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SOCIOLOGIA POLÍTICA DA GUERRA CAMPONESA DE CANUDOS Da destruição do Belo Monte ao aparecimento do MST

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an analysis on the peasant movement in Brazil from the Canudos to the Without Land Movement (Movemento Sem Terra)

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  • SOCIOLOGIA POLTICA DA GUERRACAMPONESA DE CANUDOS

    Da destruio do Belo Monte ao aparecimento do MST

  • Clvis Moura

    SOCIOLOGIA POLTICA DA GUERRACAMPONESA DE CANUDOS

    Da destruio do Belo Monte ao aparecimento do MST

    EDITORAEDITORAEDITORAEDITORAEDITORAEXPRESSO POPULAREXPRESSO POPULAREXPRESSO POPULAREXPRESSO POPULAREXPRESSO POPULAR

  • Copyright 2000, by Editora Expresso Popular

    Projeto grfico, Capa e diagramaoZAP Design

    Foto da CapaIlustrao: montagem tendo como fundo foto de Sebastio Salgado manifestao dos camponeses em comemorao conquista da FazendaCuiab no serto do Xing, Sergipe, 1996.

    Impresso e acabamentoCromosete Grfica e Editora

    ISBN 85-87394-06-1

    Todos os direitos reservados.Nenhuma parte deste livro pode ser utilizadaou reproduzida sem a autorizao da editora.

    1 edio: Maio de 2000

    EDITORA EXPRESSO POPULARRua Bernardo da Veiga, 14CEP 01252-020 - So Paulo-SPFone/Fax: (11) 262.4921e-mail: [email protected]

  • Sumrio

    Apresentao .......................................................... 11

    1. Sociologia poltica da guerra

    camponesa de Canudos .................................... 21

    2. Antnio Conselheiro:

    um abolicionista da plebe ................................. 63

    3. De Canudos ao Movimento

    Sem Terra: novas perspectivas para

    a revoluo agrria no Brasil? ........................... 79

    4. Depois do massacre de Canudos

    os camponeses se rearticulam e lutam .......... 107

    5. A Fnix renascida?

    O Movimento Sem Terra ............................ 125

  • A libertao econmica, poltica, militar, de um povo doterceiro mundo, a renascena de sua identidade cultural

    singular s pode se concretizar pela ruptura radical com acultura algena dominante. Ou bem um povo do terceiro

    mundo consegue conservar, ressuscitar, reinterpretar,transformar sua cultura ancestral autctone, ou ele desaparece

    como sujeito autnomo da histria.

    Jean Ziegler A vitria dos vencidos.

    Toda histria remorso

    Carlos Drummond de Andrade.

  • Para

    Haroldo Lima e Mrio Maestri,fanticos defensores dos heris de Canudos.

    memria de Paulo Fontelles,assassinado na luta pela revoluo camponesa

    no Brasil.

    E para Jean Ziegler, lembrana fraterna.

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    Apresentao

    Quando em 1959, em So Paulo, aos 34anos, o jornalista, cientista social e militantedo Partido Comunista Brasileiro, ClovisMoura, publicou seu primeiro livro, Rebeliesda senzala, registrou-se um novo marco nainterpretao da histria do Brasil. Con-trariando todo o pensamento da poca,mesmo o de seu companheiro de militnciaCaio Prado Jnior, o jovem estreante de-fendia desde ento que, durante o perododominado pelo modo de produo escravistaem nosso pas, o eixo fundamental da luta declasses se concentrou entre os senhoresbrancos e os escravos negros.

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    Tanto os intelectuais do PC, como as uni-versidades brasileiras resistiram sua tese,que no entanto ir encontrar repercusso nosEstados Unidos.

    Para Moura, o problema que os PCs no apenas brasileiros, mas os latino-ameri-canos em geral at o presente tm difi-culdade em entender a questo raa/classeque envolveu e envolve a problemtica dosafricanos trazidos fora para as Amricasdurante o perodo colonial. De acordo comele, quando o negro era trazido para o novocontinente, ele j vinha marcado, enquadradonuma classe: a de escravo. O no enten-dimento disto faz com que o papel do negroescravo e em seguida o do ex-escravopermanea uma categoria no muito definida.Foi tambm nesse contexto que, afirmaMoura, se criou o racismo, que no atingeapenas as elites.

    Para ilustrar a dificuldades dos PCs frente questo, o autor de Rebelies da senzala contaque, durante o processo constituinte ps-Estado Novo, o deputado Hamilton Nogueira(UDN) apresentou projeto contra o racismo

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    a ser includo na nova Constituio. Noentanto, a bancada do PCB vota contra oprojeto, sob o argumento de que no Brasil noexiste luta de raas, mas de classes (!).

    De qualquer modo, alm de Rebelies nasenzala ter se tornado base para cursos e estudosnos EUA e ser considerado um clssico naChina (onde foi traduzido), hoje, no Brasil, emsua quarta edio, referncia obrigatria paraestudiosos que rediscutem o tema.

    Mas o escravismo e a questo negra cons-tituem apenas um dos quatro vieses da obradeste piauiense de Amarante, Clovis Steigerde Assis Moura, nascido em 10 de junho de1925, e que tem entre seus antepassados umbaro do imprio da Prssia (Ferdinando vonSteiger, seu bisav pelo lado materno) e, pelolado paterno, a bisav Carlota, a escrava negrade um portugus seu bisav. Os outros trsvieses do seu trabalho se constituem peloestudo dos movimentos camponeses noBrasil; pelos ensaios e investigaes tericose, por fim, sua obra potica.

    Com 24 ttulos publicados, o autor acabade concluir seu Dicionrio da escravido negra

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    no Brasil, que ser lanado pela UniversidadeFederal do Rio de Janeiro UFRJ. Tempronto tambm seu sexto volume de poemas,Duelos com o infinito.

    O livro que ora apresentamos, faz parte deseus estudos sobre as lutas no campo bra-sileiro, texto indito cedido por Clovis(incluindo direitos autorais) para a EditoraExpresso Popular. Aqui, alm de importantereflexo terica sobre a natureza e carterpoltico dos movimentos sociais em geral, eem particular dos movimentos camponeses,o leitor encontrar os elos histricos que nosfazem entender a Guerra Canudos e oMovimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra o MST, como parte de uma mesmacadeia de resistncia ao monoplio dapropriedade da terra em nosso pas um dospontos cruciais de nosso atraso econmico esocial. O comportamento das elites deantanho e do presente so, por sua vez, provascabais da permanncia da ignorncia,reacionarismo e truculncia das foras quedesde sempre vm dirigindo os destinos daNao.

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    isto enfim que nos ensina Clovis Mouraque desde aps o levante de Natal em 1935(onde morava), ainda pr adolescente, passaa simpatizar com as idias de esquerda, vindopor fim encontrar o Partido Comunistasomente em 1946, no interior da Bahia(Juazeiro) ao qual se ligar, militando naqueleestado at 1949, quando se transfere para SoPaulo, passando a atuar na Frente Cultural,organismo que reunia Caio Prado, VillanovaArtigas, Artur Neves e outros importantesintelectuais comunistas.

    Alipio FreireSo Paulo, maio de 2000

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    A obra de Clovis Moura

    1959 Rebelies da senzala, Ed. Zumbi-SP.Reedies: 1972, Ed. Conquista- RJ; Ed. CinciaHumanas-SP, e 1988, Ed. Mercado Aberto-RS.

    1961 Espantalho na feira (poesia), Ed. Fulgor-SP

    1964 Argila da memria (poesia), Ed. Fulgor-SP. Reedio, Ed. Corisco-PI.

    1964 Introduo ao pensamento de Euclides daCunha, Ed. Civilizao Brasileira-RJ.

    1964 ncora do Planalto (poesia), Ed. do Brasil-SP.

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    1976 O preconceito de cor na literatura de cordel,Ed. Resenha Universitria-SP.

    1976 Sociologia de la Praxis, Editorial Siglo XXI,Mxico.

    1977 O negro: de bom escravo a mau cidado?,Ed. Conquista-RJ.

    1977 Manequins corcundas (poesia), Ed. IlaPalma, S. Paulo-Palermo.

    1978 A sociologia posta em questo, Ed. CinciasHumanas-SP.

    1979 Sacco e Vanzetti o protesto brasileiro, Ed.Brasil-Debate-SP.

    1979 Dirio da guerrilha do Araguaia (apre-sentao), Ed. Alfa-mega-SP.

    1981 Os quilombos e a rebelio negra, Ed.Brasiliense-SP 8 edio, 1994.

    1983 Brasil: razes do protesto negro, Ed. Global-SP.

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    1984 A imprensa negra, Imprensa Oficial-SP.

    1987 Quilombos: resistncia ao escravismo, Ed.tica-SP 3 edio, 1993.

    1987 Histria de Joo da Silva (poesia), Ed.Corisco-PI.

    1987 Da insurgncia negra ao escravismo tardio(Separata de Estudos Econmicos) FEA/USP.

    1988 Sociologia do negro brasileiro, Ed. tica-SP.

    1989 Histria do negro brasileiro, Ed. tica-SP 2 edio, 1992.

    1990 As injustias de Clio o negro na historiografiabrasileira, Ed. Oficina de livros-MG.

    1994 Dialtica radical do Brasil negro, Ed. Anita-SP.

    1995 Flauta de argila (poesia), Ed. Mons.Chaves-PI.

    1997 Bahia de todos os homens, Ed. BDA-BA.

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    Captulo I

    Sociologia poltica da guerracamponesa de Canudos

    IntroduoCem anos depois da destruio de Canudos e

    a morte dos seus defensores, h a necessidade dese resgatar da penumbra em que esteve at hojeo seu significado poltico. Movimento social dosmais significativos, visto ainda ou atravs deuma manifestao de religiosidade popular, oucomo um simples episdio de misticismo no qualas populaes sertanejas expressaram os seussentimentos de fanatismo religioso. O mximoque se costuma destacar nele a manifestaode herosmo dos seus habitantes, os quais lutaramabnegadamente at o ltimo homem na defesade um falso direito na expresso de RuiBarbosa.

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    O seu contedo de protesto organizado nadireo de reordenar as relaes sociais no campo,expresso atravs de vus ideolgicos possveis ecompatveis com a poca e as circunstncias muitas vezes escamoteado e ressaltada a formamessinica atravs da qual ele se expressou. Noentanto, Canudos um dos movimentos sociaismais importantes da Amrica do Sul e culminouna maior guerra civil do Brasil, depois da Cabana-gem no Par e do Contestado em Santa Catarina-Paran. O seu contedo social e por isto tambmpoltico no tem sido devidamente avaliado. Aguerra liderada por Antnio Conselheiro o reflexoeloqente e ao mesmo tempo incompleto (pelosuporte ideolgico religioso em que se apoiou) dascontradies que existiam naquela poca e aindapersistem nas relaes sociais (no nvel das relaesde produo) do nosso setor agrrio. Eclodiu emplena zona agropecuria dos grandes latifndiosdo interior da Bahia e a violncia dos combatestravados entre os chamados fanticos e as tropas doExrcito bem reflete o grau de antagonismo a quehaviam chegado as relaes entre o latifndio e amassa camponesa explorada da poca...1.

    verdade, sabemos, que muita tinta j foi gastapara estudar-se esse movimento como sendo defanticos, messinico, religioso, mstico e mesmopr-poltico, mas nunca, ou quase nunca, comosendo um protesto radical da massa camponesa por

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    melhores condies sociais. Com isto, exclui-se omovimento de Canudos do nosso processoemergente de transformao social, de mudanasocial e de protesto social colocando-o, por isto,como atpico, marginal e divergente daquilo queseria a nossa evoluo histrico-social normal. Daprocurarem enquadrar o seu principal lder comopessoa extica, louca, delinqente ou dominadopor complexos patolgicos. E, por outro lado, amassa camponesa que o seguia como composta deignorantes, fanticos e possudos de fantasiasalucinatrias. Esses estudiosos destacam este ladoconstantemente, obscurecendo o estudo objetivodas causas pelas quais a massa camponesa seguiuo seu lder, organizou-se e depois pegou em armascom tanta obstinao, dando um exemplo deherosmo como encontramos poucos na histriacontempornea. Mas isto s ser corretamentecompreendido se atentarmos nos fatos objetivos,no comportamento social dos seus membros, nasua criatividade construtiva e no nos preconceitosideolgicos daqueles que o estudaram.

    Desmoralizado demais o vis racista queapontava Antnio Conselheiro como um mestio de fato, no seu registro de nascimento ele tidocomo pardo e, por isto, como um desequilibrado,com os desequilbrios que a mestiagem propor-ciona e os camponeses que o seguiam como sendopossudos de loucura coletiva, as cincias sociais

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    tradicionais ideologicamente subordinadas aesteretipos elitistas e preconceitos de classeprocuraram outros caminhos cientficos paraexplicar a excepcionalidade do movimento e osmotivos que determinaram no se poder coloc-locomo um captulo dos mais importantes da nossahistria social e poltica, mas como simples casode patologia social2.

    Surgem ento as explicaes messinica, pr-lgica, carismtica e finalmente pr-poltica domovimento. Criou-se um conceito de movimentosocial no qual somente seriam consideradospolticos aqueles que tivessem condies deelaborar um programa de ao e de governo deacordo com os postulados da Revoluo Francesae que desembocassem, como concluso, em umprojeto liberal. Fora desse caminho no haveriasalvao. Os demais seriam formas arcaicas demovimentos sociais, banditismo social, milena-rismo, mas todos fora dos padres normativos eideolgicos que dariam as razes para seremreconhecidos como polticos.

    Embora o conceito de movimento pr-polticotenha sido cunhado por um historiador grande-mente ligado ao pensamento marxista E. J.Hobsbawm acreditamos que ele eurocntrico,elitista e uma forma neoliberal de se analisar einterpretar a dinmica social. Se o aceitarmosseriam excludos como polticos todos os movimen-

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    tos do chamado Terceiro Mundo. A luta de Zapatae Pancho Villa no Mxico, a de Sandino, naNicargua, o movimento campons de Pugachov,na Rssia, todos os movimentos de libertao dafrica Negra como o kinbangista, incluindo-se osMau Mau e o de Lumumba. Todos seriamenglobados genericamente sob o ttulo demilenarismo, salvacionismo ou banditismo sociale com isto seria descartada a essncia dos mesmos,conservando-se apenas a sua casca exterior, a suaforma, sem, no entanto, decifrar-lhe o seu contedopoltico. Marx, no entanto, j nos advertia de quese a forma dos fenmenos fosse idntica ao seucontedo no haveria necessidade da cincia. Emrelao aos movimentos sociais dizia, por istomesmo que no haver jamais movimento polticoque no seja social ao mesmo tempo. No serseno numa ordem de coisas na qual no haja maisclasses, que as evolues sociais deixaro de serrevolues polticas3. Achamos, por estas razesque todos os movimentos que desejam mudanasocial so movimentos polticos apesar do fato dosseus agentes coletivos no terem total conscinciadisto. O que vale e determina o nvel deconscincia social de cada um e as propostassubseqentes para a mudana projetada. Mas todosse enquadram (com maior ou menor nvel deconscincia social) na proposta da transformaorevolucionria (ou no) da sociedade.

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    Ainda na direo de desmascarar o contedoideolgico e anti-cientfico do conceito de pr-poltico a professora Zilda Mrcia Gricoli Iokoiescreve com razo que ao enfrentar Canudos, oEstado atribuiu ao grupo de Antnio Conselheiroum carter poltico, sendo seus membros qualifi-cados de monarquistas e combatidos como sefossem os subversivos da Repblica. Euclides daCunha, jornalista do Estado de So Paulo, que apsacompanhar todo o movimento escreveria o clssi-co Os Sertes, desqualifica o grupo politicamente,afirmando que se tratava de um bando de miser-veis, famintos e infelizes, que precisavam dereformas sociais. Era a mea culpa de um intelectualliberal que percebeu que o projeto poltico liberal,no podendo absorver os conflitos sociais, preferiuo massacre.

    A produo acadmica sobre o conflito no diferente. Maria Isaura Pereira de Queiroz, em Omessianismo no Brasil e no mundo, qualifica o movi-mento como pr-poltico. Enfatiza a inexistncia deuma dimenso poltica, de um projeto, como se omovimento no estivesse agindo pela transformaoda sociedade. Considera que esses homens serebelaram e morreram como fanticos por nocompreenderem a realidade. A crendice, a igno-rncia e o fanatismo terminaram levando ao conflito.

    Em Canudos no existia efetivamente umaestrutura partidria que aglutinasse o movimento,

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    muito menos um projeto para o conjunto da nao.Mas tanto na teoria como na prtica criou-se umacomunidade de pessoas que elaboraram sua prpriadefinio para a educao, para a moral, para areligiosidade, para o trabalho, para a defesa etc. Oque se pode analisar so os limites da utopia, masno neg-la enquanto proposta poltica. A questoque se coloca por que os camponeses tiveramque ser liquidados. Era impossvel permitir aorganizao e a luta que ameaavam as instituiesburguesas em vrios nveis, e dessa forma elasprecisavam ser eliminadas4.

    Por outro lado, o conceito de messianismo temo defeito bsico de ser derivado do mtodotipolgico de inspirao weberiana que define osmovimentos sociais e culturais apenas pela formade que se revestem no nvel das idias (superes-truturas) e com isto explica tudo e no explica nada.Isto porque os movimentos que se apresentam daforma messinica podem ter vrias essncias e comisto significados sociais diferentes ou mesmoantagnicos. Souza Barros listou vinte e doismovimentos messinicos e pra-messinicosincluindo no mesmo plano (messinicos) o deCanudos e o de Juazeiro. Coloca, desta forma,como idnticos de contedo social o movimentode Antnio Conselheiro (Canudos) e o do PadreCcero (Juazeiro do Norte). No entanto, no seusentido sociolgico preciso os dois no podem ser

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    equiparados nem pela composio e essncia dosseus agentes sociais, nem pelas contradies queprocuravam resolver, nem pelas propostas de ao.O primeiro era composto de camponeses pobresque se auto-organizaram para uma vida comunitriaautnoma. O segundo tinha uma proposta decontrole social da massa camponesa atravs de umaliderana da classe mdia a servio das oligarquiaslocais5.

    As propostas sociais e polticas dos dois erampor isto antagnicas. Antnio Conselheiro, atravsda forma messinica de comportamento criou umacomunidade camponesa autnoma, enquanto opadre Ccero (tambm de forma messinica)inseriu os seus romeiros em uma ordem explo-radora, onde os nveis de explorao e nveis depoder continuaram intactos e as relaes deproduo da regio foram consolidadas. Estadiferena foi destacada inclusive por um observa-dor do assunto adepto do Padre Ccero que assima assinala: Que seria do serto se esse homem(Padre Ccero) que exercia irresistvel fascinaosobre as multides do Nordeste, em vez de orient-las para o Bem se convencesse do seu prpriomessianismo e assumisse atitudes agressivas deresistncia ordem e a Lei como AntnioConselheiro e Jos Maria no Contestado?6

    Como se pode concluir, o problema que ossepara que Antnio Conselheiro estava contra a

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    ordem latifundirio-oligarquica (embora sem plenaconscincia disto) e o Padre Ccero ordenava osseus adeptos a seguirem-na, condicionando-os obedincia dos seus valores e interesses. Da, oconceito de messianismo ter de ser acompanhadode uma anlise dialtica (estrutural) das relaessociais fundamentais (relaes de produo),descobrindo-se, assim, o projeto social que cadaum representa no processo de mudana social, ascausas que os determinaram e, em conseqncia,a direo que adquiriram no sentido de solucionaros problemas das classes exploradas e/ou excludasque deles participaram ou coloc-las sob o controledas classes exploradoras. A que o conceito demessianismo por s analisar a forma ambguoe insuficiente se no for acompanhado pela suaanlise dialtica. Se isto no for feito, ignora-se onexo causal que determinou a possibilidade doaparecimento desses movimentos, pois no foramanalisados os elementos concretos (estruturais) queos determinaram. Isto , a dinmica dos mesmosficou sendo apresentada atravs da aparncia. Vistaatravs de formas de pensamento abstratodesligado da sua base material, como epifenmenoe por isto mesmo historicamente inexplicvel.

    At que ponto e em que propores os seusagentes sociais tm percepo dos mecanismosdinamizadores da mudana j outro problema eexige um outro nvel de anlise terica. Hegel dizia

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    que a frica era um continente sem histria. Poriguais razes poderamos dizer que todos osmovimentos sociais do chamado Terceiro Mundono tm essncia poltica e por isto fogem a lgicada histria. Seriam movimentos que refletiriamapenas descontentamentos que surgem paraperturbar a harmonia da normalidade. Por outrolado, se assim pensarmos, todos os movimentosinsurrecionais dos servos durante a Idade Mdiacontra o feudalismo no teriam contedo polticoem conseqncia da sua forma de misticismoreligioso. No entanto, F. Engels escreveu que aoposio revolucionria contra o feudalismomanifesta-se atravs de toda a Idade Mdia.Segundo circunstncias aparece como misticismo,heresia aberta ou insurreio armada. No que serefere ao misticismo j se conhece at que pontoos reformadores do sculo XVI sofreram suainfluncia. Tambm Mnzer muito lhe deveu7.

    Como se pode ver, o conceito de polticatranscende em muito ao seu aspecto imediato eexplcito para abarcar as manifestaes maisinformais e imanentes da plebe rural a qual, mesmosem um conceito iluminista do que se podeentender por poltica, pratica-a no seu desejo demudana e de aperfeioamento das suas institui-es, embora sem uma viso conceitual elaboradae requintada. O que Engels afirma sobre osmovimentos camponeses da Idade Mdia pode ser

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    repetido em relao aos movimentos da plebecamponesa no Brasil.

    O que desejamos dizer, finalizando estasconsideraes introdutrias que o movimento deCanudos foi um movimento social e por istomesmo poltico e que somente se assim oanalisarmos e interpretarmos poderemos com-preend-lo cientificamente.

    A fundao do arraialQuando Antnio Conselheiro fundou o arraial

    de Canudos (Belo Monte), f-lo decidido a marcaruma nova etapa na luta que vinha liderando. Desde1874, quando pela primeira vez se tem notciassuas, nas provncias de Bahia e Sergipe at afundao do arraial em 1893 passaram-se pratica-mente vinte anos. Durante esse perodo operegrino foi preso, perseguido pelo clero e travouuma escaramua com a polcia. J havia portantoexperimentado a fora do Estado contra a suapessoa e seus seguidores e disto assimilara aexperincia. Havia, portanto, no seu pensamentoa inteno de fazer uma mudana nas estratgiasde sobrevivncia para si e para os seus adeptos.Durante esse grande perodo resolveu estabeleceruma base territorial para o movimento. Percorreupara isto os atuais estados de Alagoas, Sergipe,Pernambuco e Bahia at chegar regio deCanudos. Isto porque, segundo um dos seus

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    bigrafos, Abelardo Montenegro, ele previa novasperseguies, depois de haver desbaratado tropasda polcia em Masset, fato que o deixou marcadopelas autoridades polciais.

    A fazenda onde Antnio Conselheiro se instaloucom o seu povo era uma rea de grande extenso eque se achava abandonada desde 1891. Ficava numentroncamento das estradas de Geremoabo, Uau,Cambaio, Rosrio, Chorroch e Curral dos Bois.Para Mrio Maestri e Jos Rivair Macedo sualocalizao geogrfica era tpica do serto. Situadaa aproximadamente 270 quilmetros de distnciada capital do Estado, distanciado das plancies daregio costeira, o povoado era circundado porexcepcionais irregularidades do relevo, desta-cando-se grandes serras e montanhas, como a SerraGrande, a do Atansio, a de Cambaio, a deCoxomong, a de Calumbi e a de Aracati. Nasproximidades imediatas do arraial de Belo Monte,estava o Morro da Favela8.

    O local era dos mais favorveis para o incio daconstruo do arraial pois estava protegido porserras pedregosas em cujas vertentes se estendiamcaatingas. Para se chegar l escreve AbelardoMontenegro o caminhante teria de atravessaruma zona sem gua e sem recursos9. Como aindadiz o mesmo autor Antnio Conselheiro no seconsiderava mais o peregrino, o missionrio secular,o evangelizador que palmilhara o serto no

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    desempenho da misso divina. Julgava-se oConselheiro10.

    Instalou-se por isto em lugar bem segurocomo afirma Rui Fac, construindo celerementeo seu reduto defensivo que batizou de Belo Montee que depois ficaria celebre com o nome deCanudos.

    Havia cinco anos que fora abolida a escravaturanegra e quatro de proclamada a Repblica quandochegou a Canudos a gente do Conselheiro. Masaquelas mudanas na fisionomia poltica do Pas,imposta embora por certas modificaes naestrutura econmica, em nada melhoraram a sortedos trabalhadores e muito menos da grande massado campo submetida pelos senhores latifun-dirios, ainda explica Rui Fac11.

    Correndo a notcia da fundao do arraial, logopara l se dirigiram pessoas de vrios estados doNordeste como do Cear, Pernambuco, Alagoas,Minas Gerais e at de So Paulo, todos procurandoencontrar melhores perspectivas de vida. Grandemassa de camponeses pobres, remediados e mesmoelementos de outras profisses para l acorreram nansia de melhorar o futuro e, ao mesmo tempo emdecorrncia da fama de que j gozava AntnioConselheiro na regio. Em conseqncia, o arraialcresce rapidamente num ritmo febril que mais seacentua com a chegada incessante de novosperegrinos que se fixam no local. Diz neste sentido

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    Marco Antnio Villa que as casas so construdaspelos prprios sertanejos e, apesar das tentativas deAntnio Vilanova de organizar uma ocupaoplanejada do espao urbano, o que se v soconstrues que se espalham ao longo do Vaza-Barrise pelas encostas semelhana da maioria das cidadesbrasileiras da poca principalmente durante o ltimoano de vida da cidade, quando cresceu em ritmovertiginosos12.

    O interior dessas casas retratava a pobreza daeconomia da regio. Euclides da Cunha, possi-velmente depois de percorrer algumas durante osintervalos dos combates afirma: compreende-seque haja povos vivendo, ainda, felizes e rudes nasafrantuosidades fundas das rochas; que o caraiba,feroccssimo e aventureiro se agasalhe bem nastubanas de paredes feitas de sebes entrelaadas detrepadeiras agrestes e tetos de folhas de palmeirasou caucsios nas suas burkas cobertas de couro mas no se compreende a vida dentro dessas furnasescuras e sem ar, tendo por nica abertura, s vezes,a porta estreita da entrada e cobertos por um tetomacio e impenetrvel de argila sobre folhas deic. A moblia assim descrita por ele: um bancogrande e grosseiro (uma tbua sobre quatro psno torneados): dois ou trs banquinhos; redes decru; dois ou trs bas de cedro de trs palmossobre dois. E toda a moblia. No h camas; no hmesas, de modo geral13.

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    O arraial assim construdo tinha um centro co-mercial, uma escola e obviamente uma igreja, almdo templo novo que nunca foi terminado, servindode fortaleza defensiva na ltima fase da invaso.

    Como diz ainda Marco Antnio Villa, apesarda importncia econmica, como centro criador degado, e poltica, como um dos maiores ncleoscomerciais do interior, o poder pblico nunca seimportou por Canudos. O governo estadual nooficializou o municpio, no designou delegado,juiz e outras autoridades. A criao de uma escolafoi uma iniciativa da comunidade. A professoraMaria Francisca de Vasconcelos, de 26 anos, quetinha cursado a Escola Normal de Salvador, seestabelece em Canudos. Sua importncia socialpode ser medida pela, designao da rua em quemorava: a rua da professora14.

    Com o passar do tempo essas relaes comu-nitrias vo ficando mais complexas. H uma novadiviso de poderes internamente e AntnioConselheiro passa a exercer principalmente asfunes religiosas, embora a religio nesse contextodesempenhasse um papel poltico muito acen-tuado como bloco de poder. A gesto pblica passaa ser dividida, ficando nas mos de outros lderes:Joo Abade, Paje, Joaquim Macambira, AntnioVilanova e outros.

    Joo Abade ao que tudo indica, ficou res-ponsvel pela segurana do arraial, pois frei

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    Evangelista de Monte Marciano que esteve emCanudos em 1895 em uma santa misso deespionagem diz que ele era tratado pelos seushabitantes de chefe do povo e comandante do povo.Chefiava tambm a Guarda Catlica ou Com-panhia do Bom Jesus, organizao armada que eraresponsvel pela segurana de Antnio Conse-lheiro e por ordem no arraial. Jos Calasans informaneste sentido que ele j se tornara pessoa destacadado movimento antes da chegada a Canudos.Dirigira em maio de 1893 o primeiro choque dosjagunos com soldados da polcia baiana. Nascerano serto, vila de Tucano, Bahia. Descendia deboa famlia do P da Serra, informou Jos Aras, noseu livro Sangue de Irmos. Antnio Cerqueira Galo,em carta ao Baro de Geremoabo, chefe polticodo Nordeste baiano, garantiu que o chefe do povoera de Tucano. (...) Frei Joo Evangelista, no diada sua malograda Santa Misso em Canudos, viucom os prprios olhos a capacidade aliciadora dosertanejo de Tucano. Joo Abade, usando um apito,convocava gente canudense, fazendo e desfazendo,lanando contra os capuchinhos da Piedade opovo do Belo Monte. (...) Somente a morte iriaafast-lo da chefia indiscutvel dos fanatizadoshomens do Bom Jesus Conselheiro. (...) Foiatingido por um estilhao no patamar de uma dasigrejas, ao cruzar a praa na direo do Santurio,morada do Conselheiro15.

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    Quanto a Paje, o mesmo autor informa queera um eficiente chefe de guerrilhas. ManuelBencio consignou a seu respeito: Negro, ex-soldado de linha, enxotado e perseguido pelapolcia de Baixa Verde, em Pernambuco, porocasio do motim de Antnio Diretor, ondecometera diversos crimes. Jos Aras fala de suacondio de soldado, desertor, por crime, da polciade Pernambuco. Natural de Riacho do Navio, lugarchamado Paje, donde o apelido. (...) Soldado delinha ou de polcia. Paje teria alguma vivnciamilitar, aproveitada nas guerrilhas de Canudos.Pelo que se disse a seu respeito, o negro pernam-bucano era ardiloso, bom de tocaia. Conforme oreprter do Estado de So Paulo, Paje morrera emjulho notcia que se choca com outras informaesa respeito do seu fim. Percebe-se que viveu almdo citado ms. Em setembro, Lelis Piedadedeclarou que parecia sem fundamento a notcia desua morte16.

    Joaquim Macambira era mais administrador quesoldado. Para Jos Calasans ele desempenhoupapel saliente na comunidade por ser homem debem, um negociante acreditado, que mantinharelaes comerciais com os seus colegas daslocalidades prximas, amigo do coronel JooEvangelista Pereira de Melo, abastado proprietrioem Juazeiro, a quem encomendou o tabuado paraa igreja nova de Canudos, ponto de partida da

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    guerra sertaneja. Era o mais prestigioso dos adeptosde Antnio Conselheiro fora do arraial. Faleceudurante a guerra.

    Antnio Vilanova era um dos mais influentesmembros da comunidade. Na hierarquia vinha logoabaixo do Conselheiro. Negociante capaz, dirigiaa economia e a poltica. Resolvia pendncias locais,fazendo s vezes de juiz de paz.

    Se esta era a organizao poltica e adminis-trativa, do ponto de vista econmico-financeirohavia um sistema de circulao monetria eficientee plenamente satisfatrio aos objetivos dacomunidade. O dinheiro no circulava emCanudos, e o existente era mantido em um cofresob a responsabilidade de Antnio Vilanova que,para intercmbio interno, emitia um vale. Com opassar dos anos, esse vale era tambm aceito nascidades vizinhas, revelando no s a carncia domeio circulante como tambm sua importncialocal e para a regio circunvizinha. uma falciaafirmar que em Canudos s circulava dinheiromonrquico e que Antnio Conselheiro no tocavaem dinheiro republicano: ele no pegava emdinheiro de nenhuma espcie17.

    Atravs dessa dinmica demogrfica e organi-zao scio-poltica, Canudos de simples fazendaque fora constitua agora um arraial. Havia crescidotambm o seu espao fsico graas a invaso deterras vizinhas abandonadas. Transformara-se em

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    ativo centro de comrcio. Os comerciantes deMonte Santo e Cumbe, Uau e outras localidadesvizinhas, segundo informaes de HonrioVilanova tinham inveja de Canudos, porque oscomerciantes do arraial no pagavam impostos eprosperavam. Ainda Abelardo Montenegro afirmaque havia gado para o aougue. Os paiiscontinham provises. As roas estavam plantadas.Enquanto isto a influncia de Antnio Conselheirose estendia pelos sertes, aumentando, por isso, otemor dos fazendeiros e das autoridades18.

    Mas, a carne que estava no aougue tinha umaprocedncia: decorria de uma atividade pecuriaintensa e da racionalizao de sua distribuio.Alm da carne para a alimentao dos seushabitantes, criou-se uma indstria de couro quedava para ser largamente exportada. Os curtumeslocalizavam-se s margens do rio Vaza-Barris, aolado das roas de legumes, cana-de-acar, batata,feijo, mandioca, melancia que eram cultivadas nasterras que os sertanejos recebiam de AntnioVilanova quando chegavam ao arraial. Haviatambm atividade metalrgica fabricando-se noarraial machados, facas, foices para serem usadasnas atividades agrcolas e possivelmente militares.Fabricavam tambm a plvora com o salitre local,o enxofre prximo do So Francisco e relati-vamente prximo a Canudos e a galena argentferado Assuru.

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    Desenvolvia-se, assim, uma economia comu-nitria e alternativa auto-suficiente bem superiornas suas relaes sociais e na distribuio da suaproduo aquela latifundiria baseada na explo-rao camponesa do resto da regio. Da o dio e otemor dos fazendeiros e das autoridades ao seucrescimento e ao nome do seu lder AntnioConselheiro.

    Para o latifndio Canudos era um exemplodesafiador e perigoso.

    Prepara-se a defesaPara garantir a integridade territorial do arraial e

    manter a organizao interna de Canudos, foramcriados mecanismos administrativos e militares.Antes das invases das tropas republicanas, a suamais importante organizao militar era incontes-tavelmente a Guarda Catlica, comandada por JooAbade, composta de setecentos ou mil homens. Era,um corpo remunerado, mantido pelo prprio Conse-lheiro com recursos angariados entre os fiis. Essaguarda tambm era conhecida por Companhia doBom Jesus e foi criada com fins defensivos pois,segundo o prprio frei Marciano ao interpelar oConselheiro porque tanta gente armada em Canu-dos, ele lhe respondeu: para a minha defesa quetenho comigo esses homens armados, porque V.revma. h de saber que a polcia atacou-me no lugarchamado Masset, onde houve mortos de um e do

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    outro lado. Esses membros da Companhia do BomJesus, segundo o mesmo frei Marciano era compostade mil homens e se vestiam de camisa, cala e blusaazulo, gorro azul cabea, alpercatas aos ps19.

    Durante a paz esse efetivo militar permaneciano arraial. Com o incio das hostilidades, houvenecessidade de se distribuir esses comandados deJoo Abade para as misses de vanguarda em Uau,Serra do Cambaio, Cocorob, Umburanas e outraslocalidades ou pontos avanados mveis. Piquetesforam colocados em pontos estratgicos e entre-gues a chefia de lutadores corajosos, alguns comexperincia da luta armada, de guerrilhas. Ficaramconhecidos como comandantes de piquetes, tendoEuclides da Cunha recolhido alguns dos seusnomes e postos avanados.

    Esses piquetes eram compostos de, em mdia,vinte homens. Para Cocorob e caminho de Uauforam designados os irmos Mota (ou Mata), sendoque Joo, caboclo moo, movimentou-se nessesdois pontos e Chiquinho de Maria Antnia pareceter andado tambm em Canabrava. O negroEstevo, com fama de malvado segundo JosCalasans, tomou conta da estrada do Cambaio,onde se distinguira anteriormente, por ocasio daexpedio Febrnio de Brito e o guerrilheiro JooGrande, chefe de caboclos de Rodelas. Gozava afama de bom jogador de faco, morreu des-pedaado por uma granada20.

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    Aps a segunda expedio, no entanto, a lutase transformou em guerra de todo o povo, no sedistinguindo mais os seus habitantes em ativos epassivos. Todos dela participavam, dependendodas circunstncias. Neste nvel de participaovamos encontrar at velhos, mulheres e crianas.Canudos transformou-se em uma imensa fortaleza.As mulheres deram exemplo de combatividade,abnegao e herosmo. A maioria preferia a mortea deixar-se aprisionar, e mesmo quando prisioneirasadquiriam uma atitude de altivez to desafiadoraque terminavam sendo degoladas sumariamentepelos soldados do Exrcito.

    Macedo Soares escreve neste sentido que asmulheres uivavam de clera, animando os maridose irmos, limpando as armas e preparando-lhes aparca refeio. Como diz ainda o mesmo autor,todos entre eles que podiam empunhar uma armacombatiam. At os meninos auxiliavam-nos21.

    A trajetria do arraial foi pontuada por duasetapas significativas. A primeira foi a da suafundao, construo e desenvolvimento, quandose criou o espao urbano no qual a sua populaoestabeleceu-se, produziu e elaborou uma comu-nidade apropriada a vencer as vicissitudes do meioe manter a harmonia social entre os seus membros;a segunda foi a de se preparar para o pior,estabelecer a sua estratgia de resistncia eorganizar-se para a luta em defesa do patrimnio

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    construdo cultural e socialmente. O eplogo foi asua destruio total depois de resistir heroicamentea trs expedies enviadas contra o arraial.

    Guerra nacional: Canudos ameaa a PtriaDiante do fracasso da terceira expedio, os

    brios do Exrcito so desafiados e inicia-se umaverdadeira mobilizao militar, poltica, cultural eideolgica contra os canudenses. como seestivssemos em guerra com uma grande potnciainimiga. A recm-fundada Repblica sentia-seabalada nos seus alicerces e o seu maior inimigo,aquele que mais ameaas apresentava a suaestabilidade eram os camponeses de Canudos.

    A montagem desse perigo habilmente adminis-trada por todos aqueles que tiravam partido com aescolha de um bode expiatrio para o qual todas ascontradies e desajustes da Repblica seriamdirigidas. At auxlio de foras estrangeiras foramdescobrir ajudando impatrioticamente os conse-lheiristas naquilo que caracterizaria em uma traio ptria.

    De fato, o que acontecera era incompreensvelpara a mentalidade do Poder da poca. Oscamponeses de Canudos haviam derrotado tropascomandadas a princpio por um tenente, depoispor um major e finalmente por um coronelreputado como representativo da elite do ExrcitoNacional. Com a derrota e morte de Moreira Cesar

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    houve uma sndrome do medo a qual se exteriorizouno discurso restaurador: Canudos nada mais era doque um foco de monarquistas que desejavam fazervoltar o antigo regime. A Repblica recm-proclamada estava sendo desafiada. E as vitriasmilitares dos canudenses punham-na em perigo.Urgia, portanto, uma resposta altura. Com estediscurso, todas as possveis restries guerra deCanudos foram psicologicamente neutralizadas ea opinio pblica se uniu diante de um objetivoinadivel: liquidar-se a sua populao e o seu lderde forma que o exemplo servisse para todosaqueles que desejassem desestabilizar a Repblica.Um verdadeiro delrio de patriotice tomou contadas classes dominantes, elites de poder, classemdia, intelectualidade, polticos, militares,imprensa e oportunistas de toda laia. O objetivonacional e imediato era destruir o reduto deAntnio Conselheiro. Um monarquista. Gentil deCastro, foi brutalmente assassinado no Rio deJaneiro. Jornais monarquistas foram empastelados.Vivia-se o dia do resgate da honra nacional. Umfantasma percorria a ptria: os monarquistasrestauradores de Canudos. As nossas armasesto cobertas de crepe, dizia o ministro da Guerrae o jornal O Pas notciava diariamente osacontecimentos sob um ttulo denunciador: ACatstrofe. E, de fato, a expedio Moreira Cesarfora exatamente isso.

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    Os guerrilheiros de Canudos no apenasderrotaram os soldados da poderosa expediomilitar, mas, tambm abateram seu comandante eos melhores oficiais que a compunham, inclusiveo coronel Tamarindo que o substitura. Como dizRui Fac com propriedade o aniquilamentocompleto da fora militar to numerosa para apoca e para as circunstncias, a perda de todas asarmas e munies, agora em poder dos camponesessublevados, criou uma situao de pnico entre asclasses dominantes do Brasil inteiro22.

    A luta final inicia-se com os conselheiristas jmuito mais bem armadas em face da apreensodas armas e munies das outras expedies,especialmente da comandada por Moreira Cesar.Aprenderam tambm a conviver com a violncia.Era uma guerra cujas armas e estratgia no foramescolhidas por eles. Pelo contrrio. Os invasoresforam aqueles que determinaram as normas deconduta no conflito. E eles ensinaram que setratava de uma guerra de extermnio e no haviacomiserao com o inimigo. Os militares tinhamcomo norma a degola e o suplcio dos prisioneiros.A gravata vermelha no perdoava nem asmulheres e crianas. Os camponeses somenteentraram nela para defender as suas terras e as suasfamlias atacadas. Os assaltantes justificavam aviolncia apenas pelo poder, pela posse e manu-teno dos seus privilgios, os privilgios das

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    oligarquias que representavam e no dio a tudoaquilo que significasse a legitimao dos direitosdos camponeses. Os canudenses aprenderam alio. Isto ir explicar as grandes baixas nas fileirasdo Exrcito. Basta dizer que a 4 expedio aochegar a Favela tinha perdido 1.200 homens numtotal de 4.300. No combate de 18 de julho, que asarmas legais consideraram uma vitria, dos 3.500soldados e oficiais lanados ao ataque, mais de milforam postos fora de combate e o nmero deoficiais mortos e feridos deixara muitas unidadessem comando. Nesse mesmo dia batalhes de 400soldados e oficiais ficaram reduzidos a 300 e at metade. Um batalho teve seis oficiais mortos equatro feridos. A ala da cavalaria foi desbaratada enesse mesmo dia ficaram fora de combate 67oficiais sendo 27 mortos.

    Nessa altura da guerra a violncia do oprimidoe agredido contraps-se a violncia do agressor eos camponeses passaram a no fazer mais prisio-neiros, mesmo porque no havia mais condiespara aliment-los e aloj-los. Eram por istoexecutados. E no podia ser de outra forma. Oscanudenses lutavam contra tropas infinitamentesuperiores. A primeira expedio era composta de100 soldados, a segunda de 600, a terceira de 1.200e a quarta de cerca de 10 a 12 mil soldados.Venceram as trs primeiras e s foram derrotadospela ltima, depois de infringir enormes baixas ao

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    inimigo. Canudos demonstrou com o seu herosmoe sacrifcio como os camponeses brasileirosestavam cientes de que no haveria terceira posionaquela guerra. Ou sairiam vencedores ou seriamdefinitivamente destrudos.

    Derrota camponesa e terrorismo republicanoOs grandes proprietrios de terras e as estruturas

    de poder que os representavam saram vitoriosos.E com eles os liberais que deram o golpe de estadorepublicano inspirados nos postulados da Revolu-o Francesa embora conservassem a mesmaestrutura de poder e plos de dominao dasociedade escravista. O liberalismo republicano,num pacto com as oligarquias latifundiriasdestruram at o ltimo homem os habitantes deCanudos que ousaram pr em execuo um projetode sociedade igualitria e de comunitarismorstico, mas capaz de satisfazer os seus desejos enecessidades23.

    A vitria sobre Canudos representou a vitriadas foras mais arcaicas da sociedade brasileira quese diziam representantes do progresso e damodernidade. Canudos para elas seria o atraso, ofanatismo, a loucura e o antigo. Inverteram ostermos da realidade. E comemoraram o massacrecomo se ele tivesse sido uma festa cvica na qualtodos os valores de liberdade, igualdade efraternidade estivessem representados. Apenas

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    algumas vozes isoladas de estudantes se fizeramouvir denunciando o crime, verdadeiro genocdiopraticado contra os habitantes de Canudos. Mas, aopinio pblica manipulada via-a como um feitopatritico do nosso glorioso Exrcito. Para os seusautores o fundamental era a preservao da ordemoligarquico-latifundiria (capitalista) que substi-tura os privilgios senhoriais da ordem escravista.

    Neste episdio, como podemos ver sem muitoesforo, o racional e o moderno sociologicamente(no sentido de projetar um tipo de sociedade quesatisfizesse as necessidades dos seus membros)estava com os canudenses e a irracionalidade e oatraso estavam com os membros de uma sociedadeque embora tecnologicamente mais avanadadesenvolvia um modelo (sociedade capitalista) noqual os nveis de explorao do trabalho eram cadavez mais violentos e alienados. A tecnologia, nestecaso, servia para desenvolver uma sociedadebaseada na explorao e em Canudos, mesmo como atraso tecnolgico que existia, a produo erasuficiente para suprir os seus habitantes donecessrio e ainda comerciar excedentes, porquea distribuio era feita de forma comunitria. Estaera a contradio entre as duas sociedades que sedefrontaram: de um lado Canudos que desenvolviaum tipo de sociedade comunitria e solidria,embora as suas foras produtivas fossem aindarudimentares e a outra tecnologicamente muito

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    mais evoluda, mas cujo modelo era a exploraodo trabalho da maioria dos seus membros peloslatifundirios. Essa inverso de valores que nofoi ainda analisada devidamente. Da ter-sedificuldades em apresentar a guerra civil deCanudos como poltica. Descartar de Canudos oseu contedo social e poltico esvazi-lo daquiloque ele tem de mais importante e o motivo quejustifica a sua permanncia na histria. Canudosconseguiu, atravs de uma ordenao poltica dasua produo equilibrar as contradies quepoderiam existir na distribuio da sua rendainterna. Com isto, os seus membros encontravam-se alocados em um universo no qual as suasnecessidades materiais e espirituais eram satisfeitase os plos de diferenas entre os seus membros(indivduos e grupos) eram muito pequenos e nochegavam a alterar o equilbrio social.

    Da essa unidade de comportamento social dosseus membros quando ela foi atacada. Emboraenvolta em anteparos ideolgicos msticos, o queeles defendiam era a comunidade que funcionavacomo um universo coletivo porque dava pratica-mente a todos os seus membros o direito s fontesde participao econmica e social.

    Surge da o conceito de falso direito atribudopor Rui Barbosa aos cidados de Canudos. Etambm a forma lamentativa usada para chorarema morte dos seus habitantes, mas sempre ressal-

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    vando o erro fundamental de terem se deixadoiludir por um pregador no mnimo alucinado.Acham que o remdio era necessrio, mas a dosepode ter sido excessiva... No analisam o seuherosmo como conseqncia da convico doscanudenses de que a outra sociedade aquela quese contrapunha deles era uma sociedadeexploradora e por isto queria implantar atravs dasarmas os seus padres de explorao. Sabiam,tambm, que o exemplo de Canudos devia serextinto para que no se propagasse na regio,criando centenas de comunidades alternativascomo a do Conselheiro, contrapondo-se ordemlatifundiria, exploradora do trabalho campons eatravs dessa convico (possivelmente apenasintuda muitas vezes) resistiram at o ltimohomem.

    Mas, para os republicanos o fundamental era apreservao da ordem latifundiria-oligrquica. RuiBarbosa chegou a redigir um discurso denunciandoa selvageria da represso comandada pelo Exrcitoe ordenada pelos polticos do Poder. Dizia ele:Canudos arasou-se; mas no no arrasamento deCanudos que se acha o melhor proveito moral.Suprimistes uma colnia de miserveis. Mas notocastes na misria que o produziu. A misria aignorncia, o estado rudimentrio, o abandonomoral dessas populaes, sem escolas, sem culturacrist, sem vias frreas, sem comrcio com o mundo

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    civilizado. Os jagunos so as vtimas da situaoembrionria de uma sociedade enquistada aindana rusticidade colonial. A lio no est na exibioatroz de uma cabea cortada ao corpo exumado deum ncleo de homens decididos a se matarem pelaviso de um falso direito, espetculo oriental, queos nossos sentimentos repelem e que nem opretexto da curiosidade cientfica absolve. (...)Supunha-se que esta nao s se compusesse dapopulao hbrida, invertebrada das cidades; maso deserto revoltado nos fez sentir na medula doleo a substncia de que se fazem os povos viris.Mais ainda outra coisa se viu: para debelar umarraial, defendido pelo frenesi de um ncleodecidido a se matarem pela viso de um falsodireito, foi mister um exrcito. Calculem agoraquantos exrcitos no seriam necessrios semearneste pais, para lhe impor o cativeiro, imaginemse h reaes militares, que no desapaream aosopro do direito popular, quando a nao levantada,tiver conscincia, a vontade e a coragem de suasoberania24.

    Estas palavras que Rui Barbosa iria pronunciarno Senado ficaram no fundo da gaveta do sagazpoltico baiano. As razes que o levaram a silenciarno foram reveladas, mas de se presumir que,ponderando melhor, resolve aderir avalanchedaqueles que viram no genocdio mais um feitobrilhante das armas da Repblica25.

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    O significado de CanudosCanudos no foi apenas uma utopia camponesa,

    mas, pelo contrrio, uma experincia camponesabem sucedida, cuja evoluo posterior nopodemos avaliar, mas indicar que ia na direo deuma comunidade igualitria, sem nveis deexplorao capazes de transform-la em umaunidade de exploradores e explorados, isto ,organizar-se pelo modelo capitalista. A suaestrutura interna, a diviso do trabalho entre asdiversas camadas que a compunham estavam ademonstrar um tipo de evoluo no-capitalista nasua trajetria. Se isto iria continuar por muitotempo, somente sua trajetria posterior poderiadizer. Mas a sua evoluo foi brutalmente fraturadapela violncia e essa experincia social e polticatransformou-se em tragdia26.

    Havia tambm a possibilidade da experinciade Canudos servir de modelo a outras comunidadescamponesas que estavam se formando e comoresultado termos um conjunto de comunas campo-nesas que poderiam influir, j naquele tempo, nasoluo da questo agrria no Brasil, at hoje emdiscusso e sem soluo. O Movimento dos SemTerra ressurge atualmente, evidentemente deforma diferenciada e muito mais elaborada, inician-do a formao de um conjunto de unidades campo-nesas autnomas atravs das ocupaes, mas que seconstituiro em uma unidade maior capaz de

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    neutralizar ou fazer desaparecer o latifndio atravsde uma reforma agrria auto-sustentada peloprprio Movimento Sem Terra.

    Mas, tudo isto so conjecturas. Nem podemosdizer com segurana se era possvel, na poca deCanudos, surgirem outras comunidades campo-nesas vitoriosas, nem que o Movimento dos SemTerra teria ligaes histricas com a experinciacanudense, assim como com o movimento dasLigas Camponesas de Francisco Julio ou com omovimento Territrio Livre de Formoso de JosPorfrio. Mas, eles demonstram que o movimentocampons no cria apenas utopias agrrias, mas,nas condies brasileiras, encaminham o problemada terra na direo da sua soluo.

    O certo porm e agora falamos no nvel dosfatos a guerra civil de Canudos e a violncia brutalda elite governamental e do seu segmento militarveio pr a nu o contedo da nova ordem repu-blicana que se instaurara no pas. Aos gritos doliberalismo mais exacerbado, os polticos republi-canos fizeram um pacto com a antiga classesenhorial escravista, conservando-lhe o poder e osinstrumentos de dominao. A estrutura agrria,ainda uma herana sesmarial da Colnia, mostroucomo ainda funcionava com os seus mecanismosde represso intactos.

    Atualmente o fenmeno se repete, embora emnvel mais sofisticado e modernizado como prova

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    de que praticamente nada ou quase nada mudou.Nossa histria tem trs momentos que simbo-

    lizam os movimentos de ruptura radical com osistema de dominao e conseguiu abalar a suaestrutura: Palmares, no Brasil colnia; a Cabana-gem, no Brasil Imprio e Canudos na Repblica.Esses trs momentos nos quais os escravosinicialmente e depois a plebe rebelde passaram aser agentes sociais dinmicos, mostra comosomente atravs desse radicalismo o Brasil poderreformular os plos de poder e articular politica-mente um novo ordenamento social no qual osoprimidos e excludos podero ser os atoresdinmicos da Histria.

    Notas

    1 A situao econmica e social da poca e do local e assim descritapor dois historiadores: Em meados do sculo XIX, menos de5% da populao rural possua terras. Paralelamente ao processode crise do sistema escravista, diversas leis procuraram regularas formas de acesso propriedade, proibindo a distribuiogratuita de terras s comunidades necessitadas, restringindo aspossibilidades de aquisio pelas camadas pobres e facilitandoa concentrao fundiria das oligarquias locais. Em 1895, ogoverno baiano promulgou a Lei n 286. Ela estabelecia comodevolutas as terras que no tinham uso pblico, as de domnioparticular sem ttulo legitimo, as posses que no se fundassemem documentos legtimos e os terrenos de aldeias indgenasextintas por lei ou pelo abandono dos seus habitantes. Doisanos depois a Lei n 198, de 21 de agosto de 1897, declaravaterras devolutas as que no tivessem ttulo legal e as que nofossem legalizadas em tempo hbil. Ambas as leis fragilizavam

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    a situao dos ocupantes pobres de terras familiares no-comprovadas por documentos que ficavam sujeitos a perd-lasa qualquer momento, mediante a presso dos grandesfazendeiros. Ao mesmo tempo, foravam os posseiros apermanecer atrelados e dependentes aos personagenspoliticamente influentes. Nesse contexto geral o arraial de BeloMonte transformou-se em uma espcie de terra prometida, margem dos males da terra, para os adeptos e simpatizantes dolder religioso. Macedo, Jos Rivair e Maestri, Mrio: BeloMonte - uma histria da guerra de Canudos. Ed. Moderna SP,1997, pgs. 47/48.

    2 Sobre a explicao patolgica do movimento de Canudos ver:Rodrigues, Nina: As coletividades anormais, captulo sobre aloucura epidmica de Canudos, Ed. Civilizao brasileira, SP,1936, pgs. 50ss. Ver ainda no mesmo sentido: Cesar, Osrio:Misticismo y locura. Ed. Parternon, B. Aires, 1945,especialmente captulo IV, Fanatismo y psicopatia, pgs. 133sse Oliveira, Xavier de: Espiritismo e loucura, Ed. A. CoelhoBranco, RJ, 1931, especialmente pgs. 25ss. Na mesma direopoderemos incluir Euclides da Cunha em Os Sertes, cujopensamento no particular todo inspirado nas concluses deNina Rodrigues.

    3 Marx, K.: Misria da filosofia, Ed. Flama, SP, 1946, pgs. 156/57.

    4 Ioko, Zilda Mrcia Gricoli: Lutas sociais na Amrica Latina -Argentina - Brasil Chile. Ed. Mercado Aberto, Porto Alegre,1989, pgs. 68/69. Como vimos o conceito de movimento pr-poltico leva a que esses momentos em que a plebe se organizasejam criminalizados e com isto a sua destruio seja apenasuma conseqncia das desordens por eles produzidas e orestabelecimento da Lei seja aplicado contra o banditismo social.A desqualificao do movimento de Antnio Conselheiro depoltico permitiu que os seus agentes fossem violentamentemassacrados como jagunos e fanticos e com isto fosserestabelecida a normalidade social. A represso polcial e aviolncia ficaram plenamente justificadas. Essa tendncia dasclasses dominantes uma constante da poltica de represso sreivindicaes camponesas. Quando a lder dos Sem TerraDeolinda Alves foi presa, acusada, entre outras coisas deformadora de quadrilha recolhida como presa comum aopresdio do Carandiru em So Paulo sem nenhum dos benefcios

  • a que os presos polticos tm direito. Foi presa como criminosacomum e com isto o governo brasileiro continua dizendo queno Brasil no h presos polticos. Essa criminalizao dosmovimentos sociais e por isto polticos dos camponeses, comovemos, passa pelo massacre de Canudos e se estende at osnossos dias com as prises e mortes dos membros do MovimentoSem Terra.

    5 Souza Barros: Messianismo e movimento de massa no Brasil,Ed. Civilizao Brasileira, RJ, 1986, pg. 83.

    6 Carvalho, Afonso de: Carta a Reis Vidal apud Vidal, Reis: PadreCcero, RJ, s/e. 1936. pg. 13. Sobre a caracterizao social dosdois movimentos e suas diferenas estruturais e ideolgicas.Marco Antnio Villa assim os analisa: Apesar de padre Cceroestar em conflito com a Igreja, o mesmo no ocorria em relaoao Estado e classe dominante da regio. Quando se retirou deJuazeiro rumo a Salgueiro, em Pernambuco, foi expedidomandado de priso contra ele pois o governo federal supunhaque estava aliado a Antnio Conselheiro - foi logo sustado pelainterferncia de vrios juzes de direito e delegados de polciada regio, que enviaram telegramas ao governador dePernambuco notificando ser infundado o boato de que haviaalguma ligao entre o lder de Juazeiro e os conselheiristas.Em telegrama, o juiz de direito de Salgueiro considerou serabsolutamente falsa notcia padre Ccero deixar Juazeiro doCrato, procurando Canudos para prestar auxlio Antnioconselheiro (... ) Posso garantir ser ele virtuoso sacerdote,completamente hostil movimento sedicioso Canudos incapazde tentar contra a ordem pblica.( ... ) O lder de Juazeiro, aocontrrio do fundador de Belo Monte, sempre procurou estarassociado s oligarquias da regio. Foi prefeito de Juazeiro, vice-presidente do Estado do Cear e deputado federal. (Villa,Marco Antnio: Canudos, o povo da terra, Ed. tica, SP, 1995,pg. 181.

    7 Engels, F.: As guerras camponesas na Alemanha. Ed. Vitria,RJ, 1946, pg. 38. No mesmo sentido escreve Eric Wolf: Osmovimentos simples de protesto entre os camponesesfreqentemente se centralizam no mito de uma ordem socialmais justa e igualitria do que no presente que ora hierarquizado. Esses mitos voltam-se para o passado, para arecriao de uma idade de ouro de justia, igualdade, ou nofuturo ao estabelecimento de uma nova ordem na terra, uma

  • mudana completa e revolucionria das condies existentes.Esses desejos animaram os movimentos revolucionriosquiliastas na Europa depois do sculo XIX, o crescimento dosanarquistas espanhis no sculo XIX, a rebelio Taiping namesma poca e assim dor diante. Muitas vezes as expectativasde reordenamento radical da sociedade podem mobilizar ocampesinato por algum tempo e levar a uma jacquerie tpica ouderramamento de sangue. Wolf, Eric: Sociedades camponesas,Ed Zahar, RJ, 1970, pg. 142

    8 Macedo, Jos Rivair e Maestri, Mrio: Op. Cit. pg. 44.9 Montenegro, Abelardo: Fanticos e cangaceiros, Ed. Enriqueta

    Lisboa, Fortaleza, 1973, pgs. 107ss.10 Montenegro, Abelardo: Op. Cit.11 Fac, Rui: Cangaceiros e fanticos, Ed. Civilizao Brasileira,

    RJ, 1963, pg. 77.12 Villa, Marco Antnio: Canudos - o campo em chamas, Ed.

    Brasiliense, SP, 1992, pg. 32.13 Cunha, Euclides da: Canudos - dirio de uma expedio. Ed.

    Jos Olmpio, RJ, 1939, pgs. 100ss. - Temos nossas dvidasquanto a Euclides da Cunha ter visto uma dessas casas pordentro, pois ele esteve poucas vezes no interior de Canudos.Mas, de qualquer maneira a descrio impressionista dasresidncias camponesas da regio. Sobre o autor de Os Sertese o seu comportamento durante a campanha ver: Villa, MarcoAntnio: Canudos, o povo da terra, Ed. tica, SP, 1995, Especial-mente o apndice - Euclides da Cunha e Canudos, pgs. 246ss.Ver tambm: Moura, Clvis: Introduo ao pensamento deEuclides da Cunha, Ed. Civilizao Brasileira, RJ, 1964, passim

    14 Villa, Marco Antnio: Op. Cit. pg. 33 - Antes desta escolaexistiram pelo menos duas. Uma dirigida por Joo Gomes dosReis. Ela foi fechada devido ao alcoolismo do seu professor,expulso da comunidade. Outra, regida por um homem chamadoMoreira. Jos Calasans escreve sobre a ltima professora: Teriasido substitudo (Moreira) por uma moa que morava na baixadado Belo Monte, por detrs do cemitrio, na rua chamada, porsua causa da professora. Manuel Bencio registrou seu nome,Maria Francisca de Vasconcelos, morena arisca, com 23 anos deidade, cursara a Escola Normal da Bahia, onde adquirirainstruo. A famlia impedira seu casamento com um moo deorigem plebia. Fugiram os dois do Soure e foram viver na

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    cidadela do Bom Jesus Conselheiro. Calasans, Jos: Quasebiografias de jagunos, publicao da Universidade Federal daBahia, Salvador, 1986, pg. 74.

    15 Calasans, Jos: Quase biografias de jagunos. Publicao daUniversidade Federal da Bahia, Salvador, 1986, pg. 38.

    16 Villa, Marco Antnio. Op. Cit.17 Montenegro, Abelardo. Op. Cit.18 Monte Marciano, Frei Evangelista de: - Relatrio apresentado

    ao Arcebispado da Bahia sobre Antnio Conselheiro e seusquito no Arraial de Canudos - 1895 - Edio facsimilar.Publicao da Universidade Federal da Bahia, 1987, pgs. 4ss

    19 Calasans, Jos. Op. Cit.20 Macedo Soares citado por Fac, Rui: Cangaceiros e fanticos,

    pg. 109.21 Fac, Rui. Op. Cit.22 No sentido de demonstrar como a dinmica da comunidade de

    Canudos funcionava articulada em todos os seus nveis -econmico, social, poltico e ideolgico (religioso) - objetivandoestabelecer a harmonia entre as necessidades dos seushabitantes e a produo da comunidade, escreve Maria Sylviade Carvalho Franco: O arraial de Belo Monte cresce comocentro comercial, artesanal e agrcola. Define-se uma hierarquiapoltica interna ao grupo e determina-se uma estratificao,baseada na riqueza e no prestgio. Desenvolvem-se controlessociais com razes religiosas, mas com a funo de fortalecer avida familiar e poltica. Estas indicaes so suficientes parademonstrar o quanto esse movimento messinico correspondiapraticamente as necessidades da existncia. Pode-se afirmar queem Canudos as prticas religiosas de negao do mundo,conscientemente observadas pelos fiis como meio de salvao,tiveram na verdade a funo de introduzir em suas existncias,uma incipiente racionalidade. O comunismo de Canudosconsistiu numa tcnica para regularizar o provimento dos meiosde vida no povoado. (...) Esse movimento religioso, longe depoder ser interpretado como regresso e fanatismo, expressa,antes, a organizao transitria da populao rural justamentecom base no modelo oferecido pela civilizao que sempreexistiu paralelamente a ela. Nessa linha torna-se tambminteligvel a inteno de preservar o Paraso Terrestre e dedefend-lo das ameaas exteriores. As virtudes ordenadas pelo

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    Messias e praticadas pelos fiis assumem carter coletivo,correspondendo necessidade de exaltao de todos eencobrindo a necessidade de redeno material. Compreende-se assim a agressividade de Canudos, a guerra contra a sociedademais ampla, que lhe era adversa. Franco, Maria Sylvia deCarvalho: Homens livres na ordem escravocrata, Ed. Kairs (39Ed.) 1983, pg. 105, nota.

    23 Barbosa, Rui: Obras completas, vol. XIV, RJ, 1952, pgs. 299/304.

    24 Sobre as razes que silenciaram Rui Barbosa o historiador MarcoAntnio Villa assim as explica: Vale destacar que no exeqvel incluir entre os denunciadores do massacre o senadorRui Barbosa, que teria escrito um discurso, no lido,solidarizando-se com os prisioneiros. Conhecido pelo gosto daoratria e pelos longos discursos, no perderia uma ocasio comoesta. Certamente no leu o discurso porque j tinha manifestadopublicamente a sua posio sobre Canudos, considerando-o umacinte monstruoso dos aluvies morais do serto; AntnioConselheiro no passava de um louco; e seus partidrios umahorda de bandidos. Villa, Marco Antnio: Canudos, o povo daterra. Ed. tica, SP, 1995, pg. 213.

    25 Na direo de demonstrar as possibilidades da comunacamponesa (como foi o caso de Canudos) ter possibilidades dese afirmar politicamente como algo alm da utopia, escreveOctvio Ianni: Em geral, no entanto, o movimento socialcampons se torna um ingrediente bsico, freqentementedecisivo da revoluo. O carter das suas reivindicaeseconmicas, polticas, culturais, religiosas ou outras implica noquestionamento da ordem social vigente. No se interessa pelodilema povo sem histria ou povo histrico. Pouco seempenha na controvrsia sobre movimento social ou partidopoltico. A sua prtica social como um todo, compreendendo aluta pela preservao, conquista ou reconquista das suascondies de vida e trabalho, acaba por tornar-se umcomponente das lutas sociais que se desenvolvem no mbitoda sociedade como um todo. (...) De fato, o movimento socialcampons no se prope conquistar o poder estatal, aorganizao da sociedade nacional, a hegemonia camponesa.Essas talvez sejam as tarefas do partido poltico. Pode ser a tarefada classe operria, associada a outras categorias sociais, inclusiveo campesinato. Mas isso no elimina nem reduz o significado

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    revolucionria das muitas lutas que esse movimento realiza. Emessncia, o seu carter radical est no obstculo que representaa expanso do capitalismo no campo; na afirmao da primaziado valor de uso sobre o valor de troca; a produo do valor, otrabalho alienado; na resistncia transformao da terra emmonoplio do capital; na afirmao de um modo de vida etrabalho de cunho comunitrio. Ianni, Octvio: Dialtica &capitalismo. Ed. Vozes, Petrpolis, 1988, pgs. 105ss.

    26 Sobre a evoluo da questo camponesa no Brasil e aimportncia do MST na sua soluo, a perspectiva que ascontradies se aguem e as medidas de represso se acentuem.No particular sintomtica a entrevista que Paulo Brossard (ex-senador, ex-ministro da Justia e ex-ministro do SupremoTribunal Federal) deu sobre o assunto, acenando para umpossvel golpe de Estado para deter o movimento. Vale refletirsobre o seu texto. Perguntado sobre O que o governo devefazer para conter as invases dos sem-terra e sem-tetorespondeu: Tem de fazer cumprir a lei. Acredito que houveuma inflexo no comportamento do governo, lastimo que tenhademorado, mas espero que persista. H uns dois anos houveuma marcha de produtores rurais em direo Braslia. Quandochegaram Capital, o presidente no os recebeu e os chamoude caloteiros. H pouco, ele recebeu uma delegao de sem-terra. Funcionou a um mecanismo de dois pesos e duasmedidas. Um cidado sentou-se mesa do presidente daRepblica com um bon na cabea. Isso uma completaimpropriedade. (...) Est em curso um processo de eroso daautoridade. J invadiram terras com dia e hora marcadas. Depoisdas fazendas, passaram a invadir imveis urbanos. Quanto faltapara invadirem automveis? Isto acaba mal, muito mal.Interrogado sobre o significado do acabar mal o ex-ministro daJustia assim se expressou: Em 1964 havia um pessoal quesaia pelo pas gritando que a reforma agrria seria feita na leiou na marra. Na marra, o que tivemos foi a ditadura e essasmesmas pessoas passaram 20 anos chorando. O processo deinstalao da violncia se d aos poucos, quase imperceptvel.Primeiro se diz que os invasores so pessoas expulsas de suasterras pelos grileiros, depois se v que h invases com genterecrutada em outros Estados. Se o senhor d a outra pessoa aprerrogativa de transgredir a lei no v supor que mais adiantehaver de cont-la. Quem acha que pode transgredir uma leiacaba se julgando no direito de decidir quais leis cumpre e quais

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    desrespeita. E a, repito, a coisa acaba mal Ao ser perguntadosobre o que o governo deveria fazer respondeu enfaticamente:Tem de garantir o cumprimento da lei. No nos esqueamosque a invaso de propriedade um dos poucos casos em que oCdigo Civil admite a legalidade da reao da vtima. Essesinvasores, trazidos de outros municpios, so posseiros semposse, figura semelhante do fazendeiro do ar. Existem porquea lei est desconceituada. Um governo pode tolerar semelhantesituao, mas jamais haver proprietrio que a admita. Umcolapso como o de 1964 no ocorre de repente. Os absurdosvo se tornando familiares e s quando a casa cai que sepercebe o tamanho do erro cometido. Paulo Brossard -Entrevista, in Folha de S. Paulo, 1 de junho de 1997.

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    Captulo II

    Antnio Conselheiro:um abolicionista da plebe

    ... preciso, porm que no se deixe em silncio aorigem do dio que tendes famlia imperial,

    porque sua alteza Senhora Dona Isabel libertou aescravido... (...) Porque era chegado o tempomarcado por Deus para libertar esse povo de

    semelhante estado, o mais degradante a que podiaser reduzido o ser humano.

    Antnio Conselheiro

    O movimento campons de Canudos, no interiorda Bahia, durante o governo de Prudente de Morais,infelizmente ainda no foi estudado em todas as suasvertentes e devida profundidade social e poltica dapoca. Ele discutido mais a partir das diversascorrentes republicanas que disputavam o poder.

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    Situa-se o movimento como se ele fosse decorrentedas contradies das prprias classes dominantes eno como uma conseqncia das contradies entreas oligarquias latifundirias e os interesses doscamponeses sem terra. A autonomia da soluodessa contradio passou a ser um problema crucialquando os camponeses assumiram a hegemonia domesmo e criaram a sua soluo a partir dos seusinteresses, criando uma unidade comunitria nointerior da Bahia independente e no subordinadaaos interesses e valores do latifndio. A imagem deCanudos como perigo surge exatamente desseconflito de interesses e a soluo que os camponesesencontraram, desligando-se da estrutura latifun-diria. a que podemos encontrar explicao para aviolncia da represso contra Canudos e o herosmodos seus defensores.

    Por outro lado, a obra de Euclides da Cunha OsSertes, tornou-se um clssico literrio e aquelesestudiosos que procuram analisar e interpretar esseacontecimento histrico na sua estrutura e na suadinmica, quase sempre partem das suas afirmaes.Uma pesquisa rigorosa e exaustiva, feita de formasistemtica ainda no foi feita com a profundidadeque merece. Um dos defeitos mais visveis ignorar-se a importncia de Antnio Vicente Mendes Maciel(o Conselheiro) como lder, agitador e organizador.Ele sempre visto como um luntico, um mstico,messinico, quando no desequilibrado mental,

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    louco que teria transmitido a sua insanidade quelaspopulaes que o seguiam. O seu crnio, aps a suadegola, foi enviado a Salvador para estudos mdico-antropolgicos por cientistas influenciados pelaescola criminalista de Lombroso, para seremprocurados nele os estigmas do criminoso nato 1.

    At hoje, por outro lado, no possui umabiografia que o estude atravs de pesquisasmodernas e de uma metodologia satisfatria. Olivro de Edmundo Moniz, por muitos motivosvalioso, que vai nessa direo, procurando resgatara memria e o papel de liderana poltica doConselheiro ressente-se de falhas tericasacentuadas 2. O certo que a figura de AntnioConselheiro sempre apresentada como se elefosse uma individualidade delirante, desligada docontexto social-econmico e poltico de ondesurgiu e sem ter nenhuma ligao funcional edinmica com os problemas concretos e as contra-dies emergentes da regio em que a luta eclodiu.A biografia poltica de Antnio Conselheiro aindaest por ser escrita.

    Por estas razes, poucas vezes lembrado comoabolicionista e de pregador para a massa escrava.Mas, esse personagem que percorreu a partir de1874 grande parte do territrio cuja populaoescrava era considervel no podia deixar deinteressar-se pelos cativos, muitos deles egressos dassenzalas para os quilombos da regio ou com a

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    revolta latente em face das contradies criadas pelasua situao de escravos.

    Em primeiro lugar, para avaliarmos o seu nvel deinteresse pela Abolio, devemos ver as suas razestnicas, pois quase todos os que dele se ocuparamafirmam ter sido branco. No entanto, no seubatistrio ele registrado como pardo. Vejamos osseus termos: Aos vinte e dois de maio de miloitocentos e trinta batizei e pus os Santos leosnesta Matriz de Quixeramobim ao prvulo Antniopardo nascido aos treze de maro do mesmo ano,filho natural de Maria Joaquina; foram padrinhosGonalo Nunes Leito e Maria Francisca de Paula.Do que, para constar, fiz este termo em que assinei.O Vigrio Domingos Alvaro Vieira 3.

    Como podemos ver pela sua certido de batismo,Antnio Conselheiro foi considerado pardo pelopadre que o batizou. Se isto no de grandeimportncia para se avaliar o seu abolicionismo,serve para repor a verdade sobre as suas origenstnicas. O que importante apurar-se se na suabiografia pode-se constatar uma postura abolicio-nista nas suas pregaes e no seu comportamento emais especialmente se essas prdicas foram, emalguma ocasio, dirigidas aos prprios escravos.

    Quem toma como fonte de informaes OsSertes de Euclides da Cunha certamente nadaencontrar nessa direo. Para ele as pregaes deAntnio Conselheiro tinham sempre a incoerncia

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    de um louco. Diz, retratando o seu comportamento:Todas as crenas ingnuas, do fetichismo brbaros aberraes catlicas, todas as tendncias impul-sivas das raas inferiores, livremente exercitadas naindisciplina da vida sertaneja, se condensaram noseu misticismo feroz e extravagante. Ele foi,simultaneamente, o elemento ativo e passivo daagitao de que surgiu. O temperamento maisimpressionvel apenas f-lo absorver as crenasambientes, a princpio numa quase passividade pelaprpria receptividade mrbida do esprito torturadode reveses e elas refluiriam, depois, mais fortementesobre o prprio meio de onde haviam partido,partindo de uma conscincia delirante 4. O seudiscurso, para Euclides da Cunha era subordinadona sua essncia ao atavismo das raas inferiores,agravado pela sua personalidade delirante. Tudoisto, em ltima anlise, significa esconder a verda-deira mensagem do lder atrs de vaus mistifica-dores, apresentando o seu discurso como fruto dedistrbios patolgicos e no da sua posio diantedos acontecimentos sociais.

    Quem toma, por estas razes, como fonte deinformaes da vida de Antnio Conselheiro o textode Os Sertes, especialmente sobre a sua posioem relao aos escravos e a escravido nada en-contra. O seu racismo no particular evidente, poiscomo acentua com muita razo o professor JosCalasans, apoiado em livro de Pedro A. Pinto sobre

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    o vocabulrio usado no livro, as palavras escravo eescravido no se encontram ali uma s vez 5. ( poristo que, se quisermos saber a verdade sobre aposio de Antnio Conselheiro sobre o assuntoteramos de recorrer a outras fontes).

    Essas outras fontes, porm, revelam umAntnio Conselheiro preocupado com a es-cravido e a sorte dos cativos, dirigindo-se aosprprios escravos, os quais, posteriormente, iroengrossar as suas fileiras. Ainda o professor JosCalasans escreve que o jornalista Manuel Bencio,correspondente do Jornal do Comrcio, do Rio deJaneiro, junto s foras em operaes contra osjagunos, autor de um bom livro relativo vida dosconselheiristas e de seu guia e lder percebeu eregistrou a posio adotada por Antnio Con-selheiro em face do problema da escravido:Ignorante e enraizado nos velhos hbitos daadministrao de ento, desconfiado como sotodos os sertanejos, escreveu Manuel Bencio:de ndole conservadora por nascena, achava quetoda reforma na administrao e toda inovao naeconomia poltica era um meio de se roubar opovo. Fora contra a introduo do sistemamtrico-decimal no comrcio e a nica reformaque encontrou sua aquiescncia mais tarde, em1888, foi a abolio dos escravos. Talvez porquegrande poro de quilombos e mucambeirosacautelassem a sua errante estrada.

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    Para Jos Calasans ele transmitiu aos escravosos ensinamentos dos evangelhos. No estamosformulando uma hiptese. Prossegue o mesmohistoriador baiano: Baseamos nossa assertiva numdepoimento contemporneo, perdido nas folhas deuma gazeta baiana de 1897, no auge da luta fra-tricida. Um italiano que trabalhava na construoda estrada de ferro Salvador-Timb, narrou nestestermos, seu encontro com o peregrino: Veja comoeste povo, dizia-lhe o Conselheiro apontando agente que aguardava a sua pregao, na suatotalidade escrava vive pobre e miservel. Vejacomo ela vem de quatro e mais lguas para ouvir apalavra de Deus. Sem alimentar-se, sem sabercomo se alimentar amanh, ele nunca deixa deatrair presuroso s palavras religiosas, que, indignoservo de Deus e por ele amaldioado, iniciei nestelocal para a redeno de muitos pecados. Nolugarejo mencionado, que outro no era seno Saco,entre Timb e Vila do Conde, na ento Provnciada Bahia, durante o dia quase no havia alma. Maisde 2000 pessoas, porm, surgiram de noite, ansiosaspara ouvirem os conselhos do Bom Jesus. Aoanoitecer, prosseguiu o empreiteiro, comearam achegar e as 8 horas a praa estava cheia, tendo maisde mil pessoas, todas escravas, e aps o sermo, queem seguida um explicava ao outro, visto quesomente os mais vizinhos podiam ouvi-lo, todoscantavam as seguintes estrofes: Louvado seja

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    nosso Senhor Jesus Cristo ao que as mulheres emeninos respondiam para sempre seja louvado osanto nome de Maria, e isto at a meia noite,algumas vezes. De manh no havia pessoa algumano arraial.

    A informao transcrita, documenta, comsegurana, as relaes do Conselheiro com osescravos da zona citada que atentamente escutavama pregao do santo de Quixeramobim. Convmesclarecer, desde logo, que na regio de Itapicuru,onde Antnio Conselheiro passou grande parte dasua vida de pregador, havia na poca aqui estudada,aprecivel nmero de pequenos engenhos, o queexplica a presena de grande quantidade deescravos. Os cativos necessitavam da palavra deconforto e ajuda do bondoso peregrino, que confor-me escreveu o informante acima citado, distribuaapreciveis quantias com as famlias pobres,naturalmente obtidas nas casas dos mais ricos,daqueles senhores de engenhos e negociantes maisgenerosos 6.

    Convm notar que na zona de Itapicuru existiuum quilombo que durante muito tempo deutrabalho s autoridades e do qual certamenteAntnio Conselheiro ouvira falar, assim como naregio de Tucano um dos locais que forneceu grandenmero de adeptos ao Conselheiro. Por outro lado,a rea de pregao do Conselheiro era tambmregio de quilombos.

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    Foram registrados ajuntamentos de negrosfugidos em Cairu, Rio das Contas, Geremoabo,Jacobina, Rio de So Francisco e em outros pontosda Serra Negra. A estas populaes certamente oConselheiro deveria ter tido contato direto ouindireto ao que tudo indica 7.

    Jos Calasans, cujo esclarecedor trabalho estamosacompanhando, escreve ainda que outros ele-mentos podero ser apresentados no mesmosentido, isto comprobatrio do papel desempe-nhado pelo Conselheiro junto populao escravano Nordeste baiano, que ele mais de perto conheceue assistiu. Num interessante artigo publicado noJornal de Notcias, da Bahia, edio de 5 de maro de1897, o doutor Ccero Dantas, baro de Geremoabo,proprietrio no municpio de Itapicuru, e prestigiosochefe poltico contou que com a abolio daescravatura aumentara o nmero de acompanhantesdo Bom Jesus Conselheiro. O povo em massa,declarou Geremoabo, abandonava suas casas e seusafazeres para acompanh-lo. Com a abolio doelemento servil ainda mais se fizeram sentir osefeitos da propaganda pela falta de braos livres parao trabalho. A populao vivia como que em delrioou xtase e tudo quanto no fosse til ao alucinadode Deus facilmente no prestava. (...) Assim foiescasseando o trabalho agrcola e atualmente comdificuldade que uma ou outra propriedade funciona,embora sem precisa regularidade.

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    O mesmo autor, refutando as razes do baro deGeremoabo, afirma que talvez esse chefe conser-vador tivesse confundido a causa com o efeito, poisno teria sido Antnio Vicente quem afastou daspropriedades agrcolas os negros libertados pela leide 1888. O Santo Conselheiro outra coisa no teriafeito seno receb-los e, possivelmente, ampar-los,quando eles prprios sequiosos de desfrutarem aliberdade alcanada, fugiram dos antigos locais doseu cativeiro. (...) No foram poucos os ex-escravosrecebidos na comunidade conselheirista. Antnio deCerqueira Galo, morador em Tucano, localidadebaiana donde saram inmeros seguidores doConselheiro, numa carta enviada ao baro deGeremoabo, dando notcias dos habitantes deCanudos, destacou que o contingente de ex-escravos formavam a maioria. L os vultuosos queesto disinvolvendo (sic) a revolta, escreveu omissiva, o mesmo Conselheiro com os seussequazes dentre estes soldados e desertores dediversos e o povo 13 de maio que a maior gente 8.

    O depoimento altamente esclarecedor de JosCalasans, descobrindo novas fontes de informaesque recolocam no apenas o pensamento, mas,tambm, a ao de Antnio Conselheiro em relaoao sistema escravista e as suas contradies estru-turais, e plenamente corroborado pelas prpriaspalavras do lder de Canudos no manuscrito quesobreviveu chacina (sabemos que ele escreveu ou

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    ditou outros os quais certamente foram destrudosou perdidos) intitulado Predicas aos canudenses eum discurso sobre_a Repblica Belo Monte,provncia da Bahia 12 de janeiro de 1897.

    A obra foi encontrada em uma velha caixa, noSanturio, por Jos Pond, mdico baiano que seencontrava na expedio que destruiu a comuni-dade. Afrnio Peixoto recebeu-o de quem o encon-trou e fez doao do mesmo a Euclides da Cunha,cuja reao sobre o seu texto ningum sabe. O certo que o subestimou, pois refere-se a outros manus-critos encontrados entre os escombros, mas silenciasobre este. Talvez no teve tempo de analis-lo apsreceb-lo de Afrnio Peixoto 9.

    Dizia Antnio Vicente Mendes Maciel nessemanuscrito, referindo-se Abolio e ao trabalhoescravo:

    preciso, porm, que no se deixe emsilncio a origem do dio que tendes famliaimperial, porque sua alteza a Senhora Dona Isabellibertou a escravido, que no fez mais do quecumprir a ordem do Cu; porque era chegado otempo marcado por Deus para libertar esse povode semelhante estado, o mais degradante a quepodia ser reduzido o ser humano; a fora moral(que tanto a orna) com que ela procedeu asatisfao da vontade divina, constitui a confianaque bem tem Deus para libertar esse povo, (mas)no era suficiente para soar o brado da indignao

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    que arrancou o dio da maior parte daqueles aquem o povo estava restrito. Mas os homens nopenetram a inspirao divina que moveu o coraoda digna e virtuosa princesa para dar semelhantepasso; no obstante ela dispor do seu poder,todavia era de supor que meditaria, antes de o porem execuo, acerca da perseguio que havia desofrer, tanto assim que na noite que tinha deassinar o decreto da liberdade, um ministro lhedisse: Sua Alteza assina o decreto da liberdade,olhe a Repblica como ameaa; ao que ela noligou a mnima importncia, assinando o decretocom aquela disposio que tanto a caracteriza. Asua disposio porm, prova que atesta do modomais significativo que era a vontade de Deus quelibertasse esse povo. Os homens ficaram assom-brados com o belo acontecimento, porque jsentiam o brao que sustentava o seu tesouro,correspondendo com ingratido e irresponsabili-dade ao trabalho que desse povo recebiam.Quantos morreram debaixo dos aoites poralgumas faltas que cometeram; alguns quase nus,oprimidos de fome e de pesado trabalho. E quedirei eu daqueles que no levavam com pacinciatanta crueldade e no furor do exceda sua infelizestrela se matavam? Chegou enfim o dia queDeus tinha de pr termo a tanta crueldade, como-vido de compaixo a favor do seu povo e ordenapara que se liberte de tanta penosa escravido10.

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    Pelo exposto o pensamento de Antnio Conse-lheiro atravs de um texto por ele redigido podemos concluir que ele no era aquele perso-nagem bronco ou louco que costuma se afirmar nosensaios tradicionais sobre a guerra de Canudos, masum agente de dinmica social no perodo que vai daescravido ao abolicionismo e posteriormente, de 13de maio at a luta e destruio do arraial de BeloMonte.

    Na primeira fase, reunia escravos e com elesfalava atravs de um cdigo ligado simbologiareligiosa para denunciar a situao e sugerir anecessidade de se libertarem, com isto atraindo,numa regio de pequena densidade demogrfica napoca, cerca de 2.000 escravos para ouvirem as suasprdicas, segundo testemunho da poca.

    Em 1897 escreve um dos seus muitos manus-critos. Nele expressa a sua aprovao da Lei que psfim escravido e procura explicar, a seu modo,porque a princesa Isabel estava apoiada nas forasdivinas (Direito divino) ao assinar a Lei de 13 demaio, defendendo a necessidade de se acabar com aescravido, que para ele era uma situao quechegava aos limites da degradao humana, levando,por isto, muitos escravos ao suicdio.

    Finalmente, quando os ex-escravos fugiam dasterras que simbolizavam a escravido, AntnioConselheiro abre-lhes um espao fsico, social ehumano um espao livre no qual eles se reinte-

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    gram participando ativamente como agentes his-tricos e sociais da comunidade de Canudos at oseu final. Fizeram parte do seu componente militar,religioso e poltico. Lutaram juntamente com o lderque os reintegrou na sua condio de homens livres.E antes (quando ainda eram escravos) acenava-lhescom a possibilidade da liberdade, com eles reu-nindo-se e esclarecendo a possibilidade de mudanasocial capaz de libert-los, palavras que eramtransmitidas de boca em boca.

    Queremos crer, por tudo isto, que AntnioConselheiro foi um abolicionista plebeu, atuando narea rural do Nordeste, onde os lderes do Aboli-cionismo tradicional e por isto mesmo conciliadornunca atuaram dinamicamente, com uma mensa-gem dirigida diretamente s populaes oprimidase as massas escravas descontentes, muitos dos seusmembros possivelmente saam dos quilombosexistentes na regio e eram muitos para ouvi-loe se refugiarem depois no arraial de Belo Monte.

    Notas

    1 Quem fez o exame craniomtrico de Antnio Conselheiro foramos mdicos Nina Rodrigues e S de Oliveira, tendo escrito oprimeiro que o crnio de Antnio Conselheiro no apresentavanenhuma anomalia que enunciasse traos de degenerescncia: um crnio de mestio, onde se associam caracteresantropolgicos de raas diferentes. Apesar desta concluso.Nina Rodrigues no teve dvidas de escrever que em Canudos

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    representa de elemento passivo o jaguno que corrigindo aloucura mstica de Antnio Conselheiro e dando-lhe umasmisturas de questes polticas e sociais, de momento, criou,tornou plausvel e deu objeto ao contedo do delrio, tornando-o de fazer vibrar a nota tnica dos instintos guerreiros, atvicos,mal extintos ou apenas sofreados no meio social hbrido dosnossos sertes de que a loucura como os contagionados so fiise legtimas criaes. Ali se chocavam de fato, admiravelmenterealizadas, todas as condies para uma constituio epidmicada loucura. Rodrigues, Nina: As coletividades anormais. Ed.Civilizao Brasileira, SP, 1939, pg. 42.

    2 Muniz, Edmundo: Canudos: a guerra social. Elo Editora edistribuidora Ltda. 2 Ed, RJ, 1987, Passim.

    3 Transcrito de Macedo, Nertan: Antnio Conselheiro (A morteem vida do beato de Canudos). Grfica Record Editora, RJ,1969, pg. 42.

    4 Cunha, Euclides da: Os sertes. Ed. Francisco Alves (12 ediocorrigida) RJ, 1933, pg. 150.

    5 Pinto, Pedro A: Os Sertes de Euclides da Cunha vocabulrioe notas lexicogrficas. Ed. Francisco Alves, RJ, 1930, Passim. Para se ter uma posio crtico-revisionista do pensamento deEuclides da Cunha em relao escravido, ao negro e aoAbolicionismo ver: Moura, Clvis: Introduo ao pensamentode Euclides