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Revista Katálysis ISSN: 1414-4980 [email protected] Universidade Federal de Santa Catarina Brasil Yazbek, Maria Carmelita Serviço Social e pobreza Revista Katálysis, vol. 13, núm. 2, julio-diciembre, 2010, pp. 153-154 Universidade Federal de Santa Catarina Santa Catarina, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=179616095001 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Page 1: Redalyc.Serviço Social e pobreza · pobreza e a desigualdade, constitutivas do capitalismo, ... violência da radicalização da exploração e da expro-priação das classes subalternizadas

Revista Katálysis

ISSN: 1414-4980

[email protected]

Universidade Federal de Santa Catarina

Brasil

Yazbek, Maria Carmelita

Serviço Social e pobreza

Revista Katálysis, vol. 13, núm. 2, julio-diciembre, 2010, pp. 153-154

Universidade Federal de Santa Catarina

Santa Catarina, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=179616095001

Como citar este artigo

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Este número da Revista Katálysis traz como eixotemático o Serviço Social e a pobreza. Trata-se deuma relação histórica, que, com diferentes conotações,acompanha o exercício profissional desde os anos de1940 quando a profissão se institucionaliza na socie-dade brasileira como um dos mecanismos acionadospelo Estado e pelo patronato, em sua intervenção re-guladora frente à emergente questão social1 no país.

Efetivamente, a pobreza é parte da experiênciadiária do trabalho dos assistentes sociais. Convive-mos muito de perto com a experiência trágica de per-tencer às classes subalternizadas em nossa socieda-de; conhecemos esse universo caracterizado por tra-jetórias de exploração, pobreza, opressão e resistên-cia, observamos o crescimento da violência, da dro-ga, e de outros códigos que sinalizam a condição su-balterna: o desconforto da moradia precária e in-salubre, as estratégias de sobrevivência frente aodesemprego, a debilidade da saúde, a ignorância, afadiga, a resignação, a crença na felicidade das ge-rações futuras, o sofrimento expresso nas falas, nossilêncios, nas expressões corporais, nas linguagensalém dos discursos.

Cada vez mais, é preciso considerar a impossibi-lidade de alcançar a realidade das classes subalter-nas sendo estranhos à sua cultura, à sua linguagem,a seu saber do mundo.

Do ponto de vista conceitual, é fundamental nãoperder de vista que a pobreza é expressão direta dasrelações vigentes na sociedade, relações extremamentedesiguais, em que convivem acumulação e miséria. Apobreza brasileira é produto dessas relações que, emnossa sociedade, a produzem e reproduzem, quer noplano socioeconômico, quer nos planos político e cul-tural, constituindo múltiplos mecanismos que “fixam”,os pobres em seu lugar na sociedade.

Abordar aqueles que socialmente são constituí-dos como pobres é penetrar num universo de dimen-sões insuspeitadas, marcado pela subalternidade, pelarevolta silenciosa, pela humilhação e alienação e so-bretudo, pela resiliência aliada às estratégias paramelhor sobreviver, apesar de tudo.

EDITORIAL

Rev. Katál. Florianópolis v. 13 n. 2 p. 153-154 jul./dez. 2010

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Serviço Social e pobreza

Sabemos que novos fios estão tecendo novas so-ciabilidades que precisam ser desvendadas, mas,permanecem atuais os profundos e vastos sofrimen-tos gerados por uma ordem societária assentada naexploração de poucos sobre muitos, como observa-mos cotidianamente no exercício de nossa profissão.

Não podemos esquecer que as condições materi-ais da existência e as formas concretas que elas as-sumem nas vivências da sociabilidade, levam muitasvezes ao caminho da desesperança, do ilícito e deexperiências conjugadas em outro jogo de referênci-as tecido entre a dureza do desemprego e do traba-lho incerto, a atração encantatória do moderno mer-cado de consumo, mas também os novos circuitos desociabilidade e trabalho tramados na interface dasmudanças operantes no mundo do trabalho e na ci-dade, e seus espaços (TELLES, 20072). Trata-se, se-gundo a autora, de um jogo que se caracteriza pelaerosão dos mundos sociais construídos em torno dotrabalho regulado, que atinge duramente os que fo-ram afetados pela reestruturação produtiva e os que,na “virada dos tempos” , transitam nas suas dobras econstroem outros campos de possibilidades.

Embora a renda se configure como elemento es-sencial para a identificação da pobreza, o acesso abens, recursos e serviços sociais ao lado de outrosmeios complementares de sobrevivência precisa serconsiderado para definir situações de pobreza. É im-portante considerar que pobreza é uma categoriamultidimensional, e, portanto, não se expressa ape-nas pela carência de bens materiais, mas é categoriapolítica que se traduz pela carência de direitos, deoportunidades, de informações, de possibilidades e deesperanças, como anuncia José de Souza Martins3.

Submersos numa ordem social que os desqualifica,marcados por clichês: “ inadaptados” , “marginais”,“problematizados” , portadores de altos riscos evulnerabilidades, os pobres representam a herançahistórica da estruturação econômica, política e socialda sociedade brasileira. Fazem parte dessa história,a tradição oligárquica e autoritária de uma sociedadede extremas desigualdades e assimetrias, caracteri-

Social Work and Poverty

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Rev. Katál. Florianópolis v. 13 n. 2 p. 153-154 jul./dez. 2010

zada por sempre insuficientes recursos e serviçosvoltados para atender às necessidades dos segmen-tos das classes subalternas.

Quanto mais os assistentes sociais forem capazesde explicar e compreender as lógicas que produzem apobreza e a desigualdade, constitutivas do capitalismo,mais condições terão para intervir, para elaborar res-postas profissionais qualificadas do ponto de vista teó-rico, político, ético e técnico (o conhecimento teórico éa primeira ferramenta do trabalho do assistente soci-al). Mas, se fundamental é decifrar as lógicas do capi-tal, sua expansão predatória e sem limites, desafianteé, também, saber construir mediações para enfrentaras questões que se colocam no tempo miúdo do dia adia da profissão. É nesse tempo que podemos partejaro novo, construir resistências, construir hegemonia,enfrentar as sombras que mergulham esta imensa par-cela de humanidade explorada, enganada, iludida, mas-sacrada, gente que fica à espera em longas filas parareceber os “benefícios” que os assistentes sociaisoperacionalizam.

Construir mediações é um desafio porque supõeum movimento de passagem de nossas concepçõesontológicas, de nossos fundamentos teórico-metodológicos para esse tempo miúdo, para situaçõesconcretas. Essas mediações são teóricas, técnicas epolíticas. Por exemplo: a estruturação de um serviço,a construção de um programa, a organização de umCRAS, de um trabalho socioeducativo, e outros.

Do que estou tratando? Estou tratando de situa-ções cotidianas onde as desfigurações resultantes daespoliação deixam seus impactos. Estou tratando desituações que são alvo – objeto de políticas que nósoperacionalizamos. Estou tratando da questão deconstrução de hegemonia, no exercício concreto deuma profissão. Estou afirmando o processo de cons-trução de direitos não apenas como questão técnica,mas como questão essencialmente política, lugar decontradições e resistência. Âmbito a partir do qualseja possível “modificar lugares de poder demarca-dos tradicionalmente e, portanto, de abertura paraconstruir outros” e não apenas realizar gestões bemsucedidas de necessidades sociais. Estou colocandoem questão a luta por direitos como uma questão aser politizada, como estratégia capaz de romper, ouiniciar a ruptura, do círculo fechado da dominação.Estou colocando a reivindicação dos direitos sociaiscomo parte da luta de classes.

Sabemos que permanecem na Política Social bra-sileira, âmbito privilegiado de nossa inserção profissio-nal, concepções e práticas assistencialistas, clientelistas,primeiro damistas e patrimonialistas. Observamos narede solidária a expansão de serviços a partir do de-ver moral, da benemerência e da filantropia (que em simesmos, não realizam direitos). Ainda encontramosem nosso trabalho uma cultura moralista e autoritáriaque culpa o pobre por sua pobreza.

É inserido neste contexto, desafiado pelas mudan-ças em andamento, convivendo cotidianamente com aviolência da radicalização da exploração e da expro-priação das classes subalternizadas em nossa socie-dade e com as incontáveis faces da exclusão social,que o assistente social brasileiro trava o embate a quese propõe: o de avançar em seu projeto ético-políticona direção de uma sociabilidade mais justa, mais igua-litária e onde direitos sociais sejam observados.

Um projeto de profissão, como sabemos, envolveum conjunto de componentes que necessitam se arti-cular: são valores, saberes e escolhas teóricas, práti-cas, ideológicas, políticas, éticas, normatizações acer-ca de direitos e deveres, recursos político-organizativos, processos de debate, investigações, eminterlocução crítica com o movimento da sociedadena qual o Serviço Social é parte e expressão.

Não são poucos os desafios que interpelam a pro-fissão quando fazemos aposta em outra ordemsocietária. Temos aí um papel de politizar e dar visibi-lidade aos interesses das classes subalternas e sabe-mos que não basta a alta qualidade técnica de nossotrabalho. Tarefa difícil construir uma nova cultura po-lítica na política social, âmbito privilegiado de nossotrabalho profissional. Estamos no olho do furacão... E,embora saibamos que escapa às políticas sociais, àssuas capacidades, desenhos e objetivos reverter ní-veis tão elevados de desigualdade, como os encontra-dos no Brasil, não podemos duvidar das virtualidadespossíveis dessas políticas. Elas podem ser possibilida-de de construção de direitos e iniciativas de “contra-desmanche” de uma ordem injusta e desigual.

Maria Carmelita Yazbek, setembro 2010.

Notas

1 Por questão social entendemos a disputa, pelas classessociais, da riqueza socialmente construída na sociedadecapitalista.

2 TELLES, V. da S. Transitando na linha de sombra, tecendo astramas da cidade (anotações inconclusas de uma pesquisa).In: OLIVEIRA, F.; RIZEK, C. S. A era da indeterminação.São Paulo: Boitempo, 2007.

3 MARTINS, J. de S. O massacre dos inocentes. A criança seminfância no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1991.

Maria Carmelita [email protected]ós-Doutoramento no Inst. de Estudos Avançadosda Universidade de São Paulo (USP)Doutorado em Serviço Social pela PUC-SPProfessora da Pós-Graduação em Serviço Socialda PUC-SP