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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco

DE MULHERES E JOVENS DO SERTÃO

DO SÃO FRANCISCO

CADERNO DE EXPERIÊNCIAS AGROECOLÓGICAS

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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco

DE MULHERES E JOVENS DO SERTÃO

DO SÃO FRANCISCO

CADERNO DE EXPERIÊNCIAS AGROECOLÓGICAS

FICHA TÉCNICA

SASOP - Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais

Conselho Diretor:

Élcio Rizério Carmo

Luis de Lima Barbosa

Lorena Araújo Melo

Coordenação Executiva:

Carlos Eduardo O. de Souza Leite

Cinara Del Arco Sanches

Luana Carvalho Silva

Márcia Maria Pereira Muniz

SASOP - Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais

Rua Aristides Novis, 101 - Federação

Salvador - BA, CEP: 40.210-630

Tel: 71 3335-6048 / 6049

E-mail: [email protected]

www.sasop.org.br

Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens

do Sertão do São Francisco

Redação e Revisão:

Lise Maria Braga Guimarães e Luciana Mendonça Rios

Projeto Gráfico:

Taiane Oliveira/Quartoamarelo

Fotos:

Arquivo, Técnicos e Parceiros do SASOP

Colaboração Técnica:

Agricultores(as), Parceiros(as) e Pescadores(as)

Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão do São Francisco

Luciana Mendonça Rios [organizadora] - Remanso/Salvador-BA, SASOP - Serviço de Assessoria

a Organizações Populares Rurais, 2012.

72 p.

I.Agroecologia. II.Agricultura Familiar. III.Mulheres e Jovens IV.Sertão V.Sasop

VI.União Europeia

APRESENTAÇÃO

O SASOP é uma organização da sociedade civil que desde 1989 vem contribuindo para assegurar a agricultores e agricultoras uma melhor qualidade de vida no campo.

Algumas das principais estratégias de intervenção são o desenvolvimento de sistemas de produção agroecológicos, o fortalecimento dos processos organizativos comunitários e a disseminação de experiências com potencial de se traduzirem em políticas públicas para o meio rural.

Este Caderno é resultado do projeto Inclusão Social e Desenvolvimento Sustentável no território Sertão do São Francisco, que está sendo executado nos municípios baianos de Campo Alegre de Lourdes, Casa Nova, Pilão Arcado e Remanso. A ação é fruto de uma parceria entre o SASOP e a União Europeia e 12 organizações locais – Redes de Mulheres, Colônias de Pescadores, Cooperativas, Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e Poderes Públicos. Com duração de 4 anos (2010-2013), o projeto envolve 5.500 pessoas diretamente, sendo 529 mulheres, 160 jovens, 912 famílias e 40 conselheiros municipais e estaduais, abrangendo consumidores dos programas de alimentação escolar, dos programas sociais e das feiras agroecológicas para que tenham melhorias em sua segurança alimentar e nutricional e mais informação sobre o direito à alimentação, à saúde e ao meio ambiente.

A publicação traz algumas das muitas experimentações agroecológicas desenvolvidas por mulheres agricultoras, pescadoras e jovens com apoio do projeto na região. O objetivo é dar visibilidade à ação das famílias para que sirvam de referência, mostrando a viabilidade da vida em convivência harmônica com o semiárido e a possibilidade de desenvolver as pessoas e suas comunidades de forma justa e economicamente e ambientalmente sustentável.

Boa leitura!

* “Nos textos, optou-se por utilizar os números em formato de algarismos, ao invés de escrevê-los por extenso, para facilitar a leitura do público prioritário que são as famílias de agricultores/as e pescadores/as”.

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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco

CARAMELOS DE LEITE DE CABRA SÃO NUTRITIVOS E MELHORAM A RENDA FAMILIAR

SILVA TÂNIA E A EXPERIÊNCIA DA REDE DE MULHERES

BENEFICIAMENTO DE FRUTAS GERA RENDA E APRENDIZADO PARA ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO MARCO

UNIÃO DAS PESCADORAS FORTALECE ASSOCIAÇÃO

CANTEIRO ECONÔMICO PROMOVE SEGURANÇA ALIMENTAR

DONA GRACINHA E SUA DEDICAÇÃO AOS CAPRINOS

AGROECOLOGIA MUDA A VIDA DE DONA IVONETE E FAMÍLIA

CISTERNA AUMENTA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NO QUINTAL DE EDÉSIO E ELIZABETH

JOVENS SE ORGANIZAM A PARTIR DE PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS

JOVEM APICULTORA ACREDITA NO TRABALHO COLETIVO

MULHER CONQUISTA LIDERANÇA E AUTONOMIA

QUINTAL PRODUTIVO SUSTENTA E GERA RENDA PARA A FAMÍLIA DE ORNELINA

JOVEM POETA E AGRICULTOR MOBILIZA JUVENTUDE DE SUA COMUNIDADE

QUINTAL AGROECOLÓGICO PROMOVE VIDA MAIS SAUDÁVEL PARA A FAMÍLIA DE SALETE

BENEFICIAMENTO DA MANDIOCA FORTALECE REDE DE MULHERES DE CASA NOVA

REDE DE MULHERES SURGE DE MOVIMENTO CONTRA A VIOLÊNCIA

SALINAS GRANDE, UM EXEMPLO DE LUTA E ORGANIZAÇÃO

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CARAMELOS DE LEITE DE CABRA SÃO NUTRITIVOS E MELHORAM

A RENDA FAMILIAR

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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco

Na comunidade Desterro, localizada a 30 quilômetros da sede de Remanso-BA, o casal Zefirino Joaquim de Souza, 55 anos, e Cristina Rodrigues de Souza, 51 anos, faz caramelos do leite

de cabra. Eles têm três filhos, Leomar, Luzinete e Lucicleiton, e três netos, Marlon, Darlan e Laudimar. A iniciativa de fazer os caramelos foi de Dona Cristina há mais de 10 anos. Ela aprendeu a receita com sua prima Catarina, no povoado Cacimbinha, e diz que é um aprendizado que acompanha a família desde seus antepassados. No início, os caramelos eram apenas para consumo da família e da vizinhança que experimentava quando lá passava. Os filhos e netos moram em São Paulo, mas sempre que tem um portador enviam para eles. É uma forma de continuar expandindo o sabor e a cultura dos caramelos entre a família.

Dona Cristina conta que, assim que começou a fazer, não acertava o ponto dos caramelos. Aos poucos foi pegando a base do açúcar e do mel, pois, na composição da receita, devem ser usados, para cada litro do leite de cabra, uma colher de sopa de mel, um copo americano de açúcar e uma colher de sopa de manteiga de gado, conhecida também como manteiga da terra. O óleo de cozinha pode substituir a manteiga, caso não a tenha no momento. Mistura tudo ao leite e leva ao fogo.

Seu Zefirino é quem faz o manejo das cerca de 150 cabras que o casal possui. Logo cedo, por volta das 4 horas da manhã, já começa a labuta. No inverno tem tirado até 12 litros de leite por dia. Quando as cabras estão prenhas ou paridas, consegue juntar em torno de 3 litros. Ao chegar do chiqueiro, côa o leite e deixa descansar na panela de borra, como chamam a panela de alumínio batido. Somente depois do almoço é que Dona Cristina vai colocar o preparo do leite ao fogo. Vai mexendo até dar o ponto, revezando com Seu Zeferino.

O segredo da receita está na hora de fazer a tira rodada na tábua para cortar os caramelos, pois o doce deve estar bem quente. Depois vai cortando os pedaços pequenos com uma faca. Para embalagem, usam saco plástico amarrados com fio de aço para dar o nó e deixar bem fechado. Cada saco contém 10 caramelos e é vendido pelo valor de 50

centavos. Os compradores, desde o início, são os alunos e professores da Escola Municipal Nossa Senhora do Desterro. A professora Cláudia diz que seria muito bom se fossem inseridos na merenda escolar, pois, além de ser um alimento nutritivo, a garotada gosta muito. Todos os dias Dona Cristina e Seu Zefirino fazem caramelos por conta da procura da escola.

As vendas cresceram em 2010, quando começaram levar os caramelos para Remanso, semanalmente. Além de vender diretamente às pessoas por onde passam, deixam em alguns pontos comerciais. Na época de baixa produção, fazem em torno de 30 reais por semana e, no período de inverno, a produção é ainda maior.

Diversidade no quintal

Além das cabras, Dona Cristina e Seu Zefirino criam cocás e galinhas. Para as cabras, a ração é reforçada pela manhã e à tarde. Usam farelo de trigo, milho moído e palma cortada para preparar a ração na propriedade. Na roça, plantam mandioca, milho, abóbora, melancia e feijão.

A maior dificuldade que encontram é quando a seca aperta e precisam de molhar todos os dias os canteiros e fruteiras. “A bomba demora muito para puxar a água da cisterna, por isso prefiro puxar de balde, mas já estou buscando uma solução com a compra de uma caixa d’água e de uma mangueira com bicos para molhar todos os canteiros e fruteiras ao mesmo tempo”, completa Seu Zefirino.

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A RENDA FAMILIAR

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SILVA TÂNIA E A EXPERIÊNCIA DA REDE DE MULHERES

O casal foi contemplado com a cisterna-calçadão entre 2009 e 2010. A vizinhança experimentou o calçadão na produção da raspa de mandioca. Com as últimas chuvas, a cisterna sangrou várias vezes. Seu Zefirino mostra com orgulho a plantação de fruteiras no seu quintal. Tem acerola, manga, goiaba, graviola, laranja, coco, mamão, limão, abacate, banana, pinha, também conhecida por ata. cultivam também várias plantas medicinais para consumo da família e da comunidade, além de cebolinha, maxixe, coentro, tomate, beterraba, pimentão e cenoura. Quando dá, vendem também na cidade. Com a chegada da cisterna, a vida da família e da vizinhança tem mais qualidade.

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A experiência de Silva Tânia Rosa é um reflexo da atuação da Rede de Mulheres nas comunidades, junto aos seus parceiros, no município de Remanso. Tânia, como é conhecida, tem 27

anos e mora na comunidade Lagoa do Garrote, a 52 quilômetros da sede de Remanso, cidade situada ao norte da Bahia e que faz parte da Borda do Lago de Sobradinho.

A hidroelétrica de Sobradinho foi construída na década de 70, no Submédio do Rio São Francisco, pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF). Os moradores contam que foi um dos maiores impactos ambientais desumanos já registrados na região. As famílias, somando mais de 70 mil pessoas, foram realocadas a 7 quilômetros da antiga cidade. Em nome do desenvolvimento, a CHESF afogou 4 cidades nas águas de Sobradinho: Remanso, Casa Nova, Sento Sé e Pilão Arcado, além de distritos, sítios e povoados.

A agricultora vive com seu esposo Gilvan e as suas filhas Jéssica, de 8 anos, Bianca, de 4 anos, e Dominique, com 1 ano e 4 meses. O trabalho principal da família é a agricultura. Ela e o esposo cultivam feijão, mandioca, milho, abóbora e melancia para o consumo. A renda vem com a venda de animais, como cabra, ovelha e galinha, e do benefício Bolsa Família. As maiores dificuldades encontradas se dão no período da seca por falta de alimento e água para os animais. Nesta época, os animais se alimentam de mandacaru e xique-xique e, muitas vezes, acabam se machucando com os espinhos. Outra dificuldade é manter os pintos vivos quando nascem, porque são frágeis, e, quando crescem, ainda tem que enfrentar a falta de um mercado com preço adequado.

Tânia relata que aprendeu a criar galinhas e cabras com seus pais. Com a Rede de Mulheres e o SASOP, aprendeu a melhorar os cuidados com os canteiros, a alimentação das crianças e o uso de remédios naturais para a criação. Aprendeu também a criar as galinhas presas e melhorar a alimentação, fazendo a ração balanceada. Do projeto de fundo rotativo recebeu 30 pintos e, hoje, aguarda o melhor momento para fazer o repasse para outra família

com a mesma quantidade que recebeu. A agricultora já participou de diversas capacitações, onde recebeu todas as orientações para a criação e manejo.

Depois que casou continuou a criar animais. É um trabalho que gosta muito de fazer, além de gerar renda para a família. As cabras que cria não são do projeto de fundo rotativo, mas, conta com satisfação, que recebeu do projeto material para a construção do galinheiro e diz que nunca tinha ouvido falar que galinha tem que ter local coberto para dormir. Sempre criava ao relento, pelas árvores do quintal. Hoje compreende que os animais precisam de proteção para não pegar doenças pulmonares com a friagem e se livrar dos predadores. Lembra que quando as galinhas bicavam os ovos para comer, os mais velhos queimavam ou cortavam a ponta do bico. Foi quando aprendeu nas formações do SASOP que isso acontece porque estão sentindo falta de cálcio. “Hoje, uso as cascas dos ovos

SILVA TÂNIA E A EXPERIÊNCIA DA REDE DE MULHERES

que são consumidos pela família na ração balanceada”, conta.

Alimentação mais rica e saudável

Para Tânia, o Projeto fez diferença na alimentação da família. “Antes eu comprava frango congelado na cidade porque era mais barato. Com o dinheiro de uma galinha, comprava três frangos e ainda achava que as galinhas do terreiro eram sujas, porque viviam soltas no quintal, e as da cidade, congeladas, é que eram limpas”, relembra. Com as orientações da Rede e do SASOP, a família passou a se alimentar com as galinhas do próprio quintal, as frutas e as verduras que produz e, dessa forma, melhorou a saúde de todos. “As crianças não ficam mais gripadas com a freqüência de antes e foi possível combater a verminose que era grande.”, aponta a agricultora.

A renda aumentou. Antes vendia uma dúzia de ovos entre 50 centavos e 1 real. Hoje já dá pra vender por 2 ou 3 reais.

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BENEFICIAMENTO DE FRUTAS GERA RENDA E APRENDIZADO PARA

ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO MARCO

Emocionada, diz que, com esse projeto, tem uma alimentação mais saudável e garante complementação da renda para a família. Com esse dinheiro dá para comprar ração, remédio para os animais e alimentos que não produz na roça.

A Rede de Mulheres, em parceria com o SASOP e o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, tem um papel muito importante na implantação do projeto e de tudo que é feito na comunidade, seja com a criação de

galinhas, abelhas, cabras, e construção de cisternas que possibilitam a plantação de frutas e verduras, como também o acompanhamento das famílias da comunidade. Do canteiro já colheu coentro, cebolinha, beterraba, cenoura, berinjela, tomate, pimentão e couve. “Não tem coisa mais linda do que a cisterna. Muitas doenças como infecção urinária, verminose, diarreia, que se tinha antes, não existem mais”, revela Tânia, que sempre trata a água com cloro que a agente comunitária de saúde distribui.

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Tudo começou no ano de 2004, quando Zidália, uma professora aposentada vinda do Rio de Janeiro, chegou em Remanso-BA e comprou

alguns terrenos na Comunidade Marco, com o objetivo de fundar uma escola. Como o lugar já possuía duas, surgiu a idéia de trabalhar com o beneficiamento de uma fruta nativa da região, o umbu. A comunidade, que já tinha um histórico de luta por meio da Associação dos Moradores, iniciou de forma coletiva a busca pelos equipamentos. Saíram pelo comércio da cidade pedindo panelas, baldes, fogão. Foi feito também pedágio na pista com uma corda para parar os carros e pedir doação. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) cedeu uma pequena sala e o grupo começou a trabalhar.

Com a união das associações de Salinas Grande, Major, Marco, Xique-Xique, Assentamento Canaã e Salina do Brejo, do STR e SASOP, conseguiram uma suqueira. Eram dez mulheres produzindo polpa, doce e compota de umbu. O grupo não parou por aí. Em 2005, conseguiu um projeto financiado pela Fundação Banco do Brasil e, com o dinheiro, construíram a unidade de beneficiamento na comunidade Marco, num terreno doado por Zidália.

A atual presidente é Veraldina Batista da Silva, conhecida por Vera, sempre esteve à frente do trabalho com as frutas e conta que desde o princípio a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) é parceira na compra da produção para a alimentação escolar. Nesses anos, ela aprendeu muito com as reuniões, cursos e com a própria convivência com o grupo. Diz ainda que um dos maiores desafios têm sido administrar a unidade, atividade antes feita por Zidália, que foi morar em outra cidade, mas reconhece que é um aprendizado diário.

BENEFICIAMENTO DE FRUTAS GERA RENDA E APRENDIZADO PARA

ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO MARCO

do suco. Depois da fruta cozinhar, por uma hora e meia, ela é separada do suco no equipamento chamado suqueira e, a partir daí, é engarrafado e posto de cabeça para baixo, para a que a pressão do líquido quente não estoure a tampa. A fase final é a etapa de rotulação, feita por elas mesmas. Alguns dos rótulos são produzidos em gráfica e a maioria na própria unidade. Antes de iniciar o processo de produção é necessário tomar banho, usar uniforme, colocar touca, máscara, botas, luvas e não portar nenhum tipo de objeto, como bijuterias, celulares, entre outros.

Geração de Renda

Até 2010, quando os grupos de Salinas Grande e Xique-Xique produziam semanalmente, trabalhavam em torno de 50 pessoas na unidade de beneficiamento, sendo 95 % de mulheres. Agora, outros grupos estão produzindo em suas comunidades e o grupo do Marco atua com 11 pessoas. Cada produtora e produtor ganha entre 350 reais a 1 salário mínimo. No espaço, convivem duas gerações, mãe e filha, como Dona Maria das Dores Menezes da Silva, 54 anos, mãe de Mônica. Para Mônica, essa foi a oportunidade do primeiro emprego. “A timidez sempre dificultou minha vida e nesse trabalho me sinto acolhida.

O passo a passo da produção

Com o passar do tempo, o grupo ampliou o número de frutas a serem beneficiadas e, hoje, utilizam também a goiaba, o maracujá, o jenipapo, entre outros. O trabalho tem inicio do lado de fora, onde as frutas são selecionadas. Sergina Marques da Silva conta que as frutas ruins são excluídas, ficando somente as de qualidade. Passam por duas lavagens em caixas d’ água diferentes. Depois, são transferidas para uma terceira caixa, já dentro da sala de produção.

As frutas utilizadas para fazer compota são colocadas no vidro junto com a calda de açúcar e depois são levadas ao banho-maria. As utilizadas para a produção da polpa são cozidas, separando a fruta da água que vai ser usada na produção da geleia. Como só existem dois tachos na unidade, quando um fica livre é o momento de começar a produzir a geleia. Mônica Menezes da Silva, 29 anos, explica que a fruta, depois de despolpada, vai uma parte para o tacho do doce e outra para o da geleia.

O segredo da produção da geleia de umbu é que, além de ingredientes como a polpa, açúcar e água, também é colocado o concentrado do limão, que possui uma substância chamada pequitina e serve para conservar o produto por mais tempo. Outra técnica aprendida é a de armazenamento

Foto André Telles (Actionaid)

Foto Mateusz Radek

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É o futuro da família”, reforça. Mônica faz parte da diretoria, responsável pelo setor financeiro-administrativo. Ela diz que a renda média da unidade é de pouco mais de 11 mil reais. Outra iniciativa para a geração de renda é o fundo de reserva, uma alternativa coletiva onde as mulheres contribuem com 5% de seu lucro para as despesas emergenciais.

O aprendizado não aconteceu da noite para o dia

Dona Dasdores Menezes conta que, através de conversas no sindicato, conheceu Dona Janete do Assentamento Canaã, que passou a técnica da geleia de goiaba. Outro aprendizado foi o trabalho com a caldeira e o manuseio dos tachos, técnica ensinada durante o curso de caldeireiro realizado pela Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (COPERCUC), realizado em Uauá, onde visitaram minifábricas de beneficiamento de frutas e aprimoraram a produção dos doces.

Exemplo de mobilização social, a comunidade Marco junto à Associação, sempre lutou por melhorias, como a instalação de postos de saúde, eletricidade e água. “O grupo aguarda a vinda de mais um projeto para a construção de refeitório, vestiário e novos equipamentos para acelerar a produção, além de manter a esperança de continuar acessando o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), e de se preparar para participar da próxima Chamada Pública do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), revela a sócia e produtora Edneide Sousa Santos, 37 anos.

Obdúlia Neves da Silva, 43 anos, fala dos espaços da comercialização nas feiras, “Acho muito importante porque a gente não só vende como divulga os nossos produtos”. Mônica complementa: “Quando a gente faz degustação incentiva a compra dos produtos”. “Durante o ano de 2011 produzimos pouco, mas ampliamos nossos conhecimentos com a formação que tivemos junto ao Centro de Assessoria a Microempreendimentos (CAM), em parceria com o SASOP, que tem nos ajudado na parte de gestão, planejamento estratégico, plano de negócio, recurso humano e composição do preço de venda”, conclui Vera.

UNIÃO DAS PESCADORAS FORTALECE ASSOCIAÇÃO

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A Associação de Pescadores e Pescadoras de Remanso A-129 (APPR) é o exemplo da luta de um grupo de pescadoras que acessam o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o

Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A história da APPR começou quando, em 2008, o coordenador da CONAB, Silvio Porto, anunciou a necessidade de se criar uma associação para dar continuidade ao Projeto Sardinha Caseira. Foi assim que um grupo de 11 mulheres deu o pontapé inicial à criação da associação. Com o registro em mãos e o apoio do SASOP, elaboraram o projeto e enviaram à CONAB para que mais mulheres pudessem acessar os programas.

Para Maria Lúcia Freitas Nascimento, sócia-fundadora da entidade, a coragem e a ousadia motivaram as mulheres a seguirem em frente, pois sempre acreditaram em sua própria capacidade e união. Ela lembra que, no início, o grupo contou com o apoio do Conselho Pastoral da Pesca (CPP) e da Rede de Mulheres de Remanso, além de pessoas como o pescador Edivaldo Rodrigues e do funcionário público Francisco Braga, o Chiquinho, que ajudaram a criar a associação.

Eliete Cunha Damião, secretária da APPR, complementa dizendo que a construção do estatuto teve a participação de todo grupo e que sempre tiveram o apoio dos maridos e companheiros, os quais também fazem

parte da associação. Eliete afirma ainda que a relação de respeito e confiança é a base do grupo. Irany da Silva Santos, conhecida por Danduca, presidenta da associação, fala que as conquistas foram acontecendo aos poucos, como a carteira profissional do Ministério da Pesca, o Terminal Pesqueiro, que se tornou local do beneficiamento, e isso se concretizou devido à parceria estabelecida com o Movimento de Pescadores da Bahia (MOPEBA), que fez a articulação junto ao governo do Estado. Na época, em 2009, o governo liberou o Terminal e mais 20 mil reais para a reforma.

Como não era o suficiente, cada sócia fez um empréstimo de 50 reais para complementar. Ao final, a reforma estava pronta e o grupo começou a produzir e ampliar a sua infraestrutura. Outra conquista recente, desta vez junto ao SASOP, foi um projeto da Consul, chamado Consulado da Mulher, que doou 3 freezeres, 3 geladeiras e 2 fogões. Para Lucília Freitas Santos, vice-presidenta, a doação foi um presente enviado por Deus, pois trabalhavam

UNIÃO DAS PESCADORAS FORTALECE ASSOCIAÇÃO

com freezer emprestado. Agora, têm onde armazenar a produção de filés e linguiças. Nas geladeiras, colocarão as verduras e os produtos que precisam de conservação e ainda terão água gelada para beber.

O Projeto Sardinha Caseira atende, por meio do PAA, 26 famílias somando um valor de 112 mil reais. O grupo trabalha com tucunaré e pescadinha. No início de 2011, a APPR participou, pela primeira vez, do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) pela Chamada Pública do município de Pilão Arcado, com filé de peixe e lingüiça, com apoio da Cooperativa Agropecuária do Pólo de Remanso (COAPRE). A nutricionista do município, Márcia Ribeiro Ferreira, revela que os produtos fizeram o maior sucesso com os alunos, embora no início houvesse algumas resistências.

A partir de julho de 2011 a associação começou a participar das chamadas no município de Remanso e já entregaram 3 mil e 200 quilos de filé e a mesma quantidade de lingüiça, sendo dividido com o grupo da Colônia Z-41. A associação também tem atendido as escolas do Estado com tortinhas de peixe através do PNAE. Em torno de três meses entregaram 9 mil tortas.

Nas falas das mulheres, a valorização e o reconhecimento que sentem pelo trabalho que desenvolvem se destaca. “Antes, a maioria apenas tecia linha, fazia seus afazeres domésticos e, para melhorar a renda, trabalhava em casas de família e tinha que agüentar humilhações.”, conta Francinete Silva Feitosa, a Netinha, como é conhecida. Carmem Lúcia Moreira é outro exemplo. “Antes achava que mulher era para ficar varrendo e limpando e não tinha direito algum”, afirma. Hoje a pescadora tem sua

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autonomia, pois é com o projeto que garante o seu sustento e da família.

Eva Ribeiro Santos conta que depois que chegou ao beneficiamento tem mais amizades e coragem de falar. Inácia de Oliveira lamenta pelas pessoas que tentaram desanimá-la, dizendo para não acreditar no projeto da APPR. Ela veio do Ceará com sua família e desde que chegou em Remanso trabalha com pesca. Hoje se sente independente com o trabalho que realiza junto ao grupo. “Amo os peixinhos, pois são eles têm melhorado minha renda e me trouxe uma nova vida”, conta. Já Alcineide da Silva, paraibana, chegou a Remanso em 1994, mas logo em seguida foi com sua família para Passagem, vila de pescadores em Pilão Arcado. O projeto fez renascer as suas raízes, pois estava envolvida com outras atividades.

Cássia Santos Silva, conhecida por Cassinha, é filha de Irisdalva Silva, ex-sócia, falecida no ano passado. Depois que perdeu a sua mãe, Cassinha teve a oportunidade de se colocar em seu lugar e entender o que ela falava. “A Associação tem sido uma bênção em minha vida”, argumenta. Mariluce Santos Rocha se sentia discriminada por onde passava. O que mais lhe emocionou quando chegou ao grupo foi ter sido bem recebida e acolhida. Entre tantas histórias, a de Lucília não é diferente. Conta que a sua ligação com a pesca vem desde o ventre de sua mãe. A vida era viajar pelo rio com sua família. Mãe de 4 filhos, diz que na APPR tem aprendido a convivência coletiva e experimentado o exercício da partilha, e que o exemplo de seus pais a tornaram a pessoa que é hoje.

Outro passo que orgulha a APPR é que Remanso foi contemplado entre todo território do São Francisco com o curso de Mecânica de Motores Marítimos, que foi realizado no período de 26 de setembro a 8 de outubro, no Terminal Pesqueiro com a organização da APPR e

participação de 16 pescadores/as de todo o Território. “A importância dessa capacitação foi qualificar os pescadores e estimular a sua autonomia na hora da manutenção em seus barcos, além da possibilidade de ampliar a renda”, ressalta Lucília.

Existe um projeto do governo federal, em parceria com a APPR, de construir 100 casas para beneficiar famílias pescadoras de Remanso. Atualmente, o sonho do grupo é ter uma sede própria e conseguir um capital de giro para aumentar a produção, já que comercializam para a CONAB, PNAE e feiras de economia solidária em várias regiões do Estado. O grupo atende ainda diariamente encomendas para festas, estabelecimentos comerciais e consumo familiar com tortas, patês, linguiças e filés.

“Um dos desafios hoje é trabalhar com um grupo grande, pois, ao criar a APPR, o número de associados cresce a cada dia, principalmente de mulheres. Atualmente estamos com 120 sócios e sócias, mas acreditamos que é na busca da superação das dificuldades que vamos fortalecer a categoria”, conclui a vice-presidente Lucília Freitas Santos.

CANTEIRO ECONÔMICO PROMOVE SEGURANÇA ALIMENTAR

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Dona Andrelina Souza é agricultora e vive com o esposo Francisco de Jesus e os filhos Gilmar, Giomar, Lídio, Carlos Henrique e Francineide na comunidade de

Caldeirão do Café, a 55 quilômetros da sede de Remanso. A família desenvolve uma experiência de produção de alimentos em canteiro econômico, que garante segurança alimentar e geração de renda. A casa da Dona Andrelina sempre foi um ponto de encontro da comunidade, onde acontece o culto dominical e as reuniões da Rede de Mulheres, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, da Associação Comunitária, além das capacitações de projetos de desenvolvimento social.

Desde 2001, Dona Andrelina trabalha com horta e, como participa da Rede de Mulheres, participa das formações do SASOP sobre construção de canteiro econômico e de cisternas de produção. O canteiro econômico é feito com bloco, lona, cano e telha. Dona Andrelina explica que primeiro a família cavou o buraco de 25 centímetros de profundidade, 5 metros de comprimento e 1 metro e 20 centímetros de largura. Depois, levantou as laterais com bloco e cimento, colocou a lona, o cano do gotejamento com a cobertura de telha, o barro e, por último, o esterco curtido.

O cano de gotejamento tem duas extremidades abertas para cima que recebem água. Através destas aberturas, o canteiro é aguado. O cano é todo furado nas laterais e vai de uma ponta a outra do canteiro para manter a umidade. Outro diferencial é a lona que impede a água de infiltrar no solo. Técnicas simples como estas ajudam a diminuir a quantidade de água para manter o canteiro.

Ela conta que é costume na comunidade utilizar o esterco de bode na adubação. “Dizem que é mais eficiente do que ao gado e que tem todo um preparo para ser usado. Coloca o material num pneu com água e deixa curtir durante 8 dias, sempre renovando”, explica. Com o adubo preparado desta forma, a família consegue produzir um pouco de tudo: beterraba, alface,

CANTEIRO ECONÔMICO PROMOVE SEGURANÇA ALIMENTAR

coentro, cebolinha, pimentão, tomate e couve.

Ao redor do canteiro, planta berinjela, pimenta, girassol, sorgo, ervas medicinais e mudas de plantas nativas. Outra forma de cultivar as hortaliças são os canteiros suspensos com madeiras para evitar contato com os animais. Boa parte do plantio é feito com sementes crioulas, guardadas por Dona Andrelina em saquinhos plásticos.

Diversidade de cultivos e criações

Além dos canteiros, a família mantém um cultivo diversificado de plantas frutíferas bem adaptadas ao clima, a exemplo da pinha, graviola, mamão, goiaba, acerola e laranja. Apesar dos longos períodos de estiagem, a família consegue manter a produção do quintal buscando água de carroça num poço que fica a meia légua da propriedade.

O roçado da família é também bastante diversificado, com o feijão de corda, milho, melancia, melão, abóbora e mandioca. Neste terreno, meia tarefa é destinada para o cultivo da palma junto com outras culturas. O objetivo é aproveitar melhor a área e manter o equilíbrio do ambiente, diminuindo as pragas.

Dona Andrelina conta que a produção dos canteiros vem contribuindo para melhoria da qualidade alimentar. Além disso, gera renda com a venda dos produtos nas reuniões da comunidade, nos cultos dominicais e às vezes na feira de Remanso. No canteiro econômico, o que mais produz é a beterraba, que é vendida a 2 reais o quilo. No quintal produtivo, o que gera mais renda é o mamão, que custa entre 50 centavos e 1 real a unidade.

A criação de animais também é diversificada. Criam carneiro, bode,

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ovelha, porco e galinha. Além de serem mais baratos, são mais resistentes ao clima. A família cria ainda cavalos e jumentos, que ajudam como meio de transporte, na captação de água, aragem da terra e para pegar lenha. Durante a estiagem, a ração dos animais é feita a base de palma e milho. A experiência de Dona Andrelina mostra que com organização é possível viver bem no semiárido, sem precisar sair em busca da sobrevivência em outras regiões.

DONA GRACINHA E SUA DEDICAÇÃO AOS CAPRINOS

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Desde menina, Maria das Graças Gomes de Almeida, conhecida como Dona Gracinha, gostava de cuidar de bodes e cabras. Assim que casou aos 17 anos com seu Ranulfo

Lopes de Almeida começou a se dedicar a criação. No início, além dos seus, cuidava também dos animais de outras pessoas. Um dia resolveu entregar a responsabilidade aos donos para poder cuidar apenas dos seus animais. Dona Gracinha mora com sua família no Sítio do Girau, Fazenda São Bento, a 22 quilômetros da sede do município de Remanso. É mãe de 3 filhos: Reginaldo, Ronaldo e Renilde e, atualmente, tem 2 netos e 3 netas.

Ao longo de mais de 30 anos, Dona Gracinha foi adquirindo habilidades e construindo aprendizados. Quando vai ao chiqueiro sempre leva sua maleta de medicamentos veterinários e remédios caseiros, além de instrumentos para lhe auxiliar nos partos, corte de umbigos, castração, aplicação de vacinas e remédios. Para castrar os cabritos e bodes com segurança, usa a técnica do “burdizzo”. Diz que é bem menos sofrido para o animal, pois não fere a pele e não oferece perigo de hemorragia. Faz um preparo com as ervas aroeira, umburana de boi, jurema preta, jacurutu e ameixa misturadas ao álcool, que chama de ungüento para usar durante os dias de cuidados quando faz parto, corte umbilical e nos mesmo nos ferimentos. O pó da casca de ameixa completa a lista dos antiinflamatórios e bactericidas utilizados.

Dona Gracinha acorda antes das 5 horas da manhã e, na época da seca, fica até às 9 da noite dando comida aos animais. No inverno, faz estocagem de alimento para passar a estiagem com mais tranqüilidade. A leucena e a maniva é a maior parte do feno. Para diversificar a forragem tem plantado gliricídia, capim faixa branca, sorgo, andu, melancia de cavala, além da palma.

A agricultora e criadora conta que, certo dia, um técnico falou sobre a importância de fazer sua própria ração e, para isso, teria que aumentar sua plantação de palma e consorciar com leucena. Assim experimentou e hoje tem uma grande área. A partir daí começou a usar esterco dos chiqueiros na plantação que é um adubo natural e afirma que o resultado é animador.

Dona Gracinha gosta de testar tudo o que as pessoas lhe dizem, ouve no rádio ou lê em folhetos. Diz que não adianta ir para as reuniões e não colocar em prática. A máquina forrageira tem sido o braço direito da família. Para reforçar a alimentação dos animais, passa palma verde na forrageira e mistura ao silo ou feno. O mesmo processo faz com o mandacaru ao substituir a palma. Em 2011 conseguiu fazer, além do que já produzia, 6 tambores de silo e mais 8 metros de silo subterrâneo. Ou seja, já tem ração para o próximo ano.

Para ajudar a aumentar o leite das cabras que dão cria, Dona Gracinha dá maniva seca triturada e misturada na torta de algodão ou no farelo de trigo. Deixa de molho e depois distribui. A raiz da mandioca também é bem aproveitada.

DONA GRACINHA E SUA DEDICAÇÃO AOS CAPRINOS

Primeiro lava para limpar a terra e depois passa na forrageira. Espreme para tirar a tapioca e mistura a massa com farelo para os animais. A tapioca é usada pela família para fazer mingau, bolo e beiju.

Assim que começou a cuidar do seu próprio criatório realizou o sonho de fazer queijos para comercializar. Vender somente o leite não valia à pena. E deixá-lo sem nenhuma função seria desperdício, principalmente, no inverno quando a quantidade de leite aumenta. Com a venda dos queijos, Dona Gracinha garante recursos para suas despesas com a criação, que vão desde a ração de farelo de trigo, medicamentos, luvas, produtos para fazer o queijo, pagamento do trabalhador que ajuda na roça, ao carreto que leva o queijo para a feira, restando ainda um pequeno lucro.

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A cisterna de produção-calçadão chegou em 2011 e já pegou água nas primeiras chuvas de outubro. Dona Gracinha diz que os seus planos é plantar apenas fruteira, pois já planta horta no caldeirão e se preocupa com o controle da água para não faltar. Armazena água da chuva em garrafas pet formando uma parede d’água que conseguiu a 1.500 litros. Diz que muito lhe serve no período da seca para a criação de galinhas, molhar as plantas, tomar banho e até lavar roupa.

De domingo a domingo, além de outros afazeres com a criação animal, a labuta é fazer queijo. Na época do inverno, produz uma média de 10 queijos por dia. Para cada queijo usa 4 litros e meio de leite. Vende na feira e para compradores diretos. Na época da estiagem faz cerca de 6 queijos por dia. Para sustentar a freguesia, chega a comprar leite da vizinhança. Para garantir um queijo com mais qualidade trocou a forma de madeira pela de PVC, artesanalmente produzida pelo seu esposo Ranulfo.

O soro do queijo é misturado com forragem e vira alimento para os animais, principalmente para os porcos. O lema de Dona Gracinha é que nada se joga fora, tudo se aproveita. A expectativa de Dona Gracinha atualmente é a construção de uma sala de ordenha, em parceria com o SASOP, e tem a esperança de conseguir um aprisco.

AGROECOLOGIA MUDA A VIDA DE DONA IVONETE E FAMÍLIA

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Ivonete Borges da Silva, 40 anos, nasceu e se criou na comunidade Lagoa do Pedro, município de Campo Alegre de Lourdes, que fica a 6 quilômetros da sede da cidade.

Ivonete mora com seu esposo, Edvaldo Lopes da Silva, e duas filhas, Merivalda e Tatiana. A mais velha, Márcia, é casada e tem um filho, Renan, que é o primeiro neto da família. A principal atividade é a agricultura. Cultivam milho, feijão, abóbora, melancia e mandioca para o consumo. A renda vem da venda de alguns produtos da roça, de animais, ovos, prestações de serviço e do benefício do Programa Bolsa Família, do Governo Federal, gerando um valor líquido mensal de até um salário mínimo.

Na comunidade há várias aguadas que seguram no período da seca. São um barreiro, uma barragem que segura mais a água da lagoa e 3cisternas subterrâneas comunitárias, sendo uma de 50 mil litros e as outras de 20 mil litros cada. No quintal da casa de Dona Ivonete tem uma cisterna de 16 mil litros para consumo da família. Serve para beber e cozinhar e é regrada pelos cuidados de Dona Ivonete, que se lembra da dificuldade que passou quando deixou a cisterna secar há 8 anos atrás por falta de experiência.

Ivonete fala com pesar da pouca chuva do ano de 2010. Embora tenha enchido todas as fontes familiares e comunitárias, se remete à seca como conseqüência do desmatamento que tem ocorrido com freqüência nos últimos anos para alimentar as carvoarias. O que mais lhe preocupa é que não vê nenhum reflorestamento, sobretudo, de plantas nativas, como angico, aroeira, umburana, pau d’arco, entre outras que servem de forragens para os animais.

Dona Ivonete conta que começou a cuidar de cabras quando tinha entre 5 e 6 anos de idade, ajudando os pais a dar comida aos animais e arrebanhá-los para o chiqueiro. Depois que casou, levou os que tinham conseguido e continua criando até hoje. “Tem muita diferença na forma de criar. Antes era mais fácil. Tinha mais planta forrageira, só se dava sal e palma cortada. Agora, temos que dar ração para complementar a alimentação até no inverno”, conta Ivonete, que faz ração com espiga de milho e palha na forrageira, raiz da mandioca cortada e a maniva misturada com o caroço do milho. A agricultora relaciona as dificuldades ao desmatamento e diz que essa questão preocupa as lideranças e boa parte da comunidade que percebe muita gente se vendendo à troco de ilusão.

Projetos das cisternas, mais qualidade

A agricultora conta também que, com as aguadas, a qualidade de vida melhorou. “Antes era mais difícil, porque, além de andar muito para conseguir a água para beber, ela não era saudável. As

AGROECOLOGIA MUDA A VIDA DE DONA IVONETE E FAMÍLIA

cisternas acabaram com esse problema, proporcionando saúde e qualidade de vida para as famílias. Os animais bebem água na lagoa, de onde pegamos água também para lavar a roupa e molhar as plantas. Em casa, só tenho água da cisterna para consumo humano”, declara.

Do Fundo Rotativo para criação de animais, Ivonete recebeu uma cabra que já deu cria e está aguardando o momento de fazer o repasse. No seu chiqueiro já tem 25 cabras. O bode reprodutor está com outra família. A família de Ivonete recebeu também 28 pintos pelo mesmo projeto e já repassou os 28. “O fundo rotativo é muito importante, porque através dele outras famílias vão sendo beneficiadas. No inverno juntando todas as cabras, tiro cerca de 6 litros de leite por dia. Na seca, não chega a 3 litros”, diz. O leite é usado apenas para o consumo da família, misturado ao cuscuz, à farinha de borra e ao café. “Criamos os animais para garantir primeiro o alimento da família”, explica Ivonete.

A família de Ivonete gasta em torno de 70 reais por mês com medicamentos veterinários, como vacinas e remédios para infecção. “Quem cria cabras não passa aperto. Se precisar fazer uma feira ou resolver alguma situação de emergência vende o que for necessário e logo se resolve’, complementa. Quando necessário, Ivonete e seu esposo vendem a carne em pedaços, que custa 7 reais por quilo. Segundo eles, o animal vivo vale menos.

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Horta Comunitária melhora a renda

Através da Associação de Fundo de Pasto foi feito um projeto para a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) para a venda de verduras, galinhas, ovos, frutas, raiz da mandioca e abóboras. As verduras são da horta comunitária, que tem 8 canteiros econômicos. Junto a 10 famílias cultivam para consumo da família e melhoram a renda familiar. Entre 2009 e 2010, venderam em torno de 60 quilos de carne de bode e cerca de 100 unidades de coco verde.

Ivonete vê o SASOP com um papel importante na implantação desses projetos, junto aos outros parceiros. “Foi nas atividades de formação que aprendi o manejo correto de como cuidar dos animais, a produzir ração balanceada e outras experiências, que nem sabia que existiam, e só fiquei conhecendo nos intercâmbios, onde vi novas tecnologias e maneiras de se trabalhar a terra”, finaliza Ivonete, afirmando que o trabalho do SASOP não ajuda apenas a ela, mas a toda comunidade.

CISTERNA AUMENTA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NO QUINTAL DE EDÉSIO

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A 60 quilômetros da cidade de Casa Nova, município do estado da Bahia, fica a comunidade Lagoa Redonda, onde 5 famílias receberam a cisterna de produção, também chamada de

cisterna-calçadão. Entre elas, a família de Edésio Santos Antunes e Elizabeth Gomes Antunes. O casal tem apenas um filho, o adolescente Ailton Gomes Antunes.

Quando Edésio soube da notícia que iria ter reunião sobre cisterna de produção pegou seu jegue e andou 12 quilômetros para chegar ao local. Ele conta que foi para a reunião sem acreditar muito, porque se sentia enganado como todo povo daquela região com as falsas promessas dos políticos. A cisterna foi marcada no mesmo dia, após a reunião. Edésio lembra que levou 50 dias para cavar o buraco com ajuda de algumas pessoas que fizeram sistema de mutirão na região. Elizabeth diz que só acreditou depois que viu a cisterna pronta, pois foi muito trabalho para chegar ao resultado final.

Após a construção da cisterna, em 2009, a família passou a se servir da produção de verduras e frutas. Eles já têm colhido alface, cebolinha, coentro, pimentão, pimenta de cheiro, hortelã, manjericão, andu, acerola, limão, banana, maracujá do mato, maracujina, mamão, entre outros, para autoconsumo e comercialização na comunidade e arredores. São 10 canteiros no chão, tipo sistema econômico, e um suspenso, que o casal construiu a partir de uma das visitas de intercâmbio que participou. Na parte de baixo do canteiro também fez plantio, para aproveitar a água que cai quando molha as plantas de cima. Nas fruteiras usam o sistema de gotejo com uso de garrafas pet e nos canteiros regador e micro aspersor. O casal conta com a ajuda do filho e dizem que, por eles, passariam o dia todo no quintal cuidando das frutas e dos canteiros. Para facilitar o seu trabalho na comercialização, Seu Edésio fez um empréstimo e comprou uma moto que tem servido muito para locomoção para as atividades.

Com a plantação do maracujá do mato, Edésio tem comercializado nas redondezas a 3 reais o quilo. “Antes da comercialização, o

principal é que a produção garanta a segurança alimentar e nutricional da família”, assegura o agricultor. Elizabeth diz que, com a chegada da cisterna de produção, tudo mudou na vida da família. Antes só se alimentavam de feijão, mandioca, abóbora, farinha, ovos e outras coisas trazidas da cidade. Frutas, só melancia. Hoje, a família come verduras do quintal, o que antes nem imaginavam que poderia acontecer. A comida é temperada com verduras fresquinhas.

Elizabeth ressalta que no período da seca o cuidado tem que ser dobrado. “O sol castiga muito a plantação. O tomate, por exemplo, é o mais prejudicado e ainda não tem conseguido colher nem mesmo no período da chuva”, completa. Na estiagem de 2010, compraram 8 carradas de água do carro-pipa, entre os meses de julho a

CISTERNA AUMENTA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NO QUINTAL DE EDÉSIO

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outubro, para suprir a necessidade do quintal. Teve um gasto de mais de 500 reais.

Ailton fala que o que mais chama a sua atenção é que o pai antes preparava a terra para plantar, limpando todo o roçado e queimando. Hoje, valoriza tudo que está lá e reconhece que tudo é nutriente para o solo e para as plantas. De toda fruteira no quintal, ele faz um ninho de resto de vegetais para segurar mais a água e dar maior proteção. “Da mesma forma que o nosso corpo precisa de roupas para se proteger do sol, a terra também precisa de cobertura para ter mais vida”, afirma.

O esterco, que há pouco tempo vendia, hoje é usado como adubo em toda a plantação. “Já mudamos o chiqueiro das cabras e plantamos leucena consorciada

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com palma”, conta. Isso é o que tem lhe valido para a alimentação animal na estiagem. Edésio e Elisabeth não usam mais veneno na plantação. Aprenderam a fazer o defensivo natural e fazem uma mistura de ervas e plantas, que tem como base o sumo do Nim e da Arruda.

Para a renda mensal contam com o Bolsa Família e, quando necessário, a venda de algum animal e a comercialização dos produtos do quintal e da roça. O total chega, em torno, de 350 reais. O alimento básico da família é produzido na roça, como o feijão, a abóbora, a melancia e a mandioca. Ovos sempre têm no quintal, assim como carne de criação ou de galinha. Elizabeth e Ailton cuidam dos

afazeres domésticos do quintal, da roça e dos animais, principalmente, quando Edésio viaja para as formações. Depois que começou a participar dos cursos e intercâmbios pelo SASOP, Edésio fala que a sua visão é outra em relação à vida e ao seu sistema familiar produtivo.

Atualmente, a família aguarda ansiosa o projeto fundo rotativo solidário para criação de cabras. O desejo de Edésio é plantar mais forragem para fazer adubo e alimento para os animais. Em suas andanças pelos intercâmbios, o agricultor tem percebido que é importante fazer plantio consorciado com andu, milho, feijão, palma e leucena para proteger o solo e garantir sombra, água e nutrientes.

JOVENS SE ORGANIZAM A PARTIR DE PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS

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Organizar e despertar nos jovens o interesse de experimentar novas alternativas de convivência no Semiárido. Esse foi o principal objetivo para criação dos grupos Força Jovem, na

comunidade Lagoinha, e Juventude em Ação, na Ladeira Grande, a 37 quilômetros e 58 quilômetros da sede do município de Casa Nova, Bahia, respectivamente. As animadoras dos grupos, Ana Rita Mariano, Madalena da Rocha Braga e Valdeci Santos Rocha, contam que a ideia surgiu depois da participação de alguns jovens dessas comunidades no primeiro encontro regional de jovens, realizado em Remanso, pelo SASOP, em setembro de 2010. Com o tema Juventude e Agroecologia, o encontro incentivou os jovens a desenvolverem práticas agroecológicas, ampliando sua visão sobre agroecologia e empreendedorismo para diminuir as migrações para os grandes centros.

Ana, Madalena e Valdeci contam que o nome Juventude em Ação surgiu num momento de reflexão e construção coletiva. Segundo Edivaldo, um integrantes, os jovens apresentaram alguns nomes e foi a partir dessas sugestões que conseguiram chegar ao nome final. De acordo com Madalena, a ideia era criar um nome que expressasse algo, que fosse marcante. Após a definição dos nomes, os grupos confeccionaram camisetas. Cristiana Rocha diz que vestir a camiseta significa compromisso com o grupo e com a comunidade. “Para mim, vestir a camiseta é representar o coletivo em qualquer lugar e faz com a gente se sinta mais forte”, completa. Ana Rita acrescenta que a camiseta eleva a autoestima e afirma a identidade do grupo. Não se sente sozinha onde estiver. Vanúsia relembra o slogan colocado na camiseta -“Não precisa ser filho de doutor, jovem da roça também tem valor” - e conta que, por causa da frase, já foi parada por muita gente querendo saber mais sobre o grupo.

Diversos temas relacionados à agroecologia vêm sendo trabalhados pelos grupos. Em parceria com a escola, as animadoras do grupo Juventude em Ação, de Ladeira Grande, Ana Rita e Madalena desenvolveram o projeto Lendo e Aprendendo com

os Rótulos. A ação envolveu os estudantes e a comunidade para uma sensibilização sobre meio ambiente e reciclagem das embalagens, diminuindo o lixo de sacos plásticos na área externa da comunidade.

Valdeci, animadora do grupo da Lagoinha, diz que, a partir da abordagem do meio ambiente, debateram a preservação, os cuidados com as cisternas e o reaproveitamento da água. Madalena relata que depois desse trabalho muitas famílias começaram a canalizar para as plantas a água do banheiro, da pia e da lavagem das roupas.

JOVENS SE ORGANIZAM A PARTIR DE PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS

Outro tema que atraiu os jovens foi a mineração. Para Ana Rita, ter a garantia da terra e preservar a caatinga é fundamental para o desenvolvimento das vidas e dos projetos comunitários. A discussão foi estimulada a partir de uns folhetos da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que abordam o assunto e exemplificam casos ocorridos na região. O jovem Edivaldo ressalta o fato de fazerem parte de um território chamado Fundo de Pasto, área de uso comum onde as famílias criam os animais soltos e pastam coletivamente, que está ameaçada pela mineração.

Foto Lise Guimarães

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O grupo de Lagoinha decidiu investir na produção de canteiros. Familiares cederam espaço na área das cisternas de produção e iniciaram o plantio, em fevereiro de 2011. Os 18 jovens montaram uma escala semanal para garantir a participação de todos e dividiram as despesas para compra de sementes. Conseguiram cultivar e comercializar na própria comunidade hortaliças e plantas medicinais. Com o dinheiro das vendas investiram num torneio e arrecadaram 600 reais. O recurso é usado para despesas do grupo, como atividades internas comunitárias, além de garantir a participação de representantes em eventos fora da comunidade.

O grupo de Ladeira Grande também optou por canteiros como desenvolvimento de uma das práticas agroecológicas. Iniciaram no mesmo mês, mas só conseguiram plantar até maio, pois se sentiram desestimulados devido à falta de um acompanhamento técnico e a sobrecarga para alguns participantes. No período de três meses, conseguiram arrecadar 70 reais e, junto a outro recurso de torneios, investiram numa caixa de som para o grupo e uso da comunidade.

A principal renda dos jovens que participam do grupo de Ladeira Grande é a comercialização de produtos locais para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de

Alimentação Escolar (PNAE). A comunidade tem uma minifábrica e produz derivados da mandioca e de frutas, como sequilhos, broas, polpas e compotas de umbu, doces, geléias e a paçoca de gergelim. Para o PNAE, comercializam a tapioca, abóbora, batata doce, melancia e mandioca.

A proposta dos jovens agora é investir em apicultura, pois, além de gerar renda, é uma forma de garantir e preservar o Fundo de Pasto e a Caatinga. O grupo pretende conseguir um cilindro para produção de cera alveolada, que só vende fora da comunidade e o custo é alto. A proposta é produzir para uso próprio e comercialização.

Como desafio, os jovens apontam a falta de recursos para compra de material didático, de material para pesquisa, deslocamento e alimentação para facilitar a participação em eventos. Outra questão tem sido a desmotivação do grupo no período da seca e o aumento de afazeres e cuidados com a roça, quintal e animais, ficando com pouco tempo para cuidar dos canteiros e participar das reuniões. Ana Rita, Madalena e Valdeci afirmam que as maiores conquistas são a formação que estão fazendo em agroecologia, com o apoio do SASOP, e a organização dos jovens.

JOVEM APICULTORA ACREDITA NO TRABALHO COLETIVO

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Vanessa Ferreira de Carvalho tem 24 anos e mora com seus avós, Simplício Honório de Carvalho e Joana Borges de Carvalho, na Comunidade Vereda da Onça, a 40 quilômetros

de Pilão Arcado, na Bahia. Desde os 12 anos já ajudava a animar a comunidade através da Paróquia e, há um ano, atua como sócia do Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Pilão Arcado que, tem uma Secretaria da Juventude.

O trabalho com os jovens é uma atividade que veio acontecendo ao longo dos anos. Vanessa coordena o grupo de Vereda da Onça, que tem cerca de 15 jovens, e faz parte da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP). Atualmente, ela e outra jovem da comunidade, a Vanderléia, cursam Pedagogia pelo Centro Ecumênico Superior Piauiense (CESPI), em Pilão Arcado. As aulas acontecem num final de semana por mês.

Pela primeira vez, Vanessa está discutindo agroecologia e convivência com o semiárido, por meio das formações coordenadas pelo SASOP. “O que mais me chamou a atenção foi saber que é possível conviver com o semiárido sem depender de favores. Antes, a imagem que tinha do sertão era só pobreza. Tudo mudou”, revela. Vanessa afirma que tudo o que tem aprendido nas capacitações, a partir das práticas agroecológicas, vai experimentar com os jovens da comunidade. Planeja realizar um Dia de Campo com o grupo e desenvolver uma silagem com aproveitamento de plantas forrageiras.

Sua história com a apicultura começou há cerca de um ano, quando fez um curso pela Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (FETRAF) e precisou optar por um núcleo produtivo. As opções eram caprinocultura, apicultura e fruticultura. Vanessa conta que acreditou que poderia desenvolver melhor o trabalho de apicultura porque era algo mais viável para sua realidade e já conhecia outras pessoas que criavam. “No início tinha medo de abelhas. Achei que não ia dar conta, mas, com a experiência do meu tio Josivaldo e da minha vó

Joana, consegui desenvolver a produção”, lembra. No dia-a-dia, Vanessa conta com a parceria da avó para fazer o manejo e garante que juntas têm aprendido um novo jeito de lidar com as abelhas. Dona Joana relata que antes derrubava e botava fogo nas árvores para extrair o mel das colmeias, espremia com as mãos e, na maioria das vezes, ainda matava a abelha rainha. Hoje, se orgulha da neta e diz que criar abelhas em caixas é primar pela qualidade e preservar a natureza. Para fazer o processamento do mel, Vanessa usa os equipamentos do tio.

Com as abelhas, Vanessa diz ter aprendido ver a vida de forma diferente. O modo organizado e em cooperação como vivem, por exemplo, a faz refletir e aprender mais. “Aprendi também que as abelhas não produzem só o mel e o própolis,

JOVEM APICULTORA ACREDITA NO TRABALHO COLETIVO

mas que elas têm uma importância grande para a natureza poque fazem a polinização”, explica. A jovem apicultora já fez cursos sobre criação de abelhas no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), na Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), em Juazeiro. Em Remanso, participou de um curso sobre própolis organizado pela Rede de Mulheres. “Não sabia que a oficina estava sendo organizada pela Rede e pensei que seria uma oficina com monte de homens e que ficaria deslocada, mas fiquei surpresa e estimulada quando vi que a maioria era mulher. Foi muito proveitosa”, declara.

Vanessa conta que só em 2011 já colheu 350 litros de mel com as 20 colmeias e 40 melgueiras adquiridas. Cada caixa, segundo a jovem, dá em torno de 10

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litros de mel e vendem cada litro por 5 reais para uma empresa no Paraná. O que mais a encanta é a parte de coar o mel e colocá-lo na centrífuga. “A primeira vez que fui ver esse processo de perto, estava toda perfumada e, por isso, solicitaram que me afastasse. Na hora fiquei triste, mas depois dos cursos entendi que as abelhas não gostam de outro cheiro que não seja o da rainha da colmeia. Agora já sei como agir”, relata.

Vanessa diz que hoje é uma pessoa totalmente diferente. Antes não tinha trabalho remunerado e hoje ganha o próprio dinheiro. Recebeu uma proposta do seu ex-noivo, que está morando em São Paulo, para deixar tudo, seguir para lá e se casarem. Escolheu ficar porque acredita que o seu futuro está em Vereda da Onça, onde já vê uma possibilidade de renda e de desenvolvimento junto às pessoas da comunidade. O seu sonho é ver a comunidade crescer cada vez mais. Sua meta agora é ampliar e multiplicar a experiência com outros jovens para que percebam o potencial e se estimulem para desenvolver um trabalho na própria comunidade, seja de forma individual ou coletiva. Em breve, pretende dividir com alguém o núcleo produtivo que recebeu da FETRAF e prefere que seja um jovem da comunidade.

MULHER CONQUISTA LIDERANÇA E AUTONOMIA

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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco

Maria Domingas Francisca Santos, ou simplesmente Domingas, é mãe de 2 filhos, Andreane e Adriano. É casada com Valdemir Pereira dos Santos, um companheiro

que sempre a apoia em tudo o que faz. Quando precisa viajar, o Valdemir assume as tarefas. “A primeira vez que viajei de avião foi para participar de um intercâmbio internacional na África, em Moçambique. Passei 15 dias fora de casa e Valdemir assumiu todas as tarefas junto aos filhos e cuidou das atividades domésticas, dos canteiros, da roça e da criação”, conta Domingas. O casal afirma que a confiança é o segredo da relação que se construiu há cerca de 20 anos. Isso é o que facilita Domingas a ser dirigente sindical e integrante da Coordenação da Rede de Mulheres de Remanso, além de animadora da comunidade pela Paróquia.

Os encontros e reuniões da Paróquia acontecem no terreiro de sua casa, aos domingos à tarde. Além da oração, são feitos os avisos e discutidas questões ligadas à Rede, ao Sindicato, à Paróquia, à comunidade, entre outros assuntos. Pelo sindicato, acompanha as construções das cisternas calçadão em sua região. Maria Domingas faz parte também de um grupo de beneficiamento de frutas e de mandioca, que utiliza a Unidade de Beneficiamento da Associação de Moradores do Marco uma vez por semana. Para o deslocamento o grupo conta com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Remanso e do SASOP.

O trabalho de beneficiamento teve início em 2006 com mais 6 mulheres. Logo depois, entraram outras 6 das comunidades Salinas Grande e Salina do Brejo. Com mais mulheres no grupo, começaram a produzir compotas, doces, geleias e sucos, utilizando frutas nativas como umbu, maracujá do mato, manga, caju, acerola, goiaba e banana. Produzem ainda sequilhos, beijus e cambraias. Por meio da parceria com a Companhia Nacional do Abastecimento (CONAB), o grupo entrega os produtos para escolas municipais, creches, delegacias e outros órgãos governamentais. Domingas argumenta, no entanto, que apesar da experiência ser muito valiosa, dedicar apenas um dia para o beneficiamento é

MULHER CONQUISTA LIDERANÇA E AUTONOMIA

tamarindo, pinha, goiaba, coentro, cebolinha, pimenta, couve, pimentão e tomate. O mamão, o limão e a acerola já são comercializados. Além da produção de alimentos no quintal e na roça, Domingas tem a criação de animais, os quais se alimentam de ração preparada por ela mesma na máquina forrageira da comunidade, usando mandioca e milho.

A agricultora faz ainda bolos, sucos de frutas e salgadinhos que vende na hora do lanche para os alunos da escola da comunidade. Assa tudo no forno caseiro de barro que fica no quintal, enquanto escuta o Programa de Rádio “Desperta Mulher”, produzido e apresentado pela

pouco para realizar a produção necessária a todo o grupo.

No quintal, a agricultora tem o cuidado de preservar a água da cisterna de produção de enxurrada para não correr o risco de acabar. A construção foi feita em parceria com Sindicato, com Associação Brasileira de Captação e Manejo de água de Chuva (ABCMAC), Banco do Brasil e Petrobras. Molha somente os canteiros e fruteiras que estão próximas à cisterna. As outras, que ficam em outra área, são aguadas com água do barreiro e com água reaproveitada do banheiro e da pia. Em seu quintal tem coco, laranja, acerola, mamão, tangerina, maracujá, limão, caju, abacate, banana,

Foto Lise Guimarães

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Rede de Mulheres de Remanso, com apoio do SASOP. Atualmente, o desafio do grupo de beneficiamento do Xique-Xique é conseguir uma estrutura na própria comunidade para poder beneficiar os alimentos mais de uma vez por semana e não ter o desgaste do deslocamento até a Unidade de Beneficiamento do Marco.

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A FAMÍLIA DE ORNELINA

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Ornelina Marina Alves Neta tem 30 anos, mora na comunidade Vereda das Minas, município de Remanso, com seu esposo, Josué Ferreira de Oliveira, e duas filhas, Keila Alves de

Oliveira, de 7 anos, e Débora Alves de Oliveira, de 4 anos. O trabalho principal da família é com o quintal produtivo e apicultura, de onde tiram a alimentação e maior parte da renda.

A agricultora conta que, antes do SASOP, plantavam apenas na roça, que fica distante da casa. No quintal, a produção de alimentos só começou em 2007, depois que passou a contar com a assessoria técnica do SASOP. Desde então, além do feijão, milho, mandioca, abóbora e melancia, a família cultiva melão, mamão, laranja, limão, manga, goiaba, acerola, coco, banana e gergelim. Para produzir ração para os animais, planta capim, melancia de cavalo, palma e leucena. “O SASOP nos incentivou a aproveitar melhor o espaço do quintal. Participamos de intercâmbios, capacitações locais, encontros regionais e de feiras da agricultura familiar, que nos tem trazido muitos aprendizados e incentivos”, afirma a agricultora.

Ornelina conta que a família consome de tudo o que produz, seja da criação animal, da roça ou do quintal. A maioria dos produtos é vendida na feira livre do município vizinho, Pilão Arcado, que é mais perto e tem um preço melhor. Vende tudo o que leva. Apenas o mel é comercializado em Remanso. No primeiro semestre de 2011 conseguiu colher 4 baldes de mel, com 25 quilos cada. Um foi repassado para a Rede de Mulheres como devolução para o Fundo Rotativo, outro ficou para consumo da família e os outros 2 foram comercializados. Para fortalecer a plantação, Ornelina aduba com os estercos do chiqueiro das cabras e do galinheiro e faz cobertura do solo com palhas para manter a terra mais úmida. Quando precisa fazer algum controle de praga na horta só usa o defensivo natural. “Fazendo dessa forma, não agredimos a natureza”, esclarece. Ornelina diz ainda que tudo o que faz no quintal é buscando introduzir

práticas agroecológicas. O sabor das hortaliças, segundo a agricultora, é bem mais agradável, além de ser saudável. As capacitações a ensinaram a preparar o adubo e os defensivos naturais. “Ter essa horta fez uma diferença enorme na alimentação da família, porque antes só comíamos feijão, arroz, macarrão, abóbora, tomate e, às vezes, alface, porque o dinheiro não era suficiente para comprar as verduras necessárias”, conta.

Hoje, a família de Ornelina pode comer tudo o que planta, como beterraba, cenoura, couve, alface, tomate, coentro, cebolinha, pimentão e salsinha. Sua renda melhorou muito depois da horta. Antes gastava cerca de 50 reais por mês na compra de verduras e, agora, a horta fornece tudo o que precisam e ainda gera um montante de 250 reais mensais com a venda dos produtos. O valor aumenta para 500 reais quando junta com produtos da roça na época do inverno.

QUINTAL PRODUTIVO SUSTENTA E GERA RENDA PARA

A FAMÍLIA DE ORNELINA A RENDA FAMILIARMudanças que fazem a diferença

A prioridade da família é plantar para garantir uma alimentação saudável e uma boa saúde. Com a renda, compraram eletrodomésticos, roupas e calçados. Outra mudança foi em relação ao preparo do solo e ao cultivo das plantas. Ornelina conta que antes fazia queimadas e hoje tem clareza de que não há necessidade de queimar para preparar a terra. Aproveitam tudo. Do bagaço das plantas, faz a ração para os animais, misturando com outras plantas forrageiras. Com a água do banho, rega as fruteiras, principalmente, no período seco.

“Depois que passamos a comer verduras, as crianças não adoecem mais com a freqüência de antes, gripam menos, estão mais saudáveis e não precisamos comprar vitaminas na farmácia. O SASOP é uma entidade muito importante, pois tem nos apoiado no melhoramento dos quintais, ensina como se deve preparar melhor a terra,

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JOVEM POETA E AGRICULTOR MOBILIZA JUVENTUDE DE SUA COMUNIDADE

fazer o plantio, explica sobre as culturas que melhor se desenvolvem no tipo de solo da região, como fazer os adubos e defensivos naturais para combater as pragas sem agredir a natureza e a nossa saúde. Através do projeto do SASOP, conseguimos também construir um galinheiro para proteger as aves da chuva e do sol forte”, acrescenta a agricultora.

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casa, tenho um pomar que serve de morada para as aves”, conta.

A organização do Sítio foi uma iniciativa de seu tio Pedrão, Pedro da Silva Ramos, quando retornou de São Paulo, em 1973. É uma área composta por casas somente de membros da família. Parte da plantação da roça é coletiva e, cada família, tem seu quintal com cisterna de bica. Como ainda não tem energia, as famílias, após o jantar, costumam fazer uma roda de conversa entre jovens, adultos e crianças para contar causos, piadas e discutir assuntos ligados a comunidade e em geral.

Hoje, Wilson tem 26 anos, é agricultor, faz parte da coordenação da catequese, anima os encontros da comunidade e está como agente de campo de projeto do SASOP. Antes de tudo, é poeta cordelista e tocador de violão. De segunda à sexta, Wilson se desloca para o Colégio Estadual João Paulo II, que fica na comunidade Barreiro do Espinheiro, para concluir o ensino fundamental. O jovem poeta e agricultor ainda não finalizou o ensino médio porque teve dificuldade de aceitar o que os professores ensinavam, sempre questionando. “Por não ser compreendido, deixava a escola antes concluir o ano. Aprendi muito com a própria natureza. Esta é a minha principal escola. Já escrevi vários cordéis. Um deles fala sobre uma das primeiras conquista da comunidade, as cisternas de bica, para consumo humano”, conta Wilson.

JOVEM POETA E AGRICULTOR MOBILIZA JUVENTUDE DE SUA COMUNIDADE

A comunidade queria

A comunidade queriaVer as cisternas chegarPorque todos os diasÁgua tinha que buscarE se tivesse cisternaDava pra facilitar

Foi Deus que ajudouAs famílias ganharAs cisternas que ajudamSuas vidas melhorarTem cisterna e alegriaDeus que veio abençoar

O jovem Wilson da Silva Sousa mora na comunidade Sítio Novo do Pedrão, no município de Campo Alegre de Lourdes, no estado da Bahia, a 900 quilômetros da capital. É filho

de Olímpio da Silva Ramos e de Vanda Sousa Silva. Nasceu em 1984 numa família que, tudo o que vêem transformam em arte. A cachaça brejeira, por exemplo, temperada em cascas e vagens de plantas nativas é degustada num copo produzido da madeira da umburana pelo seu pai.

Wilson, não poderia ser diferente, nasceu com o dom da escrita e poesia. É cordelista desde que aprendeu as primeiras letras. Confessa que no início imitava os versos do livro, O Vaqueiro Damião, que seu pai tinha. Foi a estória que mais lhe marcou quando tinha entre 5 e 6 anos de idade. Sua mãe, Vanda, diz que ele aprendeu a ler cedo com incentivo da irmã mais velha Sueli. Wilson tentou a vida em São Paulo, mas ficou apenas um ano. Logo percebeu que não conseguiria ficar longe da família e da algazarra dos pássaros. Além do mais, a poluição e os prédios os impediam de ver o pôr-do-sol. “A natureza é um alimento para a minha vida e de minha família. Por isso, ao redor da

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Foto Lise Guimarães

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Em 2007, quando soube que o governador Jacques Wagner iria à Campo Alegre de Lourdes, Wilson fez uma carta e entregou em mãos. O governador colocou a carta no bolso e abraçou o jovem, garantindo que iria ler. A carta falava sobre a luta da comunidade por água e fazia críticas a governos passados que perseguia sua comunidade por se opor à situação de miséria e abandono. Após a instalação do poço, Wilson escreveu o cordel:

Sítio Novo do Pedrão

A gente não tinha nadaPorque pela prefeituraEra de fato marcadaE eu sempre sonhandoCom escola, água e estrada.

O governador recebeu a cartaE no bolso colocouCom três anos depoisAs máquinas o poço furouFoi uma das obras mais belasQue o Sítio Novo ganhou.

Instalaram a caixa d’águaFizeram dois chafarizesA carta voltou pra mimComo as plantas e raízesHoje temos água e alegriaSomos um povo mais feliz.

Enquanto catequista, Wilson faz um trabalho com as crianças em sua comunidade todos os domingos e coordena o município junto a uma equipe paroquial. Além de seguir orientações para estudos bíblicos, prepara as crianças para a primeira comunhão, toca violão e faz brincadeiras. Seu maior desafio é manter os encontros com os jovens que acontecem também uma vez por semana. Muitos já desistiram porque foram tentar a vida em lugares maiores ou porque não se sentiam estimulados apenas participando de reuniões. Wilson conta que, após iniciar a formação que está fazendo com o SASOP, sente-se mais motivado para retomar as atividades com os jovens e, desta vez, com ações práticas. Tem a intenção de trabalhar a agroecologia e a convivência com o semiárido, a partir de ações práticas. Acredita que essa será uma maneira da juventude permanecer no campo, se reanimar e desenvolver a sua potencialidade e criatividade com novos experimentos tecnológicos.

QUINTAL AGROECOLÓGICO PROMOVE VIDA MAIS SAUDÁVEL

PARA A FAMÍLIA DE SALETE

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Maria Feitosa Barbosa, conhecida como Salete, mora na comunidade Barreiro do Espinheiro, município baiano de Campo Alegre de Lourdes. Salete tem 43 anos e é

casada com Oscar Alves Barbosa. O casal tem 5 filhos - Cláudio, Donizete, Cláudia, Danúbio e Priscila - e 5 netos - Raissa, Adriele, João Miguel, Davi e Pedro Henrique. Salete, que foi diretora sindical por dois mandatos e, em 2009, ocupou o cargo de Secretária de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) do município, desenvolve ainda o trabalho Primeiros Socorros pela Paróquia na comunidade, além de fazer preparação para batizados e casamentos.

O trabalho com quintais agroecológicos começou com seu irmão Júlio Feitosa, quando foi convidado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais para fazer um curso de caprinocultura no Instituto Regional da Pequena Agricultura Apropriada (IRPAA), em Juazeiro-BA. Ao retornar, fez um plano de água para avaliar o consumo da família e dos animais. Logo depois, o SASOP desenvolveu o Diagnóstico Rápido e Participativo (DRPA) na região, mostrando as fragilidades e potencialidades da comunidade. Nesse mesmo período, foi feito também o diagnóstico nutricional. A partir destas análises, a agricultora passou a trabalhar o seu quintal com o plantio de novas sementes, como girassol, sorgo, milheto, amendoim, melancia de cavalo, entre outras.

Em 2004, o SASOP apoiou a comunidade com a estruturação de 24 quintais. A chegada das cisternas de 16 mil litros de água para produção incentivou as famílias a cuidarem mais dos quintais, hortas e canteiros.

Beneficiamento de frutas e renda

No quintal de Salete tem laranja, manga, caju, banana, umbu, tangerina, goiaba, pinha, acerola e mamão. No período da safra do umbu, da goiaba e da acerola, ela guarda a polpa das frutas e

garante durante todo ano para o preparo de sucos, doces e geleias.

A principal renda da família vem do trabalho desenvolvido pelo seu esposo Oscar, como pedreiro na construção de cisternas. A segunda atividade geradora de renda é a apicultura, que também garante um alimento nutritivo para a família. A roça e a criação de galinhas servem para o consumo da família, atendendo a demanda de proteína animal e também vai para a comercialização.

QUINTAL AGROECOLÓGICO PROMOVE VIDA MAIS SAUDÁVEL

PARA A FAMÍLIA DE SALETE

No quintal, a família cultiva plantas utilizadas para fazer remédios caseiros, a exemplo do alecrim, hortelã, malvão, erva cidreira e mastruz. Com isso, deixam de comprar remédios de farmácia. “Acredito mais nos remédios caseiros, pois são bem melhores para a saúde. Preparo chás, tinturas, que servem para cicatrização e garrafadas, que tem a função da dipirona”, conta Salete.

O fato de ter participado de cursos e oficinas promovidos pelo o SASOP e pela Paróquia de Campo Alegre de Lourdes fez Salete perceber que as atividades

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BENEFICIAMENTO DA MANDIOCA FORTALECE REDE DE MULHERES

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contribuíram para aumentar seu conhecimento no preparo dos alimentos e para melhorar a saúde da sua família. “Eu tinha anemia e fiquei boa comendo folha seca da mandioca cozida no arroz ou no feijão. Fiz o tratamento durante um mês, mas como até hoje porque acho gostoso”, ensina.

Foto Maria de Lourdes Antunes

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Em Casa Nova, município onde a agricultura irrigada é foco da economia, existe a Rede de Mulheres que trabalha gênero e geração de renda a partir da economia solidária. Casa

Nova fica a 70 quilômetros de Juazeiro, cidade pólo do Território do Sertão do São Francisco. A Rede de Mulheres de Casa Nova e região, segundo Marileide Alves da Silva, conhecida por Leda, surgiu em 2001, a partir do trabalho desenvolvido pela Pastoral da Mulher da Diocese de Juazeiro.

Desde o início, a Rede Municipal e Regional têm como objetivo integrar as mulheres para refletir sobre o cotidiano e seus problemas. “A Rede busca melhorar a autoestima e faz esclarecimentos sobre vários assuntos, além de despertar as mulheres para a produção e geração de renda”, complementam Diva Carvalho e Beatriz Araújo, que fazem parte da coordenação da Rede Regional junto com Marileide. Beatriz, que participa de intercâmbios de experiências em outras cidades, anima e orienta o grupo de produção de alimentos. É ela quem traz a memória de seus antepassados nas receitas, sempre dosando com a criatividade do grupo.

A Rede Municipal hoje tem mais de 20 participantes e atua em 5 localidades do município de Casa Nova: na sede, em São Luiz, Santana do Sobrado, Melancia e Mucambo. As mulheres vivenciam experiências com funções diversificadas. Há as artesãs, as doceiras, as pescadoras, as agricultoras, as professoras e as garis.

Em 2006, a Rede sentiu necessidade de trabalhar geração de renda, já que algumas mulheres estavam desempregadas e outras precisando complementar a renda familiar. Assim, iniciou um trabalho com mulheres interessadas em beneficiamento de frutas nativas e produção de alimentos no quintal, por meio de cursos realizados pelo Instituto Regional de Pequena Agricultura Apropriada (IRPAA) e pelo SASOP.

Beatriz, que já tinha experiência com beneficiamento de derivados da mandioca, começou, nesse mesmo período, a realizar

capacitações com algumas mulheres da Rede dispostas a desenvolver um núcleo produtivo a fim de gerar renda, que ganhou o nome da avó de Beatriz “Tumásia: Arte e Sabor”, pois “ela tinha toda habilidade para a arte culinária, principalmente ao que se refere às delícias de nossa terra. Mesmo não tendo a oportunidade de aprender com ela, sinto a sua inspiração em tudo que faço”, emocionada revela Beatriz.

Atualmente, o grupo de beneficiamento é formado por seis mulheres que produzem biscoitos doces e salgados, petas, conhecida em outras regiões por avoadores, e sequilhos também conhecido por ginetes. Tudo feito da tapioca. Com o bom resultado, iniciaram outra linha de produção de bolos e salgados para festas, que fazem sob encomenda. “Ao longo desses anos, mesmo sendo pequena, é a renda mensal que tem mantido o grupo estimulado a dar continuidade”, conta.

A produção é desenvolvida no quintal da casa de Beatriz e, por não ter uma infraestrutura, o grupo avalia que falta produto e, não, mercado. Nas sextas e sábados, elas vendem na feira do centro da cidade de Casa Nova, e, aos domingos, em Santana do Sobrado. Semanalmente, abastecem supermercados e mercearias. O grupo recebe por produção e, cada participante, atinge uma média de 300 reais por mês.

Para Leda, a atividade que o grupo realiza com a tapioca como matéria prima, forma uma cadeia produtiva que, aos poucos, garante a renda para sobrevivência. Mais de 80% da tapioca é comprada no município, fortalecendo a atuação em rede, resgatando a tradição e a cultura dos produtos da tapioca. De acordo com

BENEFICIAMENTO DA MANDIOCA FORTALECE REDE DE MULHERES

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Foto Arquivo SASOP

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REDE DE MULHERES SURGE DE MOVIMENTO CONTRA A VIOLÊNCIA

o grupo, uma das maiores conquistas é fazer parte da Rede Sabor Natural do Sertão, que promove intercâmbios, integração, fortalece os grupos da região, facilita capacitações e reflexões sobre economia solidária, além de viabilizar as vendas em outros espaços regional e nacional, como as feiras, e a divulgação no exterior, em países como Itália e Alemanha. Beatriz, Diva e Leda afirmam que os desafios são muitos, como produzir de forma mais saudável, usando o ovo de galinha caipira, conhecida também como ovo de quintal. A perspectiva é participar da próxima Chamada Pública do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e fornecer para as escolas do município.

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A história da Rede de Mulheres de Remanso teve início em 1983, com a organização do Movimento de Mulheres para a realização de um Ato Público em repúdio à violência contra

mulheres assassinadas por seus companheiros. O problema vinha crescendo na região desde a década de 70, quando houve a mudança da cidade. O Movimento surge então para dar apoio às vítimas e fazer denúncias publicamente. O grupo contou com apoio da Paróquia, do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e do Centro de Educação Popular Luiz Nunes.

O grupo realizava caminhadas nas principais ruas da cidade e promovia atividades no dia 8 de Março para chamar atenção das autoridades, que não davam importância aos assassinatos e a violência, principalmente, a doméstica, que ocorria constantemente. Para sua sustentabilidade o Movimento de Mulheres começou a desenvolver trabalhos manuais com artesanato e remédios caseiros. O apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE) possibilitou a compra de uma máquina apropriada para bordados, melhorando a geração de renda do grupo.

Na década de 90, criaram o Programa de Rádio Desperta Mulher, veiculada na Rádio Comunitária Zabelê FM, para dar visibilidade aos trabalhos, estimular a participação de outras mulheres, dar dicas domésticas e de saúde, contribuir no processo de sensibilização e interagir com o público feminino. Atualmente, uma técnica do SASOP apoia na produção e apresentação do programa, mas o desafio é que seja assumido pelas mulheres da Rede.

Em 1998, surge a Rede de Mulheres Regional, abrangendo os municípios ligados a Diocese de Juazeiro e, em 2004, a Rede de Mulheres de Remanso torna-se pessoa jurídica. Nesse período, intensifica a elaboração de projetos com apoio da equipe do SASOP, buscando apoio financeiro para dar continuidade às ações de formação em gênero e geração de renda, a partir da criação de abelhas. Recentemente, as mulheres começaram a atuar com

criação de galinhas, produtos de limpeza, artesanato e beneficiamento de frutas e derivados da mandioca. Em 2002, a Rede inicia sua participação em intercâmbios de experiências, cursos e articulações regionais e nacionais, como a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a Rede Abelha Nordeste, o Fórum Baiano de Economia Solidária, a Articulação do São Francisco Vivo, o Fórum Regional de Entidades, o Território da Cidadania do Sertão do São Francisco, além de promover atividades para fortalecer as experiências locais.

REDE DE MULHERES SURGE DE MOVIMENTO CONTRA A VIOLÊNCIA

Como desafios, o grupo coloca a continuidade da formação educativa e política, além da organização do trabalho de geração de renda em todos os grupos das comunidades que atua. As mulheres apontam ainda a necessidade de garantir mais autonomia e qualificação para realizarem suas atividades com segurança. Hoje a Rede faz a atividade de geração de renda em quatro grupos dos nove que trabalha. As comunidades sócias da Rede são Salinas Grande, Xique-xique, Nova Esperança, Vereda das Minas, Ponta da Serra II, Pedrinhas, Caldeirão do Café, Lagoa do Garrote, Maravilha e Martinha.

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SALINAS GRANDE, UM EXEMPLO DE LUTA E ORGANIZAÇÃO

Atualmente, a Rede participa com o SASOP da Campanha de Apoio a Agricultura Familiar, apoiada pela Actionaid, em comunidades de Campo Alegre de Lourdes e Remanso. Esta Campanha tem contribuído para a aquisição de equipamentos para as unidades de beneficiamento de frutas, estruturação de quintais agroecológicos, construção de cisternas de produção de 16 mil litros e plantio de fruteiras. A Rede faz parte ainda do projeto de Fundo Rotativo Solidário com criação de galinhas, cabras e abelhas. As beneficiárias fazem a devolução como forma de dar continuidade ao projeto para que outras mulheres também tenham a mesma oportunidade.

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Rosilene dos Santos Silva é nascida e criada na comunidade Salinas Grande, localizada a 36 quilômetros da sede do município de Remanso, Bahia. Rosa, como é conhecida,

participa da luta comunitária há cerca de 20 anos, quando começou como animadora da Paróquia. É sócia do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, diretora da Associação Comunitária, membro e animadora da Rede de Mulheres e, atualmente, coordena a Minifábrica de Beneficiamento que está sendo construída na comunidade. É casada com Antônio Carlos Dias da Silva, que tem muito conhecimento sobre plantas medicinais e remédios caseiros. O casal não possui filhos.

Logo no início dos encontros dominicais, na década de 90, as mulheres eram maioria. Rezavam e conversavam com Rosilene e seus familiares, à sombra do juazeiro, sobre problemas ligados a comunidade. A primeira luta foi para a criação da Associação Comunitária Agropastoril dos Pequenos Produtores de Salinas Grande e Arredores, que teve o objetivo inicial de conseguir melhorias e ampliação da escola. A partir daí, a luta comunitária não parou e os homens começaram a participar mais, principalmente depois que se instalou um conflito de terra com um grileiro e as famílias. Esse processo está na justiça desde 2008.

Rosilene já participou de diversos intercâmbios. Em Uauá, Bahia, ela visitou a experiência de uma cooperativa de beneficiamento de frutas. Em Campo Alegre de Lourdes, conheceu uma Casa de Mel e quintais produtivos. Em São Raimundo Nonato, no Piauí, visitou o trabalho de mulheres com produção de sabonete, o local da fábrica de beneficiamento de frutas e a experiência com pintura em tecido. Para ela, participar dessas atividades é muito importante porque é uma forma de trocar experiências e aprender a superar obstáculos. Um dos desafios que Rosilene ainda continua enfrentando é a falta da compreensão de alguns homens que não permitem que suas esposas participem de atividades fora da comunidade. No início se sentia muito sozinha porque as mulheres queriam participar, mas eram impedidas por seus companheiros. Hoje, a maioria das mulheres participa das atividades e conta com o apoio dos esposos. Isso faz com que Rosilene se sinta menos sobrecarregada. Ela acrescenta que seu esposo não compreendia no início, mas hoje ele incentiva a organização das mulheres, apoia o trabalho e participa da luta comunitária.

Em 2004, 18 mulheres iniciaram um grupo para beneficiar frutas nativas, como maracujá do mato e umbu, fazendo doces, geleias e compotas. Da tapioca, produzem cambraias e ginetes, também conhecido por sequilhos. O trabalho é realizado na Associação de Moradores do Marcos (AMOMA), após convite da professora Zidália, através do Sindicato dos Trabalhadores (as) Rurais. Rosilene se emociona ao falar da importância do incentivo e do apoio de Zidália para

darem esse passo. O grupo vai uma vez por semana trabalhar na unidade de beneficiamento, que fica a 31 quilômetros de Salinas. Essa é uma maneira das mulheres se capacitarem, gerar renda, elevarem sua autoestima e conquistarem autonomia financeira com a entrada de recursos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O grupo também faz vendas individuais e nas feiras municipais com outros produtos, como o doce de leite da cabra, verduras e artesanato.

Com a inauguração da minifábrica de beneficiamento em Salinas Grande, construída em parceira com o SASOP, a expectativa das mulheres é aumentar a produção e participar da Chamada Pública Municipal do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). “Espero que o grupo se fortaleça, principalmente, junto àquelas mulheres que desistiram. É importante a mulherada não esmorecer e aprender a superar os obstáculos, pois isso faz parte da caminhada”, declara Rosilene.

Outra conquista importante para a comunidade foi a construção das cisternas de bica que a maioria das casas já possui. As cisternas de produção começaram a chegar em 2009, beneficiando cerca de 20 famílias, assim como as Bombas D’Água Popular (BAPs), que atendem muitas pessoas com seus animais e afazeres domésticos. Segundo Rosilene, a ampliação das fontes de água melhorou a qualidade de vida. Rosália Dias da Silva diz que seus filhos hoje comem bem e ainda tem economizado e garantido verduras o ano todo. Antes as mulheres só plantavam coentro e cebolinha em canteiros de forquilhas,

SALINAS GRANDE, UM EXEMPLO DE LUTA E ORGANIZAÇÃO

Foto Lise Guimarães

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tipo suspenso. Hoje cultivam alface, cenoura, pimentão, couve, tomate e pimenta. No início desse ano, cada família beneficiada recebeu 50 mudas de frutas e não vêem a hora de colher do quintal laranja, goiaba, limão, acerola, manga e caju. Rosilene acrescenta que o sonho da comunidade é a construção de uma casa de farinha equipada para garantir melhor preço e um produto de qualidade.

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