Piracicaba Represa do rio Tiet, em Santa Maria da Serra (SP) ................................... 9851. Agncia de gua PCJ Cerimnia de assinatura do contrato de gesto ......................................... 10152. Agncia de gua PCJ Inaugurao da Agncia de gua PCJ, em Piracicaba (SP) ........................ 10253. Baixo Piracicaba Cachoeira do Salto do rio Piracicaba, em Piracicaba (SP) ................................ 10454. Agricultura Irrigao de hortalias, em Campinas (SP) ................................................................ 10955. gua e luz Rio Corumbata, em Rio Claro (SP) ........................................................................... 111

    FRMULAS

    Frmula 1 Mecanismos Gerais da Cobrana .................................................................................... 81Frmula 2 Mecanismos Especficos da Cobrana ............................................................................. 82

    QUADROS

    Quadro 1. Distribuio dos Recursos Hdricos Superficiais no Brasil .................................................. 17Quadro 2. Diretrizes de ao da Lei das guas. .................................................................................. 19Quadro 3. Instrumentos de Gesto de Recursos Hdricos e sua inter-relao....................................... 20Quadro 4. Organizao institucional do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos ...... 22Quadro 5. Organizao e gesto de bacias hidrogrficas: convnio de integrao .............................. 25Quadro 6. Plenrio integrado dos Comits PCJ ................................................................................... 59

    TABELAS

    Tabela 1. Mudanas na populao em seis dcadas. ........................................................................... 18Tabela 2. Situao atual da implementao da gesto em bacias de rios de domnio da Unio ........... 26Tabela 3. Projeo populacional nas Bacias PCJ ................................................................................. 44Tabela 4. Demanda de guas superficiais, por tipo de uso, nas Bacias PCJ. ......................................... 47Tabela 5. Vazes Totais das Bacias PCJ em m3/s ................................................................................. 48Tabela 6. Usurios visitados durante o processo de regularizao ....................................................... 90Tabela 7. Valores arrecadados com a cobrana pelo uso de recursos hbridos nas Bacias PCJ em 2006, em R$ ................................................................................................................................................. 97Tabela 8. Projetos contemplados em 2006 com recursos da cobrana pelo uso de recursos hbridos emrio de domnio da Unio .................................................................................................................... 103 Tabela 9. Progressividade e potenciais de arrecadao com a cobrana pelo uso de recursos hbridos nas bacias PCJ ....................................................................................................................... 106

  • gua para um planeta saudvel 9

    APRESENTAO GUA PARA UM PLANETA SAUDVEL

    Um dos maiores desafios planetrios no s-culo 21 assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos hdricos, como condio essencial para a cidadania plena, a qualidade de vida, a reduo da pobreza e um modelo de desenvolvimento que considere os direitos das atuais e futuras geraes a um ambiente limpo e saudvel.

    Pas com uma das maiores reservas de gua doce do mundo, o Brasil tem procurado fazer a sua parte, por meio da implantao de um sistema integrado de gesto dos recursos hdricos. um sistema fundamentado em legislaes estaduais e na Lei das guas, como ficou conhecida a Lei n 9.433/97, que definiu a Poltica Nacional de Recursos Hdricos.

    Um dos maiores mritos do sistema integrado de gesto de recursos hdricos a descentralizao, permitindo a plena participao da sociedade e dos usurios na formulao de planos para as ba-cias hidrogrficas. A descentralizao da gesto, que consolida o processo de democratizao das decises, considera a realidade de um pas com

    dimenses continentais e com enorme pluralidade de situaes entre suas bacias hidrogrficas.

    Neste cenrio, o funcionamento dos Comits de Bacias Hidrogrficas, como verdadeiros Parla-mentos das guas, a garantia da participao ativa das respectivas bacias na indicao dos programas, projetos e obras direcionados a recuperar e proteger os recursos hdricos.

    A Agncia Nacional de guas (ANA) tambm vem buscando desempenhar o seu papel legal, no sentido de ser o organismo regulador do uso das guas de domnio da Unio. Para cumprir o seu mandato, a ANA procura estabelecer um amplo dilogo com os Comits de Bacias e demais rgos representativos das bacias hidrogrficas, em coern-cia com o modelo de gesto integrada.

    Salto importante na completa implementao do sistema integrado de gesto dos recursos hdricos a cobrana pelo uso da gua, j estabelecida por algumas legislaes estaduais e prevista na Lei n 9.433/97. A cobrana pelo uso dos recursos hdri-cos, e tambm pelo lanamento de esgotos sem

  • gua para um planeta saudvel10

    tratamento nos corpos dgua, um mecanismo importante em termos de estimular o uso racional e evitar o desperdcio da gua. Tambm uma forma de incentivar o completo tratamento dos esgotos urbanos, que neste incio do sculo 21 continua sendo uma das grandes fontes de poluio dos rios brasileiros e, infelizmente, causa de muitas doen-as de veiculao hdrica que atingem sobretudo as crianas, os mais vulnerveis quando se fala de falta de saneamento bsico.

    Este livro documenta a contribuio histrica que uma regio especfica do Brasil, a das bacias dos rios Piracicaba, Capvari e Jundia (PCJ), no interior do estado de So Paulo, vem dando para a estrutu-rao do sistema integrado de gesto dos recursos hdricos. A partir de uma mobilizao de dcadas da sua populao, em defesa de seus amados rios, a regio das Bacias dos PCJ constituiu importante capi-tal social sobre a forma de gerir as guas, como fruto do acmulo de debates, reflexes e estudos muito bem fundamentados, com expressiva participao de seus vrios centros de ensino e pesquisa.

    Os subsdios derivados da mobilizao e discusses na regio das Bacias dos PCJ foram relevantes na definio da legislao paulista e na prpria Lei da Poltica Nacional de Recursos H-dricos. A partir de 2006, as Bacias dos PCJ deram mais uma significativa contribuio, com o incio da cobrana pelo uso de recursos hdricos, resultado de um Pacto de Gesto entre os Comits (Federal

    e Estadual) de Bacias, o Departamento de guas e Energia Eltrica (DAEE, do governo paulista), o Instituto Mineiro de Gesto das guas (IGAM, do governo mineiro) e a ANA, como reguladora do uso de guas de domnio da Unio, como o caso de rios da bacia do Piracicaba, que tem suas nascen-tes em Minas Gerais e corta importante regio do interior do estado de So Paulo.

    A grande negociao ocorrida nas Bacias dos PCJ, para a construo de mecanismos e valores de cobrana pelo uso da gua, representou um rico processo pedaggico, implicando em conhe-cimento acumulado com informaes para outras regies do pas que tambm esto transitando rumo implantao do sistema integrado de gesto de recursos hdricos.

    O objetivo desta publicao exatamente recolher a riqueza desse processo de negociao, incluindo o contexto histrico em que ocorreu, as discusses nos Comits de Bacias, a participao da sociedade e como a ANA, o DAEE e o IGAM contriburam para o avano do processo. A ex-pectativa da Agncia Nacional de guas e demais parceiros na publicao deste livro a de que ele seja uma ferramenta muito til de trabalho, nessa tarefa honrosa, digna e repleta de desafios que a construo e consolidao de um sistema integra-do de gesto de recursos hdricos, como um dos pilares fundamentais da to desejada e necessria sustentabilidade.

    Jos MachadoDiretor-Presidente da ANA

  • Poltica nacional de recursos hdricos 11

    Figura 1 Sistema CantareiraRepresa do rio Cachoeira, em Piracaia (SP)Foto: Tomas May

  • Cobrana pelo uso dos recursos hdricos e agncia de gua das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia12

    Figura 2 Sistema CantareiraRepresa do rio Atibainha, em Nazar Paulista (SP)Foto: Tomas May

  • Cobrana pelo uso dos recursos hdricos e agncia de gua das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia 13

    INTRODUO. COBRANA PELO USO DOS RECURSOS HDRICOS E AGNCIA DE GUA DAS BACIAS DOS RIOS PIRACICABA, CAPIVARI E JUNDIA

    O ano de 2006 ficar na histria das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia (PCJ) como aquele em que decises importan-tes foram tomadas com vistas consolidao na regio do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hdricos um sistema integrado, democrtico, participativo e descentralizado, como estipula a legislao brasileira com o incio da cobrana pelo uso da gua em rios de domnio da Unio e com o primeiro ano de atividades da Agncia de gua PCJ, funo exercida pelo Consrcio Intermunicipal das Bacias PCJ, por indicao dos Comits PCJ e delegao estipulada em Resoluo do Conse-lho Nacional de Recursos Hdricos (CNRH).

    Em dezembro de 2006, o Decreto no 51.449 autorizou a cobrana pelo uso dos recursos hdricos de domnio do Estado de So Paulo, fixando os valores de cobrana nas bacias. A promulgao deste Decreto somente foi possvel graas aprovao do Decreto no 50.667 em maro de 2006, que regulamentou

    a Lei no 12.183/2005, instituindo a cobrana no Estado de So Paulo, aps sete anos de de-bate na Assemblia Legislativa de So Paulo.

    A cobrana pelo uso de recursos h-dricos em Minas Gerais , por sua vez, pre-vista na Lei no 13.199/99, que dispe sobre a Poltica Estadual de Recursos Hdricos. A regulamentao dessa cobrana em Minas Gerais ocorreu com a edio do Decreto no 44.046/2005. Todavia, a cobrana ainda no se iniciou nos rios de domnio do Estado de Minas Gerais.

    A implementao do Sistema de Ge-renciamento de Recursos Hdricos um salto significativo na histrica luta pela preservao e recuperao das guas nas Bacias PCJ. As bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia passaram desde a dcada de 1960 por intenso processo de urbanizao e industrializao, com incremento das fontes de poluio e do consumo de gua para abastecimento da populao, para uso dos setores produtivos

  • Cobrana pelo uso dos recursos hdricos e agncia de gua das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia14

    industrial e agrcola. A escassez dos recursos h-dricos ficou evidenciada por episdios de picos de poluio e de interrupes no abastecimento de gua em alguns municpios, com grandes prejuzos para as comunidades. Como exemplo, pode-se citar o problema de captao em Americana, levando necessidade de se fazer barreiras com sacos de pedra e terra para criar condies de captao, pois o sistema estava implantado para captar gua em um determinado nvel do rio, mas foi obrigado a criar outras condies tcnicas diante do nvel baixo das guas.

    A progressiva degradao da qualidade e o crescente dficit na disponibilidade das guas impulsionaram grande mobilizao regional em defesa dos corpos dgua. A paixo das comunida-des pelas guas, cada vez mais sujas e escassas, se refletiu em forte articulao regional, envolvendo vrios setores sociais.

    O resultado foi a evoluo da conscincia, nas comunidades das Bacias PCJ, da necessidade urgente de um novo modelo de gesto das guas. Da a decisiva contribuio que a regio deu discusso e formulao das polticas nacional e es-taduais de recursos hdricos, de modo concomitante ao processo de redemocratizao do pas, acelerado com a Constituio Federal, de 1988. Os Comits PCJ estimularam os municpios na elaborao de suas leis abordando a Poltica Municipal de Prote-o dos Recursos Hdricos, oferecendo cursos de capacitao, que em conjunto com a contribuio do CEPAM (Centro de Estudos e Pesquisas de Ad-ministrao Municipal do Governo do Estado de So Paulo) resultaram em diversas leis municipais, levando a uma atuao integrada nos espaos ter-ritoriais dos municpios.

    Em sintonia com o processo de redemocra-tizao, a Poltica Nacional de Recursos Hdricos refletiu os desejos da sociedade brasileira e apon-tou para um novo modelo de gesto de bens p-blicos, ancorado nos princpios de transparncia, descentralizao e participao das comunidades. So os princpios do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hdricos, ferramenta fundamental da

    sociedade brasileira para assegurar a sustentabili-dade de um de seus mais importantes patrimnios: a gua.

    Sinais do amadurecimento das Bacias PCJ para se tornarem uma das regies pioneiras no Bra-sil para implantao do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hdricos representando importante contribuio para a implementao em outras re-gies do pas foram a criao do Consrcio Inter-municipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundia, em 1989, e a instalao, em 1993, do Comit das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundia (CBH-PCJ), o primeiro a funcionar no Estado de So Paulo.

    No Estado de So Paulo, a destinao, atravs do Fundo Estadual de Recursos Hdricos (FEHIDRO), de um percentual anual dos recursos vindos da compensao financeira pela utilizao de recursos hdricos para gerao de energia el-trica, com a devida aplicao atravs dos Comits Paulistas, foi um elemento importante e estimulante para a implantao e fortalecimento do Comit Paulista. O Comit Federal por sua vez, foi criado por Decreto do Presidente da Repblica de maio de 2002 e instalado em maro de 2003.

    A comprovao da maturidade regional, para a implementao dos instrumentos e do Sis-tema de Gerenciamento de Recursos Hdricos, foi reforada com o incio da cobrana pelo uso dos recursos hdricos em rios de domnio da Unio. Ao final de 2006, o ndice de adimplncia entre os usurios foi de expressivos 99,3%. Os recursos financeiros arrecadados com a cobrana pelo uso da gua na regio, superiores a R$ 10 milhes, j foram destinados a vrios projetos de recuperao e proteo dos recursos hdricos nas Bacias PCJ, de acordo com contratos assinados pela Agncia de gua PCJ.

    Fator determinante para o sucesso na co-brana foi a participao da Agncia Nacional de guas (ANA), autarquia especial criada pela Lei no 9.984/2000, com a misso de implementar a Pol-tica Nacional de Recursos Hdricos, em articulao com rgos e entidades pblicas e privadas que

  • Cobrana pelo uso dos recursos hdricos e agncia de gua das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia 15

    constituem o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos (SINGREH).

    Em agosto de 2004, os Comits PCJ firmaram Convnio de Integrao com a ANA e os Estados de So Paulo e Minas Gerais, visando implementao dos instrumentos de gesto da Poltica Nacional de Recursos Hdricos, incluindo a cobrana pelo uso de recursos hdricos. Pelos termos do Convnio de Integrao, a ANA passou a prestar toda assistncia necessria apropriada implantao da cobrana, passo fundamental para a grande aspirao das comunidades das Bacias PCJ, a recuperao dos recursos hdricos de uma das regies estratgicas para o futuro do pas. Coube ANA coordenar o processo de implantao do Comit Federal, garantindo os procedimentos democrticos e a participao de todos os atores envolvidos.

    O envolvimento de um grande nmero de atores, componentes dos rgos colegiados e usurios da regio, foi determinante para o longo

    processo de negociao que levou ao pacto regio-nal para a cobrana pelo uso da gua nas Bacias PCJ, comeando por rios de domnio da Unio. Processo marcado pela transparncia, respeito mtuo e dilogo envolvendo todos os setores de usurios, em sintonia com as premissas do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hdricos.

    O propsito desta publicao registrar e detalhar as mltiplas dimenses associadas aos processos de implantao da cobrana dos recursos hdricos e da Agncia de gua das Bacias PCJ, bem como fornecer elementos, com base nos acertos e erros verificados, para outras bacias que desejam implementar estes instrumentos de gesto. A for-ma como se deu a negociao e a implantao da cobrana e da Agncia de gua representa valiosa contribuio ao modelo de gesto de um bem p-blico que o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hdricos vislumbra para o desejvel desenvolvimento sustentvel do Brasil.

    Figura 3 Preservada Corredeira na Serra do Japi, em Jundia (SP) Foto: Marcelo Batista

  • Poltica nacional de recursos hdricos16

    Figura 4 FormaoCon uncia dos rios Jaguari (esq.) e Atibaia forma o rio Piracicaba, em Americana (SP)Foto: Tomas May

  • Poltica nacional de recursos hdricos 17

    1. POLTICA NACIONAL DE RECURSOS HDRICOS

    A Poltica Nacional de Recursos Hdri-cos, instituda pela Lei no 9.433/97, reflexo do novo ordenamento jurdico e institucional formulado no contexto do processo de rede-mocratizao do Brasil, que tem a Constituio Federal de 1988 como um marco referencial.

    A Poltica Nacional de Recursos Hdri-cos representa, ao mesmo tempo, uma clara

    resposta inquietao da sociedade brasileira com relao ao processo de degradao de um dos principais patrimnios do pas, que so as suas guas.

    O Brasil detem 12,5% das reservas de gua doce do planeta, mas a distribuio em territrio brasileiro muito desigual, conforme demonstrado no Quadro 1, na seqncia.

    Quadro 1. Distribuio dos Recursos Hdricos Super ciais no Brasil.

    Distribuio dos Recursos Hdricos, Superfcie e Populao

  • Poltica nacional de recursos hdricos18

    O Quadro 1 apresenta a disparidade na distribuio da populao e dos recursos hdri-cos entre as regies do pas. As regies norte e centro-oeste concentram 84% dos recursos hdricos e apenas 13% da populao, enquanto que as regies sul, sudeste e nordeste, dispem de apenas 16% dos recursos hdricos para 87% da populao do pas. A Tabela 1 mostra que o crescimento populacional do Brasil, de forma concomitante com a acelerada urbanizao, contribuiu para incrementar os desafios rela-cionados distribuio eqitativa de gua para abastecimento pblico.

    Tabela 1. Mudanas na populao em seis dcadas.

    O Brasil em 1940

    O Brasil em 2000

    Populao 41.169.321 169.872.856Populao Urbana 31,3% 81,2%Nmero de Municpios 1.574 5.507

    Distribuio da populao por regies (%)Sudeste 44,4 42,6Sul 13,9 14,8Centro-Oeste 2,6 6,9Nordeste 35,1 28,1Norte 4,0 7,6

    Neste cenrio de distribuio regional de guas de forma desigual, levando a muitos ca-sos de condies crticas, tornou-se imperativo construir um novo modelo para o gerenciamento dos recursos hdricos, para dar conta dos desa-fios existentes em direo ao desenvolvimento sustentvel.

    Assim evoluiu a formulao da Poltica Nacional de Recursos Hdricos, que tambm con-sidera importantes avanos verificados no contexto internacional. So marcos relevantes nesse sentido dois documentos aprovados no decisivo ano de 1992: a Declarao de Dublin e o captulo 18 da Agenda 21, aprovados na Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92. Em janeiro de 1992 foi realizada em

    Dublin, Irlanda, a Conferncia Internacional sobre gua e Meio Ambiente, maior encontro at aquela poca para discutir o futuro dos recursos hdricos. A Declarao de Dublin, produto da conferncia, contm vrios princpios e objetivos. O primeiro princpio oferece uma contribuio para o novo olhar da sociedade moderna em relao aos re-cursos hdricos: A gua doce um recurso finito e vulnervel, essencial para garantir a vida, o desenvolvimento e o meio ambiente.

    Na Rio-92, de junho de 1992, a gua foi reafirmada como estratgica para o desenvolvi-mento sustentvel, conceito que se fortaleceu nessa conferncia. O capitulo 18 da Agenda 21 acentua:

    A gua necessria em todos os aspectos da vida. O objetivo geral assegurar que se mantenha uma oferta adequada de gua de boa qualidade para toda a populao do planeta, ao mesmo tempo em que se pre-serve as funes hidrolgicas, biolgicas e qumicas dos ecossistemas, adaptando as atividades humanas aos limites da capa-cidade da natureza e combatendo vetores de molstias relacionadas com a gua. Tecnologias inovadoras, inclusive o aper-feioamento de tecnologias nativas, so necessrias para aproveitar plenamente os recursos hdricos limitados e proteg-los da poluio.

    Outras referncias internacionais para a Poltica Nacional de Recursos Hdricos so as contribuies do Banco Mundial (A Policy Paper on Water Resources Management, 1993), da Global Water Partneship e do Conselho Mundial da gua.

    Avanos nacionais e internacionais, na discusso sobre as guas, constituram o pano de fundo para a elaborao, aprovao e sano de leis estaduais sobre o tema, da Lei no 9.433/97 (Lei das guas), instituindo a Poltica Nacional de Recursos Hdricos, e da Lei no 9.984/2000, que criou a ANA.

  • Poltica nacional de recursos hdricos 19

    A Poltica Nacional de Recursos Hdricos contm os princpios e diretrizes para a gesto inte-grada, deixando claro que a adequada implantao de uma nova modalidade de gesto dos recursos hdricos, a partir do Sistema Nacional de Geren-ciamento de Recursos Hdricos, depende da ao integrada e em parceria entre o poder pblico, os usurios de gua e a sociedade civil organizada.

    O objetivo central da Poltica Nacional assegurar atual e s futuras geraes a necessria disponibilidade de gua em padres de qualidade adequados aos respectivos usos, ao mesmo tempo em que busca a preveno e a defesa contra eventos hidrolgicos crticos e o desenvolvimento sustent-vel pela utilizao racional e integrada dos recursos hdricos, inclusive para transporte aquavirio.

    Os fundamentos elencados na Lei das guas so:

    gua como bem pblico, finito e vulnervel, portanto dotado de valor econmico;

    Gesto integrada para assegurar uso mltiplo das guas;

    Consumo humano e dessedentao de animais so prioridades em situao de escassez;

    Gesto descentralizada baseada na bacia hidrogrfica como unidade territorial de planejamento e de gesto;

    Gesto participativa para garantir participao dos diferentes segmentos, do poder pblico, usurios e sociedade civil, na tomada de de-cises sobre o uso mltiplo das guas.

    As diretrizes da Poltica Nacional so: a gesto sistemtica dos recursos hdricos considerando quali-dade e quantidade, adequao da gesto dos recursos hdricos s diversidades fsicas, biticas, demogrfi-cas, econmicas, sociais e culturais das diferentes regies, a integrao da gesto de recursos hdricos gesto ambiental, a articulao do planejamento dos recursos hdricos com o dos setores usurios e com os planejamentos regional, estadual e nacional, a articulao da gesto de recursos hdricos com a do uso do solo e a integrao da gesto das bacias hidrogrficas com os sistemas estuarinos e zonas costeiras, conforme Quadro 2 a seguir.

    Quadro 2. Diretrizes de ao da Lei das guas.

  • Poltica nacional de recursos hdricos20

    A Lei das guas tambm estabelece instru-mentos de gesto que, atuando de forma sincro-nizada e harmnica, vo possibilitar o efetivo uso sustentvel dos recursos hdricos. Os instrumentos de gesto so a forma de assegurar na prtica a efetivao dos fundamentos da Poltica Nacional de Recursos Hdricos. Os instrumentos de gesto, esquematizados no Quadro 3, so:

    Outorga de direitos de uso das guas A outorga de direitos de uso de recursos hdri-cos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da gua e o efetivo exerccio dos direitos de acesso gua. Esto sujeitos outorga, pelo poder p-blico, os usos referentes a captao de gua para consumo e abastecimento, extrao de gua subterrnea, lanamento de esgotos e outros resduos nos corpos dgua, aprovei-tamento de potenciais hidreltricos e outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da gua. Sobre esses vrios usos que incidir a cobrana pelo uso dos recursos hdricos.

    Cobrana pelo uso das guas O Cdigo Civil de 1916 j sinalizava com a cobrana pelo uso dos recursos hdricos, ao consi-derar que os bens pblicos de uso comum teriam uso gratuito ou com retribuio, consideradas as legislaes em vigor.O Cdigo das guas, pelo Decreto no 24.643/34, tambm apontou para a co-brana, finalmente estabelecida pela Lei no 9433/97. A cobrana incide sobre o uso dos recursos hdricos nos seus aspectos quantita-

    Quadro 3. Instrumentos de Gesto de Recursos Hdricos e sua inter-relao.

    Planos de bacias hidrogrficas Aprovados pelos Comits de Bacia, de forma participati-va, de modo a orientar programas e projetos e a gesto nas respectivas bacias. Os planos de bacias devem conter, entre outros temas, diagnstico com disponibilidades hdricas, balano entre as disponibilidades hdricas e as demandas atuais e futuras, metas de racionalizao de uso das guas e programas de investimentos.

    Enquadramento dos corpos de gua em classes, segundo usos preponderantes das guas O enquadramento em classes, com estabelecimento de metas para a melhoria da qualidade das guas, a serem alcanadas como resultado de projetos e programas re-sultantes de pactos regionais, inseridos nos Planos de Bacia.

  • Poltica nacional de recursos hdricos 21

    tivos como a captao e qualitativos como a diluio de efluentes. A definio de um preo pblico para a gua deriva do fato de que ela um bem finito, dotado de valor econmico.

    Sistema de informaes sobre recursos hdricos Inclui o cadastro de usurios de guas e dados sobre qualidade e quantidade dos recursos hdricos. Em coerncia com as premissas do Sistema de Gerenciamento dos Recursos Hdricos, em termos de democra-tizao, descentralizao e participao, o sistema de informaes pressupe a mon-tagem de uma base de dados com todas as informaes coletadas, interpretadas, ana-lisadas e armazenadas, devendo ter acesso facilitado a todos os cidados.

    A Poltica Nacional de Recursos Hdricos tambm apresenta a organizao institucional do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos, exposta no Quadro 4 e composta pelos seguintes rgos:

    Conselho Nacional de Recursos Hdricos (CNRH) Entre as competncias do CNRH esto: promover a articulao dos plane-jamentos nacional, regionais, estaduais e dos setores usurios; estabelecer diretrizes complementares para a implementao da Poltica Nacional dos Recursos Hdricos, aplicao de seus instrumentos e atuao do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos e formular a Poltica Na-cional de Recursos Hdricos nos termos da Lei no 9.433/97.

    Secretaria de Recursos Hdricos e Ambiente Urbano do Ministrio do Meio Ambiente (SRHUMMA) De acordo com o Decreto no 6.101, de 26 de abril de 2007, a SRHU-MMA tem como competncias, entre outras: propor a formulao da Poltica Nacional dos Recursos Hdricos, acompanhando e monitorando sua implementao, exercer a funo de secretaria-executiva do Conselho

    Nacional de Recursos Hdricos; propor polti-cas, planos e normas e definir estratgias em diversos temas relacionados aos recursos h-dricos, monitorar o funcionamento do Siste-ma Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos; e acompanhar a implementao do Plano Nacional de Recursos Hdricos.

    Agncia Nacional de guas (ANA) Au-tarquia responsvel pela implementao da Poltica Nacional de Recursos Hdricos em conjunto com rgos do Sistema Nacional. Com isso, a ANA pode executar a sua mis-so institucional, que estabelecida pela Lei no 9.984/2000, regular o uso da gua dos rios e lagos de domnio da Unio, asse-gurando quantidade e qualidade para usos mltiplos, e implementar o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hdricos, um conjunto de mecanismos, jurdicos e administrativos, que visam o planejamento racional da gua com a participao de governos municipais, estaduais, usurios e sociedade civil.

    Conselhos Estaduais de Recursos Hdricos rgos com atribuies equivalentes ao Conselho Nacional dos Recursos Hdricos no mbito dos estados.

    Gestores estaduais rgos executivos dos Sistemas Estaduais de Gerenciamento de Re-cursos Hdricos com atribuies, nas esferas estaduais, semelhantes s da ANA. No caso do Estado de So Paulo o Departamento de guas e Energia Eltrica (DAEE), e em Minas Gerais, o Instituto Mineiro de Ges-to das guas (IGAM). Deve-se mencionar tambm os rgos responsveis pela gesto ambiental CETESB (SP) e FEAM (MG), cujas atuaes devem ser integradas com a gesto de recursos hdricos.

    Secretarias Estaduais de Recursos Hdricos As secretarias estaduais tm, em geral, com-petncias semelhantes quelas da Secretaria de Recursos Hdricos e Ambiente Urbano

  • Poltica nacional de recursos hdricos22

    do Ministrio do Meio Ambiente, alm de atuarem como secretarias executivas dos Conselhos Estaduais de Recursos Hdricos e, em alguns casos, tambm de comits de bacias hidrogrficas de rios de domnio dos estados.

    Comit de Bacia Tambm chamado de Parlamento das guas, o rgo colegiado de atuao descentralizada, sendo composto por representantes de diferentes segmentos de uma bacia. Neste rgo colegiado ocorre a articulao entre o poder pblico, usurios e sociedade civil, visando formular o Plano de Bacia e indicar programas e projetos para preservar e recuperar os recursos hdricos. O

    Comit de Bacia rgo estratgico, demo-crtico, participativo, descentralizado, intro-duzido pela Poltica Nacional de Recursos Hdricos no novo modelo de gesto deste bem pblico.

    Agncia de gua Entidade executiva dos comits de bacias, sendo responsvel por manter atualizado o plano de bacias, auxiliar os trabalhos dos comits de bacias e aplicar os recursos arrecadados com a cobrana pelo uso de recursos hdricos, entre outras fun-es. Nas Bacias PCJ as funes de agncia so cumpridas pelo Consrcio Intermunici-pal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundia, como entidade delegatria.

    Quadro 4. Organizao institucional do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos.

  • Figura 5 Alto PiracicabaRio Cachoeira: cachoeira dos Pretos, emBom Jesus dos Perdes (SP)Foto: Davi Negri

  • Poltica nacional de recursos hdricos24

    1.1. DESAFIOSA devida implantao do Sistema Nacional

    de Gerenciamento de Recursos Hdricos depende do equacionamento de alguns grandes desafios:

    busca de aperfeioamento da legislao ape-sar dos avanos que contempla, a legislao brasileira de recursos hdricos demanda apri-moramentos, de forma a promover ajustes em funo da experincia adquirida. Alm disso, aspectos relacionados ao arcabouo legal da administrao pblica brasileira tendem a limitar a aplicao da Lei das guas;

    lgica territorial de gesto de recursos hdri-cos a considerao da bacia hidrogrfica como unidade territorial de gerenciamento e planejamento dos recursos hdricos dever contemplar a construo de pacto federativo de cooperao para a gesto das guas;

    convergncia das polticas setoriais a Pol-tica de Recursos Hdricos dever integrar-se com as demais polticas setoriais de forma

    Figura 6 Tratamento de esgoto ETE Piarro, em Campinas (SP) Foto: Tomas May

    que as discusses e definies adotadas nos respectivos sistemas possam atingir uma convergncia focada no desenvolvimento sustentvel da unidade territorial;

    mapa de gesto formulao e a imple-mentao de um mapa de aes de gesto por bacias e regies hidrogrficas, de forma a orientar e integrar as aes dos entes do SINGREH, por meio da negociao e pactu-ao de uma base territorial de unidades de planejamento e gesto dos recursos hdricos, bem como uma tipologia para a gesto, ob-servados os princpios da subsidiariedade e do pacto federativo estabelecido no Brasil;

    capacitao das instituies a capacitao e o fortalecimento das instituies integrantes do SINGREH, incluindo as entidades dos sistemas estaduais, a partir de seus membros, com destaque para os rgos que definem as polticas e os gestores de recursos hdricos;

    insero dos municpios o envolvimento das instncias municipais em aes de pla-

  • Poltica nacional de recursos hdricos 25

    nejamento e conservao de uso de gua

    e solo em coerncia com os princpios da

    gesto compartilhada, descentralizada e

    participativa;

    desenvolvimento de regras de convivncia e

    de integrao entre comits para o sucesso

    da operacionalizao dos instrumentos de

    gesto dos recursos hdricos, essencial o

    estabelecimento de regras de convivncia e

    integrao entre comits situados em uma

    mesma bacia hidrogrfica;

    representatividade e representao a obser-

    vncia da representatividade e representao

    dos membros dos comits de bacias condu-

    zir ao fortalecimento desses colegiados e a

    efetivao das metas pactuadas no plano de

    recursos hdricos.

    1.2. PACTO DE GESTOPara viabilizar a implantao do Sistema de

    Gerenciamento de Recursos Hdricos em bacias

    hidrogrficas, a ANA se utiliza do pacto de gesto que pode ser implementado por meio do Conv-nio de Integrao. O Convnio de Integrao utilizado para firmar o pacto entre a ANA, gestores estaduais e comits, objetivando a implementao da gesto.

    Por meio do pacto de gesto, oficializado atravs do Convnio de Integrao, possvel conciliar dificuldades, pactuar metas, estabelecer cronogramas e disponibilizar os recursos financei-ros e humanos necessrios para a implementao, de forma adequada, do sistema de gerenciamento de recursos hdricos em uma bacia hidrogrfica com rios de domnio da Unio e de Estados.

    O pacto de gesto na realidade fundamental no cenrio brasileiro, considerando as peculiarida-des e complexidades da legislao, tratando de rios de domnio da Unio e de Estados. O Convnio de Integrao a forma de compatibilizar e alinhar in-teresses, da Unio e dos Estados, equacionando os desafios e impasses derivados dos regimes diferen-ciados de domnio sobre rios localizados em uma mesma bacia. O Quadro 5 detalha a organizao de gesto viabilizada pela adoo do Convnio de Integrao na esfera das bacias hidrogrficas.

    Quadro 5. Organizao e gesto de bacias hidrogr cas: convnio de integrao.

  • Poltica nacional de recursos hdricos26

    1.3. PANORAMA ATUAL DA GESTOA ANA tem atuado na implantao do Sis-

    tema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hdricos. Trata-se de experincias que podem oferecer importantes contribuies nos aspectos da produo e disseminao de conhecimentos para a implantao do sistema em outras unidades de planejamento e gerenciamento.

    A Tabela 2, seguida do Mapa de Localizao, sintetiza a situao atual da implantao do sistema em bacias de rios de domnio da Unio

    Tabela 2. Situao atual da implementao da gesto em bacias de rios de domnio da Unio.

    Comit rea (km2) Populao (IBGE 2000) Municpios Criao Mobilizao Instalao

    So Francisco

    Alagoas 14.338 1.070.562 49

    2001 2001 e 2002 2002

    Bahia 307.941 2.702.516 115D.Federal 1.336 2.051.046 1Gois 3.142 119.525 3M.Gerais 235.471 8.159.313 240Pernambuco 69.518 1.719.225 69Sergipe 7.473 321.745 27Geral 639.219 16.143.932 504

    Paraba do Sul

    M.Gerais 20.700 1.148.012 88

    1996 1996 e 1997 1997R.Janeiro 20.900 2.142.288 53S.Paulo 13.900 1.772.163 39Geral 55.500 5.062.463 180

    DoceM.Gerais 71.700 2.891.268 202

    2001 2001 e 2002 2002E.Santo 11.700 694.155 26Geral 83.400 3.585.423 228

    Paranaba

    D.Federal 6.660 2.032.000 1

    2002 - -Gois 144.300 3.640.000 136M.Gerais 66.600 1.582.000 55M.Sul 4.440 92.000 4Geral 222.000 7.346.000 196

    Verde GrandeBahia 4.016 113.173 9

    2003 2004 2004M.Gerais 26.157 720.969 27Geral 30.173 834.142 36

    Piranhas-AuParaba 26.183 914.343 102

    2006 - -R.do Norte 17.498 449.459 46Geral 43.681 1.363.802 148

    Figura 7 Rio Camanducaia, em Toledo (MG) Foto: Davi Negri

    Legenda: U - Unio; E - Estados; M - Municpios; AU - abastecimento urbano; IN - indstria; IR - irrigao; PE - pesca; LZ - lazer/turismo; MI - minerao; HE - hidreltrico; HV - hidrovirio; AQ - aqavirio.

  • Poltica nacional de recursos hdricos 27

    Membros Composio Situao atual Principais Usos

    62 Titulares (62 suplentes)

    Poder Pblico=32% (U=5,E=7,M=8)Usurios=39%Comunidades indgenas=3%Sociedade Civil=26%

    Unidade Administrativa da ANA em apoio Secretaria Exe-cutiva, Cmaras Tcnicas operacionais, Cmaras Consultivas Regionais operacionais, Plano de Bacia aprovado, Regulariza-o de Usos (cadastro e outorga) em andamento e cobrana e agncia em fase de implementao

    AU, IR, PE, LZAU, IR, HE, AQ, HV

    IRIR

    AU, IN, IR, MIAU, IR

    AU, IR, PE, LZAU, IN, IR, HE

    60 titulares(60 suplentes)

    Poder Pblico=35% (U=3,E=9,M=9)Usurios=40%Sociedade Civil=25%

    Entidade delegatria de funes de Agncia de gua opera-cional, Cmaras Tcnicas operacionais, Plano de Bacia em complementao, Regularizao de Usos (cadastro e outorga) realizada e Cobrana implantada (Unio, RJ e SP)

    AU, IR, IN, HEAU, IN, IR, HE

    AU, IN, IRAU, IN, IR, HE

    55 titulares(55 suplentes)

    Poder Pblico=40% (U=4,E=6,M=12)Usurios=40%Sociedade Civil=20%

    Unidade Administrativa da ANA em apoio Secretaria Exe-cutiva, Cmaras Tcnicas operacionais e Plano de Bacia em fase de contratao

    AU, IN, IR, MI, HEAU, IR, HE

    AU, IN, IR, MI, HE

    A de nir A de nir Comit em processo de instalao

    AUAU, IR, HEAU, IR, HE

    AU, IRAU, IR, HE

    35 titulares(35 suplentes)

    Poder Pblico=34% (U=2,E=4,M=6)Usurios=40%Sociedade Civil=26%

    Secretaria do Comit operacional, Plano em fase de contra-tao, Regularizao de Usos (cadastro e outorga) em anda-mento e Alocao negociada de gua em reservatrios

    AU, IRAU, IN, IRAU, IN, IR

    A de nir A de nirComit em processo de instalao, Plano de Ordenamento e Regularizao de Usos de Recursos Hdricos em andamento, incluindo aprovao de Marco Regulatrio

    AU, PE, IR, HEAU, IR, AQ

    AU, PE, IR, HE, AQ

    Figura 8 ETA 5, em Santa Brbara dOeste (SP) Foto: Tomas May

  • Poltica nacional de recursos hdricos28

    Figura 9 Mapas de comits e agncias de bacias hdrogr cas nacionais. Fonte: ANA.

  • Figura 10 Plo PetroqumicoReplan: re naria da Petrobras, em Paulnia (SP)Foto: Tomas May

  • Figura 11 Baixo PiracicabaRio Corumbata, em Rio Claro (SP)Foto: Tomas May

  • Aspectos conceituais e legais da cobrana pelo uso de recursos hdricos 3131

    2. ASPECTOS CONCEITUAIS E LEGAIS DA COBRANA PELO USO DE RECURSOS HDRICOS

    A cobrana um instrumento de gesto de recursos hdricos que vem sendo utilizado h algumas dcadas em diversos pases. Em bacias hidrogrficas em situao de escassez quantitativa ou qualitativa, ou seja, em pa-dres de qualidade inadequados aos respecti-vos usos de recursos hdricos, a cobrana pode trazer vantagens ao sistema de gerenciamento implementado, uma vez que proporciona a arrecadao de recursos financeiros para in-vestimentos em aes de recuperao da bacia e custeio do sistema, assim como incentiva a eficincia do uso da gua.

    No Brasil, a cobrana pelo uso de re-cursos hdricos foi implementada em rios de domnio da Unio na bacia hidrogrfica do rio Paraba do Sul desde maro do ano de 2003 e, nas Bacias PCJ, desde janeiro de 2006.

    Em 2004, a cobrana pelo uso de recursos hdricos foi implantada nos rios de domnio do Estado do Rio de Janeiro. Em 1996, o Estado do Cear iniciou a cobrana de

    uma tarifa sobre o uso de gua bruta, visando arrecadar recursos para cobrir as despesas de operao e manuteno da sua infra-estrutura hdrica. Em 2006, o Estado da Bahia iniciou cobrana semelhante.

    Em 2007, o Estado de So Paulo imple-mentou a cobrana pelo uso da gua em rios de seu domnio nas bacias dos rios Paraba do Sul e Piracicaba, Capivari e Jundia.

    A implementao da cobrana pode causar polmica, o que pode ser explicado pela dvida sobre o destino e a transparncia na aplica-o dos recursos arrecadados, gerando, por vezes, desconfiana e a falsa idia de que se trata de mais um imposto. No entanto, a legislao federal dispe de mecanismos que garantem o retorno dos recursos financeiros recebidos para as bacias hidrogrficas onde foram arrecadados.

    A Lei das guas determina que os valores arrecadados com a cobrana sejam aplicados prioritariamente na bacia hidrogr-fica em que forem gerados. Entretanto, a Lei

  • Aspectos conceituais e legais da cobrana pelo uso de recursos hdricos3232

    no 10.881 de 2004, que dispe sobre os contratos de gesto entre a ANA e as entidades delegatrias das funes de agncia de gua, garante que os recursos arrecadados mediante a cobrana sejam, obrigatoriamente, aplicados na bacia de origem. oportuno ressaltar que o montante arrecadado deve ser aplicado, com transparncia, na execuo do programa de intervenes previsto no plano de recursos hdricos da bacia (Plano de Bacia Hidro-grfica).

    Conforme a Poltica Nacional de Recursos Hdricos, os Comits de Bacia decidem sobre a implementao da cobrana, bem como definem quem paga e por meio de que mecanismos de cobrana sero quantificados os valores a serem pagos pelos usurios. No caso de corpos dgua de domnio da Unio, as deliberaes dos comits, de-finindo os mecanismos e sugerindo os preos, so encaminhadas ao Conselho Nacional de Recursos Hdricos, para aprovao.

    A estrutura dos mecanismos de cobrana existentes constitui-se, em geral, de trs partes: a base de clculo, o preo unitrio e os coeficientes. A base de clculo determinada em funo do uso da gua. Normalmente, o parmetro para caracteri-zar o uso quantitativo a vazo e para caracterizar o uso qualitativo, a carga de poluentes lanada.

    J o preo unitrio determinado em funo dos objetivos da cobrana, que na Poltica Nacional de Recursos Hdricos foram definidos como:

    a. obter recursos financeiros para o financia-mento dos programas e intervenes contem-plados nos planos de recursos hdricos;

    b. incentivar a racionalizao do uso da gua;

    c. reconhecer a gua como bem econmico dando ao usurio uma indicao de seu real valor.

    Diversas formas existem para estabelecer os preos unitrios, podendo-se classific-las entre aquelas cujo objetivo a obteno de recursos para financiamento e aquelas cujo objetivo incentivar

    o uso racional de recursos hdricos, embora todas as formas, potencialmente, podem servir a todos os objetivos citados.

    As cincias econmicas fornecem metodo-logias de formao de preos para, aplicadas ao caso especfico da gua, atender ao objetivo de incentivar o uso racional. Percebe-se, entretanto, que h diversas limitaes para a sua aplicao, destacando-se a complexidade para caracterizar a dinmica da poluio e a interdependncia entre os usos, que fazem com que o uso de uma deter-minada quantidade de gua possa ter impactos, e consequentemente preos, totalmente diferentes dependendo da sua localizao na bacia.

    As formas de estabelecimento de preos com objetivo de financiamento das aes de recuperao das bacias hidrogrficas, definidas no plano de bacia aprovado pelo respectivo comit, so aplicadas na grande maioria dos casos, sendo a sua definio final resultado de um processo poltico de negocia-o. justamente por essa razo que a maioria dos pases implementou a cobrana de forma gradativa, iniciando o processo com preos unitrios baixos e aumentando-os ao longo do tempo.

    Com relao aos coeficientes, sua utilizao resulta da necessidade de adaptao da estrutura de cobrana para atender a uma srie de objeti-vos especficos, como diferenciar a cobrana em funo da qualidade da gua do rio no ponto de captao, das boas prticas de conservao de solo e gua, etc.

    Segundo a Lei no 9.433/97, os usurios sujeitos outorga sero cobrados. Com isso, ins-titui-se no Brasil uma abordagem que integra um instrumento econmico (cobrana pelo uso da gua) a um instrumento de regulao ou coman-do-e-controle (outorga). Trata-se da uma forma de combater a prtica de solicitao de uma vazo a ser outorgada maior do que a necessidade de seu uso. Esta espcie de reserva de gua poder prejudicar os demais usurios que pretendam captar gua na mesma bacia hidrogrfica. Com

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  • Aspectos conceituais e legais da cobrana pelo uso de recursos hdricos 3333

    a cobrana pelo uso da gua, h uma tendncia para que o usurio de gua solicite vazes a serem outorgadas dentro dos limites de sua real necessidade de uso.

    A cobrana pelo uso da gua no receita derivada do patrimnio dos administrados, ou seja, um tributo. Na verdade, trata-se do pagamento pelo uso de um bem pblico, no caso a gua. Alm disso, um imposto um tributo exigido ao contribuinte pelo governo, independentemente da prestao de servios especficos, o que no o caso da cobrana, pois ela se caracteriza como um dos instrumentos de gesto da Poltica Nacional de Recursos Hdricos. Finalmente, o valor que ser cobrado pactuado pelos membros do comit de bacia e aprovado em sua reunio plenria, que pode tambm decidir se haver ou no cobrana

    na bacia hidrogrfica. Portanto, no se trata de um imposto no qual o contribuinte impossibilitado de participar diretamente da deciso sobre seu valor, critrios e convenincia. Porm, se os membros do comit decidirem no efetuar a cobrana, devem estar cientes do impacto desta deciso sobre a quan-tidade e a qualidade da gua de sua bacia.

    A cobrana pelo uso da gua diferencia a Poltica Nacional de Recursos Hdricos da Poltica Nacional de Meio Ambiente na me-dida em que se dispe de um instrumento econmico para complementar e fortalecer os tradicionais instrumentos de comando-e-controle como outorga e scalizao.

    (Patrick Thomas, Gerente de Cobrana pelo Uso de Recursos

    Hdricos da Agncia Nacional de guas)

    Figura 12 Tratamento de esgoto ETE Piracicamirim, em Piracicaba (SP) Foto: Tomas May

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  • Aspectos conceituais e legais da cobrana pelo uso de recursos hdricos3434

    A cobrana nas legislaes estaduais de MG e SP

    A Lei paulista no 12.183/2005, resultado de amplo processo de discusso no mbito da Assem-blia Legislativa e da sociedade, decorrente de uma deciso poltica do governo do Estado de regulamen-tar a cobrana por meio de lei, instituiu a cobrana pelo uso dos recursos hdricos em So Paulo com ob-jetivos semelhantes aos dos indicados na legislao federal. A Lei paulista acentua o papel dos comits de bacias na formulao do Plano de Recursos H-dricos, contemplando programas, projetos, servios e obras, de interesse pblico, da iniciativa pblica ou privada, implementados com recursos derivados da cobrana pelo uso da gua na respectiva bacia. A aplicao do produto da cobrana ser feita na prpria bacia em que for arrecadado.

    Todos os usurios de recursos hdricos, inclu-sive da iniciativa privada, podero se candidatar a captar recursos financeiros resultantes da cobrana pelo uso da gua. A implantao da cobrana ser feita de forma gradativa, com base em cadastro de usurios de recursos hdricos. Todos os usurios localizados nas Bacias PCJ esto sujeitos cobrana desde janeiro de 2006. A cobrana para o setor rural comear em 2010. Micro e pequenos produtores rurais sero isentos da cobrana.

    A cobrana ser feita pela Agncia de Bacia ou pela entidade responsvel pela outorga de di-reito de uso nas bacias hidrogrficas desprovidas de Agncias de Bacias.

    A lei paulista ainda estabelece os critrios gerais e as bases de clculo de cobrana, para captao, consumo, extrao e derivao de gua, diluio, transporte e assimilao de efluentes. A lei foi regulamentada pelo Decreto no 50.667/2006, que estipula a metodologia de clculo para efeito de cobrana do uso dos recursos hdricos.

    Em Minas Gerais, a Lei no 13.199/99 dispe sobre a Poltica e o Sistema Estadual de Geren-ciamento de Recursos Hdricos, indicando os fundamentos que devem ser considerados para a sua aplicao. Entre os fundamentos est o da vin-culao da cobrana pelo uso dos recursos hdricos s disponibilidades quantitativas e qualitativas e s peculiaridades das bacias hidrogrficas.

    De acordo com a Lei mineira no 13.199/99, sero cobrados os usos de recursos hdricos sujeitos a outorga (captao, extrao de gua de aqfero, lanamento de esgotos em corpos dgua, aprovei-tamento de potenciais hidreltricos e outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da gua existente em um corpo de gua).

    Os objetivos da cobrana pelo uso de recur-sos hdricos em territrio mineiro so semelhantes aos da legislao federal. A Lei no 13.199/99 esta-belece ainda que a cobrana visa proteger as guas contra aes que possam comprometer os seus usos atual e futuro; promover a defesa contra eventos crticos, que ofeream riscos sade e segurana pblicas e causem prejuzos econmicos ou sociais; disciplinar a localizao dos usurios, buscando a conservao dos recursos hdricos, de acordo com sua classe preponderante de uso; e promover o desenvolvimento do transporte hidrovirio e seu aproveitamento econmico.

    A cobrana pelo uso da gua, regulamentada em Minas Gerais pelo Decreto no 44.046/2005, tambm ser implantada de forma gradativa e no recair sobre os usos considerados insignificantes por regulamento. Os valores arrecadados com a cobrana pelo uso de recursos hdricos sero apli-cados na bacia hidrogrfica em que forem gerados, sendo utilizados no financiamento de estudos, programas, projetos e obras includos no Plano Diretor de Recursos Hdricos da respectiva bacia hidrogrfica.

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  • Figura 13 Alto PiracicabaRio Jaguari, em Extrema (MG)Foto: Marcelo Batista

  • Figura 14 Baixo PiracicabaRio Piracicaba, em Piracicaba (SP) Foto: Davi Negri

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia 37

    3. PERFIL DAS BACIAS DOS RIOS PIRACICABA, CAPIVARI E JUNDIA

    As bacias dos rios Piracicaba, Capi-

    vari e Jundia Bacias PCJ esto entre as

    que apresentam mais alto desenvolvimento

    econmico e renda per capita do Brasil,

    englobando territrios dos Estados de So

    Paulo e Minas Gerais. A vinculao histrica

    da populao com seus rios e a saturao dos

    recursos hdricos, por uma poluio crescen-

    te e dficits na disponibilidade, motivaram

    grande mobilizao regional em defesa das

    guas.

    Foi acumulado um expressivo capital

    social, que est na raiz da evoluo do Sistema

    de Gerenciamento dos Recursos Hdricos. A

    inquietao com o futuro das guas motivou

    a implantao pioneira de instrumentos de

    gesto, como os Comits das Bacias PCJ,

    a Agncia de gua, que tem suas funes

    exercidas pelo Consrcio Intermunicipal das

    Bacias PCJ, e a cobrana pelo uso da gua a

    partir de 2006, comeando em rios de dom-

    nio da Unio.

    3.1. CARACTERIZAO DAS BACIAS PCJ

    O territrio das bacias dos rios Piracica-ba, Capivari e Jundia soma 15.304 km2, dos quais 92,6% localizados no Estado de So Paulo e 7,4% no Sul de Minas Gerais. Com uma extenso de cerca de 300 km no sentido Leste-Oeste e 100 km no sentido Norte-Sul, as Bacias PCJ esto situadas entre os meridianos 46 e 49 Oeste e latitudes 22 e 23,5 Sul.

    A poro paulista, denominada Unida-de de Gerenciamento de Recursos Hdricos no 5 (UGRHI-5), abrange 14.178 km2, dos quais 11.443 km2 correspondendo bacia do rio Piracicaba, 1.621 km2 bacia do rio Capivari e 1.114 km2 bacia do rio Jundia. A vinculao com o Sul de Minas Gerais ocorre porque as nascentes dos rios Jaguari e Atibaia, formado-res do rio Piracicaba, encontram-se em territ-rio mineiro, na Unidade de Planejamento PJ,

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia38

    que tem forte influncia da rodovia Ferno Dias, que liga So Paulo e Belo Horizonte.

    As Bacias PCJ esto subdivididas em sete sub-bacias principais, cinco delas pertencendo bacia do rio Piracicaba (Piracicaba, Corumbata, Jaguari, Camanducaia e Atibaia) e mais as bacias dos rios Capivari e Jundia.

    As Bacias PCJ abrangem reas territoriais de 76 municpios, 62 dos quais com sede municipal dentro destas bacias hidrogrficas. Destes, 58 esto no Estado de So Paulo e quatro em Minas Gerais.

    3.1.1. DEMOGRAFIA, ECONOMIA E OS RIOSA localizao estratgica das Bacias PCJ e o

    seu processo de ocupao, caracterizado por fatores como a cultura de despejar efluentes e esgotos in natura em cursos de gua, a ocupao inadequada de vrzeas, a depredao das biotas, entre outros, explicam a saturao dos recursos hdricos nas trs ltimas dcadas do sculo XX, repercutindo na forte mobilizao regional em defesa das guas e nos avanos em termos de gesto dos recursos hdricos.

    O territrio das Bacias PCJ teve papel deter-minante como espao das principais rotas de ocu-pao do interior de So Paulo, a partir da capital, durante o perodo colonial. Os rios da regio, com fluxo em direo ao interior, facilitaram a ocupao. Diversos ncleos urbanos foram constitudos em pontos estratgicos de cursos dgua, como Jundia (1655), Atibaia (1747), Piracicaba (1767), Campinas (1774) e Rio Claro (1845).

    No incio do sculo XVIII, Anhangera foi responsvel pela abertura do Caminho de Gois, estrada de terra ligando So Paulo regio central do Brasil, onde tinham sido descobertas minas de ouro. O Caminho de Gois foi implantado no tra-jeto onde atualmente se localizam os municpios de Jundia e Campinas.

    O primeiro nome de Campinas que viria ser a maior cidade das Bacias PCJ foi Freguesia de Nossa Senhora da Conceio das Campinas do Mato Grosso, em funo da grande floresta que cobria toda a regio, como parte da vegetao de domnio Atlntico. A forma de ocupao intensiva do municpio levou quase ao desaparecimento do mato grosso.

    Nas Bacias PCJ restavam, ao final do sculo XX, somente 8% da vegetao nativa original. Segundo o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlntica 2000-2005 (Fundao SOS Mata Atlntica e Instituto Nacional de Pesquisas Espa-ciais, So Paulo, 2002), em muitos municpios, como Americana, Campinas, Iracempolis, Nova Odessa, Rio das Pedras, Santa Brbara DOeste e Sumar, sobravam menos de 3% do mato grosso original. Hortolndia tinha 0%, de acordo com o Atlas. A devastao da vegetao nativa, inclusive das matas ciliares, um dos componentes da crtica situao dos recursos hdricos nas Bacias PCJ no final do sculo XX.

    A vegetao nativa est preservada em maio-res extenses das Bacias PCJ no Estado de Minas Gerais, nas cabeceiras do rio Jaguari.

    A derrubada das matas comeou com o Ci-clo da Cana-de-acar, primeiro grande produto econmico da regio e que a inseriu no mercado internacional. O processo de ocupao intensiva, acelerando a erradicao da vegetao nativa e impulsionando a urbanizao, assumiu novas ca-ractersticas com o Ciclo do Caf.

    No Estado de Minas Gerais a ocupao da rea atualmente correspondente poro minei-ra das Bacias PCJ comeou com a constituio do povoado de Camanducaia, em meados do sculo XVIII, tambm em funo da corrida ao ouro no interior brasileiro. As primeiras mora-dias de Camanducaia foram construdas, pelos bandeirantes paulistas, com a funo de pouso de tropeiros.

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia 39

    Figura 15 Plo Txtil Vista area de Americana (SP) Foto: Tomas May

    Figura 16 Agricultura Plantao de tomates, em Sumar (SP) Foto: Tomas May

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia40

    Figura 17 Mapa das bacias hidrogr cas dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia 41

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia42

    A busca do ouro est igualmente na origem do municpio de Toledo que, por sua estratgica localizao geogrfica, foi durante muito tempo disputado pelos Estados (antes, Capitanias) de So Paulo e Minas Gerais.

    As minas batizadas de Campanha de Toledo foram ocupadas pelos governos paulista e mineiro. A margem esquerda do rio Camanducaia ficou sob a jurisdio paulista, e a margem direita, sob jurisdio mineira. A elevao do povoado a dis-trito ocorreu em 1851, com o nome de So Jos de Toledo, ainda pertencendo ao municpio de Camanducaia e, depois, ao municpio de Extrema, ambos em Minas Gerais. Em 1953, Toledo passou condio de municpio, cinco anos depois que uma parte do municpio de Camanducaia passou a pertencer ao municpio de Itapeva.

    Como aconteceu em So Paulo, boa parte do sul de Minas Gerais passou a concentrar im-portante atividade cafeicultora. Em So Paulo, principalmente, a economia cafeeira financiou e foi impulsionada pelas ferrovias. Com as Companhias Paulista (1872) e Mogiana (1875), entre outras em-presas do setor, nas Bacias PCJ se formou o maior plo ferrovirio do Brasil poca. A extenso da malha ferroviria motivou a criao de vrios n-cleos urbanos, igualmente estimulados pela forte imigrao europia no perodo.

    Na primeira metade do sculo XX, as fer-rovias deram lugar s rodovias, e as Bacias PCJ acentuaram a sua posio estratgica em termos de logstica. Algumas das principais rodovias do Brasil esto na regio: Sistema Anhangera-Ban-deirantes, D. Pedro I, Washington Luiz, Santos Dumont e grande parte do trecho paulista da Rodovia Ferno Dias. A inaugurao, em 1960, em Campinas, do Aeroporto Internacional de Vi-racopos, que se tornaria o maior em movimento de cargas no Brasil, consagrou a vocao regional como um dos ns mais importantes da rede de logstica do pas. A poro mineira das Bacias PCJ, por sua vez, est diretamente sob influncia da Rodovia Ferno Dias, entre So Paulo e Belo Horizonte.

    As rodovias e demais componentes do siste-ma de transportes foram cruciais para a atrao de grandes indstrias muitas delas multinacionais e expanso do tecido urbano nas Bacias PCJ. A partir da dcada de 1960 muitas cidades da regio passaram a atrair importantes fluxos migratrios. Estava se consolidando o cenrio de fortes presses sobre os recursos hdricos regionais.

    Foi o perodo em que muitas cidades da regio, assim como em outros pontos do Brasil, refletiram os impactos do xodo rural e da moder-nizao da agricultura e pecuria. Em territrio pau-lista tambm ocorria a desconcentrao induzida, prevenindo-se um aumento ainda maior da Regio Metropolitana de So Paulo.

    Assim que nas Bacias PCJ foi verificado um crescimento demogrfico muito superior ao de outras regies brasileiras. Nas dcadas de 1970/80 a taxa mdia de crescimento populacional no Brasil foi de 2,5% ao ano, e na Regio Metropolitana de Campinas (RMC), onde esto alguns dos municpios mais populosos das Bacias PCJ, a taxa foi de 6,5% ao ano apenas o municpio de Sumar cresceu em mais de 10% ao ano na dcada de 1970, um dos maiores percentuais no pas.

    No perodo de 1980/91 o ritmo de crescimen-to demogrfico foi reduzido na Regio Metropolitana de Campinas, para 3,5% ao ano, mantendo-se supe-rior mdia brasileira, de 1,9% ao ano.

    Em apenas 20 anos, o conjunto das Bacias PCJ recebeu quase 2 milhes de novos moradores. A populao era de 2.518.879 pessoas em 1980, de 3.566.988 em 1991 e de 4.467.623 em 2000.

    A criao da Universidade Estadual de Campi-nas (UNICAMP), em 1962, e de outras importantes instituies de ensino superior e centros de pesquisa, como a ESALQ/ USP, o Instituto Agronmico de Cam-pinas, a UNESP, ratificaram o perfil de alto desenvol-vimento econmico na regio, o que se consolidou com a criao da Refinaria de Paulnia, da Petrobras, em 1972. Ela se tornaria a maior refinaria da Amrica do Sul, que em conjunto com o plo sucroalcooleiro, impulsionado pelo Prolcool, consolidou um impor-tante plo energtico das Bacias PCJ.

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia 43

    Figura 18 Transporte Rodovia D. Pedro I, em Campinas (SP) Foto: Tomas May

    Figura 19 Educao Campus da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em Campinas (SP) Foto: Tom May

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia44

    O perfil da ocupao e dos modos de produ-o levou concentrao de 65% da populao das Bacias PCJ, atualmente, em dez municpios mais populosos: Campinas, Piracicaba, Jundia, Limeira, Sumar, Americana, Santa Brbara DOeste, Rio Claro, Hortolndia e Indaiatuba.

    Dado especialmente preocupante, em termos de presso sobre os recursos hdricos, se refere s projees de crescimento populacio-nal nas Bacias PCJ, como se v na Tabela 3. A expectativa de que sejam recebidos mais de 1 milho de novos moradores (uma nova Campi-nas) at 2025, o que somente reitera a urgncia de melhorias na qualidade e na quantidade de gua na regio.

    Tabela 3. Projeo populacional nas Bacias PCJ.

    Ano de projeo Populao 2007 5.018.0002012 5.423.0002025 6.219.000

    Fonte: Plano das Bacias PCJ 2004-2007.

    O ritmo de crescimento na Regio Metropo-litana de Campinas, a mais urbanizada e de maior produo econmica, gera inquietao especial. Entre 2000 e 2005, a taxa de crescimento da po-pulao no Estado de So Paulo foi de 1,56% ao ano, mas esteve entre 3 e 4% em alguns municpios da RMC. So taxas que esto entre as maiores no perodo em todo Brasil. Entre 2000 e 2005 a RMC, rea mais populosa e urbanizada das Bacias PCJ, recebeu mais de 200 mil novos moradores, equi-valentes populao de Sumar.

    Os ndices de crescimento econmico, sobretudo na RMC, reforam a projeo de que as Bacias PCJ continuaro recebendo importantes fluxos migratrios nas primeiras dcadas do sculo XXI, atrados por oportunidades de emprego e renda.

    Alm da importncia da indstria de alta tecnologia, forte a tendncia para as Bacias PCJ se tornarem um dos principais plos de energia do Brasil, em termos de energia renovvel, derivada de fontes como o etanol, o biodiesel e o H-bio.

    Figura 20 Metrpole Regional Cidade de Campinas (SP) Foto: Tomas May

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia 45

    Todos esses so fatores que tendem a estimu-lar um crescimento populacional maior nas Bacias PCJ do que as mdias brasileira, paulista e mineira, o que ratifica a necessidade de cuidado extremo com a gesto dos recursos hdricos.

    O percentual da populao nas reas ur-banizadas das Bacias PCJ, de 93,7% em 2000, das mais altas do Brasil. Atinge 94,1% no trecho paulista e 62,9% na poro mineira. Em alguns mu-nicpios, como Americana e Valinhos, praticamente no existe mais populao na zona rural.

    Ateno especial merece a poro mineira das Bacias PCJ, onde esto as cabeceiras de alguns dos principais rios da regio. Cabeceiras situadas nas vertentes da Serra da Mantiqueira, que recebeu esse nome dos indgenas Puris, moradores originais da regio, justamente pela abundncia de recursos hdricos. O nome original da rea era Aman-ty-kir, que significa montanhas que choram, figura po-tica que define a serra marcada pela abundncia de gua.

    3.1.2. COLETA E TRATAMENTO DE ESGOTOUm dos efeitos da urbanizao intensiva

    nas Bacias PCJ foi a multiplicao das fontes de poluio dos rios pelos esgotos urbanos.

    Os ndices de coleta de esgoto nas Bacias PCJ evoluram de 76% em 1996 para 85% em 2003. Os municpios com populao entre 50 e 150 mil habitantes tm os ndices mais reduzidos de coleta de esgoto (77%).

    Tambm verificada a evoluo no trata-mento de esgotos urbanos. No incio da dcada de 1990, menos de 5% dos esgotos domsticos recebiam algum tipo de tratamento. Em 2003 o ndice de tratamento j era de 16%. Isto represen-tava uma carga remanescente estimada em cerca de 200 t DBO/dia.

    O processo foi acelerado com a inaugurao de Estaes de Tratamento de Esgoto (ETEs) em Santa Brbara DOeste, Jaguarina, Valinhos e, principalmente, com as ETEs do Piarro e Anhu-mas, em Campinas. As estimativas so de que at

    Figura 21 Tratamento de esgoto ETE Jundia, em Jundia (SP) Foto: Tomas May

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia46

    o final de 2007 aproximadamente 40% dos esgotos das Bacias PCJ recebero tratamento.

    Tiveram papel decisivo nessa evoluo a mobilizao regional, os avanos no Sistema de Gerenciamento de Recursos Hdricos o Programa Despoluio de Bacias Hidrogrficas, o PRODES1, os recursos advindos do FEHIDRO e dos rgos e entidades responsveis pela prestao de servios de saneamento.

    Sem dvida, houve avanos no tratamento de esgotos urbanos nas Bacias PCJ. Contudo, longo o caminho at o tratamento de no mnimo 80%, principalmente considerando as projees de crescimento populacional na regio, o que refora a relevncia dos recursos da cobrana pelo uso da gua como alternativa de financiamento de estudos,

    1. O PRODES, programa da ANA, tambm conhecido como Pro-grama de Compra de Esgoto Tratado, uma iniciativa inovadora: no nancia obras e equipamentos e paga pelos resultados alcanados e pelo esgoto efetivamente tratado.

    projetos e obras. A destinao de recursos finan-ceiros para a gesto do sistema deve acompanhar os investimentos destinados a obras, garantindo o fortalecimento dos rgos e entidades com pessoal capacitado e atualizado.

    O Relatrio de Qualidade das guas Interio-res do Estado de So Paulo de 2005, da CETESB, indicava que os rios das Bacias PCJ estavam entre os mais poludos do Estado de So Paulo. Os esgotos domsticos sem tratamento representam boa parte da carga poluidora.

    Em 2003, segundo a CETESB, no trecho pau-lista das Bacias PCJ, a gerao de carga orgnica industrial era de 328 t DBO/dia potencial e de 56 t DBO/dia remanescente, significando uma reduo mdia de 83%. No setor sucroalcooleiro, que pos-sui um lanamento potencial de 972 t DBO/dia, a reduo superior a 95%, considerando o processo de fertirrigao.

    Figura 22 Tratamento de esgoto ETE Jaguarina, em Jaguarina (SP) Foto: Tomas May

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia 47

    3.1.3. USOS E DEMANDASDe acordo com o Relatrio de Situao dos

    Recursos Hdricos 2002/2003, o maior usurio interno de gua para captao nas Bacias PCJ o setor de saneamento, com 42% do total. Seguem o setor industrial, com 35%, e o de irrigao com 22%, conforme a Tabela 4. No total, a demanda de guas superficiais nas Bacias PCJ era de 41,3 metros cbicos por segundo.

    A demanda de gua subterrnea, por sua vez, de 2.615 litros por segundo, distribudos em 71% na bacia do Piracicaba, 13% na bacia do Capivari e 16% na bacia do Jundia.

    A estas demandas, soma-se a transposio de 31 metros cbicos por segundo pela SABESP por meio do Sistema Cantareira para abasteci-mento de parte da Regio Metropolitana de So Paulo.

    Tabela 4. Demanda de guas super ciais, por tipo de uso, nas Bacias PCJ.

    Sub-baciam3/s%

    Uso Urbano Uso Industrial Uso Rural Demais usos Total

    Piracicaba 13,632,9%

    11,527,9%

    5,914,2%

    0,10,4%

    31,175,3%

    Capivari 1,53,7%

    2,45,8%

    2,35,6%

    0,10,3%

    6,315,3%

    Jundia 2,25,4%

    0,61,6%

    0,92,3%

    0,020,1%

    3,89,3%

    Bacias PCJ 17,442%

    14,635,2%

    9,122,1%

    0,30,7%

    41,3100%

    Fonte: Relatrio de Situao dos Recursos Hdricos 2002-2003.

    Figura 23 Tratamento de gua ETA Jundia, em Jundia (SP) Foto: Tomas May

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia48

    3.1.4. DISPONIBILIDADE HDRICA SUPERFICIAL

    Os dados de disponibilidade hdrica foram obtidos com base nos estudos de regionalizao hidrolgica feitos pelo DAEE em 1988 e 1994 e adaptados pelo Relatrio de Situao dos Recursos Hdricos das Bacias PCJ (2002-2003). A Tabela 5 mostra as vazes totais das bacias, sem os reserva-trios do Sistema Cantareira.

    Tabela 5. Vazes Totais das Bacias PCJ em m3/s.

    Sub-bacias Qmdia QmnimaPiracicaba 144,3 35,7

    Capivari 11,4 2,4

    Jundia 11,0 2,3

    Bacias PCJ 166,7 40,4

    Fonte: Relatrio de Situao dos Recursos Hdricos 2002-2003.Qmdia: vazo mdia com base na srie histrica de longo termo.Qmnima: vazo mnima para 7 dias consecutivos com perodo de retorno de dez anos.

    Em sua poro mineira, as Bacias PCJ so ricas em disponibilidade hdrica superficial, com altas contribuies especficas (da ordem de 50 a 75 l/s m) e elevado ndice pluviomtrico (cerca de 1.400 a 1.800 mm/ano).

    3.1.5. SISTEMA CANTAREIRAA reverso de guas da bacia do rio Piracica-

    ba, para abastecimento de grande parte da Regio Metropolitana de So Paulo, por intermdio do Sistema Cantareira, representa historicamente o principal foco de conflitos pelo uso dos recursos hdricos nas Bacias PCJ. Essa reverso representa importante desafio, considerando a situao de escassez de recursos hdricos nas bacias.

    O Sistema Cantareira constitudo pelos reservatrios formados pelos barramentos nos rios Jaguari, Jacare, Cachoeira e Atibainha, da Bacia

    do rio Piracicaba, e pelo reservatrio Paiva Castro, criado pelo barramento no rio Juqueri, da Bacia do Alto Tiet.

    Concebido na dcada de 1960 para aten-der a uma demanda crescente na Regio Metro-politana de So Paulo, que atraa enorme fluxo migratrio e concentrava importantes atividades econmicas, o Sistema Cantareira foi construdo em duas etapas. A primeira etapa estendeu-se de 1965 a 1975, com a implantao dos reservatrios Cachoeira, Atibainha e Paiva Castro. A segunda etapa desenvolveu-se entre 1975 e 1981, com a construo dos reservatrios interligados dos rios Jaguari e Jacare.

    Desde o primeiro momento, quando se anunciou a inteno de construo dos reserva-trios, houve intensa mobilizao na Bacia do Rio Piracicaba, gravitando em torno da cidade de Piracicaba. A Campanha Ano 2000 teve grande parte de sua inspirao na mobilizao crtica ao Sistema Cantareira, motivada pelo temor a respeito dos impactos da sua operao para os recursos hdricos na bacia.

    A autorizao para a derivao de gua para a Regio Metropolitana de So Paulo, de at 33 metros cbicos de gua por segundo, foi dada por Portaria do Ministrio das Minas e Energia de agosto de 1974, estabelecendo um prazo de 30 anos de vigncia da outorga. Em 2004, a ANA e o DAEE, com ativa participao dos Comits PCJ, fixaram novas condies de operao do Sistema Cantarei-ra, aps intenso processo de negociao.

    O Sistema Cantareira viabiliza, portanto, a transposio de guas da bacia do rio Piracicaba para o abastecimento de metade da Regio Metro-politana de So Paulo, ou cerca de 9 milhes de habitantes em 2007. Trata-se da transposio de um volume de guas equivalente vazo mdia anual de 31,3 m3/s. A ilustrao a seguir mostra o funcionamento do Sistema Cantareira.

  • Figura 24 Sistema CantareiraRepresa do rio Cachoeira, em Piracaia (SP)Foto: Tomas May

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia50

    3.1.6. RELAO ENTRE DEMANDA E DISPONIBILIDADE

    A relao entre a demanda e a disponibili-dade, conforme a Figura 26, aponta claramente a crtica situao de escassez de recursos hdricos nas Bacias PCJ, que utilizam mais gua do que realmente tm disposio.

    Os dados apresentados na tabela 6 consi-deram as demandas de gua definidas no Plano de Bacias e a disponibilidade hdrica obtida nos estudos de regionalizao hidrolgica feitos pelo DAEE em 1988 e 1994 e adaptados pelo Relat-rio de Situao dos Recursos Hdricos das Bacias PCJ (2002/2003). As disponibilidades hdricas so aquelas apresentadas no item 3.1.4.

    Figura 26 Relao demanda/disponibilidade de gua nas bacias PCJ

    Figura 25 Per l Sistema Cantareira

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia 51

    De acordo com os padres da ONU, con-siderada crtica a disponibilidade anual de gua por habitante abaixo de 1500 m3. Nas Bacias PCJ, a disponibilidade chega a 400 m3/habitante/ano, nos perodos de estiagem.

    O desafio derivado da escassez de recursos hdricos nas Bacias PCJ ainda maior, conside-rando as projees de demanda futura, estimada em 51 m3/s para 2020, segundo o Plano de Bacias 2000/2003. Devido a este aumento da demanda de gua, superior disponibilidade atual, faz parte do acordo firmado para a renovao da outorga do Sistema Cantareira, que a SABESP, responsvel pelo

    abastecimento de gua para a Regio Metropolitana de So Paulo, busque novas fontes e alternativas, re-duzindo a retirada de gua do Sistema Cantareira.

    3.1.7. UNIDADES DE CONSERVAOMais de 80% das Unidades de Conservao

    (UCs) das Bacias PCJ esto localizadas em reas de Preservao Ambiental (APAs), que incluem Parques Ecolgicos, Estaes Experimentais e Flo-resta Estadual, representando pouco menos de 1% da rea das Bacias PCJ.

    Figura 27 Rio Jaguari Corredeira do Poo, em Cosmpolis (SP) Foto: Davi Negri

  • Perfil das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia52

    APA Ferno Dias protege nascentes do PCJ

    A criao da rea de Proteo Am-biental Ferno Dias (APA Ferno Dias), pelo Decreto no 38.925/1997, foi um importante passo para a pro-teo dos recursos hdricos do Sul de Minas Gerais, onde esto algumas das principais nascentes das Bacias PCJ, especi camente, dos rios Ca-manducaia, Jaguari e Atibaia.

    A APA Ferno Dias conseqncia da discusso relativa ao licencia-mento ambiental do Projeto de Duplicao da BR 381 Rodovia Ferno Dias. A criao da APA foi expressamente citada no Estudo de Impacto Ambiental-Relatrio de Impacto Ambi