cÂmeras policiais individuais e o controle da atividade

56
CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA LEONARDO QUEIROZ LORENZI CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL CURITIBA 2021

Upload: others

Post on 10-Jul-2022

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBAFACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

LEONARDO QUEIROZ LORENZI

CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL

CURITIBA2021

Page 2: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

LEONARDO QUEIROZ LORENZI

CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL

Monografia apresentada como requisito parcial àobtenção do grau de Bacharel em Direito doCentro Universitário Curitiba.

Orientador: Rodrigo Régnier Chemim Guimarães.

CURITIBA2021

Page 3: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

LEONARDO QUEIROZ LORENZI

CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em

Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formadas pelos

Professores:

Orientador:____________________________________

Prof. Rodrigo Régnier Chemim Guimarães

______________________________________

Prof. Membro da Banca

Curitiba, de de 2021

Page 4: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

DEDICATÓRIA

Para minha mãe, FERNANDA SENE,

sem ela não teria a oportunidade de pesquisar para este trabalho.

Também para SADALLA BISS,

pois sem seu apoio não o teria terminado.

Page 5: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, tenho de agradecer a todos que me acompanharam durante estatrajetória. Houveram diversas dificuldades pelo caminho, mas finalmente este

chegou ao fim.

Importante agradecer e ressaltar o trabalho de meu orientador Doutor RodrigoRégnier Chemim Guimarães, o qual foi fundamental neste trabalho com seus

apontamentos e apoio.

Agradeço também ao Centro Universitário Curitiba por todo o tempo que me acolheue me proporcionou a oportunidade de aprender sobre o Direito, mostrando a mim

meu papel no mundo e como desempenhá-lo.

De fundamental para minha formação e para este trabalho foram meus queridoscolegas, Beatriz Cristina Mota Cherem, Maria Regina Valdameri e Vitor Bazzani, os

quais sempre estiveram do meu lado me prestando apoio e suporte sempre quenecessário.

Meus agradecimentos se estendem também ao local onde originou o tema dopresente trabalho e que me proporcionou uma sede por justiça e igualdade

incomparável: Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado(GAECO) do Ministério Público do Paraná e também a seus membros que muito me

auxiliaram, em especial a Doutora Nicole Pilagallo da Silva Mäder Gonçalves,Fabiola de Camargo Hermann, Thyeme Munslinger.

Ainda há muitos outros que me acompanharam nesta caminhada, os quais nuncaserão esquecidos e a estes dedico minha gratidão.

Page 6: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

RESUMO

O presente trabalho objetiva estudar as body worn cameras conhecidas tambémcomo câmeras policiais individuais, as quais pretendem causar mudanças profundasna forma como é realizado o policiamento e em como a sociedade vê as forças desegurança. Assim é trazido um histórico da Polícia Militar no Brasil e no Paraná, deforma a demonstrar sua importância no dever de coibir a prática de crimes, bemcomo explicar o funcionamento teórico das câmeras, os efeitos causados tanto nopolicial quanto na sociedade pela presença destas e os efeitos atingidos com seuemprego na prática, como a ocorrência de menos queixas contra policiais —explicada pela Teoria da Dissuasão — e um aumento da percepção de legitimaçãopolicial. Ademais, pretende-se demonstrar que não se trata de uma solução perfeita,uma vez que a função das câmeras é somente registrar os fatos ocorridos, havendoresultados indesejados como o aumento nos casos de agressão contra policiais e afalha em divulgar as gravações quando necessário. Também se pretende abordar aquestão dos custos de armazenamento e manutenção das imagens colhidas e osproblemas enfrentados na Suprema Corte Americana acerca da perda ou destruiçãode provas relevantes para um processo criminal.

Palavras-chave: Polícia. Segurança Pública. Câmeras Policiais Individuais. Teoriada Dissuasão. Legitimação Policial.

Page 7: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

ABSTRACT

This work aims to study body-worn cameras, also known as body-worn video, whichintends to cause deep changes in the way policing is carried out and how societyviews the security forces. Thus, a history of the Military Police in Brazil and Paraná isbrought up, in order to demonstrate its importance in the duty to curb the practice ofcrimes, as well as to explain the theoretical functioning of the cameras, the effectscaused both on the police and society by their presence and the effects achievedwith its use in practice, such as the occurrence of fewer complaints against policeofficers — explained by the Deterrence Theory — and an increase in the perceptionof police legitimacy. Furthermore, it is intended to demonstrate that the cameras arenot a perfect solution, since the function of the cameras is only to record the factsthat have occurred, having undesirable results, such as the increase in cases ofaggression against police officers and the failure to release the recordings whennecessary. It is also intended to address the issue of the costs of storing andmaintaining the images collected and the problems faced by the American SupremeCourt regarding the loss or destruction of evidence relevant to a criminal case.

Keywords: Police. Public security. Body Worn Cameras. Deterrence Theory. PoliceLegitimacy.

Page 8: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

LISTA DE SIGLAS

BWC — Body Worn Camera

BWCs — Body Worn Cameras

BWV — Body Worn Video

COP — Câmera Operacional Portátil

CPI — Câmera Policial Individual

PMESP — Polícia Militar do Estado de São Paulo

PM — Polícia Militar

PMSC — Polícia Militar de Santa Catarina

SWAT — Special Weapons And Tactics

Page 9: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 92 ASPECTOS HISTÓRICOS, DEFINIÇÃO DOUTRINÁRIA E LEGISLAÇÃO 102.1 INTRODUÇÃO 102.2 A POLÍCIA MILITAR………………………………………………………………… ...102.2.1 Conceito de Polícia…………………………………………………………………..102.2.2 Surgimento da Polícia Militar no Brasil.……………………………………………112.2.3 A Corporação no Paraná ...…………………………………………………………122.2.4 Polícia Administrativa e Polícia Judiciária.....................................................….132.2.5 Polícia e Legislação...........................................................................................143 O USO DA TECNOLOGIA NO POLICIAMENTO...................................................173.1 INTRODUÇÃO.................................................................................................….173.2 AS BODY-WORN CAMERAS………………………………………………………...183.2.1 Definição Técnica...........................................................………………………...183.2.2 Utilização Internacional e Nacional...............................................................….193.2.3 Body-Worn Cameras na Prática........................................................................213.3 VANTAGENS E DESVANTAGENS..................................................................…243.3.1 Uso de Câmeras e Número de Queixas Contra Policiais ................................253.3.1.1 Experimento de Rialto e a Teoria da Dissuasão.....…....................................253.3.1.2 Período pós-experimental em Rialto......................…....................................263.3.1.3 Réplica do experimento de Rialto em escala global.………………………….273.3.2 Uruguai e o Estudo sobre Legitimação Policial…………………………………..303.3.2.1 Legitimação………..……………………………………………………………….303.3.2.2 Metodologia e resultados…………………………………………………………313.3.2.3 Conclusões…………………………………………………………………………333.4 PONTOS NEGATIVOS………………………………………………………………..333.4.1 A Morte de George Floyd…………………………………………………………...333.4.2 Aumento nos Incidentes de Agressão Contra Policiais………………………….343.4.3 Forças Policiais Especializadas....…………………………………………………363.5 A GRAVAÇÃO COMO PROVA………………………………………………………383.5.1 Confiabilidade e Segurança das Gravações……………………………………...383.5.2 Valor da Gravação Como Prova……………………………………………………383.5.3 Início e Fim da Gravação……………………………………………………………393.5.4 Os Casos Brady e Youngblood…………………………………………………….423.5.5 Publicidade e Privacidade…………………………………………………………..443.5.6 Gravação como Treinamento………………………………………………………455 CONSIDERAÇÕES FINAIS…………………………………………………………….48REFERÊNCIAS…………………………………………………………………………….51

Page 10: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

9

1 INTRODUÇÃO

No cenário atual onde a tecnologia está cada vez mais integrada ao

cotidiano e causando perceptíveis melhorias nos mais diversos setores, é

necessário trazer tal modernização para a segurança pública, a qual sofreu poucas

mudanças nas últimas décadas. De forma promissora apareceram as Câmeras

Policiais Individuais (Body-worn cameras), que são pequenas câmeras que podem

ser atreladas ao corpo do policial, trazendo assim uma forma imparcial de narrar os

fatos. Todavia, em razão de ser uma tecnologia tão recente, seus efeitos ainda não

são amplamente conhecidos, o que pode causar diversos problemas caso haja uma

apressada e desinformada implementação.

Assim, surge a importância de identificar os efeitos do emprego das câmeras

e buscar entender que benefícios e malefícios que serão proporcionados por sua

utilização, bem como entender como as câmeras afetam a psique de policiais e

cidadãos. Também, é necessário identificar os mecanismos psicológicos atrelados à

utilização de tal tecnologia e como funciona sua aplicação prática no cotidiano de um

policial.

Por fim, busca-se trazer duas discussões havidas na Suprema Corte dos

Estados Unidos da América, a primeira acerca do não compartilhamento de provas e

a segunda sobre a destruição ou extravio de provas por autoridades policiais e seu

valor como potenciais provas exculpatórias. A importância de tal discussão reside no

tratamento que foi dado para estes casos em relação à ausência de tais provas e os

impactos causados em um processo penal, o que afetará a abordagem de situações

onde não se há a presença de gravações.

Page 11: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

10

2 ASPECTOS HISTÓRICOS, DEFINIÇÃO DOUTRINÁRIA E LEGISLAÇÃO

2.1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos evidenciou-se um crescimento na discussão a respeito da

segurança pública, sendo este um dos pontos mais debatidos quando se aborda os

deveres que o Estado tem para com o cidadão. Assim, em resposta à crescente

violência vivenciada cotidianamente, uma parte da população brasileira passou a

posicionar-se ansiando pelo aumento da punição penal,1 bem como de permitir um

embrutecimento da força policial.

A importância de se trabalhar polícia e segurança pública reside no fato de

que, estas são essenciais para a vida em sociedade, tanto quanto a economia ou a

educação, visto que, sem ordem pública, há um retorno a uma sociedade primitiva,

onde “o homem é o próprio lobo do homem”,2 não podendo ser ignorado que a

pacífica convivência em sociedade somente se estabelece através de regras, as

quais se tornam ineficazes sem que se tenha quem as execute.

Portanto, se faz necessário discutir a atividade policial per se, entendendo

seu funcionamento e seu papel em um Estado Democrático de Direito, os problemas

que enfrenta e as possíveis soluções para estes.

2.2 A POLÍCIA MILITAR

2.2.1 Conceito de Polícia

A polícia pode ser entendida como uma força organizada composta por

agentes públicos aos quais o Estado concedeu poderes — como o de efetuar

prisões e utilizar da força — com o objetivo de tutelar os bens jurídicos dos cidadãos

e evitar a prática de crimes, de forma a promover uma pacífica vida em sociedade.

Polícia é, então, a organização administrativa (vale dizer da polis, da civita,do Estado = sociedade politicamente organizada) que tem por atribuição

2 O inglês Thomas Hobbes (1588-1679) sustentou em sua obra “Leviatã”, que o ser humano éperverso e tende a entrar em conflito, necessitando-se de um Estado para permitir a convivência emsociedade, através da proteção da propriedade privada e punição daqueles que se desviam dasregras.

1 Como reflexos deste sentimento podemos citar os movimentos que pedem pela redução damaioridade penal ou pela aplicação da pena capital, mesmo que contrários às cláusulas pétreas denossa Constituição Federal.

Page 12: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

11

impor limitações à liberdade (individual ou coletivo) na exata (mais, seráabuso) medida necessária à salvaguarda e manutenção da Ordem Pública[...].3

Assim, pode-se dizer que os policiais são agentes públicos incumbidos com a

função de manter a ordem dentro de uma sociedade, coibindo e combatendo a

prática de crimes através da execução das normas jurídicas impostas pelo Estado

ao jurisdicionado.

2.2.2 Surgimento da Polícia Militar no Brasil

Podemos traçar o surgimento da polícia no Brasil ao início do século XIX,

neste período as atividades econômicas exercidas nas cidades ainda não

apresentavam a mesma importância daquelas praticadas no campo.4 Este cenário

muda com a chegada de Dom João VI e a Corte portuguesa em 1808 — período em

que ocorreram diversas alterações administrativas e políticas —, havendo um

crescimento populacional, aumento das práticas comerciais e de negócios, e em

razão disto é criado o cargo de intendente-geral da Polícia da Corte e Estado do

Brasil e da Intendência Geral de Polícia no Brasil, os quais representavam um

esforço em estruturar uma racionalidade administrativa que buscava a garantia do

bem-estar físico da população. “Essa nova conjuntura fez com que as ações do

Estado dessem maior ênfase a questões como higiene, condições sanitárias das

cidades, disciplinarização do espaço urbano e segurança pública.”5

Em virtude de que a Guarda Real de Polícia de Lisboa permanecera em

Portugal, a Corte portuguesa, para garantir sua segurança e tranquilidade, criou,

através de decreto datado de 13 de maio de 1809, a Divisão Militar da Guarda Real

de Polícia do Rio de Janeiro que aderiu ao modelo de organização, trajes e armas

5 MEMÓRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA. Divisão da Guarda Real da Polícia doRio de Janeiro. [s. l.]: 2011. Disponível em:<http://mapa.an.gov.br/index.php/dicionario-periodo-colonial/169-divisao-militar-da-guarda-real-da-policia-1808-1821>. Acesso em: 8 de abril de 2020.

4 FERREIRA, Olavo Leonel. História do Brasil. 8. ed. São Paulo: Editora Ática, 1984. p. 126.

3 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2008 apud SOUSA, Reginaldo Canuto de; MORAIS, Maria do Socorro Almeida de. Polícia eSociedade: uma análise da história da segurança pública brasileira. V Jornada Internacional dePolíticas Públicas: Maranhão, 2011. p. 2. Disponível em:<http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornada/JORNADA_EIXO_2011/PODER_VIOLENCIA_E_POLITICAS_PUBLICAS/POLICIA_E_SOCIEDADE_UMA_ANALISE_DA_HISTORIA_DA_SEGURANCA_PUBLICA_BRASILEIRA.pdf>. Acesso em 8 de abril de 2020.

Page 13: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

12

da guarda portuguesa, formando, assim, no Brasil o gérmen do que viria a ser um

corpo policial organizado.6

2.2.3 A Corporação no Paraná

A chamada 5ª Comarca da Província de São Paulo, que hoje corresponde

aos territórios que constituem o Paraná, era, até meados de 1853, governada por

São Paulo. A colonização das terras paranaenses começou por volta do século XVII,

quando foi descoberto ouro a ser prospectado e, assim, as primeiras comunidades

foram surgindo na baía de Paranaguá e no planalto curitibano. Consta que em 1811

já aconteceram as primeiras manifestações de emancipação política em relação a

São Paulo, quando a Câmara de Paranaguá envia ao Príncipe regente Dom João

uma solicitação de autonomia, não se tendo notícia de que tenha sido respondida7.

As mudanças que se apossaram do Império nos anos seguintes, aliado a um

crescimento econômico não mais dependente da extração aurífera (como a criação

de animais e venda do mate), gerou um terreno fértil para o surgimento daqueles

que desejavam a emancipação da comarca.

Com a abdicação de D. Pedro I, em 07 abr 1831, o Brasil viveu uma formaanárquica e turbulenta, marcada por motins, revoltas e revoluções, que sótiveram fim 14 anos mais tarde, com a pacificação da Revolução Farroupilhapor Caxias, em Ponche Verde.Nem a Maioridade de D. Pedro II, em 1840 conseguira reunificar a famíliabrasileira, agitada por um sonho de Federação e República, estimulado peloAto Adicional de 21 ago 1834, que deu maior autonomia às províncias e fezdo Brasil uma monarquia federativa.Na época, o Exército foi colocado em segundo plano, passando-se a darmais valor à Guarda Nacional e às Polícias Militares, então criadas.8

Mas somente em 29 de agosto de 1853 que a ambição de separação da 5ª

Comarca da Província de São Paulo toma forma sob a aprovação da Lei n.º 704,

8 EXÉRCITO BRASILEIRO. A revolução liberal de São Paulo - 1842. [s. l.], [20--?]. Disponívelem:<https://www.eb.mil.br/patronos/-/asset_publisher/DJfoSfZcKPxu/content/a-revolucao-liberal-de-sao-paulo-1842>. Acesso em: 9 de abril de 2020.

7 BANESTADO - BANCO DO ESTADO DO PARANÁ. Gente nossa, coisas nossas: A emancipaçãopolítica do Paraná. Curitiba: Banestado, [1989?]. Disponível em:http://www.museuparanaense.pr.gov.br/arquivos/File/Banestado61anos/AemancipacaoPoliticadoParana.pdf. Acesso em: 09 de abril de 2020

6 AGÊNCIA SENADO. As polícias militares têm origem no século 19. Brasília, 2013. Disponívelem:<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/11/25/policias-militares-tem-origem-no-seculo-19>Acesso em: 8 de abril de 2020.

Page 14: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

13

nomeando-se como presidente da Província do Paraná Zacarias de Góes e

Vasconcellos. Empossado, Zacarias viu os reflexos do abandono da Comarca pelo

governo paulista, encontrando inúmeros problemas na infraestrutura, economia,

educação e segurança pública. Nomeou-se Antonio Manoel Fernandes Junior para o

cargo de Chefe de Polícia, o qual dividiu a província do Paraná em distritos

(nomeando autoridades para cada). Mesmo com as mudanças:

[…] [as] organizações policiais encarregadas da segurança não tinham forçasuficiente para implantar a ordem e não podiam sofrear os impulsoscriminosos dos bandos de foragidos que cometiam assaltos e praticavamdesordens desvairando a opinião pública.9

Assim, o Presidente da Província, Zacarias de Góes e Vasconcellos,

sanciona a Lei n.º 7 de 10 de agosto de 1854 que institui a Companhia da Força

Policial, que:

Subordinava-se diretamente ao Presidente da Província, única autoridadeque a poderia empregar na manutenção da ordem e no interesse datranquilidade pública, e que, tinha por dever atender às requisições dasautoridades policiais, para o fim de fazer efetivos as suas ordens.(...)Além de a sua criação ter sido alicerçada nas tradições seculares de“Assegurar a paz pública e auxiliar a justiça”, competia-lhe, de acordo com alegislação vigente, a prisão de criminosos, o patrulhamento e rondas nascidades, vilas e freguesias, estradas, além de outras diligências.10

Somente com a proclamação da República em 1889 que as forças policiais

passaram a receber a designação “militar” para identificá-las (sendo chamados a

partir de então de Corpos Militares de Polícia), e, com o advento da Constituição

Republicana de 1891, os Estados (não mais chamados de províncias em razão do

artigo 2º daquela Constituição11) passaram a gozar de maior autonomia, sendo-lhes

permitido organizar melhor seus efetivos policiais. Com a Constituição de 1946 foi

padronizada a nomenclatura “polícia militar”.

11 “Art 2º - Cada uma das antigas Províncias formará um Estado e o antigo Município Neutroconstituirá o Distrito Federal, continuando a ser a Capital da União, enquanto não se der execução aodisposto no artigo seguinte.” BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos EstadosUnidos do Brasil. Rio de Janeiro, RJ, 1891. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>. Acesso em: 10 de abril de2020.

10 Id.

9 POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ. Criação da Polícia Militar do Paraná. [Curitiba], [20--?].Disponível em: <http://www.pmpr.pr.gov.br/Pagina/Criacao-da-Policia-Militar-do-Parana>. Acesso em:8 de abril de 2020.

Page 15: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

14

2.2.4 Polícia Administrativa e Polícia Judiciária

As forças policiais geralmente são classificadas entre polícia judiciária e

polícia administrativa, havendo diversos critérios para distinção. Um primeiro critério

seria o de atuação preventiva da polícia administrativa e repressiva da polícia

judiciária. Enquanto a polícia administrativa está diluída em diversos órgãos

(entidades de fiscalização, órgãos que atuam nas áreas da saúde, educação,

trabalho, previdência e assistência social, possuindo um caráter preventivo — atua

na área dos ilícitos administrativos, incidindo sobre bens, direitos ou atividades —, a

polícia judiciária tem um viés repressivo — quando há uma infração penal, sendo

regulamentada nos termos do direito processual penal e incidindo sobre pessoas.

Todavia, o caráter preventivo não impede que a polícia administrativa não exerça

atividades repressivas, sendo o mesmo verdadeiro no caso da polícia judiciária, que

pode atuar preventivamente.12

Outra forma de categorizar a atividade policial residiria na existência ou não

de um ilícito penal, uma vez que a atividade preventiva é regida por normas de

administrativas, não havendo impedimento que a atividade se torne repressiva ao se

detectar um ilícito penal, podendo inclusive ocorrer uma prisão.13

Apesar de boa parte da Doutrina de Direito Administrativo considerar a

Polícia Militar como inserta dentro da chamada polícia judiciária — que têm funções

distintas da polícia administrativa —, não há como se limitar nesta dicotomia,

podendo-se dizer que atualmente existe uma polícia de segurança pública, que

destina-se a preservar a segurança pública e da incolumidade das pessoas e do

patrimônio. A polícia de segurança pública seria o gênero, sendo as polícias de

prevenção, repressão, investigação, fronteiras e a judiciária suas espécies.14

2.2.5 Polícia e Legislação

14 CEDANO, Sérgio. Poder de polícia e poder da polícia. Revista Trimestral de Direito Público -RTDP, ano 8, n. 53, p. 183, abr./ jun. 2013. Disponível em:https://www.forumconhecimento.com.br/periodico/156/20686/34460. Acesso em: 22 jan. 2021.

13 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, p. 520; Álvaro Lazzarini,Estudos de Direito Administrativo, p. 203 apud CEDANO, Sérgio. Poder de polícia e poder da polícia.Revista Trimestral de Direito Público - RTDP, ano 8, n. 53, p. 183, abr./ jun. 2013. Disponível em:https://www.forumconhecimento.com.br/periodico/156/20686/34460. Acesso em: 22 jan. 2021.

12 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 32ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p.154.

Page 16: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

15

A atividade policial está organizada no artigo 144 de nossa Constituição

Federal, onde reside a sua função como também a sua finalidade: preservar a

ordem pública e a incolumidade de forma a promover a segurança pública. Em

síntese, a Polícia Militar nada mais é do que uma extensão do Estado cujo objetivo

é, por meio de sua ostensividade — a distintiva aparência dos policiais militares

permite sua fácil identificação, trazendo segurança e materializando a presença do

Estado e da Lei — manter a ordem, coibir a prática de infrações e protegendo o

cidadão dos indivíduos que praticam delitos.15

Aos policiais é incumbida a tarefa de fazer o policiamento ostensivo (de

trânsito urbano e rodoviário, de florestas e mananciais), preservar a ordem pública,

executar atividades de defesa civil, prevenção e combate a incêndios, buscas,

salvamentos e socorros públicos, atuar preventivamente ou repressivamente em

caso de perturbação da ordem, exercer a polícia judiciária militar estadual, dentre

outras funções.

A Polícia Militar é, pois, a polícia de manutenção da ordem pública, como seextrai expressamente do ordenamento constitucional brasileiro, emconsonância com a realidade atual, pois é a força policial que, sem dúvidaalguma, está mais próxima da sociedade e que, portanto, demanda maiorabrangência na atuação policial. Atualmente utiliza-se a designação “políciacomunitária” ou “polícia-cidadã” para demonstrar os diversos setores deatuação da Polícia Militar, indo além da prevenção e repressão do ilícitopenal, ou seja, da polícia de segurança, que atua especificamente nocombate à criminalidade e perseguição dos delinquentes.Portanto, a missão primordial das Polícias Militares é a manutenção daordem pública em policiamento ostensivo, com elementos fardados, que,pela sua presença, como força de dissuasão, previnem ou reprimemmovimentos perturbadores da tranquilidade pública, impedindo atosindividuais ou coletivos que atentem contra a segurança interna, asatividades lícitas, os bens públicos ou particulares, a saúde e o bem-estardas populações e a vida dos cidadãos, mantendo a situação de garantia enormalidade que o Estado assegura, ou deve assegurar, a todos osmembros da sociedade.16

16 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo da Ordem Pública. Polícia de Manutenção daOrdem Pública e suas Atribuições. pp. 154-155 apud CEDANO, Sérgio. Poder de polícia e poderda polícia. Revista Trimestral de Direito Público - RTDP, ano 8, n. 53, p. 183, abr./ jun. 2013.Disponível em: https://www.forumconhecimento.com.br/periodico/156/20686/34460. Acesso em: 22jan. 2021.

15 Convém lembrar que a Polícia Militar não tem como papel principal investigar, função delegada àPolícia Judiciária, mas pode, em caráter excepcional, fazê-lo quando se tratar de crime militar.

Page 17: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

16

De acordo com a Constituição paranaense,17 o policial militar se trata de

servidor público estadual subordinado ao Governador do Estado do Paraná,

organizado nos moldes de hierarquia e disciplina, objetivando o cumprimento da lei e

mantendo a ordem pública (em conjunto com outros órgãos), lhe sendo privativo o

uso de uniforme militar, títulos e postos até coronel. Não é permitido, por força de lei,

a sindicalização e a entrada em greve, e, no caso de desempenhar suas funções,

também lhe é proibida a filiação com partido político.

Os militares estaduais possuem foro especial para julgamento de seus atos

que configurem infração militar, e, cometendo qualquer ação que seja considerada

contrária ao oficialato ou indignos a seu posto e hierarquia na corporação, ou ainda,

no caso de ser condenado pela justiça comum ou militar a pena privativa de

liberdade superior a dois anos, poderá perder seu cargo e posição hierárquica.

Quanto a legislação específica temos, no Estado do Paraná, o Decreto

Estadual n.º 7.339 de 08 de junho de 2010 (Aprova o Regulamento Interno e dos

Serviços Gerais da Polícia Militar do Paraná, Secretaria de Estado da Segurança

Pública-SESP), o Decreto Estadual n.º 9.040 de 15 de dezembro de 2010 (Cria a

Corregedoria-Geral da Polícia Militar do Estado Paraná), a Lei Estadual n.º 16.544

de 14 de julho de 2010 (que regulamenta o Processo Administrativo Disciplinar), e

por fim a Lei Estadual n.º 16.575 de 28 de setembro de 2010 (Dispõe que a Polícia

Militar do Estado do Paraná destina-se à preservação da ordem pública, à polícia

ostensiva, à execução de atividades de defesa civil, além de outras atribuições

previstas na legislação federal e estadual).

17 PARANÁ. Constituição (1989). Constituição do Estado do Paraná. Curitiba, PR, 1989. Disponívelem:<https://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/exibirAto.do?action=iniciarProcesso&codAto=9779&codItemAto=97592>. Acesso em: 12 de abril de 2020.

Page 18: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

17

3 O USO DA TECNOLOGIA NO POLICIAMENTO

3.1 INTRODUÇÃO

Mesmo após todas as mudanças políticas e sociais que moldaram o Brasil

em sua forma atual, vê-se que houve poucas mudanças na Polícia Militar, permitindo

que se questione a obsolescência e eficácia do modelo atual.

Não há como ignorar a diversidade brasileira, nos aspectos positivos como a

nossa multiculturalidade, quanto nos negativos, como a tão presente estratificação

social. Por consequência, a percepção pública da Instituição policial é de que seja

uma das mais violentas,18 não sendo incomum a violação dos mais básicos direitos

humanos.19

Em apenas 5 (cinco) anos, a polícia brasileira matou tanto quanto aamericana em três décadas. 20

Em 2018, a cada quatro mortes cometidas pela polícia no Brasil, umaaconteceu no Rio de Janeiro. Das 1.075 vítimas no estado entre janeiro ejulho de 2019, 80% eram negras (percentual superior ao nacional, de 75%).O total corresponde ao dobro das mortes praticadas pela polícia dosEstados Unidos no mesmo período.21

Esta dura realidade só ressalta que nosso sistema policial necessita de

modificações basilares, mas diante da realidade brasileira hodierna, há de se

questionar a possibilidade de uma incisão tão profunda, que repare todos estes

pontos críticos que hoje maculam a atividade policial, sem que haja uma completa

reformulação ou reestruturação da polícia em si. A resposta está longe de ser

simples. Recentemente surgiram correntes que defendem a desmilitarização da

21 SOARES, J. A violência policial contra negros como política de Estado no Brasil. [S. l.], 2020.Disponível em: <https://p.dw.com/p/3dRMt >. Acesso em: 13 de junho de 2020.

20 CÂMARA, Olga. Polícia brasileira: a que mais mata e a que mais morre. Revista Jus Navigandi,ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5884, 11 ago. 2019. Disponível em:<https://jus.com.br/artigos/74146>. Acesso em: 13 junho 2020.

19 Cf. SOUZA, Adilson Paes de. A educação em direitos humanos na polícia militar. 2012.Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo,São Paulo, 2012. Disponível em:<https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2140/tde-27092012-093421/pt-br.php>. Acesso em: 10de junho de 2020.

18 Somente em 2019, 5.804 pessoas perderam a vida em decorrência das ações de policiais,representando um aumento em relação ao ano anterior. VELASCO, C.; GRANDIN, F.; REIS, T.Número de pessoas mortas pela polícia cresce no Brasil em 2019; assassinatos de policiaiscaem pela metade. [S. l.], 2020. Disponível em:<https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/04/16/numero-de-pessoas-mortas-pela-policia-cresce-no-brasil-em-2019-assassinatos-de-policiais-caem-pela-metade.ghtml>. Acesso em: 13 dejunho de 2020.

Page 19: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

18

polícia, o que poderia resultar em um desmoronamento da hierarquia, não sendo

possível controlar e comandar o efetivo existente. Outra possibilidade seria integrar

as duas corporações,22 permitindo que ocorra um ciclo de investigação completo

(acompanhamento de um caso do início ao fim), mas isto poderia causar outra

miríade de problemas logísticos. Em quaisquer dos casos, uma reforma na polícia

depende de uma enorme e improvável movimentação política para tanto.

Na transição democrática, todas as instituições públicas e seusprocedimentos passaram por uma revisão e reajuste ao novo momento.Uma destas instituições, entretanto, acabou esquecida: a polícia. (...)Essa omissão condenou a polícia à reprodução inercial de seus hábitosatávicos: a violência arbitrária contra excluídos (particularmente pobres enegros), a tortura, a chantagem, a extorsão, a humilhação cotidiana e aineficiência no combate ao crime, sobretudo se os criminosos pertencemaltos escalões.23

Diante deste cenário desolador e pouco promissor, surge uma possível

solução, que consiste no emprego de câmeras presas ao corpo dos policiais,

conhecidas no inglês como body-worn camera (BWC) ou body-worn video (BWV).

Diversos países já empregam a tecnologia ou estão em fase de testes para

implementá-la, pois aparenta ser um grande passo em direção à transparência,

justiça e segurança.

3.2 AS BODY-WORN CAMERAS

3.2.1 Definição Técnica

As body-worn cameras (BWCs) podem ser definidas como pequenos

dispositivos móveis que capturam áudio e vídeo, permitindo o registro de tudo o que

um policial vê e escuta. Estes aparelhos podem ser afixados em várias partes do

corpo, como, por exemplo, na cabeça; capacete; óculos; em um bolso; ou no

distintivo. As body-worn cameras se apresentam como testemunhas imparciais,

23 SOARES, L. Novas políticas de segurança pública. Estudos Avançados, v. 17, n. 47, p. 75-96, 1abr. 2003. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9903>. Acesso em: 11 de junhode 2020.

22 Inclusive ocorrendo uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 102/2011) que visava atingirtal fim.

Page 20: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

19

havendo o potencial de usá-las tanto para facilitar na prova da ocorrência de um

crime, como para promover a responsabilidade e o profissionalismo policial.24

Tudo o que foi gravado pode ser posteriormente revisado ou examinado.Oficiais, individualmente, podem ser melhor responsabilizados à medida queas BWCs acentuam a necessidade de supervisão e reflexão sobre suaspróprias ações. (…)Por sua vez, uma maior transparência não apenas estimula os detentoresde poderem aderir aos protocolos, diretrizes e “melhores práticas” (…), mastambém cria um equilíbrio entre a narrativa do oficial e a narrativa dosuspeito sobre o mesmo evento. Sem evidências corroborantes (porexemplo, testemunhas ou evidências forenses), um reclamante teriadificuldade em provar, nos fóruns necessários, que houve uma má condutapolicial.25

Dessa forma, os pequenos dispositivos são facilmente integrados ao

uniforme, podendo filmar todas as ocorrências e situações onde tenha a presença

do policial, o que proporcionará a possibilidade de analisar tais fatos posteriormente

e com fidelidade ao ocorrido.

3.2.2 Utilização Internacional e Nacional

Primariamente, há o foco de seu uso durante uma ronda policial, entretanto

sua utilização é bem mais ampla, sendo BWCs empregadas por militares, bombeiros

e até profissionais da área médica.26 Apesar da relativa novidade da tecnologia no

cenário global, está sendo de pronto sendo defendida e aceita pela sociedade civil e

26 Amplamente divulgado na mídia está o caso onde a câmera montada em um capacete de umsoldado australiano captura o momento onde outro soldado atira e mata um civil afegão desarmado, oqual estava cooperando com as ordens dadas. Tal fato é considerado como crime de guerra eencontra-se sob investigação até o momento. Cf. Disponível em:<https://www.abc.net.au/news/2020-03-16/video-shows-afghan-man-shot-at-close-range-by-australian-sas/12028512>. Acesso em: 23 de janeiro de 2021.

25 “Anything that has been recorded can be subsequently reviewed or scrutinized. Individual officersbecome more accountable as BWCs accentuate the need for oversight and reflection on their ownactions (Lumina, 2006; Reiner, 1993; Walsh & Conway, 2011). (...) In turn, greater transparency notonly primes power-holders to adhere to protocols, guidelines, and “best practice” (for the samereasons we alluded to earlier in the context of deterrence theory and self-awareness) but also createsan equilibrium between the account of the officer and the account of the suspect about the same event(see Frank, Smith, & Novak, 2005). Without corroborating evidence (e.g., bystanders testimonies,forensic evidence), a complainant would find it difficult to prove, in the necessary forums, that policemisconduct had, indeed, occurred (see J. Miller & Merrick, 2002).” ARIEL, Barak, et al. ContagiousAccountability: A Global Multisite Randomized Controlled Trial on the Effect of Police Body-WornCameras on Citizens’ Complaints Against the Police. [S. I.]: Criminal Justice and Behavior, vol. 44,nº. 2, p. 293-316, Fev. 2017, tradução nossa.

24 AISHWARIYA, A. et al. Body worn camera. [S. l.]: IOP Conference Series: Materials Science andEngineering, vol. 263, issue 5, 2017. Apud. WANG, Yufeng, et al. Security and privacy for bodycameras used in law enforcement, 2015 IEEE Conference on Communications and NetworkSecurity (CNS), Florença, Itália, p. 173-181, 2015.

Page 21: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

20

figuras políticas, o que se traduz em várias forças policiais experimentando e

aderindo a esta tecnologia.

Estas câmeras estão se tornando cada vez mais comuns dentro do arsenal

de um policial, sendo que muitos dos departamentos policiais americanos adotam ou

consideram empregar body-worn cameras.27 No Canadá a cidade de Calgary,

Alberta, aderiu ao programa em 2012, justificando seu uso em cinco princípios

básicos: coletar evidências; melhorar a transparência, confiança pública e

segurança; aumentar o profissionalismo e a responsabilidade dos policiais; proteger

os policiais de acusações infundadas de má conduta e impedir a escalada de uma

situação (ou seja, as situações onde uma discussão verbal pode escalar para uma

agressão física).28 Os aparelhos também são adotados no estado australiano de

Queensland, que afirma existir menos gasto de tempo com “papelada”, o que

significa mais tempo em patrulha, uma melhor obtenção de evidências, uma menor

necessidade dos policiais usarem a força, mudança no comportamento das pessoas

nos incidentes, melhoria da conduta e profissionalismo policial, menos reclamações

contra a polícia e menos alegações de inocência durante procedimentos judiciais.29

Outro exemplo é a polícia da Renânia do Norte-Vestfália (mais populoso Estado

Alemão) que iniciou em 2017 um programa com câmeras visando refrear a

crescente violência contra policiais.30

Já em território brasileiro, a pioneira a utilizar a tecnologia foi a cidade de

São Paulo, onde se adota o termo “Câmera Operacional Portátil” (COP). O objetivo

do uso das COP não é de controlar os policiais, mas sim de gerar provas mais

robustas e reduzir a criminalidade, havendo expectativa de que até dezembro de

2023 todos os PMs das principais regiões do estado de São Paulo estejam portando

uma destas câmeras.31

31 EXAME. Fardas com câmera reduzem violência policial, mostram pesquisas. São Paulo, 2019.Disponível em:<https://exame.com/brasil/fardas-com-cameras-reduzem-violencia-policial-mostram-pesquisas/>.Acesso em: 10 de junho de 2020.

30 BLEIKER, Carla. Police in Germany’s most populous state will try body cameras. [S. l], 2017.Disponível em: <https://p.dw.com/p/2azxX>. Acesso em 23 de janeiro de 2021.

29 QUEENSLAND POLICE SERVICE. Body Worn Cameras. [S. l.], 2019. Disponível em:<https://www.police.qld.gov.au/initiatives/body-worn-cameras>. Acesso em: 31 de maio de 2020.

28 CALGARY POLICE SERVICE. Body Worn Camera. Calgary, [2018?]. Disponível em:<https://www.calgary.ca/cps/Pages/Body-Worn-Camera.aspx>. Acesso em: 31 de maio de 2020.

27 REAVES, Brian A. Local police departments, 2013: Equipment and technology. Washington,D.C.: Bureau of Justice Statistics (BJS), U. S. Department of Justice, Office of Justice Programs.

Page 22: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

21

Ainda segundo a PMESP, com o implemento das câmeras, espera-se se

uma produção de provas documentais altamente confiáveis, havendo um aumento

palpável das denúncias contra acusados. Se prevê uma redução do uso da força em

razão do efeito apaziguador trazido pela câmera, acabando por impedir reclamações

e denúncias infundadas contra os policiais. Além disso, é provável que ocorra uma

melhor aplicação das práticas profissionais; aprimoramento do treinamento policial

em decorrência de poder analisar ocorrências reais; fortalecimento da disciplina

através da análise dos comportamentos inadequados e um aumento da

transparência e responsabilidade individual de cada agente.32

A Polícia Militar do Estado de Santa Catarina em parceria com o Tribunal de

Justiça catarinense, realizaram a compra de câmeras portáteis, adotando-se a

nomenclatura de “Câmeras Policiais Individuais” (CPI), que passarão a fazer parte

das equipes que compõem a 10ª Região de Polícia Militar.33 Destaca-se que o canal

oficial da PMSC no YouTube há, desde março de 2019, a série “PAPA MIKE SANTA

CATARINA” que reúne gravações de patrulhamentos e abordagens feitas pelos

militares sob o ponto de vista de suas câmeras.34

3.2.3 Body-Worn Cameras na Prática

Estes equipamentos têm a promessa e o potencial de revolucionar a polícia,

permitindo uma visão mais clara e imparcial dos acontecimentos, mas através da

análise de três casos selecionados poderemos avaliar o potencial da tecnologia,

bem como a volatilidade do cotidiano policial.

Terry Chanley foi morto após ser abordado pelo policial Mario Reid depois

que aquele atingiu um poste com seu veículo. Segundo a polícia de Evansville,

Indiana, EUA, os disparos ocorreram após a vítima, Terry Chanley, se negar a

fornecer seus documentos ao policial após a colisão com o poste. A vítima teria

então buscado por algo embaixo do banco de seu veículo, contrariando as ordens

34 OFICIAL, PMSC. Papa Mike SC, Youtube, 15 de maio de 2020. Disponível em:https://youtube.com/playlist?list=PLp0Gd4KvJ4kirO5f18xGUDswGfKxSNu50. Acesso em: 31 de maiode 2020

33 POLÍCIA MILITAR SANTA CATARINA. Tropa da 10ª RPM é capacitada para utilizar as câmeraspoliciais individuais. [S. l.], 2019. Disponível em:<https://www.pm.sc.gov.br/noticias/tropa-da-10-rpm-e-capacitada-para-utilizar-as-cameras-policiais-individuais>. Acesso em: 31 de maio de 2020.

32 POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO. Vantagens do emprego de Câmeras OperacionaisPortáteis. [s. l.], [2017?]. Disponível em: <https://www.policiamilitar.sp.gov.br/COP/Index>. Acesso em22 de janeiro de 2021.

Page 23: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

22

de parada emitidas pelo policial. Temendo uma possível reação do indivíduo, o

oficial Mario Reid afastou-se do veículo e sacou sua arma, ordenando que Terry

imediatamente mostrasse suas mãos, ordem novamente ignorada. Ato contínuo,

Terry retirou um objeto escuro e caminhou em direção do policial com ele em mãos,

apontando-o em direção do policial. De forma a proteger sua integridade e dos civis

presentes, o policial Mario efetuou um disparo contra o homem que pareceu

inabalado, continuando a avançar em sua direção, sendo necessário disparar uma

segunda e terceira vez. Terminado o incidente, descobriu-se que Terry estava

embriagado e o objeto que havia retirado de seu veículo era um martelo. A versão

relatada por uma testemunha confronta frontalmente a versão oficial, afirmando que

o policial havia injustamente atirado cerca de cinco vezes no peito da vítima, a qual

estava desarmada e com as mãos na cabeça.

Obviamente há uma grave contradição entre a palavra da testemunha e a do

policial, o que dificulta estabelecer a versão mais verossímil, porém, o policial estava

equipado com uma BWC que gravou todo o incidente. Nas imagens, pode-se ver

que além dos fatos terem ocorrido da forma narrada pelo policial, este acabou

caindo em prantos, tendo até mesmo dificuldade de chamar por apoio em

decorrência do estresse sofrido, conduta completamente oposta à versão do policial

que executou a sangue frio um homem desarmado e subjugado. Não havia como se

imaginar que uma mera abordagem, que somente era para checar a documentação

do condutor em um acidente, resultaria na utilização de força letal. O departamento

de polícia analisou as imagens da câmera do policial, ouviu outras três testemunhas

e vídeos feitos por pessoas que estavam no local, classificando as ações do policial

como “legais, justificadas e de forma razoável”.35

Neste caso, apesar de existir testemunhas, as imagens foram fundamentais

para esclarecer o ocorrido, demonstrando a perspectiva do agente da lei e

potencialmente evitando a instauração de um procedimento para apurar as

circunstâncias, apesar de existir uma narrativa que descreve de forma clara um

homicídio.

O segundo caso a ser estudado foi o do policial Quincy Smith da cidade de

Estill na Carolina do Sul, EUA, o qual trabalhava sozinho quando foi chamado para

35 COURIER PRESS. What we know about the Evansville police shooting that killed aWadesville man. Evansville, 2019. Disponível em:<https://www.courierpress.com/story/news/2019/10/29/evansville-police-shooting-indiana-terry-chanley-wadesville/2501991001/>. Acesso em 27 de março de 2020.

Page 24: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

23

verificar uma ocorrência onde um indivíduo tentava apanhar alimentos em uma loja

de conveniência. Ao chegar no local conversou com testemunhas que deram uma

descrição do suspeito, que ainda estava nas redondezas. Ao localizar o homem, o

qual estava com uma mão no bolso e outra segurando um celular em sua orelha,

pediu para que ele parasse de falar ao celular e mostrasse ambas as mãos. O

indivíduo ignora o pedido mesmo com as ameaças do policial de usar um taser, e,

com um movimento brusco, o suspeito sacou uma pistola e dispara diversas vezes

no policial, que é atingido em ambos os braços que são instantaneamente

quebrados com o impacto dos projéteis, uma bala atingindo seu torso e alojando-se

em suas costas e um dos disparos atingindo uma veia em seu pescoço.36 Segundo o

promotor Duffie Stone que atuou no caso: “Se não fosse a graça de Deus e ótimos

médicos, este caso não seria somente um caso de [tentativa de] assassinato, mas

um caso de pena de morte [para o atirador]”.37

Um detalhe que chama a atenção é que apesar do departamento de polícia

não adotar BWCs, o policial portava um óculos com câmera, que comprou por conta

própria na internet, pois haviam-lhe contado que muitas pessoas contestavam

multas de trânsito e a câmera lhe daria uma segurança. Smith nunca imaginou que

tal câmera quase capturaria seu assassinato. As imagens foram posteriormente

usadas no julgamento do homem que efetuou os disparos, o qual foi condenado a

35 anos de prisão pelos crimes de tentativa de homicídio e porte irregular de arma

de fogo.38

Por fim, em Modesto, Califórnia, EUA, a polícia foi chamada para averiguar

uma chamada sobre um suspeito que afirmava ter comprado uma arma de fogo e

que teria feito ameaças contra sua irmã. Enquanto fazia as buscas com sua viatura,

o policial Joseph Lamantia avista o indivíduo — Trevor Seever —, desce do veículo

com sua arma em punho e de imediato dá a ordem de que o mesmo deite e, menos

38 FOX NEWS. Officer recalls near-fatal shooting captured by body cam in doc: ‘I did think I wasgoing to die’. [S. l.], 2018. Disponível em:<https://www.foxnews.com/entertainment/officer-recalls-near-fatal-shooting-captured-by-body-cam-in-doc-i-did-think-i-was-going-to-die>. Acesso em: 1 de junho de 2020.

37 If but not for the grace of God and some very good doctors, this would not only have been a murdercase, but a death penalty case. NEXSTAR BROADCASTING INC.. Hampton County man receives35-year sentence for shooting police officer. Savannah, 2017. Disponível em:<https://www.wsav.com/news/hampton-county-man-receives-35-year-sentence-for-shooting-police-officer/>. Acesso em: 1 de junho de 2020.

36 WASHINGTON POST. Police camera glasses capture the near-death shooting of an officer.Disponível em:<https://www.washingtonpost.com/news/morning-mix/wp/2017/08/11/tell-my-family-i-love-them-video-captures-a-near-death-shooting-of-a-police-officer/>. Acesso em: 31 de maio de 2020.

Page 25: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

24

de um segundo depois, efetua quatro disparos a uma distância de aproximadamente

45 metros, o qual grita mas não aparenta ter sido alvejado. O policial avança mais

alguns metros e dá ordens de que o sujeito mostre suas mãos, o que é acatado por

Trevor que momentos depois abaixa uma de suas mãos, sendo alvo de mais tiros do

oficial, emitindo gritos de agonia. A vítima acabou não resistindo e faleceu no

hospital, não sendo encontrada arma de fogo em sua pessoa, sendo esta a quarta

pessoa morta pelo policial Lamantia,39 o que causou manifestações pedindo por

justiça.40

Em todos os casos o policial estava equipado com uma câmera portátil, a

qual foi instrumental para avaliar sua conduta e permitiu um julgamento sobre sua

conformidade com a lei, podendo ajudar a identificar o suspeito como também a

condená-lo com base em evidências robustas e inquestionáveis. Isto demonstra

essencialmente um único resultado: uma fonte imparcial dos fatos que pode narrar

com precisão o ocorrido sem qualquer tipo de influência ou corrupção.

3.3 VANTAGENS E DESVANTAGENS

Acredita-se que as body-worn cameras tragam inúmeros benefícios, como a

confiança do público e o profissionalismo do policial, já que qualquer ato praticado

pode ser avaliado.

Talvez seja de igual importância que as câmeras móveis podem agir emambos os lados da interação policia-público — o policial e o suspeito. Emoutras palavras, em razão que a câmera é utilizada por um dos atores natroca, esta vai atuar como um terceiro olho neutro, impactando a psique deambos os indivíduos. Portanto, é provável que as câmeras tenham um''efeito de autoconsciência'' que impediria tanto o policial de reagir com forçaexcessiva ou desnecessária, e acalmar o “comportamento agressivo” dosuspeito (ou impedir a polícia de assim interpretar aquela conduta).41

41 “Perhaps equally important is that mobile cameras can work on both sides of the police–publicinteraction—the police officer and the suspect. Put differently, because the camera is actually worn byone of the actors in the exchange, it acts as a neutral third eye, impacting both players’ psyches.Cameras are thus likely to have a ‘‘self-awareness effect’’ that would both deter the police officer fromreacting with excessive or unnecessary force, and cool down the ‘‘aggressive demeanor’’ of thesuspect (or deter the police from interpreting demeanor in this way).”. ARIEL, Barak; FARRAR, William

40 WINGO, Melanie. Family, friends call for arrest of Modesto police officer who shot, killed man.Modesto, 2021. Disponível em:<https://www.kcra.com/article/demonstrators-call-arrest-charges-modesto-police-officer/35170778>.Acesso em: 16 de fevereiro de 2021.

39 FOX40. Interim Police Chief Says Recent Shooting of Unarmed Man was Modesto Officer’sfourth fatality. Modesto, 2021. Disponível em:<https://fox40.com/news/local-news/interim-police-chief-says-recent-shooting-of-unarmed-man-was-modesto-officers-fourth-fatality/>. Acesso em: 16 de fevereiro de 2021.

Page 26: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

25

Em termos gerais, acredita-se que o que motiva o indivíduo a atuar

conforme as regras seja a chamada deterrence theory ou teoria da dissuasão, que

preconiza que o ser humano ao estar ciente de que está sob observação e que

qualquer ato potencialmente ilegal ou ilegítimo que pratique possa gerar

repercussões e sanções graves, ele se sente dissuadido de agir daquela forma.

Como as câmeras são perceptíveis, esta sensação de autoconsciência dos

atos é elevada, e como, em tese, é mais provável a apreensão por má conduta,

hostilidade ou qualquer ato criminoso seja certeira, tanto o cidadão quanto o policial

buscam se conter.42

Outro termo de relevância para entender os efeitos da tecnologia é a

chamada procedural justice ou justeza procedimental em português. Este conceito,

em termos gerais, significa a percepção de uma pessoa em relação à forma com a

qual foi tratada por uma autoridade. Considerando que foi tratada de maneira justa

procedimentalmente, o indivíduo verá as autoridades como legítimas e as respeitará

mais, sendo mais provável que obedeça a lei e a autoridade mesmo que a decisão

seja desfavorável ou inconveniente.43

Com a onda de popularização da tecnologia, muitos estudos vêm sendo

feitos nos últimos anos com o objetivo de tentar mensurar os impactos causados.

Em razão da amplitude de estudos, não há como se abordar toda a literatura a

respeito, portanto serão analisados uma seleta gama de pesquisas.

3.3.1 Uso de Câmeras e Número de Queixas Contra Policiais

Foram usadas as queixas/reclamações como parâmetro pois podem ser

indicadores do nível de insatisfação de uma população com a polícia, pois —

geralmente — é necessário um forte atrito para que seja formalizada uma

reclamação. É notório que nem todas as interações que resultem em desgosto de

43 GOVERNMENT OF THE UNITED KINGDOM. Procedural Justice. [S. l.], 2019. Disponível em:<https://www.gov.uk/guidance/procedural-justice>. Acesso em 14 de jun. de 2020.

42 ARIEL, Barak, et al. The Deterrence Spectrum: Explaining Why Police Body-Worn Cameras ‘Work’or ‘Backfire’ in Aggressive Police–Public Encounters. Policing: A Journal of Policy and Practice,vol. 12, 1ª ed., p. 6-26, 2018. Disponível em:<https://academic.oup.com/policing/article-abstract/12/1/6/2965583?redirectedFrom=fulltext>. Acessoem: 14 de junho de 2020.

A.; SUTHERLAND, Alex. The Effect of Police Body-Worn Cameras on Use of Force and Citizens’Complaints Against the Police: A Randomized Controlled Trial. Journal of Quantitative Criminology.[S. l.], vol. 31, p. 509-535, 2015, tradução nossa.

Page 27: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

26

um cidadão sejam reportadas, mas ainda uma parcela é registrada e pode

demonstrar o engajamento da polícia em manter boas relações com a população.

3.3.1.1 Experimento de Rialto e a Teoria da Dissuasão

Considerado como um dos pioneiros no estudo da área, o experimento de

Rialto foi o primeiro a realizar testes controlados e randomizados das câmeras

utilizadas por policiais.44 Neste experimento se buscou avaliar a quantidade de

incidentes onde foi necessário utilizar a força e o número de reclamações contra

policiais.

A localidade escolhida foi a cidade de Rialto, Califórnia, que conta uma

população de cerca de 100.000 habitantes e os testes se deram de forma aleatória,

havendo uma parcela dos policiais servindo como “controle” (não foram equipados

com câmeras) e outra como “tratamento” (equipados com as BWCs). Durante os 12

meses de testes, aleatoriamente eram escolhidos policiais para utilizarem as

body-worn cameras.

Ao final deste período se concluiu que os dados obtidos sugerem tanto uma

redução na quantidade de incidentes onde o policial teve de usar força (redução de

cerca de 50%), quanto no número de reclamações contra policiais (redução próxima

da marca de 90%).

Isto sugere a ocorrência da deterrence theory (teoria da intimidação ou

teoria da dissuasão), que apregoa que, quando um indivíduo tem, ciência de que

está sendo observado, a chance de aderir às normas sociais é maior ou há uma

redução na probabilidade de cometer algo que seja considerado errado, em razão

da noção de que aquelas ações terão uma repercussão negativa ou uma sanção.

Similarmente a observadores sencientes, espelhos ou até fotos de olhos, ascâmeras não apenas nos tornam continuamente conscientes do fato deestarmos sendo vigiados, mas também nos leva a obedecer. Se estivermoscientes que uma câmera de vídeo está gravando nossas ações, tambémpodemos nos tornar conscientes de que comportamentos inaceitáveis serãocapturados em filme, e essa detecção é percebida como certeira.45

45 “Much like sentient observers, mirrors, or even pictures of eyes, cameras not only make uscontinuously conscious of the fact that we are being watched, but also drive us to compliance. If webecome aware that a video-camera is recording our actions, we may also become more consciousthat unacceptable behaviors will be captured on film, and that detection is perceived as certain.”.ARIEL; FARRAR; SUTHERLAND. 2015, p. 516, tradução nossa.

44 ARIEL; FARRAR; SUTHERLAND, 2015, p. 510.

Page 28: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

27

Desta forma se teoriza que a Teoria da Dissuasão esteja presente e

incentivando que os policiais e o suspeito ajam de uma forma menos violenta, uma

vez que ambos estão sujeitos a sanções em relação às ações que tiveram perante a

BWC.

3.3.1.2 Período pós-experimental em Rialto

Quatro anos após o experimento de Rialto, realizou-se um acompanhamento

para verificar se a implementação das câmeras resultou em efeitos persistentes ou

houve um desaparecimento destes.46 O escopo era verificar se o uso de BWCs

causa efeitos que perduram além do período de experimentação, ou, se decorrido

uma certa quantidade de tempo, a quantidade de queixas e/ou usos de forças vão

retornar à quantidade anterior aos testes.

Houve esta preocupação em verificar quais são os efeitos a longo prazo,

pela noção que possivelmente os policiais tinham boas atitudes “somente para as

câmeras”, mudando tal comportamento na ausência do pesquisador.

Os resultados identificam um aumento no número de prisões no período

pós-experimental, mas isto provavelmente está relacionado ao aumento de policiais

em atividade (um aumento de 54 para 88 policiais). Fora isto, os números se

mostraram estáveis, significando que, com a introdução dos equipamentos houve

uma queda drástica na taxa de queixas e usos de força e estes resultados se

mantêm mesmo depois de encerrado o período de observação.

Se os policiais de Rialto permaneceram sensíveis a serem observados porcâmeras, ou se mudaram a maneira como se comportam ao lidar commembros do público, ou se os membros do público se comportaram demaneira diferente com os policiais de Rialto, o resultado continua: umaredução nas interações entre a polícia e público que resultam em uso deforça e/ou nas reclamações que foram sustentadas. Não podemos definirquais caminhos de mudança que explicam por que os efeitos do tratamentopersistiram, no entanto, estritamente do ponto de vista político, asbody-worn cameras podem ter implicações duradouras para as forçaspoliciais e os cidadãos a quem servem.47

47 “Whether Rialto officers remained sensitive to being observed by cameras, or changed the way theybehave when dealing with members of the public, or members of the public behaved differently withRialto officers, the result is the same: a reduction in police–public interactions resulting in use of forceand/or complaints that was sustained. We cannot characterize the pathways of change that explainwhy the treatment effects persisted, however, strictly from a policy perspective, body-worn cameras

46 SUTHERLAND, Alex., et al. Post-experimental follow-ups — Fade-out versus persistence effects:The Rialto police body-worn camera experiment four years on. Journal of Criminal Justice. vol. 53,p. 110-116, 2017.

Page 29: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

28

Isto remonta que existem efeitos que perduram por um longo prazo após a

implementação e utilização da tecnologia, o que se demonstra como algo

extremamente positivo, já que confirma a eficácia das câmeras e permitirá, nos

locais onde estão presentes, uma redução no uso da força e diminuição da

quantidade de queixas contra policiais.

3.3.1.3 Réplica do experimento de Rialto em escala global

Em virtude de que os resultados obtidos em Rialto não necessariamente se

materializam de forma global, em razão das próprias especificidades da cidade de

Rialto, Califórnia, houve a necessidade de se conduzir uma nova pesquisa em sete

cidades diferentes, de países distintos, para testar se haveria uma reprodução dos

resultados.48

A metodologia adotada foi, aleatoriamente, escolher policiais para serem

tanto controle (não equipados com os aparelhos) quanto experimento (utilizando as

câmeras). Aqueles que utilizavam câmeras tinham de deixá-las ligadas durante todo

seu expediente, informando as pessoas com quem tivessem contato que estavam

equipados de câmeras que gravariam a interação. Assim, os policiais não poderiam

decidir quando ligar ou desligar as câmeras, devendo ser gravada qualquer

comunicação com o público do começo ao fim, sendo desligadas somente durante o

deslocamento de um local a outro ou nos períodos de intervalo do policial. A única

exceção a esta regra seriam em casos específicos, previamente definidos, como

durante a comunicação com informantes, violência sexual grave ou grandes

eventos.

Nos sete locais de experimento, 1,539 queixas foram apresentadas contrapoliciais nos 12 meses anteriores ao estudo (M = 219.86; SD = 206.9), ou1.20 queixas por policial. O número de queixas apresentadas contra apolícia caiu no período pós-tratamento para 113 (M = 16.14; SD = 13.1), ou0.08 queixas por policial. Isto marca uma redução geral de 93% naincidência de queixas, replicando o encontrado no experimento de Rialto.49

49 “Across the seven experimental sites, 1,539 complaints were lodged against police officers in the 12months preceding the study (M = 219.86; SD = 206.9), or 1.20 complaints per officer. The number of

48 ARIEL, Barak, et al. Contagious Accountability: A Global Multisite Randomized Controlled Trial onthe Effect of Police Body-Worn Cameras on Citizens’ Complaints Against the Police. [S. I.]: CriminalJustice and Behavior, vol. 44, nº. 2, p. 293-316, 2017.

may have long-lasting implications for police forces and the citizens they serve.” SUTHERLAND, et al.,2017, p. 114, tradução nossa.

Page 30: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

29

A obtenção dos mesmos resultados demonstra que o emprego de

body-worn câmeras pode trazer benefícios a outras organizações policiais, já que os

dados sugerem que o mero emprego da tecnologia representa uma significativa

queda nos comportamentos indesejados (tanto do agente da lei quanto daquele

suspeito de tê-la infringido).

No entanto, a redução do número de reclamações contra a polícia não se

traduz imediatamente em um aumento da confiança pública e na legitimação da

força policial. O que pode-se afirmar é que uma diminuição na quantia de queixas

significa uma importante mudança paradigmática, podendo se hipotetizar que, aos

poucos, em decorrência de uma melhor (ou maior) observância das regras pelas

autoridades, se verá a execução da Justiça de forma mais equânime.

Ao mesmo tempo, BWCs provavelmente não são a panaceia para umproblema já profundamente enraizado como a legitimidade policial. Como aliteratura sugere, a correlação entre queixas e legitimidade não é forte, e éatualmente não tão claro até que extensão a prevalência de queixas dapopulação se correlaciona com a legitimidade policial em geral, além danossa suposição de que são uma procuração deste último. Mesmo no casoem que as BWCs levem a uma perfeita execução dos procedimentos — ummundo Tylerista ideal de uma completa implementação de justezaprocedimental50 (Tyler & Bies, 1990) — o que ocorre antes ou depois de umencontro ainda pode ser visto como injusto, racista, antiprofissional, oumalicioso.51

Outro resultado observado foi a redução no número de incidentes de uso da

força e de reclamações no grupo de controle, o que indicou aos pesquisadores que

51 “At the same time, BWCs are probably not the panacea for a deeply rooted issue such as policelegitimacy. As the literature suggests, the correlation between complaints and legitimacy is not strong,and it is presently not at all clear to what extent the prevalence of citizen complaints correlates withgeneral police legitimacy, beyond our assumption that they are a proxy of the latter. Even if BWCs canlead to perfectly executed police procedures — an ideal Tylerist world of 100% implementation ofprocedural fairness (Tyler & Bies, 1990) — what happens before or after the encounter might still beperceived as unfair, racist, unprofessional, or malicious.” ARIEL, Barak et al., Apud. Tom R. Tyler;Robert J. Bies. Beyond formal procedures: The interpersonal context of procedural justice. p.303, tradução nossa.

50 Justeza procedimental se trata de como o público vê o uso de poder pelas autoridades, podendo sedividir em quatro faces: dignidade e respeito, voz, imparcialidade de decisão e fidedignidade. ARIEL,Barak, et al. Using Wearable Technology to Increase Police Legitimacy in Uruguay: The Case ofBody-Worn Cameras. Law & Social Inquiry, Cambridge, vol. 45, 1ª ed., p. 52-80, 2020. Disponívelem:<https://www.cambridge.org/core/journals/law-and-social-inquiry/article/using-wearable-technology-to-increase-police-legitimacy-in-uruguay-the-case-of-bodyworn-cameras/0821D13156C686A9FC2556ACDAF81E91#fndtn-information>. Acesso em: 8 de junho de 2020.

complaints lodged against the police then dropped in the post treatment period to 113 (M = 16.14; SD= 13.1), or 0.08 complaints per officer (Table 2). This marks an overall reduction of 93% in theincidence of complaints, mimicking findings from the Rialto experiment.” ARIEL, Barak, et al., 2015, p.301, tradução nossa.

Page 31: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

30

a repetida e sistemática exposição a um estímulo que provoca dissuasão (as

câmeras) aumentou a responsabilização, mesmo quando este estímulo

desapareceu.52 Também acreditam em um processo chamado contagious

accountability que pode ser entendido como uma “responsabilização” contagiosa,

entretanto o termo accountability é mais amplo do que a palavra responsabilização,

significando também a prestação de contas e a possibilidade de controle.

O comportamento esperado de um “oficial responsável” no local é exibiruma abordagem profissional, demonstrar justiça, dignidade e respeito paracom os membros do público - usando uma força proporcional somentequando necessário53

Diante dos resultados surge a pergunta: se as câmeras afetam mais os

policiais ou os cidadãos? Entendeu-se que o efeito foi maior na autoridade, pois os

dados demonstram que a mudança comportamental adquirida pela sensação de

observação (e consequente possibilidade de responsabilização) não se restringiu ao

grupo experimental, mas a todos os membros da força policial.

Este fenômeno significa que a noção dos policiais de que existem

dispositivos capazes de capturar transgressões de práticas éticas e profissionais —

mesmo quando tais dispositivos não estão em uso (a repetição de utilizar a câmera

e adequar sua conduta a presença dela) — causou tais efeitos em todos os

membros do departamento policial, o que se traduziu na prática à menos queixas

contra ambos os grupos (tratamento e controle).

3.3.2 Uruguai e o estudo sobre legitimação policial

Até o momento só se verificou os efeitos das BWCs durante a rotina de

policiamento cotidiano, sem se imiscuir em um ramo específico do policiamento,

ademais haver, como explicitado no início, a possibilidade de utilização das câmeras

portáteis nas mais variadas situações. O que nos traz ao estudo realizado no

Uruguai, que buscou detectar quais efeitos o uso da tecnologia causa na área do

policiamento de trânsito. Antes de se aprofundar no assunto, é importante definir o

53 “The expected behavior from an “accountable officer” at the scene is to exhibit a professionalapproach, to demonstrate fairness, dignity, and respect toward members of the public—using aproportional force only when necessary.” ARIEL, Barak et al. Using wearable technology to increasepolice legitimacy in Uruguay: the case of body-worn cameras. Law & Social Inquiry, v. 45, n. 1, p.52-80, 2020, tradução nossa.

52 ARIEL, Barak, et al., 2015, p. 305, tradução nossa.

Page 32: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

31

que é Legitimação Policial, critério utilizado no estudo para auferir se há um aumento

na percepção de justeza procedimental.

3.3.2.1 Legitimação

As BWCs demonstraram tanto uma melhora no comportamento do policial e

do cidadão durante contatos, uma melhor coleta de evidências e servindo como

comentários ao treinamento policial (possibilidade de examinar e avaliar as atitudes

dos policiais). Mas e quanto à legitimação policial? Legitimação, geralmente, se trata

do poder de uma autoridade de emitir e fazer cumprir comandos. Pode se dividir em

três dimensões: consentimento (a autoridade é reconhecida como quem detém e

exerce poder), legalidade (limitação dos poderes através de normas e valores) e

valores compartilhados (identidade de objetivos e valores entre a sociedade e a

autoridade).54 Desta forma, a legitimidade compreende a legalidade da atuação

policial, o nível de segurança sentido pela população, se os procedimentos foram

aplicados de forma justa e se os resultados são percebidos como equânimes.55

Uma força policial legítima seria aquela que é obedecida não por medo, masporque exerce o poder de maneira adequada. De acordo com as dimensõespropostas por Beetham, a legitimidade da polícia seria, portanto, apercepção de que a polícia age de acordo com certas regras, que são justase justificáveis e que gera consentimento do público (Jackson e Bradford,2010).56

Portanto, o objetivo do estudo foi determinar se a utilização de câmeras

portáteis por policiais de trânsito se relaciona com um aumento da justeza

procedimental e em decorrência disto, melhorar a percepção de legitimidade policial.

3.3.2.2 Metodologia e resultados

Em colaboração com a polícia uruguaia, foi feito um estudo em escala

nacional para examinar as reações de cidadãos que foram parados tanto por

policiais utilizando ou não BWCs. Dos dezenove departamentos que compõem o

56 ZANETIC, op. cit., p. 159.55 ARIEL, Barak et al., 2020, p. 59.

54 ZANETIC, André et al. Legitimidade da polícia: segurança pública para além da dissuasão. Civitas- Revista de Ciências Sociais, [S. l.], v. 16, n. 4, p. 148-173, 2016. Disponível em:<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/24183>. Acesso em: 08 jun. 2020.

Page 33: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

32

país, cinco regiões — que englobam áreas urbanas e rurais — da força nacional de

trânsito se voluntariaram a colaborar com o estudo.

Após a duração de, aproximadamente, um ano, nas cinco regiões

abrangidas, um total de 7.836 condutores foram multados. A utilização das câmeras

se deu de maneira diversa dos testes anteriores, pois durante um expediente todos

os policiais usavam (tratamento) ou nenhum usava (controle) câmeras, ao invés de

em um mesmo plantão uma quantidade de policiais usar e outra não. Isto permitiu

que em dias diferentes um mesmo policial possa estar inserido no grupo de

tratamento ou no grupo de controle. Os oficiais foram instruídos a manter suas

câmeras ligadas desde o início de cada abordagem, não havendo discricionariedade

em qual momento ligar os dispositivos. O equipamento utilizado também era

especial, as câmeras possuíam uma tela que mostrava o que estava sendo gravado

(permitindo que o condutor percebesse que estava sendo gravado), além dos

guardas emitirem um aviso verbal no início de cada interação, de modo a

conscientizar cada cidadão que ele estava sendo gravado. No caso do policial

aplicar uma multa, deveria constar na mesma o número da gravação de evidência

digital, bem como uma cópia deste número para controle interno.

Após cerca de trinta dias após serem multados, uma parcela dos condutores

foram entrevistados por uma companhia civil para determinar a experiência que

tiveram com os policiais através de uma série de perguntas. Estimou-se que, por

mês, aproximadamente seiscentos motoristas foram multados, sendo necessário,

para fins de amostragem, cerca de trezentos participantes no total, no entanto,

somente 217 se dispuseram a participar, dos quais 122 foram multados por policiais

“tratamento” e 95 por policiais “controle”.

A entrevista se deu em três partes, analisando primeiramente se quem

responderia às perguntas era o condutor e se ele se recordava do policial, havia

uma BWC e sua satisfação com a abordagem. Passado este ponto, através de

diversas questões se buscou examinar a percepção do motorista de justeza

procedimental, e em específico sua percepção de respeito, entonação,

imparcialidade e confiança. Ou seja, as questões tinham o objetivo de determinar se

o cidadão havia sentido-se tratado de forma justa e respeitosa e se o tratamento

recebido seria aquele dado a qualquer outra pessoa. Por fim, as últimas questões

eram somente para o grupo de pessoas abordadas por policiais que estavam

equipados com câmeras, sobre sua percepção delas.

Page 34: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

33

Quanto aos resultados obtidos, no primeiro conjunto de questões (opinião

acerca do tratamento recebido) houve uma diferença perceptível, estatisticamente,

entre o grupo de condutores que foram abordados por policiais que usavam câmeras

em relação àqueles que foram abordados por policiais sem elas. Foi apontado que,

na ausência dos dispositivos, houve uma taxa maior de insatisfação dos cidadãos,

sendo afirmado por estes que os oficiais não lhes deram uma oportunidade de se

expressar. Ainda, em média, os condutores receberam melhor as decisões emitidas

por policiais equipados com BWCs em comparação às dos policiais sem o

equipamento.

Quanto à justeza procedimental, houve um aumento na percepção de que

os policiais que receberam as câmeras agiram com respeito e preocupação com o

bem-estar do condutor, demonstrando imparcialidade ou neutralidade em sua

tomada de decisões.

3.3.2.3 Conclusões

Os pesquisadores identificaram um aumento na percepção de justeza

procedimental no grupo abordado pelos policiais equipados com BWCs. Verificou-se

uma maior chance de os motoristas relatarem que se sentiram ouvidos antes da

tomada da decisão pelo oficial de trânsito, se sentiram tratados com respeito,

ocorrendo uma verdadeira preocupação com seu bem-estar e imparcialidade no

tratamento.

Também houve um aumento na percepção de justiça distributiva,57 mas não

na mesma proporção que a justeza procedimental. Existem evidências que as BWCs

aumentaram a sensação de segurança dos motoristas, uma vez que aqueles

abordados por policiais equipados com estes dispositivos relataram se sentir mais

seguros. No entanto, não foram encontradas quaisquer evidências que demonstrem

os efeitos da utilização das câmeras em práticas ilegais, não havendo dados de

estudos que tenham abordado especificamente se há algum impacto na corrupção e

pagamento de subornos.

57 A justiça distributiva se refere ao conceito aristotélico de igualdade e proporcionalidade baseadanas condições de cada indivíduo.

Page 35: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

34

3.4 PONTOS NEGATIVOS

3.4.1 A Morte de George Floyd

A morte de George Floyd no fim de maio de 2020 teve repercussões nunca

antes vistas, surgindo manifestações pelo globo contra o racismo e a violência

policial. Os policiais que conduziram a abordagem estavam equipados de BWCs e

as mesmas estavam ligadas durante toda a sequência de eventos que levaram ao

óbito de Floyd. Havendo tantos estudos apontando os benefícios das câmeras,

surge a dúvida em relação à sua eficácia prática, uma vez que um cidadão morreu

depois de repetidos pedidos por ajuda e de uma pequena multidão reclamando da

condução da abordagem.

O que se pode perceber — principalmente entre aqueles que advogam pela

ampla utilização — é a crença de que os dispositivos por si só resolverão todos os

problemas existentes dentro das forças policiais. As câmeras têm o escopo de

angariar provas confiáveis e imparciais ao mesmo tempo em que desestimula

comportamentos impróprios, através da teoria da dissuasão, não tendo o objetivo ou

a capacidade de impedir a entrada de indivíduos violentos ou preconceituosos na

força policial. Também, contrário ao esperado, realizados estudos para mensurar se

havia mudanças na probabilidade de um policial ser atacado (verbal ou fisicamente),

identificou-se um aumento nos incidentes de uso de força e de agressões contra

policiais que estavam equipados com câmeras. Tal resultado contraria o

anteriormente exposto em relação à Teoria da Dissuasão e gera dúvidas em relação

à eficácia das BWCs como instrumentos de dissuasão. Portanto, entende-se que as

câmeras não oferecem uma resposta a todas as falhas existentes dentro da

execução da segurança pública, sendo necessário abordar tais problemas.

3.4.2 Aumento nos Incidentes de Agressão Contra Policiais

Em termos gerais, a utilização de BWCs diminuiu a quantidade de incidentes

de agressões contra policiais (tanto no grupo equipado, quanto no grupo de controle)

em 61%; diminuiu, em média, a quantidade de reclamações em 93%; reduziu o uso

de força em até 50%; minorou a quantidade de prisões e aumentou a cooperação

com a força policial, mas observou-se que aqueles que estavam equipados com

Page 36: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

35

BWCs sofrem mais agressões do que os que não estavam.58 Isto significa que a

probabilidade de um policial equipado com o dispositivo ser agredido é 37% maior

do que um que não está equipado. Uma explicação para este fato seria uma

“over-deterrence” (excesso de dissuasão), ou seja, em razão da consciência que

quaisquer descomedimentos e transgressões em sua conduta, os policiais

sentiam-se desencorajados de agir em função de possíveis sanções que podem vir

a sofrer, mesmo quando a aplicação de força era necessária. Tal excesso em

comedimento por parte do policial pode aparentar uma “fraqueza” para o suspeito,

que pode vê-la como uma brecha para agir, resultando em uma maior taxa de

resistências e agressões.

Outra razão seria que, como cada parte da abordagem fica gravada, muitas

vezes o oficial deixa de emitir comandos verbais (com ou sem palavras ofensivas),

ou os emite de forma mais branda, que é uma das etapas no uso progressivo de

força (use of force continuum), sendo necessário utilizar a força em casos que

poderiam ser resolvidos apenas com comandos verbais. O uso progressivo de força

é composto por seis níveis: presença policial; comandos verbais; controle de

contato; controle físico; táticas defensivas não-letais; e a força letal.

5.1. NÍVEL 1 – PRESENÇA FÍSICA(...)5.2. NÍVEL 2 - VERBALIZAÇÃOBaseia–se na ampla variedade de habilidades de comunicação por parte dovigilante, capitalizando a aceitação geral que a população tem daautoridade. É utilizada em conjunto com a presença física do vigilante epode usualmente alcançar os resultados desejados.(...)O conteúdo da mensagem é muito importante. A escolha correta daspalavras, bem como a intensidade empregada, traduz com precisão aeficácia da intervenção. Assegurado desta postura, o vigilante terá maischances de alcançar o seu objetivo.As palavras-chave na aplicação da lei serão NEGOCIAÇÃO, MEDIAÇÃO,PERSUASÃO e RESOLUÇÃO DE CONFLITOS.Uma atenção especial deve ser dada à linguagem, muitos acreditam que,utilizando uma linguagem vulgar, chula e ameaçadora, desencorajam aresistência do suspeito. Diálogos dessa natureza causam espanto edemonstram falta de profissionalismo. O que se busca ao realizar averbalização é a redução do uso da força e o controle do suspeito(...)5.3. NÍVEL 3 - CONTROLE DE CONTATO OU CONTROLE DE MÃOSLIVRES

58 BARAK, Ariel et al. Paradoxical effects of self-awareness of being observed: testing the effect ofpolice body-worn cameras on assaults and aggression against officers. Journal of ExperimentalCriminology, [S. l.], vol. 14, 1ª ed., p. 19–47, 2018. Disponível em:<https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs11292-017-9311-5>. Acesso em: 10 de junho de 2020.

Page 37: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

36

Trata–se do emprego de habilidades de contato físico por parte do vigilante,para atingir o controle da situação. Isto se dará quando se esgotarem aspossibilidades de verbalização devido ao agravamento da atitude docontendor (indivíduo conflitante).59

Assim, conclui-se que o efeito de observação causado pelas câmeras — o

qual afeta mais os policiais do que os cidadãos — pode trazer consequências

negativas em razão do excesso de dissuasão.

3.4.3 Forças Policiais Especializadas

Ademais os resultados sejam em sua grande maioria positivos para o uso de

câmeras móveis nas forças policiais comuns, as forças especializadas (e. g.

investigadores, Special Weapons And Tactics (SWAT), polícia com cães, grupo

anti-gangues e anti-crime) são encarregadas de missões muito singulares, tendo

um treinamento diferente, o que torna sua interação com o público distinta, criando

responsabilidades particulares para estas forças. Não se pode transpor as

body-worn cameras para estes grupos especializados esperando que se ocorra os

mesmos resultados obtidos com os policiais que tenham a função precípua de

patrulha.60 Apesar disto, os benefícios que as câmeras trazem são parecidos aos

obtidos pelas forças policiais comuns, sendo afirmado pelas unidades especiais que:

[...] os BWCs são ferramentas valiosas porque oferecem benefíciosprobatórios, documentam o comportamento criminoso dos cidadãos,protegem os policiais contra queixas falsas, ajudam na elaboração derelatórios mais precisos e alguns [policiais] mencionaram que isso faz comque os cidadãos se comportem de maneira mais civilizada.61

Outro ponto que foi destacado é que há a necessidade de se desenvolver

políticas sobre o uso de BWCs específicas para cada unidade de acordo com as

61 Specialty unit officers believed BWCs are valuable tools because they offer evidentiary benefits,document citizens’ criminal behavior, protect officers against false complaints, assist with moreaccurate report writing, and a few mentioned that it causes citizens to behave more civilly. Ibid, 2018,p. 142, 2020, tradução nossa.

60 GAUB, Janne E.; TODAK, Natalie; WHITE, Michael D. One Size Doesn’t Fit All: The Deployment ofPolice Body-Worn Cameras to Specialty Units. International Criminal Justice Review, vol. 30, 2ªed., p. 136-155, 2020. Disponível em:<https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1057567718789237>. Acesso em: 10 de junho de 2020.

59 POLÍCIA FEDERAL. Curso de Extensão em Equipamentos Não Letais I (CENL-I). [S. l.], 2009,pgs. 9 e 10. Disponível em: <http://www.pf.gov.br/servicos-pf/seguranca-privada/legislacao-normas-e-orientacoes/manual-do-vigilante/manual-do-vigilante/Caderno%20Didatico%20CENL%20I.pdf/view>. Acesso em: 12 de junho de2020. (grifos nossos e no original).

Page 38: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

37

suas necessidades ou que certas unidades específicas não usem. Isso se dá uma

vez que certas unidades são treinadas para utilizar tipos diferentes ou mais intensos

de força, que podem ser mal interpretados por um cidadão que não tenha

conhecimento da situação ou da natureza da atividade daquele policial (certas

atitudes podem aparentar ser desumanas ou excessivas para um olho não

treinado).62

Há a necessidade de se discutir a percepção de que a falta de gravação

possa significar que o fato nunca ocorreu ou ocorreu de forma diferente, como se a

palavra do policial não tivesse nenhum valor ou que esteja omitindo algo (afetando

principalmente aquelas forças que lidam com grandes períodos de inatividade e

repentinamente são chamados ao serviço, nem sempre tendo tempo hábil para ligar

sua câmera no momento necessário ou até mesmo se olvidando de fazê-lo).

As gravações podem causar um problema nas unidades de investigação em

razão do excesso de informações, sendo inviável analisar cada hora de gravação no

momento de montar um caso, devendo haver um balanço entre querer ver todos os

fatos gravados e a impossibilidade de assistir diversas horas de vídeo. Não há como

se deixar de lado que em razão da natureza desta atividade, testemunhas,

informantes e cidadãos em geral podem vir a ter receio de compartilhar informações

diante da câmera.

Por outro lado, algumas unidades encontraram formas novas de utilizar as

câmeras dentro das unidades especializadas, com alguns investigadores usando as

imagens para identificar suspeitos ou rever o desenrolar dos fatos antes de conduzir

um interrogatório. Negociadores usaram as câmeras como forma de se comunicar

com indivíduos que não permitiam a aproximação de oficiais ou utilizar a gravação

nos casos onde não é possível impedir um suicídio, demonstrando que houve

incessantes tentativas, evitando quaisquer processos na esfera civil por uma “má

vontade” do negociador. A unidade com cães reconheceu que é muito mais fácil

comprovar que as notificações necessárias foram feitas, informando ao suspeito de

que haviam policiais e que portavam cães, bem como os vários comandos verbais

62 Um negociador, pode, por exemplo, empregar táticas com o objetivo de tentar esgotaremocionalmente um indivíduo, provocando-o de modo a abalar seu emocional, facilitando umacontenção. De outro vértice, as unidades que empregam cachorros são treinadas para utilizarcomandos físicos que podem aparentar um abuso físico ou maus-tratos ao animal, sendo práticascomuns no treinamento do animal.

Page 39: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

38

para que o suspeito obedeça antes de os cães serem efetivamente liberados,

evitando ações judiciais.

Em certas ocasiões não equipar certas unidades é a melhor opção uma vez

que, por exemplo, a SWAT utiliza técnicas avançadas que não podem ser vistas pelo

público, caso contrário perdem a sua eficácia ao serem usadas em seu desfavor.

Outro ponto foi que as unidades com cães demonstraram preocupação das

gravações serem usadas por criminosos para descobrirem as fraquezas dos cães e

técnicas para enfrentá-los ou até mesmo como esconder-se deles.

Em resumo, BWCs podem ser vantajosas para grupos policiais

especializados, mas desde que ocorra uma adaptação da tecnologia para as

necessidades e especificidades de cada, não podendo ser de imediato implantada

naqueles grupos, isto se for possível e recomendada sua incorporação. Nas forças

policiais comuns também deve se dar atenção e treinamento para a adaptação à

tecnologia, de modo a torná-las mais efetivas durante o cotidiano, evitando um

autopoliciamento muito severo.

3.5 A GRAVAÇÃO COMO PROVA

O resultado da gravação pode ser crucial como elemento de prova, pois se

feita corretamente, pode convencer estreme de dúvidas até os fatos mais

controversos, uma vez que oferece uma visão imparcial do ponto de vista de um dos

principais atores, o policial. No entanto, surgem diversas questões em relação à

confiabilidade das câmeras, possibilidade de exclusão ou adulteração das imagens e

sons captados, e por fim, se a ausência de gravação, por si só, invalidaria a palavra

do policial. Importante definir em qual momento a câmera deve começar a gravar e

se terá o policial controle sobre este momento, se toda e qualquer situação poderá

ser gravada, se tais gravações serão tornadas públicas.

3.5.1 Confiabilidade e Segurança das Gravações

Para manter a segurança das gravações e impedir a adulteração, as

fabricantes vêm empregando criptografia como método de segurança, o que

significa passar os dados por um programa que codifica os dados, impedindo sua

leitura e modificação. Algumas empresas também disponibilizam em suas câmeras a

Page 40: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

39

funcionalidade de automaticamente enviar as gravações aos servidores da polícia,

não havendo possibilidade de corrupção nas filmagens. Ainda, a responsabilidade

do policial é de apenas iniciar a gravação, mesmo havendo dúvida sobre a

necessidade, não tendo poder ou acesso para copiar, duplicar, editar, apagar ou

qualquer outra ação.63

3.5.2 Valor da Gravação Como Prova

Poder-se-ia fazer a comparação das gravações com aquelas capturadas por

uma câmera de segurança, ao trazerem uma maior segurança ao recontar o

desenvolver dos fatos por sua imparcialidade e verossimilhança. Mas, em um

sistema processual penal como o brasileiro, onde não mais existe um valor

intrínseco a cada tipo de prova (oposto ao sistema da prova tarifada), em que lugar

essas gravações devem ficar? Não há como considerá-las como verdades

absolutas, apesar do manifesto destaque a este tipo de prova justamente por sua

isenção, no entanto ainda deverá ser analisado todo o contexto, uma vez que o que

deve motivar a decisão do juiz não é a fidedignidade de cada prova, mas o

convencimento que trazem ao julgador. Outro ponto relevante é que este tipo de

prova será colhida na fase pré-processual, não podendo uma condenação se basear

somente nesses fatos, uma vez que não passaram pelo crivo do contraditório e da

ampla defesa.

A grande questão reside não na presença de provas durante um processo

penal, mas em sua ausência. Como a ausência de uma gravação afetará o livre

convencimento do juiz é algo que não há como se responder, mas certamente

causará algum grau de desconfiança. Seguramente o que pode-se afirmar é que a

palavra do policial não pode ser ignorada, pois ademais poder ter algum interesse

subjetivo em alterar os fatos, isto deve ser entendido como exceção e não como

norma, uma vez que o sistema legal pátrio presume a inocência como regra.

3.5.3 Início e Fim da Gravação

63 POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. Regras de emprego das COP. [s. l.], [s. d.].Disponível em: <https://www.policiamilitar.sp.gov.br/COP/Index#/regras-de-uso>. Acesso em: 22 dejan. de 2021.

Page 41: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

40

Uma quantidade de câmeras possui a função de “gravação pré-evento”,

significando que de 30 segundos a 2 minutos antes do botão de gravação ser

pressionado, a câmera já está gravando. Isto funciona da seguinte maneira: a

câmera grava continuamente e repetidamente 30 segundos em um pequeno

compartimento de sua memória e quando o botão é pressionado iniciando a

gravação, este intervalo de tempo anterior também é salvo em conjunto com o resto

da gravação. Estes segundos podem ser cruciais para demonstrar, um ataque ao

policial que justificasse o uso de força, o qual poderia não ter sido capturado por

uma demora em pressionar o botão de gravar.64

A polícia de Dorset na Inglaterra afirma que as câmeras não ficarão sempre

ligadas, somente sendo utilizadas para capturar casos específicos — ou onde exista

a necessidade — como nos casos onde ocorra a abordagem de indivíduos,

abordagem de veículos, entrada em imóveis para realizar uma prisão, busca em

instalações, terrenos ou veículos, ou em casos críticos, como o uso de força por um

cidadão contra outro ou contra propriedade, quando se suspeite violência doméstica

ou condições análogas à escravidão.65 Como pioneira e provável parâmetro

nacional, a PMESP afirma que a gravação se inicia com a iniciativa do policial de

acordo com normas internas que regulam tanto o momento, quanto em quais

ocorrências e as sanções disciplinares caso haja descumprimento.66

Outra questão que deve ser muito discutida antes da implementação de

qualquer política pública de utilização de BWCs é o momento em que elas serão

ligadas. Em todos os testes conduzidos o policial não tinha discricionariedade para

escolher quando ligar e desligar a câmera, mas um problema mais sério reside nos

incidentes onde a câmera havia sido ligada, mas depois desligada ou silenciada.

As BWCs precisam permanecer ligadas por todo o contato entre a polícia eo público, do início ao fim, e como um método de corroborar a lógica dequalquer ação que o policial tenha tomado para lidar com a situação. Emtermos da teoria da dissuasão, a “ameaça crível” de apreensão é elevadaatravés de total transparência, na medida em que os reclamantes agora têm

66 POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. Regras de emprego das COP. [s. l.], [s. d.].Disponível em: <https://www.policiamilitar.sp.gov.br/COP/Index#/regras-de-uso>. Acesso em: 22 dejaneiro de 2021.

65 DORSET POLICE. Body worn video. [S. l.], [2020?]. Disponível em:<https://www.dorset.police.uk/news-information/body-worn-video/frequently-asked-questions/>.Acesso em: 8 de junho de 2020.

64 OLIVEIRA, Caroline Z. Caught on Bodycam Video: Exploring Issues of Preservation, Privacy,and Access. 2018. Tese de Doutorado. New York University, tradução nossa. p. 17-18.

Page 42: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

41

as evidências necessárias para apoiar sua alegação de que foram ofendidospelo policial (e, novamente, vice-versa).67

Neste sentido, em 2018 ocorreram diversas manifestações populares

revoltadas com a morte de Stephon Clark durante uma perseguição policial, após os

policiais confundirem seu celular com uma arma de fogo. Com a chegada de mais

policiais e do superior, houve a instrução de impedir que as BWCs captassem áudio

enquanto conversavam, gerando questionamentos a respeito da possibilidade de se

silenciar os dispositivos.68 Ainda, há de se estabelecer quais serão as políticas de

armazenamento das imagens, uma vez que a destruição de uma gravação que

potencialmente possa ser útil para a defesa de um acusado pode representar um

grave problema para o sistema judicial.

Considerando que haja a destruição de um arquivo que contenha uma

interação entre o suspeito e policial, pode-se exigir que o Estado forneça as imagens

se esta gravação representar uma importante tese defensiva, em especial nos casos

de revisão criminal? O Estado está sujeito a pagar uma indenização ou

compensação se houver o extravio ou destruição das gravações? Estas são

perguntas cujas respostas não são facilmente obtidas, dependendo de uma análise

mais aprofundada no tema. Com o crescente acúmulo de filmagens, em breve os

departamentos policiais se verão soterrados de filmagens e sem uma clara e

eficiente forma de categorizá-los, muito brevemente se verá a perda ou destruição

acidental de importantes provas.

O processo de revisão e categorização de imagens das câmeras usadas nocorpo também apresenta desafios logísticos para as forças policiais. Osvídeos são normalmente rotulados ou "marcados" como "comprovativo" ou"não probatório" no final do turno de cada policial. O vídeo é categorizadoainda mais pelo incidente específico que documenta, que pode estar sujeitoàs regras probatórias do estado para filmagens de um determinado tipo.Essas tags são importantes, pois as políticas de retenção de vídeo dosdepartamentos de polícia geralmente exigem diferentes períodos dearmazenamento para imagens comprobatórias e não comprobatórias.Devido às muitas horas de filmagem geradas a partir de um grande

68 JOHN, P. S., ‘Hey, mute’: After they shot Stephon Clark, officers cut their audio. And that addsto the outcry. Sacramento, 2018. Disponível em:<https://www.latimes.com/local/lanow/la-me-stephon-clark-video-mute-20180331-story.html>. Acessoem: 13 de jun. de 2020.

67 “BWCs need to stay on for the entire police–public contact, from start to finish, and as a method ofcorroborating the rationale for any action that the officer has taken to deal with the situation. Indeterrence theory terms, the “credible threat” of apprehension is elevated through completetransparency, to the extent that complainants now have the necessary evidence to support their claimthat they have been wronged by the officer (and, again, vice versa).” ARIEL, Barak, et al., 2015, p.305, tradução nossa.

Page 43: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

42

programa de câmera usadas no corpo, esse processo impõe custosadministrativos significativos e consome tempo para os policiais.69

Manter as gravações é custoso, podendo se afirmar que somente o custo de

armazenar horas de gravação seja mais oneroso do que a compra dos dispositivos,

em razão do vasto espaço consumido por um destes arquivos. Outro fator que pode

variar o tamanho dos arquivos gravados — e subsequentemente seu custo —, é a

qualidade da imagem e a quantidade de quadros por segundo capturados. Diante

deste problema, onde nem todos os municípios terão verbas e estrutura para

armazenar tanta informação, o problema com a destruição ou extravio de gravações

se torna particularmente preocupante, pois será frequente.

3.5.4 Os Casos Brady e Youngblood

A Suprema Corte americana já decidiu sobre a ausência de provas em dois

casos distintos, sendo relevante determinar se o fato é materialmente exculpatório

ou se somente é potencialmente útil ao réu. Tal entendimento surgiu após a decisão

em dois casos paradigmáticos: Brady e Youngblood, sendo no primeiro discutido o

dever governamental de manter e divulgar evidências exculpatórias aos réus

criminais, enquanto no segundo define um alto padrão de má fé do réu.

Em Brady v. Maryland (Brady v. Maryland, 373 U.S. 83, 87 de 1963)

discutiu-se a obrigação Estatal em divulgar e reter evidências, uma vez que tal dever

tem sua origem no princípio do devido processo legal. In casu se decidiu que a falha

em apresentar provas que sejam favoráveis ao réu e ao mesmo tempo relevante

para a culpa ou punição é uma violação do devido processo legal. Para determinar

se há uma violação ao princípio constitucional, o acusado deverá demonstrar que

provas favoráveis ao seu caso lhe foram negadas e isto ocasionou um prejuízo.

Assim, será feito o juízo sobre a capacidade exculpatória da evidência retida com

base na probabilidade de que a sentença teria sido outro caso os materiais fossem

69 “The process of reviewing and categorizing body-worn camera footage also presents logisticalchallenges for police forces. Videos are typically labeled, or “tagged,” as “evidentiary” or“non-evidentiary” at the end of each officer’s shift. Video is further categorized by the specific incidentit documents, which may be subject to state evidentiary rules for footage of a certain type. These tagsare important, as video retention policies of police departments typically require different storage timeperiods for evidentiary and non evidentiary footage. Due to the many hours of video footage generatedfrom a large body-worn camera program, this process imposes significant administrative costs and istime consuming for officers.” BARBOUR, Bradley X. Big budget productions with limited release: Videoretention issues with body-worn cameras. Fordham L. Rev., v. 85, p. 1745, 2016, tradução nossa.

Page 44: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

43

divulgados. Nestes casos não será necessário demonstrar a má fé do promotor em

não fornecer tais evidências.70

Já em Arizona v. Youngblood (Arizona v. Youngblood, 488 U.S. 51, 58, de

1988) analisa os efeitos da perda ou destruição de evidências e sua importância

para o caso em discussão, onde somente se pode especular acerca da

favorabilidade das evidências perdidas.

Durante o caso de estupro de uma criança, a polícia não refrigerou asroupas da criança que continham sêmen de seu agressor, o que impediucriminologistas de testá-las para ajudar a identificar o perpetrador. Depoisque o réu foi condenado, o Tribunal de Apelações do Arizona anulou adecisão, sob o fundamento de que o Estado se desfez indevidamente deprovas potencialmente exculpatórias e violou os direitos do réu ao devidoprocesso legal.71

A Suprema Corte americana, no entanto, decidiu que é necessário o réu

demonstrar má fé por parte da polícia, sendo que o erro em não preservar material

potencialmente útil não é uma violação ao devido processo legal.

Em Youngblood, o Tribunal distinguiu [do precedente] Brady, constatandoque o caso anterior dizia respeito a evidências "materialmenteexculpatórias" para o réu, enquanto as evidências em Youngblood eramapenas "potencialmente úteis" para o réu.72

Nos anos que se seguiram, acabou sendo percebido uma grande dificuldade

em demonstrar a má fé na preservação de provas em razão de manuseio

imprudente ou negligente das evidências.73

Os tribunais devem expandir a proteção de suas constituições estaduaiscontra a destruição de provas ou devem interpretar Youngblood parapermitir que sejam feitas instruções de falta de provas nos casos em que háausência de má-fé, mas nos quais o efeito da destruição de provas ésignificativo o suficiente para influenciar fundamentalmente a justiça de umjulgamento. Os Estados também devem estabelecer estatutos que regulemos períodos de tempo em que as filmagens das câmeras são armazenadas

73 Ibid., p. 1739.

72 “In Youngblood, the Court distinguished Brady, finding that the earlier case concerned evidence thatwas “materially exculpatory” to a defendant,whereas the evidence in Youngblood was only “potentiallyuseful” to the defendant.” Ibid., p. 1738.

71 “In a case concerning the rape of a child, the police did not refrigerate the child’s clothing containinghis assailant’s semen, which prevented criminologists from testing it to help identify the perpetrator.87After the defendant was convicted, the Arizona Court of Appeals overruled the lower court’s decision,on the grounds that the state improperly disposed of potentially exculpatory evidence and violated thedefendant’s due process rights.” BARBOUR, Bradley X. 2016, p. 1738, tradução nossa.

70 BARBOUR, Bradley X. Big budget productions with limited release: Video retention issues withbody-worn cameras. Fordham L. Rev., v. 85, p. 1737, 2016.

Page 45: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

44

para evitar a probabilidade de que o conteúdo probatório seja destruídoantes que o vídeo possa ser utilizado em julgamentos criminais.74

Ainda neste sentido, nos Estados Unidos, não há uma unificação em relação

às políticas públicas de preservação e armazenamento dos vídeos, variando

vastamente de um departamento policial a outro. Isso resultou que muitas vezes não

foram fornecidas as filmagens, mesmo quando a requisição partia da vítima. A falta

de uma norma geral sobre a preservação dos vídeos e os entendimentos proferidos

em Brady e Youngblood causam receio em relação às filmagens de BWCs, pois não

se sabe qual será a posição dos tribunais frente a ausência ou não

compartilhamento destas provas, o que é potencialmente perigoso ao réu.

Corroborando com tal apontamento, em 2017 foram analisadas 105 mortes

causadas por policiais usando BWCs, sendo que em 40 casos não houve a

divulgação das imagens. Nos casos onde as ocorrências foram tornadas públicas:

em 27% ocorreu nos primeiros sete dias; em 10% foram em até trinta dias; 25% das

imagens só foram disponibilizadas depois de 30 dias e em 38% dos incidentes não

foram liberadas as imagens.75 Dessa forma, mesmo existindo uma câmera durante

um incidente, a publicização das imagens muitas vezes não é alcançada, o oposto

do esperado pela implementação de tais tecnologias.76

3.5.4 Publicidade e Privacidade

Quanto à privacidade, ainda é um tópico a ser debatido pois todo e cada

cidadão tem o direito fundamental à privacidade e a gravação indiscriminada pode

oferecer um risco ou uma afronta a este direito. No cenário atual, é compreendido

que o policial é quem decidirá quando ligar sua câmera, desde que exista a

necessidade, e se possível anunciará para qualquer indivíduo presente que está

76 MATSAKIS, Louise. Body Cameras haven’t stopped police brutality. Here's why. [S. l.], 2020.Disponível em: <https://www.wired.com/story/body-cameras-stopped-police-brutality-george-floyd/>.Acesso em: 23 de fevereiro de 2021.

75 BOGEN, Miranda. What happens to body cam footage after fatal police shootings? [s. l.], 2018.Disponível em:<https://medium.com/equal-future/what-happens-to-body-cam-footage-after-fatal-police-shootings-7759606c5b20>. Acesso em: 29 de abril de 2021.

74 “Courts should expand protections against the destruction of evidence in their state constitutions orshould interpret Youngblood to allow for missing-evidence instructions in cases where there is anabsence of bad faith but in which the effect of the destruction of evidence is significant enough tofundamentally influence the fairness of a trial. States should also establish statutes regulating the timeperiods in which body-worn camera footage is stored to prevent the likelihood that evidentiary footagewill be destroyed before the video can be utilized in criminal trials.”. Ibid., p. 17550,, tradução nossa.

Page 46: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

45

sendo captado áudio e vídeo. Ao se analisar a publicidade, considerando este direito

à privacidade, não é indicado que toda e qualquer gravação seja tornada pública, já

que pode expor desnecessariamente certos cidadãos ou atrapalhar uma

investigação que ainda está em curso. Caso totalmente contrário seria o daquele

indivíduo que foi gravado por uma câmera policial e deseja ter acesso, o que não

pode ser impedido, porém, tais informações devem ser requisitadas e emitidas

somente através da comprovação da identidade do requerente, não havendo a

obrigação de se fornecer informações sobre fatos ainda sob investigação.77

Ponto que merece destaque ao se falar de publicidade é que a profissão

policial lida com casos muito delicados, muitas vezes encontrando pessoas em

situação vulnerável ou humilhante. Neste ponto que se enxerga outro reforço à ideia

de necessidade de que as gravações sejam mantidas em sigilo, pois seria uma

grave violação ao direito pessoal da vítima se uma destas informações fosse vazada

ao público ou até mesmo viralizada. Em São Paulo, a falta de legislação específica

sobre a coleta de imagens e sons pelas câmeras portáteis causa preocupação, lá

sendo adotada a lei que regula a privacidade de provas jurídicas, não sendo

permitido que a pessoa abordada possa escolher não ser gravada, até em situações

onde a discrição é desejada, como ocorrências dentro do domicílio. Também há a

preocupação com a privacidade do policial, já que será o mais afetado pela

utilização, mas como a tecnologia ainda é novidade no Brasil, estas questões ainda

não estão bem definidas em nosso cenário político-jurídico.78

3.5.5 Gravação como Treinamento

Uma aplicação muito promissora se apresenta na forma de treinamento,

uma vez que a rotina de um policial pode ser caótica, se deparando com as mais

inesperadas e delicadas, exigindo atitudes que nem todos os agentes estão

78 AGÊNCIA O GLOBO. Fardas com câmeras reduzem violência policial, mostram pesquisas.Disponível em:<https://exame.com/brasil/fardas-com-cameras-reduzem-violencia-policial-mostram-pesquisas/>.Acesso em: 03 de maio de 2021.

77 Há de se considerar em que período e em qual ponto que a gravação será feita, há uma diferençaentre uma gravação que ocorra em decorrência de uma abordagem na rua e que venha a instaurarum Inquérito Policial do que uma ocorrida após ordem judicial de busca e apreensão. Isto éimportante especialmente dentro do inquérito uma vez que o investigado somente pode obterinformações pertinentes a si com a aprovação do delegado, uma vez que não prejudique os atos deinvestigação, em razão de não haver as garantias do contraditório e ampla defesa que umprocedimento judicial preceita.

Page 47: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

46

preparados para tomar. Assim, verifica-se nesta tecnologia uma importante

ferramenta de aprendizado, pois da mesma forma que pode ser analisada a

legalidade da atitude, também pode ser apreciada sua conduta e corrigida nos

pontos necessários.

Finalmente, alguns oficiais de unidades especializadas descreveramaplicações únicas de treinamento com BWCs. Isso foi mais comum nacidade de Tempe do que em Spokane. Muitas unidades assistem vídeosdurante o treinamento. Por exemplo, algumas unidades mostram imagenspara recrutas e novos oficiais designados para suas unidades parademonstrar sucessos e fracassos, quedas, curvas, manobras e táticas. Elestambém analisam os vídeos como em grupo ou esquadrão para avaliar eanalisar de forma crítica seu desempenho.(...)A unidade de gangues em Tempe disse que pendurou um BWC na parededurante o treinamento para permitir que os oficiais revissem seudesempenho pessoal posteriormente. Uma policial relatou estar chocadadepois de ver quanto tempo levou para ela sacar a arma. Além dotreinamento da unidade, os policiais disseram que veem suas própriasimagens gravadas no trabalho para melhoria pessoal.79

O potencial educacional não pode ser ignorado uma vez que se trata de

ferramenta bastante útil aos policiais, principalmente aqueles que recém saíram das

academias de formação e ainda não estão habituados à profissão. Uma melhor

profissionalização da polícia resulta em um melhor atendimento à população,

mitigando a quantidade de “maus encontros” que podem comprometer as interações

com a comunidade.

Um benefício que ignoramos, mas que deve ser observado de perto nofuturo, é o "potencial de treinamento" dos vídeos capturados pelas BWCs.Os policiais de Rialto fizeram download de suas próprias imagens para versuas interações cotidianas. Assim como na cirurgia, futebol ou atuação, asimagens gravadas pelas câmeras policiais podem ser usadas para "treinar"os policiais sobre como eles se comportam. Prevemos que no futuro ostreinamentos policiais irão incorporar sessões individuais nas quais oficiaissubalternos treinam com suas próprias imagens, sobre conduta policial epotencialmente melhorar seu comportamento ao lidar com suspeitos,vítimas e testemunhas. Os benefícios associados a uma abordagem tãoimpactante do treinamento por meio de treinamento digital, baseado em

79 “Finally, a few specialty unit officers described unique BWC training applications. This was morecommon in Tempe than in Spokane. Many units view videos in training. For example, a few units showfootage to recruits and new officers assigned to their units to demonstrate successes and failures,falls, turns, maneuvers, and tactics. They will also review videos as a group or squad to assess andcritically review performance. (...) The gang unit in Tempe said they have hung a BWC on the wallduring training to allow officers to review their performance afterward. One officer reported beingshocked after seeing how long it took for her to draw her gun. In addition to unit training, officers saidthey view their own footage recorded on the job for personal improvement.” GAUB; TODAK; WHITE;2020, p. 145, tradução nossa.

Page 48: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

47

evidências, para justiça processual, justiça distributiva e conduta policial emgeral, deve ser uma área de investigações futuras.80

Ainda é incerto qual rumo esta tecnologia tomará, mas é inegável as

vantagens que pode trazer ao treinamento de um policial, ainda mais se

considerarmos que nem todo indivíduo está preparado para suportar situações de

extremo estresse como as quais um agente de segurança pode vir a presenciar e

participar. Como o General de Brigada e historiador americano Samuel Lyman

Antwood Marshall narra em seu livro “Men against fire: the problem of Battle

Command”, o qual foi escrito durante e após a Segunda Guerra Mundial com base

nos depoimentos de soldados de infantaria, nem todo soldado estava disposto a

pegar em armas e atirar contra o inimigo, com poucos efetivamente aceitando a

carga moral e emocional que matar traz. Agora se tratando de um policial, o mesmo

não sabe quem e onde encontrará um adversário que pode vir a tirar sua vida, tendo

de tomar decisões rápidas que podem significar a vida e a morte, muitos tendo

crises emocionais após um confronto. Afinal, se é natural matar, por que os homens

têm que treinar para aprender como fazê-lo?81

81 “If it’s natural to kill, how come men have to go into training to learn how?” frase de Joan Baez,tradução nossa.

80 “One benefit which we have overlooked but should be closely observed in the future is the ‘‘trainingpotential’’ of body-worn-videos. Rialto officers downloaded their own footage in order to view theirinteractions on a routine basis. Much like surgery, football or acting, the footage recorded by policebody worn-videos can be used to ‘‘coach’’ police officers, about how they conduct themselves. Weenvisage future police training to incorporate one-on-one sessions in which junior officers train withtheir own footage,about police conduct and potentially improve their demeanor when dealing withsuspects, victims and witnesses. The benefits associated with such an impactful evidence-basedapproach to training through digital coaching, for procedural justice, distributive justice and policeconduct more generally, should be an area of future investigations.” ARIEL, Barak; FARRAR, WilliamA.; SUTHERLAND, Alex. The effect of police body-worn cameras on use of force and citizens’complaints against the police: A randomized controlled trial. Journal of quantitative criminology, v.31, n. 3, p. 509-535, 2015.

Page 49: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

48

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A vantagem da tecnologia é causar uma reforma no funcionamento da

polícia, passando de um modelo onde o policial é visto como uma autoridade que

tem poderes quase ilimitados para um aplicador da lei obrigado a segui-la. Isto pode

ter efeitos positivos e negativos, os quais podem ser mitigados ou até extirpados se

houver uma criação ponderada de políticas públicas, onde seja considerada a

especificidade de cada região e unidade policial. Não deixa de ser uma alternativa à

desmilitarização e fusão das polícias militar e civil, as quais apesar de terem mais

efeitos a longo prazo exigem um nível de cooperação política que dificilmente será

alcançado sem um grande apoio popular. Em outras palavras, significa que as

BWCs apresentam uma solução de curto prazo (que também pode ter efeitos

duradouros) para os problemas de legitimação e profissionalismo das forças policiais

sem necessitar de mudanças muito profundas em suas estruturas.

Certamente que a melhor opção seria que houvesse uma motivação

intrínseca das autoridades em agir de forma justa, mas é um fenômeno conhecido

que os detentores de poder nem sempre estão preocupados com a moralidade de

suas ações. O que as câmeras oferecem é um contorno a este problema, trazendo a

capacidade de responsabilização das autoridades que se desviam das condutas

esperadas e desejadas pela sociedade. No entanto, está longe de ser a melhor

solução, uma vez que não muda o comportamento do policial, apenas o registra. O

efeito mais proeminente das câmeras é que protegerá os policiais de acusações

infundadas e permitirá a narrativa acurada dos fatos, mas causará enormes

dificuldades burocráticas e econômicas.

O custo não reside tanto no valor intrínseco das câmeras (apesar de serem

caras por si só), mas no armazenamento das informações capturadas — tal custo

podendo ser amortecido pelas despesas judiciais evitadas. Também não há como se

olvidar que é necessário prover o devido treinamento e cuidado para que sejam

mantidas as gravações, pois em delegacias de menor porte e menos financiadas, a

chance de ocorrer a danificação das imagens é grande, seja em razão da falta de

habilidade técnica para armazenar ou a própria inexistência de estrutura para

armazenar tantas informações.

Há de se ter em mente que dois tipos de custos ainda não estão

completamente definidos, primeiro ainda não se sabe quais são os custos efetivos,

Page 50: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

49

diretos ou indiretos, de armazenar, compartilhar e gerir toda gama de informações

que será coletada, pois mesmo que uma minoria dos incidentes seja evidenciário ou

probatório, em pouco tempo haverá um tremendo acúmulo de informações. Licenças

de produto, espaço de armazenamento, segurança e manutenção podem significar

custos altíssimos que ainda não estão evidentes. Segundo, ainda não há uma

resposta definitiva para o que acontece na ausência de gravações durante casos

criminais. Dentro de um procedimento judicial a palavra do policial, apesar de nem

sempre ser verídica, carrega um peso especial se comparada às outras

testemunhas, pois muitas vezes é ele quem está presente na cena de um crime,

podendo identificar sujeitos e descrever suas ações. Mas será que as câmeras

impactarão a credibilidade do policial nos casos onde não houver evidências

digitais? É uma possibilidade, uma vez que se dará uma grande importância à

capacidade probatória de uma gravação, deixando-se um pouco de lado o agente da

lei. Este é um fenômeno que ainda necessita de análise pois pode rapidamente se

tornar um grande malefício aos policiais, que podem vir a perder sua legitimação nos

casos onde (por um motivo qualquer) não estava presente uma body-worn camera.

É inegável o problema de legitimação no Brasil, a desconfiança e

incredulidade no sistema causam que muitos cidadãos e até comunidades inteiras

(principalmente aquelas de baixo nível socioeconômico ou ocupadas por minorias)

sintam-se compelidos a buscar a justiça com as próprias mãos em vez de

recorrerem a órgãos governamentais. Como visto, o uso da tecnologia pode

melhorar a percepção pública da polícia, o que resulta em uma maior legitimação, a

qual, por sua vez, é extremamente benéfica para a convivência pacífica com uma

comunidade. Em termos gerais, a utilização da tecnologia no policiamento significa

um importante passo, pois aumentam a cooperação com a autoridade, reduzem a

quantidade de agressões, queixas e prisões, aumentando a eficiência do sistema

legal com uma maior robustez probatória. É uma forma relativamente barata de

trazer legitimação a uma força que tanto necessita.

Apesar dos benefícios que serão trazidos com a propagação das câmeras

policiais, também eleva-se a preocupação com a privacidade pois a tecnologia não

para de evoluir a cada instante, tornando-se cada vez mais comum softwares de

reconhecimento facial, os quais podem aparentar à primeira vista uma evolução

nunca antes vista no policiamento. Se mal utilizada, a tecnologia de reconhecimento

facial (a qual já vem sendo implementada em alguns modelos de body-worn camera)

Page 51: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

50

pode representar o fim de diversas liberdades individuais, com o Estado

monitorando cada cidadão a todo o tempo. Muito semelhante ao cenário distópico

envisionado por George Orwells em seu livro “1984”, onde um líder totalitário

chamado de “Big Brother” controla cada aspecto da vida dos cidadãos através de

suas “teletelas”, que são instrumentos capazes de gravar e monitorar qualquer

transgressão contrária à ideologia do “líder supremo”.

Page 52: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

51

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA O GLOBO. Fardas com câmeras reduzem violência policial, mostrampesquisas. Disponível em:<https://exame.com/brasil/fardas-com-cameras-reduzem-violencia-policial-mostram-pesquisas/>.

AGÊNCIA SENADO. As polícias militares têm origem no século 19. Brasília,2013. Disponível em:<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/11/25/policias-militares-tem-origem-no-seculo-19>.

AISHWARIYA, A. et al. Body worn camera. [S. l.]: IOP Conference Series: MaterialsScience and Engineering, vol. 263, issue 5, 2017. Disponível em:<https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1757-899X/263/5/052023>.

ARIEL, Barak, et al. Contagious Accountability: A Global Multisite RandomizedControlled Trial on the Effect of Police Body-Worn Cameras on Citizens’ ComplaintsAgainst the Police. [S. I.]: Criminal Justice and Behavior, vol. 44, nº. 2, p.2, Fev.2017.

ARIEL, Barak, et al. The Deterrence Spectrum: Explaining Why Police Body-WornCameras ‘Work’ or ‘Backfire’ in Aggressive Police–Public Encounters. Policing: AJournal of Policy and Practice, vol. 12, 1ª ed., p. 6-26, 2018. Disponível em:<https://academic.oup.com/policing/article-abstract/12/1/6/2965583?redirectedFrom=fulltext>.

ARIEL, Barak, et al. Using Wearable Technology to Increase Police Legitimacy inUruguay: The Case of Body-Worn Cameras. Law & Social Inquiry, Cambridge, vol.45, 1ª ed., p. 52-80, 2020. Disponível em:<https://www.cambridge.org/core/journals/law-and-social-inquiry/article/using-wearable-technology-to-increase-police-legitimacy-in-uruguay-the-case-of-bodyworn-cameras/0821D13156C686A9FC2556ACDAF81E91#fndtn-information>.

ARIEL, Barak; FARRAR, William A.; SUTHERLAND, Alex. The Effect of PoliceBody-Worn Cameras on Use of Force and Citizens’ Complaints Against the Police: ARandomized Controlled Trial. Journal of Quantitative Criminology. [S. l.], vol. 31,p. 509-535, 2015.

BANESTADO - BANCO DO ESTADO DO PARANÁ. Gente nossa, coisas nossas:A emancipação política do Paraná. Curitiba: Banestado, [1989?]<http://www.museuparanaense.pr.gov.br/arquivos/File/Banestado61anos/AemancipacaoPoliticadoParana.pdf>

BARBOUR, Bradley X. Big budget productions with limited release: Video retentionissues with body-worn cameras. Fordham L. Rev., v. 85, p. 1725-1755, 2016.

BLEIKER, Carla. Police in Germany’s most populous state will try bodycameras. [S. l], 2017. Disponível em: <https://p.dw.com/p/2azxX>.

Page 53: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

52

BOGEN, Miranda. What happens to body cam footage after fatal policeshootings? [s. l.], 2018. Disponível em:<https://medium.com/equal-future/what-happens-to-body-cam-footage-after-fatal-police-shootings-7759606c5b20>.

BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos doBrasil. Rio de Janeiro, RJ, 1891. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>.

BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio deJaneiro, RJ, 1946. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm>.

CALGARY POLICE SERVICE. Body Worn Camera. Calgary, [2018?]. Disponívelem: <https://www.calgary.ca/cps/Pages/Body-Worn-Camera.aspx>.

CÂMARA, Olga. Polícia brasileira: a que mais mata e a que mais morre. Revista JusNavigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5884, 11 ago. 2019. Disponívelem: <https://jus.com.br/artigos/74146>.

CEDANO, Sérgio. Poder de polícia e poder da polícia. Revista Trimestral deDireito Público - RTDP, ano 8, n. 53, p. 183, abr./ jun. 2013. Disponível em:https://www.forumconhecimento.com.br/periodico/156/20686/34460.

Cf. SOUZA, Adilson Paes de. A educação em direitos humanos na polícia militar.2012. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) - Faculdade de Direito,Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em:<https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2140/tde-27092012-093421/pt-br.php>.

COURIER PRESS. What we know about the Evansville police shooting thatkilled a Wadesville man. Evansville, 2019. Disponível em:<https://www.courierpress.com/story/news/2019/10/29/evansville-police-shooting-indiana-terry-chanley-wadesville/2501991001/>.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 32ª ed. Rio de Janeiro:Forense, 2019.

DORSET POLICE. Body Worn Video. [S. l.], [2020?]. Disponível em:<https://www.dorset.police.uk/news-information/body-worn-video/>.

EXAME. Fardas com câmera reduzem violência policial, mostram pesquisas.São Paulo, 2019. Disponível em:<https://exame.com/brasil/fardas-com-cameras-reduzem-violencia-policial-mostram-pesquisas/>.

EXÉRCITO BRASILEIRO. A revolução liberal de São Paulo - 1842. [s. l.], [20--?].Disponívelem:<https://www.eb.mil.br/patronos/-/asset_publisher/DJfoSfZcKPxu/content/a-revolucao-liberal-de-sao-paulo-1842>.

Page 54: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

53

FERREIRA, Olavo Leonel. História do Brasil. 8. ed. São Paulo: Editora Ática, 1984.

FOX NEWS. Officer recalls near-fatal shooting captured by body cam in doc: ‘Idid think I was going to die’. [S. l.], 2018. Disponível em:<https://www.foxnews.com/entertainment/officer-recalls-near-fatal-shooting-captured-by-body-cam-in-doc-i-did-think-i-was-going-to-die>.

FOX40. Interim Police Chief Says Recent Shooting of Unarmed Man wasModesto Officer’s fourth fatality. Modesto, 2021. Disponível em:<https://fox40.com/news/local-news/interim-police-chief-says-recent-shooting-of-unarmed-man-was-modesto-officers-fourth-fatality/>.

GAUB, Janne E.; TODAK, Natalie; WHITE, Michael D. One Size Doesn’t Fit All: TheDeployment of Police Body-Worn Cameras to Specialty Units. InternationalCriminal Justice Review, vol. 30, 2ª ed., p. 136-155, 2020. Disponível em:<https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1057567718789237>.

GOVERNMENT OF THE UNITED KINGDOM. Procedural Justice. [S. l.], 2019.Disponível em: <https://www.gov.uk/guidance/procedural-justice>.

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Polícia Militar de São Paulo passará autilizar câmera nos uniformes. [S. l.], 2019. Disponível em:<https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/policia-militar-de-sao-paulo-passara-a-utilizar-camera-nos-uniformes/>.

JOHN, P. S., ‘Hey, mute’: After they shot Stephon Clark, officers cut their audio.And that adds to the outcry. Sacramento, 2018. Disponível em:<https://www.latimes.com/local/lanow/la-me-stephon-clark-video-mute-20180331-story.html>.

MATSAKIS, Louise. Body Cameras haven’t stopped police brutality. Here's why.[s. l.], 2020. Disponível em:<https://www.wired.com/story/body-cameras-stopped-police-brutality-george-floyd/>.Acesso em: 23 de fevereiro de 2021.

MEMÓRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA. Divisão da Guarda Realda Polícia do Rio de Janeiro. [S. l.]: 2011. Disponível em:<http://mapa.an.gov.br/index.php/dicionario-periodo-colonial/169-divisao-militar-da-guarda-real-da-policia-1808-1821>.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo da Ordem Pública. Polícia deManutenção da Ordem Pública e suas Atribuições. pp. 154-155 apud CEDANO,Sérgio. Poder de polícia e poder da polícia. Revista Trimestral de Direito Público -RTDP, ano 8, n. 53, p. 183, abr./ jun. 2013. Disponível em:https://www.forumconhecimento.com.br/periodico/156/20686/34460.

MEMÓRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA. Divisão da Guarda Realda Polícia do Rio de Janeiro. [S. l.]: 2011. Disponível em:

Page 55: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

54

<http://mapa.an.gov.br/index.php/dicionario-periodo-colonial/169-divisao-militar-da-guarda-real-da-policia-1808-1821>.

MENDES, Antonio Celso. História do Paraná - aula 9: Emancipação Política doParaná. [Curitiba], [20--?]. Disponível em:<http://academiaparanaensedeletras.com.br/historia-do-parana/aula-9/>

NEXSTAR BROADCASTING INC.. Hampton County man receives 35-yearsentence for shooting police officer. Savannah, 2017. Disponível em:<https://www.wsav.com/news/hampton-county-man-receives-35-year-sentence-for-shooting-police-officer/>.

OFICIAL, PMSC. Papa Mike SC, Youtube, 15 de maio de 2020. Disponível em:https://youtube.com/playlist?list=PLp0Gd4KvJ4kirO5f18xGUDswGfKxSNu50.

OLIVEIRA, Caroline Z. Caught on Bodycam Video: Exploring Issues ofPreservation, Privacy, and Access. 2018. Tese de Doutorado. New York University,tradução nossa.

PARANÁ. Constituição (1989). Constituição do Estado do Paraná. Curitiba, PR,1989. Disponível em:<https://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/exibirAto.do?action=iniciarProcesso&codAto=9779&codItemAto=97592>.

POLÍCIA FEDERAL. Curso de Extensão em Equipamentos Não Letais I (CENL-I).[S. l.], 2009. Disponível em: <http://www.pf.gov.br/servicos-pf/seguranca-privada/legislacao-normas-e-orientacoes/manual-do-vigilante/manual-do-vigilante/Caderno%20Didatico%20CENL%20I.pdf/view>.

POLÍCIA MILITAR DE SÃO PAULO. Vantagens do emprego de CâmerasOperacionais Portáteis. [S. l.], [2017?]. Disponível em:<https://www.policiamilitar.sp.gov.br/COP/Index>.

POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. Regras de emprego das COP. [s.l.], [s. d.]. Disponível em:<https://www.policiamilitar.sp.gov.br/COP/Index#/regras-de-uso>.

POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ. Criação da Polícia Militar do Paraná. [Curitiba],[20--?]. Disponível em:<http://www.pmpr.pr.gov.br/Pagina/Criacao-da-Policia-Militar-do-Parana>.

POLÍCIA MILITAR SANTA CATARINA. Tropa da 10ª RPM é capacitada parautilizar as câmeras policiais individuais. [S. l.], 2019. Disponível em:<https://www.pm.sc.gov.br/noticias/tropa-da-10-rpm-e-capacitada-para-utilizar-as-cameras-policiais-individuais>.

QUEENSLAND POLICE SERVICE. Body Worn Cameras. [S. l.], 2019. Disponívelem: <https://www.police.qld.gov.au/initiatives/body-worn-cameras>.

Page 56: CÂMERAS POLICIAIS INDIVIDUAIS E O CONTROLE DA ATIVIDADE

55

REAVES, Brian A. Local police departments, 2013: Equipment and technology.Washington, D.C.: Bureau of Justice Statistics (BJS), U. S. Department of Justice,Office of Justice Programs.

SOARES, João. A violência policial contra negros como política de Estado noBrasil. [S. l.], 2020. Disponível em: <https://p.dw.com/p/3dRMt >.

SOARES, L. Novas políticas de segurança pública. Estudos Avançados, v. 17, n.47, p. 75-96, 1 abr. 2003. Disponível em:<http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9903>.

SOUSA, Reginaldo Canuto de; MORAIS, Maria do Socorro Almeida de. Polícia eSociedade: uma análise da história da segurança pública brasileira. V JornadaInternacional de Políticas Públicas: Maranhão, 2011. p. 2. Disponível em:<http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornada/JORNADA_EIXO_2011/PODER_VIOLENCIA_E_POLITICAS_PUBLICAS/POLICIA_E_SOCIEDADE_UMA_ANALISE_DA_HISTORIA_DA_SEGURANCA_PUBLICA_BRASILEIRA.pdf>.

SUTHERLAND, Alex., et al. Post-experimental follow-ups — Fade-out versuspersistence effects: The Rialto police body-worn camera experiment four years on.Journal of Criminal Justice. vol. 53, 2017.

WASHINGTON POST. Police camera glasses capture the near-death shooting ofan officer. Disponível em:<https://www.washingtonpost.com/news/morning-mix/wp/2017/08/11/tell-my-family-i-love-them-video-captures-a-near-death-shooting-of-a-police-officer/>.

WINGO, Melanie. Family, friends call for arrest of Modesto police officer whoshot, killed man. Modesto, 2021. Disponível em:<https://www.kcra.com/article/demonstrators-call-arrest-charges-modesto-police-officer/35170778>..

ZANETIC, André et al. Legitimidade da polícia: segurança pública para além dadissuasão. Civitas - Revista de Ciências Sociais, [S. l.], v. 16, n. 4, p. 148-173,2016. Disponível em:<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/24183>.