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Importância do Ensino Superior Universitário na preparação dos

atletas de alta competição

As perspetivas de abordar a importância do ensino superior universitário na preparação e no desenvolvimento da carreira de um atleta de alto rendimento são distintas.

O caminho que escolhi para esta comunicação decorre daquilo que é a minha formação académica e das práticas profissionais que fui vivendo ao longo da vida referenciadas ao desporto.

Falarei basicamente do que tem o ensino superior universitário a oferecer à formação de um atleta de alto rendimento.

É um caminho que não esgota outras possibilidades de abordagem do tema.

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Voltemos muito atrás. Comecemos pelo lugar onde tudo começou. Onde o desporto chegou à Universidade. Ao momento fundador desta relação: a educação física.

É a educação física e a afirmação da sua centralidade que está na génese e na introdução do desporto no seio do ensino universitário.

São as diferentes conceções epistemológicas em seu torno que deram forma ao conhecimento científico aqui produzido. Essa é a sua matriz original.

Não me cumpre aqui revisitar a história, mas não é possível escamotear a sua importância na forma como hoje o meio universitário olha para o desporto.

Recordemos, para tanto, as circunstâncias em que é forjada a autonomização das

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ciências do desporto por um lado e a afirmação das ciências da educação por outro, e bem assim pela extensão às perspetivas salutogénicas e de reabilitação da atividade física e do exercício.

A evolução pedagógica e científica, recusando uma conceção mecanicista e abrindo as portas a uma visão holística, ao incorporar perspetivas e análises teóricas provenientes da filosofia, da história, da sociologia, da pedagogia, da economia e de outras áreas do saber, prestigiou a Universidade e contribuiu decisivamente para valorizar o estatuto das ciências do desporto, não apenas na Academia, mas fundamentalmente no seio do sistema educativo e desportivo.

A entrada do desporto na Universidade portuguesa deve a sua origem ao processo de mudança e de reconhecimento da

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primeira instituição de ensino que no essencial formava professores de educação física.

Mas a integração dessa escola na Universidade - hoje a Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa - envolveu consequências muito para além do seu reconhecimento académico.

Simbolicamente foi a entrada do corpo na universidade. Não a do corpo anatómico e do corpo biológico ou do corpo clínico. Esses de há muito que lá estavam. Era um outro corpo que entrava.

O corpo que corre, que salta, que nada, que rema, que pagaia, que lança, que luta e que compete. O corpo que joga e que brinca. O corpo que se desafia a si próprio, procurando através de uma constante superação, responder à velha questão

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ontológica de saber aquilo de que ele próprio é capaz.

O corpo desportivo. O corpo que para ser entendido, ensinado, moldado, treinado ou simplesmente superado, precisa do contributo da ciência e do conhecimento.

Um corpo que entra na Universidade para combater o dualismo Corpo /mente e afirmar que só há um corpo onde habita uma mente.

Uma mente que é território de emoções mas que é a mesma que comanda a mão do artista que pinta a tela, da mão que escreve o livro, dos dedos que tocam as teclas do piano ou do pé que remata a bola.

Uma mente, a mesma mente, que comanda o ato cognitivo e o ato motor.

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A entrada não foi fácil, nem tem sido uma presença ausente de escolhos pelo caminho.

Mas tem sido, aos poucos, a consagração do corpo desportivo como objeto de estudo, emergindo como uma categoria científica própria e requerendo a presença de saberes disciplinares tão distintos como a antropologia, a biologia, a fisiologia, a química, a biomecânica, a psicologia, a sociologia ou a filosofia.

Minhas senhoras e meus senhores,

A contextualização deste percurso representa um fator crítico absolutamente distintivo para tratar o tema que hoje aqui me propus abordar.

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Sem o não o reconhecermos perdemos uma dimensão de enorme relevo para compreender as múltiplas interdependências entre a Universidade e o Desporto, as organizações que o representam e os agentes desportivos que lhe dão forma.

Trata-se do reconhecimento de que o uso desportivo do corpo tem uma dimensão e uma relevância sociais que justificam o seu tratamento ao mais elevado nível do saber.

Justificam o seu reconhecimento como uma matéria sobre a qual deverá incidir o conhecimento científico.

Hoje é consensual que a avaliação, o controlo e a monitorização da performance desportiva, em contexto de treino e de competição, são fatores críticos para o sucesso de uma carreira de um atleta de alta competição.

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A cientificidade da preparação desportiva tem sido, aliás, da análise deste percurso, um fator crítico para a afirmação das diferentes potências desportivas.

Ontem, como hoje, os países que se encontram na vanguarda deste processo têm uma vantagem competitiva no desempenho dos seus atletas e equipas, recolhendo disso dividendos, em medalhas, recordes e resultados de excelência.

Programar e planear a preparação de um atleta requer a articulação de uma pluralidade de competências técnicas e científicas.

Metodologia do treino, biomecânica, nutricionismo, psicologia, metrologia e fisiologia do esforço são, entre muitas outras, áreas e domínios científicos de

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capital importância associadas ao alto rendimento desportivo.

Quem pode garantir esse conhecimento ao atleta de alto rendimento senão a universidade? Que outro espaço institucional existe para produzir esse conhecimento?

Por isso, tenho cada vez mais apurada, à medida que sigo no exercício das funções que hoje ocupo, a noção e relevância do enorme desafio para a Universidade em saber preservar este património.

Colocando-o ao serviço do desenvolvimento do país e do seu desporto, pois a ciência para além do papel inestimável na valorização social do desporto é cada vez mais um fator distintivo na preparação do atleta de alto rendimento.

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O desenvolvimento do conhecimento científico, a sua transferência, interdisciplinaridade, operacionalidade e interdependência entre quem se dedica à investigação e quem aplica os resultados desse trabalho representa porventura o elemento-chave na competitividade desportiva de um país.

E aqui não me refiro apenas à competição no sentido literal do termo, mas à competitividade das organizações desportivas; à eficácia das políticas, à eficiência na gestão dos recursos, aos indicadores de desenvolvimento desportivo que nos referenciam nos mais diversos domínios a nível internacional.

Nesta medida, não devem as instituições do ensino superior universitário fecharem-se em torno dos seus quadros de referência e valores, mas trabalharem numa perspetiva

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funcional que agregue e harmonize a produção de conhecimento científico com as carências das organizações e agentes desportivos.

Evitando ficar refém de um debate epistemológico circunscrito ao circuito universitário, pouco preocupado na provisão de competências operativas para qualificar a intervenção no terreno e orientado para a resolução de problemas.

E aqui chegados importa revisitar um outro angulo deste tópico

Refiro-me precisamente às fragilidades na perceção da dimensão cultural do desporto de intervenientes com poder de decisão, que explica em grande parte os condicionalismos em fazer cumprir as disposições que o nosso ordenamento jurídico consagra para a

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frequência universitária de atletas de alto rendimento.

Quantas vezes as instituições de ensino superior olham para este tipo de alunos com estereótipos e preconceitos de privilégio?

Quantas vezes não se encaram estes alunos como um fardo burocrático e um escolho ao normal funcionamento de uma máquina administrativa com as suas rotinas e procedimentos sedimentados?

Quantas vezes docentes, funcionários e responsáveis em órgãos de gestão das universidades se precipitam em decisões mecânicas sem cuidar de atender a compromissos desportivos inadiáveis para os atletas?

Quantas vezes não são os primeiros a colocar obstáculos à compatibilização entre

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a carreira académica e a carreira desportiva, que o legislador procurou suprir no quadro regulador atual?

A recorrência destes episódios redunda inevitavelmente no abandono das carreiras desportivas. Todos o sabemos.

Minhas senhoras e meus senhores,

Não estamos perante um problema de vazio legal. Estamos sim confrontados com mais uma faceta das debilidades na educação e cultura desportiva do país, onde a dimensão cultural, económica e social do desporto permanece negligenciada.

Onde não somos capazes de ver o valor estratégico que outros há muito têm por adquirido: o prestígio e o fator distintivo para uma instituição universitária em contar

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com um atleta de elite ou um atleta olímpico na sua lista de alunos.

Precisamente porque são exemplos de uma cultura que promovem. Uma cultura de superação. Uma cultura de responsabilidade e respeito pelo adversário. Uma cultura de solidariedade e trabalho por objetivos. Uma cultura de compromisso com a integridade e valores éticos. Uma cultura de trabalho planeado, multidisciplinar e sistematizado rumo a resultados de excelência.

Afinal, muito daquilo que a Academia consagra como referências fundadoras e que estão longe de se materializar no terreno, onde o preconceito permanece fortemente enraizado, amiúde em flagrante contraste com tudo o que se pretende nas orientações estratégicas para o futuro do ensino superior.

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Saúde-se por isso todas as instituições do ensino superior e universitário que procuram encontrar boas soluções para a compatibilização entre a carreira académica e desportiva de que a Universidade de Coimbra é um bom exemplo.

É fundamentalmente para o tema que nos traz aqui hoje que relação entre as instituições de ensino universitário e os atletas de alto rendimento acomode as suas perspetivas futuras seja no plano desportivo e académico.

Exigir do mundo académico a valorização do desporto enquanto objeto de estudo deve caminhar a par da valorização dos atletas e outros agentes desportivos que frequentam ou servem as suas instituições.

Minhas senhoras e meus senhores,

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Reconheço que é mais fácil o enunciado do que a sua concretização, da mesma forma que reconheço que o desenvolvimento do desporto em Portugal necessita de recursos humanos mais qualificados que sustentem melhores práticas de intervenção e melhor organização estrutural e funcional

Fundamentalmente exige-se coordenação e diálogo estruturado entre as partes para verter o conhecimento científico produzido ao serviço do desporto, como fator crítico para a sua mudança e o desenvolvimento, e muito particularmente na preparação e aperfeiçoamento da performance de atletas de alto rendimento

No cenário de fragilidade económica e financeira que hoje se atravessa não é desejável desperdiçar recursos em investigações e trabalhos científicos que se esgotam nos muros da Universidade.

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Da mesma forma também não é possível permanecer na utopia que o caminho para a excelência se traduz no aperfeiçoamento dos agentes desportivos através da intervenção técnica especializada em circunstâncias pontuais.

Ou na “reciclagem” de conhecimentos, como se este fosse um bem tangível, estanque e duradouro.

Reconheço, porém, mirando as décadas que acompanho o binómio desporto-universidade, a extensão do trajeto percorrido e as distâncias a percorrer, convicto que são hoje melhores e maiores as sinergias geradas, numa parceria absolutamente determinante para a transversalidade no desenvolvimento do desporto português.

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O Comité Olímpico de Portugal tem envidado todos os esforços neste propósito, através da dinamização de iniciativas e projetos, na consolidação de mecanismos de aprofundamento da relação com o mundo académico para que da coesão e transferência de conhecimento se retirem dividendos para o desporto português e este assuma um estatuto de maior relevância na agenda das instituições e politicas para o ensino superior.

Um caminho cujas bases estão hoje consolidadas através do seu Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Desportivo, mas exige um compromisso permanente e empenhado de todos nas relações humanas que dão forma à solidez dos laços que se criam entre as instituições, tendo presente a todo o momento o propósito primordial da nossa missão.

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Um missão que se traduz em melhorar a qualidade no serviço que prestamos aos nossos membros: as organizações e agentes desportivos e educativos.

Reconfigurando deste modo a perspetiva como pensamos as nossas instituições, estruturámos a nossa intervenção, primeiro na ótica de quem servimos e de seguida no quadro institucional onde operamos.

Ou seja, na importância do atleta de alto rendimento para as instituições de ensino superior universitário.

Que a celebração do 25º aniversário por parte desta prestigiada Faculdade seja um momento inspirador para caminhar rumo ao futuro acompanhando a divisa olímpica: mais rápido, mais alto e mais forte! Parabéns a todos!Muito obrigado.

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Coimbra,19 de Fevereiro de 2017José Manuel ConstantinoPresidente do Comité Olímpico de Portugal

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