clínica e cirurgia em animais de companhia

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UNIVERSIDADE DE ÉVORA ESCOLA DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE MEDICINA VETERINÁRIA Clínica e Cirurgia em Animais de Companhia Marta Maria Ribeiro dos Santos de Lacerda Escobar Orientação: Dr.ª Margarida Fragoso Costa Dr. André Pereira Mestrado Integrado em Medicina Veterinária Relatório de Estágio Évora, 2015

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UNIVERSIDADE DE ÉVORA

ESCOLA DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA

DEPARTAMENTO DE MEDICINA VETERINÁRIA

Clínica e Cirurgia em Animais de Companhia

Marta Maria Ribeiro dos Santos de Lacerda Escobar

Orientação: Dr.ª Margarida Fragoso Costa

Dr. André Pereira

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Relatório de Estágio

Évora, 2015

UNIVERSIDADE DE ÉVORA

ESCOLA DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA

DEPARTAMENTO DE MEDICINA VETERINÁRIA

Clínica e Cirurgia em Animais de Companhia

Marta Maria Ribeiro dos Santos de Lacerda Escobar

Orientação: Dr.ª Margarida Fragoso Costa

Dr. André Pereira

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

Relatório de Estágio

Évora, 2015

i

Agradecimentos

Quero começar os meus agradecimentos, com a Dra. Margarida Costa, orientadora de

estágio, que sem dúvida, foi fundamental durante realização deste relatório. O apoio que

sempre me deu desde que a conheci na Universidade tornaram-na na escolha óbvia para este

trabalho final. Obrigada pela dedicação, motivo, transmissão de conhecimento e principalmente

pela paciência comigo.

Ao Centro Hospitalar Veterinário do Porto, um muito obrigada pela oportunidade de

estágio, um obrigada pelos seis de trabalho, conhecimento, boa disposição, amizade, e

principalmente inspiração. Em especial ao Dr. André Pereira pela sua orientação ao longo do

período de estágio e por todos os seus conselhos. Quero também agradecer ao Dr. Hugo

Gregório, Dr. Lénio Ribeiro, Dra. Sara Peneda, Dra Catarina Araújo, Dra. Daniela Bento, Dra.

Ana Silva e Dra. Rita Martins, por tudo o que me ensinaram. Um outro grande obrigado às

enfermeiras fantásticas Marta, Carina, Diana, Joana e Stephanie. Um beijo muito especial para

a rececionista Ana Gonçalves. E, por último, mas não menos importante, quero agradecer às

minhas companheiras de estágio Catarina Moreira, Filipa Pinheiro, Carolina Almeida e Patrícia

Santos pela amizade que criámos e por estes seis meses que foram……sei lá! Obrigada!

Quero também agradecer às equipas do Laboratório INNO e Hospital Veterinário de

Massamá, por me terem ensinado tanto. Um beijinho especial a Massamá ao João, às Joanas,

ao Paulo, à D. Eugénia e toda a restante equipa médica do HVM por terem adotado. Ao Dr.

Manel Monzo, um agradecimento especial, nomeadamente em termos de paciência, e também

por toda a motivação e força no início da minha vida profissional.

Um grande obrigado aos meus pais, pelos sacrifícios, palavras de apoio, lições de vida

e tudo mais que tive direito. Tinha que escrever uma tese de doutoramento e mais umas

coisas, só para vos agradecer!

Aos meus amigos farenses, Joel, Teresa, Sónia, Ana, Catarina, Fabiana, Luísa (e todos

os outros que não coloquei aqui), obrigada por tornarem o regresso a casa em momentos

sempre tão especiais, e pela ajuda que vocês me têm dado ao longo destes anos todos.

À Clínica Veterinária Central em Faro, por todos estes anos de paciência comigo e de

crescimento. Um beijinho grande à Dra. Patricia Cachola e a toda a equipa, com um beijinho

especial para a Marta Gonçalves e a Dra. Ana Palma.

E agora por fim, tenho que agradecer a Évora, e as todas as famílias que me

acolheram: TAFUE, AAUE, ZOO e VETERINARIA. Foram sete anos, sete “muito curtos” anos,

de criar amizades para a vida. Ana Teresa Marques, Mónica Ribeiro, Teresa Morgado, Ana

Catarina Jorge, Carlos Poejo, Sara Valverde, Mafalda Barata, Ana Sofia, Carolina Carrujo, Sara

Alves, Luís Maduro, Francisco Marques, Francisco Brandão, Teresa Costa, Patrícia Matias,

Inês Duarte, Rui Isabel, Gustavo Nunes, Daniela Costa, Ana Luísa e a todos os outros que (sei

que) me estou a esquecer (sim…eu não vos mereço)! Resumindo, aos meus senhores

estudantes, bichos, afilhados, netos, bisnetos, às minhas aspirantes, caloiras, tunantes e

ii

moçonas, às pessoas de trabalho da associação, e a todos os meus colegas de turma um

muito grande obrigada!

Luís Rodrigues…de ti não me vou esquecer. Sabes que és dos principais motivos pelos

quais eu hoje estou a entregar isto. Obrigada por acreditares em mim, por me dizeres o bom e

o mau das coisas, por me aturares, e por me teres feito crescer. De ti, não me vou

esquecer…Adoro-te.

iii

Resumo

O presente relatório descreve o estágio curricular do Mestrado Integrado em Medicina

Veterinária, realizado no Centro Hospitalar Veterinário do Porto ao longo de 6 meses, de 7 de

Outubro 2014 a 31 de Março de 2015, sob a orientação da Drª Margarida Costa e coorientação

do Dr. André Pereira. Este relatório encontra-se dividido em duas partes, sendo a primeira

relativa a toda a casuística acompanhada durante o período de estágio e a segunda parte

constituída por uma revisão bibliográfica sobre o tema “Estabilização do paciente em choque e

monitorização nas primeiras 24 horas”, apresentação e discussão de casos clínicos.

A síndrome Choque é um processo extremamente complexo, que ainda hoje é objeto

de estudo, tanto na sua fisiopatologia como abordagem e tratamento. Quando não tratado a

tempo esta condição pode mesmo refletir-se na morte do animal. Ocorre com grande

frequência em animais politraumatizados, doentes críticos e/ou crónicos, pelo que o seu

entendimento e plano de abordagem são essenciais para a prática clínica, nomeadamente em

emergências.

Palavras-chave: choque, fluidoterapia, monitorização, pequenos animais

iv

Abstract - Small animal practice and surgery

The current report describes the internship of the Integrated Master degree of

Veterinary Medicine, which took place at Centro Hospitalar Veterinário do Porto, with a duration

of six months, from the 7 of October of 2014 to the 31 of March of 2015. This report tis divided

in two parts being the first one about the cases observed during the internship and the second

part with a general reference about “Stabilization of the shock syndrome patient and monitoring

during the first 24 hours” and a presentation and discussion of clinical cases.

The shock syndrome is a highly complex process that is still an object of study from the

pathophysiology and treatment approach. When not treated in time this condition may lead to

the animal death. It occurs with great frequency in multiple trauma, critically ill and/or chronic

patients therefore it’s understanding and approach plan are essential to the practical clinic,

namely in emergencies.

Keywords: shock, fluid therapy, monitoring, small animal

v

Índice

AGRADECIMENTOS ..................................................................................................................... I

RESUMO ...................................................................................................................................... III

ABSTRACT - SMALL ANIMAL PRACTICE AND SURGERY .................................................... IV

ÍNDICE .......................................................................................................................................... V

ÍNDICE DE TABELAS ............................................................................................................... VIII

ÍNDICE DE GRÁFICOS ................................................................................................................ X

ÍNDICE DE FIGURAS .................................................................................................................. XI

LISTA DE ABREVIATURAS ...................................................................................................... XII

INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 1

PARTE I – CASUÍSTICA .............................................................................................................. 1

1.1 - Caraterização do Local de estágio .................................................................................... 1

1.2 - Casuística ............................................................................................................................ 2

1.2.1 – Distribuição da casuística por áreas médicas ............................................................... 3

1.2.2 - Medicina Preventiva ....................................................................................................... 3

1.2.3 - Clínica Médica ................................................................................................................ 5

1.2.3.1 - Cardiologia .............................................................................................................. 5

1.2.3.2 - Dermatologia ........................................................................................................... 6

1.2.3.3 - Doenças Infeciosas e Parasitárias .......................................................................... 7

1.2.3.4 - Endocrinologia ........................................................................................................ 8

1.2.3.5 - Estomatologia ......................................................................................................... 9

1.2.3.6- Gastroenterologia e glândulas anexas .................................................................. 10

1.2.3.7- Hematologia ........................................................................................................... 11

1.2.3.8 - Neurologia ............................................................................................................. 11

1.2.3.9 - Oftalmologia .......................................................................................................... 13

1.2.3.10 - Oncologia ............................................................................................................ 13

1.2.3.11 - Otorrinolaringologia ............................................................................................. 14

1.2.3.12 - Pneumologia ....................................................................................................... 15

1.2.3.13 - Reprodução e obstetrícia .................................................................................... 16

1.2.3.14 - Sistema Músculoesquelético .............................................................................. 17

1.2.3.15 - Toxicologia .......................................................................................................... 17

1.2.3.16 - Traumatologia ..................................................................................................... 18

1.2.3.17 - Urologia e Nefrologia .......................................................................................... 19

1.2.4 - Clínica Cirúrgica ........................................................................................................... 20

1.2.4.1 - Cirurgia de tecidos moles ...................................................................................... 20

1.2.4.2 - Cavidade bucal ..................................................................................................... 21

vi

1.2.4.3 - Neurocirurgia ......................................................................................................... 22

1.2.4.4 - Ortopedia............................................................................................................... 22

1.2.5 - Imagiologia ................................................................................................................... 23

1.2.6 - Outros exames complementares/procedimentos médicos .......................................... 24

PARTE II – ESTABILIZAÇÃO DO PACIENTE EM CHOQUE E MONITORIZAÇÃO NAS

PRIMEIRAS 24 HORAS ............................................................................................................. 25

2.1 - Conceito ............................................................................................................................. 25

2.2 - Tipos de Choque ............................................................................................................... 25

2.2.1 - Choque hipovolémico ................................................................................................... 25

2.2.2 - Choque cardiogénico ................................................................................................... 25

2.2.3 - Choque distributivo ...................................................................................................... 27

2.2.3.1 - Choque anafilático ................................................................................................ 27

2.2.3.1 - Sepsis e choque séptico ....................................................................................... 28

2.3 - Fisiopatologia do choque ................................................................................................. 29

2.3.1 - Fase compensada ........................................................................................................ 29

2.3.2 - Fase descompensada .................................................................................................. 30

2.3.3 - Fase irreversível ........................................................................................................... 31

2.3.4 – Considerações sobre Choque em Felinos .................................................................. 32

2.4 - Outras falhas sistémicas .................................................................................................. 33

2.4.1 - Síndrome da resposta inflamatória sistémica (SIRS): ................................................. 33

2.4.2 - Síndrome de disfunção orgânica múltipla (MODS) ..................................................... 34

2.4.2.1 - Sistema microvascular .......................................................................................... 35

2.4.2.2 - Sistema cardiovascular ......................................................................................... 35

2.4.2.3 – Sistema renal ....................................................................................................... 35

2.4.2.4 - Sistema Pulmonar ................................................................................................. 35

2.4.2.5 - Sistema gastrointestinal ........................................................................................ 36

2.4.2.6 – Sistema neurológico ............................................................................................. 36

2.5 - Identificação do choque ................................................................................................... 36

2.5.1 - Estado mental .............................................................................................................. 37

2.5.2 - Mucosas ....................................................................................................................... 37

2.5.3 - Tempo de repleção capilar .......................................................................................... 37

2.5.4 - Frequência cardíaca .................................................................................................... 37

2.5.5 - Qualidade do pulso e ressão arterial ........................................................................... 38

2.5.6 - Temperatura das extremidades ................................................................................... 39

2.6 - Situações específicas ..................................................................................................... 40

2.6.1 - Choque cardiogénico ................................................................................................... 40

2.6.2 - Choque distributivo ...................................................................................................... 41

2.7 - Estabilização do paciente em choque ............................................................................ 42

2.7.1 - Oxigenoterapia ......................................................................................................... 43

2.7.1.1 - Flow-by/Sistema livre ............................................................................................ 43

2.7.1.2 - Máscara de oxigénio ............................................................................................. 43

2.7.1.3 - Cateter nasal ......................................................................................................... 44

2.7.1.4 - Câmara de oxigénio .............................................................................................. 44

2.7.1.5 - Cateter intratraqueal ............................................................................................. 44

2.7.1.6 - Ventilação mecânica/tubo endotraqueal ............................................................... 44

2.7.1.7 - Traqueostomia ...................................................................................................... 45

vii

2.7.1.8 - Toxicidade por Oxigénio ....................................................................................... 45

2.7.2 - Fluidoterapia de ressuscitação ................................................................................ 46

2.7.2.1 - Tipos de fluidos ..................................................................................................... 47

2.7.2.1.1 - Cristaloides .................................................................................................... 47

2.7.2.1.2- - Coloides ........................................................................................................ 49

2.7.2.1.2.1 - Coloides naturais .................................................................................... 49

2.7.2.1.2.2 - Coloides sintéticos .................................................................................. 50

2.7.2.1.3 - Cristaloides vs. Coloides ................................................................................ 53

2.7.2.2 - Plano de fluidoterapia ........................................................................................... 53

2.7.2.2.1 - Situações específicas .................................................................................... 55

2.7.2.1.1 - Hemorragia ativa não controlada e politraumatizados .............................. 55

2.7.2.1.2 - Choque cardiogénico ................................................................................. 56

2.7.2.1.3 - Choque distributivo .................................................................................... 56

2.7.2.1.4 – Considerações referentes a gatos ............................................................ 57

2.7.3 - Suporte cardiovascular ................................................................................................ 60

2.7.3.1 - Dopamina .............................................................................................................. 61

2.7.3.2 - Norepinefrina ......................................................................................................... 61

2.7.3.3 - Vasopressina ........................................................................................................ 62

2.7.4 - Analgesia e Anestesia .................................................................................................. 63

2.7.5 - Antibioterapia em Sepsis ............................................................................................. 63

2.8 - Monitorização .................................................................................................................... 64

2.8.1 - Oxigénio ....................................................................................................................... 64

2.8.1.1 - Pulsioximetria ........................................................................................................ 65

2.8.1.2 - Gasimetria sanguínea ........................................................................................... 65

2.8.2 - Sistema cardiovascular ................................................................................................ 66

2.8.2.1 - Pressão venosa central (PVC) .............................................................................. 67

2.8.3 - Débito urinário .............................................................................................................. 67

2.8.4 - Lactato.......................................................................................................................... 67

2.9 - Casos clínicos ......................................................................................................................... 69

DISCUSSÃO ............................................................................................................................... 74

CONCLUSÃO ............................................................................................................................. 78

BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................... 79

viii

Índice de tabelas

Tabela 1 – Distribuição da casuística em função das diferentes áreas médicas (Fi, Fr (%), Fip) 3

Tabela 2 – Distribuição dos procedimentos observados no âmbito da medicina preventiva (Fi,

Fr (%)e Fpi) ................................................................................................................................... 4

Tabela 3 – Distribuição da casuística em função das diferentes áreas de clínica médica (Fi, Fr

(%)e Fpi) ........................................................................................................................................ 5

Tabela 4 – Distribuição da casuística em função das afeções cardíacas (Fi, Fr (%)e Fip) .......... 6

Tabela 5 - Distribuição da casuística em função das afeções dermatológicas (Fi, Fr (%)e Fip) .. 7

Tabela 6 - Distribuição da casuística em função das afeções das doenças infeciosas e

parasitárias (Fi, Fr (%)e Fip) ......................................................................................................... 8

Tabela 7 - Distribuição da casuística em função das afeções de endocrinologia (Fi, Fr (%)e Fip)

....................................................................................................................................................... 8

Tabela 8 - Distribuição da casuística em função das afeções na área de estomatologia (Fi, Fr

(%)e Fip) ........................................................................................................................................ 9

Tabela 9 – Distribuição da casuística em função das afeções na área de gastroenterologia (Fi,

Fr (%)e Fip) ................................................................................................................................. 10

Tabela 10 - Distribuição da casuística em função das afeções na área da hematologia (Fi, Fr

(%)e Fip) ...................................................................................................................................... 11

Tabela 11 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de

neurologia (Fi, Fr (%)e Fip) ......................................................................................................... 12

Tabela 12 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de

oftalmologia (Fi, Fr (%)e Fip) ....................................................................................................... 13

Tabela 13 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de oncologia

(Fi, Fr (%)e Fip) ........................................................................................................................... 14

Tabela 14 - Distribuição casuística em função das afeções observadas na área de

otorrinolaringologia (Fi, Fr (%)e Fip) ........................................................................................... 15

Tabela 15 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de

pneumologia (Fi, Fr (%)e Fip) ..................................................................................................... 15

Tabela 16 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de

reprodução e obstetrícia (Fi, Fr (%)e Fip) ................................................................................... 16

Tabela 17 - Distribuição da casuística em função das afeções do aparelho músculo-esquelético

(Fi, Fr (%)e Fpi) ........................................................................................................................... 17

Tabela 18 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de

toxicologia (Fi, Fr (%)e Fip) ......................................................................................................... 17

Tabela 19 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de

traumatologia (Fi, Fr (%)e Fip) .................................................................................................... 19

Tabela 20 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de urologia e

nefrologia (Fi, Fr (%)e Fip) .......................................................................................................... 19

ix

Tabela 21 - Distribuição da casuística em função das diferentes áreas de clínica cirúrgica (Fi, Fr

(%)e Fpi) ...................................................................................................................................... 20

Tabela 22 - Distribuição da casuística em função das cirurgias de tecidos moles observadas

(Fi, Fr (%)e Fip) ........................................................................................................................... 21

Tabela 23 - Distribuição da casuística em função das cirurgias da cavidade bucal observadas

(Fi, Fr (%)e Fip) ........................................................................................................................... 21

Tabela 24 - Distribuição da casuística em função das neurocirurgias observadas (Fi, Fr (%)e

Fip) .............................................................................................................................................. 22

Tabela 25 - Distribuição da casuística em função das cirurgias de ortopedia observadas (Fi, Fr

(%)e Fip) ...................................................................................................................................... 22

Tabela 26 – Distribuição dos meios imagiológicos realizados por espécie (Fi, Fpi) .................. 23

Tabela 27 – Exemplos de disfunção cardíaca durante a sístole a diástole. Adaptado de

Silverstein, Deborah C.; Hopper, Kate, Small Animal Critical Care, Capítulo 35 26

.................... 26

Tabela 28 – Critérios para diagnóstico de SIRS em cães e gatos. Adaptado de Silvestein, D.,

Small Animal Critical Care 41

....................................................................................................... 34

Tabela 29 – Principais parâmetros clínicos característicos dos vários tipos de choque e as suas

fases, adaptado de BSAVA Manual of Canine and Feline Emergency and Critical Care 28

, Boag,

A. K. & Hughes, D. Assessment and treatment of perfusion abnormalities in the emergency

patient 35

e Rudloff, E. & Kirby, R. Colloid and crystalloid resuscitation.45

.................................. 42

Tabela 30 – Dose e seleção de fluidos para a fluidoterapia de ressuscitação, em função do tipo

e fase de choque. Adaptado de Fluid therapy for the traumatized patient, Driessen, B. &

Brainard, B. 23

, de Colloid and crystalloid resuscitation, Rudloff, E. & Kirby, R. 45

e 2013

AAHA/AAFP fluid therapy guidelines for dogs and cats, Davis, H. et al..58

................................ 59

Tabela 31 - Atividade agonista alfa e beta adrenergicas dos vasopressores e respetivos efeitos

cardiovasculares. Adaptado de “Controversies regarding choice of vasopressor therapy for

management of septic shock in animals. Silverstein, D. C. & Santoro Beer, K (2015). 65

.......... 62

Tabela 32 – Valores de PaO2, PACO2,, pH e bicarbonato no sangue arterial e venoso.

Adaptado de Silvestein, D. Small Animal Critical Care 37

........................................................... 66

Tabela 33 - Tabela com valores dos gases arteriais indicativos do problema respiratório e o seu

tratamento segundo Manning,A. Oxygen Therapy and Toxicity, 200250

.................................... 66

Tabela 34 – Identificação e anamnese dos casos clínicos. ........................................................ 69

Tabela 35 – Sinais clínicos dos casos durante a entrada do paciente em estado de choque. n/d

– Não disponível .......................................................................................................................... 69

Tabela 36 – Descrição dos procedimentos realizados na primeira abordagem ao paciente em

choque. Hct – hematócrito; IV – intravenoso; PO – per os ......................................................... 70

Tabela 37 - Sinais clínicos dos casos após os procedimentos realizados para a estabilização do

paciente e fluidoterapia de manutenção aplicada. TM – Taxa de manutenção ......................... 71

Tabela 38 – Evolução clínica do paciente durante e após a abordagem inicial ao paciente.

Sinais clínicos e resultados de análises desde a ressuscitação até à alta do paciente. FC –

frequência cardíaca; FR – frequência respiratória ...................................................................... 72

x

Índice de Gráficos

Gráfico 1 – Distribuição dos casos observados por espécie animal em Frequência Relativa

[Fr(%)] ; n=448 animais ................................................................................................................. 2

Gráfico 2 – Distribuição dos meios imagiológicos realizados. (N=201) ...................................... 23

xi

Índice de Figuras

Figura 1 – Esquema representativo da lei de Starling. Adaptado de Driessen, B. & Brainard, B.

Fluid therapy for the traumatized patient.23

................................................................................. 46

Figura 2 – Fluxograma da abordagem da fluidoterapia ao paciente politraumatizado. Traduzido

de Fluid therapy for the traumatized patient, Driessen, B. & Brainard, B. 23

.............................. 58

xii

Lista de abreviaturas

AAHA – American Animal Hospital Association

ABC – Airway, breathing and circulation

ACTH – Hormona adrenocorticotrófica (Adrenocorticotropic hormone)

ADH - Hormona antidiurética/Vasopressina (Antidiuretic hormone)

ADN - Ácido desoxirribonucleico

ALI – Acute Lung Injury

ALT - Alanina transferase

ARDS - Síndrome de disfunção respiratória aguda (Acute respiratory distress syndrome)

ARN - Ácido ribonucleico

bpm - Batimentos por minutos

CARS – Compensatory antiinflammatory response syndrome

CHV – Centro Hospitalar Veterinário

CID – Coagulação intravascular disseminada

CO2 – Dióxido de carbono

COP – Pressão oncótica

CP – Contusão pulmonar

DC – Débito cardíaco

DRC – Doença renal crónica

DVG – Dilatação volvo-gástrica

DO2 – Oxigénio distribuído

ECG- Electrocardiograma

ELISA - Enzyme-Linked Immunosorbent Assay

FC – Frequência cardíaca

FDM – Fator depressor do miocárdio

Fi – Frequência Absoluta

Fip – Frequência absoluta repartida

FLUTD – Síndrome do trato urinário inferior felino

FR – Frequência respiratória

xiii

Fr – Frequência Relativa

FeLV – Vírus da Leucemia Felina (Feline leucemia vírus)

FIV – Vírus da Imunodeficiência Felina (Feline Imunodeficiency Virus)

FIO2 – Fração de oxigénio inspirada

Hct – Hematócrito

HES - Amido de hidroxietil

HCO3- – Ião bicarbonato

IBD – Doença inflamatória intestinal (Inflammatory Bowel Diasease)

IL – Interleucina(s)

IM – Administração por via intramuscular

IPE – Insuficiência Pancreática Exócrina

IRA – Insuficiência Renal Aguda

IRIS - International Renal Interest Society

IV – Administração por via endovenosa

K+ - Ião potássio

MODS - Síndrome de disfunção múltipla orgânica (Multiple organ disfunction syndrome)

ON – Óxido nítrico

PA – Pressão arterial

PAD – Pressão arterial diastólica

PAM – Pressão arterial média

PAS – Pressão arterial sistólica

PaO2 – Pressão parcial de oxigénio no sangue arterial

PaCO2 – Pressão de dióxido de carbono no sangue arterial.

PO – per os

PVC – Pressão venosa central

RVP – Resistência vascular periférica

SIRS - Síndrome resposta inflamatória sistémica (Systemic Inflamatory Response syndrome)

SaO2 – Saturação de oxigénio no sangue arteiral

SpO2 – Saturação de oxigénio no sangue arterial medida por pulsioximetria

TAC – Tomografia axial computadorizada

xiv

TC – Traumatismo craniano

TGF - Fator de transformação do crescimento

TP - Tempo de protrombina

TPLO - Tibial Plateau Leveling Osteotomy

TRC – Tempo de repleção capilar

TTPA – Tempo de tromboplastina parcial ativada

vWF - Fator VIII/von Willebrand,

VE – Volume de ejeção

WSAVA – World Small Animal Veterinary Association

1

Introdução

O presente relatório, descreve o estágio curricular do mestrado integrado em Medicina

Veterinária, sob a orientação da Drª Margarida Fragoso Costa, da Universidade de Évora. O

estágio foi realizado no Centro Hospitalar Veterinário do Porto, ao longo de seis meses, de sete

de Outubro 2014 a 31 de Março de 2015, sob a orientação do Dr. André Pereira. Os estagiários

detinham um sistema de horários rotativos: das 09h as 17h, com uma hora de almoço, das 09h

as 20h com uma paragem para almoço das 14h às 16h e um turno noturno, no horário das

urgências que permitiu assistir e auxiliar neste tipo de pacientes.

Este relatório encontra-se dividido em duas partes, sendo a primeira relativa à análise

casuística de todos os procedimentos e atividades realizadas ao longo do estágio, com uma

caraterização do local de estágio e descrição da casuística. A segunda parte é uma revisão

bibliográfica do tema “Estabilização do paciente em choque e monitorização nas primeiras 24

horas”, com casos clínicos subordinados ao tema, acompanhados pelo tutorando durante o

período de estágio, seguida da sua discussão.

Parte I – Casuística

1.1 - Caraterização do Local de estágio

O Centro Hospitalar Veterinário (CHV) foi fundado em 2012 e localiza-se na Rua

Manuel Pinto de Azevedo nº118, no Porto. O CHV dispõe de um corpo clínico, instalações e

equipamentos com capacidade de intervenção nas mais diversas especialidades médicas tais

como cardiologia, comportamento animal, cuidados intensivos, endocrinologia, estomatologia,

fisioterapia, gastroenterologia, medicina interna, dermatologia, nefrologia, neurologia, nutrição,

oftalmologia, oncologia, ortopedia, reprodução, obstetrícia e traumatologia/emergências, e

também em cirurgia de tecidos moles, cirurgia ortopédica e neurocirurgia.

O CHV detém vários equipamentos imagiológicos como raio X digital, ecógrafo,

tomografia axial computadorizada (TAC) e endoscópio. A nível de laboratório existem

máquinas de hemograma e bioquímicas, microscópio e provas de coagulação.

As instalações do CHV são compostas por três consultórios, uma sala de cirurgia, sala

preparatória de cirurgia e sala de esterilização de material cirúrgico, internamento de pacientes

críticos com vigilância permanente, internamento para gatos e outro para cães, internamento

para infecto-contagiosos, sala de ecografia, sala de raio x, laboratório e farmácia. O CHV

também tem um banco de sangue animal, onde existem unidades de sangue e

hemocomponentes disponíveis e devidamente tipificados.

A equipa do CHV é constituída por médicos veterinários, enfermeiros e auxiliares que

dão resposta às mais diversas áreas de cirurgia, medicina interna, internamento e exames

complementares. O corpo clínico é composto pelo Dr. André Pereira, Dr. Hugo Gregório, Dr.

2

60%

40%

Distribuição dos casos observados por espécie animal

Canídeo

Felídeo

Lénio Ribeiro, Drª. Sara Peneda, Drª. Ana Silva, Drª Catarina Araújo, Drª Daniela Bento e Drª

Rita Martins. A nível das enfermeiras Ana Carina Costa, Marta Antunes, Stephanie Buraco,

Joana Carvalho e Diana Silva. O serviço prestado pelo CHV encontra-se disponível 24 horas

por dia, 365 dias por ano, sendo que entre as 20h e as 09h, nos dias de feriado e fim-de-

semana funciona o serviço de urgências.

1.2 - Casuística

Ao longo do estágio foi possível o acompanhamento de consultas, assistência e

realização de diversos procedimentos em animais internados e pacientes críticos, apoio em

cirurgias e acompanhamento dos protocolos anestésicos (indução, monitorização e recobro).

Foi também possível a realização de exames laboratoriais como hemogramas, bioquímicas,

gasometria, provas de coagulação, tipificação de sangue, coloração de lâminas e observação

das mesmas.

Aos estagiários foi possível a realização de vários tratamentos e procedimentos como

venopunções para colheita de sangue para análises, colocação de cateteres, exames físicos,

colocação de tubos de alimentação naso-esofágicos, realização e mudanças de pensos

húmidos, Robert-Jones e outros, realização de raio x e assistência em ecografias e TAC.

No Gráfico 1 encontra-se a distribuição dos casos observados ao longo do período de

estágio, por espécie animal em frequência relativa [Fr(%)]. O número de casos total

corresponde a 448 animais, dos quais 267 foram cães e 181 foram gatos.

Gráfico 1 – Distribuição dos casos observados por espécie animal em Frequência Relativa

[Fr(%)] ; n=448 animais

3

1.2.1 – Distribuição da casuística por áreas médicas

Os casos acompanhados ao longo do estágio estão separados dentro de três principais

áreas: Medicina preventiva, Clínica médica e Clínica cirúrgica, sendo apresentadas as

frequências absolutas (Fi) e Fr destas áreas. Em cada uma das áreas encontra-se

representada também a frequência absoluta repartida por espécie animal (Fip).

Como podemos observar na tabela 1, nas principais áreas observaram-se mais casos

de clinica médica (Fr=66%), seguido dos casos cirúrgicos (Fr=25%) e por fim da medicina

preventiva (Fr=10%). Durante o estágio a maior concentração de trabalho para os estagiários

encontrava-se no internamento e sala de cirurgia, o que resultou numa menor assistência de

consultas, nomeadamente de vacinação.

Tabela 1 – Distribuição da casuística em função das diferentes áreas médicas (Fi, Fr (%), Fip)

Fi Fr (%) Cães Gatos

Clínica Médica 292 65% 162 130

Medicina Preventiva 44 10% 30 14

Clínica Cirúrgica 112 25% 75 37

Total 448 100% 267 181

1.2.2 - Medicina Preventiva

A medicina preventiva consiste em atos de vacinação e desparasitação. A

desparasitação tem como objetivo a eliminação e prevenção de parasitas gastrointestinais e

ectoparasitas que por sua vez são vetores de doenças como Leishmania spp., Erlichia spp.,

Dirofilaria spp. entre outras. Por norma a desparasitação interna em cães, é feita mensalmente

até aos seis meses de idade e depois a cada quatro ou cinco meses durante o resto da vida. 1

A desparasitação externa deverá ser garantida durante o ano todo, adaptada quanto ao risco

de exposição do animal e à preferência da utilização de comprimidos, produtos spot on ou

coleiras que contêm princípios ativos como fipronil ou permetrinas que permitem a eliminação e

a repelência destes ectoparasitas.

Na tabela 2 encontra-se a distribuição dos procedimentos de vacinação e identificação

eletrónica observados. O ato de desparasitação esteve sempre associado à vacinação, pelo

que não foi contabilizado para efeitos de estatística.

4

Tabela 2 – Distribuição dos procedimentos observados no âmbito da medicina preventiva (Fi, Fr

(%)e Fpi)

Procedimento Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Identificação eletrónica 17 38,6% 15 2

Vacinação 27 61,4% 15 12

Total 44 100% 30 14

Por norma a imunidade passiva materna começa a desaparecer por voltas das 8-12

semanas de idade. Nesta fase tanto podemos ter animais com uma fraca imunidade passiva

materna em que não terão uma proteção adequada, como animais com alto título de anticorpos

maternos. Deste modo a WSAVA (World SmallAnimal Veterinary Association) e a AAHA

(American Animal Hospital Association) recomendam uma vacinação inicial entre as 8-9

semanas de idade, um primeiro reforço após 3 ou 4 semanas (11-13 semanas) e um segundo

reforço entre as 14 e as 16 semanas. Esta situação serve tanto para cães como para gatos.

Após este protocolo inicial o animal deve de ser revacinado após 12 meses, e depois a cada 3

anos segundo a WSAVA. 2,3

Isto deve-se ao facto das vacinas conseguirem produzir uma

memória imunitária vacinal durante vários anos.4 É preciso notar que agentes infeciosos como

Leptospira spp. ou o vírus da parainfluenza necessitam de mais reforços vacinais a fim de

garantirem uma proteção eficiente contra as mesmas, visto que a imunidade começa a diminuir

ao fim de um ano. 2

O CHV, em termos de protocolo inicial de vacinação, segue o que foi anteriormente

exposto, iniciando o protocolo a partir das 8 semanas, através da aplicação de uma vacina

pentavalente com ação contra o vírus da hepatite infeciosa canina, vírus da esgana, parvovirus,

vírus da parainfluenza e leptospirose seguida de dois reforços. No último reforço é feita em

simultâneo a vacina da raiva e a identificação eletrónica. Em Portugal a vacina da raiva é

obrigatória, bem como a identificação eletrónica para todos os cães nascidos a partir de 1 de

Julho de 2008.5,6

Esta situação nos gatos é opcional.

Na vida adulta do cão os reforços são feitos anualmente. No caso de falhar uma

inoculação anual, num cão com primovacinação realizada consoante o recomendado,

considera-se que uma administração sem qualquer tipo de reforço será suficiente, visto que as

vacinas conseguem produzir e manter a imunidade por vários anos. 3 Caso o animal inicie a

vacinação já na fase adulta, com o estado vacinal desconhecido, é recomendada uma

aplicação da vacina seguida de um reforço após 3-4 semanas. 2, 3

Nos gatos o plano vacinal, em termos de janela temporal é semelhante ao dos cães,

sendo utilizada uma vacina trivalente com ação sobre o calicivirus felino, o vírus da

panleucopénia felina e vírus da rinotraqueite felina. No CHV, aos proprietários com gatos que

tenham acesso ao exterior e contato com outros gatos de rua é recomendada a aplicação da

5

vacina contra o vírus da leucose felina (FeLV). Os animais são serologicamente testados e

apenas os negativos são vacinados.

1.2.3 - Clínica Médica

Dentro dos casos de clínica médica foram observados 162 cães e 130 gatos. Nos cães

registaram-se mais casos com afeções ligadas a doenças infeciosas e parasitárias seguidas de

casos de oncologia e de gastroenterologia. Já nos gatos foram observados mais casos na área

da urologia e nefrologia, seguido de doenças infeciosas e casos de gastroenterologia.

Tabela 3 – Distribuição da casuística em função das diferentes áreas de clínica médica (Fi, Fr (%)e

Fpi)

Área clínica médica Fi Fr Fip Cães Fip Gatos

Cardiologia 11 3,8% 8 3

Dermatologia 16 5,5% 12 4

Doenças Infeciosas e Parasitárias 35 12,0% 20 15

Endocrinologia 11 3,8% 5 6

Estomatologia 10 3,4% 4 6

Gastroenterologia 31 10,6% 18 13

Hematologia 6 2,1% 4 2

Neurologia 23 7,9% 17 6

Oftalmologia 7 2,4% 5 2

Oncologia 26 8,9% 19 7

Otorrinolaringologia 4 1,4% 1 3

Pneumologia 12 4,1% 4 8

Reprodução e Obstetrícia 8 2,7% 7 1

Sistema Músculoesquelético 16 5,5% 12 4

Toxicologia 6 2,1% 4 2

Traumatologia 24 8,2% 12 12

Urologia e Nefrologia 46 15,8% 10 36

Total 292 100,0% 162 130

1.2.3.1 - Cardiologia

Para o diagnóstico de afeções cardiovasculares é de grande importância a história

pregressa e um exame físico detalhado com recurso a meios imagiológicos. A história clínica

deve conter perguntas como o motivo da consulta do animal, quais os principais problemas

observados pelo dono, quando começaram e a progressão destes. A esta informação junta-se

a idade, o sexo e a raça do animal para auxiliar o clínico no processo de diagnóstico. O exame

6

físico deve ser feito de forma completa e sistemática, como a observação da atitude do animal,

sinais de perfusão, palpação cervical e abdominal e principalmente a auscultação para a

pesquisa de sopros e arritmias. O eletrocardiograma (ECG) e a ecocardiografia são os exames

complementares de eleição para o diagnóstico e estadiamento das patologias cardíacas.

Na tabela 4 podemos observar que a cardiomiopatia hipertrófica foi a afeção mais

observada em gatos, com uma Fr de 27,3% e em cães foi a doença valvular crónica, com Fr de

27,3%.

Tabela 4 – Distribuição da casuística em função das afeções cardíacas (Fi, Fr (%)e Fip)

Cardiologia Fi Fr Fip Cães Fip Gatos

Cardiomegália 1 9,1% 1 0

Cardiomiopatia dilatada 2 18,2% 2 0

Cardiomiopatia hipertrófica 3 27,3% 0 3

Doença valvular crónica 3 27,3% 3 0

Efusão pericárdica 1 9,1% 1 0

Neoplasia cardíaca 1 9,1% 1 0

Total 11 100,0% 8 3

1.2.3.2 - Dermatologia

A condição dermatológica mais observada foi a dermatite por contacto representado

Fr=18,8% dos casos de dermatologia, como é observado na tabela 5.

As lesões cutâneas podem ser primárias ou secundárias. O tamanho e distribuição das

lesões, em conjunto, com o tempo de início do surgimento das lesões, a sua duração e /ou

sazonalidade e tratamentos anteriormente realizados podem ajudar o médico veterinário a

elaborar uma lista de diagnósticos diferenciais. Através de testes e meios complementares de

diagnóstico é possível confirmar ou excluir estes diferenciais, de modo a chegar ao diagnóstico

final. Como testes de 1ª linha temos o teste da fita-cola, o tricograma, a raspagem superficial e

profunda, o teste da lâmpada de Wood, por último a citologia por aposição. A cultura fúngica e

bacteriana, biopsia de pele e testes intradérmicos são os testes de diagnóstico de segunda

linha. 7

Algumas doenças endócrinas como o hiperadrenocorticismo ou hipotiroidismo, ou

doenças autoimunes como lupús eritmatoso podem manifestar lesões cutâneas, pelo que para

além dos testes acima descritos, será necessário recorrer a outros meios complementares de

diagnóstico tais como hemograma, bioquímicas séricas e meios imagiológicos. 7

7

Tabela 5 - Distribuição da casuística em função das afeções dermatológicas (Fi, Fr (%)e Fip)

Dermatologia Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Abcesso percutâneo 2 12,5% 0 2

Angioedema 1 6,3% 1 0

Dermatite atópica 1 6,3% 1 0

Deiscência de sutura 1 6,3% 1 0

Dermatite acral por lambedura 1 6,3% 1 0

Dermatite alérgica à picada da pulga 1 6,3% 1 0

Dermatite húmida aguda 3 18,8% 3 0

Dermatite miliar 1 6,3% 0 1

Dermatite por Poxvírus 1 6,3% 0 1

Granuloma cutâneo 1 6,3% 1 0

Piodermatite 2 12,5% 2 0

Tecido granulação exuberante 1 6,3% 1 0

Total 16 100,0% 12 4

1.2.3.3 - Doenças Infeciosas e Parasitárias

A doença infeciosa com maior expressão nos cães foi a parvovirose (Frp=40%) e nos

gatos a rinotraqueíte felina (Fri=33,3%), como se pode observar na tabela 6.

As doenças infeciosas e parasitárias são de grande importância na saúde animal

devido ao risco que existe de transmissão destas entre as populações de animais e em alguns

casos também para os humanos. A prática veterinária nos animais de companhia passa

principalmente pela prevenção, quer através da vacinação como da desparasitação, como

também na educação dos proprietários.

8

Tabela 6 - Distribuição da casuística em função das afeções das doenças infeciosas e parasitárias

(Fi, Fr (%)e Fip)

Doenças Infeciosas e Parasitárias Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Coriza 1 2,9% 0 1

Esgana 6 17,1% 5 1

Febre de origem desconhecida 1 2,9% 0 1

Leucose felina (FeLV) 1 2,9% 0 1

Imunodeficiência felina (FIV) 1 2,9% 0 1

Gastroenterite parasitária 1 2,9% 1 0

Gastroentrite hemorrágica vírica 2 5,7% 2 0

Gastroentrite vírica 1 2,9% 1 0

Leptospirose 3 8,6% 3 0

Nemátodas gastrointestinais 2 5,7% 0 2

Panleucopénia felina 3 8,6% 0 3

Parvovirose 8 22,9% 8 0

Rinotraqueíte felina 5 14,3% 0 5

Total 35 100,0% 20 15

1.2.3.4 - Endocrinologia

As doenças endócrinas são processos complexos, quer na sua fisiopatologia como em

termos de diagnóstico. A história pregressa e o exame fisco têm de ser o mais detalhado

possível, de modo a encontrar sinais clínicos que permitam orientar o clínico na escolha dos

exames complementares seguintes até chegar ao diagnóstico final.

Na tabela 17 podemos observar que o hiperadrenocorticismo foi a doença mais

observada em cães e o hipertiroidismo foi a afeção endócrina mais registada em gatos.

Tabela 7 - Distribuição da casuística em função das afeções de endocrinologia (Fi, Fr (%)e Fip)

Endocrinologia Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Diabetes mielittus 2 18,2% 1 1

Hiperadrenocorticismo 3 27,3% 3 0

Hipertiroidismo 5 45,5% 0 5

Hipotiroidismo 1 9,1% 1 0

Total 11 100,0% 5 6

O hipertiroidismo é a doença endócrina mais comum em gatos. Os gatos hipertiroideos

possuem adenomas na tiroide ou tecido hiperplásico, que resulta numa produção exagerada

das hormonas tiroides.

9

1.2.3.5 - Estomatologia

Nesta secção encontram-se as patologias da cavidade bucal. A patologia mais

observada foi a doença periodontal (Fr=60%), tanto em cães como gatos, como registado na

tabela 8.

A doença periodontal consiste num conjunto de afeções induzidas pela placa

bacteriana. Esta situação inicia um processo gengivite e que quando não é tratada causa uma

inflamação dos tecidos periodontais (periodontite). A gengivite é uma condição reversível, no

entanto, a periodontite é uma inflamação irreversível e progressiva. O tratamento da doença

periodontal consiste na diminuição da placa bacteriana e consequente inflamação dos tecidos,

na recuperação da gengiva e em prevenir a destruição de mais tecido periodontal. O não

tratamento desta condição pode levar a bacteriemia, dor e em casos mais avançados a perda

dos dentes.8

Tabela 8 - Distribuição da casuística em função das afeções na área de estomatologia (Fi, Fr (%)e

Fip)

Estomatologia Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Abcesso dentário 1 10,0% 0 1

Doença periodontal 6 60,0% 3 3

Estomatite 2 20,0% 0 2

Persistência de dentição decídua 1 10,0% 1 0

Total 10 100,0% 4 6

10

1.2.3.6- Gastroenterologia e glândulas anexas

A indiscrição alimentar (Fr=50%) foi a afeção mais observada nos cães. Nos gatos a

maior parte dos casos foram pancreatites (Fr=23,3%), como podemos ver na tabela 9.

A dilatação gástrica e a torção volvo-gástrica foram apenas observadas em cães

enquanto a ingestão de um corpo estranho linear foi observada apenas em gatos.

Tabela 9 – Distribuição da casuística em função das afeções na área de gastroenterologia (Fi, Fr

(%)e Fip)

Gastroenterologia Fi Fr Fip Cães Fip Gatos

Corpo estranho linear 2 6,5% 0 2

Dilatação gástrica 3 9,7% 3 0

Fecaloma 2 6,5% 0 2

Doença inflamatória intestinal 1 3,2% 1 0

Indiscrição alimentar 10 32,3% 9 1

Lipidose hepática 3 9,7% 0 3

Pancreatite 5 16,1% 2 3

Peritonite séptica 1 3,2% 0 1

Torção volvo-gástrica 3 9,7% 3 0

Úlcera duodeno proximal 1 3,2% 0 1

Total 31 100,0% 18 13

A pancreatite é uma doença frequente em gatos e tem uma forma aguda e uma

crónica. Embora muitas vezes associada a outras patologias na maior parte dos casos não é

identificada a causa e é então designada de idiopática.9 É uma doença que nos últimos anos

desencadeou um aumento no número de estudos em gatos, sendo que ainda pouco se sabe

da doença, nomeadamente na forma crónica.9,10

Esta forma encontra-se normalmente

associada a outras doenças como lipidose hepática, diabetes mellitus, doença inflamatória

intestinal (IBD) ou insuficiência pancreática exócrina (IPE). 9

A pancreatite é de difícil diagnóstico pela presença de sinais clínicos não específicos,

fraco valor de diagnóstico do hemograma, bioquímicas e exames complementares

imagiológicos. A medição da lipase pancreática felina (fPLI) demonstrou ser um parâmetro de

diagnóstico fiável, embora com uma aplicação mais limitada na forma crónica.9

Os gatos respondem de forma positiva ao uso corticosteroides, como tratamento da

pancreatite, e nesta espécie é extremamente importante assegurar o aporte nutricional o mais

rapidamente possível para evitar o surgimento de uma lipidose hepática.10

11

1.2.3.7- Hematologia

Na tabela 10 podemos observar que, das patologias relacionadas com o sangue, a

tombocitopenia imunomediada foi a mais observada em cães (33,3%) e em gatos foi o

tromboembolismo aórtico (33,3%).

Tabela 10 - Distribuição da casuística em função das afeções na área da hematologia (Fi, Fr (%)e

Fip)

Hematologia Total Fr (%) Cães Gatos

Suspeita de policitemia vera 1 16,7% 1 0

Trombocitopenia imunomediada 2 33,3% 2 0

Tromboembolismo aórtico 2 33,3% 0 2

Tromboembolismo pulmonar 1 16,7% 1 0

Total 6 100,0% 4 2

1.2.3.8 - Neurologia

Um exame neurológico completo permite localizar a possível origem da lesão. Através

da história clínica, sabendo o início e a evolução dos sinais clínicos, é possível elaborar uma

lista de diagnósticos diferenciais. A utilização de meios complementares de diagnóstico permite

chegar a um diagnóstico definitivo.

Na tabela 11, as afeções mais observadas na área de neurologia foram a epilepsia

primária (Fr=16,7%) e hérnias discais (Fr=22,2%) em cães e nos gatos o Síndrome de Horner

(Fr=40%).

12

Tabela 11 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de neurologia

(Fi, Fr (%)e Fip)

Neurologia Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Convulsões de origem desconhecida 2 8,7% 1 1

Encefalopatia hepática 1 4,3% 1 0

Epilepsia primária 4 17,4% 3 1

Hérnia discal 4 17,4% 4 0

Hidrocefalia 2 8,7% 2 0

Massa intracraniana 2 8,7% 2 0

Meningite origem desconhecida 1 4,3% 1 0

Meningite responsiva a esteróides 1 4,3% 1 0

Mielomalácia 1 4,3% 1 0

Síndrome de Horner 2 8,7% 0 2

Síndrome vestibular 1 4,3% 0 1

Suspeita de massa intracraniana 1 4,3% 1 0

Suspeita de Miastenia Gravis 1 4,3% 1 0

Total 23 100,0% 18 5

A epilepsia idiopática, ou epilepsia primária, é definida como a ocorrência de

convulsões de forma crónica, sem lesões cerebrais estruturais ou outros sinais neurológicos

associados. A maioria dos cães com epilepsia primária sofre a primeira convulsão entre o

primeiro ano de vida e os 5 anos de idade. Os cães podem ter convulsões, de origem focal ou

generalizada e por vezes mistas. Nos gatos é menos comum a existência de epilepsia primária

em comparação com os cães. 11

Uma história pregressa detalhada e precisa é a base do diagnóstico. A descrição das

convulsões pelo proprietário, a sua frequência e duração e o comportamento do animal entre

convulsões devem de ser registadas. Qualquer alteração observada antes ou depois da

convulsão deve ser caracterizada. É importante questionar o proprietário relativamente ao

histórico de convulsões do paciente, doenças concomitantes, medicação atual, estado vacinal,

dieta e possível exposição a tóxicos. A epilepsia primária é um diagnóstico clínico baseado na

idade de início das convulsões, ausência de alterações neurológicas entre as convulsões

(tempo interictal) e exclusão de outras causas de convulsões. 11

O tratamento é recomendado para animais com convulsões frequentes, em pacientes

que tiveram um episódio de status epilepticus ou clusters, ou com uma doença progressiva que

seja responsável pelas convulsões. O fenobarbital e o brometo de potássio são os fármacos de

primeira linha no tratamento da epilepsia primária. A dose inicial de fenobarbital é de 2-3 mg/Kg

a cada doze horas, e pode ser progressivamente aumentada até a uma dose máxima 6 mg/kg

de forma a manter níveis séricos de fenobarbital de 20 a 35 mg/mL. Nas primeiras semanas de

tratamento podem ser observados casos de hiperexcitação. O fenobarbital tem como principal

13

limitação o facto de causar sedação, pelo que pode ser um desafio encontrar a dose certa a fim

de controlar as convulsões mas sem deixar o paciente demasiado sedado. Em administrações

pronlongadas de fenobarbital foram observados casos de hepatotocixidade. Nestas situações

os animais apresentam anorexia, sedação, ataxia, icterícia e ascite. O brometo de potássio é

eficaz como fármaco adjuvante na primeira linha no tratamento da epilepsia primária nas

situações em que o tratamento com o fenobarbital por si não providencia um controlo

adequado das convulsões. A dose inicial do brometo de potássio é de 20-30 mg/kg, uma vez

por dia, administrado com a comida. 11

1.2.3.9 - Oftalmologia

No exame oftalmológico, os dois olhos e todas as estruturas adjacentes devem de ser

observados sobre uma boa fonte luminosa. A utilização de equipamentos e técnicas básicas

como o oftalmoscópio, corantes de fluoresceína e tiras de Schirmer, para medir a produção de

lagrima e a realização de zaragatoas permite o diagnóstico das afeções oftálmicas mais

frequentes. Para uma avaliação mais específica, esta deverá ser realizada por um especialista

com acesso a equipamentos de tonometria, lâmpada de fenda, oftalmologia indireta,

eletroretinografia, gonioscopia e ecografia oftálmica.

Na tabela 12 a afeção mais observada em cães foi a úlcera indolente (Fr= 28,6%).

Tabela 12 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de oftalmologia

(Fi, Fr (%)e Fip)

Oftalmologia Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Conjuntivite crónica 1 14,3% 0 1

Hipopion 1 14,3% 0 1

Melting ulcer 1 14,3% 1 0

Proptose do olho 1 14,3% 1 0

Úlcera Indolente 2 28,6% 2 0

Uveíte 1 14,3% 1 0

Total 7 100,0% 5 2

1.2.3.10 - Oncologia

Face aos avanços da Medicina Veterinária a esperança média de vida dos animais de

companhia tem aumentado. Associado a esse facto também tem aumentado o aparecimento

de afeções relacionadas com idades geriátricas como por exemplo as neoplasias.

A natureza e o tipo de células da massa só podem ser determinados através da

realização de uma citologia ou histopatologia. As amostras citológicas podem ser obtidas por

14

punção aspirativa por agulha fina (PAAF) ou por aposição de uma lâmina. O diagnóstico

definitivo só é obtido através da Histopatologia. Segundo Nelson e Couto (2013), em mais de

70% dos diagnósticos obtidos nas citologias são coincidentes com as histopatologias. A

avaliação citológica é cada vez mais utilizada para obter informações que permitem um

diagnóstico definitivo, tendo um custo e um risco inferior em comparação com a biopsia.12

Como podemos observar na tabela 13 as neoplasias com mais expressão nos cães

foram os Hemangiossarcomas Fr=31,6%) e nos gatos foram os Linfomas.

Tabela 13 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de oncologia (Fi,

Fr (%)e Fip)

Oncologia Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Carcinoma das células escamosas 2 7,7% 0 2

Feocromocitoma 1 3,8% 1 0

Fibrossarcoma 1 3,8% 1 0

Hemangiossarcoma 6 23,1% 6 0

Linfoma esplénico 2 7,7% 0 2

Linfoma intestinal 1 3,8% 0 1

Linfoma mediastínico 1 3,8% 0 1

Lipoma 1 3,8% 1 0

Mastocitoma grau III 1 3,8% 1 0

Neoplasia adrenal 1 3,8% 1 0

Neoplasia esplénica 1 3,8% 1 0

Neoplasia no mediastino cranial 1 3,8% 0 1

Neoplasia oronasal 1 3,8% 1 0

Sarcoma dos sacos anais 1 3,8% 1 0

Suspeita de Linfoma 2 7,7% 2 0

Suspeita Hemangiossarcoma 3 11,5% 3 0

Total 26 100,0% 19 7

1.2.3.11 - Otorrinolaringologia

Dentro desta área encontram-se as afeções relacionadas com o canal auditivo e

pavilhão auricular e as vias aéreas superiores (cavidade nasal, nasofaringe, laringe e traqueia

torácica).

Foram observados quatro casos, como observado na tabela 14.

15

Tabela 14 - Distribuição casuística em função das afeções observadas na área de

otorrinolaringologia (Fi, Fr (%)e Fip)

Otorrinolaringologia Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Otite bacteriana 1 25,0% 0 1

Otite bacteriana (pseudomonas) 1 25,0% 0 1

Estenose nasofaríngea 1 25,0% 0 1

Neoplasia do canal auditivo 1 25,0% 1 0

Total 4 100,0% 1 3

1.2.3.12 - Pneumologia

Esta secção diz respeito às afeções do trato respiratório inferior, onde nos gatos a

patologia mais observada foi a efusão pleural (Fr=16,7%) e nos cães o pneumomedediastino

idiopático (Fr=16,7%), como observado na tabela 15.

Tabela 15 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de pneumologia

(Fi, Fr (%)e Fip)

Pneumologia Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Asma Felina 1 8,3% 0 1

Bronquite crónica 1 8,3% 1 0

Consolidação pulmonar 1 8,3% 0 1

Dispneia inspiratória crónica 1 8,3% 0 1

Efusão pleural 2 16,7% 0 2

Piotórax 1 8,3% 0 1

Pneumomediastino idiopático 2 16,7% 2 0

Pneumonia 1 8,3% 0 1

Pneumotorax idiopático 1 8,3% 1 0

Pneumotorax traumático 1 8,3% 0 1

Total 12 100,0% 4 8

O pneumomediastino é caracterizado pela acumulação de ar no mediastino e

normalmente ocorre por rutura da traqueia, brônquios ou alvéolos. Ocorre devido a situações

como rasgões causados por mordeduras no pescoço, alterações na pressão intratorácica como

tosse, trauma ou esforço respiratório acrescido e causas iatrogénicas como colocação do tubo

endotraqueal, lavagem traqueal e traqueostomia. Os animais devem de ser colocados em

repouso absoluto (cage rest) a fim de permitir a reparação natural da lesão. Caso o problema

persista e comprometa a função respiratória, deverá ser realizada uma broncoscopia a fim de

identificar a lesão e realizar a sua reparação cirúrgica. 13

16

1.2.3.13 - Reprodução e obstetrícia

Na tabela 16 encontram-se os casos relacionados com a área de reprodução e

obstetrícia. A piómetra foi a afeção mais observada em cadelas (Fr=50%).

Tabela 16 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de reprodução e

obstetrícia (Fi, Fr (%)e Fip)

Reprodução e Obstetrícia Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Edema da glande 1 12,5% 1 0

Endometrite 1 12,5% 1 0

Hidrómetra 1 12,5% 0 1

Orquíte 1 12,5% 1 0

Piómetra 4 50,0% 4 0

Total 8 100,0% 7 1

A piómetra é uma afeção relativamente comum em cadelas não esterilizadas. A

patofisiologia ainda não está completamente estabelecida, mas a influência dos estrogénios

seguida da estimulação da progesterona em conjunto com uma infeção bacteriana são fatores

para o estabelecimento da piómetra. A infeção bacteriana tem origem na flora natural do útero

e a bactéria isolada mais comum é a Esherichia coli. O tratamento de eleição para a piómetra é

a ovariohisterectomia (OVH).14

Existe tratamento médico através de fármacos tais como: antagonistas dos recetores

de progesterona (aglepristona e mifepristona); prostaglandinas (dinoprost, cloprostenol);

agonistas de dopamina (cabergolina) ou uma combinação destes fármacos. O tratamento

médico é utilizado em situações de manutenção de fertilidade e nos casos em que se pretende

evitar a cirurgia e a anestesia (ex: animais geriátricos, doenças concomitantes). Este tipo de

tratamento é associado à administração de antibióticos, sendo os mais utilizados a

enrofloxacina e a amoxicilina com ácido clavulânico. 14

17

1.2.3.14 - Sistema Músculoesquelético

Na tabela 17 podemos observar que as fraturas ósseas constituíram a maior

percentagem de casos na especialidade do aparelho músculo-esquelético. Este tipo de fraturas

estiveram associadas a situações de traumatismo como quedas

Tabela 17 - Distribuição da casuística em função das afeções do aparelho músculo-esquelético (Fi,

Fr (%)e Fpi)

Sistema músculoesquelético Total Fr (%) Cães Gatos

Artrose do cotovelo 1 6,3% 1 0

Displasia da anca 1 6,3% 1 0

Fratura de bacia 1 6,3% 0 1

Fratura de costelas 1 6,3% 0 1

Fratura de fémur 2 12,5% 1 1

Fratura de rádio 1 6,3% 1 0

Hérnia Perianal 1 6,3% 1 0

Higroma 1 6,3% 1 0

Lesão de osteólise 2 12,5% 1 1

Luxação medial da rótula 1 6,3% 1 0

Necrose asséptica da cabeça do fémur 1 6,3% 1 0

Rutura de ligamento cruzado cranial 2 12,5% 2 0

Tenosinuvite bicipital 1 6,3% 1 0

Total 16 100,0% 12 4

1.2.3.15 - Toxicologia

Na tabela 18 encontram-se os casos observados na área de toxicologia, onde a

intoxicação mais descrita foi a ingestão de rodenticidas nos cães. (Fr=33,3%)

Tabela 18 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de toxicologia

(Fi, Fr (%)e Fip)

Toxicologia Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Ingestão de pílula 1 16,7% 1 0

Intoxicação com cola 1 16,7% 0 1

Intoxicação por moluscicidas 1 16,7% 1 0

Intoxicação por permetrinas 1 16,7% 0 1

Intoxicação por rodenticidas 2 33,3% 2 0

Total 6 100,0% 4 2

18

Para o diagnóstico e tratamento de casos toxicológicos é essencial uma história

pormenorizada e completa. Raça, sexo, idade, peso, medicação anterior e atual,

comportamento do animal, doenças concomitantes, contacto com outros animais, eventual

exposição a tóxicos e inicio e tipo de sinais clínicos fazem parte da história clinica necessária

para a identificação da intoxicação, da progressão desta e do tratamento necessário. 15

Estes pacientes são avaliados de acordo com os protocolos de triagem e o protocolo

ABC (airway, breathing and circulation), para garantir primeiramente a estabilização do

paciente. O passo seguinte consiste na descontaminação do paciente, que varia consoante o

tipo de intoxicação presente. Banhos são realizados nas situações de contacto do tóxico com a

pele, e lavagens gástricas para os animais que ingeriram o tóxico. 16

A ingestão de

medicamentos (ex: paracetamol), pesticidas (ex: organofosforados, dicumarínicos) e plantas

tóxicas são alguns dos tóxicos que mais encontramos na prática veterinária.16, 17

Existem poucos antídotos, e o tratamento dos casos de intoxicação devem ser

direcionados para tratar o paciente e não o tóxico. 16

O tratamento final consiste no suporte

para a sintomatologia e alterações orgânicas que o tóxico cria.16

Os casos registados consistiram na ingestão de rodenticidas anticoagulantes. Estes

rodenticidas inibem a ativação da vitamina K1, que é responsável pela ativação dos fatores de

coagulação II, VII, IX e X. A enzima vitamina K epóxido redutase é inibida, o que resulta numa

diminuição da forma ativa da vitamina K1. 16

O tratamento consiste na administração de eméticos e carvão ativado nas primeiras 4

horas, após a intoxicação a fim de retirar qualquer conteúdo tóxico que esteja no estômago e

impedir a absorção deste no trato gastrointestinal. Quando surgem os primeiros sinais clínicos

(fraqueza, mucosas pálidas, poliúria, polidipsia) deve ser aplicada terapia específica, que

consiste na administração de vitamina K1, por via oral, em doses de 1,5-2,5 mg/kg a cada doze

horas. Nas situações de emergência, a vitamina K1 pode ser administrada por via subcutânea

numa dose inicial de 5mg/kg, até à estabilização do paciente através de transfusão de sangue

total ou plasma. De forma a restaurar a atividade dos fatores de coagulação dependentes da

vitamina K, a vitamina K1 deve de ser administrada, após 12horas da última administração

subcutânea, apenas por via oral numa dose de 2,5-5mg/kg a cada 24 horas, entre três a seis

semanas.18

1.2.3.16 - Traumatologia

Nesta secção encontram-se os casos relacionados com situações de traumatismos

agudos, normalmente mecânicos, associados a quedas, atropelamentos, queimaduras ou

mordeduras.

Os politraumatizados são pacientes que apresentavam mais do que um tipo de lesão,

por norma associados a situações de atropelamento, quedas, lutas ou sem causa conhecida.

Normalmente podem apresentar fraturas ósseas, escoriações, lacerações, hematomas, sinais

19

de hemorragia, contusão pulmonar entre outros. Os politraumatizados constituíram 41,6% dos

casos de traumatologia que deram entrada no hospital, como descrito na tabela 19.

Tabela 19 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de traumatologia

(Fi, Fr (%)e Fip)

Traumatologia Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Hérnia diafragmática 1 4,2% 0 1

Laceração de membro 1 4,2% 0 1

Laceração por mordedura 6 25,0% 5 1

Múltiplas fraturas 2 8,3% 0 2

Politraumatizado 8 33,3% 4 4

Politraumatizado por atropelamento 2 8,3% 1 1

Queimadura 1 4,2% 0 1

Traumatismo craniano 2 8,3% 1 1

Traumatismo craniano por atropelamento 1 4,2% 1 0

Total 24 100,0% 12 12

1.2.3.17 - Urologia e Nefrologia

Na tabela 20 podemos observar que tanto em cães como em gatos a patologia mais

observada foi a doença renal crónica (DRC), com uma distribuição de 50,0% e de 63,9% dos

casos, respetivamente. A Insuficiência Renal Aguda (IRA) nos cães foi a segunda afeção mais

observad, enquanto que nos gatos foi a síndrome do trato urinário inferior felino (FLUTD).

Tabela 20 - Distribuição da casuística em função das afeções observadas na área de urologia e

nefrologia (Fi, Fr (%)e Fip)

Urologia e Nefrologia Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Cistite idiopática 1 2,2% 0 1

FLUTD 8 17,4% 0 8

Hidronefrose 1 2,2% 0 1

IRA 2 4,3% 2 0

DRC 28 60,9% 5 23

Infeção do trato urinário inferior 3 6,5% 2 1

Obstrução de pelvis renal 1 2,2% 0 1

Pielonefrite 1 2,2% 0 1

Urolitíase 1 2,2% 1 0

Total 46 100,0% 10 36

20

A DRC é a doença renal mais comum em cães e é definida pela presença de

alterações estruturais e/ou funcionais de um ou dos dois rins, existentes por um longo período

de tempo. Embora seja uma doença de caracter progressivo, o diagnóstico precoce e a

terapêutica aplicada podem melhorar a quantidade e a qualidade de vida bem como a

progressão da doença. Existem fatores de risco como a idade e o tamanho do animal, havendo

uma maior prevalência em raças como Shar Pei, English Cocker Spaniel, West Highland Terrier

e Boxer. As doenças cardíacas encontram-se significativamente associadas em cães com

DRC.19

A IRIS - International Renal Interest Society estabeleceu diversas guidelines de modo a

facilitar o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico para cães e gatos. A doença encontra-se

atualmente dividida em 4 estadios baseando-se nos valores de creatinina e ureia séricos, no

rácio proteína/creatinina urinária e na medição da pressão arterial. 19

1.2.4 - Clínica Cirúrgica

Durante o período de estágio, as cirurgias de tecidos moles corresponderam a 76,8%

das cirurgias observadas. A ortopedia foi a segunda cirurgia mais realizada correspondendo a

10,7% dos casos, como registado na tabela 21.

Tabela 21 - Distribuição da casuística em função das diferentes áreas de clínica cirúrgica (Fi, Fr

(%)e Fpi)

Clínica cirúrgica Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Cavidade bucal 10 8,9% 7 3

Cirurgia de tecidos moles 86 76,8% 56 30

Neurocirurgia 4 3,6% 4 0

Ortopedia 12 10,7% 8 4

Total 112 100,0% 75 37

1.2.4.1 - Cirurgia de tecidos moles

Na tabela 22 podemos observar que a ovariohisterectomia (OVH) foi a cirurgia mais

observada durante o período de estágio, correspondendo a 37,2% das cirurgias de tecidos

moles. As OVH foram realizadas tanto como tratamento de situações de piómetra, como de

forma eletiva. A realização da OVH quer em cadelas como gatas demonstrou reduzir o risco de

neoplasias mamárias nas mesmas. Após a realização da OVH a maior parte dos animais

apresenta tendência para a obesidade, que pode ser controlada através de exercício e de uma

dieta com uma menor quantidade de hidratos de carbono.20

21

Tabela 22 - Distribuição da casuística em função das cirurgias de tecidos moles observadas (Fi, Fr

(%)e Fip)

Procedimento Total FR Cães Gatos

Cesariana 1 1,2% 1 0

Cherry eye 1 1,2% 1 0

Enteretomia 1 1,2% 0 1

Enucleação 1 1,2% 1 0

Esplenectomia 5 5,8% 5 0

Laparotomia exploratória 1 1,2% 1 0

Mastectomia 7 8,1% 7 0

Nodulectomia 10 11,6% 8 2

Orquiectomia 13 15,1% 3 10

Resolução de otohematoma 1 1,2% 1 0

Ovariohisterectomia (OVH) 32 37,2% 18 14

OVH gestante 2 2,3% 2 0

Sutura de aproximação 5 5,8% 4 1

Tarsorrafia 1 1,2% 1 0

Gastropexia 3 3,5% 3 0

Osteotomia da bolha timpânica 2 2,3% 0 2

Total 86 100% 56 30

1.2.4.2 - Cavidade bucal

Dentro desta seção encontram-se as cirurgias da cavidade bucal. Na tabela 23

observamos que o procedimento cirúrgico mais realizado foi a destartarização, que

correspondeu a 50% das cirurgias realizadas.

Tabela 23 - Distribuição da casuística em função das cirurgias da cavidade bucal observadas (Fi,

Fr (%)e Fip)

Cavidade bucal Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Destartarização 5 50,0% 5 0

Extração dentária 4 40,0% 1 3

Extração do dente carniceiro 1 10,0% 1 0

Total 10 100,0% 7 3

22

1.2.4.3 - Neurocirurgia

Na tabela 24 podemos verificar que foram observadas quatro neurocirurgias, uma

hemilaminectomia (Fr= 25%) e três ventral slot (Fr=75%). Todos os procedimentos foram

realizados em cães com hérnias discais toracolombar e cervical, respetivamente.

Tabela 24 - Distribuição da casuística em função das neurocirurgias observadas (Fi, Fr (%)e Fip)

Neurocirurgia Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Hemilaminectomia 1 25,0% 1 0

Ventral Slot 3 75,0% 3 0

Total 4 100,0% 4 0

1.2.4.4 - Ortopedia

Na tabela 23 observamos que os procedimentos cirúrgicos mais observados foram as

osteossínteses.

Tabela 25 - Distribuição da casuística em função das cirurgias de ortopedia observadas (Fi, Fr (%)e

Fip)

Ortopedia Fi Fr (%) Fip Cães Fip Gatos

Amputação de dígito 2 16,7% 2 0

Amputação de membro 1 8,3% 1 0

Osteossíntese de fémur 2 16,7% 1 1

Osteossíntese de tíbia 2 16,7% 0 2

Remoção de placas de osteossíntese 1 8,3% 0 1

Resolução de luxação patelar 1 8,3% 1 0

Resseção da cabeça do fémur 1 8,3% 1 0

TPLO 2 16,7% 2 0

Total 12 100,0% 8 4

23

1.2.5 - Imagiologia

A imagiologia foi um dos principais meios complementares de diagnóstico, como se

pode observar na tabela 28. No gráfico 2 é possível verificar que a radiografia e ecografia

foram os meios imagiológicos mais utilizados.

. Tabela 26 – Distribuição dos meios imagiológicos realizados por espécie (Fi, Fpi)

Fi Cães Gatos

Imagiologia 201 129 72

Gráfico 2 – Distribuição dos meios imagiológicos realizados. (N=201)

TAC

Ecografia abdominal

Ecocardiografia

Ecografia oftálmica

Ecografia de gestação

Radiologia

Endoscopia

Colonoscopia

Broncoscopia

0 20 40 60 80 100 120 140

Distribuição dos meios imagiológicos realizados

24

1.2.6 - Outros exames complementares/procedimentos médicos

Ao longo do estágio houve diversos procedimentos médicos e exames complementares

de diagnóstico que não foram possíveis de ser quantificados. De entre os quais:

Colheita de amostras para realização de citologias, histopatologias e biópsias

Testes rápidos de imunocromatografia (ex: FIV e FeLV)

Electrogardiogramas

Medição de pressões arteriais

Análises sanguíneas (hemograma, bioquímica e gases sanguíneos)

Cateterizações

Urianálise tipo I

Cistocentese

Algaliação

Abdominocentese

Pericardiocentese

Toracocentese

Lavagem torácica

Quimioterapia

Transfusão de sangue inteiro e tipificação sanguínea

Realização de pensos

25

Parte II – Estabilização do paciente em choque e monitorização

nas primeiras 24 horas

2.1 - Conceito

Choque é definido como uma inadequada produção de energia a nível celular. Ocorre

secundariamente a uma má perfusão dos tecidos quer pelo baixo fluxo sanguíneo quer por

uma distribuição desequilibrada do mesmo, o que leva a um decréscimo no oxigénio distribuído

(DO2) pelos tecidos. 21,22,23,24

O choque é classificado tendo em conta a sua fisiopatologia: hipovolémico,

cardiogénico, distributivo, metabólico e hipoxémico. Embora as alterações metabólicas

(hipoglicémia, exposição a tóxicos) e a hipoxémia (anemia severa, disfunção pulmonar,

metehemoglobinémia) resultem numa diminuição da produção de energia, as causas mais

frequentes de choque devem-se a uma falha nos principais mecanismos hemodinâmicos:

perda de volume intravascular (choque hipovolémico), má distribuição do volume vascular

(choque distributivo) ou falha da bomba cardíaca (choque cardiogénico). 24,25

Estes três tipos de choque são os mais comuns na medicina veterinária 25

pelo que

terão maior enfase neste relatório.

2.2 - Tipos de Choque

2.2.1 - Choque hipovolémico

O choque hipovolémico está associado à diminuição do volume intravascular. Esta

diminuição pode ocorrer devido a hemorragias (internas ou externa) ou a perdas de plasma,

fluídos e eletrólitos (vómito, diarreia, queimadura, poliúria e desidratação severa). 22,

24

O choque hipovolémico leva a uma diminuição do DO2 e em estádios mais tardios, a

uma diminuição do oxigénio consumido que leva a alterações do metabolismo celular, morte

celular, síndrome de disfunção multiorgânica (MODS) e morte.22

2.2.2 - Choque cardiogénico

O choque cardiogénico, apesar de um volume intravascular adequado, ocorre devido a

uma disfunção cardíaca que resulta numa diminuição do débito cardíaco e consequentemente

numa inadequada perfusão dos tecidos. 26,27

Normalmente resulta da exacerbação de uma

doença cardíaca já diagnosticada. Qualquer problema cardíaco, se severo o suficiente, pode

levar a choque cardiogénico ou paragem cardíaca. 27

26

Nas situações, em que não existe um diagnóstico prévio, as causas mais comuns de

choque cardiogénico são doenças cardíacas agudas como a efusão pericárdica ou doenças

cardíacas com início lento em que há um atraso por parte dos proprietários em levar o animal

ao médico veterinário. 27

A rutura de uma corda tendinosa, rutura do átrio esquerdo na sequência de

insuficiência mitral crónica, cardiomiopatia dilatada, síndrome da veia cava associado à

Dirofilária spp ou doenças congénitas são exemplos de afeções cardíacas que podem levar a

uma insuficiência cardíaca. 27

A insuficiência cardíaca pode ser definida como forward ou backward. A insuficiência

cardíaca backward ocorre secundariamente a um aumento da pressão venosa, ao passo que a

insuficiência forward ocorre com uma redução do fluxo sanguíneo através da aorta. O choque

cardiogénico deve-se a uma insuficiência cardíaca tipo forward. Apesar do volume intravascular

adequado existe hipoperfusão dos tecidos devido a uma disfunção cardíaca que causa uma

diminuição no volume de ejeção (VE). O volume de ejeção é determinado pela pré-carga, pós-

carga e contractilidade cardíaca, pelo que alterações num destes componentes podem gerar

choque cardiogénico. 26

A disfunção cardíaca pode ser definida como uma falha durante a sístole ou a diástole

cardíaca, que resulta num deficiente volume de ejeção na fase de contração ou um fraco

enchimento das câmaras cardíacas na diástole. 26

Tabela 27 – Exemplos de disfunção cardíaca durante a sístole a diástole. Adaptado de Silverstein,

Deborah C.; Hopper, Kate, Small Animal Critical Care, Capítulo 35 26

Fase do

ciclo Problema Exemplos

Sís

tole

Falha de contratilidade

Cardiomiopatia dilatada

Sepsis

Endomiocardite

Enfarte do miocárdio

Falha mecânica

Estenose aórtica

Cardiomiopatia hipertrófica

obstrutiva

Doença valvular crónica

Rutura de corda tendinosa

Diá

sto

le

Restrição física Tamponamento cardíaco

Não distensão do miocárdio Cardiomiopatia hipertrófica

Tempo de enchimento das

câmaras reduzido

Taquiarritmias (por doença cardíaca

primária ou sistémica)

27

2.2.3 - Choque distributivo

O choque distributivo resulta de alterações no tónus vascular, em que a resistência

vascular encontra-se inadequada em diversos órgãos e tecidos. Ocorre estase sanguínea,

ativação da cascata da coagulação e ativação plaquetária que levam a hipoperfusão, isquemia,

MODS e morte. 25, 28

As alterações vasculares e celulares que encontramos neste processo dependem da

libertação dos mediadores inflamatórios a nível global. 28

A sobreprodução de óxido nítrico (ON), a depleção da vasopressina endógena, a

inibição dos recetores de catecolaminas e alterações no metabolismo do cálcio no músculo

liso, são alguns dos mecanismos responsáveis pelas alterações do tónus vascular.28

Nas causas mais comuns temos os processos de sepsis (choque séptico) e SIRS

(síndrome resposta inflamatória sistémica), reações anafiláticas (choque anafilático), obstrução

do fluxo sanguíneo (choque obstrutivo), trauma e doença neurológica (choque neurogénico). 25

2.2.3.1 - Choque anafilático

A anafilaxia é uma reação de hipersensibilidade que ocorre devido a um contacto com

um alergénio. 28,

29

Os alergénios mais comuns são fármacos, vacinas, picadas de insetos ou

alimentos, que desencadeiam uma reação de hipersensibilidade do tipo I (associada a IgE),

mas as reações do tipo II e tipo III (por imuno-complexos) também já foram identificadas como

possíveis causas de anafilaxia.29

Quando o alergénio entra em contacto com o animal liga-se

às IgE que se encontram fixadas à superfície dos mastócitos e os basófilos, promovendo a

desgranulação destes e a libertação dos mediadores bioquímicos como a histamina, triptase,

heparina e outros. A histamina, pensa-se que seja o mediador mais importante na anafilaxia,

ativa os recetores H1, H2 e H3. A ativação dos recetores H1 e H2 causam a maioria dos sinais

clínicos (prurido, taquicardia, broncoespamos, hipotensão) e estimulam a produção de óxido

nítrico (ON), um potente vasodilatador, ao estimularem os recetores H1 nas células endoteliais.

29 A estimulação dos recetores H3 nos terminais pré-sinapticos do sistema nervoso simpático

inibe a libertação de norepinefrina, o que resulta num aumento dos sintomas do paciente, uma

vez que o mecanismo de resposta se encontra inibido. 29

Este tipo de choque é caracterizado por vasodilatação que causa estase venosa e

diminuição da pressão arterial e um aumento da permeabilidade capilar que resulta em

hipovolemia por perda de plasma para os tecidos. O paciente pode apresentar sinais clínicos

como prurido, urticária, angioedema, edema da laringe e broncoespasmo. 28

28

2.2.3.1 - Sepsis e choque séptico

A sepsis é uma síndrome clinica causada pela infeção do organismo por um agente

patogénico (bactérias, vírus, fungos) e a resposta inflamatória sistémica ao mesmo. 30

Os focos de infeção mais comuns nos cães são peritonite, piómetra, pielonefrite,

pneumonia e endocardite. Nos gatos os focos de infeção mais comuns são peritonite,

pneumonia, pielonefrite e também piotórax. 31

As bactéricas entéricas gram-negativas são descritas mais vezes como a causa mais

comum de sepsis.31

As fontes bacterianas gram-negativas mais comuns vêm dos sistemas gastrointestinal

e genito-urinário. A porção lipídica A da camada lipopolissacárida (LPS), da membrana

bacteriana, tem a capacidade de desencadear a cascata inflamatória do processo séptico,

através da produção do Fator de Necrose Tumoral (TNF-α).31,32

A ativação da cascata inflamatória pelas bactérias gram-positivas ocorre em resposta a

componentes da parede celular e a exotoxinas. Estas últimas atuam como antigénios e

induzem a proliferação de linfócitos T a nível sistémico que por sua vez libertam citoquinas

inflamatórias como Interferão-Y e o TNF-α.31, 32,33

A ativação da cascata da coagulação está associada às primeiras fases de sepsis e

choque séptico. 31

Os mediadores da inflamação, como o TNF-α, são responsáveis pela

ativação da cascata da coagulação e pelo fator de ativação plaquetário (FAAP), que leva a um

estado de hipercoagulabilidade com a formação de agregados plaquetários e trombos,

causando lesões micro vasculares, tromboembolismo pulmonar e progressão para coagulação

vascular disseminada (CID).31

A sepsis não tratada pode progredir para choque séptico que é então caracterizado por

perda do tónus vasomotor, aumento da permeabilidade capilar, hipotensão e hipoperfusão, que

em conjunto contribui para MODS e, por último, morte. 32

Embora as classificações do choque sejam uteis para compreender o mecanismo da

instabilidade cardiovascular, é importante denotar que vários tipos de choque podem ocorrer no

mesmo paciente. 24

Por exemplo, um animal com uma peritonite séptica pode sofrer lesões de

hipoxia nos tecidos devido a um processo de sepsis ou choque séptico e também pode estar

em hipovolémia quer por perda de fluidos para a cavidade peritoneal quer por vómitos. 24

Da

mesma forma num animal com dilatação volvo-gástrica (DVG) existe hipovolémia, falha

cardíaca ou má distribuição sanguínea por compressão dos vasos. 24

A hipovolémia

normalmente ocorre devido a uma hemorragia intra-abdominal por rutura de vasos a nível

gástrico, por secreções gastrointestinais e perda de fluidos para o terceiro espaço. O choque

distributivo ocorre pela compressão das veias porta, cava e esplénicas. A compressão a nível

esplénico desencadeia a libertação de óxido nítrico (NO), um potente vasodilator, que exacerba

29

o efeito de mal distribuição. Devido a estes dois mecanismos, diminui o retorno venoso ao

coração, com consequente diminuição do débito cardíaco e isquémia do miocárdio que leva a

arritmias cardíacas e disfunções do mesmo. Devido a isquémia e à libertação de citoquinas

inflamatórias ocorre assim também um choque cardiogénico. 24,34

2.3 - Fisiopatologia do choque

O choque ocorre secundariamente a uma falha cardiovascular, quer por uma situação

de hipovolémia, quer por uma disfunção cardíaca ou por má distribuição do fluxo sanguíneo o

que leva a hipotensão e hipoperfusão dos tecidos. 24, 28, 35

Devido às alterações nos

mecanismos hemodinâmicos são ativados mecanismos compensatórios com o objetivo de

normalizar a pressão arterial (PA) e melhorar a perfusão tecidular. 28

A PA corresponde ao produto entre o débito cardíaco (DC) e a resistência vascular

periférica (RVP), que é representada pela seguinte fórmula: PA=DCxRVP 36,35

A RVP

corresponde aos efeitos do tónus vascular e da viscosidade do sangue. 37

O débito cardíaco é

o produto entre a frequência cardíaca (FC) e o volume de ejeção (VE), representado pela

fórmula: DC=VExFC. 36, 35

Quando um destes fatores falha o outro ativa mecanismos compensatórios de modo a

aumentar o DC e a PA. 36

Os mecanismos compensatórios do choque podem ser divididos em quatro grupos:

manutenção da pressão arterial, maximização da função cardíaca, redistribuição da perfusão

para os órgãos vitais e otimização da utilização de oxigénio pelos diversos órgãos.38

A síndrome do choque progride ao longo de três fases: fase compensada, fase

descompensada e fase terminal.

2.3.1 - Fase compensada

Os barorrecetores nas artérias aorta e carótida detetam a diminuição do débito

cardíaco e um sinal neurológico é enviado ao centro vasomotor que resulta na inibição do

centro parassimpático vagal. O aumento da atividade do sistema nervoso simpático estimula a

libertação de catecolaminas, da hormona antidiurética (ADH) ou vasopressina e ativação do

sistema renina-angiotensina-aldosterona o que origina um aumento da resistência vascular

periférica, frequência cardíaca e força contrátil do coração. 22

A epinefrina é uma das catecolaminas libertadas pela glândula adrenal e é responsável

por aumentar a contractilidade cardíaca, aumentar a resistência vascular a nível sistémico e

diminuir o fluxo sanguíneo ao trato gastrointestinal, músculos e pele de modo a manter um

fluxo adequado ao cérebro e ao coração.22,

28

A epinefrina irá induzir um estado

hipermetabólico devido à libertação de glucagon, hormona do crescimento, cortisol e a

30

hormona adrenocorticotrófica. (ACTH). A ACTH estimula a síntese de glucocorticorticoides, tal

como o cortisol a partir do córtex da adrenal. O cortisol diminui o consumo de glucose a nível

periférico, o que causa hiperglicémia e aumento da osmolaridade do plasma, estimulando a

libertação da ADH. A ACTH também tem alguma atividade mineralocorticoide, estimulando a

retenção de fluidos. 22

A ADH é libertada na circulação devido ao reflexo dos barorrecetores e atua nos

recetores V2 do ducto coletor aumentando a permeabilidade deste à água, promovendo a sua

reabsorção e a restaurar o volume intravascular, em conjunto com a ACTH. A ADH também é

vasoconstritora, atuando nos recetores V1 das células do músculo liso dos vasos. 22

O sistema renina-angiotensina-aldosterona é ativado pela presença das catecolaminas

em circulação e pela diminuição do fluxo sanguíneo no aparelho justaglomerular. A renina é

produzida a nível renal, que por sua vez ativa a angiotensia em angiotensina I no fígado. Esta

segue para os pulmões onde é ativada em angiotensina II no endotélio vascular. A

angiotensina II atua sobre a glândula adrenal onde estimula a produção de aldosterona e

norepinefrina. A aldosterona atua no ducto coletor na reabsorção de cloreto de sódio, o que

leva a reabsorção de água e aumento do volume intravascular. A norepinefrina é

vasoconstritora, e aumenta o ritmo e a força cardiaca.22

A vasoconstrição ajuda a normalizar a resistência periférica ao deslocar o sangue dos

vasos com grande capacidade para a circulação central e órgãos principais.31

A vasoconstrição severa pode comprometer os diversos órgãos e levar ao processo de

MODS. 24,39

2.3.2 - Fase descompensada

Esta fase ocorre quando a perda de fluidos continua e os primeiros mecanismos

compensatórios já se esgotaram. Ocorre uma redução do fluxo sanguíneo nos rins, baço, pele

e músculos, e o consumo de oxigénio nos tecidos passa a ser totalmente dependente da

quantidade de DO2. Com a diminuição do DO2 o organismo passa de um metabolismo aeróbio

para anaeróbio o que leva a um estado de acidose láctica. Neste tipo de metabolismo o

produto final não é o dióxido de carbono, que pode ser eliminado pela respiração, mas sim

ácido láctico e iões de hidrogénio. O aumento progressivo do lactato pode ser responsável pelo

desenvolvimento de ARDS (síndrome falha aguda respiratória) e MODS.22

Ocorre a produção de citoquinas inflamatórias como o TNF-α, interleucina (IL) -1 e IL-

822

O TNF-α causa hipotensão, taquicardia, taquipneia, acidose láctica, hemoconcetração,

hipercalémia, estimula a produção de mais citoquinas e induz a ativação de neutrófilos. A

hipotensão provavelmente ocorre por estimulação da síntese de óxido nítrico (NO).22

O

mecanismo pelo qual o TNF-α é libertado a nível sistémico ainda não é completamente

compreendido. 39

No pâncreas ocorre a libertação do fator depressor do miocárdio (FDM) que atua como

inotropo negativo a nível cardíaco, e predispõe a arritmias cardíacas, estimula vasoconstrição

hepática e deprime o sistema reticuloendotelial. 24

31

A hipoperfusão a nível do trato gastrointestinal permite o desenvolvimento de íleo

paralítico e sobrecrescimento bacteriano, o que leva a alterações na mucosa gastrointestinal e

consequentemente à translocação bacteriana. 22

2.3.3 - Fase irreversível

Também denominada de choque terminal, normalmente não responsiva a fluidoterapia

agressiva. Aqui os mecanismos compensatórios intrínsecos já não conseguem providenciar

oxigénio aos tecidos e o coração e o cérebro começam a falhar face à hipóxia severa. A nível

cerebral, os centros respiratórios e simpático ficam deprimidos o que afeta a ação desses

mesmos sistemas em termos compensatórios. A nível cardíaco, a frequência cardíaca baixa,

ocorre vasodilatação, estase sanguínea e diminuição do output cardíaco, devido à má perfusão

do miocárdio. A fisiopatologia desta fase é basicamente a continuação do mecanismo descrito

na fase descompensada inicial mas onde os danos causados ao organismo já não são

reparáveis pelos mecanismos de proteção do organismo nem ultrapassados pelos tratamentos

instituídos. MODS já ocorreu nesta fase. A paragem cardiorrespiratória é uma sequela muito

comum e normalmente irreversível.22,

24

Todas as formas de choque envolvem processos metabólicos de isquemia celular,

circulação de mediadores inflamatórios e produção de radicais livres de oxigénio. Estes

processos levam a lesões celulares, disfunção orgânica e morte. 38

A maioria das lesões celulares são consequência da hipoperfusão dos tecidos que ocorre nos

pacientes em choque, que consiste na diminuição de DO2 e de nutrientes distribuídos pelas

células, resultando na diminuição da produção de adenosina trifosfato (ATP). 37, 38

As lesões

celulares levam à ativação das cascatas inflamatórias, da cascata do ácido araquidónico e à

produção de radicas livres de oxigénio. 22

Esta última está ligada à lesão de reperfusão que

ocorre após a recuperação do paciente hipovolémico. 38

Durante a hipoxia celular aumentam os

níveis intracelulares de adenosina, inosina e hipoxantina. 22, 38

Após a reperfusão existe um

excesso de oxigénio, onde através da enzima xantina oxidase ocorre a produção de radicais

livres de oxigénio que irão provocar a morte celular. 22, 38

A morte celular pode ser devido a uma

depleção de energia ou através do mecanismo da apoptose. A apoptose é um dos principais

mecanismos de MODS e é definida como fragmentação nuclear, redução do tamanho celular e

nuclear, acompanhada por inflamação. 22

Os radicais livres de oxigénio em conjunto com a reintrodução de oxigénio e os

mediadores inflamatórios em circulação aumentam a produção de superóxidos e

consequentemente causam mais danos celulares e MODS. 22, 38

As lesões de reperfusão

dependem dos níveis de oxidantes em circulação. 22

32

2.3.4 – Considerações sobre Choque em Felinos

Aparentemente os gatos apresentam uma tríade de choque diferente do que acontece

nos cães, onde teremos bradicardia em vez de taquicardia: hipotensão, bradicardia e

hipotermina.40

Quando os baroreceptores detetam um fluxo arterial inadequado nos gatos, as fibras

vagais são estimuladas em simultâneo com as fibras simpáticas. Isto faz com que a resposta

normal ao choque não ocorra (taquicardia), e deste modo o animal apresente bradicardia.

Devido à diminuição da frequência cardíaca, teremos má perfusão dos tecidos principalmente a

nível periférico, o que contribui para a hipotermia. 40

A hipotermina pode ter um efeito protetor em situações de trauma, choque

hipovolémico e cirurgia cardiotorácica, ao proteger o cérebro e o coração, até que o volume

sanguíneo seja reposto. 37

De forma oposta, a hipotermia também detém efeitos deletérios para

o animal. Abaixo dos 34ºC os mecanismos de termorregulação diminuem, o animal deixa de

tremer ou procurar calor, e vasoconstrição periférica ocorre. Diminui a produção de calor, pois

em situações de doenças metabólicas severas o organismo, como mecanismo de defesa

desencadeia uma hipotermia que diminui o gasto de energia e consumo de oxigénio,

conservando assim alguma energia durante um período de défice, diminuindo assim a

responsividade dos mecanismos do choque como a libertação de catecolaminas. À medida que

a hipotermia agrava, deprime o sistema nervoso central e este deixa gradualmente de dar

resposta através dos mecanismos compensatórios (baroreceptores, vasoconstrição, taxas

metabólicas, etc…). Abaixo dos 31ºC a termorregulação deixa de ocorrer por completo.

Devido à hipotermia há diminuição da resposta dos recetores α1-adrenergicos. A

afinidade da norepinefrina com os recetores α1-adrenergicos depende da temperatura pelo que

quando esta diminui, também diminui a capacidade contráctil dos vasos. Deste modo em vez

de ocorrer a vasoconstrição em compensação à hipotermia, ocorre vasodilatação que em

conjunto com a bradicardia causa hipotensão. 40

33

2.4 - Outras falhas sistémicas

2.4.1 - Síndrome da resposta inflamatória sistémica (SIRS):

A síndrome da resposta inflamatória sistémica é uma resposta a uma lesão ou agente

infecioso, e que se não tratado, leva a MODS, choque e morte. É um estado clínico e não uma

doença. Uma SIRS severa leva a perda do tónus vascular, aumento da permeabilidade

endotelial e estados de hipercoagulabilidade. A SIRS está normalmente associada a processos

de sepsis, mas existem outras patologias que levam à libertação sistémica de mediadores

inflamatórios e consequente inflamação tais como: trauma, queimaduras, golpe de calor,

doenças auto-imunes, neoplasia, cirurgias e pancreatite.31,

41

A rutura da barreia endotelial e ativação da cascata da coagulação e complementos a

nível sistémico, estão envolvidos na progressão do processo inflamatório. 41

Na resposta inflamatória primeiramente são libertadas citoquinas pelos macrófagos em

resposta à lesão dos tecidos e/ou pelo agente patogénico.31

. De seguida são produzidos

mediadores tais como TNF-α, IL-1 e IL-6, bradiquinina, fator de ativação de plaquetas, e outros

em resposta à ativação pelos leucócitos, mas esta resposta pró-inflamatória é acompanhada

da ativação de mecanismos anti-inflamatórios de modo a modular a resposta inflamatória em

si.37

Esta síndrome compensatória anti-inflamatória (CARS) é caracterizada pela libertação de

mediadores anti-inflamatórios tais como: IL- 4IL-10, fator de transformação do crescimento

(TGF) -β e IL-13; produção de antagonistas aos recetores de citoquinas; redução da produção

de linfócitos T e B. 31,

41

A resposta inflamatória excessiva resulta de uma ativação desproporcionada dos

mediadores pró-inflamatórios (TNF-α, IL-1 e IL-6, bradiquinina, fator de ativação de plaquetas)

ou da incapacidade de resposta, por parte, dos mecanismos anti-inflamatórios (IL- 4IL-10, TGF,

com diminuição da produção de antagonistas aos recetores de citoquinas, redução da

produção de linfócitos T e B). 31,

41

As manifestações clinicas de SIRS são não específicas e dependem da causa do

processo inflamatório. Os sinais clínicos são muitas vezes semelhantes aos da sepsis e

acabam por ser tratados da mesma forma. 41

De modo a tentar ajudar na identificação de SIRS, alguns critérios foram definidos, por

observação destes sintomas em estudos anteriores, sendo que dois deles têm de ocorrer 31,

41,42: A tabela 28 apresenta os parâmetros clínicos que identificam o processo de SIRS.

34

Tabela 28 – Critérios para diagnóstico de SIRS em cães e gatos. Adaptado de Silvestein, D., Small

Animal Critical Care 41

Parâmetros clínicos Cães Gatos

Temperatura <37,8°C ou > 39,7°C <38°C ou > 40°C

Frequência cardíaca >120bpm <140 bpm ou >225bpm

Frequência respiratória >40rpm >40rpm

Leucograma >16 000 células/µL ou <6 000

células/µL

> 19 000 células/µL ou <5

000 células/µL

2.4.2 - Síndrome de disfunção orgânica múltipla (MODS)

A falência multiorgânica (MOF) foi reconhecida pela primeira vez em humanos em

choque, por volta dos anos 60. Com os avanços na medicina de cuidados intensivos verificou-

se que a utilização do termo MOF não seria a mais adequada, pois estava associada a um

prognóstico mais reservado e pessimista. Surgiu desta forma o termo síndrome de disfunção

orgânica múltipla (MODS). 43

MODS define uma disfunção progressiva, mas potencialmente

reversível, de dois ou mais órgãos ou sistemas após uma disfunção aguda da homeostasia do

animal, que compromete a vida do mesmo. Pensa-se que seja uma resposta hipodinâmica,

excessiva ou disfuncional do sistema imune que seja a principal causa de danos nos órgãos e

não a ação citotóxica direta de microrganismos invasores. Resumindo, qualquer evento que

desencadeie um processo de SIRS pode levar ao desenvolvimento de MODS. 43

Em humanos a condição MODS foi identificada como a causa principal de morte dos

pacientes nos cuidados intensivos, e cuja taxa de mortalidade aumentava conforme o número

de sistemas/órgãos afetados. Inicialmente MODS estava associado à presença de um agente

bacteriano, no entanto, em vários pacientes que morreram com MODS não foi isolado qualquer

foco infecioso. Isto serviu de base de trabalho para os conceitos de ativação sistémica da

resposta inflamatória e desregulação da mesma que podiam levar a disfunção orgânica e

morte. A progressão de uma resposta inflamatória local para um processo de MODS depende

do balanço, ou falta deste, entre as citoquinas pro-inflamatórias ou os seus homólogos anti-

inflamatórios (IL-4, IL-6, IL-10, fator de estimulação de granulócitos).42

A ativação da cascata

da coagulação e processos de CID estão também descritos como causas de MODS. 31

A identificação da causa do desenvolvimento do MODS é benéfica e tem vantagens

sob o ponto de vista do tempo de intervenção e terapêutica a aplicar. 42,43

Durante o choque, a hipoxia prolongada e as lesões de reperfusão, gera danos

irreversíveis nas células dos órgãos. A duração do choque está diretamente relacionada com

as taxas de mortalidade. 31

35

2.4.2.1 - Sistema microvascular

Pensa-se que a disfunção endotelial vascular seja o principal responsável pelo

processo de MODS. 32

A inflamação sistémica e os danos no endotélio permitem a criação de

um ambiente pró-coagulante através da ativação da cascata da coagulação e simultânea

inibição dos fatores anticoagulantes (antitrombina III e proteína C). Deste modo, ocorrem

processos de CID, trombose microvascular, e consumo dos fatores de coagulação e plaquetas.

32,43 A CID é diagnosticada a partir da existência de uma doença severa e a presença de

trombocitopenia, aumento do tempo de protrombina (TP) e tromboplastina parcial ativada

(TTPA) e aumento dos produtos de degradação do fibrinogénio ou D-dimeros.43

2.4.2.2 - Sistema cardiovascular

Pensa-se que as alterações da função cardiovascular possam ser mediadas,

principalmente, pelo FDM. Outros potenciais mediadores incluem TNF-α, IL-1b, ON, e FAAP. 43

As citoquinas inflamatórias induzem, maioritariamente, vasodilatação e aumento da

permeabilidade vascular, o que leva a hipovolémia e formação de edemas. O FDM é

responsável pela diminuição da contractilidade cardíaca e débito cardíaco. 32

Contudo, a

função cardíaca também pode ser afetada por desequilíbrios ácido-base, hipoxia, hipovolémia

e dor.43

2.4.2.3 – Sistema renal

A nível renal ocorrem lesões por isquemia e reperfusão a nível do glomérulo, células

tubulares renais e vasculatura renal. 32, 43

Os estados inflamatórios também contribuem para o

dano renal através da ativação de macrófagos e neutrófilos, hipóxia citopática, inflamação dos

tubulos renais e consequente necrose e obstrução dos túbulos. 43

2.4.2.4 - Sistema Pulmonar

Os processos inflamatórios, dos processos de sepsis e SIRS, causam lesões

endoteliais e epiteliais que levam a alterações na membrana alveolar-capilar. Estas lesões são

caracterizadas por processos de ativação de neutrófilos, alterações na cascata da coagulação

e disfunções na produção, composição e função do surfatante. Estas lesões resultam numa

afeção pulmonar aguda (ALI) e em casos mais severos num síndrome de disfunção respiratória

aguda (ARDS), onde ocorre uma troca gasosa ineficiente levando à hipoxemia. As lesões

pulmonares progridem ao longo de várias fases: exsudativa, proliferativa e fibrótica. 44

Os critérios para identificar ALI e ARDS em cães baseiam-se na existência de fatores

de risco, entre os quais, sepsis, alterações pulmonares como edema ou contusão pulmonar,

sem hipertensão pulmonar ou insuficiência cardíaca esquerda e na observação de um aumento

36

do esforço respiratório num estado de repouso e na evidência de uma troca gasosa insuficiente

ou hipoxemia marcada. 44

Nos gatos, o pulmão é o órgão mais sensível ao choque. Estes animais são mais

vulneráveis a lesões nos processos de sepsis e intolerantes fluidoterapia agressiva, durante a

ressuscitação. É comum apresentarem taquipneia durante estes processos.31,

44

2.4.2.5 - Sistema gastrointestinal

O fígado e trato intestinal são considerados os órgãos mais sensíveis ao choque nos

cães devido à hipoperfusão. A disfunção hepática resulta em hipoalbuminemia, coagulopatias,

hipoglicemia, icterícia, depressão e encefalopatias. A nível gastrointestinal teremos alterações

como íleo paralítico, vómitos, diarreia, úlceras, melena e hematoquesia, o que pode levar a mal

nutrição, perdas de fluidos e eletrólitos e sobre crescimento bacteriano.31, 32

2.4.2.6 – Sistema neurológico

Em medicina humana é comum encontrar alterações do sistema nervosa central em

MODS. É normalmente descrito como diminuição do estado de alerta, confusão, estupor ou

coma e com perdas de consciência intermitentes. O mecanismo patofisiológico continua por

compreender mas pensa-se que é devido à diminuição da perfusão pela hipotensão,

hipovolémia ou microtrombos. 32,43

2.5 - Identificação do choque

O choque é uma síndrome associada a elevadas taxas de mortalidade nas mais

diversas patologias, pelo que a rápida identificação dos sinais clínicos e do tipo de choque

presente permitem ao veterinário a aplicação de uma terapia adequada, de modo a estabilizar

o paciente, evitando a progressão do choque e até mesmo a morte do animal.25

Isto é possível através da identificação dos primeiros sinais de hipoperfusão, que

permite uma triagem e abordagem terapêutica mais direcionada ao paciente.21

Perfusão é o transporte de fluídos e oxigénio através dos vasos sanguíneos até aos

capilares. A perfusão tecidular está diretamente relacionada com o volume intravascular e o

funcionamento normal do sistema cardiovascular. Os efeitos da perfusão podem ser

observados no exame clinico através da cor das mucosas, tempo de repleção capilar (TRC),

frequência cardíaca e qualidade do pulso.45

O estado cardiovascular e hemodinâmico é então primeiramente avaliado através de

vários parâmetros clínicos, de modo a determinar que mecanismos patofisiológicos possam

estar a ocorrer e identificar o tipo e a fase do choque presentes. 21, 25

37

2.5.1 - Estado mental

O estado mental refere-se ao nível da consistência do paciente. Este normalmente

encontra-se alterado nos pacientes em choque, e é um parâmetro de avaliação subjetiva. Por

norma depende da diminuição do fluxo sanguíneo cerebral, da presença de toxinas ou

traumatismo craniano. 28,46

2.5.2 - Mucosas

A cor das mucosas é determinada pela quantidade e composição do sangue, pelo que

alterações de oxigenação, volume intravascular ou tónus vascular irão ser refletidos de

diversas formas. Em situações de anemia, hipovolemia e vasoconstrição as muscosas estão

pálidas, enquanto que, no choque distributivo, devido à vasodilatação e estase sanguínea as

mucosas encontram-se hiperémicas. Por último, as afeções que causam hipoxia arterial, ocorre

uma diminuição da saturação de hemoglobina, pelo que, as mucosas apresentam-se azuladas

ou cianóticas.28,46

2.5.3 - Tempo de repleção capilar

O TRC consiste em pressionar a mucosa, com o dedo, de modo remover o sangue dos

capilares da zona pressionada e observar o tempo que o sangue demora a retomar ao local

após o alívio da pressão. O TRC deve durar entre 1 a 2 segundos. A hipovolémia ou

vasoconstrição levam a um aumento deste tempo, e por outro lado, a vasodilatação encurta o

TRC. Não serve como parâmetro de avaliação do débito cardíaco, mas sim da volémia e do

tónus vasomotor periférico. 28,46

2.5.4 - Frequência cardíaca

Quando em hipotensão e hipovolemia, a frequência cardíaca aumenta como

mecanismo compensatório para aumentar o débito cardíaco. Deste modo, a presença de

taquicardia indica-nos uma diminuição do volume intravascular. A dor, stress e febre também

podem causar taquicardia e devem ser considerados. Esta progride para bradicardia com o

avanço das fases do choque.

Em comparação com os cães, os gatos em choque acabam por ter frequências

cardíacas mais baixas. 28,46

38

2.5.5 - Qualidade do pulso e ressão arterial

A qualidade do pulso é uma avaliação subjetiva da amplitude do pulso e, por norma,

encontra-se diminuída nos pacientes em choque. A frequência de pulso também deve ser

avaliada em conjunto com a frequência e auscultação cardíaca. A frequência de pulso pode

não corresponder à frequência auscultada devido ao facto de que numa frequência cardíaca

elevada, o enchimento ventricular pode estar comprometido, podendo alguns batimentos não

produzir onda de pulso (pulso paroxístico). A qualidade do pulso é indicativa do volume de

ejeção e nem sempre está correlacionada com a pressão arterial. Um baixo volume de ejeção

e débito cardíaco ou vasoconstrição irão diminuir a qualidade do pulso, como acontece nas

situações de choque hipovolémico. 28,46

A pressão arterial consiste na força exercida pelo sangue sobre as paredes

vasculares pela ejeção do ventrículo esquerdo e pode ser medida de forma direta ou indireta.

28,47 É medida em pressão arterial sistólica (PAS), pressão arterial diastólica (PAD) referentes

às pressões durante as respetivas fases do ciclo cardíaco, e em pressão arterial média (PAM),

que corresponde à pressão exercida ao longo do ciclo cardíaco. Deste modo, a PAM é utilizada

para avaliar a pressão de perfusão dos tecidos e identificar a hipotensão, que é definida abaixo

dos 60mmHg. 28

Quando é detetado um pulso fraco a PAM encontra-se inferior a 70mmHg e

quando esta se encontra abaixo dos 40mmHg, é praticamente impossível de sentir o pulso. 46

A medição direta é um método invasivo que consiste na colocação de um cateter

arterial, normalmente na artéria metatarsiana dorsal, podendo ser usadas a artéria femoral e a

artéria auricular. O cateter é ligado a um transdutor, que converte a onda de pressão num

impulso elétrico, sendo depois demonstrado num monitor. Deste modo é possível monitorizar

de forma constante os valores de PAS, PAM e PAD, no entanto podem surguir resultados

errados nas situações que haja deformação dos tubos, formação de coágulos no cateter que

pode ser evitada através da realização de um flushing antes de cada medição, presença de

bolhas de ar no sistema ou mau funcionamento do equipamento de medição.47

Mais

complicações incluem hemorragia por desconexão dos tubos, formação de hematoma no local

da punção, trombose arterial (mais comum nos gatos), necrose dos tecidos distais ao cateter e

infeção. 47

É considerado, tanto em medicina veterinária como humana, como o método gold

standard para medição da pressão arterial. Apesar dos benefícios do cateter arterial, este

método encontra-se limitado a pacientes onde haja pouco movimento por parte deste, como

pacientes críticos ou sob anestesia. 47

O doppler e métodos oscilométricos são técnicas não invasivas (indireta) e por norma

exatas das pressões arteriais.46

Os dois métodos consistem na colocação de um manguito,

com aproximadamente 40%-60% do diâmetro do membro ou cauda. O manguito é insuflado a

uma pressão superior à pressão sistólica, até que deixe de haver fluxo sanguíneo. 47

O doppler

é um método de eleição em exóticos, cães ou gatos pequenos, com hipotensão severa (PAS

<90mmHg em situações de depleção de volume intravascular severa ou vasodilatação),

arritmias ou taquiarritmias em que os métodos oscilométricos apresentam uma menor

39

sensibilidade de leitura. 47,48

A sonda é colocada próxima do manguito, este é insuflado até que

deixe de existir um sinal sonoro, e depois é gradualmente desinsuflado. Quando o fluxo arterial

retorna o pulso registado corresponde à pressão sistólica. 47

Os métodos oscilométricos registam as oscilações de pulso através de um manguito

com um microprocessador. O manguito é gradualmente esvaziado e o microprocessador

regista a pressão, realizando a média das amplitudes das oscilações das pressões. 47

A

frequência cardíaca registada pelo equipamento deve de ser comparada com o ritmo do pulso

e frequência cardíaca registada durante a auscultação a fim de confirmar a exatidão das

medidas. 47

Embora as pressões arteriais sejam muito usadas como forma objetiva de avaliar o

estado do choque estas têm uma habilidade muito limitada de refletir a perfusão dos tecidos e

o fluxo microcirculatório. 48

2.5.6 - Temperatura das extremidades

A temperatura das extremidades está relacionada com a resistência vascular periférica.

Normalmente há um diferencial entre a temperatura rectal e os membros de 4ºC. O aumento

deste gradiente indica a existência de vasoconstrição. 28,46

No caso do choque hipovolémico, a diminuição do débito cardíaca e consequente

vasoconstrição periférica, resulta numa diminuição da temperatura das extremidades. Nas

situações de choque distributivo, por vasodilatação ou aumento das taxas metabólicas do

organismo (sepsis), origina extremidades quentes. 28,46

Ao longo das três fases do choque os diversos parâmetros clínicos vão variando da

seguinte forma

Fase compensada:

Nesta fase, devido aos mecanismos compensatórios acima descritos, o animal

apresenta taquicardia, o pulso pode estar normal, a PA e o TRC podem estar normais ou

aumentados, as mucosas rosadas ou ligeiramente hiperémicas e com estado mental normal ou

ligeiramente deprimido. 22

Fase descompensada:

Quando os mecanismos compensatórios não são suficientes ou começam a falhar, os

sinais de choque descompensado começam a surgir: hipotermia, extremidades frias,

taquicardia, pulso normal ou fraco, muscosas pálidas, TRC aumentado e estado mental

40

deprimido. A formação de urina cessa quando a PAM está inferior a 60mmHg pelo que pode

ocorrer oligúria, e também diarreia e vómitos. 22,46

Fase irreversível:

Na fase descompensada tardia o animal apresenta bradicardia, hipotensão severa,

mucosas pálidas ou cianóticas, TRC muito aumentado, pulso fraco ou ausente, hipotermia,

oligúria ou anúria, edema pulmonar e estado mental em estupor ou coma. 22

2.6 - Situações específicas

Alguns dos sinais clínicos descritos acima, nas suas diversas fases, são comuns aos

vários tipos de choque (hipovolémico, cardiogénico e distributivo), no entanto, existem

particulares entre eles, que nos permitem distingui-los e deste modo aplicar a terapia

específica.

2.6.1 - Choque cardiogénico

Uma boa anamnese e exame físico completo são importantes na deteção de um

problema cardíaco e, por fim, determinar o choque como sendo cardiogénico. Em todos os

tipos de choque, o animal manifesta sinais de hipotensão e má perfusão. Determinar se a má

perfusão advém da falha cardíaca ou da hipovolemia pode ser um desafio, mas a sua rápida

identificação é crucial para a abordagem terapêutica. 25,45

Uma história de sopro cardíaco, arritmias ou síncope sugerem doença cardíaca. A

bradicardia nos gatos e choque não responsivo nos cães e gatos também indicam problemas

cardíacos. A auscultação do coração com palpação simultânea do pulso femoral pode revelar

défice de pulso. 45

Os animais com sinais de aumento do esforço respiratório, presença de

crepitações à auscultação e distensão da veia jugular também indicam que o animal está em

choque cardiogénico. 25

A identificação da patologia cardíaca é realizada através de exames complementares

como radiografias torácicas, eletrocardiograma, ecocardiograma e medição da PA. Estes são

fundamentais, após a estabilização do paciente, para determinar o tipo de falha cardíaca e a

terapia a aplicar, a longo prazo.45

41

2.6.2 - Choque distributivo

Fase hiperdinâmica

No choque distributivo os cães manifestam uma resposta hiperdinâmica e

hipermetabólica, que corresponde à fase compensada do choque. 32

Esta fase é caracterizada por taquicardia, febre, pulso forte, TRC acelerado e mucosas

hiperémicas. A cor das mucosas resulta da vasodilatação mediada pelas citoquinas

inflamatórias (ex: óxido nítrico), situação normalmente presente nos processos de SIRS, sepsis

e choque séptico. Os gatos nesta fase apresentam-se letárgicos, com bradicardia, hipotermia,

muscosas pálidas e com pulso fraco. 32

Fase hipodinâmica inicial

A progressão do choque leva a um estado hipodinâmico, devido à diminuição do débito

cardíaco e à manutenção dos sinais de hipoperfusão, resultado das citoquinas inflamatórias

com efeito sobre o miocárdio. O choque séptico hipodinâmico corresponde à fase

descompensada de sepsis, e que se não for tratada resulta em MODS e morte. 32

O animal apresenta-se com estado mental alterado, normalmente deprimido, com pulso

fraco e mucosas pálidas. 32

Fase hipodinâmica final

Na fase hipodinâmica final o animal encontra-se hipotérmico, com pulso fraco ou

ausente, mucosas pálidas e com TRC aumentado, estado mental em estupor ou coma, oligúria

e edema pulmonar ou ARDS. 32

Nos gatos a fase hiperdinâmica do choque, ou fase compensada, raramente é

reconhecida. Tanto podem demonstrar taquicardia como bradicardia, e por norma têm

mucosas pálidas, pulsos fracos, hipotermia, extremidades frias e fraqueza generalizada, nas

várias fases do choque. 32

Na tabela 29 estão apresentados os parâmetros clínicos que os pacientes apresentam,

nas diversas fases e tipos de choque.

42

Tabela 29 – Principais parâmetros clínicos característicos dos vários tipos de choque e as suas

fases, adaptado de BSAVA Manual of Canine and Feline Emergency and Critical Care 28

, Boag, A.

K. & Hughes, D. Assessment and treatment of perfusion abnormalities in the emergency patient 35

e Rudloff, E. & Kirby, R. Colloid and crystalloid resuscitation.45

Fase compensada

Fase

descompensada

inicial

Fase

descompensada

final

Tipo de

Choque

Hipovolémico

Cardiogénico Distributivo

Hipovolémico

Cardiogénico

Distributivo

Cor das

mucosas Rosadas Hiperémicas Pálidas

Pálidas ou

cinzentas

TRC <2 <1 >2 >2

Frequência

cardíaca

Cão: >120

Gato:

>ou <180

Cão: >120

Gato:

>ou<180

Cão: >120

Gato: <200

Cão: <120

Gato: <180

PAM >70mmHg >70mmHg Imprevisível <70mmHg

Qualidade do

pulso Normal Forte Fraco Fraco ou ausente

Temperatura

das

extremidades

Frias Quentes Frias Frias

Estado mental Alerta a

Deprimido

Alerta a

Deprimido Deprimido Estupor/Coma

2.7 - Estabilização do paciente em choque

A maioria dos pacientes em choque encontra-se numa situação de emergência ou risco

de vida, e a realização de uma triagem dos diversos pacientes, permite uma maior capacidade

de resposta, nomeadamente para estes casos mais críticos. 28

, 47

A triagem envolve uma rápida identificação do animal (idade, raça, género), história

completa, principal queixa e duração da ocorrência. 47

Esta pode iniciar-se logo ao telefone,

onde é possível recolher informação sobre a condição do animal e informar os proprietários dos

procedimentos de primeiros socorros e de transporte até o paciente chegar às instalações

veterinárias. 37,28,49

À entrada nas instalações é importante uma avaliação do estado do animal,

que deve seguir o protocolo ABC das emergências (airway, breathing e circulation). A avaliação

do sistema respiratório consiste na observação das vias áreas e do padrão respiratório de

43

modo a verificar eventuais obstruções das vias áreas e se o paciente ventila de forma

adequada. Taquipneia, cianose e aumento do esforço respiratório são algumas alterações que

indicam dificuldades respiratórias. De seguida, o sistema cardiovascular do paciente deve de

ser avaliado, através da frequência cardíaca, qualidade do pulso, cor das mucosas e TRC. O

ECG e medições da PA também devem de ser realizados nestes pacientes, a fim de realizar

uma avaliação do estado cardiovascular do paciente, mais precisa. 47

Após a realização do primeiro exame físico e de se confirmar que o paciente se

encontra em choque é necessário atuar de forma rápida de modo a reverter a hipoperfusão.

Deste modo, o próximo passo será realizar um acesso venoso central ou periférico, e caso

necessário, em conjunto com uma suplementação de oxigénio. O acesso venoso é feito

através de um cateter de modo a permitir uma rápida administração de fluidos a fim de

melhorar a perfusão dos tecidos. 49

A terapia a aplicar ao paciente em choque tem como objetivos otimizar: volume

sanguino, fluxo sanguíneo e débito cardíaco, pressão arterial, oxigenação, frequência cardíaca,

corrigir desequilíbrios ácido-base, débito urinário, glucose sanguínea e modulação

inflamatória.46

2.7.1 - Oxigenoterapia

A oxigenoterapia constitui um benefício para os pacientes em choque que, devido à

perda do tónus vascular ou volume intravascular, desenvolvem hipoxigenação dos tecidos.

Existem inúmeras opções tanto de equipamento, como de técnica, consoante o fluxo de

oxigénio pretendido (fração inspirada de O2 - Fio2), o equipamento disponível, a duração do

tratamento, o estado clinico do animal, tamanho e temperamento do mesmo. 50

2.7.1.1 - Flow-by/Sistema livre

É o método mais fácil. Consiste na colocação do tudo de fornecimento de oxigénio a 1-

3 cm de distância do nariz e boca do paciente, que permite obter uma Fio2 entre 25% a 45%.

Útil em situações de emergência enquanto se realizam as restantes manobras de estabilização

do paciente, no entanto, esta técnica implica a presença constante de um técnico de modo a

impedir que o animal desvie o nariz e a boca do circuito de oxigénio. Outra desvantagem é o

desperdício devido aos fluxos elevados de O2. 50

2.7.1.2 - Máscara de oxigénio

Normalmente usada a curto prazo em situações de emergência. Com a máscara bem

adaptada ao animal permite uma Fio2 entre 35% a 55% e com um saco reservatório pode

aumentar para 50 a 80%. As desvantagens deste método consistem na perda do gás quando a

máscara não está bem adaptada, má eliminação de CO2, e baixa tolerância/cooperação por

parte do paciente. 50

44

2.7.1.3 - Cateter nasal

Os cateteres nasais são utilizados para terapias mais prolongadas, permitindo uma

administração contínua de O2 mesmo em situações de exame clínico do animal, que com

outros métodos pode tornar-se mais complicado (ex: jaula de oxigénio). Permitem uma Fio2

entre 30 a 50% e podem ser usados de forma bilateral, aumentado a Fio2 até 70%. O fluxo de

O2 para permitir estes valores de Fio2 terão que ser entre 1-6L/min. Recomenda-se a colocação

de um colar isabelino, para evitar a remoção do cateter por parte do paciente. Existe um risco

de lesões na mucosa nasal devido ao contacto com o oxigénio.50

2.7.1.4 - Câmara de oxigénio

Estas câmaras permitem criar um ambiente selado, com uma Fio2 entre 40 a 50%, onde

a humidade e temperatura ambiente podem ser controlados e o CO2 é extraído que forma

eficaz. Tem assim como principal vantagem proporcionar um fluxo de O2 de forma não invasiva

ao paciente crítico. Em termos de desvantagens, este método isola o animal do clínico em

termos de avaliações constantes, e em cada abertura da jaula perde-se algum do ambiente

criado, rico em O2 e o paciente pode descompensar.50

2.7.1.5 - Cateter intratraqueal

Este tipo de suplementação de O2 permite atingir uma Fio2 entre 40 a 60%. Este é

colocado de forma percutânea através do ligamento cricotiróideu em gatos e cães de raça

pequena, ou entre dois anéis traqueais nas raças de grande porte. A ponta do cateter é

inserida até ao nível do quinto espaço intercostal e a porção exterior é então acoplada a uma

fonte de O2 húmido. É um método barato, normalmente bem tolerado pelo animal e que permite

um bom acesso do médico ao mesmo.

As potenciais desvantagens consistem no dobrar do cateter no local de inserção,

enfizema subcutâneo, traqueíte, broncoespasmo, infeção do local de inserção e obstrução do

cateter por acumulação excessiva de muco. 50

2.7.1.6 - Ventilação mecânica/tubo endotraqueal

A ventilação mecânica é necessária quando o paciente apresenta hipoxemia, que é

definida com uma pressão parcial de O2 (PaO2) inferior a 60 mmHg, quando se encontra em

hipoventilação (com uma pressão parcial de dióxido de carbono - PaCO2 - superior a 60mmHg),

quando apresenta um esforço respiratório excessivo e quando está em choque. 51

Nos

pacientes em esforço respiratório a ventilação mecânica tem como objetivo diminuir o consumo

de oxigénio ao aliviar o trabalho muscular dos músculos respiratórios. 51

, 52

Esta técnica tem

vantagens para pacientes que necessitam de suplementação de O2 por mais de 24 horas e

com Fio2 superiores a 60%. 50

45

2.7.1.7 - Traqueostomia

A traqueostomia deve ser realizada nas situações de obstrução parcial ou oclusão das

vias aéreas superiores. No entanto, é sempre preferível primeiro tentar primeiro uma entubação

endotraqueal, e então, caso esta não seja possível de ser realizada, passar para uma

abordagem cirúrgica, a traqueostomia. Permite atingir Fio2 superiores a 60% e pode ser

utilizado com ventilação mecânica. O tubo de traqueostomia não deve de ser suturado ao

paciente, pois este pode ocluir com facilidade e pode ser necessária a sua rápida remoção. O

paciente tem que ser constantemente monitorizado visto que o tubo oclui com facilidade. 52

2.7.1.8 - Toxicidade por Oxigénio

Quando a administração de O2 excede a capacidade de biotransformação e clearance

por parte do organismo, a toxicidade ocorre. Quando o metabolismo de O2 fica saturado, o

clearance deste é limitado e ocorre uma acumulação excessiva de intermediários tóxicos de

oxigénio entre os quais: superóxido, peroxido de hidrogénio, hidroperóxido e radicais hidroxilo.

Na hiperóxia os mecanismos antioxidantes não conseguem eliminar ou transformar os tóxicos

de O2. Ocorre peroxidação lipídica das membranas celulares o que afeta a integridade celular,

há alterações de funções enzimáticas, danos a proteínas estruturais e erros na transcrição e

tradução do ARN (ácido ribonucleico) resultando em defeitos no ADN (ácido

desoxirribonucleico) e danos nos ácidos nucleicos. Os pulmões são dos órgãos mais

sensíveis à toxicidade. Inicialmente a hiperóxia causa danos nas células endoteliais e ocorre

destruição das células alveolares aumentando a permeabilidade microvascular. Deste modo,

os percursores anti-inflamatórios entram no interstício pulmonar, causando edema alveolar,

hemorragia e congestão pulmonar. Corresponde a uma fase exsudativa da toxicidade por O2.

Os danos pulmonares resultam da proliferação das células epiteliais alveolares tipo I, um

exsudado de fibrina e uma membrana alveolar proeminente. À medida que a toxicidade

continua, as células tipo I são destruídas, ocorre proliferação das células tipo II, fibroblastos e

ocorre fibrose. 50

Os animais nesta situação apresentam-se com taquipneia, dispneia, congestão nasal e

tosse. É recomendado a administração de anti-oxidantes de modo a conferir alguma proteção

ao animal: vitamina E, vitamina C, B-carotenos, manitol e N-acetilcisteína. Drogas que

impliquem um maior consumo de O2 por parte do organismo devem de ser evitadas (epinefrina,

corticoesteroides, ciclosfosfamidas, etc…)50

46

2.7.2 - Fluidoterapia de ressuscitação

O objetivo da fluidoterapia é a restauração da perfusão e oxigenação dos tecidos.23

Numa situação de trauma, hemorragia ou doença severa, pode ocorrer perda de

volume intravascular por perda de eritrócitos e/ou plasma, diminuição do volume intersticial e

depleção do fluido extracelular. 48

Através de diversos estudos em animais verificou-se que a

administração de concentrado de eritrócitos por si só não é suficiente para repor estes défices

pelo que os cristaloides começaram a ser utilizados como fluidos de ressuscitação,

aumentando o volume intravascular e por repor os fluidos nos restantes compartimentos. 23,48

A expansão do volume intravascular com a administração de fluidos como o NaCL e o

lactato de ringer, são da primeira linha de tratamento para restaurar a perfusão e atingir os

objetivos de ressuscitação.53

A água move-se por osmose através de membranas semipermeáveis até que a

concentração dos solutos, de cada lado da membrana, seja equivalente. A membrana

endotelial capilar é permeável tanto à água como a pequenas moléculas permitindo uma troca

passiva de fluidos entre o espaço intravascular e o espaço intersticial. A quantidade e

composição do fluido que se desloca entre estes espaços são reguladas pela pressão oncótica

(COP), pressão hidrostática e permeabilidade capilar. 45

Figura 1 – Esquema representativo da lei de Starling. Adaptado de Driessen, B. & Brainard, B. Fluid

therapy for the traumatized patient.23

As forças que participam na passagem dos fluidos nos vasos, são chamadas forças de

Starling e são explicadas da seguinte forma: O fluxo do fluido (Jv) é a tendência da água sair

do vaso sanguíneo devido à pressão hidrostática (Pc) e um balanço entre a pressão

hidrostática intersticial, Pi e a diferença entre a pressão oncótica entre o vaso e o espaço

intersticial (πc - πi). Fator K é a permeabilidade do vaso e σ o coeficiente de reflexão.

Subtraindo o fluxo linfático resulta numa aproximação mais correta do que ocorre em termos

dinâmicos nos tecidos. 23

Em vários estudos ao longo dos anos, demonstraram que a lei de Starling, não

elucidava completamente o que ocorria a nível dos capilares em termos de filtração num

extremo (arteríolas) e absorção no outro (vénulas). Como tal, verificou-se que a πc opunha a

filtração, mas não a revertia por completo. Ou seja o fluido é sempre filtrado ao longo dos

Lei de Strarling

Vaso

Espaço intersticial

47

capilares e a maior parte do fluido do espaço intersticial volta à circulação através do sistema

linfático. 54,55

Novos modelos indicam que a diferença de pressão oncótica é entre o espaço

intravascular e a barreira de glicocálice (πsg). 55

O glicocálice é uma matriz de glicoproteínas e proteoglicanos, que cobre o endotélio

vascular, tendo um papel vasculo-protetor. 56,54,55,56

Determina a permeabilidade vascular e tem

propriedades anti-inflamatórias minimizando as interações entre as células sanguíneas e o

endotélio. 56, 55

Estudos experimentais demonstram que várias patologias reduzem a barreira do

glicocálice como a inflamação, sepsis, isquemia/reperfusão e diabetes, o que resulta em

mecanismos de agregação plaquetária, aumento da permeabilidade vascular e formação de

edema. 56, 55

A hipervolemia iatrogénica pode também levar à degradação desta camada, visto que

há secreção do péptido natrurético arterial e este causa a rutura da camada, aumentando a

permeabilidade do vaso.55

A fluidoterapia normalmente tem três fases: ressuscitação, reidratação e manutenção.

A primeira pressupõe a necessidade urgente de repor a perfusão dos tecidos e oxigenação, e

como a hipovolemia pode ser um componente significativo da maior parte dos tipos de choque

(cardiogénico inclusive), o volume intravascular deve ser sempre determinado. Quando

escolhemos cristaloides para a ressuscitação, a hidratação intersticial também é afetada em

conjunto com a perfusão, pelo que antes da fase de ressuscitação tem sempre que ser

reavaliada a hidratação do animal. A fase de manutenção tem como objetivo fornecer fluidos e

eletrólitos de modo a repor as perdas que estejam a decorrer, as necessidades metabólicas e

restaurar o balanço hídrico intracelular. 45

A escolha do tipo de fluido e quantidade a administrar, deve ser baseada no tipo de

choque presente, nas perdas estimadas, quer em termos de volume intravascular (fase de

ressuscitação) como hidratação intersticial e doenças concomitantes. (fases de reidratação e

manutenção) 23,31

A escolha deve ser feita de modo a restaurar a homeostasia sem exacerbar uma

eventual hemorragia ou causar uma sobrecarga de fluidos, que se manifesta nos gatos como

edema pulmonar ou efusão pleural e edema intestinal severo nos cães. 23,31

2.7.2.1 - Tipos de fluidos

2.7.2.1.1 - Cristaloides

Cristaloides são fluidos que contêm na sua composição diversos iões inorgânicos e

tampões orgânicos em várias concentrações. 23

Os cristaloides podem ser isotónicos, hipotónicos ou hipertónicos em comparação com

a osmolaridade do sangue (290-310mOsm/L) 23

Existem várias formulações com tampões

48

orgânicos e eletrólitos, como glucose, lactato, cálcio, potássio e magnésio, em concentrações

baixas de modo a simular a composição do plasma, podendo ser utilizados em infusões

rápidas. 23, 45,57

Cerca de 60 a 80% do volume de cristaloides administrado a nível intravascular é

redistribuído para o espaço intersticial ou intracelular após 30-60 min da infusão, visto que os

vasos são permeáveis à água. 23,53

A quantidade que fica no vaso depende das forças de

Starling e da distribuição da água corporal. 23,45

O uso destes em pequenos animais para ressuscitação e expansão do volume de

plasma encontra-se bem documentado. 23

As soluções hipotónicas como o NaCL 0,45% são utilizados para repor a hidratação do

animal. A água sai do espaço intravascular para o intersticial visto que é criado um meio

hiposmótico a nível intravascular, pelo que não é um fluido adequado para fins de

ressuscitação. 23,

57

As soluções hipertónicas, como o NaCL 7,5%, criam um meio hiperosmótico

intravascular que faz com que a água passe por osmose, do espaço intersticial e intracelular

para o interior do vaso, resultando num aumento do volume intravascular. 23

Este aumento

ocorre até que volte a haver equilíbrio na membrana vascular devido às forças de Starling.

23,45,57

Efeitos deletérios dos cristaloides

O uso de cristaloides isotónicos para ressuscitação envolve a infusão de elevados

volumes de fluidos a nível intravascular, o que pode resultar em danos diretos à camada

endotelial vascular, dificultando a própria troca de fluidos entre o meio intra e extra vascular. A

administração intravascular pode induzir um estado pró-inflamatório que devido à libertação de

citoquinas e outros mediadores da inflamação pode agravar a formação de edema e exacerbar

deste modo os efeitos deletérios de uma eventual sobrecarga de fluidos. 53

Este excesso de

fluidos dificulta a difusão de oxigénio pelos tecidos e a troca gasosa a nível pulmonar. 23

A

fluidoterapia de ressuscitação em pacientes com doenças severas pode levar a estados de

hipernatrémia, hiperclorémia e contribuir para o desenvolvimento de uma acidose metabólica

hiperclorémica e IRA. 53

As soluções hipertónicas não devem ser utilizadas em pacientes desidratados,

hipernatrémicos, hiperclorémicos e em situações em que o aumento do volume intravascular

possa agravar a situação do paciente (hemorragia ativa, cardiopatias ou edema cerebral). 45

Este tipo de fluidos deve de ser administrado com cuidado, visto que a sua rápida infusão pode

resultar em hipertensão, bradicardia e agravamento do choque. 23

49

2.7.2.1.2- - Coloides

Os coloides são fluidos isotónicos cujas moléculas possuem um tamanho molecular

que não consegue atravessar facilmente a barreira vascular. Deste modo este fluido irá

permanecer dentro dos vasos, aumentando a COP e promovendo a passagem de fluidos do

espaço intersticial para o espaço intravascular, minimizando a formação de edemas. 23,53,57

Este efeito será maior ou menor consoante a concentração, peso molecular e tipo de solução

escolhida. 23,57

Os coloides são utilizados nas situações em que é necessário um aumento do

volume intravascular e um efeito prolongado do mesmo, sem recorrer à infusão de grandes

quantidades de fluidos (animais grandes, cirurgias de emergência, …), ou quando há uma

diminuição da COP ou quando as proteínas totais se encontram abaixo dos 35 g/L.58

2.7.2.1.2.1 - Coloides naturais

Sangue total, plasma fresco, plasma fresco congelado e fluidos com albumina

(albumina humana purificada) são coloides naturais que podem ser utilizados para manter a

COP intravascular e promover o efeito da passagem do fluido do espaço intersticial para o

intravascular. O sangue total tem a dupla função de fornecer componentes para o transporte de

oxigénio (eritrócitos), fatores de coagulação e proteínas. 23

É utilizado em situações de

hemorragia quando há uma perda de sangue superior a 30% do volume total de sangue do

paciente (30 mL/Kg no cão e 20 mL/Kg no gato). De forma geral está indicado quando o

paciente apresenta valores de hematócrito (Hct) inferiores a 21% nos cães e a 12%-15% nos

gatos (ou uma hemoglobina de 6.0-7.0 g/dL). 23

Numa situação de hemorragia aguda, devido à

perda de sangue fulminante muitas vezes não é possível fazer provas de cross-matching

antecipadamente, pelo que em cães é possível fazer uma primeira transfusão de um dador que

seja DEA 1.1 negativo. Esta situação em gatos não é de todo recomendada, e o sangue tem

que ser sempre tipificado antes. 23

O plasma fresco e o plasma fresco congelado, podem ser utilizados em conjunto com a

fluidoterapia de ressuscitação, fornecem componentes importantes como albumina, fatores de

coagulação e imunoglobulinas, embora tenham um menor efeito no aumento da COP em

comparação com outros coloides. Estes são recomendados em situações de hemorragia onde

houve perda dos fatores de coagulação, devido à perda e ao consumo dos mesmos, e em

pacientes hipoproteinémicos. 23,53

São necessárias grandes quantidades de plasma,

aproximadamente 40mL/g/dia, de modo a aumentar a concentração de albumina sérica em

1g/dL e exercer efeito sobre a COP plasmática. 46,53

Nas situações de hipoalbuminémia severa existem fluidos com albumina como a

albumina humana purificada, mas alguns estudos demonstraram reações adversas, e até

fatais, à utilização da mesma em cães, como reações de hipersensibilidade do tipo III. Apesar

da incompatibilidade das proteínas entre as espécies (humana e canina) a albumina humana

purificada normalmente só é utilizada em situações de hipoproteinémia severa, e não em

50

situações de ressuscitação. Albumina canina liofilizada também existe mas é difícil de

encontrar, e ainda são necessários estudos sobre a utilização da mesma para fins de

ressuscitação.53

2.7.2.1.2.2 - Coloides sintéticos

Os coloides sintéticos foram desenvolvidos como uma alternativa ao plasma e aos

fluidos com albumina, face à menor disponibilidade e maior custo de obtenção dos coloides

naturais. 55

Contudo, a albumina tem uma maior capacidade de ligação ao glicocálice o que

resulta numa menor permeabilidade vascular, em comparação com os coloides sintéticos. 55

Existem 3 tipos de coloides sintéticos: dextranos, gelatinas e amido de hidroxiletil

(HES). O que distingue os coloides sintéticos é o tamanho e o número molecular e a matéria-

prima das moléculas. 23

Os dextranos são polissacáridos formados a partir da fermentação bacteriana da

sacarose. 23,55

São normalmente apresentados como Dextran 40 e 70, com pesos moleculares

de 40 e 70kDa e detêm um efeito de pressão oncótica superior aos HES. 23

Os dextranos foram bastante utilizados face ao seu baixo custo de produção e longos períodos

de validade/armazenamento. 55

As gelatinas são obtidas através da desnaturação e hidrólise do colagénio de bovino,

através de reações químicas e da junção de diversos aditivos (oxipoligelatina, poligelina ou

polisuccinato de gelatin). As gelatinas têm um baixo custo de produção e um grande tempo de

armazenamento, e um peso molecular de 30-40kDa o que faz com que haja uma excreção

muito mais rápida a nível renal resultando num efeito de expansão de plasma de apenas 2 ou 3

horas. 55

O amido de hidroxietil (HES) é um polissacárido natural semelhante ao glicogénio

(amilopectina) e normalmente está disponível em soluções com uma concentração de 6% e um

peso molecular de 450kDa. 23

Na presença de uma barreira endotelial vascular intacta o

volume de distribuição dos HES, teoricamente, restringe-se ao espaço intravascular. As

partículas osmoticamente ativas retêm a água no plasma e impede a formação de edema dos

tecidos. 23,53

O HES exerce um efeito de expansão de volume intravascular superior a 50% em

pacientes normovolémicos e 90% em pacientes hipovolémicos, em comparação ao lactato de

ringer. O efeito superior nos animais hipovolémicos pode dever-se a danos causados ao

glicocálice pela hipovolemia nos animais anteriormente normovolémicos.55

Os HES apresentam

como benefícios um efeito anti-inflamatório, uma diminuição da permeabilidade vascular a nível

pulmonar, um efeito de oclusão dos poros do endotélio vascular em estados inflamatórios,

permitem o aumento da COP e impedem a diminuição da mesma e têm um valor

risco/benefício superior face aos outros coloides sintéticos. 23,55

Resumindo os HES são os coloides sintéticos mais utilizados atualmente na medicina

veterinária e humana, face a um maior efeito de expansão de volume e mais duradouro, em

51

comparação com os cristaloides, e ao registo de menos efeitos adversos em comparação com

os outros coloides sintéticos (gelatinas e dextranos). 23,53,55

Atualmente, na medicina veterinária, os HES estão indicados para fluidoterapia peri-

operativa, hipovolémia não responsiva a cristaloides, hipoalbuminémia e COP diminuída, e

podem ser administrados em conjunto com os cristaloides. 55

Efeitos deletérios dos coloides

A utilização dos coloides naturais acarreta alguns riscos como reações febris não

hemolíticas, lesões pulmonares agudas e potencialmente a transmissão de agentes

patogénicos. 53

Os coloides sintéticos apresentam efeitos secundários como IRA, coagulopatias e

aumento da mortalidade. Casos de prurido, disfunção reticuloendotelial, hepatopatias e

reações anafiláticas também estão descritos embora com menor frequência. 53

Os pacientes

sépticos parecem ter maior risco destes efeitos secundários e podem estar associados a

maiores taxas de mortalidade. 53

São raros os relatos da utilização das gelatinas em cães e gatos. Nos humanos, os

principais efeitos adversos são aumento da diurese, IRA, aumento na viscosidade do sangue e

uma maior frequência de reações anafiláticas face aos dextranos e HES. Os dextranos são

associados a reações anafiláticas, falência renal e problemas de coagulação. 55

A nível renal, a fisiopatologia da IRA ainda não está totalmente compreendida. Vários

mecanismos patológicos têm sido propostos como a acumulação de HES no sistema

reticuloendotelial a nível renal, lesão isquémica renal devido à hiperviscosidade sanguínea e

nefrose osmótica que consiste num processo de vacuolização e edema das células dos túbulos

contornados proximais. Modelos experimentais demonstram proliferação celular e infiltração de

macrófagos no interstício renal que contribuem para o desenvolvimento de IRA. 53

Os mecanismos das coagulopatias não estão completamente compreendidos, mas

pensa-se que há um efeito direto das moléculas dos coloides sobre a cascatada da coagulação

e não apenas um efeito de hemodiluição dos fatores de coagulação. Aqui inclui-se a diminuição

e interação com o fator VIII/von Willebrand (vWF), disfunção ou deficiência no fibrinogénio e

diminuição da expressão e ativação do recetor GP αIIb/β3 na superfície das plaquetas ativadas.

23,53, 55 O HES ainda tem uma ação pró-fibrinolítica ao aumentar a conversão do fibrinogénio em

fibrina o que resulta num coágulo mais friável. 55

Os dextranos também estão descritos em

como diminuem os fator vWF e VIII e polimerizam os monómeros de fibrina o que aumenta a

fraqueza do coágulo. 23

Vários estudos demonstraram que o tempo de coagulação, concentração de plaquetas

e fibrinogénio e tendência para hemorragia encontram-se alterados após a administração de

HES.59,60,61

Estes estudos demonstraram um efeito dose-dependente face aos parâmetros

viscoelásticos, função plaquetária, TP e a TTPA, após a administração de cristaloides e

52

coloides sendo que a situação era mais severa nos animais em que tinha sido administrado

HES. 55

As moléculas de HES, ao contrário de outros coloides sintéticos, parecem ser os únicos

que acumulam em diversos tecidos como células da derme, nervosas, hepatócitos e no

sistema reticuloendotelial. 53

No sangue o HES sofre uma hidrólise intravascular pela amilase

sérica e as moléculas mais pequenas (<55kDa) ou são excretadas na urina ou entram em

diversos tecidos. 23,53

Os lisossomas intracelulares não contêm a amilase necessária à hidrólise

do HES o que faz com que o tempo de semivida do HES seja maior a nível intracelular do que

no plasma. 53

Ainda permanece controverso o papel protetor ou destrutivo no glicocálice por parte

dos HES e outros coloides sintéticos em estados inflamatórios onde há um aumento da

permeabilidade capilar (SIRS, sepsis e choque séptico).55

Como foi descrito anteriormente, os

HES possuem um efeito de oclusão dos poros no endotélio mas o mecanismo pelo qual

acontece não está clarificado. Uma hipótese é a inibição da ativação das células endoteliais por

parte do HES prevenindo um aumento na permeabilidade capilar, e uma segunda hipótese

consiste na incorporação das moléculas de HES na matriz do glicocálice, reforçando esta

camada o que resulta numa diminuição da permeabilidade. 55

No entanto nestes estados

inflamatórios há uma destruição do glicocálice e ocorre extravasamento de albumina e das

moléculas mais pequenas dos coloides para o espaço intersticial o que exerce uma força

oncótica que irá provocar uma maior saída de fluidos do espaço intravascular para o intersticial

e agravar a formação de edema.23,

55

Desde modo, várias entidades e estudos de medicina humana concluíram e lançaram

guidelines para a utilização de coloides, nomeadamente os HES, em que estes são

contraindicados em pacientes em sepsis, choque séptico, queimaduras ou pacientes

gravemente doentes pois há um maior risco de desenvolver IRA e de mortalidade. 55,

62

Os

HES podem ser utilizados nas situações em que a barreira do glicocálice se encontra intacta,

como em hipovolemia, por perda aguda de sangue por exemplo, onde a utilização dos

cristaloides por si não é suficiente, mas estes não devem ser usados por mais de 24 horas de

forma a evitar os efeitos adversos acima descritos e a função renal deve de ser monitorizada. 55

De qualquer modo não podemos supor que os cães e gatos irão responder da mesma

forma que os humanos aos coloides face às suas características metabólicas e prováveis

diferenças na acumulação dos coloides nos tecidos. 55

Apesar dos estudos humanos e de não

haver nenhuma entidade oficial veterinária que tenha lançado recomendações sobre a

utilização de coloides sintéticos, estudos e revisões veterinárias recentes recomendam o uso

destes em situações de choque hipovolémico e distributivo (não inflamatório). 55

Ainda há falta de estudos relativamente à redução da morbilidade e aumento das taxas

de sobrevivência dos pacientes críticos, através do uso dos coloides. 53

53

2.7.2.1.3 - Cristaloides vs. Coloides

No tratamento do choque os coloides têm um efeito de expansão de volume maior,

permanecem no espaço intravascular durante várias horas comparativamente aos cristaloides

(20-30 minutos), aumentam a COP e diminuem o efeito de extravasamento em comparação

com os cristaloides. Por outro lado, os cristaloides equilibram rapidamente entre o espaço

intravascular e intersticial, melhorando a hidratação do animal, enquanto que, as moléculas dos

coloides se ligam ao glicocálice e restringem a ultrafiltração e o extravasamento de fluidos. No

entanto, esta situação só ocorre quando a barreira do glicocálice encontra-se intacta. Esta

pode ficar danificada em situações de SIRS, trauma, cirurgia, doença severa, sepsis e também

em hipervolemia. Sendo assim, o efeito da expansão de volume, esperado nos pacientes

internados pode ser diferente dos efeitos in vitro e em animais saudáveis. 55

Diversos estudos tentaram avaliar a maior ou menor eficácia dos vários tipos de fluidos

existentes. Ainda permanece muita controvérsia relativamente à utilização dos coloides

sintéticos, enquanto fluido de ressuscitação, face aos efeitos deletérios descritos acima é à

falta de ensaios clínicos que demonstrem uma melhoria nas taxas de mortalidade. 53

A escolha

dos fluidos a administrar deverá ser feita consoante as qualidades e benefícios dos fluidos face

às características do paciente, etiologia do choque, gravidade da doença e progressão desta.

53,55

2.7.2.2 - Plano de fluidoterapia

A fluidoterapia tem como objetivo minimizar ou reverter os efeitos do choque ao

estabilizar a resposta hemodinâmica à hipovolemia, melhorando a perfusão e oxigenação dos

tecidos.23

Por norma, considera-se que a normalização ou recuperação da cor das muscosas, da

frequência cardíaca, pressão arterial e débito urinário são indicadores de sucesso na

recuperação do volume intravascular e ressuscitação do paciente. Estudos mais recentes

também apontam que a recuperação dos parâmetros de transporte de oxigénio em conjunto

com as variáveis hemodinâmicas são igualmente importantes para a ressuscitação.23

O objetivo é dar a menor quantidade de volume de fluídos possível, de modo a

ressuscitar o animal. 45

54

Objetivos na ressuscitação:

Os cristaloides isotónicos em conjunto com os coloides sintéticos são atualmente

considerados o tratamento gold standard para os animais que apresentam sinais clínicos de

choque. 23, 45, 48, 58

A dose de cristaloides a administrar, em conjunto com os coloides, deverá de

ser 50% do volume total da dose de cristaloides a infudir.45,58

Relativamente aos coloides existe

pouca informação disponível mas por norma recomenda-se não exceder os 20 mL/Kg/dia em

cães e 10 mL/Kg/dia nos gatos. 23

A dose de choque é de 80ml/kg para cães e 55ml/kg para gatos de cristaloides

isotónicos. A administração de grandes volumes de fluidos a nível intravascular está associada

a um rápido aumento da pressão hidrostática intravascular podendo comprometer a camada

endotelial vascular agravando a formação de edemas, diluição de fatores de coagulação e

diminuição da capacidade de transporte de oxigénio. Desta forma o tratamento deve ser

iniciado com a administração de 25% da dose de choque de cristaloides durante 15 a 20

minutos. 23, 48

Esta abordagem gradual evita os problemas de sobrehidratação e formação de

edemas no paciente traumatizado. 23

De seguida devem de ser monitorizadas as pressões

arteriais, frequência cardíaca, cor das mucosas, TRC, e caso estes parâmetros ainda não

estejam adequados podem ser repetidos mais bolus de cristaloides isotónicos (mais 25% da

dose de choque) ou bólus de 5-15 mL/Kg de coloides durante 5 a 15 minutos. 23, 48

Os coloides

sintéticos são normalmente administrados em conjunto com cristaloides para diminuir a

depleção do volume intersticial e para repor os défices intersticiais. 23, 58

Caso a administração

de aproximadamente 50% do volume da dose de choque de cristaloides isotónicos não seja

suficiente para repor os parâmetros clínicos do animal deve-se considerar a junção de

coloides.58

Os cristaloides hipertónicos (NaCl 7,5%) podem ser utilizados em conjunto com

cristaloides e coloides para uma rápida expansão do volume intravascular. Produzem um efeito

Mucosas rosadas TRC: 1-2’’ Frequência cardíaca:

Cães: 80-120;

Gatos:160-220 PAM:

Cães: 70-100 mmHg;

Gatos: 40-60 mmHg Pressão venosa central: 5-8 cm H20 Débito urinário: > 2mL/kg/h Temperatura corporal: 37,5-38,5°C Estado mental: Alerta Hct: 25-45% COP: 14-17 mmHg

55

inotrópico positivo, promovem vasodilatação pulmonar e sistémica, e promovem um rápido

aumento do volume intravascular com uma menor quantidade de volume de fluidos

administrados.45

Os cristaloides hipertónicos são úteis na fluidoterapia de ressuscitação de

animais grandes, em situações onde é necessário um rápido aumento do volume intravascular,

em situações que requerem uma infusão de fluidos mais lenta mas que necessitam de um

rápido aumento do volume intravascular (ex: cateteres pequenos, via intraóssea). 23

Estes

podem ser administrados numa dose entre 2-4 mL/Kg em gatos, 4-5 mL/Kg nos cães durante

10 a 15 minutos.23,58

Nos gatos a administração de cristaloides hipertónicos (4 mL/Kg), numa situação de

hemorragia, resulta numa diminuição do fator depressor do miocárdio, situação que não se

observa na ressuscitação com cristaloides isotónicos. 23

Em cães, a ressuscitação apenas com cristaloides hipertónicos ou em conjunto com

HES resultou num restauro do fluxo cerebral superior, em comparação com os cristaloides

isotónicos.23

2.7.2.2.1 - Situações específicas

2.7.2.1.1 - Hemorragia ativa não controlada e politraumatizados

Numa situação de hemorragia ativa, a rápida administração de fluidos e em grandes

volumes, causa um rápido aumento da pressão hidrostática, pode retirar coágulos já formados

que controlavam a hemorragia exacerbando a mesma, diminui a viscosidade do sangue, dilui

os fatores de coagulação e diminui a capacidade de transporte de oxigénio aos tecidos. 23

Diversos estudos demonstraram quando a hemorragia é catastrófica (ex: laceração da

aorta) a fluidoterapia de ressuscitação, com as doses de choque acima descritas, reduz o risco

de mortalidade nos 3 primeiros dias, no entanto, em situações de trauma em vasos de menor

calibre ou órgãos, o risco de morte era superior. 23,63

Desta forma, durante uma hemorragia não controlada a ressuscitação deve de então

ser feita de forma hipovolemica ou hipotensiva restaurando apenas parcialmente os sinais de

perfusão dos tecidos e as pressões arteriais. Deve-se apontar para uma PAM de 60mmHg e

uma PAS de 80mmHg durante a ressuscitação hipovolémica, evitando valores supranormais e

o aumento da perda de sangue.23

Esta ressuscitação pode ser feita de duas formas: uma

primeira com a manutenção das pressões através da utilização de uma infusão contínua de

vasopressores (ex: epinefrina, norepinefrina) retardando a administração de fluidos, até que

seja atingida a hemóstase; uma segunda forma consiste na administração de baixos volumes

de cristaloides isotónicos (10-15 mL/Kg durante 15-20 minutos) ou cristaloides hipertónicos (2-4

mL/Kg). O restante tratamento deverá ser direcionado para o controlo da hemorragia,

reparação das lesões e transfusão de sangue total. 23

56

Estes casos de hemorragia, muitas vezes ocorrem em situações de trauma agudo ou

animais politraumatizados onde por norma estão associadas lesões como contusões

pulmonares e traumatismo craniano. Na contusão pulmonar pode existir uma hemorragia ativa

e lesões na barreia endotelial-alveolar, pelo que a fluidoterapia pode piorar a hipoxemia ao

causar um aumento no fluxo transcapilar para os alvéolos e espaço intersticial. De modo a

introduzir a menor quantidade de fluidos, mas permitindo um aumento do volume intravascular

benéfico a nível sistémico os cristaloides hipertónicos devem de ser utilizados.23,57

Nos casos

de traumatismo craniano a fluidoterapia deve de ser realizada de modo a manter a perfusão

cerebral, que consiste na diferença entre a pressão intracraniana e a pressão arterial média. A

pressão intracraniana encontra-se aumentada nestas situações, e pode ser diminuída através

da utilização de manitol (1g/Kg intravenoso), seguida da utilização de fluidos como os

cristaloides hipertónicos, numa dose de 2-4 mL/Kg entre 5 a 15 minutos, de modo a aumentar a

pressão arterial sem introduzir grandes volumes de fluidos. 23

2.7.2.1.2 - Choque cardiogénico

A fluidoterapia nestes animais requer taxas de infusão mais baixas e restrições nos

bólus de fluidos a administrar, administrando o menor volume possível. Um excesso no volume

intravascular resulta num aumentando da pré-carga num coração doente, o que causa estase

sanguínea, aumento da pressão hidrostática no átrio esquerdo e veias pulmonares, causando

edema pulmonar. No cão é recomendado doses de cristaloides isotónicos entre 5 a 15ml/kg em

20 minutos e em seguida bólus de 5ml/kg em 10-20minutos. Os coloides podem ser usados em

bólus de 1 a 5 mL/kg em cães e 1-3ml/kg nos gatos. Devido à baixa concentração de sódio, o

Lactato de Ringer é uma boa opção para doentes cardíacos. A pressão arterial e ritmo cardíaco

devem de ser monitorizados constantemente, em conjunto com auscultação pulmonar.45

Ao fim

de duas ou três administrações de fluidos é esperada uma melhoria nos sinais clínicos do

animal.45

2.7.2.1.3 - Choque distributivo

Em qualquer tipo de choque a fluidoterapia de ressuscitação tem como objetivo a

restauração da perfusão e oxigenação dos tecidos de modo a evitar o desenvolvimento de

MODS e morte. No choque distributivo o animal encontra-se em colapso circulatório pelo que o

suporte cardiovascular é essencial tanto do volume intravascular como do tónus vascular. 32

Nos casos de sepsis o animal terá uma vasodilatação mediada por citoquinas pró-inflamatórias

(ex: óxido nítrico) e em casos obstrutivos existirá uma má distribuição sanguínea, o que resulta

numa hipoperfusão dos tecidos. 23,48

Cristaloides isotónicos, cristaloides hipertónicos e coloides

sintéticos podem ser utilizados como descritos na Tabela 30 – Dose e seleção de fluidos para a

fluidoterapia de ressuscitação, em função do tipo e fase de choque. Adaptado de Fluid therapy

57

for the traumatized patient, Driessen, B. & Brainard, B. 23,

de Colloid and crystalloid

resuscitation, Rudloff, E. & Kirby, R. 45

e 2013 AAHA/AAFP fluid therapy guidelines for dogs

and cats, Davis, H. et al..58

32

Caso a hipotensão persista após o restauro do volume intravascular estes pacientes

podem necessitar da administração de vasopressores a fim de manterem a pressão arterial e

suportar o fluxo sanguíneo aos tecidos.23, 32,48

Nas situações de hipoalbuminémia, SIRS ou CID os pacientes podem necessitar de

transfusões de plasma fresco e plasma fresco congelado a fim de normalizarem os parâmetros

de coagulação e aumentarem a COP. 32,55

2.7.2.1.4 – Considerações referentes a gatos

Devido às particularidades dos mecanismos de compensação nos gatos em choque,

recomenda-se antes de iniciar a fluidoterapia aquecer o animal, determinar a existência ou não

de doença cardíaca, e então de se seguida, proceder à administração de fluidos aquecidos.

Sendo assim, as taxas de administração terão de ser mais baixas, para evitar uma sobrecarga

do sistema vascular quando voltar à temperatura normal. Os cristaloides isotónicos deverão ser

administrados a uma taxa de 10-15 mL/kg em 10-15minutos e os coloides sintéticos a 5 mL/kg

durante 5-10 minutos. Nos gatos a pressão arterial média deverá atingir entre os 40 e os 60

mmHg com bólus de cristaloides e coloides e depois manter apenas os cristaloides aquecidos

em taxa de infusão, enquanto o animal continua a ser aquecido. 40

O aquecimento pode ser

feito através de mantas aquecidas, botijas de água quente ou ventiladores direcionados para o

animal. As botijas deverão ser mantidas junto ao tórax e abdómen, evitando as extremidades

para que não ocorra vasodilatação periférica e uma diminuição do feedback neuronal ao centro

de termorregulação.40

Deve-se aquecer o animal até aos 37ºC. A partir desta temperatura

corporal as funções cardiovasculares normalizam e deve ser realizado um novo exame físico

ao animal de modo a adaptar a fluidoterapia e o restante plano terapêutico.40

Durante o

aquecimento é vital monitorizar hipotensão, arritmias, alterações ácido-base e eletrolíticas,

estado mental e complicações pulmonares.

Não existe um único protocolo de fluidoterapia para todos os tipos de choque, tanto em

situações de trauma agudo como de progressão de uma doença (ex: choque séptico). 23

A

abordagem da fluidoterapia deverá ser aplicada a cada indivíduo tendo em conta a etiologia do

choque, o tipo de choque presente e a existência de afeções concomitantes. 23

58

Figura 2 – Fluxograma da abordagem da fluidoterapia ao paciente politraumatizado. Traduzido de Fluid therapy for the traumatized patient, Driessen, B. &

Brainard, B. 23

Abordagem à fluidoterapia do paciente em situação de trauma FC: 130-150 bpm; PAS <80 mmHg

Evidência de hemorragia severa?

Sim: hipotensão por hemorragia Não: hipotensão por outras causas

Hemorragia

controlável?

Hemorragia ativa

Hemorragia controlada

com hipotensão

persistente

Dose de choque

80ml/kg/h de cristaloides

isotónicos ou pequenos

volumes com hipertónicos

Retorno da

hemorragia?

Trauma catastrófico Trauma severo

Sem traumatismo

craniano

Com traumatismo

craniano

Contusão pulmonar Dose de choque 80ml/Kg/h Objetivo:

PAS: 100 mmHg PAM: 80 mmHg Ressucitação

hipovolémica Objetivo:

PAS: 80-100 mmHg PAM: 60 mmHg

Cristaloides hipertónicos

(pequenos volumes) Objetivo:

PAS: 100 mmHg PAM: 80 mmHg

Traumatismo

craniano?

Doença

cardíaca?

Doença

pulmonar?

Desconhecido

Terapia específica

Choque Cardiogénico?

Tamponamento cardíaco?

Arritmia severa?

Contusão pulmonar?

Pneumotórax?

Suporte

sintomático e

fluidoterapia

Oxigenoterapia

(entubação,

ventilação

mecânica,…)

Sim

Sim

Não

Não

59

Na tabela 30 encontram-se a doses de cristaloides e coloides a administrar ao

paciente, consoante o tipo de choque, o estado cardiovascular e a presença de afeções

concomitantes, conforme descrito acima.

Tabela 30 – Dose e seleção de fluidos para a fluidoterapia de ressuscitação, em função do tipo e

fase de choque. Adaptado de Fluid therapy for the traumatized patient, Driessen, B. &

Brainard, B. 23, de Colloid and crystalloid resuscitation, Rudloff, E. & Kirby, R. 45

e 2013

AAHA/AAFP fluid therapy guidelines for dogs and cats, Davis, H. et al..58

Estado hemodinâmico Tipo de fluido/dose

Cristaloides Coloides Outros

Choque hipovolémico

Fase compensada Cristaloides isotónicos

10-30 mL/Kg durante 15-

20 minutos

Considerar

HES 5 mL/Kg

durante 5-

15minutos

Fase descompensada Cristaloides isotónicos

10-30 mL/Kg durante 15-

20 minutos.

Considerar cristaloides

hipertónicos 2-4 mL/Kg

durante 10-20 minutos

HES 5 mL/Kg

durante 5-15

minutos

Hemorragia aguda (perda

de sangue total >30%)

Ressuscitação

hipotensiva

Cristaloides hipertónicos

4-5 mL/Kg durante 10-20

minutos

Seguida de cristaloides

isotónicos 10-15 mL/Kg

durante 15-20 minutos

Transfusão de

sangue total ou

concentrado de

eritrócitos;

HES 5 mL/Kg

durante 5-15

minutos ou

infusão continua

20-30 mL/Kg/dia

(0,8 mL/Kg/hora)

Considerar

vasopressores

Fraca tolerância a

grandes volumes de

fluidos

Contusão pulmonar (CP)

Traumatismo craniano

(TC)

Doença cardíaca

compensada

Cristaloides hipertónicos

2-4 mL/Kg durante 10-20

minutos ou manitol 1-2

g/Kg IV (CP e TC)

Seguida de cristaloides

isotónicos 10-15 mL/Kg

durante 15-20 minutos

HES 1-5 mL/Kg

durante 5-15

minutos.

60

Choque distributivo Cristaloides hipertónicos

4-5 mL/Kg durante 10-20

minutos;

Seguida de cristaloides

isotónicos 10-15 mL/Kg

durante 15-20 minutos

HES 1-5 mL/Kg

durante 5-15

minutos.

Pacientes em

SIRS ou CID

administrar

plasma fresco ou

plasma fresco

congelado

Se hipotensão

persistir

considerar

vasopressores

Choque cardiogénico

com hipovolemia

5-15 mL/Kg de

cristaloides isotónicos

em 20 minutos. Bólus

seguintes de 3-5 mL/Kg

em 15-20 minutos

Cão: 1-5 mL/Kg

de HES

Gato: 1-3 mL/Kg

de HES

Gatos com qualquer tipo

de choque (não-

cardiogénico)

10 mL/Kg de cristaloides

isotónicos durante 15-20

minutos, seguidos de

bólus 3-5 mL/Kg de

cristaloides isotónicos.

Ressuscitação

hipotensiva

2-4 mL/Kg de cristaloides

hipertónicos em 10-20

minutos.

HES 5 mL/Kg em

5-15 minutos

Considera-se que, a ressuscitação está completa quando são correspondidas as

necessidades de oxigénio dos tecidos, a acidose tecidular é resolvida e é restaurado o

metabolismo celular aeróbio. Sem a resolução destes parâmetros é muito provável que o

paciente entre em MODS. 23

2.7.3 - Suporte cardiovascular

Os estudos mais recentes indicam que o uso de vasopressores em conjunto com a

fluidoterapia traz vantagens na recuperação de pacientes com choque distributivo. 64

A pressão arterial, e consequente perfusão dos tecidos, pode ser melhorada através

da utilização de agentes hipertensores. 31

A duração do choque vai alterar a resposta aos

efeitos vasoconstritores destes agentes. 64

61

Os recetores α-adrenérgicos estão localizados nas regiões pré e pós sinápticas nas

terminações do sistema nervoso simpático das células do músculo liso e também do miocárdio.

Isto pode causar um aumento da pós-carga no ventrículo esquerdo e consequente diminuição

do output cardíaco, diminuindo a perfusão regional. Deste modo os vasopressores usados

devem de ter algum efeito sobre os recetores β-adrenérgicos. 65

A nível vascular, as alterações

depende do tipo de recetor estimulado, assim a estimulação dos recetores α1 promove

vasodilatação ou vasoconstrição, consoante a concentração, e a estimulação dos recetores α2

promove vasoconstrição. A estimulação dos recetores β-adrenérgicos leva a efeitos inotrópicos

e cronotrópicos positivos no miocárdio e relaxamento do músculo liso dos brônquios e

vasculatura. A estimulação dos recetores β -adrenérgicos leva a um aumento da perfusão a

nível esplâcnico e na microcirculação.65

A dobutamina e a dopamina são os fármacos de primeira linha na correção da

depressão do miocárdio e diminuição da resistência vascular, pelos efeitos sobre os recetores

α-adrenergicos. 31

2.7.3.1 - Dopamina

A dopamina em baixas doses é por vezes usada como primeira escolha devido à sua

atividade sobre os recetores α e β-adrenérgicos, que causa o aumento do débito cardíaco e da

pressão arterial, e também devido à estimulação concorrente dos recetores dopaminérgicos

nos rins que levam à preservação do fluxo sanguíneo a nível renal. 31,65

Esta situação nos

gatos não funciona visto que estes não possuem recetores dopaminérgicos nos rins. 31

No

entanto em termos clínicos a dopamina é um fármaco eficiente em restaurar a pressão

sanguínea no gato. 31

Existem também recetores de dopamina nas células do músculo liso a

nível esplénicos, coronárias e sistema hematocerebral, que quando estimulados causam

inibição da libertação da norepinefrina das terminações nervosas simpáticas, o que leva a uma

vasodilatação dos vasos locais, preservando o fluxo sanguíneo nestes órgãos. 65

A dopamina

tem vários efeitos imunomoduladores em animais sépticos, ao inibir as vias inflamatórias

geradas pelas citoquinas e moléculas de adesão e também ao estimular os mediadores anti-

inflamatórios. 65

A dobutamina possui um efeito inotrópico positivo mais forte, o que resulta num

aumento do débito cardíaco, mas por outro lado causa vasodilatação.

2.7.3.2 - Norepinefrina

A norepinefria estimula primeiramente os recetores α-adrenergicos o que resulta num

aumento da pressão arterial, mas com um ligeiro aumento da frequência cardíaca. 65

Permite

um aumento do fluxo sanguíneo para os rins e o coração, sem afetar grandemente a perfusão

dos restantes tecidos. 65

62

2.7.3.3 - Vasopressina

A vasopressina é um vasopressor não adrenérgico, mas que potencia os efeitos

dos agonistas α-adrenergicos. É sintetizada no hipotálamo e armazena na hipófise, em

resposta a uma diminuição da pressão sanguínea, diminuição do volume intravascular e

aumento da osmolaridade. A vasopressina e o análogo terlipressina, exercem os seus efeitos

em diversos recetores, principalmente nos recetores V1 e V2. Os recetores V1 estão

localizados no músculo liso, cérebro, testículos, fígado e rim (medula) e a estimulação destes

pela vasopressina causa vasoconstrição. A estimulação dos recetores V2 promove a

reabsorção de água no ducto colector.65

, 66

Em estudos humanos, a vasopressina demonstrou diminuir os níveis de

citoquinas nos pacientes em choque séptico, o que está diretamente relacionado com um

aumento das taxas sobrevivência.65

O uso prolongado dos vasopressores resulta na diminuição da sensibilidade dos

seus efeitos, visto que os recetores das mesmas encontram-se muitas vezes inibidos. 31

Em

2011 a base de dados Cochrane, clarificou que não existem diferenças evidentes entre os 6

vasopressores estudados. Provavelmente a escolha dos vasopressores nos pacientes em

choque não influencia o prognóstico, mais do que o efeito vasopressor por si. Não existe

evidência suficiente de que um tipo de vasopressor é superior ao outro.65

Na tabela 31 apresentam-se os efeitos cardiovasculares e a atividade alfa e beta

agonista dos vasopressores.

Tabela 31 - Atividade agonista alfa e beta adrenergicas dos vasopressores e respetivos efeitos

cardiovasculares. Adaptado de “Controversies regarding choice of vasopressor therapy for management of septic shock in animals. Silverstein, D. C. & Santoro Beer, K (2015).

65

Fármaco Atividade

no recetor

Efeito cardiovascular

Β1 Β2 α

Contratilidade

cardíaca FC DC

Tónus

vascular PA

Dopamina ++ + ++

Aumento

moderado

Aumento

ligeiro

Aumento

moderado Diminuição Variável

Norepinefrina + 0 +++

Aumento

ligeiro Variável Variável

Aumento

marcado

Aumento

marcado

Vasopressina 0 0 0 0 Diminuição Diminuição

Aumento

moderado

Aumento

moderado

63

2.7.4 - Analgesia e Anestesia

Os pacientes em choque apresentam muitas vezes prostração, o que torna fácil a

realização de exames físicos e cateterização venosa. No entanto alguns destes pacientes

podem estar em stress e não é benéfico tentar lutar com eles. Nestas situações pode-se

recorrer a uma sedação através da associação de opiáceos com benzodiazepinas. Os opioides

providenciam analgesia, de modo a deixar o paciente mais confortável e calmo, e ao mesmo

tempo causam poucas alterações a nível do débito cardíaco e pressão arterial. Caso seja

necessário recorrer a um tranquilizante é preferível a utilização de diazepam ou midazolam,

visto que fármacos como a acepromazina têm um efeito hipotensor, que não é de todo

desejável neste tipo de pacientes. 67

Para os animais que precisam de intervenção cirúrgica, a utilização de agentes

indutores deve ser feita com cuidado, apenas com a administração de doses necessárias para

permitir a entubação. O propofol é o fármaco de eleição para estes pacientes, face ao seu curto

tempo de ação (5-10 minutos) e baixos efeitos cardiovasculares. 67, 68

Para a manutenção da anestesia são utilizados agentes inalatórios como o isofluorano

e o sevofluorano, ambos com um efeito depressor a nível cardiovascular, e dose-dependente.

No entanto, têm um curto tempo de ação o que permite uma rápida mudança nas

concentrações do anestésico. 67

2.7.5 - Antibioterapia em Sepsis

Nos pacientes em sepsis ou choque séptico é fundamental a identificação do foco de

infeção. A identificação do foco de infeção inicial pode ser difícil. É recomendada a recolha de

amostras para cultura.31

O objetivo é evitar progressão da sepsis, para sepsis severa, choque

séptico, e MODS. 31

A antibioterapia deve ser feita em função dos resultados das culturas bacterianas e

testes de sensibilidade. No entanto cada hora de atraso na instituição da antibioterapia está

associada a um aumento da taxa de mortalidade. 62

, 69

Pode ser iniciada uma antibioterapia

empírica, baseada nos agentes patogénicos mais prováveis, local de infeção e possibilidade de

resistência. 69

É também recomendado que a seleção dos antibióticos cubra o maior espectro

possível (gram negativo, gram positivo, aeróbios e anaeróbios) e tenha capacidade de

penetração nos tecidos afetados. 69

A utilização da ampicilina (22 mg/Kg a cada 8 horas) em conjunto com a enrofloxacina

(10 mg/kg) constituem antibióticos de primeira linha de largo espectro. Devido ao surgimento

de resistências, novos fármacos têm surgido e que não têm sido conhecidas resistências, tais

como o imipenem e o meropenem. 31

64

Tendo em conta as alterações metabólicas a que os pacientes possam estar sujeitos é

recomenda a administração dos antibióticos por via endovenosa de modo a garantir uma maior

concentração nos tecidos. 68,70

Doses elevadas de antibióticos devem de ser aplicadas nos

pacientes em sepsis e choque séptico de modo a ultrapassar as limitações da perfusão

microvascular, que se encontra comprometida. 68

Nas situações em que não exista um foco infecioso ou processo séptico, mas que o

paciente se encontre em choque existe a possibilidade de ocorrer translocação bacteriana a

partir do trato gastrointestinal. Existe um comprometimento da barreia da mucosa

gastrointestinal devido à hipoperfusão esplâncnica. Para estas situações devem ser escolhidos

antibioticos com eficácia contra Gram negativo e anaeróbios, que fazem parte da flora

gastrointestinal, tais como o metronidazol e a clindamicina. 31,71

2.8 - Monitorização

O objetivo do tratamento do paciente em choque é a otimização das funções do

sistema cardiovascular. O débito cardíaco, a pressão arterial e o fornecimento de oxigénio são

dependentes do volume de sangue e quando este é expandido os parâmetros cardiovasculares

normalizam. 46

A monitorização e as ferramentas de monitorização dos mesmos, e um exame

físico completo são de extrema importância para a estabilização destes pacientes críticos e

fornecem pistas importantes da resposta à terapia. 46,72

Alterações no peso, débito urinário, dor e estado mental permitem uma deteção

precoce de disfunções orgânicas.31

Muitas vezes mesmo com intervenção e tratamento imediatos e cuidados intensivos,

muitos dos pacientes, animais e humanos, morrem nas primeiras 48 horas no hospital ou

desenvolvem SIRS que podem levar a MODS nos dias ou semanas seguintes à sua entrada no

hospital.23

Os vários sistemas devem de ser monitorizados após entrada e estabilização do

paciente. Devem ser realizados diversos testes e exames tais como Hemograma, gases

arteriais, lactato, bioquímicas (creatinina, ureia, alanina transferase (ALT), albumina, proteínas

totais, fosfatase alcalina, ionograma), medição do débito urinário, e testes de coagulação.

Avaliação do sedimento urinário permite verificar a existência de células inflamatórias, cilindros

e proteínas. 42, 46

Radiografias abdominais e torácicas, ecografia abdominal e ecocardiografia

podem estar indicadas após a estabilização do paciente. 46,72

2.8.1 - Oxigénio

Por norma, a melhoria da condição clínica do animal é um meio suficiente de

determinar a resposta do paciente à oxigenoterapia. A melhoria na cor das mucosas,

65

diminuição da frequência e esforço respiratório e redução da ansiedade indicam-nos uma

resposta favorável à suplementação de O2. 50

De forma mais objetiva, a monitorização da oxigenoterapia pode ser realizada através da

medição dos gases arteriais e pulsoximetria.

2.8.1.1 - Pulsioximetria

A pulsioximetria é um método simples e não invasivo de monitorização constante ou

intermitente da saturação de oxigénio (SpO2). Este método estima a saturação da hemoglobina,

a oxigenação do paciente, mas não avalia o D02 ou a perfusão dos tecidos. Consiste na

medição, através de espetrofotometria, de duas formas de hemoglobina que circulam no

sangue arterial: oxihemoglobina (hemoglobina saturada) e deoxihemoglobina (hemoglobina

não saturada). A partir da pulsioximetria é possível extrapolar a pressão parcial de oxigénio

(PaO2). 47,50

Num paciente saudável, sem suplementação de oxigénio, (com uma Fio2 de 21%) a

SpO2 será de 96%, o que corresponde a 80-100mmHg de PaO2. 47

Valores da SpO2 inferiores a 93% indicam-nos a necessidade de suplementação em O2.

Uma SpO2 de 90% indica uma hipoxemia severa e consiste numa PaO2 de 60mmHg. 47,

73

A

medição é feita colocando o transdutor nas mucosas (língua, lábio) ou sobre pele fina e não

pigmentada (pavilhão auricular, membrana interdigital, prepúcio,..). 47,

50

Situações de anemia,

hipotensão ou vasoconstrição severa podem falsear os valores de SpO2, inferiores aos reais. 47

2.8.1.2 - Gasimetria sanguínea

Os gases arteriais medem a PaO2 e a PACO2 no sangue arterial e dá-nos informação

suficiente para determinar eficácia da troca gasosa, da suplementação de O2 e o equilíbrio

metabólico ácido-base do paciente. 50

Os parâmetros avaliados são pH, PaO2 PaCO2, e bicarbonato (HCO3-). Alguns

equipamentos também conseguem medir eletrólitos, ureia, creatinina e o lactato. 47

A amostra de sangue arterial pode ser obtida da artéria femoral, artéria metatarsiana dorsal ou

na artéria lingual (paciente anestesiado). O maior problema deste método reside no facto de

muitas vezes ser difícil de obter sangue arterial, e por vezes é utilizado sangue venoso. 47

Os

valores de PaO2, PaCO2, pH e bicarbonato no sangue arterial e venoso, encontram-se na tabela

32.

66

Tabela 32 – Valores de PaO2, PACO2,, pH e bicarbonato no sangue arterial e venoso. Adaptado de

Silvestein, D. Small Animal Critical Care 37

Parâmetro Sangue arterial Sangue venoso (Veia cefálica)

pH 7,40 ± 0,03 7,36 ± 0,02

PaO2 102 ± 7 58 ± 9

PaCO2 37 ± 3 43 ± 3

HCO3 21 ± 2 23 ± 1

A oxigenação não pode ser avaliada na gasometria de sangue venoso, apenas em

sangue arterial. Um aumento PaCO2 indica um comprometimento da capacidade de ventilação

e pode resultar num aumento da acidose, alteração do estado mental e vasodilatação. Uma

diminuição PaCO2 é observada nos pacientes em hiperventilação ou pode indicar uma troca

gasosa ineficiente (por exemplo por pneumotórax), como é apresentado na tabela 33. 47

Tabela 33 - Tabela com valores dos gases arteriais indicativos do problema respiratório e o seu

tratamento segundo Manning,A. Oxygen Therapy and Toxicity, 200250

PaO2 PACO2 Problema Tratamento

<70 mmHg >45mmHg Oxigenação insuficiente Suplementação

em O2

<60mmHg >50mmHg Falência respiratória Ventilação

mecânica

Nas situações em que o paciente se encontra suplementado com O2 (mascara, entubação

traqueal, …) o valor de PACO2 deve ser cinco vezes superior à FIO2 (ex: FIO2= 40%, PaO2

esperado será PaO2=40x5=200mmHg). Qualquer valor inferior indica um problema na troca

gasosa. 47,

50

2.8.2 - Sistema cardiovascular

O volume sanguíneo é avaliado indiretamente através das medições de pressão

arterial, frequência cardíaca, débito urinário e hct. 31

Nos pacientes em choque a determinação do volume sanguíneo permite-nos

determinar a terapêutica a instituir e verificar a sua eficácia. A perfusão dos tecidos, débito

cardíaco e resistência vascular periférica podem ser avaliadas de forma indireta através da cor

das mucosas e TRC. 42

67

2.8.2.1 - Pressão venosa central (PVC)

A colocação de um cateter venoso central dá valores mais corretos relativamente ao

volume sanguíneo, embora não seja especifico. 31, 74

Descreve a pressão sanguínea na veia

cava torácica o que reflete a quantidade de sangue que retorna ao coração e a capacidade

deste em enviar o sangue para o sistema arterial. 47

A PVC é influenciada pelo volume de

sangue, tónus venoso, função cardíaca e pressão intratorácica. 47

O acesso mais comum é a

veia jugular externa, mas também é possível medir a PVC colocando uma linha central

periférica na veia safena lateral (cães) ou medial (gatos). 47

Pode ser medido através de um

transdutor ou manómetro. É útil em situações de uma sobrecarga de volume, pacientes

azotémicos ou anúricos com doença cardíaca. 47

Devem ser realizadas medições seriadas visto

que fornem informação do estado cardiovascular do paciente e permitem ajustar a

fluidoterapia, consoante os aumentos observados quando esta é aplicada. 47

Um aumento na

PVC após a administração de cristaloides considera-se que o paciente é responsivo à

fluidoterapia, ao invés que numa situação em que a PVC não aumenta, pode sugerir uma

difusão rapdia dos cristaloides para o espaço intersticial e recomendar o uso de coloides na

fluidoterapia. 47

2.8.3 - Débito urinário

A monitorização do débito urinário pode ser uma ferramenta importante para avaliar o

estado de hidratação do paciente. Os valores normais variam entre 1 a 2 mL/Kg/h. Quando o

animal apresenta um débito urinário inferior a 0,5 mL/Kg/h, apesar de uma hidratação e

perfusão adequada considera-se que está em oligúria. O débito urinário pode ser quantificado

de forma aproximada através da colheita de urina durante os passeios, por pesar os

absorventes nas jaulas ou diretamente através de um cateter urinário para um sistema de

recolha fechado. Este último sistema permite a recolha e a medição contínua de urina, e pode

ser comparada com os fluidos administrados a fim de avaliar o balanço hídrico do animal. No

entanto, este sistema tem alguns riscos como infeções bacterianas nosocomiais e ascendentes

e lesões à uretra. A sua colocação deve ser feita de forma asséptica e retirado o mais depressa

possível para evitar infeções secundárias. 47

A densidade urinária também deve de ser medida e avaliada em conjunto com o débito

urinário. Idealmente esta deve ser medida antes da fluidoterapia para permitir uma avaliação

mais adequada da função renal. 47

2.8.4 - Lactato

A medição do lactato permite avaliar a perfusão dos tecidos e oxigenação, prever a

resposta à terapêutica nos pacientes críticos e a avaliação da acidose metabólica. 75

A

hiperlactatemia pode resultar de hipoperfusão, falência hepática, sepsis, fluidoterapia com

68

soluções que contenham lactato, toxinas e medicamentos. É definida com um valor do lactato

do plasma acima de 2,5mmol/L. 47

O lactato é produzido durante a glicólise anaeróbia, pelo que

a sua medição pode determinar a gravidade da doença, resposta à terapia e avaliar o

prognóstico do paciente. 75

Dever ser realizadas medições seriadas para avaliar esta evolução,

em vez de uma única medição do lactato. Estas medições devem de ser feitas sempre com o

mesmo equipamento e com o mesmo método de colheita e processamento. 75

Num estudo verificou-se que uma diminuição no valor do lactato em 50%, 6 horas após

a admissão hospitalar, está relacionada com um aumento taxa de sobrevivência. 47

A

diminuição progressiva dos níveis de lactato sugerem uma melhoria e o aumento implica um

pior prognóstico. 75

Um outro estudo demonstrou que o nível de lactato, aquando da admissão, era

significativamente mais alto no grupo dos não-sobreviventes do que dos sobreviventes, embora

o valor médio dos não sobreviventes fosse apenas de 2,5mmol/L, pouco acima do valor de

referência superior, isto indica que até pequenos aumentos nos valores de lactato podem ser

preocupantes e indicar uma atenção redobrada no estado clínico do paciente. 76

Estes

resultados vão de acordo com vários estudos em medicina humana que a hiperlactemia está

associada a uma taxa de mortalidade mais elevada. 74,76

69

2.9 - Casos clínicos

Ao longo do período de estágio deram entrada no CHV inúmeros animais em processo de choque. Dos casos acompanhados serão aqui

apresentados sete casos clínicos, dos quais seis são cães (Júnior, Laidy, Nocas, Nala, Vanello e Kitty) e um é um gato (Gato).

Identificação dos casos clínicos

Tabela 34 – Identificação e anamnese dos casos clínicos.

Júnior Laidy Nocas Nala Vanello Kitty Gato

Idade 7 meses 11 anos 13 anos 10 anos 16 anos 10 anos 3-4 meses

Sexo e Raça Macho

Sem raça

definida

Fêmea

Sem raça definida

Fêmea

Rottweiller

Fêmea

Pittbull

Macho

Sem raça

definida

Fêmea

Boxer

Fêmea

Europeu

Comum

Peso 23 Kg 15,6Kg 40 Kg 33Kg 30kg 41Kg 1,6Kg

História

Pregressa

Não vacinado.

Desparasitação

interna e externa

em dia.

Tem 2

coabitantes (2 e

10 anos ambos

vacinados).

Vivem num

quintal.

Vacinada.

Desparasitada.

Tem 1 coabitante.

Vivem no campo.

Vacinas em

atraso

Vive num

apartamento.

Passeia na

rua.

Três dias antes

esteve

internada no

CHV, devido a

uma torção-

volvo gástrica.

Realizou

gastropexia e

teve alta.

Diagnóstico

inicial de doença

renal crónica a

realizar

fluidoterapia. Na

ecografia

abdominal para

estadiamento

renal entrou em

colapso.

Diagnóstico, um

mês antes, de

cardiomiopatia

dilatada. Iniciou

medicação com

pimobendano

Desconhecida.

Gato de rua.

Motivo da

consulta

Há 15 dias com

hematoquézia.

Hoje 4 episódios

de vómito.

Prostração e

anorexia

Prostração e

hipotermia

Prostração,

anorexia,

abdómen

muito

dilatado

Prostração

severa. Dor

abdominal

intensa

Colapso Fraqueza,

anorexia e

intolerância ao

exercício há 1

semana

Mordida por

cães. Múltiplas

lacerações por

mordedura.

Prostração e

hipotermia

Exame físico

Tabela 35 – Sinais clínicos dos casos durante a entrada do paciente em estado de choque. n/d – Não disponível

Junior Laidy Nocas Nala Vanello Kitty Gato

FC 150 150 120 136 148 >200 126

FR 40 32 40 40 52 Arfar 88

TºC 39,8ºC 36,4ºC 39,3ºC 35ºC 37,8ºC 38,5ºC Sem leitura

TRC <2’’ 3-4’’ <2’’ 3’’ 4’’ <2’’ >4’’

Mucosas Congestionadas Pálidas Rosadas Pálida Cianóticas Rosadas Pálidas

Pulso Fraco Fraco Forte Fraco Fraco Fraco Fraco

PA n/d 130/100/80 160/120/100 Sem leitura n/d n/d Sem leitura

Estado

mental

Deprimido Deprimido Alerta Estupor Deprimido Deprimido Coma

Glicémia 82 mg/dL - -- -- 121 mg/dL -- 82 mg/dL

70

Primeira abordagem

Tabela 36 – Descrição dos procedimentos realizados na primeira abordagem ao paciente em choque. Hct – hematócrito; IV – intravenoso; PO – per os

Junior Laidy Nocas Nala Vanello Kitty Gato

Oxigénio --- Flow by Entubação

traqueal

Entubação

traqueal

Flow by Flow by Máscara de

oxigénio

Exames

Complementa

res

Hemograma

Leucopénia:

3,5x109/L

Bioquímicas

Albumina: 2,4

g/dL

Hemograma

1º Hct 40%

2º Hct 36%

Raio X – alguma

perda de definição

a nível abdominal

Ecografia – liquido

abdominal livre

(hemoabdomen) e

neoplasia

esplénica

Raio X – Torção

gástrica

Hemograma

Leucocitose:

18,6x109/L

Hct 33,2%

Bioquímicas

ALP – 295

(47-254)

Lactato – 3,20

mmol/L

pH – 7,35

Hemograma

Leucopénia

5,5x109/L

Ecografia –

liquido

abdominal livre

Realizados

anteriormente:

Hemograma

normal

Bioquímicas

Creatinina: 4

mg/dl

Ureia: 62,3

mg/dl

No momento

do colapso:

Ecocardiografia:

Efusão

pericárdica

Bioquímicas

ECG

Raio X

Ecocardiografia

Ecografia –

presença de

bexiga. Sem

liquido

abdominal livre

Diagnóstico Gastroentrite

vírica hemorrágica

Neoplasia

esplénica

Torção volvo-

gástrica

Rutura gástrica

e peritonite

Efusão

pericárdica e

tamponamento

cardíaco

Cardiomiopatia

dilatada com

fibrilhação atrial

e Edema

Pulmonar

Múltiplas

lacerações.

Gato em

choque

Tipo de

fluidos

LR e Tetraspan LR e Transfusão

de concentrado de

eritrócitos

NaCl 0,9% NaCl 0,9% e

Tetraspan

--- -- NaCL 0,9%

Doses

Cristaloides

Isotónicos

1º bólus de 20

mL/Kg durante 30

min

Bólus 10 mL/Kg

durante 30 min.

Taxa 10 mL/Kg/h

durante a cirurgia

Três bólus

20ml/Kg

Durante 20

minutos.

Taxa 10 mL/Kg/h

durante a

cirurgia

Dois bólus 10

mL/Kg

Durante 20

minutos.

Taxa 10

mL/Kg/h durante

a cirurgia

-- -- Dois bólus 10

mL/Kg durante

20 min.

Bólus 5 mL/Kg

durante 20

minutos

Dose coloides 5 mL/Kg durante

15 minutos

Transfusão de

concentrado de

eritrócitos

-- Bólus coloides 4

mL/Kg durante

15 minutos.

Depois infusão

continua a 1

mL/Kg/hora

-- --

Procedimento

s realizados

Esplenectomia

Sedação:

Diazepam 0,2 mg/Kg

IV

Metadona 0,5 mg/Kg

IM

Indução:

Propofol

Manutenção:

Sevofluorano

Gastropexia e

Esplenectomia

(massa

esplénica

descoberta

intraoperatória)

Sedação:

Diazepam 0,2

mg/Kg IV

Metadona 0,5

mg/Kg IM

Indução:

Propofol

Manutenção:

Sevofluorano

Gastrorrafia e

lavagem

abdominal

Sedação:

Midazolam

Morfina

Indução:

Propofol

Manutenção:

Sevofluorano

Pericardio-

centese

ecoguiada

Aquecimento

com botijas

quentes e

termo-

ventilador,

devido à

hipotermia

71

Medicação

introduzida

Cefatriaxona

30 mg/Kg IV a

cada 12 horas

Metronidazol

2 mL/Kg IV a cada

12 horas

Enrofloxacina

5 mg/Kg IV a cada

24 horas

Cefazolina

22 mg/Kg

intra-operatória IV

Buprenorfina

0,02 mg/Kg IV a

cada 6 horas

Cefazolina

22 mg/kg intra-

operatória IV

Buprenorfina

0,02 mg/Kg IV a

cada 6 horas

Cefatriaxona

22 mg/Kg duas

vezes ao dia, IV

Metronidazol

2 mL/Kg, duas

vezes ao dia, IV

Buprenorfina

0,02 mg/Kg IV, a

cada 6 horas.

-- Pimobendano

0,25 mg/kg PO

a cada 12 horas

Enalapril

0,5 mg/Kg PO a

cada 24 horas.

Furosemida

2 mg/Kg PO a

cada 12 horas

Diltiazem

1 mg/kg PO a

cada 12 horas.

Cefazolina

22 mg/Kg IV

Buprenorfina

0,02 mg/Kg IV

a cada 6 horas

Reavaliação após a primeira abordagem e fluidoterapia de manutenção

Tabela 37 - Sinais clínicos dos casos após os procedimentos realizados para a estabilização do paciente e fluidoterapia de manutenção aplicada. TM – Taxa

de manutenção

Junior Laidy Nocas Nala Vanello Kitty Gato

FC 140 144 120 132 120 140 120

FR 40 28 Arfar 28 40 40 80

TºC 39,1ºC 36,6ºC 39,3ºC 38,3ºC 37,8ºC 38ºC 32,5ºC

Pulso Fraco Fraco Forte Forte Fraco Forte Fraco

Mucosas Congestionadas Pálido Rosadas Rosadas Pálido Rosadas Pálido

PA n/d S-170; M- 120; D-

95

S-160; M- 105 D-

80

S-150; M- 100

D-80

S-130; M- 100;

D-90

n/d Sem leitura

TRC <2’’ 3’’ <2’’ 2’’ <2’’ <2’’ n/d

Fluidoterapia 1 + ½ TM= 47,4

mL/h cristaloides

isotónicos

0,8 mL/Kg/h de

coloides

2 TM= 44 mL/h

cristaloides

isotónicos

1 + ½ TM= 80

mL/h cristaloides

isotónicos

2 TM=88 mL/h

de cristaloides

isotónicos

0,8 mL/Kg/h de

coloides

2TM= de

cristaloides

isotónicos

-- 2TM= 9,8 mL/h

Realizou um

bólus

2 mL/Kg

durante 15

minutos de

coloides

Junior Laidy Nocas Nala Vanello Kitty Gato

72

Evolução clínica dos casos clínicos

Tabela 38 – Evolução clínica do paciente durante e após a abordagem inicial ao paciente. Sinais clínicos e resultados de análises desde a ressuscitação até à alta do paciente. FC – frequência cardíaca; FR – frequência respiratória

Junior Laidy Nocas Nala Vanello

Exames

complementar

es

2º dia de

internamento

Hemograma

Leucopénia:

3,5 x109/L

Hct: 38%

Bioquímicas

Albumina: 1,7

g/dL

5º dia de

internamento

K+: 2,6 mEq/L

Envio da massa

para Histopatologia

para laboratório

externo

Hemangios-

sarcoma

2º dia de

internamento

Hemograma

Hct: 25%

Leucocitose:

26,7x109/L

Envio da massa

para

Histopatologia

para laboratório

externo

Hemangios-

sarcoma

2º dia de

internamento

Bioquímicas

Albumina:

1,9 g/dL

3º dia de

internamento

Bioquímicas

Albumina:

1,8 g/dL

Ecocardiografia

Neoplasia no

átrio direito

ECG - normal

Bioquímicas

Raio x – sem

alterações

significativas

Medicação Cefatriaxona

30 mg/Kg IV a

cada 12 horas

Metronidazol

2 mL/Kg IV a

cada 12 horas

Clindamicina

10 mg/Kg IV a

cada 12 horas

Maropitant

Ranitidina

1 mg/Kg IV a

cada 12 horas

Cefazolina

20 mg/Kg, IV a

cada 12 horas

Buprenorfina

0,02 mg/Kg, IV, a

cada 6 horas

Cefazolina

20 mg/Kg a cada

12 horas

Buprenorfina

0,02mg/Kg, IV, a

cada 6 horas

Cefatriaxona

22 mg/Kg, IV, a

cada 12 horas

Metronidazol

2 mL/Kg, IV, a

cada 12 horas.

Buprenorfina

0,02mg/Kg IV,

a cada 6 horas.

Ao 3º dia

iniciou

Clindamicina

Iniciou protocolo

de quimioterapia

com

Prednisolona e

Doxorrubicina.

Evolução

clínica

Ao 2º e 3º dia

teve diversos

episódios de

vómito e diarreia.

Os sinais clínicos

foram variando

da seguinte

forma:

FC: 140-210

FR: 36-40

T:38,4ºC – 39ºC

Pulsos periféricos

fracos

Mucosas pálidas

Estupor

As perdas foram

repostas em

bólus de 20

mL/Kg de

cristaloides

isotónicos

durante 30

Ao 2ª dia atingiu a

normotermia

T: 38,2ºC.

FC: 80-120 bpm

FR: 24 rpm

Pulso forte

Comeu com apetite

Após 12 horas

da cirurgia

entrou em

taquicardia:

FC: 220 bpm.

PAS:120;

PAM:100

PAD: 75

Realizou bólus

de cristaloides

10 mL/Kg em 20

minutos.

FC: 136 bpm; PAS:

164

PAM: 116

PAD: 97

Ao fim de 6

horas voltou a

entrar em

taquicardia.

2º dia de

internamento:

Anorexia,

prostração,

estado mental

deprimido.

3º dia de

internamento:

Edemas

periféricos,

mucosas pálidas,

pulso fraco,

FC: 120 bpm

T: 39,1ºC

Sem leitura de

pressões

4º dia de

internamento:

Mantém edemas.

Interrompe dos

cristaloides.

Manutenção

dos coloides.

Paragem

cardiorespiratória

na terceira

pericardiocentes

e, 36 horas após

a primeira.

-- Após bólus

de coloides

FC: 200 bpm

FR: 36

T: 35,4ºC

Glicémia : 96

mg/dL

Estável

durante,

aproximada

mente 2

horas.

Voltou a

entrar

hipotermia.

Entrou em

hipoglicémia

( <20 mg/dL).

Fez paragem

cardio-

respiratória

73

minutos.

Foram realizados

mais dois bólus

de coloides a 10

mL/Kg durante

20 minutos.

Ao 4º dia de

internamento

FC: 126

FR: 24

T: 38,6ºC

Mucosas pálidas

Pulso fraco

Teve três

episódios de

diarreia e vómito.

Por cada perda

realizou 20

mL/Kg de

cristaloides

isotónicos

durante 30

minutos. E no

final foram

realizados mais

2 bólus de

coloides a 2

mL/Kg durante

15minutos.

Ao 6º dia de

internamento

FC:83

FR: 12

T:38,5ºC

Alerta

Interrompeu

coloides

8º dia de

internamento

Recuperou

apetite.

9º dia de

internamento

Interrompe

fluidoterapia

Alterou

Buprenorfina

para Metadona

0,5 mg/Kg. Após

alteração do

analgésico a

frequência

cardíaca

normalizou: 88

bpm

Alimentação

forçada

5º dia de

internamento:

Sem edemas.

Alimentação

forçada.

Retoma

cristaloides (1

TM)

6º dia de

internamento:

Interrompe

coloides.

Mantém

cristaloides.

Mostra

interesse pela

comida.

FC: 100 bpm

T: 38,3ºC

Pulso Forte

7º dia de

internamento:

Apetite normal.

Interrompe

fluidoterapia

Alta Ao 10º dia:

Amoxicilina com

Ácido clavulânico

20 mg/Kg, PO, a

cada 12 horas

Metronizadol

15 mg/Kg, PO, a

cada 12 horas

48 horas após

cirurgia:

Cefalexina

20 mg/kg, PO, a

cada 12 horas,

durante 7 dias.

48 horas após

cirurgia:

Cefalexina

20 mg/kg, PO, a

cada 12 hoas,

durante 7 dias.

Tramadol

3 mg/kg, PO, a

cada 12 horas,

durante 3 dias.

Ao 10º dia:

Clindamicina

10 mg/kg, PO,

a cada 12

horas, durante

7 dias.

Cefalexina

20 mg/kg, PO,

a cada 12

horas, durante

7 dias.

-- -- --

Junior Laidy Nocas Nala Vanello Kitty Gato

74

Discussão

Dos casos clínicos relatados, todos eles apresentavam alterações dos principais sinais

clínicos da perfusão: frequência cardíaca, qualidade do pulso, TRC, cor das mucosas,

temperatura e estado mental. A avaliação destes parâmetros permite ao clinico determinar a

existência de hipoperfusão e realizar um plano de tratamento adequado a cada paciente. Em

medicina humana cada hora de atraso na recuperação da frequência cardíaca, pressão arterial

e TRC está associada a um aumento da taxa de mortalidade nestes pacientes. 48

A abordagem ao paciente em choque depende da etiologia do choque (trauma, doença

critica, neoplasia,etc…), do estado cardiovascular e alterações hemodinâmicas. Cada paciente

foi avaliado em termos de sinais clínicos e foram realizados exames complementares de

diagnóstico (hemograma, radiografia, ecografia) a fim de auxiliar o diagnóstico e poder aplicar o

tratamento diretamente à causa.

A fluidoterapia tem que ser adaptada a cada paciente, a nível individual, avaliando

sempre os sinais de perfusão do animal para poder ser corrigida e adaptada o mais

rapidamente possível. Não é possível determinar um plano de fluidoterapia para todos os

pacientes em choque ou com tipos de choque semelhantes, pois tal como descrito na tabela

37, no mesmo paciente pode ocorrer mais do que uma alteração hemodinâmica e mesmo

dentro do mesmo tipo de choque a quantidade de fluidos total a administrar vai depender do

paciente e da severidade do caso.23,58,77

A escolha do tipo de fluidos a administrar ainda

permanece controversa, como podemos observar na tabela 36, pois não existem ensaios

clínicos suficientes que possam provar ou contrariar a eficácia de um determinado fluido ou

combinação de fluidos sobre outros. 53

Considera-se que a ressuscitação está completa quando a acidose dos tecidos está

resolvida, através da reposição do DO2, e é restaurado o normal metabolismo celular.23

Após a identificação do estado de choque no paciente, deve ser iniciado o protocolo

ABC. A oxigenoterapia aplicada aos diversos casos tem como objetivo aumentar o DO2 aos

diversos tecidos, a fim de diminuir as lesões geradas pela hipóxia.50,78

Todos os pacientes,

inicialmente, receberam a oxigenoterapia com um sistema de mascara de oxigénio. No entanto,

os casos em que os pacientes ficaram relutantes ou mais stressados devido à presença da

mascara, optou-se pelo sistema livre, com administração de oxigénio em frente ao paciente

(flow by). Os casos que seguiram para cirurgia, como a “Nocas”, “Laydi” e “Nala”, foram

posteriormente entubados.

De seguida, de forma a restaurar o volume intravascular e a perfusão dos tecidos a

cada paciente, foram administrados fluidos por via endovenosa. A cada paciente o tipo de

fluidos e taxas de fluidoterapia foram aplicadas consoante o estado cardiovascular de cada

animal, e a resposta do mesmo à fluidoterapia.23,48,57,58,77

Os pacientes que apresentavam sinais de choque hipovolémico iniciaram 25% da dose

de choque (80 mL/Kg/h), de cristaloides isotónicos, durante 20 minutos. Após o bólus os

75

animais foram reavaliados e conforme a recuperação dos sinais clínicos a fluidoterapia foi

ajustada.

No caso do “Junior”, após o bolús de cristaloides foram acrescentados coloides, de 5

mL/Kg em 15 minutos, com o objetivo de aumentar a pressão oncótica, visto que este animal

apresentava história de perdas por vómitos e diarreia.58

O “Junior” apresentava taquicardia,

taquipneia e mucosas hiperémicas, estando numa fase compensada do choque distributivo.

Ainda apresentava os quatro critérios de SIRS com FC superior a 120 bpm, FR superior a 40,

temperatura de 39,8ºC e leucopénia de 4,5x109/L.

37

A “Nala” devido à rutura gástrica e consequente peritonite desenvolveu inicialmente um

choque hipovolémico por perda de fluidos para a cavidade peritoneal. Na abordagem inicial

apresentava taquicardia, taquipneia, hipotermina, mucosas pálidas, pulso fraco e estado mental

em estupor, o que indica que se encontrava numa fase descompensada ou irreversível do

choque. 22

Foram administrados bólus de cristaloides (10 mL/Kg) e coloides (4 mL/Kg) de forma

a permitir um aumento do volume intravascular e manutenção do fluido no espaço

intravascular, devido ao efeito de oclusão endotelial dos coloides, embora nos estados

inflamatórios o efeito dos coloides esteja por vezes descrito como prejudicial para o

paciente.23,53,57,79

No caso da “Laydi”, o estado geral foi-se deteriorando, pelo que foram realizados dois

hemogramas de controlo, com um intervalo de 3 horas, havendo um decréscimo no segundo

hematócrito e foi realizado um segundo exame ecográfico abdominal que demonstrou uma

maior quantidade de líquido abdominal livre, que foi identificado como sendo sangue. Estes

dois parâmetros indicam a existência de uma hemorragia ativa. O bólus de fluidos de

cristaloides isotónicos, foi de 10 mL/Kg, durante 30 minutos, ou seja uma menor quantidade de

volume administrado em comparação com os casos de hipovolémia sem hemorragia

associada. Nestes casos, é administrada uma menor quantidade de volume fluidos a fim de

evitar uma exacerbação da hemorragia, ao mesmo tempo que se mantém a perfusão dos

tecidos. 23,63

A hemorragia requer uma intervenção rápida no controlo da mesma, visto ser uma

situação de diminuição do volume intravascular por perda de sangue total, onde ocorre perda

de eritrócitos, proteínas e fatores de coagulação. 23

Desde modo, antes da cirurgia, foi

realizada uma transfusão de concentrado de eritrócitos, de modo a fornecer a unidade de

transporte de oxigénio aos tecidos (eritrócitos). Embora a transfusão esteja recomendada em

cães com um Hct inferior a 21%, no caso da “Laydi”, visto o rápido declínio do estado clínico do

paciente e a contínua perda de sangue, até ao início da cirurgia e durante a mesma, iniciou-se

a transfusão de modo a diminuir os efeitos deletérios da perda de volume intravascular total até

ao controlo completo da hemorragia. A esplenectomia resolveu a hemorragia, visto que esta

tinha origem na neoplasia esplénica. 80

Os pacientes em choque distributivo, “Nala”, “Nocas” e “Junior” receberam fluidoterapia

face à etiologia do choque. A “Nocas” apresentava sinais clínicos de choque na fase

compensada. A identificação da DVG, a rápida administração de fluidoterapia e a resolução

cirúrgica evitaram a progressão do choque. Devido à compressão dos vasos, ocorre uma má

76

distribuição do fluxo sanguíneo que, apesar do volume vascular adequado, existe estase

sanguínea e aumento da pré-carga no coração.24,34

A fluidoterapia de ressuscitação consistiu

num total de 3 bólus de 20 mL/Kg (25% da dose de choque) até ao momento da cirurgia onde

foi administrada uma taxa de 10 mL/Kg/h de forma a manter a perfusão dos tecidos. 80

Durante

a cirurgia foi encontrada uma massa esplénica ruturada e, consequente hemoabdomen, o que

revelou que os sinais de choque presentes também eram reflexo da perda do volume

intravascular. Foi realizada a esplenectomia para a remoção da neoplasia e controlando assim

a hemorragia. A fluidoterapia foi ajustada, e foram repetidos bólus de cristaloides, consoante os

sinais clínicos do paciente.

A “Nala” e o “Junior” apresentaram sinais que choque distributivo séptico por ação das

citoquinas inflamatórias libertadas devido à rutura gástrica da “Nala” e às lesões

gastrointestinais e consequente translocação bacteriana no caso do “Junior”. 33,81,82,83

Após a cirurgia da” Nala”, devido à perda do conteúdo gastrointestinal e da inflamação

sistémica existente devido à rutura gástrica e à peritonite, o paciente desenvolveu

hipoalbuminemia, por perda de fluidos ricos em proteínas. Como as proteínas são

responsáveis pela pressão oncótica no interior do vaso, a abordagem consiste na manutenção

da COP com recurso à administração de coloides, a fim de evitar o extravasamento de mais

fluidos.54

Os coloides permitem o aumento e manutenção da COP, pelo que foi realizada uma

infusão contínua de coloides sintéticos (0,8 mL/Kg/h) enquanto se recuperavam os níveis de

albumina através da alimentação. Com o surgimento de edema periférico, suspendeu-se a

administração de cristaloides visto possuírem uma maior capacidade de difusão para o espaço

intersticial. A ausência de vómito permitiu retomar a alimentação, que conjuntamente com a

infusão contínua dos coloides assegurou manutenção da pressão oncótica, evitando uma maior

perda de fluidos. O aumento dos níveis de albumina diminuiu a formação dos edemas, visto

que, a albumina possui um maior efeito de manutenção da COP do que os coloides

sintéticos.55

Nos pacientes em choque distributivo, com a presença de um foco séptico, foi iniciada

antibioterapia. A terapia consistiu em ceftriaxona com metronidazol, de modo a permitir uma

cobertura alargada do espetro.69

O metronidazol tem efeito sobre os agentes anaeróbios e a

ceftriaxona tem ação contra os restantes agentes. No “Junior” ainda foi acrescentada

clindamicina.71

Os pacientes em choque cardiogénico, o “Vanello” e a “Kitty” deram entrada no CHV

devido a episódios de fraqueza. O “Vanello” apresentou-se subitamente dispneico e cianótico,

durante a manipulação na realização de um exame, enquanto a “Kitty”, com um diagnóstico

prévio de cardiomiopatia dilatada, demonstrou intolerância progressiva ao exercício o que nos

pode indicar um agravamento da situação cardíaca existente.27

A situação aguda do “Vanello”

levou ao início da oxigenoterapia, de modo a melhorar a saturação de oxigénio e à realização

de uma ecocardiografia, de modo a determinar a origem da dispneia (cardíaca ou pulmonar). O

pericárdio não é muito complacente, pelo que um rápido aumento da pressão intra pericárdica

e que excede as pressões diastólicas cardíacas não permite o enchimento do ventrículo direito

77

e posteriormente do esquerdo, ocorrendo assim o tamponamento cardíaco, com consequente

diminuição do débito cardíaco.84

Deve de ser realizada uma pericardiocentese, de modo a

aliviar a pressão intra pericárdica e a permitir o normal enchimento das camaras cardíacas e a

restauração do débito cardíaco. 84

A “Kitty” tínha um diagnóstico prévio de cardiomiopatia dilatada e apresentava sinais de

hipoperfusão, com estado mental deprimido, pulso fraco e aumento do TRC. A cardiomiopatia

dilatada é caracterizada pela dilatação do ventrículo esquerdo e direito, o que causa uma

disfunção do miocárdio durante a sístole com consequente diminuição do débito cardíaco. 85

De modo a avaliar a progressão da doença foi realizada uma ecocardiografia e um ECG onde

foi observada fibrilhação atrial. O tratamento tem como objetivo melhorar a função cardíaca, o

que resulta na melhoria do volume de ejeção e débito cardíaco, saindo assim o animal do

estado de choque. Foi iniciado diltiazem (1 mg/Kg PO a cada 12 horas) para controlo da

fibrilação arterial e furosemida devido ao edema pulmonar (2 mg/Kg PO a cada 12 horas),

enalapril (0,5 mg/Kg PO a cada 24 horas) e pimobendano (0,25 mg/Kg Po a cada 12 horas). O

pimobendano têm um efeito inotrópico positivo, ou seja aumenta a força contrátil do miocárdio,

de modo a restaurar a função cardíaca e débito cardíaco. 86

Nestes dois casos não foi aplicada fluidoterapia com o intuito de manter a perfusão,

visto que existe o risco de um aumento da pré-carga sobre o coração (levando a edema

pulmonar), o que pode mesmo agravar a condição cardíaca do animal. 23

O “Vanello”, após a

pericardiocentese, manteve a fluidoterapia a duas taxas de manutenção devido à existência da

azotémia e de modo a melhorar a perfusão renal.

O “Gato” deu entrada no CHV, devido a um trauma agudo. Apresentava bradicardia,

que é um sinal comum da fase irreversível do choque em cães, mas nos gatos pode surguir em

qualquer fase.35,40,

A não leitura da PA e da temperatura, por parte dos equipamentos, sugere

uma hipotensão severa, em conjunto com o pulso fraco, mucosas pálidas e estado mental em

comatoso, apontam para uma fase descompensada ou irreversível do choque em gatos. 37, 40

A fluidoterapia foi iniciada, e ao mesmo tempo procedeu-se ao aquecimento do animal,

visto que este se encontrava em hipotermia (<32ºC). 40

A fluidoterapia consistiu na

administração de dois bólus de cristaloides isotónicos (NaCl 0,9%) de 10ml/kg durante 20

minutos, sem grandes alterações nos sinais clínicos.23,45

A hipotermia nos gatos agrava a

situação já existente da bradicardia pois não permite a estimulação das vias simpáticas,

responsáveis pela resposta à diminuição da perfusão40

. Quando a temperatura do paciente

atingiu os 35ºC, verificou-se uma melhoria nos sinais clínicos.

78

Conclusão

O estágio curricular no CHV comprovou ser uma excelente opção para iniciar a minha

carreira, consolidar e aprofundar conhecimentos e desenvolver capacidades técnicas. Tive a

oportunidade de trabalhar em conjunto com profissionais que apostam na aquisição e troca de

novos conhecimentos, investigação, utilização de novas tecnologias, discussão de casos e

rigor. Foi-me dada a oportunidade de desenvolver esses conceitos e de os colocar em prática

através da realização de consultas e de diferentes exames complementares, desde

laboratorias a imagiológicos, como endoscopia e TAC, e de acompanhar diversas cirurgias.

O trabalhar num regime de turnos e alternando entre o dia e a noite foi útil para entrar

em contato e saber lidar com os mais diversos cenários de trabalho de um Hospital Veterinário,

seja nas consultas, na realização de exames complementares, ou no regime de urgência. Este

último cenário é particularmente importante pelo facto de ser uma situação onde é necessário

saber tomar decisões num curto espaço de tempo e sobre pressão. Foi esta mesma

importância que me levou à escolha do tema “Estabilização do paciente em choque e

monitorização nas primeiras 24 horas”, que me permitiu adquirir uma maior compreensão desta

síndrome que surge com tanta frequência nos centros de atendimento médico veterinário.

A capacidade de avaliação e atuação do médico veterinário nestas situações, deve de

ser o mais rápida e eficaz visto que cada momento que passa sem qualquer tipo de atuação

médica a hipotensão, característica desta síndrome, e consequente hipoperfusão pode levar ao

desenvolvimento de MODS e à morte do animal. Após a identificação do choque e da possível

causa o tratamento deve de ser o mais especifico para o paciente possível. A monitorização e

os equipamentos de monitorização constituem um papel fundamental no tratamento do

paciente critico, pois vai permitir avaliar a eficácia do tratamento instituído, considerar

alterações ao plano de tratamento como o acrescimento de terapia vasopressora e determinar

o prognóstico do paciente. A monitorização constante também permite antecipar ou identificar

inicialmente alguns mecanismos pato fisiológicos o que permite uma aplicação de tratamento

precoce e evita a progressão do síndrome, que detêm mais efeitos deletérios.

Fpif

Dnklns

an

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