cleópatra - uma biografia - stacy schiff.pdf

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Nos dois milênios desde a sua morte, Cleópatra fixou sua imagem de vez no imaginário da humanidade, mas por motivos diversos, surgiram versões que pouco condizem com a realidade. Em um dos livros mais elogiados de 2010, a premiada biógrafa Stacy Schiff renova a imagem da última rainha do Egito. Embora tenha sido difícil discernir a verdade em meio a tantas versões fantasiosas como essas, Schiff consegue resgatar a mulher atrás do mito. Em Cleópatra: uma biografia, não encontramos a sedutora insaciável, mas a estadista sofisticada e muitas vezes ardilosa, que governou o Egito durante 22 anos.

—I—

AQUELAMULHEREGÍPCIA1

“Otraçomaisvaliosodeumhomeméosensocríticosobreaquiloemquenãoacreditar.”

EURÍPIDES2

Umadasmulheresmaisfamosasquejáexistiram,CleópatraVIIgovernouoEgitodurante22anos.Perdeu o reino uma vez, reconquistou-o, quase perdeu de novo, construiu um império, perdeutudo.Deusaemcriança,rainhaaosdezoitoanos,celebridadelogodepois,foiobjetodeespeculaçãoeveneração,deintrigaelenda,mesmoemnossotempo.Noaugedopoder,controlavapraticamentetoda a costa oriental do Mediterrâneo, o último grande reino de qualquer soberano egípcio.Duranteumbreveinstante,deteveodestinodomundoocidentalnasmãos.Teveum ilhocomumhomemcasado,trêscomoutro.Morreuaos39anos,umageraçãoantesdonascimentodeCristo.Acatástrofeéumcimentofirmeparaumareputação,eofimdeCleópatrafoisúbitoesensacional.Elaseinstalouemnossaimaginaçãodesdeentão.Muitagentefaloudela,inclusiveomaiordetodososdramaturgosepoetas;há2milanoscolocamospalavrasemsuaboca.Emumadaspós-vidasmaismovimentadasdahistória,jávirounomedeasteroide,videogame,umestereótipo,marcadecigarro,caça-níqueis, clube de striptease, sinônimo de Elizabeth Taylor. Shakespeare a irmou que amultiplicidadedeCleópatraerainfinita.Elenemimaginavaatéqueponto.O nome pode ser indelével, mas a imagem é vaga. Cleópatra pode ser

uma das iguras mais identi icáveis da história, mas não fazemos muitaideia de sua aparência.Apenas o retrato em moedas cunhadas em suavida,quedeve ter sidoaprovadoporela, pode ser aceito comoautêntico.Lembramos dela também pelas razões erradas. Soberana capaz,esclarecida,soubeconstruirumafrota,eliminarumainsurreição,controlaruma economia, aliviar a fome. Um eminente general romano con iava emsua visão de assuntos militares. Mesmo numa época em que mulheresgovernantesnãoeramraridade, ela sedestacou,únicamulherdomundoantigo a governar sozinha e a desempenhar um papel nos negóciosocidentais. Era incomparavelmente mais rica do que qualquer outrapessoanomundomediterrâneo.Etinhamaisprestígioquequalqueroutramulherdesuaépoca3, conformeumreiexaltadosedeucontaaomandarque fosseassassinada,duranteaestadadelaemseu reino (por causadesua importância, foi impossível fazê-lo). Cleópatra vinha de uma longalinhagemde assassinos emanteve ielmente a tradição familiar,mas era,emseutempoeseuespaço,notavelmentebem-comportada.Mesmoassim,

ainda é considerada uma tentadora ardilosa, e não é a primeira vez queuma mulher genuinamente poderosa é transformada numa mulherdesavergonhadamentesedutora.Como todas as vidas que se prestam à poesia, a de Cleópatra foi uma

vida de deslocamentos e decepções. Ela cresceu em meio a um luxoincomparável e herdou um reino em declínio. Durante dez gerações suafamília havia gerado faraós. Os Ptolomeus eram, na verdade, gregosmacedônios, o que faz de Cleópatra quase tão egípcia quanto ElizabethTaylor.Aosdezoitoanos,Cleópatrae seu irmãodedezanosassumiramocontroledeumpaíscomumpassadodepesoeumfuturovacilante.Miletrezentos anos separam Cleópatra de Nefertiti. As pirâmides, queCleópatra quase com certeza apresentou a Júlio César, já estavam cheiasdepichações.AEs ingepassaraporumaimportanterestauraçãomilanosantes.EaglóriadoImpérioPtolomaico,queumdiaforagrande,estavaseapagando.Cleópatratornou-seadultanummundoàsombradeRoma,quedurante sua infância havia estendido seus domínios até as fronteiras doEgito.QuandoCleópatratinhaonzeanos,Césarlembrouaseuso iciaisque,se não izessem guerra, se não conseguissem riquezas e dominassem osoutros,nãoseriamromanos.Umsoberanoorientalquetravouumabatalhaépica contra Roma articulou o que viria a ser, de maneira diferente, oproblema de Cleópatra: os romanos tinham temperamento de lobo.Odiavam os grandes reis. Tudo o que os romanos possuíam era fruto desaques. Pretendiam tomar tudo, e eram capazes de “destruir tudo oumorrertentando”4.Asimplicaçõesdissoparaoúltimopaísricoquerestavana esfera de in luência de Roma eram muito claras. O Egito havia sedistinguido por sua sagacidade nos negócios; em grande parte,mantinhasuaautonomia.Inclusive,jáhaviaseenvolvidonosnegóciosromanos.Em troca de uma inacreditável soma em dinheiro, o pai de Cleópatra

havia assegurado a designação de “amigo e aliado do povo romano”. Suailha iria descobrir que não bastava ser amiga daquele povo e daqueleSenado;eraessencial fazeramizadecomoromanomaispoderosodeseutempo.IssoexigiaumatarefadesconcertantenaRepúblicatardia,assoladaporguerrascivis.ElaseclodiramregularmenteaolongodetodaavidadeCleópatra, lançando uma sequência de comandantes romanos da épocaunscontraosoutrosnoqueera,emessência,umadisputatemperamentaldeambiçõespessoais,duasvezesdecididaemsoloegípcio.Cadaconvulsãoestremeciaomundomediterrâneo,quelutavaparacorrigirsuaslealdadeseredirigir seus tributos.Cleópatra tinhaempenhado tudocomPompeu,oGrande, o brilhante general romano sobre o qual a boa estrela parecia

brilhareternamente.Elesetornouopatronodafamília.Etambémentrouem guerra civil contra Júlio César, justamente quando, do outro lado doMediterrâneo, Cleópatra subia ao trono; Júlio César o fez sofrer umaderrota esmagadoranaGrécia central: noverãode48a.C. Pompeu fugiuparaoEgito,ondefoiapunhaladoedecapitadonumapraia.Cleópatratinha21anos.Nãohaviaescolhasenãotentarcairnasgraçasdonovosenhordomundoromano.Elaofezdeumjeitodiferentedamaioriadosoutrosreis,cujos nomes, não por acaso, hoje estão esquecidos. Durante os anosseguintes,elaseempenhouemvirara implacávelmaréromanaparaseulado, mudando de patrono outra vez depois do assassinato de César, eacabando por icar com seu protegido, Marco Antônio. À distância notempo, seu reino resume-se a uma moratória. Sua história estavaessencialmente terminada antes de começar, embora ela, claro, nãodevessepensar assim. ComamortedeCleópatra, oEgito se transformounuma província romana. Não conseguiu recuperar sua autonomia até oséculoXX.Pode-sedizeralgodebomsobreumamulherque foiparaacamacom

dois dos homensmais poderosos de seu tempo? Possivelmente sim,masnãonumaépocaemqueRomacontrolavaanarrativa.Cleópatraseviuemum dos cruzamentos mais perigosos da história: o cruzamento entremulheres e poder. Centenas de anos antes, Eurípides alertara quemulheres inteligentes eram perigosas. Um historiador romano icouplenamente satisfeito ao descrever uma rainha judia como mera iguradecorativae5,seispáginasdepois,condená-laporsuadesmedidaambiçãoe seu amor indecente pela autoridade. Um poder mais desconcertantetambémsefaziasentir.EmumcontratodecasamentodoséculoIa.C.6,umanoiva prometia ser iel e afetuosa. E, então, jurava não colocar poçõesamorosas na comida ou na bebida do marido. Não se sabe se CleópatraamavaAntônioouCésar,massabemosqueconseguiuqueosdois izessemo que ela queria. Do ponto de vista romano, ela “escravizou” ambos. Desaída, era um jogo empatado em zero a zero: a autoridade da mulhersigni icavaenganarohomem.QuandoperguntaramàesposadeAugusto,oprimeiro imperadorromano,comohaviaconseguido in luenciaromarido,ela parece ter respondido que o izera “sendo escrupulosamente casta 7,fazendo alegremente tudo o que o agradava, sem interferir em seusnegóciose,particularmente, ingindonãoouvirnemnotarasfavoritasqueeramobjetodaspaixõesdele”.Nãohárazãoparaseaceitaressa fórmulaliteralmente. JáCleópatraera feitadematériabemdiferente.Nodecorrerde uma agradável excursão de pesca, debaixo do lânguido sol da

Alexandria, ela não viu problema algum em lembrar ao mais famosogeneralromanodaépocaquaiseramsuasresponsabilidades.Para um romano, licenciosidade e ausência de lei eram propriedades

gregas. Cleópatra era duplamente suspeita, primeiro por vir de umaculturaconhecidaporseu“talentonaturalparaadissimulação” 8, edepoispor seu endereço alexandrino. Um romano não conseguia separar oexóticodoerótico;Cleópatraeraumíconedo Orienteoculto,alquímico,desua terra sinuosa, sensual, tão perversa e original quanto aquele rioinacreditável. Os homens que entravam em contato com ela pareciamperderacabeça,ou,pelomenos, repensarsuasprioridades.Elaperturbaatéabiogra iaquePlutarcoescreveudeMarcoAntônio.Eexerceomesmoefeitonumhistoriadordo séculoXIXque a descreve, ao encontrarCésar,como “uma garota muito solta de dezesseis anos”9. (Na verdade, ela erauma mulher de 21 anos, intensamente focada.) O canto da sereia doOriente existiamuito antes de Cleópatra,mas isso não importa: ela vinhadaembriagadoraterradosexoedoexcesso.NãoédifícilentenderporqueCésarvirouhistóriaeCleópatraviroulenda.Nossavisão icaaindamaisturvapelofatodeosromanosquecontaram

ahistóriadeCleópatraconheceremmuitobemsuaprópriahistóriaantiga,que contamina repetidamente seus relatos. Assim como Mark Twain noVaticano opressivo e rebuscado, nós às vezes preferimos as cópias aooriginal. Os autores clássicos também eram assim. Eles fundiam relatos,reformavam velhas histórias. Atrelaram Cleópatra a vícios de outrosdevassos. A história existia para ser recontada, commais verve,mas nãonecessariamente mais precisão. Nos textos antigos, os vilões semprevestem uma roupa púrpura especialmente vulgar, comem pavão assadodemais, se lambuzamcomrarosunguentos,derretempérolas.Fosseumatransgressorarainhaegípciacom fomedepoderouum impiedosopirata,ambos eram conhecidos pelas “odiosas extravagâncias” 10 de seusassociados. Iniquidade e opulência andavam de mãos dadas; o mundodeles se incendiava em púrpura e ouro. Outro empecilho é o fato de ahistória vazar para a mitologia, o humano para o divino. O mundo deCleópatraeraummundonoqualsepodiamvisitarasrelíquiasda liradeOrfeuouveroovoqueamãedeZeushaviachocado.(FicavaemEsparta.)A história é escrita não apenas pela posteridade, mas também para a

posteridade. Nossas fontes mais abrangentes nunca conheceramCleópatra.Plutarconasceu76anosdepoisdesuamorte.(EleescreveuaomesmotempoqueMateus,Marcos,LucaseJoão.)Apianoescreveucomumintervalo de mais de umséculo; Dio com mais de dois. A história de

Cleópatraédiferentedahistóriadamaioriadasmulheres,namedidaemque os homens que a narraram, por razões que lhes eram próprias,acabaramporampliaremvezdeapagaropapeldela.ArelaçãocomMarcoAntônio foiamais longadesuavida,masorelacionamentocomseurival,Augusto, foiomaisduradouro.Ele iriaderrotarAntônioeCleópatra.Paraenfatizar a glória, ele enviou a Roma uma versão sensacionalista de umarainhaegípciainsaciável,traiçoeira,comsededesangue,loucapelopoder.Ele ampliou Cleópatra a proporções hiperbólicas, de forma a fazer omesmocomsuavitória—etambémaremoverdoquadroseurealinimigo,o ex-cunhado. O resultado é como uma vida de Napoleão escrita porbritânicos no século XIX ou uma história dos Estados Unidos escrita noséculoXXporMaoTsé-tung.Ao time de historiadores excepcionalmente tendenciosos, acrescentem-

se registros muito irregulares. Não sobreviveu nenhum papiro deAlexandria. Quase nada das cidades antigas permanece acima do chão.Temos,talvezenomáximo,umapalavraescritaporCleópatra.(Em33a.C.,elaouumescribaassinouumdecreto real comapalavragrega ginesthoi,que signi ica “cumpra-se”.)Os autores clássicosnãodavam importância aestatísticasedevezemquandonemàlógica:seusrelatoscontradizemunsaos outros e a elesmesmos.Apianodescuidados detalhes, Josefo é inútilcom a cronologia. Dio prefere a retórica à exatidão. As lacunas são tãoregularesqueparecemdeliberadas;existealgoquechegamuitopróximode uma conspiração de silêncios. Como é possível que não se tenha nemum busto autêntico de Cleópatra, numa época de retratistas realistas etalentosos? As cartas de Cícero, dos primeiros meses de 44 a.C., quandoCésar e Cleópatra estavam juntos em Roma, nunca foram publicadas. Ahistória grega mais longa dessa época passa super icialmente pelotumultuosoperíodoemquestão.Édi ícildizeroquefazmaisfalta.Apianopromete mais sobre César e Cleópatra em seus quatro livros sobre ahistória egípcia, quenão sobreviveram.O relatodeTitoLívio terminaumséculo antes de Cleópatra. Conhecemos em detalhes o trabalho de seumédico pessoal apenaspor meio das referências de Plutarco. MesmoLucano interrompe seu poema épico de maneira abrupta e irritante,deixando César preso no palácio de Cleópatra, no começo da GuerraAlexandrina.E,naausênciadefatos,instala-seomito,apragadahistória.Os lapsos nos registros representam um problema, o que nós

construímosemtornodeles,outro.OsnegóciosdeEstadocaíramporterra,deixando-nos com os assuntos do coração. Umamulher exigente versadaem política, diplomacia e governo, luente em nove idiomas; articulada e

carismática, Cleópatra parece, mesmo assim, uma criação conjunta depropagandistas romanos e diretores de Hollywood. Ela é usada para pôrumrótulodeantiguidadeemumacoisaquesempresoubemosqueexistia:sexualidadefemininapotente.Eseutimingfoipéssimo.Nãosósuahistóriafoi escrita pelos inimigos, como ela teve a infelicidadede estar na cabeçade todo mundo bem no momento em que a poesia latina tomou formaprópria. Ela sobrevive literariamente numa língua que lhe é hostil. Asicções apenas proliferaram. George Bernard Shaw enumera entre suasvárias fontes paraCésar e Cleópatra sua própria imaginação. MuitoshistoriadoresbeberamemShakespeare,oqueécompreensível,maséumpoucocomotomaraspalavrasdeGeorgeC.ScottpelasdePatton.Restaurar Cleópatra signi ica resgatar uns poucos fatos e também

remover o mito incrustado e a propaganda envelhecida. Ela era umamulhergregacujahistória icouacargodehomenscujofuturoestavaemRoma, a maior parte deles funcionários do império. Seus métodoshistóricos são pouco claros para nós. 11 Eles raramente mencionam suasfontes.Con iavamemgrandepartenamemória.12Parapadrõesmodernossão polemistas, apologistas, moralistas, fabulistas, recicladores, fazemcortar-colar, sãohackers. Apesar de toda a sua erudição, o Egito nãoproduziunenhumbomhistoriador.Sóépossível lerdesse jeito.As fontespodem ser falhas,mas são as únicas que temos.Não existe concordânciauniversal na maior parte dos detalhes básicos da vida de Cleópatra,nenhumconsensosobrequemerasuamãe,quantotempoCleópatraviveuemRoma,quantasvezes icougrávida,seelaeAntôniosecasaram,oquetranspirounabatalha queselouseudestino,comoelamorreu.aTenteinãoperderdevistaquemeraumex-bibliotecárioequemeraumacelebridade,quemtinhaefetivamentevisitadooEgito,quemdesprezavaolugarequemnasceulá,quemtinhaproblemascommulheres,quemescreveucomozelode um romano convertido, quem queria acertar contas, agradar seuimperador, aperfeiçoar seus hexâmetros. (Con iei pouco em Lucano. Eleesteve na cena prematuramente, antes de Plutarco, de Apiano e de Dio.Masera tambémumpoetaeumsensacionalista.)Mesmoquandonãosãonemtendenciosos,nemconfusos,osrelatossãoquasesempreexagerados.Como já se apontou, na Antiguidade não havia história simples, semornamentos.13 O que interessava era assombrar.Não tentei preencher aslacunas,emboraàsvezestenhaencaradoessapossibilidade.Oqueparecemeramente provável continua aqui meramente provável — embora asopiniões variem radicalmente mesmo quanto às probabilidades. Oincompatível continua incompatível. De uma forma geral, restaurei o

contexto. Cleópatra efetivamentematou seus irmãos,masHerodesmatouseus ilhos. (Ele depois lamentou ser “omais infeliz dos pais”. 14) E, comonoslembraPlutarco,essecomportamentoeraaxiomáticoentresoberanos.Cleópatranãoeranecessariamentebonita,massuariqueza—assimcomoseu palácio — deixava Roma de boca aberta. As coisas eram lidas demodos muitos diferentes de um lado e do outro do Mediterrâneo. Asúltimas décadas de pesquisas sobremulheres da Antiguidade e do Egitohelênicoiluminamsubstancialmenteessequadro.Tenteiarrancarovéudomelodrama das cenas inais de sua vida, que reduz até mesmo crônicassóbriasanovelasromânticas.Mas,àsvezes,aaltadramaticidadeprevalecesobre a razão. A época de Cleópatra era de personalidades desmedidas,intrigantes. Ao inal, os maiores atores do período fazem uma saídaabrupta.Depoisdeles,ummundocomeçaadesmoronar.Embora existamuita coisa que não sabemos sobre Cleópatra, existemuita coisa que ela tambémnão sabia. Ela não sabia que estava vivendo no século I a.C., nem na era helenística, ambasconcepçõesmodernas.(AerahelenísticacomeçacomamortedeAlexandre,oGrande,em323a.C.,etermina293anosdepois,comamortedeCleópatra.Talveztenhasidomelhorde inidacomoumaeragregaemqueosgregosnãodesempenharampapelalgum.15)ElanãosabiaqueeraCleópatraVII por várias razões, uma das quais é que era, na verdade, a sexta Cleópatra. Jamais conheceualguém chamado Otaviano. O homem que a venceu e a depôs, que provocou seu suicídio e emgrandeparteembalou-aparaaposteridade,nasceuCaioOtávio.NaépocaemqueentrounavidadeCleópatrademodosigni icativochamava-seCaioJúlioCésar,emhonradoilustretio-avô,amantedela, queo adotouemseu testamento.Hojeo conhecemos comoAugusto, títuloqueassumiu trêsanosdepoisdamortedeCleópatra.Eleaquiaparece comoOtaviano,porque, comosempre, sehádoisCésares,umestádemais.A maioria dos nomes de lugares mudou desde a Antiguidade. Segui a

orientação sensata de Lionel Casson ao optar por familiaridademais quepor coerência. Por isso, Beritus aqui é Beirute, enquanto Pelúsio— quenão existemais,masquehoje estaria a leste dePort Said, na entradadoCanaldeSuez—permanecePelúsio.Damesmaforma,opteisemprepelagra ia inglesa em vez da transliteração. b O rival de César aparece comoPompeu,enãocomoGnaeusPompeiusMagnus;orepresentantedeCésarcomoMarcoAntônio,enãocomoMarcusAntonius.Sobmuitosaspectos,ageogra ia mudou, litorais afundaram, pântanos secaram, montanhasdesmoronaram. Alexandria é mais plana hoje do que no tempo deCleópatra. A cidade já não se lembra de seu antigo projeto de ruas; nemrebrilhabranca.ONiloestáquasetrêsquilômetrosmaisaleste.Apoeira,oar marinho abafado, os crepúsculos que se derretem em púrpura nãomudaram.Anaturezahumanacontinuaincrivelmentecoerente,a ísicadahistória imutável. Relatos em primeira mão continuam divergindoincrivelmente.c Durante bem mais de 2 mil anos, um mito foi capaz desuperaresobreviverao fato.Anãoseronde indicado, todasasdatassão

a.C.

Notas

a Nemosescritoresde icçãoconseguemconcordarsobreoamordeCésarporCleópatra.Bemaquer(Handel);malaquer(Shaw);bemaquer(ThorntonWilder).

bAquitraduzidasparaagrafiaemportuguês.(N.T.)c Comosempre,desde tempos imemoriais. “Eoesforçoparaveri icaresses fatos foiuma tarefa

laboriosa, porque aqueles que foram testemunhas oculares de vários eventos não fazem asmesmasdescriçõesdasmesmascoisas,masosrelatosvariamdeacordocomopendorparaumlado ou outro, ou de acordo com a lembrança de cada um”, resmungou Tucídides, cerca dequatrocentosanosantesdeCleópatra.(HistoryofthePeloponnesianWar,I,XXII.4-XXIII.3.)

—II—

OSMORTOSNÃOMORDEM1

“Éumabênção,umasorteverdadeira,quandoalguémtemtãopoucosparentes.”

MENANDRO2

Naquele verão, ela reuniu um bando demercenários num acampamento do deserto, sob o calorvidrado do sol da Síria. Tinha 21 anos, era órfã e exilada. Já conhecera tanto o excesso de sortecomo sua espalhafatosa companheira, a calamidade: acostumada aomaior luxo de sua época, elamantinhasuacorteatrezentosquilômetrosdasportasdeébanoepisosdeônixdesuaterra.Suatenda emmeio àsmoitas do deserto era omais próximodisso a que ela chegara emum ano. Aolongodessesmeses,elalutarapelavida, fugindopeloMédioEgito,pelaPalestina,pelosuldaSíria.Haviapassadooverãopoeirentoreunindoumexército.Asmulheres de sua família eram boas nisso, e ela não icava atrás, ao

menos talentosa o su icienteparaqueo inimigo tivessemarchado ao seuencontro. Perigosamente próximos, não longe da fortaleza litorânea dePelúsio,nafronteiraorientaldoEgito,havia20milsoldadosveteranos,umexército do tamanho de quase metade daquele com que Alexandre, oGrande, havia conquistado o mundo três séculos antes. Este, porém, erauma assombrosa reunião de piratas e bandidos, foras da lei, exilados eescravosfugidossobocomandotitulardeseuirmãodetrezeanos.Aoladodele, ela herdara o trono do Egito. Ela o deixara de lado; ele a banira doreino sobre o qual deveriam reinar juntos, como marido e mulher. Oexército de seu irmão controlava as muralhas de tijolos vermelhos dePelúsio, suas maciças torressemicirculares de seis metros de altura. Elaacampoumaisaleste,aolongodacostadesolada,naardenteareiaâmbardomar.Abatalhaestavaàespreita.Suaposição,namelhordashipóteses,eradesesperadora.Pelaúltimavezem2mil anos,Cleópatra está foradecena.Emquestãodedias,elaselançaránahistória,oquequerdizerque,diantedoinevitável,elarevidarácomoimprovável.Oanoé48a.C.Por todo oMediterrâneo uma “estranha loucura” paira no ar, cheia de

presságios e augúrios, de boatos extravagantes. O tom era de nervosaexasperação. Era possível estar ansioso e animado, poderoso e temeroso,tudo numa mesma tarde. Alguns boatos mostraram-se verdadeiros. Nocomeço de julho, Cleópatra icou sabendo que a guerra civil romana —

uma disputa que opunha o invencível Júlio César ao indômito Pompeu, oGrande—estavaparacolidircomadela.Eraumanotíciaalarmante.Poisdesde criança Cleópatra lembrava que os romanos eram protetores dosmonarcasegípcios.Elesdeviamseu tronoàquelepoderperturbador,queao longo de poucas gerações havia conquistado amaior parte domundomediterrâneo. Além disso, desde que se lembrava, Pompeu era amigoparticular de seu pai. General brilhante, ao longo de décadas Pompeuacumulara vitórias na terra e no mar, dominando nação após nação, naÁfrica, naÁsia enaEuropa.TantoCleópatra comoPtolomeuXIII, o irmãocomquemelaestavaemchoque,deviamaele.Diasdepois,Cleópatradescobriuqueaschancesdemorrerpelasmãos

de alguémque lhedeveum favor eramexatamente iguais às chancesdemorrer pelas mãos de um membro de sua família imediata. Em 28 desetembro,PompeuapareceunacostadePelúsio.TinhasidoderrotadoporCésar.Desesperado,estavaembuscadeumrefúgio.Logicamentepensouno jovem rei cuja família havia apoiado e que tinhaumadívidaprofundacomele.Nenhumpedidoquefizessepoderia,deboa-fé,sernegado.Ostrêsregentesque,emessência,governavamparaojovemPtolomeu—Teódoto,seuprofessorderetórica;Aquilas,oousadocomandantedaguardareal;ePotino,oeunucoquehabilmenteacumularaospapéisdetutordeinfânciae de primeiro-ministro— estavam em desacordo. A chegada inesperadapropunha uma di ícil decisão, que eles discutiram acaloradamente. Asopiniõesdivergiam.DispensarPompeuerafazerdeleuminimigo.Recebê-loerafazerdeCésaruminimigo.SeeliminassemPompeu,elenãopoderiaoferecerajudaaCleópatra, comquemsimpatizava.Nempoderia instalar-se ele próprio no trono do Egito. “Osmortos nãomordem” foi o conselhoirrefutáveldeTeódoto,oprofessorde retóricaque,depoisdeprovarporsimplessilogismoquenãopodiamnem icaramigos,nemofenderPompeu,pronunciouessa frasecomumsorriso.Eledespachouumamensagemdeboas-vindas e um “barquinho traiçoeiro” para o romano. 3 Pompeu nemtinhapisadoemterraquando,naságuasrasasdePelúsio,aplenavistadoexército de Ptolomeu e do pequeno rei com seu manto púrpura, foiesfaqueadoatéamorteeteveacabeçaseparadadocorpo.a

Mais tarde, César tentaria entender o sentidodessa selvageria. Amigosmuitas vezes se transformam em inimigos em tempos de desgraça, eleadmitiu. Podia igualmente ternotadoque emépocadedesgraça inimigosse reinventam como amigos. Os conselheiros de Ptolomeu decapitaramPompeu sobretudo para ganhar favores junto a César. Quemeiomelhorhaveria para serem benquistos pelo senhor indiscutível do mundo

mediterrâneo? Pela mesma lógica, os três haviam simpli icado as coisasparaCleópatra.Naguerracivilromana—con litodetamanhaintensidadequepareciamenosumcon litoarmadodoqueumapeste,umaenchente,umincêndio—,4elapareciaagoraterapoiadooladoperdedor.Três dias depois, Júlio César aventurou-se a aportar na capital egípcia,

emperseguiçãoaseurival.5Chegouantesdogrossodesuastropas.Comograndemetrópole, Alexandria abrigava espertezamaliciosa,moral dúbia,roubo. Seus residentes falavamdepressa, emmuitas línguas e aomesmotempo;acidadedeleseraexcitável,detemperamentosexplosivosetensos,de mentes vibrantes. Já estava fermentando a inquietação que essesegundorelancedevermelhoimperialexacerbava.Césarforacauteloso aomodular a alegria por sua vitória e continuava sendo-o. Quando Teódotoapresentou-lheacabeçadePompeu,cortadatrêsdiasantes,Césarvirouorosto, horrorizado. E caiu em prantos. Em parte, talvez genuíno: Pompeuhaviasidoumdianãoapenasseualiado,masseugenro.Seosconselheirosde Ptolomeu pensavam que essa repulsiva recepção iria deter César,estavam enganados. Se César pensava que o assassinato de Pompeuconstituíaumvotoa seu favor, ele tambémestavaerrado,pelomenosnoque dizia respeito aos alexandrinos. Ele foi recebido com tumultos numaterra em que ninguém era menos bem-vindo que um romano,principalmente um romano que trazia as pompas o iciais do poder. Namelhor das hipóteses, César iria interferir nos negócios. Na pior, estariapensando em conquista. Roma já havia reconduzido ao poder um reiimpopularque,parapioraras coisas,havia criado impostosparapagaradívida dessa restauração. Para começar, os alexandrinos não se davamotrabalho de pagar o preço por um rei que não queriam. Tampoucoqueriamsetornarcidadãosromanos.Césarinstalou-secomsegurançanumpavilhãoemterrenodopaláciode

Ptolomeu, junto aos ancoradouros reais, na parte oriental da cidade. Oscon litoscontinuaram—ovozerioeotumultoecoavamruidosamentepelacolunata das ruas —, mas no palácio ele estava a salvo de qualquerperturbação. Pediu reforços a toda pressa. E, ao fazê-lo, convocou osirmãosemchoque.César sentiuqueerasuaobrigaçãoarbitraradisputaentreeles,como,dezanosantes,opaideleshaviaatendidoaeleePompeu.Um Egito estável era muito interessante para Roma, sobretudo quandohaviadívidassubstanciaisaserempagas.ConformeopróprioCésarhaviapouco tempo antes sugerido a seu rival, estava na hora dos partidos emguerra“poremum imemseucomportamentoobstinado,abandonaremalutaarmadaenãodesafiaremmaisasorte”.6Cleópatraeseuirmãodeviam

tercompaixãoporsipróprioseporseupaís.A convocação deixava Cleópatra com algumas explicações a dar, assim

comocertoplanejamentoafazer.Tinhatodasasrazõesparadefenderseucaso prontamente, antes que os conselheiros de seu irmão pudessemcomprometê-la. O exército dele efetivamente a mantinha fora do Egito.EmboraCésar tivesse solicitadoqueeleodesbaratasse,Ptolomeunão fezesforço nesse sentido. Deslocar seus homens para oeste, pelas areiasdouradas,nadireçãodafronteiraedasaltastorresdePelúsio,seriacorrero risco de um enfrentamento. Segundo um relato, ela entrou em contatocomCésarpormeiodeum intermediário, então, convencidadeque tinhasidotraída(elanãoerabenquistaentreoscortesãosdopalácio),resolveudefender-se sozinha. O que a fez ponderar como atravessar as linhasinimigas, cruzar uma fronteira bem-guardada e entrar num paláciovigiado,secretamenteeviva.AfamadeCleópatraviriaaseapoiaremseudom de exibicionismo, mas em seu primeiro e maior lance político, odesa ioerasefazerinconspícua.Tambémsegundopadrõesmodernossuasituaçãoeracuriosa.Paramarcarsuapresença,parasuahistóriaterinício,essamulhertinhadevoltarparacasacamuflada.Evidentemente, houve certa deliberação. Plutarco nos conta que

“Cleópatraestavaperdida7,nãosabiacomoentrarsemserdescoberta”atéqueela—oualguémdeseuséquito,elatambémtinhaseuscon identes—formulouumardilbrilhante.Serianecessárioumensaio.Edependeriadediversoscúmplicesexcepcionalmentehábeis,umdelesumlealfornecedorsiciliano chamado Apolodoro. Entre a península do Sinai, onde Cleópatraestavaacampada,eopaláciodeAlexandria,ondeelahaviacrescido,haviaum pântano traiçoeiro, cheio de ácaros e mosquitos. Essa planíciepantanosaprotegiaoEgitodeinvasõesdoleste.Ganharaseunomeporsuacapacidade de devorar exércitos inteiros, coisa que as areias pesadasfaziam com “malévola astúcia”. 8 As forças de Ptolomeu controlavam olitoral,ondeocorpodePompeusedecompunhanumtúmuloimprovisado.A rota mais direta e simples para oeste era, portanto, não pelas poçaslamacentas de Pelúsio, nem ao longo do Mediterrâneo, onde Cleópatraestariaexpostaesujeitaaumafortecorrentecontrária.Faziamaissentidoum desvio para o sul, subir o Nilo atéMên is, depois velejar de volta aolitoral, uma viagem de pelo menos oito dias. A rota do rio também nãodeixava de ter seus perigos; tinha um tráfego pesado e eracuidadosamentevigiadaporagentesalfandegários.AolongodoturvoNilo,Cleópatra deve ter velejado, com um vento forte e uma horda demosquitos, em meados de outubro.Nesse meio-tempo, os conselheiros e

Ptolomeu rejeitaram a convocação de César. Como um general romanoousavaconvocarumrei?Omenosgraduadodevia iratéosuperior,comoCésarsabiamuitobem.Então Apolodoro manobrou silenciosamente um barquinho de dois

remospeloportoorientaldeAlexandriaepassouporbaixodamuralhadopalácio logo depois do anoitecer. Junto à costa, estava tudo escuro,enquantoàdistânciao litoralplanoera iluminadopelomagní ico farolde120metrosdealtura,umadasmaravilhasdomundoantigo.Aquelacolunaluminosa icava amenosdeumquilômetrodeCleópatra, na extremidadedeumapassagemconstruídapelohomem,nailhadeFaros.Porém,mesmoàsuaforteluz,elanãoeraabsolutamentevisível.EmalgumpontoantesdeApolodoro atracar seu barco, ela engatinhou para dentro de um grandesaco de estopa ou de couro, no qual se acomodou estendida. Apolodoroenrolouopacoteeprendeu-ocomumacordadecouro,pendurando-odoombro, única pista que temosda estatura de Cleópatra. Ao suave lamberdas ondas, ele partiu para a área do palácio, um complexo de jardins emansões multicoloridas, de caminhos ladeados por colunas, que seestendia por quase dois quilômetros, ou um quarto da cidade. Era umaáreaqueApolodoro,quecertamentenãoremaradodesertosozinho,masdevia ter planejado a volta da rainha, conhecia bem. Em seu ombro,Cleópatrapassoupelosportõesdopalácio,diretamenteparaosaposentosdeCésar, quartosque efetivamentepertenciama ela. É a voltapara casamais original da história.Muitas rainhas emergiramda obscuridade,masCleópatra é a única a ter entrado no palco domundo dentro de um sacorústico,o tipodebolsaemqueusualmenteseguardavamrolosdepapiroou se transportava alguma pequena fortuna em ouro. Artimanhas edisfarceseramfáceisparaela.Emoutraocasião,posterior,elaconspirariacom uma outra mulher em perigo para fazê-la escapar num caixão dedefunto.Não se sabe se o desvendamento ocorreu na presença de César. De

qualquerforma,éimprovávelqueCleópatraparecesse“majestosa” 9 (comodiz uma fonte), ou coberta de ouro e pedras preciosas (como pretendeoutra),oumesmomedianamentebem-penteada.Desa iandoa imaginaçãomasculina, cincoséculos de história da arte e duas das peças maisimportantes da literatura inglesa, ela estaria inteiramente vestida, comumalongatúnicadelinhocolanteesemmangas.Oúnicoacessóriodequeprecisava era aquele que apenas ela entre as mulheres egípcias tinha odireito de usar: o diadema, ou uma larga ita branca, que indicava ummonarca helênico. É pouco provável que ela tenha aparecido diante de

Júlio César sem um diadema em torno da testa e amarrado atrás. Do“conhecimento de como se fazer agradável a todos”10 dominado porCleópatra temos, por outro lado, provas abundantes. No geral, o que sesabe é que era impossível conversar com ela sem icar imediatamentecativado.11Paraessaaudiência,aousadiadamanobra,aapariçãosurpresadajovemrainhanossalõessuntuosamentepintadosdesuamorada,queopróprio César mal podia penetrar, mostrou-se um encantamento. Emretrospecto,o choqueparece ter sido tantopolíticocomopessoal.Oabalofoi aquele gerado quando, num instante singular e estremecedor, duascivilizações, caminhando em direções diferentes, inesperada emomentaneamentesetocaram.Celebrado tantopelavelocidadecomopela intuição, JúlioCésarnãoera

homem que se surpreendesse com facilidade. Estava sempre chegandoantes do que era esperado e à frente dos mensageiros enviados paraanunciá-lo.(Naqueleoutono,eleestavapagandoopreçoporterprecedidosuaslegiõesnoEgito.)Seamaiorpartedeseusucessopodiaserexplicadapela “rapidez e imprevisibilidade de seus movimentos”, 12 no mais eleraramente se desconcertava, armado para todas as contingências, umestrategista lúcido e preciso. Sua impaciência sobrevive a ele: o quesigni icaVeni, vidi, vici (a frase estava aindaumanono futuro) senãoumhinoàe iciência?Tão irmeerasuapercepçãodanaturezahumanaquenabatalha decisiva daquele verão ele havia instruído seus homens a nãoapenasatirarosdardos,masmirá-losnosrostosdoshomensdePompeu.Avaidadedeles,prometera, iriasemostrarmaiorquesuacoragem.Eeleestavacerto:oshomenscobriramorostoefugiram.Aolongodosdezanosprecedentes, César havia superado os obstáculos mais improváveis erealizadoosfeitosmaisassombrosos.Homemquenuncaofendiaafortuna,ele sentia mesmoassim que ela suportava uns cutucões; era o tipo deoportunistaquefazgrandealardedesuaboasorte.Aomenosemtermosdeengenhosidadeeaudácianasdecisões,eletinhadiantedesiumespíritoafim.Emoutroâmbito, a jovemrainhaegípcia tinhapoucoemcomumcomo

“homem saciado de amor, já distante do auge”. 13 (César tinha 52 anos.)Suasconquistasamorosaseramtão lendáriasevariadascomoseus feitosmilitares. Na rua, o homem elegante, de rosto anguloso com os olhosnegrosevivoseosmalaressalienteserasaudado(oexageroestáapenasnasegundaalegação)como“ohomemdetodamulhereamulherdetodohomem”.14 Cleópatra tinha sido casada durante três anos com um irmãoqueera,segundotodososrelatos,“apenasummenino” 15eque—mesmo

queaos trezeanos tivesseatingidoapuberdade,oque,pelospadrõesdaAntiguidade,eraimprovável—tentaradurantequasetodoessetemposelivrardela.Cronistasposterioresquali icariamCleópatrade “ ilha impurade Ptolomeu”, uma “sereia sem par”, uma “prostituta pintada” cuja“impudência custou caro a Roma”. 16 O que essa “rainha meretriz” muitoprovavelmente não tinha quando se materializou diante de César emoutubrode48eraqualquerexperiênciasexual.Na medida em que as duas coisas possam ser separadas, a

sobrevivênciamaisqueaseduçãoeraaprimeiracoisaqueCleópatratinhaemmente.Comotinhamamplamentedemonstradoosconselheirosdeseuirmão, o prêmio era o favor de César. Era imperativo que Cleópatra sealinhasse com ele e não com o benfeitor da família, cuja campanha elahavia apoiado e cujo corpo sem cabeça se decompunha numa praia doMediterrâneo. Nessas circunstâncias, não existe qualquer razão parasuporqueCésarfossefavorávelaela.Deseupontodevista,umjovemreicom um exército sob seu comando e a con iança dos alexandrinos era amelhoraposta.Porém,PtolomeutinhaosanguedePompeuemsuasmãos;eCésardevetercalculadoqueopreçoapagaremRomaporsealiarcomassassinosdeseuconterrâneoseriamaiordoqueopreçoporajudarumarainha deposta e desamparada.Hámuito ele havia entendido que “todosos homens trabalham com mais empenho contra seus inimigos do quecooperam com seus amigos”. 17 Pelo menos num primeiro momento,CleópatrapodeterdevidoavidamaisàcensuradeCésaraseuirmãoeasua insatisfação com os conselheiros de Ptolomeu — que di icilmentepareceriam o tipo de homens com que se acertam questões inanceirascomfranqueza—doqueaseusprópriosencantos.Elatambémtevesorte.Como aponta um cronista, outro homem poderia ter trocado a vida delapeladePompeu.eu.CésarpodiamuitobemtermandadocortaracabeçadeCleópatra.18

Geralmente, o comandante romano era de disposição serena.Perfeitamentecapazdematardezenasdemilharesdehomens,igualmentefamoso por suas demonstrações de clemência, mesmo com inimigosferrenhos,àsvezesduasvezescomomesmohomem.“Nadaeramaiscaroa seu coração”, 19 a irmou um de seus generais, “do que perdoar ossuplicantes.”Umasuplicantecorajosa,realearticuladasemdúvidaestariaem primeiro lugar nessa lista. César tinha outras razões para simpatizarcom essa: quando jovem, ele também tinha sido um fugitivo. Ele tambémtinha cometido erros políticos caros. Embora a decisão de receberCleópatra possa ter sido lógica naquele momento, levava a uma das

decisões mais arriscadas da carreira de César. Quando ele conheceuCleópatra,elaestavalutandopelavida.No inaldooutono,ambosestavam.Duranteosmeses seguintes, César se viu cercado, batidoporum inimigoengenhoso e disposto a lhe dar o primeiro gosto da guerra de guerrilha,numacidadecomaqualnãoestavafamiliarizadoenaqualnumericamenteera superado em muito. Com certeza Ptolomeu e o povo de Alexandriamerecemalgumcréditoporfazeremcomqueogeneralàbeiradacalvícieeaágile jovemrainha,encerrados juntosduranteseisenervantesmesespor trás de barricadas construídas às pressas, terminassem aliadospróximos, tão próximos que no começo de novembro Cleópatra se deucontadequeestavagrávida.

Jásedissequeportrásdetodagrandefortunaexisteumcrime;osPtolomeuseramfabulosamentericos.Descendiamnãodos faraósegípcios cujo lugarassumiram,masdemacedôniosbelicosos,devida dura (terras duras geram homens duros, Heródoto já dissera), que tinham produzidoAlexandre, o Grande. Meses depois da morte de Alexandre, Ptolomeu, o mais empreendedor deseus generais, seu provador o icial, amigo íntimo de infância e, segundo alguns relatos, parentedistante, reclamou o Egito. Numa demonstração precoce do dom de teatralidade da família,Ptolomeu raptou o corpo de Alexandre, o Grande. O corpo havia sido enviado para aMacedônia.Nãoseriamuitomaisútil, raciocinouo jovemPtolomeu, interceptarocortejo fúnebrenoEgito,emúltimaanáliseemAlexandria, cidadequeograndehomemhavia fundadopoucasdécadasantes?Lá ele seria redirigido e exposto num sarcófago de ouro no centro da cidade, uma relíquia, umtalismã, um reforço, uma apólice de seguro.20 (Na infância de Cleópatra, aquele sarcófago era dealabastrooudevidro.Premidopelanecessidadedefundos,seutio-avôtinhatrocadoooriginalporumexército.Elepagouasubstituiçãocomavida.)A legitimidade da dinastia ptolomaica repousaria nessa tênue conexão

com a igura mais notória da história do mundo antigo, aquela com quetodos os aspirantes se comparavam, com cujo manto Pompeu havia seenvolvido, cujos feitos diziam reduzir César a lágrimas de frustração. Oculto era universal. Alexandre desempenhava um papel tão ativo naimaginaçãoptolomaicacomonaromana.Muitoslaresegípciosexibiamumaestátua dele.21 Tão forte era esse aspecto romântico, e tão moldável ahistória do século I, que viria a dar origem à versão de que Alexandredescendia de um mago egípcio. Logo se dizia que ele era aparentado àfamília real; como todo arrivista que se dá ao respeito, os Ptolomeustinham o dom de recon igurar a história. b Sem renunciar sua herançamacedônia,osfundadoresdadinastiacompraramparasiumpassadoquelhes atribuía legitimidade, o equivalente do mundo antigo ao escudo dearmas comprado pelo correio. A verdade era que os Ptolomeusdescendiam da aristocracia macedônia, sinônimo de alta dramaticidade.

Consequentemente, ninguém no Egito considerava Cleópatra egípcia. Elaprovinha, em vez disso, de uma linhagem de rainhas macedôniasrancorosas, intrometidas, astutas, às vezesdesequilibradas, linhagemquecompreendia a Olímpia do século IV, cuja maior contribuição ao mundohaviasidoseufilho,Alexandre,oGrande.Orestanteeramatrocidades.Se fora do Egito os Ptolomeus ligavam-se à narrativa de Alexandre, o

Grande,dentrodopaíssualegitimidadeprovinhadeumaligaçãofabricadacom os faraós. Isso justi icava a prática de casamento entre irmãos,entendida como costume egípcio. Entre a aristocracia macedônia, haviaamplosprecedentesàeliminaçãodeumairmã,nenhumaocasamentocomela. Tampouco havia uma palavra grega para “incesto”. Os Ptolomeuslevaramaprática aoextremo.Dosquinzeoumais casamentos familiares,ao menos dez eram uniões de irmão e irmã. Dois outros Ptolomeuscasaramcomsobrinhasouprimas.Podem ter feito issopela simplicidadedoarranjo;ocasamentoendogâmicominimizavatantoospretendentesaotrono como parentes inconvenientes. Eliminava o problema de encontrarcônjugeadequadoemterraestrangeira.Reforçavatambémocultofamiliardeformae iciente,bemcomoostatusexaltadoeexclusivodosPtolomeus.Seascircunstânciastornavamocasamentoendogâmicoatraente,umapeloao divino — outro recurso de linhagem familiar inventada — tornava-oaceitável.Tantososdeusesegípcioscomoosgregoscasavamentreirmãos,embora se pudesse argumentar que Zeus e Hera não eram exemplos lámuitorecomendáveis.Apráticanão resultava emdeformidades ísicas,mas tornava a árvore

genealógica um arbusto não muito bonito. Se os pais de Cleópatra eramirmãosdiretos, comoprovavelmenteoeram,elapossuíaapenasumcasalde avós. Esse casal era, incidentalmente, também tio e sobrinha. E sealguémcasassecomoprópriotio,comoeraocasodaavódeCleópatra,seupai seria também seu cunhado. Se por um lado a endogamia pretendiaestabilizar a família, por outro tinha um efeito paradoxal. A sucessão setransformouemumacrisepereneparaosPtolomeus,queexacerbavamaquestão com venenos e adagas. O casamento endogâmico consolidava ariquezaeopoder,masemprestava umnovosigni icadoàrivalidadeentreirmãos, ainda mais notável entre parentes que rotineiramenteacrescentavamepítetosbenevolentesaosseus títulos. (Emtermoso iciais,Cleópatraeseuirmão,dequemelaestavafugindopelavida,eramosTheoiNeoiPhiladelphoiou“NovosDeusesIrmãosAmorosos”.)Erararoencontrarum membro da família que não tivesse liquidado um ou dois parentes,Cleópatra VII inclusive. Ptolomeu I casou com sua meia-irmã, que

conspiroucontraelecomseus ilhos,doisdosquaiselematou.Primeiraaser adorada como deusa em vida, ela presidiu uma idade dourada dahistóriaptolomaica.Essaeratambémumaconsequêncianãointencionaldocasamentoentre irmãos:deum jeitooudeoutro, valorizava asprincesasptolomaicas. Sob todos os aspectos, iguais a seus irmãos e maridos, aspredecessorasdeCleópatratinhamconsciênciadeseuvalor.Elasforamsea irmando progressivamente. Os Ptolomeus não facilitaram nada para osfuturos historiadores em termos de nomenclatura: todas asmulheres darealeza eram Arsínoes, Berenices ou Cleópatras. São mais facilmenteidenti icáveis por suas medonhas maldades do que por seus nomes,embora a tradição se mostrasse imutável em ambos os aspectos: váriasCleópatras, Berenices e Arsínoes envenenaram osmaridos, assassinaramirmãos e proibiram qualquermenção a suasmães— oferecendo depoismonumentosesplêndidosàsmemóriasdessesparentes.22

Ao longodegerações,a família sepermitiuoque foi chamadode “umaorgia de pilhagem e assassinato”, 23 horripilante mesmo para padrõesmacedônios. Não era fácil se distinguir nesse clã, mas Ptolomeu IVconseguiu, no auge de seu império. No inal do século III, ele assassinouseu tio, seu irmão e sua mãe. Os cortesãos o pouparam de envenenar aesposa, fazendo isso elesmesmos, assim que ela deu à luz um herdeiro.Repetidamente,mãesmandaram tropas contra ilhos. Irmãosguerrearamcom irmãos. A bisavó de Cleópatra iniciou uma guerra civil contra seuspais, e uma segunda contra seus ilhos. Ninguém sofria tão agudamentecomo os gravadores de monumentos, forçados a lidar com as quasesimultâneas sagrações e assassinatos e com a complicada questão dasdatas, uma vez que o calendário começava de novo a cada novo regime,momentoemqueumgovernantecaracteristicamentemudavatambémseutítulo. Muitas inscrições em hieróglifos eram interrompidas até disputasdinásticasseresolverem.Láatrás,amãedeBereniceIIpegouemprestadoo marido estrangeiro de Berenice, e por essa missão dupla Berenicesupervisionouoassassinatodomarido.(Elateveomesmo im.)Igualmentenotável entre as mulheres foi a tia-bisavó de Cleópatra, Cleópatra III,rainha no século II. Ela era ao mesmo tempo esposa e sobrinha dePtolomeu VIII. Ele a estuprara quando ela era adolescente, momento emque estava simultaneamente casado com amãe dela. Os dois discutiram;Ptolomeu matou o ilho deles de catorze anos, cortou-o em pedaços emandouumaarca comosmembrosmutiladosparaosportõesdopalácionanoitedoaniversáriodela.Elaretaliouexibindopublicamenteaspartesdo corpo.Os alexandrinos icaram loucosde raiva.Omais surpreendente

foioqueaconteceuemseguida.Poucomaisdeumadécadadepois,ocasalse reconciliou. Durante oito anos PtolomeuVIII reinou comduas rainhas,mãeefilhaemguerra.c

Depois de algum tempo, a carni icina veio a parecer quasepredeterminada.OtiodeCleópatramatouaesposa,eliminandoassimsuamadrasta (emeia-irmã) também. Infelizmente, eleo fez semsedar contade que ela era a mais popular da dupla. Ele foi linchado por uma turbadepoisdedezoitodiasnotrono.Oque,depoisdedoisséculosdeconfusão,punha um im aos legítimos Ptolomeus, em 80 a.C. Sobretudo com umaRoma ascendente no horizonte, era preciso encontrar depressa umsucessor. O pai de Cleópatra, Ptolomeu XII, foi convocado da Síria, paraondetinhasidoenviadoporsegurança23anosantes.Nãoéclaroseelefoieducado para governar,mas émuito claro que era a única opção viável.Para reforçar seu status divino e a ligação comAlexandre, o Grande, eletomou como título “O Novo Dionísio”. Para os alexandrinos, para quem alegitimidade era importante, apesar da louca colcha de retalhos delinhagens familiares inteiramente fabricadas,ele tinhaumdedoisnomes.OpaideCleópatraeraou“obastardo”ou“Auletes”, 24ouo lautista,devidoa oinstrumento semelhante ao oboé que gostava de tocar. Ele pareciademonstrartantoafetopeloinstrumentoquantopeloestadismo,oquenãoeramuitoadequadonamedidaemque repartia seupendormusical comprostitutasde segunda classe. Suasmuitoprezadas competiçõesmusicaisnãooimpediramdecontinuarcomobanhodesanguedahistóriafamiliar,emboraapenas,diga-sedepassagem,porqueascircunstânciasdeixavam-lhepoucaescolha.(Eleseviulivredanecessidadedemataraprópriamãeporque ela não era de nascimento real. Era, provavelmente, uma cortesãmacedônia.)Dequalquer forma,Auletesviriaa terproblemasmaioresdoqueperturbarparentes.A moça entrincheirada com Júlio César num palácio sitiado de

Alexandrianãoera,então,nemegípcia,nem,historicamente falando,umafaraó, nem necessariamente aparentada com Alexandre, o Grande, neminteiramente ptolomaica, embora fosse, pelo que se pode constatar detodos os lados, uma aristocratamacedônia. Seu nome, como sua herança,erainteiraeorgulhosamentemacedônio:“Cleópatra”querdizer“GlóriadeSuaPátria”emgrego.dElanãoeranemCleópatraVII,comoserialembrada.Dada a tortuosa história familiar, fazia sentido que alguém, em algumponto,simplesmenteperdesseaconta.A estranha e terrível história ptolomaica não deve obscurecer duas

coisas.SeasBereniceseArsínoeseramtãoperversascomoseusmaridos

eirmãos,elasoeramemgrandeparteporseremimensamentepoderosas.(Tradicionalmente, elas também icavam em segundo lugar em relação aseusmaridose irmãos,umatradiçãoqueCleópatradesrespeitou.)Mesmosem uma mãe reinante, Cleópatra podia contemplar grande número deancestrais mulheres que construíram templos, juntaram esquadras,lançaramcampanhasmilitarese,aoladodeseusconsortes,governaramoEgito. Pode-se a irmar que ela teve modelos de papel feminino maispoderososquequalqueroutrarainhanahistória.Não icaclaroseissoeraresultadoda exaustão geral por parte dos homens da família, como já foidito.Haveriatodasasrazõesparaasmulherestambémteremseexaurido.Mas os destaques nas gerações imediatamente precedentes a Cleópatraeram — em termos de visão, ambição, intelecto — universalmentefemininos.Cleópatra,alémdisso,atingiuamaioridadeemumpaísquepossuíauma

de iniçãosingulardospapéisfemininos.Bemantesdela,eséculosantesdachegadadosPtolomeus,asmulheresegípciasgozavamdodireitode fazerseus próprios casamentos. Ao longo do tempo suas liberdadesaumentaram a níveis sem precedentes no mundo antigo. Elas herdavamigualmente e possuíam propriedades independentes. Mulheres casadasnãoeramsubmetidasaocontroledosmaridos.Elasgozavamdodireitodesedivorciaredeseremsustentadasdepoisdeumdivórcio.Atéomomentoem que o dote da ex-mulher fosse devolvido, ela tinha o direito de seinstalarnacasadesuaescolha.25Suaspropriedadespermaneciamcomela;não podiam ser desperdiçadas por um marido gastador. A lei icava doladoda esposa e dos ilhos se ummarido agia contra seus interesses.Osromanos se deslumbravam que no Egito as ilhas meninas não fossemdeixadas paramorrer; um romano era obrigado a criar apenas sua ilhaprimogênita. As mulheres egípcias também se casavam mais tarde quesuas vizinhas, só cerca de metade delas com a idade de Cleópatra. Elasemprestavam dinheiro e operavam barcaças. Serviam como sacerdotisasnostemplosnativos.Davamentradaemprocessosjudiciaisecontratavamlautistas. Como esposas, viúvas ou divorciadas, possuíam vinhedos,vinícolas,pântanosdepapiros,navios,empresasdeperfume,equipamentodemoendas, escravos, casas, camelos. Chega a um terço a parte do Egitoquepodiaestaremmãosfemininas.26

A tal ponto essas práticas invertiam a ordem natural das coisas quedeixavam pasmos os estrangeiros. Ao mesmo tempo, pareciamabsolutamente adequadas a um país cujo magní ico rio doador de vidacorriaaocontrário,dosulparaonorte,estabelecendooAltoEgitonosule

o Baixo Egito no norte. O Nilo invertia ainda mais as leis da naturezaenchendo no verão e minguando no inverno; os egípcios colhiam seuscampos em abril e semeavam em novembro. Até o plantio era invertido:primeiroosegípciossemeavam,depoisaravam,paracobrirasementecomterra solta. Isso fazia todo sentido no tipo de reino anômalo em que semisturava amassade farinha comospés e se escrevia dadireita para aesquerda.NãoédeadmirarqueHeródototenhaa irmado,numtextoqueCleópatradevia conhecerbem,queasmulheresegípcias seaventuravamaosmercadosenquantooshomens icavamemcasa cuidandodos teares.Temos amplo testemunho de seu senso de humor; Cleópatra eraespirituosa e gozadora. Não há por que indagar como ela teria lido umaoutra a irmação de Heródoto, de que o Egito era um país onde “asmulheresurinamempé,oshomenssentados”.Emoutroponto,Heródotoestavainteiramentecorreto.“Nãohápaísque

possuatantasmaravilhas,nemtamanhonúmerodeobrasquevãoalémdadescrição”,27maravilhava-se.BemantesdosPtolomeus,oEgitoexerciaseuencantosobreomundo.Opaísorgulhava-sedeumaantigacivilização,deuma quantidade de estranhezas naturais, de monumentos desurpreendente imensidão, deduas das setemaravilhas domundo antigo.(A capacidadede assombrardevia sermaiorna épocadeCleópatra, poisaspirâmideserammaisaltastambém:quasedezmetros.Enosintervalosdosderramamentosdesangue,emgrandepartenoséculoIIIeantesdeadinastia começar a cambalear sob o peso de sua própria depravação noinal do século II, os Ptolomeus cumpriram os planos de Alexandre, oGrande, estabelecendo no delta do Nilo um milagre de cidade, tãobrilhantementesofisticadaquantoseupovofundadortinhasidorústico.Delonge, Alexandria cegava, uma suntuosa expansão demármore brilhante,presidida por seu gigantesco farol. A famosa silhueta da cidade erareproduzida em lâmpadas, mosaicos, ladrilhos. A arquitetura da cidadedenunciava seu caráter loquaz, forjadoporuma frenética justaposiçãodeculturas. Nesse que era o maior dos portos mediterrâneos, a colunasjônicas tinham capitéis representando papiros. Es inges e falcõesdescomunais ladeavamas entradasde templos gregos.Deuses crocodiloscom roupas romanas decoravam túmulos dóricos. “Construída namelhorlocalizaçãodomundo”,28Alexandriaerasentineladeumaterraderiquezasfabulosas e criaturas fantásticas, um dos enigmas favoritos do mundoromano.Para um homem como Júlio César, que apesar de todas as suasviagensnuncahaviapisadonoEgito,poucosdessesassombrosteriamsidotão grandes quanto a jovem espirituosa que saiu de dentro do saco de

viagem.

Ela nasceu em 69 a.C., segunda de três ilhas. Dois irmãos vieram depois, a cada um dos quaisCleópatra viria, sucessivamente, a se unir brevemente emmatrimônio. Embora não houvesse umtempoespecialmente seguroparanascerPtolomeu,o século I deve ter estadoentreospiores.Oscincoirmãostiverammortesviolentas.Dentreeles,Cleópatrasedistingueporterdeterminadoporsi mesma as circunstâncias de sua morte, conquista não pequena e, em termos romanos, umadistinçãodepesoconsiderável.Osimples fatodeelaaindaestarvivanomomentodachegadadeCésaré testemunhode seucaráter.Elavinha conspirandohaviaumanooumais, energicamente,durantemeses,praticamentediaenoitenasúltimassemanasdoverão.Igualmentesigni icativoeraofatodequeelaviveriadécadasmaisqueseusirmãos.Nenhumirmãosobreviveuàadolescência.Da mãe de Cleópatra não se tem nenhum vislumbre, nem eco; ela

desapareceu de cena no começo da infância da ilha e já estava mortaquando Cleópatra tinha doze anos. Não é claro se Cleópatra a conheciamelhor do que nós. Ela parece ter sido uma das raras mulheresptolomaicasaoptarpor icarde foradomelodrama familiar. e CleópatraVTrifenaera,dequalquermodo,váriasdécadasmaisnovaqueAuletes,seuirmãooumeio-irmão;osdoissecasaramlogodepoisqueAuletessubiuaotrono. O fato de sua tia contestar o direito dele ao trono— ela chegou aviajar até Roma para prejudicá-lo 29 — não é especialmente signi icativo,dada a dinâmica da família.30 Pode, porém, revelar algo de seus instintospolíticos.Paramuitagente,Auletespareciamais interessadonasartesdoque no estadismo. Apesar de um reino que durou 22 anos, com umainterrupção,eleseria lembradocomoo faraóquetocou lautaenquantooEgitodesmoronava.Dos primeiros anos de César praticamente nada foi registrado e com

Cleópatranãoédiferente:não temosamenorpista.Mesmoque sua casadeinfâncianãoestivessehojeseismetrosdebaixodaáguaouqueoclimade Alexandria fosse mais tolerante com os papiros antigos, é poucoprovávelque soubéssemosmais.A infâncianãoeravalorizadanomundoantigo, onde o destino e a linhagem eram as in luências formadoras. Ospersonagensantigostendiamavirà tonaplenamente formados.PodemossuporcomsegurançaqueCleópatranasceunopaláciodeAlexandria;queumababácuidoudela;queumacriadamastigavasuasprimeirascomidasantesdecolocá-lasnabocaaindasemdentes;quenadapassavaporseuslábios de criança sem ter sido antes provado, devido ao risco de veneno;que contava entre seus companheiros de brincadeira com um bando decrianças de nascimento nobre, conhecidas como “irmãos adotivos” edestinadosasetornaroséquitoreal.Mesmoquandocorriapelascalçadas

entre as colunatas do palácio, passando pelas fontes e pelos tanques depeixes,ouatravésdosluxuriantespomaresedeumjardimzoológico,ondeos primeiros Ptolomeus mantinham girafas, rinocerontes, ursos e umapítondetrezemetros,elaestavacercadaporumacomitiva. 31Desdetenraidade sentia-se à vontade entre políticos, embaixadores, estudiosos,confortável entre osmantos púrpura dos funcionários da corte. Brincavacombonecas de cerâmica e casas de boneca, com jogos de chá emobíliaminiatura, com dados e cavalos de balanço, com jogos de ossinhos eratinhos de estimação, embora nunca venhamos a saber o que fazia comsuas bonecas e se, como Indira Gandhi, as envolvia em insurreições ebatalhas.Aoladodesuasirmãsmaisvelhas,Cleópatrafoipreparadaparaotrono;

umPtolomeu faziaplanospara todas as eventualidades. Ela fazia viagensregulares Nilo acima, ao palácio da família no porto de Mên is, paraparticipar de tradicionais festas de culto egípcias, cuidadosamenteencenadas, opulentos cortejos de família, conselheiros e funcionários.Trezentos quilômetros rio acima, Mên is era uma cidade sagrada,controladaporumahierarquiade sacerdotes; dizia-se que amorte era oseumelhornegócio.32Vastascatacumbasdeanimaisseestendiamdebaixodocentrourbano,umaatraçãoparaperegrinosquevinhamparaoscultose para fazer estoques deminiaturas de falcões e crocodilosmumi icadosnasbarracasdesuvenires.Emcasa,essesobjetoseramalvodeveneração.Em tais ocasiões, Cleópatra seria paramentada em vestes cerimoniais,emboranãoaindacomatradicionalcoroadeplumas,discosolarechifresde vaca. E desde tenra idade gozou da melhor educação disponível nomundo helenístico, nas mãos dos estudiosos mais dotados, no que eraincontestavelmente o maior centro de conhecimento em existência. AbibliotecadeAlexandriaeomuseuanexoeramliteralmenteoseuquintal.Osmaisprestigiososacadêmicoseramseus tutores,oshomensdeciênciaseusmédicos.Elanãoprecisavairmuitolongeporumareceitamédica,umtributo,umbrinquedomecânico,ummapa.33

Essa educação pode muito bem ter superado a de seu pai, criado noexterior, no nordeste da Ásia menor, mas deve ter sido uma educaçãotradicional grega sob todos os aspectos, quase idêntica à de César, cujotutor estudou em Alexandria. Era predominantemente literária. As letraseram importantes no mundo grego, onde serviam além do mais comonúmeros enotasmusicais. Cleópatra aprendeu a ler primeiro cantandooalfabetogrego,depoistraçandoas letrasgravadasporseuprofessornumestreito tablete demadeira. Os estudantes bem-sucedidos continuavam a

praticá-lasem ileirashorizontaiscontínuas,depoisemcolunas,por imemordem inversa e para encerrar em pares de cada ponta do alfabeto, emmaiúsculasedenovoemcursivas.QuandoCleópatraseformounassílabasaquiloeracomoumcorpodepalavrasincompreensíveis,impronunciáveis,quantomaisestranhasmelhor.As linhasdemausversosquevinhamemseguida eram igualmente esotéricas; parece que a teoria era que oestudantequedecodi icasseaquiloconseguiriadecodi icarqualquercoisa.Máximas e versos vinham em seguida, baseados em fábulas emitos. Umaluno podia ser chamado para narrar uma fábula de Esopo com suaspróprias palavras, na forma mais simples, e uma segunda vez comgrandiloquência. Personagens mais complexas vinham mais tarde. ElapodiaescrevercomoAquiles,nomomentodesermorto,ouserchamadaareproduzir uma trama de Eurípides. As lições não eram fáceis, e nãotinham a intenção de sê-lo. Aprender era coisa séria, compreendendoin indáveis exercícios, in initas regras, longas horas.Não havia algo comoinsdesemana;estudava-setodososdias,menosnosdiasdefestivais,queocorriam com abençoada regularidade em Alexandria. Duas vezes pormês,todosinterrompiamseusafazeresemhonradeApolo.Adisciplinaerasevera.“Oouvidodojovem icanascostas;eleescutaquandoapanha”,dizum velho papiro. Nesse adágio, o dramaturgo Menandro injetou causa eefeito:“Quemnãoapanha,nãopodesereducado.”34Geraçõesdeescolaresescreveramaplicadamenteessafrasenaceravermelhadocentrodeseustabletesdemadeiracomosburisdemarfim.Mesmo antes de se formar em sentenças,mesmo antes de aprender a

ler, o caso de amor com Homero havia começado. “Homero não era umhomem,masumdeus”éumafraseque iguraentreasprimeirasliçõesdeescrita,assimcomoosprimeiroscantosdaIlíada.Nenhumtextopenetravamais absolutamente omundo de Cleópatra. Numa época apaixonada porhistóriaecalibradapelaglória,aobradeHomeroeraaBíbliadomomento.Eleerao“príncipedaliteratura”; 35seus15.693versosforneciamcontextomoral, político, histórico e religioso, os grandes feitos e os princípiosdominantes, o atlas intelectual e a bússola moral. O homem educado ocitava, parafraseava, aludia a ele. Era inteiramente justi icado dizer quecriançascomoCleópatraeram—comoumquasecontemporâneoa irmou— “amamentadas no aprendizado de Homero e enfaixadas em seusversos”.36 Acredita-se que Alexandre, o Grande, dormia sempre com umexemplar de Homero debaixo do travesseiro; qualquer grego letrado,Cleópatrainclusive,eracapazderecitardecoralgumaparteda IlíadaedaOdisseia. A primeira era mais popular no Egito de Cleópatra — podia

parecerumahistóriamaispertinenteparaumaépoca turbulenta—,masdesde tenra idade ela saberia literariamente o que viria a descobrirempiricamenteaos21:haviadiasemquesesentiavontadedeguerrearediasemqueseprecisavaapenasirparacasa.Numprimeironível, adoutrinação começava com listasde vocabulário,

dedeuses,heróis, rios.Emseguida, vinham tarefasmais so isticadas.Quemúsicacantavam as sereias? Penélope era casta? Quem era a mãe deHeitor? A intrincada genealogia dos deuses haveria de apresentar poucadi iculdadepara umaprincesa ptolomaica, diante de cuja história a delesempalidecia e com as quais cruzava; para Cleópatra, a fronteira entrehumanoedivinoera luida.(Asliçõesdesaladeaulafundiam-secomsuahistória pessoal no estudo de Alexandre, o outro herói importante nassalasdeaula.Cleópatradeviaconhecerahistóriadeledetrásparafrente,assimcomodeviaconhecercada feitodeseusancestraisptolomaicos.)Asprimeiras questões eram repetitivas, o cérebro fundamentalmente maisretentivo.Amemorizaçãoeracrucial.Quaisdeusesajudamquem?QualfoiarotadeUlisses?EracomessetipodematerialqueenchiamacabeçadeCleópatra; isso passava por erudição em sua época. E não teria sido fácilescapar disso. O séquito real incluía ilósofos, retóricos ematemáticos, aomesmo tempo mentores e criados, companheiros intelectuais econselheirosconfiáveis.Homeroeraopadrãodourado,masatrásdelevinhaumvastocatálogo

de literatura. É evidente que os animados dramas domésticos deMenandroeram favoritosnasaladeaula, emboraseja claro tambémquedramaturgos cômicos fossem menos lidos depois. Cleópatra conhecia asfábulas de Esopo, assim como conhecia Heródoto e Tucídides. Lia maispoesia queprosa, embora seja possível que ela conhecesse os textos quelemoshojecomoEclesiasteseMacabeusI.Entreosdramaturgos,Eurípideseraofavoritoestabelecido,sutilmenteadequadoàépoca,comsuacoleçãodemulheres transgressivas que, con iáveis, fornecem o cérebro da ação.Ela devia conhecer várias cenas de cor. Ésquilo e Sófocles, Hesíodo,PíndaroeSafodeviamser familiaresaCleópatraeà rodinhademeninasbem-nascidas à sua volta. Tanto para ela como para César havia poucointeressenoquenãofossegrego.Éprovávelatéqueelatenhaaprendidoahistória egípcia em três textos gregos. Alguma formação em aritmética,geometria, música, astrologia e astronomia (estas duas em grande parteindistintas uma da outra) acompanhava os estudos literários, emborasubordinada a eles: Cleópatra sabia a diferença entreuma estrela e umaconstelaçãoeprovavelmenteeracapazdededilharuma lira.Nemmesmo

Euclidesseria capaz de responder ao estudante que perguntasse qualexatamentepoderiaserautilidadedageometria.Cleópatra não enfrentava esses textos sozinha. Ela lia em voz alta, ou

ouvia a leitura feita por professores ou criados. A leitura silenciosa eramenoscomum,tantoempúblicocomonavidaprivada.(Umrolodepapirodo tamanhodevinte folhas era aomesmo tempodesajeitadoe frágil. Lereraumaoperaçãoqueexigiaambasasmãos:equilibrava-seo rolocomadireitaeenrolava-seaparteusadacomaesquerda.)Umgramáticoouumacompanhante a ajudaria a decodi icar as primeiras frases, uma tarefacomplicada numa linguagem sem interrupção entre palavras, nempontuação, nem parágrafos. Com boa razão, a leitura visual eraconsiderada uma proeza, aindamais quando devia ser feita com verve eexpressão, enunciação cuidadosa e gestos e icientes.Aos trezeou catorzeanos,Cleópatraformou-senoestudoderetóricaoudefalarempúblico,aoladoda iloso ia,aartemaioremaispoderosa,comootutordeseu irmãodemonstrou claramente à chegada de Pompeu. Em algum momento,Teódoto pode ter sido tutor de Cleópatra também. Seu tutor devia serdedicado,muitoprovavelmenteumeunuco.Omestrederetóricatrabalhavacomverdadeiramágica.Emboramenos

no tocante às moças, a cultura de Cleópatra era voltada ao discurso,valorizavaumaboadiscussão,asbelasartesdapersuasãoedarefutação.Declamava-se comumvocabulário codi icado eumarsenal de gestos, emalgo como um cruzamento entre as leis do verso e as leis dosprocedimentos parlamentares. Cleópatra aprendeu a organizar seuspensamentos com precisão, expressá-los artisticamente e pronunciá-loscomelegância.Oconteúdoseriamenosimportantequeaexpressão,“pois”,observavaCícero,“assimcomoarazãoéaglóriadohomem,aluzdarazãoé a eloquência”. 37 Cabeça erguida, olhos brilhantes, voz cuidadosamentemodulada,eladominavaolouvor,acensura,acomparação.Emlinguagemirmeevigorosa,recorrendoaumtesourodeanedotasealusões,eladeveter aprendido a discursar sobre uma variedade de assuntos espinhosos:por que Cupido é representado como um menino alado com lechas? Épreferívelavidanocampoounacidade?AProvidênciagovernaomundo?O que você diriase fosseMedeia, nomomento de assassinar seus ilhos?As perguntas eram as mesmas em toda parte, embora as respostaspudessem variar. Certas questões — “É justo matar sua mãe se elaassassinou seu pai?”, por exemplo — podiam ser tratadas de mododiferente na família de Cleópatra. E, apesar da qualidade repetitiva, ahistóriase in iltravadepressanosexercícios.Logoosestudantesestariam

debatendo se César devia ter castigado Teódoto, aquele que formulara afrase “os mortos não mordem”. 38 A morte de Pompeu havia sidoefetivamenteumpresenteparaCésar?Eaquestãodahonra?Césardeviater matado o conselheiro de Ptolomeu para vingar Pompeu, ou fazê-losugeririaquePompeunãomereciatermorrido? fSeriasábioguerrearcomoEgitonumtalmomento?Esses argumentos tinhamde ser expostos com coreogra ia especí ica e

exata. Cleópatra aprendia quando respirar, fazer pausas, gesticular,acelerar,subiroubaixaravoz.Tinhadeficarereta.Nãogirarospolegares.Considerando-se que omaterial bruto não fosse defeituoso, era o tipo deeducaçãoquegarantiaaproduçãodeumoradorvivo,persuasivo,alémdefornecer a esse orador amplas possibilidades de exibir a sutileza de suamenteeavivacidadedeseuhumor, tantoemambientessociais comoemprocedimentos judiciais. “A arte de falar” 39, a irmou-se mais tarde,“depende demuito esforço, estudo contínuo, diversos tipos de exercícios,longa experiência, sabedoria profunda e infalível senso de estratégia.”(A irmou-se também que esse exigente curso de estudos se prestavaigualmentebemàcorte,aopalcoouaosdesvariosdeumlunático.)Cleópatrachegouao imdeseutreinamentojustamentequandoseupai

sucumbia a uma doença fatal, em 51. Numa cerimônia solene, diante dosumosacerdoteegípcio,elaeseu irmãosubiramao trono,provavelmenteno inaldaprimavera.Seacerimôniaobedeceuàtradição,foirealizadaemMên is, a capital espiritual do Egito, onde uma passarela ladeada pores ingesatravessavaasdunaslevandoaotemploprincipal,companteraseleõesesculpidosemcalcário,capelasgregaseegípcias,pintadascomcoresvivas e adornadas com estandartes brilhantes. Entre nuvens de incenso,Cleópatra recebeu as coroas de serpente doAlto e doBaixo Egito de umsacerdotecomuma longa túnicade linhoeumapeledepanterasobreosombros. Ela fez seu juramento dentro do santuário, em língua egípcia; sóentãoodiademafoipostoemsuacabeça.Anovarainhatinhadezoitoanos,Ptolomeu XIII era oito anos mais novo. No geral, sua época era precoce.Alexandre,oGrande,foigeneralaosdezesseisanos,senhordomundoaosvinte.E,conformeseobservoumais tardeemrelaçãoaCleópatra, “certasmulheressãomais jovensaossetentadoqueamaioriadasmulheresaosdezessete”.40

Comoelasesaiuéfácildeconstatar.Aculturaeraoral.Cleópatrasabiafalar. Mesmo seus detratores davam-lhe notas altas por sua destrezaverbal.Os“olhosbrilhantes”41nuncasãomencionadossem igual tributoasua eloquência e seu carisma. Ela possuía dotes naturais para declamar,

com uma voz rica, aveludada, uma presença marcante, capaz tanto deavaliarquantodeagradaraseupúblico.Sobesseaspecto,tinhavantagensque César não tinha. Por mais que Alexandria pertencesse ao mundogrego, por acaso estavanaÁfrica.Aomesmo tempo, estavanoEgito,masnãoeradoEgito.Viajava-sedeummundoaoutrocomohojeseviajaentreManhattaneosEstadosUnidos,emboracomumatrocade línguanocasoantigo. Desde o começo, Cleópatra estava acostumada a se apresentardiantedeumaduplaplateia.Suafamíliadominavaumpaísquemesmonomundo antigo assombrava por sua antiguidade. Sua língua era a maisantigaqueseconhecia.Essalínguaeratambémformaleconfusa,comumaescritaparticularmentedi ícil.(Aescritaerademótica.Oshieróglifoseramusados exclusivamente em ocasiões cerimoniais; mesmo o literato sóconseguia decifrá-los em parte.42 É pouco provável que Cleópatraconseguisselê-loscomfacilidade.)Eramuitomaisexigentedoqueogrego,línguadosnegóciosedaburocracianaépocadeCleópatra,equeerafácilparaumfalantedoegípcio.Osfalantesdoegípcioaprendiamgrego,maséraroquealguémseaventurassenadireçãocontrária.Aopenosoestudodoegípcio,porém,Cleópatraseaplicavacoma inco.Considera-sequeelafoiaprimeiraeúnicadosPtolomeusa sedaro trabalhodeaprendera línguados7milhõesdepessoasquegovernava.43

A proeza foi lindamente recompensada. Enquanto os Ptolomeusanteriores comandavam exércitos por meio de intérpretes, Cleópatra secomunicava diretamente. Para alguém que recrutou mercenários entresírios, medas e trácios, isso era uma nítida vantagem, como seria paraqualquerpessoacomambiçõesimperiais.Eraumavantagemtambémnumâmbito mais restrito, numa cidade cosmopolita inquieta, de grandediversidade étnica, para a qual convergiam imigrantes de todo oMediterrâneo. Um contrato alexandrino podia compreender setenacionalidadesdiferentes.44Nãoera raroverummongebudistanas ruasda cidade, lar da maior comunidade de judeus fora da Judeia, umacomunidade que devia somar quase um quarto da população deAlexandria. O lucrativo comércio de luxo do Egito era com a Índia; sedaslustrosas, especiarias, mar im e elefantes viajavam pelo mar Vermelho epelas rotas de caravanas. Havia muitas razões para Cleópatra dominarespecialmente as línguas da região costeira. Plutarco atribuía a ela novelínguas,inclusiveohebraicoeotroglodita,umalínguaetíopeque,asedarcrédito a Heródoto, era “diferente da língua de qualquer outro povo;soandomais como guinchos de vampiros”. 45 Claro que a performance deCleópatra era mais melí lua. “Era um prazer meramente ouvir o som de

suavoz”,46observaPlutarco,“comaqual,comouminstrumentodemuitascordas, ela passava de uma língua a outra; de forma que havia poucasnações bárbaras a que se dirigisse através de um intérprete; com amaioriaelafalavapessoalmente.”Plutarco silencia sobre a questão do latim de Cleópatra, a língua de

Roma,pouco faladaemAlexandria.Ambosnotáveisoradores, ela eCésarsem dúvida se comunicavam num grego muito similar. 47 Mas a divisãolinguísticafalavamuitodasituaçãodi ícilemqueCleópatraseencontrava,assim como de seu legado e de seu futuro. Uma geração antes, um bomromanoevitariaogregosemprequepossível,chegandoaopontode ingirignorância. “Quantomais sabemosgrego”,diziaoditado, “maismalandrosnostornamos.”48Erauma línguadearteelevadaemoralbaixa,dialetodemanuais sexuais,49 uma língua “com seus próprios dedos”. 50 Os gregoscobriamtodasasáreas,comoobservouumacadêmicoposterior, “inclusivealgumas que eu acho melhor não explicar em classe”. 51 g A geração deCésar,queaperfeiçoousuaeducaçãonaGréciaoucomtutoresfalantesdogrego, dominava ambas as línguas com igual inura, com o grego — delonge a línguamais rica,mais nuançada,mais sutil, doce e obsequiosa—fornecendosempreamotjuste.NaépocadonascimentosdeCleópatra,umromano educado dominava ambas. Por um brevemomento, pareceu quepoderia ser possível um Leste e Oeste falantes de grego. Duas décadasdepois, Cleópatra negociaria com romanos que estavam pouco à vontadecom a língua dela. Ela faria sua última cena em latim, que certamentefalavacomsotaque.Estetaepatronodasartes,sobodomíniodoqualAlexandriaconheceuo

início de um renascimento intelectual, Auletes cuidou para que sua ilharecebesse educação de primeira classe. Cleópatra daria continuidade àtradição,contratandoumnotáveltutorparasuaprópria ilha.Enãoestavasozinha nisso. Embora de forma alguma as meninas fossem todaseducadas, elas frequentavam escolas, participavam de competições depoesia,tornavam-seacadêmicas.Nãopoucas ilhasbem-nascidasdoséculoI, inclusive aquelas que não estavam sendo moldadas para o trono,avançavam muito nos estudos, mesmo que não até o im no rigorosotreinamento retórico. A ilha de Pompeu teve um bom tutor e recitavaHomero para seu pai. Na opinião dos peritos, a ilha de Cícero era“extremamenteculta”. 52 Amãe de Bruto era igualmente bem-versada empoetas gregos e latinos. Alexandria contava com sua cota de mulheresmatemáticas,médicas, pintoras e poetas. Isso não queria dizer que essasmulheres estivessem acima de qualquer suspeita. Como sempre, uma

mulhereducadaeraumamulherperigosa.MasnoEgitonãoeraumafontetãograndededesconfortocomoemoutraspartes.hCornélia,abelaesposade Pompeu, que estava a poucosmetros de distância quando cortaram acabeçadeseumaridoemPelúsio—elagritoudehorror—,teveformaçãosimilar à de Cleópatra. Era “altamente educada, tocava bem o alaúde eentendia de geometria, crescera acostumada a ouvir as palestras deiloso iacomproveito; tudo isso, também, semde formaalgumase tornardesagradável ou pretensiosa, como icam às vezes asmoças que seguemesses estudos”. 53 A admiração era cheia de ressentimento, mas eraadmiração de qualquer modo. Sobre a esposa de um cônsul romanoadmitia-se, logo depois que Cleópatra se apresentou a César naqueleoutono,queapesardetodososseusdotesperigosos,“elaeraumamulherde não poucos recursos;54 sabia escrever versos, gracejos ligeiros e usarlinguagem que era modesta, ou terna, ou licenciosa; em resumo, elapossuíaumaltograudehumoreencanto”.

ParaCésar,portanto,Cleópatraerasobváriosaspectosprofundamentefamiliar.Eratambémumaligação viva com Alexandre, o Grande, o raro produto de uma civilização altamente re inada,herdeiro de uma fabulosa tradição intelectual. Os alexandrinos já estudavam astronomia quandoRomaerapoucomaisqueumaaldeia.OquereviveucomoRenascimentofoi,sobmuitosaspectos,aAlexandria queos antepassadosdeCleópatra construíram.De alguma forma, apesardos anosdeselvageria e de ausência de registros culturais macedônios, os Ptolomeus estabeleceram emAlexandriaomaior centro intelectualde seu tempo,que começouondeAtenas terminou.QuandoPtolomeuIfundouabiblioteca,elehaviadecididoreunirtodosostextosqueexistissem,eparatalfimfezconsideráveisprogressos.Suafomedeliteraturaeratalquesediziaqueeletomavatodosostextos que chegassem na cidade, às vezes devolvendo cópias no lugar. (Ele também ofereciarecompensas por contribuições. Consequentemente, textos espúrios sematerializavam na coleçãoalexandrina.) Fontes antigas indicam que a grande biblioteca continha 500 mil rolos, que podeparecer umdescabido exagero; 100mil deve icarmais perto da verdade. De qualquer forma, acoleçãosuperavatodasasbibliotecasanterioresecompreendiatodososvolumesescritosemgrego.Emnenhuma outra parte esses textos erammais acessíveis oumais bem-organizados do que nagrande biblioteca de Alexandria, por ordem alfabética e por assunto, ocupando cubículosindividuais.Nemcorriamessestextosqualquerperigodeacumularpoeira.Ligadoà

biblioteca, perto ou dentro do complexo do palácio, icava o museu, uminstitutodepesquisasubsidiadopeloEstado.55Enquantoosprofessoresemoutraspartesdomundohelenísticoerampoucovalorizados—“elemorreuou está dando aula em algum lugar”, 56 dizia um ditado; o professorganhavapoucomaisqueumtrabalhadornãoquali icado—,osacadêmicosreinavam supremos em Alexandria. Essa comunidade era mimada peloEstado, ocupando gratuitamente luxuosas acomodações, alimentada numvasto salão de jantar comunal. (De qualquer forma, isso era fato até cem

anos antes de Cleópatra, quando seu bisavô resolveu que já bastavadaquela classe politicamente estrepitosa e emagreceu suas ileiras,dispersandooquehavia demelhor emais brilhantepelomundo antigo.)Durante séculos, tanto antes como depois de Cleópatra, a coisa maisimpressionante que um médico podia dizer era que tinha estudado emAlexandria. Era onde se esperava que os tutores de seus ilhos tivessemestudado.A biblioteca era o orgulho do mundo civilizado, uma lenda enquanto

durou.NaépocadeCleópatra,nãoestavamaisnoauge,seutrabalhohaviadeterioradodosestudosoriginaisparaotipodeclassi icaçãoecatalogaçãomaníacosquenosderamas setemaravilhasdomundo. (Umaobra-primabibliográ ica catalogava “Pessoas eminentes em todo ramo deconhecimento”, com listas alfabéticas de seus escritos, divididos porassunto. O estudo somava 120 volumes.) A instituição continuou, mesmoassim, a atrair as grandes mentes do Mediterrâneo. Seu patrono eraAristóteles,cujaescolaebibliotecaeramseumodelo,equehavia,nãoporacaso,ensinado tanto Alexandre, o Grande, como seu amigo de infância,PtolomeuI.Foi emAlexandria que semediupela primeira vez a circunferência da

Terra,quese ixouoSolcomocentrodosistemasolar,queseesclareceuofuncionamento do cérebro e do pulso, que se estabeleceram osfundamentos da anatomia e da isiologia, que se produziram as ediçõesde initivas de Homero. Foi em Alexandria que Euclides codi icou ageometria. Se fosse possível dizer que todo o conhecimento do mundoantigo havia sido coletado em único lugar, esse lugar era Alexandria.Cleópatra foi bene iciária direta disso. Ela sabia que a Lua afetava asmarés, que a Terra era esférica e girava em torno do Sol. Sabia daexistência do equador, conhecia o valor de π, a latitude de Marselha, ocomportamentodaperspectivalinear,autilidadedeumcondutorderaios.SabiaquesepodianavegardaEspanhaparaaÍndia,umaviagemquenãoseriafeitaaindapormais1.500anos,emboraelaprópriapensassefazê-la,emsentidocontrário.Então, para um homem como César, altamente culto, fascinado por

Alexandre, o Grande, e que alegava ser descendente de Vênus, todos oscaminhos, míticos, históricos, intelectuais, levavam a Alexandria. ComoCleópatra,suaformaçãoeradeprimeiraclasse,suacuriosidadevoraz.Eleconhecia poetas. Era um leitor onívoro. Embora se dissesse que osromanos não tinham gosto pelo luxo pessoal, nisso César era, como emtantos outros aspectos, uma exceção. Mesmo em campanha ele era um

insaciável colecionador de mosaicos, mármores e pedras preciosas.Atribuiu-se a invasão da Inglaterra a seu interesse por pérolas de águadoce.57 Seduzido por opulência e linhagem familiar, ele se demorara emcortes orientais antes, para sua vergonha pelo resto da vida. Poucasacusaçõesodesconcertavammaisdoqueade terprolongadosuaestadanoqueéhojeonortedeTurquiaemrazãodeseucasocomoreideBitínia.Césareradenascimentoilustre,umoradortalentoso,eumo icialelegante,masessasdistinçõesperdiamosentidosecomparadasaumamulherque,mesmo que inventivamente, descendia de Alexandre e, no Egito, era nãoapenas real,mas divina. César chegouperto de ser dei icadonos últimosanosdesuavida.Cleópatranasceudeusa.E suaaparência?Os romanosquepreservaramahistóriadeCleópatra

nos falam de seus modos licenciosos, dos ardis femininos, da ambiçãoimplacável,dadepravaçãosexual,maspoucoslouvamsuabeleza.Nãoporfalta de adjetivos. Mulheres sublimes entram para o registro histórico. AesposadeHerodes é umadelas. AmãedeAlexandre, oGrande, outra. Arainhada SextaDinastiaque sepensa ter construídoa terceirapirâmideera, como Cleópatra devia saber, “mais valente que todos os homens deseu tempo, a mais bela de todas as mulheres, de pele clara e facesrosadas”.58ArsínoeII,aintrigantedoséculoIIIquesecasoutrêsvezes,eradeslumbrante. A beleza havia abalado o mundo antes; o exemplo deHelena estava à disposição, mas apenas um poeta latino o escolheu,59

primordialmente para enfatizar o mau comportamento de Cleópatra.Plutarcofalaclaramentequesuabeleza“nãoeraemsitãonotávelquenãohouvesse comparação, ou que não se pudesse vê-la sem ser tocado”. Eramais o “contato de sua presença, se se convivia com ela, que erairresistível”60. Sua personalidade e suas maneiras, insiste ele, eram nadamenosque“fascinantes”.NocasodeCleópatra,otempofezocontráriodemurcharseufascínio;eleoaumentou.Elasóadquiriusuabelezaanosmaistarde. No século III d.C., ela era descrita como “notável”, 61 de aparênciarequintada.NaIdadeMédia,era“famosapornadaalémdesuabeleza”.62

Comonenhumretratoempedradela foi comprovadocomoautêntico,odito jocoso de AndréMalraux continua em parte verdadeiro: “Nefertiti éum rosto sem uma rainha; Cleópatra é uma rainha sem rosto.” Mesmoassim,algumasquestõespodemserresolvidas.Seriaumasurpresaqueelafosse qualquer coisa que não pequena e lexível, embora os homens dafamília tendessem para a gordura, senão para a total obesidade. Mesmoadmitindo a mensagem autoritária que ela pretendia irradiar e que agravaçãoéruim,osretratosemmoedassustentamaafirmaçãodePlutarco

dequeelanãoera,de formaalguma,umabelezaconvencional.Elaexibiauma versão reduzida do nariz adunco de seu pai (tão comumque existeuma palavra em grego para isso), lábios carnudos, queixo forte,proeminente, testa alta. Os olhos eram grandes e afundados. Emborahouvesse mulheres da família ptolomaica de cabelos claros e pele clara,CleópatraVIImuitoprovavelmentenãoestavaentreelas.Édi ícilacreditarqueomundofossefalarsobre“aquelamulheregípcia”seelafosseloira.Aexpressão“pelecordemel”érecorrentenadescriçãodeseusparenteseé de se presumir que se aplicasse também a ela, apesar das inexatidõesque cercam suamãe e avó paterna. Com certeza havia sangue persa nafamília,masatémesmoumaamanteegípciaéraridadeentreosPtolomeu.Elanãotinhaapeleescura.Com certeza seu rosto em nada comprometia o charme indiscutível, o

humorfácil,ossedosospoderesdepersuasão;Césareraexigentequantoaaparência. Para ele, havia também outras considerações. Hámuito era jáclaro que o caminho para o coração de Pompeu passava pela lisonja, ocaminhoparaodeCésarpelapropina.Elegastavabastanteealémdeseuorçamento. As pérolas de uma amante custaram o equivalente ao que1.200 soldados pro issionais ganhavam num ano. Depois demais de dezanosdeguerra,ele tinhaumexércitoapagar.OpaideCleópatradeixaraumadívidacolossal,queCésar falavaemcobrarnachegada.Eleacabariaperdoandometade,oquedeixavaumbalançoastronômicode cercade3mil talentos. César tinhagastos e gostos extravagantes,masoEgito tinha,Césarsabiadisso,umtesouroàaltura.Amulhercativantediantedele,quefalava tão bem, ria tão fácil, que vinha de uma cultura antiga, cheia derealizações, que vivia numa opulência que faria seus conterrâneos seroerem de inveja, que tão artisticamente superara um exército, era umadasduaspessoasmaisricasdomundo.Ao voltar ao palácio, a outra pessoa icou horrorizada ao ver sua irmã

comCésar.Saiuintempestivamente,paraterumataquederaivanarua.

Notas

a PtolomeuXIIIassistiuaoassassinatodapraia,mas,porsuaparticipação,conquistouum lugarpermanentenononocírculodoinfernodeDante.LáestáemcompanhiadeCaimedeJudas.

b Nisso não estavam sozinhos. Segundo um relato, Alexandre, o Grande, havia consultado umfamosooráculoarespeitodesuaascendência.Eletinhaalgumasdúvidas,coisaquegeralmenteacontecequandosedizquesuamãeseacasaloucomumaserpente.Sabiamente,eledeixouseuséquitoforadotemploeofereceuumapropinaantecipada:ooráculogarantiuqueeleera ilhodeZeus.

c Devido à genealogia congestionada, Ptolomeu VIII era bisavô de Cleópatra três vezes e duasvezesseutrisavô.

dAfamíliadeAlexandre,oGrande,temduasCleópatras,aúltimamulherdeseupaieumairmãdoisanosmaisnovaqueAlexandre.Ambasforamassassinadaspormembrosdafamília.

e TambémnãoéclaroseelaeramãedeCleópatra,emboraseCleópatra fosse ilegítimaépoucoprovávelqueissotivesseescapadoaseusdetratores.

f Teódoto escapou, mas foi perseguido. Na época em que seu nome começou a aparecer nasdiscussõesdesaladeaula,haviasidocrucificado.

g Ahistóriaéparalelaàdos francesesemsolonorte-americano.NosEstadosUnidosdoperíodocolonial, a línguadoVelhoMundodissoluto eraumveículode contágio; ondehavia franceses,eracertohaverdepravaçãoefrivolidade.NoséculoXIX,ofrancêseraoagenteindispensáveldaaltacultura,daexpressãomaisplena,dovocabuláriomaisrico,dealgumaformamuitosuperioremsuasnuancese sua lexibilidade.Essaadmiraçãochegouabeiraro ressentimento,aoqualinalmente sucumbiu. Ummovimentado século depois, o francês era visto como ultrapassado,prolixo,altamenteirrelevante,umaafetação.

h Aversãohelenísticada “grávidadescalçana cozinha” eraumepíteto romano: “Ela adoravaomarido,deu-lhedois ilhos,cuidavadacasaetrabalhavacomlã.”(CitadoemFinley,M.I.AspectsofAntiquity.Londres,Chatto,1968,p.142.)

—III—

CLEÓPATRACAPTURAOVELHOCOMMÁGICA1

“Umamulherqueégenerosacomseudinheirodeveserlouvada;masnãoseelaégenerosacomsuapessoa.”

QUINTILIANO2

Muito pouca coisa sobre o século I a.C. era original; a época se distingue sobretudo por suacompulsiva reciclagem de temas familiares. De forma que quando uma mocinha fogosa seapresenta diante de um homem do mundo astuto e muito mais velho, o crédito pela seduçãopertenceaela.Jánaquelaépocaessetipodeencontroprovocavafalação,comocontinuariaafazerpordiversosmilênios.Naverdade,nãoéclaroquemseduziuquem,assimcomonãoéclaroquandoCésar e Cleópatra caíram umnos braços do outro. Haviamuita coisa em jogo de ambos os lados.Plutarco coloca o indômito general desarvorado diante da sedutora de 21 anos. Em dois rápidospassoseleé “cativado”por suaastúciae “dominado”por seu charme:3 Apolodoro veio, César viu,Cleópatraconquistou,umasequênciadeeventosquenãoresultanecessariamenteafavordela.Norelato de Dio — que deve ser inspirado no de Plutarco, que o precedeu em um século —, eletambémreconheceopoderdeCleópatraparasubjugarumhomemcomodobrodesuaidade.SeuCésar ica instantânea e inteiramente escravizado. Dio deixa, porém, uma insinuação decumplicidadedepartedoromano,conhecidoporserbemchegadoaosexooposto“atalpontoqueele tinha suas intrigas commuitas outrasmulheres—com todas, semdúvida, que cruzavamseucaminho”. IssoatribuiaCésarumacertaatividade,emvezdedeixá-lo indefesonasmãos deumasereia dissimulada e irresistível. Dio propõe também uma cena mais elaborada. No palácio,Cleópatra tem tempo de se arrumar. Ela aparece “no estilo mais majestoso e ao mesmo tempodesamparado”,umaordemumtantoestranha.SeuCésarsetornaumdevoto“aovê-laeaoouvi-ladizerumaspoucaspalavras”,palavrasqueCleópatrasemdúvidaescolheucomgrandecuidado.Elanunca antes havia encontradoumgeneral romano e não faziamuito ideia do que esperar.Deviasaber apenasque, nopiordos casos, seriapreferível ser feitaprisioneirapor JúlioCésarqueporseupróprioirmão.a

Emtodososrelatos,Cleópatraestabeleceucomfacilidadealgumtipodeacordo com César, que logo passou a agir “como advogado da própriamulherdeque, anteriormente, elepensara ser juiz”4. A sedução pode terlevadoalgum tempo,ou,pelomenos,maisqueaprimeiranoiteda lenda;nãotemosprovadequearelaçãofoiimediatamentesexual.Àluzdodia—senãonecessariamente damanhãdepois da chegadanada ortodoxa e

espetacular —, César propôs uma reconciliação entre Cleópatra ePtolomeu, “com a condição de que ela reinasse como parceira dele noreino”.5Issonãoera,dejeitonenhum,oqueosconselheirosdoirmãodelaestavam esperando. Eles tinham as cartas na mão. Acreditavam terassinadoumpactocomCésarnapraiaemPelúsio.6Nemcontavamcoma

inesperadaapariçãodeCleópatranopalácio.O jovem Ptolomeu deve ter icadomais surpreso de encontrá-la ali do

que o próprio César. Furioso por ter sido ludibriado, recorreu a umcomportamentoquesugerequeprecisavamuitodeumaconsorte:caiuemprantos. Em sua raiva, saiu correndo pelos portões, para o meio damultidãoláfora.Emmeioaseussúditos,rasgoua itabrancadacabeçaejogou-anochão,uivandoquea irmãotinhatraído.OshomensdeCésarodominaram e o levaram de volta para o palácio, onde icou em prisãodomiciliar. Levarammais tempopara apaziguar a violência na rua,muitoencorajada, nas semanas seguintes, por Potino, o eunuco, que havialideradoomovimentoparadeporCleópatra.AgloriosacarreiradarainhateriaterminadoaliseelanãotivesseasseguradoofavordeCésar.Atacadocomofoiporterraepormar,Césartambémpodiaterterminadoadeleali.Eleacreditavaestarresolvendouma vendettafamiliarenãoentendeuque,com duas legiões cansadas e sujas,7 havia incitado uma rebelião degrandes proporções. Cleópatra parece também não tê-lo informado quenãocontavacomoapoiodosalexandrinos.Apreensivo, César resolveu aparecer diante do povo. De um lugar

seguro—parecetersidoumbalcãoelevadoouumajaneladopalácio—,ele“prometeufazerporelestudooquequisessem”. 8Aíosdotesretóricosbemafiadosforamúteis.CleópatradeveterinstruídoCésaracomoaplacaros alexandrinos, mas ele não precisava de tutor para fazer um discursoclaro, convincente, caracteristicamente pontuado por gestos de mãovigorosos. Era um gênio reconhecido nesse âmbito, um orador de tomperfeitoeumlapidadoestilista, insuperávelna“habilidadede in lamarasmentesdosouvinteseconduzi-losnadireçãoquefosseexigidapelocaso”. 9

Ele não fez referência a seu alarme, focalizando de preferência suanegociação com Ptolomeu e a irmando que ele próprio estava“particularmenteansiosopordesempenharopapeldeamigoeárbitro”. 10

Parece ter sidobem-sucedido.Ptolomeuconcordoucoma reconciliação,oque não era uma grande concessão, uma vez que sabia que seusconselheiros continuariam na luta de qualquer modo. No momento, elesestavam secretamente convocando o exército ptolomaico de volta aAlexandria.César, então, convocouuma assembleia formal, à qual os dois irmãos o

acompanharam. Com sua voz aguda e anasalada, ele leu o testamento deAuletes. O pai deles, apontou César, havia determinado claramente queCleópatra e seu irmão vivessem juntos e governassem em comum, sob aproteção romana. Dessa forma, César concedeu o reino aos dois. É

impossível não ver a mão de Cleópatra no que veio em seguida. Paraprovar sua boa vontade (ou, como na visão de Dio, para acalmar umamultidãoexplosiva),Césarfoimaislonge.EleconcedeuailhadeChipreaosdois outros irmãos de Cleópatra, Arsínoe, de dezessete anos, e PtolomeuXIV,dedoze.Ogestoerasigni icativo.Péroladaspossessõesptolomaicas,oChipre comandava a costa egípcia. Fornecia madeira ao rei egípcio epermitia um quase monopólio de cobre. O Chipre representava tambémum ponto nevrálgico na história ptolomaica. O tio de Cleópatra haviagovernado a ilha dez anos antes, quando Roma exigiu dele somasexorbitantes. Ele preferiu veneno a pagamento. Seus bens foramrecolhidos e despachados para Roma, onde foram exibidos em des ilepelas ruas. Em Alexandria, seu irmão mais velho, pai de Cleópatra,manteve silêncio, comportamento covarde devido ao qual seus súditos oexpulsaram furiosamentedoEgito.Cleópatra tinhaonzeanosnaépoca.Époucoprovávelquetenhaesquecidoarevoltaeahumilhação.César conseguiu acalmar o povo, mas não conseguiu neutralizar as

hostilidadesnotocanteaPotino.Oex-tutornãoperdeutempoemagitaroshomens de Aquilas. Garantiu a eles que a proposta romana era umaimpostura.SeráquenãopercebiamolongoelindobraçodeCleópatraportrás de tudo? Pode-se entrever uma espécie de testemunho perverso nofato de Potino — que a conhecia bem, intimamente, se de fato foi seuprofessor—temera jovemtantoquanto temiaovelhoromano.Ele jurouque César havia “dado o reino ostensivamente às duas crianças apenaspara silenciar o povo”. 11 Assim que pudesse, ele o transferiria paraCleópatra apenas. Havia também um segundo perigo à espreita, tãoindicativodadeterminaçãodeCleópatraquantoda faltadedeterminaçãodePtolomeu.E se, enquanto con inada comelenopalácio, aquelamulhermatreira conseguisse seduzir seu irmão? O povo nunca se oporia a umcasal real, mesmo sancionado por um romano impopular. Tudo estariaperdido,insistiuPotino.Eletraçouumplano,queevidentementerevelouacoconspiradores demais. No banquete realizado para celebrar areconciliação, o barbeiro de César — havia uma razão para barbeariasservirem como correio no Egito ptolomaico — fez uma descobertasurpreendente.Aquele“sujeitoativo,atento”,sempreinquisitivo,descobriuque Potino e Aquilas pretendiam envenenar César. E não contentes comisso, tramavam assassinar Cleópatra também. César não se surpreendeu.Ele vinhadormindo esporadicamente e em horários estranhos para seprotegercontratentativasdeassassinato.Cleópatratambémdevetertidonoitesinquietas,pormaisvigilantesquetivessecomoguardas.

Césardestacouumhomemparacuidardoeunuco,oquefoifeito.Desuaparte, Aquilas estavamais intensamente focalizadono que viria a ser, naestimativa discreta de Plutarco, “uma guerra embaraçosa eproblemática”.12 César tinha 4 mil homens, nada descansados, nem emforma para se sentirem invencíveis. A força de Aquilas era cinco vezesmaior e marchava sobre Alexandria. E apesar de todas as pistas queCleópatra possa ter dado, César não percebia su icientemente aprofundeza damalícia ptolomaica. Em nome do jovem rei, Césarmandoudois emissários com uma proposta de paz. Eram homens de estatura eexperiência.Amboshaviamservidoe icientementesobasordensdopaideCleópatra. É muito provável que César os tivesse conhecido antes emRoma. Aquilas, que César reconhecia ser “um homem de notávelaudácia”,13 entendeu essa aproximação pelo ato de fraqueza que era. Eleassassinou os embaixadores antes que conseguissem sequer entregar amensagem.Com a chegada de tropas egípcias à cidade, Aquilas tentou invadir os

aposentos de César. Freneticamente, na escuridão da noite, os romanosforti icaramopaláciocomtrincheiraseumamuralhadetrêsmetros.Césarpodia estar isolado, mas se dava o trabalho de combater contra suavontade. Ele sabia que Aquilas estava recrutando tropas auxiliares emtodososcantosdopaís.Enquantoisso,osalexandrinosestabeleciamvastasfábricasdemuniçãoportodaacidade;osricosequipavamepagavamseusescravos adultos para combater os romanos. Escaramuças irrompiamdiariamente. César estava preocupado sobretudo com a água, que eraescassa, e com a comida, que não tinha. Potino já havia reforçado suaposição entregando trigomofado. Como sempre, o bem-sucedido generaleraumlógicodotado;eraessencialqueCésarnãoficassenemisolado,nemvulnerávelno lagoMareótis,aosuldacidadeeseusegundoporto.O lagode água doce, brilhante e azul, conectava Alexandria ao interior do Egitopor meio de canais; era tão rico e importante quanto os dois portosmediterrâneos. No fronte psicológico, havia outras considerações. Césarfaziatudooquepodiaparacortejarojovemrei,porentender“queonomerealtinhagrandeautoridadesobreopovo”. 14Atodosquepudessemouvir,eleemitialembretesconstantesdequeaguerranãoeradePtolomeu,masdeseusdesonestosconselheiros.Osprotestoscaíamemouvidossurdos.Enquanto César cuidava de suprir linhas e forti icações, uma segunda

trama se incubava no palácio, onde a atmosfera já devia ser bemcarregada,pelomenosentreos irmãosemchoque.Arsínoetambémtinhaumtutoresperto.Esseeunucoentãoconseguiuqueelaescapasse.Ogolpe

sugeria que ou Cleópatra tinha sido negligente (altamente improvávelnessascircunstâncias),preocupadacomaprópriasobrevivênciaedeseuirmão, ou astutamente enganada. É pouco provável que ela subestimassesuairmãdedezesseteanos.Arsínoetinhaambiçãoardente;15elanãoeraotipodemoçaqueinspirassecomplacência.Claramentenãotinhagrandeféem Cleópatra, sentimento que provavelmente guardara para si mesmadurantesemanas.b Foradasmuralhasdopalácio, ela foimais falante.EraumaPtolomeunãosubmissaaumestrangeiro,precisamenteaquiloqueosalexandrinospreferiam.Elesadeclararamrainha—cada irmã tinha tidoagora a sua vez—, e o povo se juntou exuberantemente em torno dela.ArsínoeassumiuposiçãoaoladodeAquilas,à frentedoexército.Emseusaposentos no palácio, Cleópatra tinha ainda mais razão para achar maisprudente con iar num romano do que num membro da própria família.Isso também era bem sabido em 48 a.C. “Um amigo leal”, nos lembraEurípides,“vale10milparentes.”16

No ano do nascimento de Cleópatra,Mitrídates, o Grande, o rei pôntico, sugeriu uma aliança comseu vizinho, rei dos partos.c Havia décadas que Mitrídates vinha lançandoinsultos e ultimatos aRoma,queelesentiaestarsistematicamenteengolindoomundo.17O lageloestavaagoravindonadireçãodeles,alertou,e“nenhumalei,humanaoudivina,os impededetomaredestruiraliadoseamigos, os próximos e os distantes, fracos ou poderosos, e de considerar cada governo que nãoserveaeles,principalmenteasmonarquias,comoseusinimigos”.Nãofaziasentidosejuntarem?ElenãoestavadispostoaseguirospassosdopaideCleópatra.Auletes “evitavahostilidadesdiaadiapagando com dinheiro”, 18 Mitrídates zombava; o rei egípcio devia se achar esperto, mas estavaapenasretardandooinevitável.Osromanosembolsavamseusfundos,masnãoofereciamgarantias.Não tinham respeito por reis. Traíam até os que eram amigos. Iam destruir a humanidade ouperecernoprocesso.Aolongodasduasdécadasseguintes,elesdefatoprocederamàdesmontagemdo vasto Império Ptolomaico, acontecimentos que Cleópatra deve ter acompanhado de perto.Cirene, Creta, Síria, Chipre tinham ido embora havia tempos.O reino que ela herdaria era poucomaiorquequandoPtolomeu I se instalarano tronodois séculos antes.OEgitohaviaperdido sua“cercadeEstadosassociados”19;estavaagoracercadoporterrasromanasdetodososlados.Mitrídates avaliou corretamente que o Egito devia sua prolongada

autonomiamais aos ciúmesmútuos emRomadoque aoourodeAuletes.Paradoxalmente, a riqueza do país impedia sua anexação, uma questãolevantada em Roma pela primeira vez por Júlio César, quando Cleópatratinha sete anos. A concorrência de interesses mantinha a discussão emxeque. Nenhuma facção queria que a outra dominasse um reino tãofabulosamente rico, base ideal para derrubar uma república. Para osromanos, o país de Cleópatra continuava a ser um incômodo perene, naspalavrasdeumhistoriadormoderno“umaperdasedestruído,umriscoseanexado,umproblemaparagovernar”.20

Desdeo começo,Auleteshavia seenvolvidoemumadançadegradantecomRoma, cujas indignidades deram o sabor dos primeiros anos de suailha.Por todooMediterrâneo, os governantesmiravamessa cidadeparaancorar suas pretensões dinásticas; era um abrigo seguro para reis emcrise.Umséculoantes,PtolomeuVItinhaviajadoemfarraposaRomaparaseinstalarnumsótão.Poucotempodepois,seuirmãomaisnovo,bisavôdeCleópatra,quedesmembrouoprópriofilho,fezamesmaviagem.Eleexibiucicatrizessupostamentein ligidasporPtolomeuVIeimploroumisericórdiaao Senado. Os romanos olhavam com tédio a in indável procissão desuplicantes, injuriadosounão.Recebiamsuaspetiçõese tomavampoucasdecisões.Emcertoponto,oSenadochegouaopontodeproibiraudiênciasde apelação. Não havia razão para adotar uma política externaconsistente.21 Quanto à desconcertante questão do Egito, alguns sentiamqueseriamelhorqueopaísfossetransformadoemumprojetodemoradiaparaospobresdeRoma.Mais recentemente emenosproblematicamente, outrodos tios-avósde

Cleópatra formulara uma engenhosa estratégia para se proteger de seuirmão conspirador. Em caso demorte, Ptolomeu X deixava seu reino emtestamento para Roma. Esse testamento pairava incomodamente sobre acabeça de Auletes, assim como sua própria ilegitimidade e suaimpopularidadecomosgregosalexandrinos.E,comoseudomíniodotronoera inseguro, ele tinha pouca escolha, além de cultivar favores do outrolado doMediterrâneo. Isso teve um custo para ele aos olhos romanos, aquempareciaestarcondescendendo,etambémaosolhosdeseussúditos,que não gostavam de ver seu soberano se curvando a estrangeiros.Auletes,alémdisso,eraadeptodeumasabedoriapromulgadapelopaideAlexandre, o Grande: qualquer fortaleza podia ser atacada, contanto quehouvesse um jeito de entrar nela com um burro levando uma carga deouro nas costas. Consequentemente, ele se viu preso num círculo vicioso.As cargasdoburro exigiramqueopai deCleópatra taxasse seus súditosmais severamente, o que enfureceu asmesmaspessoas cuja lealdade elehaviatrabalhadotãoassiduamenteparacompraremRoma.Auletes sabia muito bem o que César, em 48, estava descobrindo em

primeira mão: a população alexandrina constituía uma força em si. Amelhorcoisaquesepodiadizerdessepovoeraqueeraarguto.Tinhaumhumorrápidoecortante.Osalexandrinossabiamdarrisada.Eramloucospor drama, como sugeriam os quatrocentos teatros da cidade. Não erammenos competitivos. O gênio para entretenimento abrangia o gosto pelaintriga, uma propensãopara o tumulto. Para um visitante, a vida

alexandrina era “apenas uma festa sem im,22 e não uma festa doce oudelicada,masselvagemeáspera,umafestadedançarinos,assobiadoreseassassinos, todos combinados”. Os súditos de Cleópatra não tinhamescrúpulosemseaglomerarnosportõesdopalácioegritarbemaltosuasexigências.Eraprecisomuitopoucoparaproduzirumaexplosão.Durantedois séculos, com toda liberdade, loucamente, tinham deposto, exilado eassassinadoPtolomeus.Haviam forçadoabisavódeCleópatraagovernarcomum ilhoquandoela tentougovernarcomoutro.Tinhamexpulsadootio-avôdeCleópatra.HaviamarrastadoPtolomeuXIparaforadopalácioeesquartejadomembroamembroquandoeleassassinouaprópriaesposa.Para a mentalidade romana, o exército romano não era melhor. ComoCésarobservoudopalácio:“Esseshomenstinhamocostumedeexigirqueamigos do rei fossem executados, saqueavam propriedades dos ricos, 23

sitiavamaresidênciadoreiparaconseguirmelhoressalárioseremoviamuns e apontavamoutrosparao trono.”Eramessas as forças emebuliçãoque César e Cleópatra ouviam diante dasmuralhas do palácio. Ela sabiaque não nutriam por ela nenhuma afeição particular. Seus sentimentospelos romanos eram igualmente claros. Quando Cleópatra tinha nove oudezanos,umo icialvisitantehaviaacidentalmentematadoumgato,animalsagrado no Egito.d Juntou-se uma multidão furiosa, com a qual umrepresentantedeAuletestentouargumentar.Emborafosseumcrimeparaum egípcio, sem dúvida um estrangeiro mereceria isenção especial? Elenãoconseguiusalvarovisitantedasededesanguedaturba.O que Auletes deixou para sua ilha foi um ato de equilíbrio precário.

Agradarumeleitoradoeradesagradarooutro.NãoobedecerRomalevavaaintervenção.NãoenfrentarRomalevavaatumultos.(Auletesparecenãoter sidomuitoamadoporninguém,anãoserCleópatra,quepermaneceusemprelealasuamemória,apesardocustopolíticodessalealdadeemsuaterra.)Osperigoserammúltiplos.OsujeitopodiaserremovidoporRoma,comootiodeCleópatra,oreidoChipre,haviasido.Podiasereliminado—esfaqueado, envenenado, exilado, desmembrado — por sua própriafamília. Ou podia ser deposto pelo populacho insatisfeito e perturbador.(Havia variações sobre esses temas também. Um Ptolomeu podia serodiado por seu povo, adorado pelos cortesãos reais; amado pelo povo etraídopelafamília;oudetestadopelosgregosalexandrinoseamadopelosegípcios nativos, como era Cleópatra.) Auletes passaria trinta anoscortejandoo favordeRomaapenasparadescobrirno inalqueeledeviaterprocuradoprestígioemcasa.Quandoescolheunão intervirnoChipre,foi sitiadoporseussúditos,queexigiramqueeleenfrentasseosromanos

ou libertasse seu irmão. Seguiu-se o pânico. Não seria uma históriaadmonitória para o Egito? Auletes fugiu para Roma, onde passou grandeparte dos três anos seguintes negociando sua restauração. Era a essesanos que Cleópatra devia a visita de César. Embora Auletes não fosseabsolutamente bem-recebido por todos em Roma, poucos — César ePompeu entre eles — foram capazes de resistir a uma propina grega.Muitos, de bom grado emprestaram dinheiro a Auletes para pagar essaspropinas, fundos que ele prontamente aceitou. Quanto mais numerososseuscredores,maisnumerosososqueinvestiamemsuarestauração.Durante boa parte de 57, a batata quente domomento era como lidar

(ou não) com os apelos do rei deposto. O grande orador Cícerofurtivamente trabalhou horas extras para conduzir amigos pela questãoespinhosa, um negócio “demonizado por certos indivíduos, não sem aconivênciadopróprioreiedeseusconselheiros”. 24Aquestão icounumaencruzilhada por algum tempo. Auletes pode ter icado na história comoum libertino e uma marionete, mas em Roma ele se destacou pelatenacidade e pela mestria nas negociações, para desespero de seusan itriões. Ele distribuiu pan letos no Fórum eno Senado. Distribuiuliteiras—divãscomtoldo,paraseviajaresplendidamentepelacidade—aseusapoiadores.Asituaçãosecomplicoucomasrivalidadesentrepolíticosque disputavam a prazerosa recompensa de ajudá-lo; sua restauraçãoresultounumesquemade “ iquericodepressa”.Em janeirode56,Cíceroreclamava que o negócio havia ganhado uma “notoriedade altamenteinvejável”. Provocou gritos, empurra-empurra, cuspidas no Senado. E oassuntosó icavamaisemaisdelicado.ParaimpedirPompeuouqualqueroutro indivíduo de prestar assistência a Auletes, veio à tona um oráculoreligioso. Ele alertava que um rei egípcio não podia ser reconduzido aopoderporumexércitoromano,atoexpressamenteproibidopelosdeuses.OSenado respeitouesse subterfúgio, bufouCícero, “nãopor religião,maspormávontadeepeloódiodespertadopelagenerosidadereal”.25

Da aventura além-mar de Auletes veio outra lição essencial para aCleópatra adolescente. Assim que Auletes deixou o país, sua ilha maisvelha,Berenice IV,usurpouo trono;oprestígiodeleera tãobaixoqueosalexandrinos adoraram trocá-lo por uma adolescente. Berenice contavacomoapoiodapopulaçãonativa,massofriacomoproblemadeconsorte,problema que falava ao dilema de Cleópatra e que ela abordaria demaneira diferente. Berenice precisava de um corregente desposável. Erauma questão complicada, uma vez que gregos macedônios adequados,bem-nascidos, eram produto raro. (Por alguma razão, icou decidido que

Berenice não consideraria a possibilidade dos irmãos mais jovens, queestariamquali icadoscomoreis.)Opovoescolheuporela,convocandoumpríncipe selêucida. Berenice achou-o repugnante. Foi estrangulado diasdepois da união. A possibilidade seguinte era um ambicioso sacerdotepôntico que se orgulhava de duas credenciais signi icativas: era hostil aRomaepodiapassarpornobre. Instaladocomocorregentenaprimaverade 56, ele se deu melhor. Enquanto isso, os alexandrinos despachavamuma delegação de 101 embaixadores a Roma, para protestar contra abrutalidade de Auletes e impedir seu retorno. Ele envenenou o líder dogrupoemandouassassinar,subornarouexpulsardacidadeosrestantes,antesquepudessemapresentarseusargumentos.Convenientemente,nãohouve investigação do massacre —do qual Pompeu parece ter sidocúmplice—,maisumtributoàgenerosidadedeAuletes.As legiões romanas devolveram Auletes ao Egito em 55. Ninguém se

encantou muito com a dúbia missão, principalmente porque exigia umamarchaporumdesertoescaldante,seguindoporumdi íciltrajetoentreasareiasmovediças e os fétidos lagos de Pelúsio. Aulo Gabíneo, governadorsírio e protegido de Pompeu, concordou, relutante, em liderar a missão,fosse por razões legítimas (ele temia um governo che iado pelo novomarido de Berenice), fosse por uma propina quase equivalente à rendaanual do Egito, ou a pedido do empenhado jovem chefe de sua cavalaria,muitoenlevadocomAuletes.Esseo icialeraodesgrenhadoMarcoAntônio,quedeixariaemseurastroumgranderenomeparacapitalizarmaistarde.Ele lutou valentemente. Também insistiu com Auletes para perdoar oexércitodeslealnafronteiraegípcia.Orei,soandoumavezmaisumpoucocomoumine icientediletante,“emsuaraivaerancor” 26 preferia executaresseshomens.Desuaparte,Gabíneorespeitoumeticulosamenteooráculo.Cuidou para que Auletes seguisse sempre em segurança atrás dasbatalhas efetivas, de forma que não se pudesse a irmar literalmente queelehavia sido reconduzidoaopoderporumexército.O rei egípcio foi,dequalquer forma, devolvido ao palácio pelas primeiras legiões romanas apisarememAlexandria.Sobre o encontro com sua família, temos apenas um relato parcial.

Auletes executou Berenice. Também retaliou a corte, e reduziu suasposições hierárquicas, con iscando fortunas no processo. Substituiu altoso iciais e reorganizou o exército que se opusera a ele. Aomesmo tempo,atribuiu terras e pensões às tropas que Gabíneo deixou para trás. Astropas transferiram sua lealdade ao Egito. Era aquela bendita carga doburrooutravez;compensavamaisserviraumreiptolomaicodoqueaum

generalromano.27ComoCésarobservariadepois,aquelessoldados icaram“acostumados aos modos indisciplinados da vida alexandrina edesaprenderamobomnomeeacondutaordeiraderomanos”. 28E izeramisso num tempo excepcionalmente curto. Em seus momentos inais,Pompeureconheceuumveteranoromanoentreseusassassinos.O encontro de Auletes com a segunda ilha, provavelmente teve outro

sabor.Emvistadofracassodairmã,Cleópatra,aostrezeanos,eraagoraaprimeira na linha sucessória do trono. Ela já havia absorvidomuita coisaalémdotreinamentoemdeclamação,retóricae iloso ia.Pode-sedizerquesua educação política estava completa em 56; ela contaria pesadamentecomesse capítulodezanosdepois. Ser faraóerabom.Seramigoe aliadode Roma era melhor. A questão não era como resistir a esse poder àmaneira de Mitrídates, que izera carreira espicaçando, desa iando emassacrando romanos, mas como melhor manipular esse poder.Felizmente,ospolíticosromanoseramaltamentepersonalistas,devidoaoschoquesdeambiçõessenatoriais.Comsagacidadeerabastante fácil jogarumator-chavecontraooutro.Aumaprecoceeducaçãoemexibicionismo,Cleópatra somavauma introduçãodeprimeira classeà intriga.Elaestavanopalácioquandoasforçasegípciassefecharamcontraseupai,assimqueele voltou. Em48, Cleópatra seguia ummanual queAuletes havia dado aela antes, e pela segunda vez via-se numpalácio sitiado. Sua aliança comCésareradescendentediretadaaliançadeseupaicomPompeu,sendoamaiordiferençao fatodeelaterconseguidoemdiasoqueseupai levaraduasdécadasparaobter.Cinco anos depois de sua volta, Auletes morreu de causas naturais.

Estavacomsessentaepoucosanosetinhatidomuitotempoparaprepararsua sucessão. É possível que, como sua ilha mais velha sobrevivente,Cleópatra tivesse servido brevemente como corregente em seus mesesinais, convencida de que, ao contrário de tantos de seus antecessores,inclusive o próprio Auletes, estava ativamente preparada para o trono.Auletes se afastou da tradição ao deixar o trono para dois irmãos, o queparece indicar que Cleópatra manifestava-se tão excepcionalmentepromissora em idade precoce que Auletes sentia que estaria prevenindoum con lito de poder ao apontar os dois conjuntamente, ou que eleacreditavaqueCleópatraePtolomeuXIIIeraminseparáveis,oquenãoeraocaso.29Omaisprováveléquepaie ilhafossemespecialmentepróximos.Elafaziadetudoparahomenageá-lo,acrescentando“ ilhaamorosa”aoseutítuloepreservandoisso,apesardeumamudançadeconsorte.Umdeseusprimeiros atos seria cuidar dos arranjos funerários do pai, um assunto

demorado, cheio de incenso e unguento, pontilhado por oferendas e porruidosasmanifestação de lamento. Aos dezoito anos, ela assumiu o papelderainhacomforçaevigor.Quase imediatamente, teveachancedeabraçarasabedoriadeseupai

que, ao chegar ao Egito izera questão de prestar tributo aos deusesnativos, em pequenas aldeias e centros de culto. Fazê-lo era garantir adevoção da população egípcia. Eles reverenciavam seu faraó tãoabsolutamente quanto os desregrados alexandrinos o colocavam à prova.UmPtolomeu esperto dedicava templos aos deuses egípcios e se iliava aseus cultos; Cleópatra precisava de apoio, de força de trabalho, depopulação nativa. Bem antes de sua coroação, o touro Buchis tinhamorrido. Um dos diversos touros sagrados, ele estava intimamenteassociadoaosdeusesdoSoledaguerra;seucultovicejavapertodeTebas,noAltoEgito.Veneradopor todaparte,o touroviajavaembarcaespecialna companhia de uma equipe dedicada. Comparecia a eventos públicosadornadocomouroelápis-lazúli.Aoarlivre,eraguarnecidocomumaredesobre a cara, a im de não ser incomodado por moscas. Viveu cerca devinte anos, depois dos quais foi substituído por um sucessorcuidadosamente escolhido, que apresentava as marcas únicas — corpobranco e cara preta— do animal sagrado. Semanas depois damorte deAuletes, Cleópatra aproveitou a oportunidade para navegar com a frotarealosquasemilquilômetrosrioacima,nadireçãodeTebas,paralideraruma complexa procissão lutuante. Todos os sacerdotes do Egitoconvergiramaessaportentosaocasião,celebradadurantea luacheia.Emmeioaumamultidãodeperegrinos,“arainha,asenhoradosdoisreinos,adeusa que ama seu pai”, fez remar seu novo touro até sua instalação namargemocidentaldoNilo,umfortee incomumvotodeapoioaosegípciosnativos. Dentro do santuário do templo, em meio a uma turba defuncionáriose sacerdotesde túnicasbrancas,durante trêsdiasCleópatrapresidiu a entronização do touro. A região era conhecida por ela e aapreciava.Comofugitiva,em49,elahaviaseabrigadoali.Diversas vezes, nos primeiros anos de seu reinado, ela se inseriu no

culto nativo. Prestou assistência também ao enterro do mais importantedos touros sagrados, o de Mên is. 30 Ela contribuiu com as despesas doculto, que eramaltas, e forneceugenerosas raçõesde vinho, feijão, pão eóleo para os funcionários. Não há como questionar que a exibição e aapariçãoinusitadadeumPtolomeuproduziramumefeito:em51,aoseguirseu trajeto pela alameda ladeada de es inges até o rico templo pintado,Cleópatra “foi vista por todos”. Temos a descrição disso numa linha de

hieróglifos,numalínguacerimonialcomumnítidopropósitopolítico,talvezmelhor descrito como “orgulho tornado permanente”. 31 Existem tambémprovas da ambição de Cleópatra em seu primeiro ano. O nome de seuirmão está ausente dos documentos o iciais, onde deveria igurar comosuperioraodeCleópatra.Ele tampoucotemevidêncianasmoedasdela;oretrato altivo de Cleópatra aparece sozinho. A cunhagem de moedas sequali icacomoumalinguagemtambém.Éaúnicanaqualelanosfalacomsua própria voz, sem intérpretes romanos. Era assim que ela seapresentavaaosseussúditos.Cleópatranão foimuitoadeptadeassimilara liçãodeBerenice.Potino,

Aquilas e Teódoto não recebiam bem essa arrogante de pensamentoindependente, tão decidida a governar sozinha. Tinham um formidávelaliadonoNilo,queserecusavaacooperarcomanovarainha.Obem-estardopaísdependiainteiramentedaalturadaenchente;asecacomprometiaosuprimentodecomidaeaordemsocial.Aenchentede51foipobre,adoverão seguinte um pouco melhor. Os sacerdotes reclamavam dede iciências que os impediam de realizar rituais. Cidades se esvaziavamquando os moradores famintos se despejavam em Alexandria. Ladrõesespreitavam a terra. Os preços subiram dramaticamente; a tensão erauniversal.Emoutubrode50,quando icouclaroquehavianecessidadedemedidas drásticas, o irmão de Cleópatra voltou à cena. No im domês, ocasalemitiuumdecretorealemconjunto.Redirecionaramtrigoevegetaissecos do campo para o norte. Os alexandrinos com fome eram maisperigososqueosaldeõescomfome;eradointeressedetodosaplacá-los.Oeditoviriaaserreforçadoàmaneiratradicional:quemdesobedecesseeracondenado à morte. Encorajavam-se as denúncias, informantes eramricamente recompensados. (Um homem livre recebia uma terça parte dapropriedadedoculpado.Umescravoobtinhaumsexto,ea liberdade.)Aomesmo tempo, Ptolomeu XIII e Cleópatra ofereceram incentivos àquelesquepermanecessemnocampopara cultivara terra.Algumaopressãooualguma coerção teve lugar nesses meses também no palácio. Os doisirmãospodem ter trabalhado emparelhapelo bemdopaís.OuPtolomeupodiaestarsolapandosuairmã,deixandoseuspartidáriospassaremfomeem favor dos seus. Ambos os irmãos emitiram o edito de emergência. OnomedeCleópatraapareceemsegundolugar.Já em terreno traiçoeiro, duas vezes no ano seguinte ela caiu na

armadilha que engolira seu pai. Em im de junho de 50, dois ilhos dogovernador romano da Síria chegaram a Alexandria, para convencer astropas que tinham restabelecido Auletes a voltar para casa. Eles eram

necessários em outras partes. Esses soldados não tinham interesse emdeixar o Egito, onde Auletes havia recompensado generosamente seuserviçoemuitostinhamconstituídofamílias.Elesrecusaramenfaticamenteo convite, assassinando os ilhos do governador. Cleópatra podia ter feitojustiçaelaprópria,masemvezdissooptouporgarantiraboavontadedeRoma comum loreio teatral:mandou os assassinos acorrentados para aSíria, ato que, devia saber, teve como preço o apoio do exército. E elacontinuouatrocarumavulnerabilidadeporoutra.Ospedidosromanosdeajuda militar eram tão comuns em Alexandria quanto os pedidos deintervenções dinásticas em Roma. Não eram universalmente atendidos,embora Auletes tivesse inicialmente conquistado o favor de Pompeufornecendo-lhetropas.Em49,o ilhodePompeufezpedidosemelhanteaCleópatra, solicitando assistência na campanha de seu pai contra César.Cleópatra ofereceu ielmente cereais, soldados e uma frota, tudo nummomentodeagudacarênciaagrícola. Isso,muitoprovavelmente, foia suaChipre. Meses depois seu nome desaparece de toda documentação e elafoge para salvar a vida, terminando acampada no deserto sírio com seubandodemercenários.

Logodepoisda chegadadeCleópatra emoutubrode48,Césarmudou-sedamansãoem terrenorealparaopaláciopropriamentedito.CadageraçãodePtolomeushaviaampliadoovastocomplexo,tão magní ico no projeto quanto nos materiais. “Faraó” quer dizer “a maior família” em egípcioantigo, e isso os Ptolomeus haviam cumprido. O palácio continha bem mais de cem quartos dehóspedes. César tinha vista para jardins luxuosos com fontes, estátuas e casas de hóspedes; umaalamedaabobadadalevavadocomplexodopalácioparaoteatro,que icavaemterrenomaisalto.Nenhum monarca helenístico cultivava melhor a opulência do que os Ptolomeus, proeminentesimportadoresdetapetesdaPérsia,demar imeouro,detartarugaepelesdepantera.Comoregrageral,qualquersuper íciequepudesseserornamentadaoera,comgranadaetopázio,compinturaencáustica,commosaicosbrilhantes,comouro.Ostetosabobadadoseramcrivadosdeágataelápis-lazúli. Os capitéis coríntios brilhavam com ouro e mar im. O palácio de Cleópatra exibia a maiorprofusãodemateriaispreciososconhecidanoperíodo.Na medida em que era possível estar confortável quando sitiados,

Cleópatra e César estavam bem-acomodados. Nenhum utensílio de mesaou móvel estofado de seu reduto traía, porém, o fato de que Cleópatra,virtualmente sozinha na cidade, estava ansiosa para que o romano seenvolvessenasquestõesegípcias.Orumoreoescárniodefora,otumultodarua,aspedrasavoara irmavamisso.Alutamaisintensatevelugarnoporto, que os alexandrinos tentaram bloquear. Logo conseguiram atearfogo a diversos navios cargueiros romanos. Além disso, a tropa queCleópatra havia emprestado a Pompeu tinha voltado. Ambos os lados

disputavam o controle daqueles cinquenta quadrirremes equinquerremes, naves grandes que exigiam quatro e cinco ileiras deremadores. César não podia permitir que os navios caíssem em mãosinimigasseesperavaverprovisõesoureforços,quesolicitaraemtodasasdireções. Nem podia esperar equipá-los. Estava em número seriamenteinferior e em desvantagem geográ ica; em desespero, ele ateou fogo aosnaviosdeguerraancorados.Édi ícilde imaginara reaçãodeCleópatraàmedidaque as chamas se espalhavampelas cordas e pelos conveses. Elanão podia escapar daspenetrantes nuvens de fumaça, acre como cheiroderesina,quepassavamporseus jardins;opalácio icou iluminadopelaschamas que queimaram noite adentro. Deve ter sido esse incêndioportuário que tomou uma parte da biblioteca de Alexandria.32 Cleópatratambémnãopodeterdeixadodesaberdaintensabatalhaqueprecedeuacon lagração,paraaqual todaa cidade sevoltou: “Enãohaviaumaalmaem Alexandria, romana ou nativa, exceto aquelas cuja atenção estavaempenhadaemobradeforti icaçãoounaluta,quenãotenhacorridoparaosprédiosmaisaltoseassumidoseuslugaresparaassistiroespetáculodeumpontoprivilegiado, comvotos eprecespedindoaosdeuses imortais avitóriaparaoseu lado.” 33 Emmeioà confusãodegritosemuita comoção,os homens de César arrastaram-se até Faros para tomar o grande farol.Césarpermitiuquesaqueassemumpouco,depoisinstalouumaguarniçãonailharochosa.TambémlogodepoisdachegadadeCleópatra,Césarcompôsaspáginas

inais do volume hoje conhecido comoA guerra civil. Ele devia estarescrevendosobreessesacontecimentosemalgopróximoaotemporeal.Jáse sugeriu que ele parou onde parou — com a fuga de Arsínoe e oassassinato de Potino — por razões literárias ou políticas. 34 César nãopodia discursar com facilidade sobre uma república ocidental em umpaláciooriental.Ele tambémestava,naquela conjunturade suanarrativa,brevemente emposição dominante. Também émuito provável que Césarsevisse commenos tempoparaescrever, senão totalmenteocupado.Eleera, sem dúvida, um homem famoso por ditar cartas de seu lugar noestádio, produzir um texto em latim em viagem para a Gália e um longopoema a caminho da Espanha. O assassinato do eunuco Potino, porém,galvanizouaoposição,quejácontavaatécomasmulhereseascriançasdacidade. Elas não precisavamde telas de vime nemde aríetes, felizes queestavamde se expressar comestilinguesepedras. Saraivadasdemísseisfeitos em casa despencavam sobre as paredes do palácio. As batalhas seacendiam noite e dia, enquanto Alexandria ia se enchendo de reforços

zelosos,decabanasdesítioecatapultasdediversostamanhos.Barricadasdedozemetros e largura tripla atravessavama cidade, transformada emcampoarmado.Do palácio, César observouo que havia posto Alexandria nomapa e o

queatornavatãodi ícildegovernar:seupovotinharecursos in indáveis,sem limites.Seushomensobservavamsurpresos—eressentidosporquea engenhosidade devia ser especialidade romana — enquanto osalexandrinosconstruíamtorresdeassaltodedezandares.Animaisdetiropuxavam essas monumentais construções pelas avenidas retas epavimentadas da cidade. Duas coisas especialmente surpreendiam osromanos.TudoaconteciamuitodepressaemAlexandria.Eseushabitanteseram copistas de primeira linha. Repetidamente, estavam um passo nafrentedeCésar.Comocontoudepoisogeneral romano,eles “punhamemfuncionamentotudooquenosviamfazercomtamanhaperíciaquepareciaqueeramnossastropasquehaviamimitadootrabalhodeles”. 35Oorgulhonacionalestavaem jogodeambosos lados.QuandoCésar levouamelhorsobre os navegantes alexandrinos numa batalha naval, eles icaramabalados. Subsequentemente, eles se lançaramà tarefa de construir umafrota. No estaleiro real secreto havia diversos navios velhos, não maisnavegáveis. Vieram abaixo colunatas e tetos do estádio, as vigasmagicamente transformadas em remos. Em questão de dias, 22quadrirremes e cinco quinquerremes sematerializaram, ao lado de umaporçãodenaviosmenores,tripuladoseprontosparaocombate.Quasedodiaparaanoite,osegípciosjuntaramumamarinhaduasvezesmaiorqueadeCésar.e

Insistentemente os romanos chiaram contra a dupla capacidadealexandrinade enganoe traição, que emmeio aumcon lito armado semdúvidaéaltamenteelogiável.Comoparaprovar isso,Ganimedes, ex-tutorde Arsínoe e novo comandante real, pôs seus homens para trabalhar,cavando poços profundos. Esgotaram o encanamento subterrâneo dacidade, para os quais bombearam água domar. Rapidamente a água dopaláciomostrou-seturvaeimprópriaparaconsumo.(GanimedespodiaounãosaberqueesseeraumvelhotruquedeCésar,quehavia incomodadoPompeu da mesma forma.) Os romanos entraram em pânico. Não fariamais sentido se retirar imediatamente? César acalmou seus homens: aágua potável não devia estar longe, uma vez que os veios dela ocorremcom frequência junto aomar.Umdeles icava logo abaixodamuralhadopalácio. Quanto à retirada, não era uma opção. Os legionários nãoconseguiriam chegar a seus navios antes que os alexandrinos os

assassinassem.Césarordenouescavaçõesnoiteedia,eacabouacertando;seushomenslogolocalizaramáguapotável.Mascontinuavasendoverdadeque, a seu favor, os alexandrinos tinham grande habilidade e muitosrecursos,assimcomoamaispotentedasmotivações:suaautonomiaestavaem jogo. Tinham lembranças nitidamente desfavoráveis de Gabíneo, ogeneral que devolvera Auletes ao trono. Não conseguir expulsar CésaragoraerasetornarumaprovínciadeRoma.Césarsópodialembraraseushomensquetinhamdelutarcomigualconvicção.Eleseviuinteiramentenadefensiva,talvezoutrarazãoparaorelatoda

Guerra Alexandrina que leva seu nome ter sido escrito por um o icialsênior, baseado em conversas pós-guerra. César de fato controlava opalácioeofarolaleste,masAquilas,comandantedePtolomeu,dominavaoresto da cidade e com isso quase todas as posições vantajosas. Seushomens emboscavam persistentemente os suprimentos romanos.Felizmente para César, se havia uma coisa com que podia contar tantoquantoaengenhosidadealexandrinaeracomalutainternaalexandrina.OtutordeArsínoediscutiucomAquilas,aquemacusoudetraição.Seguiu-seuma série de conspirações, para grande prazer do exército, que recebiasubornos cada vez mais generosos de ambos os lados. Por im, ArsínoeconvenceuseututoraassassinarotemívelAquilas.Cleópatrasabiabemoque sua irmã Berenice havia conseguido na ausência do pai; ela haviaerradofeioaonãoconseguirimpedirafugadeArsínoe.No im,Arsínoe eGanimedesnão eramnada favoritos dopovo. Isso os

alexandrinos deixaram claro quando os reforços estavam chegando eCésar começoua sentirqueaguerraviravaa seu favor—apesarde tersido forçadoaatravessaroportoanadoedeumadevastadoraperdadehomens.Emmeadosdejaneiro,umadelegaçãoveioaopalácio,logodepoisdoaniversáriode22anosdeCleópatra.Elesbatalharampelalibertaçãodojovem Ptolomeu. O povo já havia tentado, sem sucesso, libertar seu rei.Agoradiziamqueestava tudoacabado comsua irmã.Ansiavampelapaz.PrecisavamdePtolomeu“a imde,comodiziam,poderemdiscutircomeleos termos para se poder chegar a uma trégua”. 36 Claro que ele havia secomportadobemsobguarda.Geralmente,elenãodeixavaumaimpressãode fortaleza ou liderança, embora a petulância lhe viesse naturalmente.César via algumas vantagens em sua libertação. Se os alexandrinosviessem a se render, ele ia ter de se livrar de alguma forma desse reiincômodo; era claro que Ptolomeu nunca mais poderia governar com airmã. Em sua ausência, César teria melhor razão para entregar osalexandrinos a Cleópatra. E se Ptolomeu continuasse a lutar — não ica

claro se o raciocínio aqui era de César ou atribuído a ele posteriormente—,osromanosestariamfazendoumaguerraqueeraaindamaishonrosaporserlutada“contraumreimaisdoquecontraumbandoderefugiadoseescravosfugidos”.37

César convocou prontamente o irmão de treze anos de Cleópatra paraumaconversa.Insistiucomeleparaque“pensasseemseureinoancestral,tivesse piedade de seu glorioso país, que tinha sido des igurado peladesgraçado fogoeda ruína;que começassea trazer seupovodevolta ànormalidade, e depois o salvasse; e con iasse no povo de Roma e nelepróprio, César, que tinha nele tanta fé a ponto de mandá-lo juntar-se ainimigosqueestavamemarmas”.Césarentãodispensouorapaz.Ptolomeunãofeznenhummovimentoparairembora;emvezdisso,maisumavezsedesmanchouemlágrimas. ImplorouaCésarquenãoomandasseembora.A amizade deles signi icava para ele ainda mais que seu trono. Suadevoção comoveu César que, de olhos tambémmarejados, garantiu a elequelogosereuniriam.Diantedisso,ojovemPtolomeupartiuparaaguerracom uma nova intensidade, o que con irmava que as “lágrimas quederramara ao conversar com César tinham sido obviamente lágrimas dealegria”.38 Só os homens de César pareciam grati icados com essa viradaque esperavam fosse curar seu comandante daquela absurda mania deperdoar. A comédia não teria surpreendido Cleópatra, bem-versada nasartesdramáticasepossivelmenteatéo cérebropor trásdessa cena.É desepensarqueCésartenhalibertadoPtolomeuparasemearmaisdiscórdianas ileiras rebeldes. Se o fez (essa interpretação é generosa), Cleópatraprovavelmentecolaborounaencenação.Felizmente para César e Cleópatra, um grande exército de reforços se

dirigiaàspressasparaAlexandria.Amelhorajudavinhadeumo icialdealtapatente judeu,quechegoucomumcontingentede3mil judeusbem-armados. Ptolomeu partiu para esmagar essa força quase no mesmomomentoemqueCésarpartiuparasejuntaraela;faziaalgumtempoqueeleestavafrustradocomacavalariaegípcia.Todosconvergiramparaumabatalha feroz a oeste do Nilo, numa localização a meio caminho entreAlexandriaeaCairodosdiasdehoje.Asperdasforamgrandesdeambosos lado, mas, ao atacar o ponto alto de um acampamento egípcio numamanobra surpresa ao amanhecer, César conseguiu uma rápida vitória.Aterrorizados, os egípcios saltaram em grande número das muralhas deseu forte para as valas circundantes. Alguns sobreviveram. Parece quePtolomeunão; ele provavelmente foi pouco pranteado, inclusive por seusconselheiros. Como seu corpo nunca apareceu, César empenhou-se

especialmente em exibir sua armadura de ouro, que foi encontrada. Ospoderesmágicos,rejuvenescedoresdoNilo,erambemconhecidos;oriojáhaviatransportadorainhasemsacosebebêsemcestos.Césarnãoqueriauma ressurreição em suas mãos, embora nem mesmo seus esforçosmeticulosos pudessem impedir o surgimento de um pretenso Ptolomeumaistarde.Com sua cavalaria, César foi correndoparaAlexandria, para receber o

tipo de boas-vindas que sem dúvida esperara meses antes: “Toda apopulaçãodacidadebaixouasarmas,deixousuasdefesas,assumiuaposegarbosa com que os suplicantes normalmente pedem o perdão de seussenhores e depois de exibir todos os objetos sagrados com cujo respeitoreligioso costumavam apelar a seus monarcas insatisfeitos ou zangados,foramencontrarCésaremsuachegadaeaeleserenderam.” 39Eleaceitoua rendição elegantemente e consolou o povo. Cleópatra deve ter icadoextasiada;aderrotadeCésarteriasidoadelatambém.Édesesuporqueelatenharecebidoanotíciapreviamente,masdequalquermododeve terouvido os gritos de saudação quando César se aproximou a cavalo. Suaslegiõesoreceberamnopaláciocomumruidosoaplauso.Era27demarço;oalíviodevetersidoextremo.OshomensdeCésarhaviamlhedadomaisde dez anos de serviço e ao chegarem a Alexandria acreditavam que aguerra civil terminara. Não contavam absolutamente com essa últimafaçanha, pouco entendida. E não estavam sozinhos em sua consternação.RomanãorecebianotíciasdeCésardesdedezembro.OqueomantinhanoEgito,quandotudoestavaforadoseixosemcasa?Fossequalfossearazãoparaademora,osilêncioera inquietante.DeviacomeçaraparecerqueoEgitohaviareivindicadoCésarcomoreivindicaraPompeue,diriamalguns,comodefatoacabariaocorrendo,deummodointeiramentediferente.Por que ele icou? Não existe explicação política convincente para o

interlúdio, uma aventura ilógica na vida de um homem lógico acima detudo. Continua intrigante que o maior soldado desde Alexandre, “umprodígiodeatividadeevisão”40 em todas as outras ocasiões, tenha icadoimprevidente e preguiçoso na África. O melhor que se pode dizer daGuerra Alexandrina é que César se saiu de forma brilhante de umasituaçãoemquesecolocoudeformaidiota.41Comoexplicação,elecitavaosventos do norte, “que sopram absolutamente diretos sobre qualquerpessoanavegandodeAlexandria”. 42 Sopravammesmo,emborauma fraseantesCésarreconheçaterpedidoreforçosàÁsia,reforçosqueacabariamsalvando a situação. Essa missão teria exigido uma viagem para fora. Esemanas depois os ventos estavam fortemente a seu favor. César não

recuava:mesmocomumexércitoesgotado,desmoralizado,elenãoeraderecuar diante do perigo. Não faz qualquer referência à grande dívida deAuletes, um dos motivos para ter ido até lá, senão para icar. Comoacontece tantas vezes, a questão se resume a amor ou a dinheiro. Não éfácilargumentarcontraoprimeiro.Emprimeiro lugar, temosoeloquente silênciodeCésar.Deixamos todo

tipo de coisas fora de nossas memórias e César (e seughost-writer)omitemmuitíssimas,sobretudosuapersonalidade.Césarescreveusobresimesmo comum severo e clínico distanciamento e na terceira pessoa; seuestilo é tão límpido e desapaixonado a ponto de parecerincontestavelmenteverdadeiro.Quepodemesmotersido,emboraemsuaspalavras ele nem atravesse o Rubicão, nem ponha fogo à biblioteca deAlexandria.Éinteiramentepossívelqueaúltimaacusaçãosejaexagerada.Osarmazénsportuáriospodemtersidoasúnicascoisasincendiadas,oqueteria destruído apenas suprimentos de cereais e umnúmeromodesto detextos.fDamesma forma,umdospoucos lugares emqueCleópatradeixade fazer uma entrada dramática é naGuerra civil de César, onde seusencantos são suplantados pelos ventos sazonais. Para um homem casadoqueumavezantes jáhaviasidoexpostoaoridículoporsuaestadanumacorte oriental, para um gênio militar que cometeu um erro grosseiro aolado de uma rainha, se não em favor dela, não era uma questão queprecisasseserelaborada.NacontinuaçãodanarrativadeCésar,Cleópatraaparece exatamente uma vez. No inal da guerra, ele atribui o reino doEgito a ela, porque ela “permanecera iel a ele e não saíra da linha”. 43

Cleópatra entra na história de César por uma única razão: ela era boa eobediente.Semdúvida icanoarasuspeitadequesetratadealgomaisqueventos

desfavoráveisemulheresobedientes.EmRoma,Cíceronãoperdeutempopara lançar calúnias vergonhosas. LogodepoisdamortedeCésar,MarcoAntônio, um curioso mensageiro para essa mensagem em particular,protestaria que César não havia permanecido em Alexandria “porvoluptuosidade”.45 Um século depois, Plutarco quis discordar: “Quanto àguerra no Egito, alguns dizem que era ao mesmo tempo perigosa edesonrosa, e de maneira alguma necessária, mas provocada apenas porsuapaixãoporCleópatra.” 45(OinconvenienteoráculodaépocadeAuletes,proibindoa restauraçãodeummonarcaegípcioporumexército romano,parecetersidoesquecidodepressa.)Pode-sea irmarqueCésarnãotinhaafetoalgumparticularporCleópatra,queosdoissóseviramporacasonomesmo lado de uma guerra desconcertante,mas seriamais fácil a irmar

queelanão tinhaafetoalgumporele.Elanãocontribuiuemnadaparaacampanha.Césarteriasedadomuitomelhorseaderrubasse,mesmoqueapenas para obter uma trégua temporária. Ao im da guerra, ele estariaem seu direito se anexasse o Egito; Cleópatra deve ter sidomuito,muitopersuasiva. Potino tinha impedido o pagamento da dívida egípcia.Cleópatra,evidentemente,não.Édi ícilescapardaconclusãodequeCésarentregou o Egito a Cleópatra, “por causa de quem havia promovido ocon lito”. Ele reconhece um certo embaraço. No im da guerra, César pôsCleópatra no trono, junto com o irmão que lhe restava, para abrandar araiva romana por ele próprio estar indo para a cama com ela. Para Dio,isso era uma “mera desculpa que ela aceitou, enquanto a verdade é queela reinava sozinha e passava seu tempo em companhia de César”. 46 Osdois eram inseparáveis.Plutarco sentia amesmacoisa,mas se expressoucommaissutileza.Lendonasentrelinhas,eleacreditapiamentequeCésartantosepreocupavacomquestõesmilitarescomocomacamadeCleópatratodas as noites.47 Havia também a questão menor da data da partida. AGuerraAlexandrinaterminouem27demarço.César icoucomCleópatraatémeadosdejunho.

Haviarazãoparacomemorar,sobretudodepoisdeterpassadoamaiorpartedeseismesesportrásdeuma selvadebarricadas. E comonotavam todososque visitavamoEgitohelenístico, deolhosabertos, barriga estourando,malasde viagemgemendo, osPtolomeus sabiam receber.48 Sabemosefetivamentecomoeraumfestimptolomaico.Autocontrolenãoeraumaespecialidadealexandrina,e,naprimaverade47,Cleópatranãotinhamotivosparaadotarisso.Elaobtiveraomaiordetodososprêmios,pois “emvistado favordeCésarnãohavianadaqueelanãopudesse fazer”. 49Ele foimais longe que qualquer outro romanopor um soberano egípcio.PtolomeuXIII, Potino eAquilasestavammortos. Teódoto estava exilado.Arsínoe sob custódia deRoma. César havia efetivamenteeliminado todosos rivais ao tronodeCleópatra.Ela reinava suprema,mais seguradoquequatroanos antes,mais segura do que qualquer Ptolomeu em várias gerações. Ela se orgulhava de suahospitalidadeesabiaqueohóspede também;Césarhaviacolocadoseupadeironaprisãopor terservido pão abaixo do padrão. Ele próprio era responsável por uma boa dose de in lação noentretenimento.ArainhadoEgitotinhatodasasrazõespolíticasparaimpressioná-loeagradá-lo;àparte o relacionamento pessoal, devia haver uma embriagadora mistura de orgulho, alívio egratidão. E elapossuía recursospara impressionar.AGuerraAlexandrinadeu aCleópatra tudooqueelaqueria.Ecustoupoucoparaela.Mesmo em seu exílio, um enxame de criados girava em torno de

Cleópatra, cuidando de seu conforto. Na primavera de 47, esse enxameinchou até virar uma horda, com a volta ou a nomeação de provadores,escribas, acendedores de lampiões, harpistas reais, joalheiros de pérolas.Ao ladodela, tambémumnovoconsorte.Para satisfazerapreferênciadopovo por um casal governante, possivelmente também para acobertar

César,PtolomeuXIV,aosdozeanos,subiuaotrono.Ocasamentoaconteceulogo depois da rendição de Alexandria. Não sabemos como foi celebrado.Da perspectiva de Cleópatra, um insigni icante substituía outro. PtolomeuXIVassumiuomesmotítuloquetinhasidousadoporseuirmãomorto;elenuncaapareceujuntocomsuairmãnasmoedasdela.Setinhaambiçõesouopiniões próprias, ele sabia que eramelhor não expressá-las agora. Comtodacerteza,nãotinhavozativanaadministraçãoquesuairmã-esposasepôsa reconstituir.QuerCésar tivesseounãopensadoemanexaroEgito,era claro que descobrira que Cleópatra era, sob muitos aspectos,semelhanteaseupaís:umapenaperder,umriscoconquistar,umadordecabeça para governar. Alguns cortesãos tinham permanecido iéis; noséquitodeCleópatra iguravamváriosdosconselheirosdeseupai.Osquenãocontavamentreeles, izeramopossívelparareavaliarsuascondutas.Tal como deve ter feito a aristocracia grega, que havia apresentado aoposiçãomaisforteaCleópatra.Na corte, ela enfrentava uma limitação séria, uma limitação que César

deveria observar. Como disse um líder romano posterior: “Porque ogovernante opera sob essa especial desvantagem no que diz respeito aseusamigos,poisemborapossaseprotegerdeseusinimigoscercando-sede amigos contra eles, não existe aliado correspondente com que possacontar para protegê-lo desses amigos.” 50 Em geral, Cleópatra sabia quemeram os inimigos. As coisas eram mais turvas no que dizia respeito aoscortesãos.Elahavia,a inaldecontas, icadoencerradadurantemesescomumromano, lutandocomumpovoquenãoqueriaromanosnacasaequehaviadeposto seupaipor ter se aliadoa eles.As regras tinhammudado.Havia sempre certa dose de podridão na corte; a guerra seria umadesculpapara limpartudo.OsquehaviamseopostoaCleópatrapagaramumaltopreço.Ossuspeitosdeoposiçãopagaramigualmente.Elarecolocoualtos funcionárioseeliminououtros, con iscando fortunasnesseprocesso.Houveenvenenamentoseesfaqueamentos,nãodiferentesdaquelesaqueAuletes havia recorrido nomomento de sua restauração. Só o exército jáatraíaumasangrentarodadadeproscrições.Nãofoideformaalgumaumatransiçãotranquila.Emtornodopalácioedoportohaviatrabalhomaisprosaicoaserfeito:

valas a preencher, paliçadas a desmontar, detritos a remover, danosestruturais a reparar.O que veio à luz foi e continuou sendo “a primeiracidade do mundo civilizado, com certeza à frente de todas as outras emelegância, em extensão, em riqueza e em luxo”, 51 como disse um viajantecontemporâneo. Os visitantes também tinham di iculdade de decidir se o

mais imponente era o tamanho ou a beleza de Alexandria. Isso antes detravar contato com sua população hiperativa. “Olhando a cidade, eu tivedúvidas se alguma raça de homens poderia jamais preenchê-la; olhandoseushabitantestivedúvidassealgumacidadepoderiasersu icientementegrande para contê-los todos. O equilíbrio parecia exato”, 52 exclamou umilho nativo. Alexandria era cravejada com uma assombrosa estatuaria,muitas esculpidas em granito rosa ou vermelho e por írio roxo, todaspulsandoemcoresrobustas.ParaalguémqueconhecesseAtenas,acidadeegípcia parecia familiar, cheia como era de belas cópias ptolomaicas deesculturasgregas.Nãoeraoprimeironemoúltimolugardomundoondeumdeclíniodepodersetraduzianumaenormidadedesímbolos;àmedidaque diminuía a in luência ptolomaica, a estatuaria inchava a dimensõeshiperbólicas. Esculturas de doze metros de altura de Cleópatra II eCleópatra III, em granito rosado, saudavam as chegadas ao portoalexandrino.Pelomenosumaes ingecolossalcomcabeçadefalcãoerguia-se sobre a muralha do palácio. Brilhantes es inges de nove metros decomprimentosguardavamostemplosdacidade.AsavenidasdeAlexandria,comseustrintametrosdelargura,deixavam

os visitantes sem fala, sua escala não tinha paralelo no mundo antigo.Podia-se passar um dia inteiro a explorá-las de ponta a ponta. Ladeadasporcolunasdelicadamenteesculpidas,toldosdesedaefachadasricamentepintadas,aviaCanópicacomportavaoitocarruagensrodando ladoa lado.As ruas lateraismais importantesdacidade tinhamquaseseismetrosdelargura, pavimentadas com pedras, habilmente drenadas e parcialmenteiluminadasànoite.Nocruzamentocentral, adezminutosapédopalácio,uma loresta de colunas de calcário se estendia até onde o olho podiaalcançar.Noladooestedacidade,viviaamaiorpartedapopulaçãoegípcia,em sua maioria tecelã de linho, reunida em torno dos cem degraus quelevavam ao Serápio, o templo do século III que dominava a cidade eabrigavaabiblioteca secundária.Esse templo retangular—grandepartedele decorada com folhas de ouro, prata e bronze — icava numpromontório rochoso arti icial, cercado por parques e pórticos. É um dosúnicos monumentos da época de Cleópatra que podemos localizar comexatidãohojeemdia.Obairrojudeudacidade icavaanordeste,pertodopalácio.Osgregosocupavamasbelas casasde trêsandaresdocentrodacidade. A indústria também dividia os arredores: um quarteirão eradedicado à manufatura de perfumes e ao fabrico de potes de alabastro,outroaosvidreiros.De leste a oeste, a cidade media quase sete quilômetros, um

deslumbramento de banhos, teatros, estádios, pátios, templos, altares esinagogas.Umamuralhadecalcáriocercavaseuperímetro,pontilhadadetorres,patrulhadaporprostitutasemambososextremosdaviaCanópica.Durante odia, Alexandria ressoava com o ruído das patas de cavalos, osgritosdosvendedoresdeaveiaougrão-de-bico,artistasderua,adivinhos,agiotas. As barracas de especiarias emanavam aromas exóticos,transportadospelasruasporumadensabrisamarinha.As íbisbrancasepretas,comsuaspernaslongas,juntavam-seacadacruzamento,embuscade migalhas. Mesmo noite adentro, quando o sol vermelho mergulhavaatrás do porto, Alexandria continuava um turbilhão de tons vermelhos eamarelos,uminchadocaleidoscópiodemúsica,caosecor.Noconjunto,eraumacidadeemocionante,deextremasensualidadeealtointelectualismo,aParisdomundoantigo:superioremseusmodos,esplêndidaemseusluxos,lugar para se gastar uma fortuna, para escrever poesia, encontrar (ouesquecer)umromance, restaurarasaúde,sereinventarousereagrupardepoisdeterconquistadovastasáreasdaItália,daEspanhaedaGréciaaolongodeumadécadahercúlea.Diante dos transportes de beleza e do arrebatamento das atrações,

Alexandrianãoeraumacidadeemquesepudesseafundarpassivamente.Como notou um visitante: “Não é fácil para um estrangeiro suportar oclamordeumamultidão tãograndeouo rostodedezenasdemilhares, amenos que ele venha armado com um alaúde e uma canção.”53 Osalexandrinos assumiam sua reputação para a frivolidade. E pelo maciçoportaldopaláciohordasdesimpatizanteseassociadosromanospassaramaotérminodaguerra,reunindo-senaentradaforradademar imdosalão.Com seu conjunto de salas de banquete, o complexo conseguia acomodaruma vastamultidão; o salãomaior eramobiliado comuma deslumbrantecoleção de divãs esculpidos em bronze, marchetados de mar im e vidro,obrasdearteemsi.OEgitoimportavasuaprata,mashámuitocontrolavaasmaioresreservasdeourodomundoantigo;atéasvigasdosalãodeviamcobertasdeouro.É fácil in larapopulaçãodacidade,di ícil exagerarsuamagnificência.Eladesafiavaovocabuláriomesmodosantigos.Muitascasasricas de Alexandria exibiam móveis de cedro do Líbano enfeitados commar im e madrepérola, so isticadas pinturas trompe l’oeil e complexosmosaicos realistas. Placas de alabastro cor de caramelo revestiam osexteriores. As paredes internas cintilavam com esmaltes e esmeraldas. Adecoraçãotendiaparaosmurais,epredominavamascenasmitológicas.Aqualidadedotrabalhoeraassombrosa.Os pisos de mosaicos eram particularmente trabalhados com grande

precisão, muito geométricos, muitas vezes com uma sensação detridimensionalidade, implausivelmente realistas em sua reprodução domundonatural.Embanquetesessascomplexidadesdesapareciamdebaixode luxuosos tapetesde lírios e rosas, quebrotavamcom farturanoEgito.“A regra geral”, arrebatou-seumcronista, “é quenenhuma lor, inclusiverosas,campainhas-brancasouqualqueroutra,jamaisparecompletamentede lorir.” 54 Espalhadasaosmontespelo chão, elasdavama impressãodeum campo lorido, mesmo que ao inal da refeição se enchessem deconchasdeostras,patasde lagostasecaroçosdepêssegos.Nãoeranadararoumpedidodetrezentascoroasderosasparaumbanquete,ououtrastantas guirlandas trançadas. (As rosas eram cruciais, pois se acreditavaque sua fragrância impedia a embriaguez.) Perfumes e unguentos eramespecialidades de Alexandria; criados aspergiam perfumes de canela,cardamomoebálsamonascoroasdosconvivasenquantomúsicostocavamou contadores de histórias se apresentavam. As fragrâncias emanavamnão apenas damesa,mas das joias, das lâmpadas perfumadas, das solasdos sapatos; os cheiros fortes dos óleos inevitavelmente aromatizavam ojantar. Os produtos de outros artesãos importantes da cidade tambémeram exibidos: mesas cintilavam com bacias, jarras e centenas decandelabrosdeprata.OvidrosopradoeraumainvençãohelenísticaàqualAlexandria havia acrescentado a sua mágica usual, num excesso deornamentação;ossopradoresdevidrodacidadeentremeavamouroaseutrabalho. Na mesa, vasos policromados juntavam-se a pratos de prata,cestos de pão de mar im entalhado, cálices incrustados de pedraspreciosas. A própria refeição era apresentada em pratos de ouro; dizemque num banquete ptolomaico só o serviço de jantar pesava trezentastoneladas.55 Esse arranjo demesa exibia não apenas a adaptabilidade deCleópatra como seu instinto competitivo. Quando o luxo alexandrinocomeçou a se fazer sentir no mundo romano, Cleópatra rebatizou seusostensivos serviços de mesa. Os elaborados conjuntos de ouro e pratapassaramasera“louçadodiaadia”.56

Para um convidado, um jantar no palácio parecia em si uma fortuna,maisqueumarefeição.Ele icoudequeixocaídodiantede“umatravessade prata compesadas folhas de ouro, grande o bastante para conter umenormeleitãodeitadodecostas,exibindoabarriga,cheiademuitascoisasdeliciosas; poisdentrodelehavia tordos, patos e uma imensaquantidadede outros pássaros assados, alémde gemas de ovo, ostras e escalopes”. 57

Gansos eram um item-padrão nos menus pródigos, ao lado de pavões,ostras, ouriços-do-mar, esturjões e tainhas, as especialidades do mundo

mediterrâneo.(Ascolhereseramraras,osgarfosdesconhecidos.Comia-secomosdedos.)Vinhosdoces—osmelhoresvinhamdaSíriaedaJônia—eram temperados commel ou romãs. Não se tem registro da roupa comqueCleópatracompareciaaessasfestividades,emborasesaibaqueusavamuitas pérolas, os diamantes da época. Ela enrolava longos colares depérolas no pescoço e trançava mais algumas no cabelo. Usava outrasbordadas no tecido de suas túnicas. Estas iam até o tornozelo, eramricamente coloridas, de ina seda chinesa ou gaze de linho,tradicionalmentecinturadas,fechadascomumbrocheoucomumafita.Porcima da túnica, geralmente se usava ummanto transparente, através doqual seviaclaramenteascamadasde tecidodebaixo.Nospés,Cleópatrausava sandálias com joias e solas desenhadas.58 Considerados entre osmaiores an itriões da história, os Ptolomeus mandavam seus convidadosparacasacambaleandosobopesodepresentes.Nãoerararosaíremcomumconjuntodemesadepratamaciça,umescravo,umagazela,umdivãdeouro, um cavalo com armadura de prata. O excesso os pusera no mapa,ondeCleópatrapretendiamanteradinastia.Assimeramas“festasqueseprolongavamatéaaurora”sobreasquaisSuetônioescreveudepois.59

As festividades pós-guerra certamente compreenderam um cortejo davitória,provavelmentepelaviaCanópica.Cleópatraprecisavauniropovo,para garantir sua supremacia política e cimentar sua posição sobre osdetratores.Alexandriaera,haviamuito,umacidadedeparadasedes iles,exibições em que a riqueza dos Ptolomeus sobrepujava até o fervorrecreativo de seus súditos. Séculos antes, uma procissão dionisíaca haviaintroduzidocarrosalegóricosdouradosdeseismetrosnasruasdacidade,cada um puxado por 180 homens. Sátiros pintados de púrpura e ninfascomguirlandasdeourovinhamatrás,juntocomrepresentaçõesalegóricasde reis, deuses, cidades, estações.60 Um centro de maravilhas mecânicas,Alexandria contava com portas automáticas e elevadores hidráulicos,esteiras rolantes escondidas emáquinas operadas pormoedas. Com ios,sifões,poliase ímãs,osptolomaicosproduziammilagres.Fogosirrompiame se extinguiam; luzes tremulavam nos olhos das estátuas; trombetastocavam espontaneamente. Para o primeiro des ile, os engenhososmetalúrgicosdacidadesesuperaram:umaestátuade4,5metrosdealturacom uma túnica amarela estrelada lutuou pelas ruas. Ela se pôs de pé,despejou oferendas de leite, depois magicamente sentou-se de novo,deslumbrando amultidão. Em torno dela, o ar estava cheio do rumor daexpectativa, dosmurmúrios de admiração, damúsica das lautas.Nuvensdeincenso,emessênciaarendinheirado,baixavamsobreosespectadores,

paraosquaisasbrilhantesatraçõescontinuavam:douradosportadoresdetochas, arcas de incenso e mirra, palmeiras, vinhas, peitorais, escudos,estátuas,bacias,tudodourado,boisornadosdeouro.Emcimadeumcarro,sessenta sátiros pisavam uvas, enquanto cantavam, acompanhados porlautistas. Grandes odres de couro despejavam vinho aromatizado pelasruas; o ar, adoçado primeiro pelo incenso e depois por aqueles jatosfragrantes, tinha uma combinação embriagadora. Criados soltavampombosaolongodaprocissão,cadaumcom itaspenduradasnospés.Eraobrigatóriaumaexposiçãodeanimaisparaossúditosque tinhamviajadoatéAlexandriaearmadosuastendasao longodequilômetrosaoredor.Ocortejo do século III contara com tropas demacacos enfeitados; elefantescalçadoscomchinelasbordadasaouro;bandosdeórix,leopardos,pavões,leões enormes, um rinoceronte etíope, avestruzes, um urso albino, 2.400cachorros. Camelos levavam cargas de açafrão e canela. Atrás deles,seguiam duzentos touros com chifres dourados. Tocadores de lira emseguida,aoladode57milsoldadosdeinfantariae23mildacavalariacomarmadurascompletas.Cleópatranãodeviateressesbatalhões,masmesmoassim conseguiu uma demonstração extravagante. O objetivo era seanunciar,entremonarcas,como“amaissábia acumuladoraderiquezas,amais esplêndida perdulária, e a mais magní ica em todas as obras”. 61

Riqueza, poder e legitimidade estavam inextricavelmente ligados.Principalmente depois das convulsões das décadas anteriores, eraessencialqueelaconfirmassesuaautoridade.ÉmuitopossívelqueademoradeCésartivesseessafinalidade.UmEgito

estável era vital para seus planos, tanto quanto para os de Cleópatra.Quase sozinho no Mediterrâneo, o Egito produzia mais cereal do queconsumia. Sozinha, Cleópatra podia alimentar Roma. O contrário tambémera verdadeiro: ela podiamatar de fome aquela cidade se desejasse. Poressarazão,CésartendiaanãoinstalarumconterrâneoemAlexandria.Umnãoromanocon iáveleraamelhorsolução.ÉclaroqueCésarcon iavaemCleópatra de ummodo que não poderia con iar em Potino, e igualmenteclaroqueeletinhacon iançaemsuacapacidadedegoverno.Estritamentefalando,oEgitopassouaser,apartirde47,umprotetoradocomumtoqueíntimo.Essearranjonãoeradeformaalgumanãoortodoxonumséculoemque a política era marcadamente pessoal. As alianças helenísticas eramregularmentereti icadascomvotosmatrimoniais.EmRoma,oscasamentosmercenários estavamna ordemdodia, para desesperodos puristas, queprotestavam contra esse tipo de diplomacia barata, oportunista. Quantomais ambicioso o político,mais variados os casamentos. Pompeu havia se

casadocincovezes,sempreporrazõespolíticas.A tumultuosacarreiradeCésar estava intimamente ligada a cada uma de suas quatro esposas.Apesar da diferença de idade comparável à que havia entre César eCleópatra,Pompeuhaviacasadocoma ilhadeCésar,mandadaaelecomoumaespéciedenotadeagradecimento.gAsrelaçõesentreosdoishomenssó se abalaram quando a mulher que os unia morreu, uma história quelogoiriaserepetir,comrepercussõesmuitomaiores.O relacionamento de César e Cleópatra era incomum não só pelas

diferenças nacionais, mas porque Cleópatra o estabeleceu por vontadeprópria.Nenhumparentehomemaforçouaisso.Paraumromano,issoeraprofundamente perturbador. Se o pai dela, quando vivo, a tivesse casadocomCésar (uma impossibilidadesob todososaspectos),elaseriavistademaneiraabsolutamentediferente. 62Oque incomodavaosqueescreverama história dela era a sua independência mental, seu espíritoempreendedor. O poeta Lucano é claro sobre esse ponto. “Cleópatraconseguiu capturar o velho com mágica”, ele faz Potino exclamar, numavasta rede inição de livre-arbítrio. Já de posse do Egito, ela,posteriormente,noentenderdele,“seprostituiparaganharRoma”. 63Aquitambémhaviaparalelosinstrutivos.Maistardeseriacontadaahistóriadeumaantigamonarcaindiana,arainhaCleó is.Ela“rendeu-seaAlexandre,mas depois reconquistou seu trono, que resgatou indo para a cama comele,obtendoporfavoressexuaisoquenãopodiaconseguirpelaforçadasarmas”.64 De acordo com um historiador romano, ao menos, por seucomportamentodegradante,Cleó ismereceuoepítetode“rainharameira”.A história pode ser apócrifa, mais uma fantasia romana lasciva sobre oOriente sedutor. Pode até ter sido in luenciada por Cleópatra. Mas nosrevela algo de Cleópatra. Ela era tão suspeita quanto a rainha Cleó is,emboraoquemaisafetasseosromanos,oqueinspiroutributosinsinceros,tenhasidoseumisteriosoeocultopoder.Nãoédesurpreenderqueumarelação fácil, senãoumagrandepaixão

tenha se desenvolvido entre Cleópatra e César. O aplomb dela e atemeridade dele combinaram, mas suas personalidades se encaixavamquase tanto quanto seus projetos políticos. Os dois eram personalidadesa ins, carismáticos, articulados, embora apenas um deles fosse icar nahistória como sedutor a ponto de ser um perigo. Cleópatra sabiaespecialmente como agradar. Onde se pensava haver quatro tipos delisonja, Plutarco reclama, sempre em guarda contra essa mistura nociva,“Cleópatratinhamil”.65TemosmaistributosàcaríciadesuainteligênciadoqueàdeCésar;adeledeveser lidamenosemsua linguagemdoqueem

seus inúmeros casos amorosos. Ele era ummestre sedutor, especializadoem esposas aristocratas. Tanto Cleópatra como César manifestavam acuriosidadeintelectualqueeramarcaregistradadesuaépoca,umalevezae um humor que os apartava de seus pares, na medida em que ambostinham pares. O poder é uma coisa tão antissocial e solitária, observaPlutarco;66 geralmente podia-se contar que aqueles em torno de César eCleópatra lisonjeavameconspiravam.Ambossabiam,comodizCésar,queosucessotinhaumpreço,que“tudoqueelevaaspessoasacimadosoutrosdespertaimitaçãoeinveja”. 67Oisolamentosocialdeleseradeumtipobemexclusivo.Em sua busca de poder, ambos haviam avançado limites com ousadia;

ambostinhamjogadoosdados.Ambostinhamamesmagrandecapacidadetanto para o trabalho como para o jogo e raramente faziam distinçõesentre um e outro. César respondia cartas e petições enquanto assistiajogos. Cleópatra se envolvia em jogos por razões de Estado. Nenhumdosdois recuava diante de uma situação dramática. Ambos eram atoresnaturais, tão seguros de sua habilidade quanto da convicção de suasuperioridade. Muito se esperava de Cleópatra, que gostava desurpreender, que acreditava no grand geste e não se vendia por pouco.Césarprezavao estilo e admiravao talento em todas as suas formas; emAlexandria,eleestavanacompanhiaconstantedeumahábilinterlocutora,linguista e negociadora, que tinha, como ele, o raro dote de tratarrelacionamentos novos como se fossem íntimos de longa data. Haviaamplas razões de sua parte para prestar muita atenção. Cleópatra davauma lição de comportamento oportuna. Tendo sido declarado ditador noanoprecedente,Césarestavagozandooprimeirogostodopoderabsoluto.Cleópatra, além disso, lidava com questões que nenhumamulher de seuconhecimento jamais tocara. Seria muito di ícil encontrar em toda Romauma mulher que tivesse reunido um exército, emprestado uma frota,controlado uma moeda. Tão incandescente era sua personalidade, queCleópatra, sob todos os aspectos, igualava-se a César no pragmatismo decabeça friaeolharclaro,emboraoquenele fosseconsideradoestratégia,nelaserialembradocomomanipulação.Ambosestavamsaindodeguerrasque nada tinham a ver com questões políticas e tinham tudo a ver compersonalidades.Osdoishaviamenfrentadodi iculdadessemelhantes,comclientelas semelhantes. César não era favorito da aristocracia romana.Cleópatra não era amada pelos gregos alexandrinos. O poder delesprovinha da gente comum. Os ambiciosos brilham, sobretudo, nacompanhia de ambiciosos; César e Cleópatra encontraram-se, como

poderiamterseencontradodoisherdeiroslendários,maioresqueavidaemuitoconscientesdeseusdotes, acostumadosapensaremsimesmosnopluralouasereferirasimesmosnaterceirapessoa.

Durante um dos banquetes de Cleópatra, Lucano imagina César interrogando um dos altossacerdotesegípcios.Césaréestudiosodemuitosgrandesassuntos,umhomemdecuriosidadesemlimites. Seu amor pela pesquisa era tão pronunciado quanto sua ambição. Ele era fascinado pelacultura e pelas lendas egípcias; em Alexandria, conferenciou com cientistas e ilósofos. Ele temapenas um pedido. “Não há nada que eumais queira saber”, solicita, “do que as origens do rioescondidas há tantas eras e sua fonte desconhecida.” 68 Se o sacerdote revelasse a fonte do Nilo,Césarabandonariaaguerra.O fervoreracompreensível.Poucosmistériosdomundoantigoerammais intrigantes; a fonte do Nilo era a vida em Marte do seu tempo. Lucano é o primeiro amencionar o cruzeiro de César e Cleópatra pelo rio, 110 anos depois do fato. Ele não admiravanenhumadasparteseescreviaemversos;jáfoichamadode“paidaimprensamarrom”, 69porboasrazões.Dequalquerforma,trabalhavaapartirdefonteshistóricasperdidasparanóshojeemdia.Épouco provável que tenha inventado a viagem.Nemhá razão para acreditar que o cruzeiro pós-guerratenhasidomenosluxuosooufrenéticodeentretenimentosdoqueaquelequeShakespeareacabariaimortalizando,aindaquinhentosanosnofuturo.Hámelhoresrazõesparapresumirqueoshistoriadores romanos preferiam lembrar aquela viagem e esquecer desta. Também não fazemmençãoaCésarterpermanecidomaistemponoEgitodepoisdaconclusãodaguerra.h Seelesnãotivessem cerrado ileiras como o izeram, Shakespeare teria escrito uma peça diferente sobreCleópatra.HavianumerososprecedentesparaumaviagemnoNilo.Eratradicional

receber um dignitário estrangeiro com um cruzeiro, apresentar a ele amaravilhaqueeraoEgito.Duasgeraçõesantes,umaltofuncionário izeratodo o possível para que um senador romano viajando pelo Egito fosse“recebido com a mais absoluta magni icência”, 70 coberto de presentes,entregue a guias experientes, alimentado com as massas e carnesgrelhadascomquesealimentavamoscrocodilossagrados.Osquilômetrosequilômetrosdecamposdetrigoinevitavelmenteimpressionavam,mesmofazendo revirar os dedos romanos. E deixando de lado a curiosidadeardente, havia muitas razões de Estado legítimas para a excursão. Eratradicional que um novo governante inaugurasse seu reino com umajornadacerimonialaosul.ParaCleópatra issoconstituíaumaexcursãodeproprietáriaasuasterraspessoais.TodomundonoEgitotrabalhavaparaela; quase todos os recursos do país— campos, caça, árvores, o Nilo, ospróprioscrocodilos—eramdela.Deseupontodevista,ocruzeironãoeratanto uma viagem de prazer ou uma expedição cientí ica, mas umaobrigaçãodeEstado.Como cruzeiro, ela forneceua seupovoumacríticademonstraçãodopoderiomilitarromanoe,aRoma,umademonstraçãodaopulênciaegípcia.71OpovodoEgitoahaviaapoiadocontraoirmãoquandoelaestavavulnerável.ComCésaraseulado,elavoltouaelespatentemente

invencível.AviagemdeAlexandriaparaosulsigni icavadeixaromundofalantedo

grego pelomundo falante do egípcio, era viajar da terra do vinho para aterra da cerveja. Lá estava a cultura à qual os alexandrinos se sentiamsuperiores,onde faraóseramreverenciadose sacerdotespredominavam.A l i ,a divindade de Cleópatra era inquestionável. Mesmo sem oexibicionismo alexandrino, a ágata e o granito vermelho, o passadomonumental exposto de forma monumental, a paisagem era umdeslumbramento.Comodiriaumviajanteposteriordomesmo trecho: “Euengoliacor,comoumburroengoleaveia.”72CleópatraapresentouaCésarooásis mais antigo e mais espetacular do mundo, o verde aveludado dasmargens do rio, o solo duro e negro do canal, a terra de alvoradasvermelho-púrpura e crepúsculos ametista. Os dois não podem ternegligenciado as paradas obrigatórias: as pirâmides e templos deMên is,onde o alto sacerdote egípcio estaria à mão para recebê-los; as 3 milcâmarasdolabirintodegranitoecalcário,acimaeabaixodosolo;oaltaràbeira do lago dos deuses-crocodilo, onde as feras haviam sido treinadaspara abrir a boca sob comando, e ondeCésarpode ter icado igualmentefascinado pelo sistema de comportas e diques que resgatara terrasaráveis; os colossosdeMemnon,miraculosamente brancos contra a claraareia cordepêssego, comvintemetrosde altura e visíveis a quilômetrosdedistância.Encostaacima,atrásdeles,profundasnarocha,astumbasdoValedosReis.Maisaosul,obeloTemplode Ísisdecoradoeparcialmenteconstruído pelo pai de Cleópatra, situado numa ilha entre as agitadascorredeirasdePhilae.i

Mais miraculosas ainda eram as acomodações, às quais se estendiatambém o gosto pelo colossal. A ideia era impressionar tanto quantoentreter. Cleópatra e César teriam partido do lago Mareótis, ao sul dacidade, onde ancorava sua frota do prazer. Esse porto podia receberbarcaças reais de noventametros. As proas eram demar im; complexascolunatas acompanhavam o convés, os capitéis das colunasminuciosamente esculpidos como ciprestes. Estátuas douradas de cincometros decoravam proa e popa. O equipamento do navio era de bronzepolido, omadeiramentomarchetado demar im e ouro. Tudo era pintadode coresvivas, inclusivea estatuaria realdebordo,quedecoravaosdoisandares dos aposentos de moradia e entretenimento. O teto abobadadocobria um salão de banquete.Colunas de estilo egípcio decoravam outro,esculpidascomaformadefolhasdeacantoepétalasdelótusnumpadrãoalternado de preto e branco. Sobre um terceiro, estendia-se um toldo

púrpura,mantidoerguidoporhastes curvas.Nãoera raroumbarco realpossuir uma sala de ginástica, uma biblioteca, altares para Dionísio eAfrodite, um jardim,umagruta, salõesde leitura, umaescadaemespiral,umabanheiradecobre,estábulos,umaquário.73

Aprocissãodelesnãoeramodesta.Umburocratadenívelmédioviajavacomumséquitodedezpessoas,poisestariaperdidosemseussecretáriosecontadores,padeiro,atendentesdebanho,médico,mordomo,mestredearmas.CleópatraeCésarnavegaramparaosulemmeioaumenxamedesoldados romanos e cortesões egípcios. A hospitalidade durante a estadadeleseraobrigatóriaparaopovoeumencargoassustador,principalmentese, comoa irmaApiano,uma frotadequatrocentosnavios seguisse atrás.Certamenteumamultidãodebarcosmenoresacompanhavasuarainha,aolongo de um rio cheio de carregadores de pedra e de vinho, galerasmercantes, esquifes policiais. Era responsabilidade do povo alimentar eagradarsuamonarca,cobri-ladepresentes,entreterseuséquito,arranjartransporte. Isso levantava toda sorte de preocupações com acomodações,segurança e provisões; os funcionários não estavam livres de aconselharseussubordinadosaescondersuprimentosparaevitarrequisiçõesreais. 74

Isso era perfeitamente razoável dada a demanda; um funcionárioinsigni icante requisitou372 leitões eduzentos carneiros.Os camponesestrabalhavam noite e dia para produzir os estoques necessários, parafermentar a cerveja, empilhar o feno,mobiliar casas de hóspedes, juntarburros.Eessaviagemfoifeitanoaugedoperíododecolheita.Commaioresrecursoseemcircunstânciasmenoscomplexas,Cícerosedeuporfelizdedizer adeus a César quando recebeu o general e seu séquito dois anosdepois, em sua propriedade no campo. Ele icou aliviado de não ter deconvidarCésarparaaparecerdenovoquandoestivessepassandoporali.“Uma vez basta”, Cícero suspirou, sentindo-se menos an itrião do queintendente.75

Niloacima,CleópatraeCésarnavegavamemseu“palácio lutuante”, 76ovento às suas costas. Nas margens, as tamareiras estavam pesadas defrutos, as frondes das palmeiras ligeiramente descoloridas. Além do rio,estendia-seummardetrigodourado;nasbananeiras,oscachosbrilhavamamarelos. Damascos, uvas, igos e amoras estavam quase maduros. Eraépoca de pêssegos; acima de suas cabeças, os pombos visivelmenteemparelhados.TudonapaisagemdiantedeCésareCleópatrareforçavaosmitosdaabundânciadoEgitoedas faculdadesmágicasdorio.Renomadopor todo o mundo antigo, dizia-se que o Nilo luía com ouro; eram-lheatribuídos poderes extraordinários. Acreditava-se que sua água fervia a

metadedatemperaturadeoutraságuas.Ascriaturasribeirinhasatingiamproporçõesassombrosas.Quandoa ilhadePtolomeuIIsecasounafamíliareal síria, ele lhe mandou caixas de água do Nilo para garantir suafertilidade. (Ela já contava trinta anos. Funcionou.) As mulheres egípciaseram conhecidas por icarem grávidas commais e iciência; elas levavammenostempoparaterumbebê.Dizia-setambémquehaviaentreelasumataxa elevada de nascimentos de gêmeos, muitas vezes de quadrigêmeos.Dizia-se que as cabras— que davam dois cabritos em outras terras—produziam cinco no Egito, pombos chocavam doze ovos em vez de dez.Considerava-se que o crânio masculino era mais duro no Egito, onde acalvície (e penteados para disfarçá-la, como o de César) era coisa rara.Acreditava-sequeoNilogeravavidaespontaneamente;oqueCleópatraeCésarnãoviramforamascriaturaslendáriasdorio,meioratos,meioterra.É de se presumir que não tenham visto também serpentes com grama anascer nas costas ou pessoas que viviamdebaixo de cascos de tartarugado tamanhode barcos.77Na verdade, o que eles divisaramentre os tufosde papiros e plantas de lótus foram garças e cegonhas, hipopótamos ecrocodilos de cinco metros de comprimento, uma inesgotável fonte depeixes, raridade em Roma. Os antigos historiadores estavam enganadossobre os detalhes primordiais, inteiramente certos na questão dafertilidade do Egito. O país de Cleópatra era a terra agricolamente maisprodutiva do Mediterrâneo, em que as plantações pareciam semear eregarasipróprias.Issoeraverdadedesdetemposimemoriais,umaexpressãoquenoEgito

realmente signi icava alguma coisa. Já na época de Cleópatra havia algochamado de história antiga; de alguma forma, o mundo era mais antigoentão,denso de lendas, envolto em superstição. Ao lado dela, César deveter se maravilhado com 28 séculos de arquitetura. Visitantes já haviamroubado e pichado as tumbas do Vale dos Reis. j Já na primavera de 47,umadassetemaravilhasdomundoestavaemruínas.OpaísdeCleópatrajá estava no negócio da hospitalidade muito antes de o resto do mundosequer suspeitar que existia uma vida de luxo. Ao mesmo tempo, osséculos pareciammais próximos do que nos parecem hoje. Alexandre, oGrande, estavamais distante de Cleópatra do que 1776 do nosso século,ainda assim Alexandre permanecia sempre vivo, com uma presençaurgente. Embora 1.120 anos separassem Cleópatra da maior história deseu tempo, a queda de Troia continuava sendo um irme ponto dereferência. O passado estava ao alcance da mão o tempo todo, umassombroquasereligiosoapontavaemsuadireção.Issoeraespecialmente

verdadeiro no Egito, que tinha paixão por história e que havia, por 2milanosjá,mantidoumregistrohistórico.Duranteamaiorpartedessesanos,o país insular, inacessível, haviamudado pouco, e sua arte praticamentenada.Haviaboa razãoparaos súditosdeCleópatraveremo tempocomouma espiral de in initas repetições. Acontecimentos recentes só faziamreforçar essa noção. Os conselheiros ptolomaicos haviam persuadidoantigos reis meninos a matar sua família imediata. Rainhas anterioreshaviam fugido do Egito para juntar exércitos. Muito do que se dizia dosromanosconquistadoresem47podiasedizerdosancestraismacedôniosde Cleópatra três séculos antes, um paralelo que de maneira nenhumaescapavaaela.78

De linho branco e diadema, ao longo de toda a viagem Cleópatraparticipou de rituais religiosos que datavam demilhares de anos. Ela semoldavamilimetricamentecomoadivindadeviva;nãosabemoscomoseupovomanifestavaaobediência,masmuitoprovavelmentesecurvavamemsua presença ou erguiam a mão em alguma forma de saudação. Paraaquelesqueseaglomeravamnasmargensepontesparaverapassagemde César e Cleópatra, eles representavam não um romance, mas umaespécie de aparição mágicade outro mundo, a visita terrena de doisdeuses vivos. Eles constituíam uma visão e tanto: o romano de cabelosclaros e ombros largos, umverdadeiro estudode sombras e nervos, comseulongomantopúrpura,earainhadoEgito,morenaedeossosmiúdosaseu lado. Juntos, eles visitaram locais sagrados, os monumentos dos reisantigos, os palácios secundários ao longo do rio. Juntos, eles foramsaudados por sacerdotes demantos brancos emultidões festivas. Juntos,elesnavegaramentreasfazendas,atravésdeumapaisagempontilhadadetorres de tijolos de barro e telhados vermelhos em terraço, diante depomares luxuriantes, vinhedos e campos dourados, es ingessemienterradas na areia, rochedos com tumbas entalhadas. Juntos eleslutaram contra osmosquitos, umpresente sazonal do baixo rio.De longeelesseanunciavampelobaterderemosededilhardeliras.Emsuatrilha,oaromadoincensopairavanoarabafado.Semdúvida,eraumaviagemdeférias,comparadacomassemanasque

a haviam precedido. Que tenha sido um cruzeiro de deboche, umapândega, uma lua de mel, é ideia gerada provavelmente pelasacomodações luxuosas. Um romano não precisa ir muito longe paraprocurar depravação; por de inição, a língua latina encontrou algoapodrecidoquandoforjouapalavra“luxo”,quederivadoverbo“deslocar”equepassoumilharesdeanosassociadaa“luxúria”.SegundoÁpia,César

subiu o Nilo com Cleópatra “e se divertiu com ela de outras formastambém”.79DaínãofoiumgrandesaltoparaaacusaçãodequeCleópatrahavia arrastado o general romano a essa loucura, criada por ela, nocoração exótico de um país exótico, do qual ele precisava ser arrancado.Cleópatra — ou o Egito — tendia a ter esse efeito sobre pobres evulneráveis romanos. O próprio país dela era uma provocação, umatentação. O itinerário foi provavelmente planejado com antecedência emantido, mas não seria lembrado dessa forma. Segundo relatosposteriores,Césarrelutouemirembora,Cleópatrarelutouemdeixarquefosse. “Ela o deteria no Egito aindamais tempo ou teria partido com eleimediatamenteparaRoma”,éopalpitedeDio. 80Sócontraasuavontadeoshomens de César conseguiram levá-lo de volta. Na versão de Suetônio,César tinha perdido a cabeça pela rainha egípcia a tal ponto que a teriaseguido até a fronteira do deserto etíope se seus homens não tivessemameaçadoseamotinar.Eles inalmenteconseguiramoquequeriamentreos escarpados rochedos ao sul da atual Assuã, onde o cortejo fez umacanhestrareviravolta.DiopõeCésarchegandolentamenteàpercepçãodequeumademorano

Egito “nãoeranemfavorável,nemvantajosaaele”, 81mas omite qualquermenção ao embalo do rio. César na época não tinha ilhos vivos. Nem nocurso de três casamentos gerara um ilho homem. Nesse setor, o Egitoicouàalturadesualendáriareputação.Emtúrgidotributoàfecundidadede sua terra, na qual as lores desabrochavam perpetuamente e o trigocolhia a si mesmo, Cleópatra estava em seus últimos meses de gravideznessa primavera. Ela con irmava rotundamente o mito dos poderespropagadores de seumagní ico país. Os dois passaram algo entre três enovesemanasnorioevoltaramnaprimeiracataratadoNilo.Acorrenteoslevoudevoltasuavementeparaopalácio.DeAlexandria,CésarpartiuparaaArmênia, então emestadode revolta.No imde junho, Cleópatradeu àluzum ilhomestiçoderomano,divinodosdois lados,dosPtolomeusedeCésar.Ali,afinal,haviaalgodenovosobosol.

Notas

a Nenhum dos dois relatos foi escrito a partir de memória viva. Em apenas uma versão, umgrosseiro relato do século VI d.C. (Chronicle of JohnMalalas, VIII-XVIII, Chicago, University ofChicagoPress,1940,p.25),alguémseaventuraafazeraa irmaçãochocantedequeCésarpodeterseduzidoCleópatra.

bNadasabemosdosmotivosquemoveramArsínoe,oquenãodesencorajoudeespecularnemo

maismodernointérpretedaGuerraAlexandrina:seelanãosentisseinvejadahabilidadedesuairmã em seduzir César, a irma um historiador “ela não seria mulher”. (Graindor, 1931, p.79.“Ellen’eutpasétéfemme—etunefemmedelaracedesLâgides—siellen’avaitétéàlafoisjalouseethumiliéedelaséductionqu’exercaitCléopatresurCésar.”[Elanãoseriamulher—eumamulher da raça dos Lágidas— se não icasse aomesmo tempo enciumada e humilhadacomaseduçãoqueCleópatraexerciasobreCésar.])

cAPártiaéonordestedoIrãatual.Oreinopônticoestendia-sedamargemsuldomarNegroatéamodernaTurquia.

d Paraosromanos,aadoraçãodeanimaisnoEgitoera indizivelmenteprimitivaeperversa.UmcristãodoséculoIItinhaoutropontodevista.Comparandocomosdeusesgregos,asdivindadesegípcias se saíam melhor. “Podem ser animais irracionais”, admitia Clemente de Alexandria,“mas não são adúlteros, não são lascivos, e nenhum deles procura prazeres contrários à suapróprianatureza.”(ClementedeAlexandria,“TheExhortationtotheGreeks”,II.33p.Oincidentedo gato: Diodoro I.83. Evidentemente, os gatos eram uma raridade no lado norte doMediterrâneo nessa época. O culto ao animal atraía o ridículo de todos os lados. Veja, entreoutros, Juvenal,Satire15.1;Filo, “OntheDecalogue”,XVI.78-80,e“OntheContemplativeLife”,8;Josefo,AgainstApion,II.81.)

e Oardordelesseperdeudiantederomanosposteriores.ComoescreveuDio,séculosdepois,osalexandrinosestavam“sempreprontosaassumirumaposturaousadaportodaparteeafalartudooque lhesocorria,masparaaguerrae seus terroreseramabsolutamente inúteis”. (Dio,RomanHistory,XXXIX.lviii.1-2.)

fAomesmotempo,éinteressantequeogeneralquedácontinuidadeànarrativadeCésartenhatantocuidadoemenfatizar,naprimeirapáginaecuriosamente foradecontexto,queacidadeera à prova de fogo. Essa a irmação contradiz fontes anteriores, que dizem que o fogo seespalhoudosnaviosancoradosparaagrandebiblioteca.Deixatambémdemencionarasvigaseos telhadoshabilmentemanipulados e as barricadasdemadeirado textodeCésar.Resta-nosuma apologia gratuita e ausência de crime. (A proposição é de El-Abbadi [1990, p.151]; eleacreditapiamentequeoincêndiodabibliotecafoiumacidentedeguerra.)

g O presente foi bem-recebido,mas omomento era estranho. Júlia devia se casar com QuintoServíleoCépioemquestãodedias.Ele icoumuitoinsatisfeito.Emlugardela,PompeuofereceuaCépiosuaprópria ilha,emboraela,porsuavez,estivesseprometidaaoutro.Emsuamaioria,asmulheresromanaseramcomerciadascomocavalos,uma ideiaque,apesarde todasassuascriativasmaquinaçõesfamiliares,raramenteocorreuaosPtolomeus.

hUmhistoriadormodernochegaasugerirqueelesexpressamenteacobertaramofato.(Heinen,2009, p.127. “Parece que o autor [das Guerras Alexandrinas] procurou voluntariamenteenganar seus leitores, e tentou não apenas esconder a viagem pelo Nilo, como representar asequênciacronológicadeeventosdetalformaqueesseepisódiopudessenuncaterocorrido.”)

i Aes ingequasecomcertezanãoerainvisívelparaCésareCleópatra,aindaenterradanaareia,comoestavahaviaquasemilanos.

j A pichação mais comum: “Eu vi e me maravilhei.” (Casson. Everyday Life in Ancient Egypt.Baltimore,JohnsHopkinsUniversityPress,2001,p.142.)

—IV—

AIDADEDEOURONUNCAFOIAIDADEPRESENTE1

Criada:“Quedesculpadevodarseeuficarforadecasaduranteumlongotempo?”Andrômaco:“Nãolhefaltarãopretextos.Afinal,

vocêéumamulher.”

EURÍPIDES2

César partiu do Egito em 10 de junho,muitomais tarde do que deveria. Roma não tinha notíciadeledesdedezembroeestavaemtorvelinho,comoelecertamentesabia.3Oscorreiosfuncionavamperfeitamentebem.Comoumfavortantopessoalcomopolítico, levoucomeleairmãdeCleópatra—aindauma “deusa-irmãamorosa”emnome, senãona conduta—comoprisioneiradeguerra.ParaprotegerCleópatra,12millegionáriosquetinhamidocomCésarpermaneceramnoEgito,umavezmais como um gesto tanto pessoal como político. A inquietação civil não era do interesse deninguém.CésarpareceterefetivamenteresistidoemdeixarCleópatra,emborasejaimplausívelqueelatenhasepropostoaacompanhá-loaRomanesseverão,comoafirmaDio.Certamentefalaramdeumreencontro,antesdapartidaqueCésarpareceterretardadoeretardadoaténãopodermais.Duas semanas depois, Cleópatra entrou em trabalho de parto. Pouco

sabemos do nascimento em si, como sabemos pouco da intimidade que oprecedeu.aComousemumabanquetadeparto,umaequipedeparteirasdevia estar a postos.Uma recebeu a criança nas dobras de um pano,enfaixando-a com irmeza. Uma segunda cortou o cordão umbilical comuma lâmina de obsidiana.4 O recém-nascido devia ser fartamenteamamentado,para cujo imempregou-seumaamade leite.As exigênciasparao trabalhonão eramdiferentesdas exigênciasdehoje: a amadeviaser adequada e limpa. Não devia “ser dada a raiva, nem falante, nemindiferente à alimentação, mas organizada e sensata”. 5 Idealmente, deviatambém ser grega, o que queria dizer educada. Era comum que fosse afelizardaesposadeumfuncionáriodacorte;opostoerabem-remunerado,prestigiado e durava vários anos. Ela devia levar ao trabalho oconhecimento de gerações. Problemas com os dentes? O tratamento-padrão era dar à criança um camundongo frito. Choro excessivo? Umapasta de cocô de mosca e papoula era garantia de silenciar até o maisdesesperadodosbebês.Sequisesse,Cleópatrapodiaterrecorridoavolumesdeconselhossobre

contracepçãoeaborto, algunsde surpreendentee icácia . 6Nada revelavamelhor as marés con litantes de ciência e mito, esclarecimento e

ignorância,emmeioàsquaiselaviviadoquealiteraturasobreocontrolede natalidade. Para cada ideia válida da época de Cleópatra, havia umacrença igualmente bizarra. Desde trezentos anos antes, a receita deHipócrates para induzir o aborto — saltar sete vezes para cima e parabaixo,tocandocom irmezaoscalcanharesnasnádegas—fazalgumasdasmedidas do século I parecerem perfeitamente razoáveis. Um ovo dearanha, preso ao corpo com pele de veado antes do nascer do sol, podiaimpediraconcepçãodurantedozemeses.Issonãoeramaisestranho,nemmais e iciente, do que amarrar um ígado de gato no pé esquerdo, masgarantia-se também que um espirro durante o sexo funcionava àmaravilha.NaépocadeCleópatra, oestrumedecrocodiloera famosoporseu poder contraceptivo, assim comoumpreparado de rim demula comurinade eunuco. Em termos gerais, a literatura sobre abortivos eramaisextensadoquesobrecontraceptivos;osingredientesdeumapíluladodiaseguintecon iáveleramsal,excrementoderato,meleresina.Muitodepoisde Cleópatra, a irmava-se que aspirar o cheiro de um lampião recém-apagadoinduziaoaborto.Aomesmotempo,algunsdosremédiosdeervaspopulares na época de Cleópatra mostram-se e icazes. Choupo-branco,frutos de zimbro e funcho gigante possuem capacidade contraceptivacomprovada. Outros, como vinagre, sulfato de alumínio e azeite de oliva,permaneceram em uso até recentemente. Todos ofereciam melhoresresultados do que ométodo do ciclo, de e icácia duvidosa para um povoque acreditavaque amulher estavamais fértil em tornodomomentodamenstruação.No caso, nada podia ser mais conveniente ao projeto político de

Cleópatra, aos 22 anos, do que amaternidade. E nenhuma outra atitudepoderiafornecermelhorgarantiaaseufuturodoquegeraro ilhodeJúlioCésar.Haviaalgumascoisasestranhas,acomeçarpelofatodequeosdoispais em questão estavam casados com outras pessoas. (Tecnicamente,Cleópatra icou viúva e recasou durante a gravidez.) Do ponto de vistaegípcio, César era um pai imperfeito sob dois aspectos: não era umPtolomeu, nem era da realeza. E do ponto de visto romano, não haviavantagem alguma em difundir sua paternidade, que era, na melhor dashipóteses um constrangimento. Da perspectiva de Cleópatra, nenhumamedida diplomática poderia ter sido mais e icaz do que aquelainteiramente privada. Ela estava preocupada demais com sua própriasobrevivênciaparaperdertempopensandoemsucessão,masagorapodiater esperança de escapar da sorte deAlexandre, o Grande, quemorrerasem herdeiro. A esplêndida dinastia ptolomaica sobreviveria a ela. Além

disso, o ilho era homem. Os egípcios estavam dispostos a se submeter aum faraómulher,mas, comodeixavabemclaraahistóriamatrimonialdeBerenice IV, umamulher precisava de um consorte homem,mesmo queapenascomoumabailarinadeumpasdedeuxdeBalanchine,comoenfeitemais que como suporte. Com Cesário — ou Pequeno César, como osalexandrinos apelidaram Ptolomeu XV César — no colo, Cleópatra nãotinhaqualquer di iculdade para reinar como rainha. Mesmo antes decomeçar a balbuciar, Cesário realizouum feitonotável. Ele tornou seu tioimpotente inteiramente irrelevante. PtolomeuXIVpode ter se dado contadissoounão,massua irmãmaisvelhaobteveocontroletantoda imagemcomodogoverno.Melhorainda,otimingdeCleópatrafoiimpecável,eladefatopareceter

tido ajuda— oumuita sorte— para produzir ilhos exatamente quandoera mais vantajoso fazê-lo. O nascimento de Cesário coincidia quaseexatamente coma enchentedoNilo de começodo verão, quepsicológica,iconográ ica e inanceiramente impulsionava a estação de plenitude. 7 AexpectativadiáriadavalugaràcelebraçãoàmedidaqueoNilo icavamaisturvo, verde-musgo, depois enchia constantemente, do sul para o norte.Cestos e cestos se carregavam de uvas, igos e melões. O mel corriaabundante. Cleópatra celebrava o festival anual de Ísis nesse momento,uma importante data carregada de rituais no calendário egípcio.Acreditava-se que as lágrimas dessa deusa todo-poderosa é queprovocavam a enchente do rio. Os súditos de Cleópatra ofereciam a ela(compulsoriamente)presentespeladata,umapráticaquedespertavaumafrenética concorrência entre os membros de sua corte. 8 Chegavam aopaláciobarcosdetodososcantosdoEgitocarregadosdefrutase lores.OnascimentodeCesáriolevouaumaassociaçãodeCleópatracomÍsis,9masnesse aspectoCleópatra seguia o trajeto de suasmais ilustres ancestrais,que, durante 250 anos, identi icaram-se com a deusa antiga. Nummomento de devoção generalizada, ela era tida como amaior divindade.Gozavadepoderesquase ilimitados: Ísis tinha inventadooalfabeto(tantoegípcio como grego), separado o céu da Terra, posto o Sol e a Lua emmovimento.Ferozmente,mascomcompaixão,elacolhiaordemnocaos.Eraternaeconfortadora,mastambémsenhoradaguerra,doraio,domar.Elacurava os doentes e ressuscitava os mortos. Presidia as questõesamorosas, inventou o casamento, regulava a gravidez, inspirava o amorque liga os ilhos aos pais, sorria para a vida doméstica. Ela distribuíamisericórdia, salvação, redenção. Era a consumada mãe-terra, além de,comoamaioriadasmães, ter algodamágicaengenhosaeonicompetente

portrásdacena.ÍsiseraatraenteparaambasasclientelasdeCleópatra,oferecendouma

fusão versátil de duas culturas. Nummomento em que muitos atendiampornomesdiferentesemgregoeegípcio,adeusaserviacomoconstrutoradanaçãoeíconereligioso.Deméter,Atena,HeraeAfroditecombinavam-seem sua pessoa. Seus templos pontilhavam Alexandria; sua estatueta decerâmicaadornavaamaioriadascasas.Mulherdominante,comumaauranitidamentesensual,elaerapresençamenosconfortávelnoexterior.Essasedutora poderosa já havia exacerbado o mundo romano, mais marcial,para onde os comerciantes alexandrinos haviam exportado seu culto. OpróprioCésarimpediusacerdotesdeÍsisdeentrarememRoma.Jáem80a.C.,umtemplodeÍsisseergueunaquelacidade,nomonteCapitolino.Foidestruído e reconstruído, uma história que se repetiu em intervalosregularesno transcorrerda vidadeCleópatra. Era tal a popularidadedeÍsis que, quando foi emitidaumaordemparapôr abaixoos seus templosem50, nenhum trabalhador pegou a picareta para fazê-lo. Um cônsul foiobrigadoadespiratogaedaroprimeirogolpeelepróprio.10

É di ícil determinar o que veio primeiro, se Ísis era responsável pelasupremacia das mulheres no Egito, ou se as rainhas ptolomaicasreforçaramessaeminência.bEladecertointroduziuumaigualdadeentreossexos. Em alguns relatos, Ísis outorga às mulheres a mesma força doshomens.Elaera,dequalquermodo,umaperfeitabênçãoaCleópatra.ParacomemoraronascimentodeCesário,anovamãeemitiunovasmoedasemque ele é mostrado como Hórus, o bebê de Ísis. (A imagética eraconvenientemente bilíngue. Podia ser lida também como Afrodite comEros.) Acontecimentosfuturos viriam apenas reforçar a identi icação deCleópatra com Ísis, em cujo papel ela entraria mais plenamente e maisliteralmente do que qualquer outra rainha ptolomaica. Em ocasiõescerimoniais, ela assumia a forma de Ísis, aparecendo num ricomanto delinho pregueado com listas iridescentes, com franja na barra, estendidocom irmeza do quadril direito ao ombro esquerdo e amarrado entre osseios. Debaixo disso, usava uma confortável túnica grega. Cachos emserpentina desciam pelo ombro. Na cabeça, usava um diadema ou, emocasiõesreligiosas,acoroafaraônicadepenasconvencional,odiscosolarechifres de vaca.11 Quarenta e sete anos depois, a Ísis multiforme cederiaseu lugar a uma mãe solteira muito diferente, que se apropriariainteiramentedesuaimagem.A maternidade não só enfatizou a autoridade de Cleópatra— em sua

época, a rainha egípcia era mais deusa-mãe que mulher fatal —, mas

tambémsolidi icouoslaçoscomossacerdotesnativos,aosquaisconcedeuprivilégiossigni icativos.Nissodeucontinuidadeàobradeseupai.Mesmoquando no exterior, ele se distinguiu como um prolí ico construtor detemplos e cultivou suas relações como clero egípcio. 12 Eles eram capitaisparaaordementreopopulachonativo,alémdeintimamentevinculadosàsquestões de Estado. Como os templos estavam no centro tanto da vidareligiosa como comercial, haviauma interpenetraçãodaburocracia gregacom a hierarquia egípcia. O ministro das inanças podia igualmentesupervisionar a alimentação dos animais sagrados. O sacerdoteencarregado das receitas do culto para ocasiões especiais podia sedesdobraremcomerciantedejunco.AquelesquedetinhamaltostítulosnotemplodeMên istinhamigualmentealtostítulosnomundodocomércioeocupavam posições privilegiadas na corte de Cleópatra. A relação erasimbiótica: deus na terra, o faraó era tão necessário teologicamente aossacerdotes comoos sacerdotesparaCleópatraeconômicaepoliticamente.Sacerdotes tinham o papel de advogados e notários, e os templosfuncionavam como centros manufatureiros, instituições culturais, eixoseconômicos. Podia-se visitar um templo para elaborar um contrato,consultar um médico, emprestar um saco de trigo. Um templo podiaoferecer refúgio dentro de seusmuros, umdireito que, em46, Cleópatraestendeu a um altar de Ísis e,mais para o inal de seu reino, a umasinagoga no delta sul.13 (Isso pode ter representado a sua parte de umatroca.Osjudeusdaregiãoerambonssoldados;Cleópatraprecisavadeumexército na época.) Em princípio, ninguém a quem fosse concedido asilopodiaserexpulsoouremovido.Eraparaondesecorriaquandosecometiaa temeridade de organizar uma greve. Ocasionalmente, os templos atéemprestaramdinheiroaosPtolomeus.Era também responsabilidade dos sacerdotes monitorar todos os

humores do Nilo, com o qual as fortunas literalmente cresciam oudiminuíam.Oriopodia trazer fartas riquezasouconsideráveisdesgraças.Umaenchentede setemetros levavaaodelírio.Umade seis era saudadacomvivas.Cincometros—estaçãoemquea lamacinzaazuladagrudavanasmargens e teimosamente se recusava a estender-se sobre a terra—assinalava uma estação de problemas. Tal havia sido o caso do anoanterior,quandooNilopareceuestartãoforadoseixosquantoomomentohistórico. Como Cleópatra observou em sua viagem clandestina aAlexandria,aenchentede48foidesastrosa.No inalchegaraapenasa2,5metros, o menor nível já registrado. (Com a seca, a economia do Egitochegara a parar, outra razão por que o recrutamento antirromano tinha

sidofácilnaqueleoutono.)Orioditava intimamenteasrelações familiarestantoquantoapolíticanacional.Um ilhoassinouumacordocomsuamãe:ele devia fornecer a ela quantidades especí icas de trigo, óleo e sal, amenosqueorio icasseabaixodedeterminadonível,momentoemqueeladevia cuidar da casa dele. Muitos templos tinham colunas de medidanilótica, monitoradas secreta e obsessivamente pelos sacerdotes.Diariamente, eles comparavam esses números com os do ano anterior.Através deles, os funcionários de Cleópatra podiam avaliar as colheitas ecalcularos impostos.Dadaamaniapormediçõesecomparaçãodedados,faziasentidoqueageometriaamadurecessenoEgito.14

A ixação nas performances anteriores também levou à adoção dahistória, embora essa disciplina fossemenos exata. Alimentar o povo eraindispensável, função de que Cleópatra se orgulhava. Ela se apresentavacomo a Senhora da Abundância por boas razões; colocava-se entre seussúditoseafome.Dadososrigoresdosistema,elesnãoconseguiammanterreservas. Numa crise, Cleópatra não tinha escolha senão autorizar adistribuição dos armazéns da coroa. “Não houve fome durante meureinado”15eraumafrasepopularegrati icanteparaummonarcaentalharem seu templo. A propaganda antiga, porém, servia aos mesmos ins desua contrapartida moderna. Parece ter havido pouca correlação entre arealidadealimentareessaluminosaa irmação,muitasvezespatentementefalsa.

Emmeadosde47, Cleópatra estava livre de conspiradoresna corte e livre de todos osmembrosantagônicos da família. A perturbação social estava reduzida ao mínimo. Mas mesmo assim elaestava comasmãosocupadas. “Qualquerpessoaque saibao trabalho cansativoqueé exigidodereis,comtodasaquelascartasquetêmdelereescrever,nãosedariaotrabalhodepegardochãoumacoroa”,16reclamaraummonarcahelenísticoanterior.Eelenãotiveranenhumaexperiênciadaluxurianteburocraciaptolomaica,frutonaturaldeumaculturaquetinhaorgulhoadministrativoeumariquezadepapiros,comumaeconomiaplanejadaecentralizadaeumainexplicávelpaixãoporregistrosecensos.OhistoriadorgregoDiodoroesboçouohoráriodeumoutrosoberanodoséculoI,que deveria ser semelhante ao de Cleópatra. Depois de acordada, ela mergulhava em pilhas dedespachos de todos os quadrantes. Seus conselheiros a informavam sobre os negócios de Estado.Ela se correspondia com altos sacerdotes e com outros soberanos. Se eles estavam bem, se seusnegóciospúblicoseprivadoscorriamde formasatisfatória,então, rezavaa fórmuladesaudação, 17ela também estava bem. Ela tomava decisões. Ditava memorandos a vários escribas e assinavaoutros,àsvezescomumaúnicapalavrapoderosaquequeriadizer“cumpra-se”.Sómaistardeelatomava banho e se vestia, perfumava-se e maquiava-se, e oferecia sacri ícios enfumaçados aosdeuses.Emalgummomentodeterminadodatarde,elarecebiavisitassobreassuntosdeEstados,detemplooujudiciais.Essasaudiênciaspodiamsermuitotediosas;elaslevaramumPtolomeuanterioradormir.18AsresponsabilidadesdeCleópatrachegavammuitopertoderivalizarcomasdeÍsis:elanãosóministravaajustiça,comandavaoexércitoeamarinha,regulavaaeconomia,negociavacom

poderes estrangeiros e presidia os templos, como determinava os preços de matérias brutas esupervisionava os planos de semeadura, a distribuição de sementes, as condições dos canaisegípcios,asreservasdealimentos.Elaeramagistrado,altosacerdote,rainhaedeusa.Eratambém,nodiaadiaecommuitomaiorfrequência,chefeexecutiva.Conduziatantoasburocraciassecularescomoreligiosas.Eraomercador-chefedoEgito.ApressãodosnegóciosdeEstadoconsumiaamaiorparte de seu dia.19 E como aquele cansadomonarca helenístico anterior havia admitido, o poderabsolutoconsomedeformaabsoluta.UmavastaeenraizadaburocraciarespondiaaCleópatra.Emnívellocal,

contadores e subcontadores regionais, chefes de aldeias, escribas,coletoresdeimpostosepoliciaiscumpriamsuasordens.Emnívelnacional,umministro-chefedas inançasedointerior,seu dioiketes,supervisionavaofuncionamentodoEstado,comumahordadesubordinados.Bemàmão,Cleópatraempregavasecretáriospessoais,redatoresdememorandos,umcírculomais íntimode conselheiros,ministros do exterior, ilósofos. Tantogregos como egípcios falantes do grego ocupavam essas posiçõesprivilegiadas, que possuíam títulos pomposos que soam familiares: se osujeito era particularmente poderoso, igurava na Ordem dos PrimeirosAmigos ou na Ordem dos Sucessores. Cleópatra conhecia alguns dessesconselheiros desde a infância e con iava neles; ela os mantinha desde oregimedeseupai.Comvários—odioiketes,porexemplo—,elaestavaemcontatoconstante.Elaconferiaaagendadeseusecretáriodiariamente.Aadministraçãoconstituíaumamaquinariacomplicadademuitosníveis.

Tinhacomo fundamentoduaspremissas.Era funçãodeCleópatra taxaropovo,opapeldopovoeraencherseuscofres.Paratal im,seusancestraishaviam inserido controles em todos os níveis de todas as indústrias; emnenhum outro lugar havia maior rede de burocracia governamental.(César só pode ter icado assombrado. Roma na época não tinhaburocracia.) As colheitas de Cleópatra eram asmaiores de todo omundomediterrâneo.Comelas,a rainhaalimentavaseupovo,edelerecebiaseupoder. Seus funcionários, consequentemente, monitoravam todos os seusaspectos. Eles distribuíamas sementes.Quantidade equivalentedevia serdevolvida na época da colheita. O fazendeiro fazia um juramento real defazeroquedisseraqueiafazercomsuaplantação.Sóenchiamseusnaviosdepoisdejurarqueiamentregarosbens“íntegrosesemdemora”. 20Sobopoder de Cleópatra e como consequência de décadas de incerteza,transportadoresviajavamcomamostrasseladas,nacompanhiadeguardasarmados. Um barco ptolomaico de bom tamanho era capaz de carregartrêstoneladasdetrigorioabaixo.Pelomenosdoisdessesnavios faziamaviagem diariamente — com trigo, cevada, lentilhas —, para alimentarapenasAlexandria.

A mesma minuciosa supervisão estendia-se a todos os recantos daeconomia. O sistema ptolomaico já foi comparado ao da Rússia soviética;icava entre as economias mais estritamente controladas da história.Independentedequemacultivasse—camponêsegípcio,fazendeirogrego,sacerdotedotemplo—,amaiorpartedaterraeraterrareal.Portanto,osfuncionários de Cleópatra determinavam emonitoravam seu uso. Só compermissão do governo podia-se derrubar uma árvore, criar porcos,transformar seu campo de cevada num pomar de oliveiras. Tudo eraescrupulosamente planejado em função do burocrata que mantinha osregistroseavaliavaoslucros,maisdoquepelaconveniênciadocultivadorou bene ício da colheita. O sujeito estava sujeito a processo (comoaconteceu com uma mulher empreendedora demais) se plantavapalmeiras sem permissão. O criador de abelhas não podia deslocar suascolmeiasdeumdistritoadministrativoparaoutro,umavezqueao fazê-loconfundia as autoridades. Ninguémdeixava sua aldeia durante a estaçãoagrícola.Nemosanimaisda fazenda.Toda terraera supervisionada, todogadoinventariado,este,nopicodaestaçãodaenchente,quandonãopodiaser escondido. Teares eram inspecionados para ter certeza de quenenhumestava ocioso e a conta dos ios, correta. Era ilegal um indivíduopossuirumaprensadeóleoouqualquercoisaqueseparecessecomuma.Funcionáriospassavammuitotempofechandooperaçõesclandestinas.(Sóos templos icavam isentos dessa regra doismeses por ano, ao inal dosquais eles tambémeramfechados.)OcervejeirosótrabalhavasoblicençaerecebiadoEstadoacevada,comaqual jurava fabricarcerveja.Quandovendiaseuproduto,submetiaseuslucrosàcoroa,quededuziaocustodasmatérias brutas e dos aluguéis. Cleópatra garantia assim tanto ummercadopara sua cevada como lucros comasvendasdo cervejeiro. Seusfuncionários inspecionavam todas as receitas cuidadosamente, paraveri icarseasamoreiras,ossalgueiroseasacáciaseramplantadosemseudevidotempo,paraconferiramanutençãodecadacanal.Nesseprocesso,eramespecialefrequentementeexortadosadisseminarportodooEgitoamensagem tranquilizadora de que “ninguém tem permissão para fazer oquequiser,mastudoéplanejadoparaomelhor”.21

Semparaleloemsuaso isticação,osistemaeraimensamentee icientee,paraCleópatra, imensamente lucrativo.Asmaiores indústrias doEgito—trigo, vidro, papiro, linho, óleos e unguentos — constituíam,essencialmente,monopóliosreais.ComelasCleópatralucravaduplamente.Avendadeóleoparaacoroaerataxadaemcercade50%.Cleópatraentãorevendia o óleo comum lucroque, emalguns casos, chegava a 300%.Os

súditosdeCleópatrapagavamimpostosobreosal,impostosobreoscanais,imposto sobre pastos; em geral, se um produto tinha nome, era taxado.Proprietáriosdebanhos, que eramempresasprivadas, deviamaoEstadoum terço de suas receitas. Pescadores pro issionais entregavam 25% decada quantidade produzida; vinícolas, 16% de sua tonelagem. Cleópatraoperavavárias fábricasde lãsetecidos,comumaequipedeescravas.Eladeviaparecerdivinaemsuaonisciência.UmPtolomeu“sabiatodososdiaso que cada um de seus súditos valia e o que amaior parte deles estavafazendo”.22

Eraumsistemaqueconvidavaàcorrupção,eo conviteeraatendido.Apolítica iscalptolomaicaocupavaumavastahierarquiadepessoas,desdeodioiketesatégerentes,subgerentes,tesoureiros,secretáriosecontadores.Cada umpronto a arbitrar con litos e a enriquecer. As oportunidades dedesviosde condutaeram ilimitadas. Seus traços sobrevivemàsglóriasdaprópriaAlexandria,glóriasqueamáquinaptolomaicatornoupossíveis.Emúltima análise, os funcionários de Cleópatra produziam tantoressentimento quanto corrupção.Como eles próprios eram muitas vezesfazendeiros ou industriais, com grande facilidade os negócios públicos eprivadossangravamdeumparaoutro.Osinteressesdosgerentesgeraisedacoroajamaiscoincidiam.Osdogovernoeseusagentesalfandegários—sempre prontos a passar por baixo do pano uma almofada, um pote demel, um traje de banho de pele de cabra — nunca eram os mesmos.Funcionáriosdediferentesníveisdiscordavam.Enogrossodaburocraciaociosa e sobrecarregada, as oportunidades pessoais raramente eramperdidas. Comoapontoua estudiosadosPtolomeusDorothyThompson, afamília deCleópatra dedicavamuito tempo emde inir o bom funcionário.Ele devia ser vigilante, direito, um farol de boa vontade. Devia manterdistância de companhias duvidosas. Tinha de investigar todas asreclamações, proteger contra a extorsão e, em suas viagens de inspeção,“animar a todos e deixá-los namelhor disposição”. 23 Ele era também emgrande parte uma icção. “Podemos concluir que para o bom funcionárioera quase impossível não ser mau”, 24 conclui Thompson depois de umexame das provas. A tentação era grande demais, o pagamento baixo ouinexistente,osistemamesquinhodemais.c

Alistadeabusoseraimpressionante.Funcionáriosreaisseapropriavamde terras, requisitavam casas, embolsavam dinheiro, con iscavam barcos,faziam prisões arbitrárias, coletavam impostos ilícitos. Inventavamso isticados sistemas de extorsão. Atingiam igualmente gregos e egípcios,funcionáriosdetemploecamponeses.25Cleópatraintervinharegularmente

entre seu povo e os funcionários superzelosos;mesmo os que ocupavamposições mais altas recebiam reprimendas reais. Em um exemplo, umchefe embalsamador de touros reclamou de abuso. Uma delegação defazendeiros compareceu perante Cleópatra na primavera de 41 paraprotestar contra umadupla taxação da qual ela os isentou no futuro. Emmeioaomaciço luxodepapiros—relatórios,petições, instruções,ordens— iguravamfrequentesprotestosereprimendas.Principalmenteduranteos primeiros anos do reino de Cleópatra, houve um grande volume dereclamações. Insubordinação, incompetência e desonestidadepodem tê-lainfernizado em casa também, entre os porteiros, os caçadores, oscavalariços,osservidoresdevinho,ascostureiraseoscriadosdequarto.Mesmo as reclamações que não chegavam até Cleópatra pessoalmente,

apelavam a suas boas intenções, sabedoria, compromisso com a justiça.Como Ísis, ela era vista como bondosa guardiã de seus súditos, tanto emseu papel terreno como divino. Os egípcios invocavam seu nome em vozalta quando sofriam indignidades ou quando procuravam reparação. Eemboraelativessemuitosrepresentantes—umfuncionárioorganizavaaspetições —, nada impedia que um súdito prejudicado se dirigissepessoalmente a Cleópatra. Eles o faziam em multidões. A sábia rainhaoutorgava anistia geral antes de ir para o campo para audiências oufestivais religiosos; se não o izesse, seria recebida por milhares dereclamantes.A iloso iaoperativapareciaser:quandoemdúvida,escreva(ou peça para o escriba da aldeia escrever) uma petição. Todo tipo decontravenção e melodrama chegava até Cleópatra. Cozinheiros fugiam.Trabalhadoresorganizavamgreves,escapavamdaalfândega,entregavamprodutos adulterados. Guardas icavam sem pagamento. Prostitutascuspiam em seus possíveis clientes.Mulheres atacavam esposas grávidasdeseusex-maridos.Funcionáriosdogovernoroubavamporcosetomavampombais. Gangues assaltavam coletores de impostos. Empréstimos davamerrado. Havia ladrões de túmulos, problemas de irrigação, pastoresdescuidados,contasadulteradaseprisõesinjustas.Atendentesdosbanhosrotineiramente insultavam clientes e sumiam com suas roupas. O paienfermo reclamava da negligência da ilha.26 O vendedor de lentilhalicenciado, um contribuintehonesto, choramingavaqueos vendedoresdeabóboraassadainterferiamcomseucomércio:“Eleschegamcedo,sentamperto de mim e de minhas lentilhas, e vendem abóbora sem me dar amenor chance de vender lentilha.”27 Sem dúvida ele conseguiriadasautoridades um prazo extra para pagar seu aluguel? Tão predominanteseram as disputas de impostos que, séculos antes, Ptolomeu II tinha

proibido advogados de representar clientes nesses casos. 28 Dispensadoscomoeramdotrabalhomanual,oszeladoresdotemplodosgatossagradostinhammesmodeajudarnacolheita?Elesfaziampetições.29

Cleópatra se deparava regularmente com outra coisa irritante. Quandoumamulher acidentalmente esvaziava seu vaso noturno em cima de umtranseunteenadiscussãoresultanterasgavaomantodeleecuspiaemseurosto,erajustopresumirquehaviadiferençasétnicasemjogo.Omesmoéverdade quando um atendente de banho esvaziava uma jarra de águaquente em cima de um cliente e, protestava o cliente, “queimou minhabarriga e minha coxa esquerda até o joelho, colocando minha vida emperigo”.30 Num país administrado sobretudo por gregos e mantidoprimordialmente pelo trabalho dos egípcios, o ressentimentoinevitavelmentecorriasubjacente.(Oscuspidoreseatendentesdebanhoseram egípcios, suas vítimas, gregas. Provavelmente, havia menos de 500milgregosnopaís, amaiorpartedelesemAlexandria.)Apesarde todoofrenéticosincretismo,etodoocosmopolitismodeAlexandria—dirigir-seaumalexandrinoeradirigir-seaumetíope,aumcítico,aumlíbioouaumciliciano—,duas culturasparalelas estavam instaladas.Emnada issoeramais pronunciado do que no sistema legal. Um contrato em grego estavasujeitoà leigrega,umcontratoemegípcioà leiegípcia.Damesma forma,umamulheregípciagozavadedireitosnãodisponíveisasuacontrapartidagrega, sempre dependente de seu guardião. Os regulamentos eramaplicados de formas diferentes. Um egípcio que tentasse ir embora deAlexandria sem um passe, sacri icava um terço de sua propriedade. Umgrego que o izesse pagava uma multa. Sob certos aspectos as duasculturas permaneciam separadas, assim como certos hábitos resistiam asertransplantados,comoCleópatraeCésarlogodescobririam.Umrepolhogregoperdiatodooaromaaoserplantadoemsoloegípcio.Alémdetudo isso,aeconomiaqueAuletesdeixouparasua ilhaestava

em frangalhos. “Quando herdamos a República de nossos ancestrais, eracomoumabelapinturacujascoresestivessemseapagandocomaidade”, 31

Cícero reclamara alguns anos antes.Omesmo era aindamais verdadeiropara o Egito de Cleópatra, seus dias gloriosos duramente ultrapassados.AuletesdeviasuaimpopularidadeemgrandeparteàstaxasonerosasquebaixaraparapagaracontacomRoma.Cleópatraacertouessascontas,masicoucomumtesourodepauperado.(Quandoanotíciadamortedeseupaichegou a Roma, as primeiras perguntas foram: quem governa o Egitoagora e como vou conseguirmeu dinheiro de volta?) Segundo um relato,Auletes havia também dissipado a fortuna acumulada da família.32 O que

Cleópatra ia fazer? Em questões econômicas, ela manifestou mão irme,desvalorizando imediatamente a moeda em um terço de seu valor. Nãoemitiunovasmoedasdeouroedesvalorizouasdeprata,assimcomoseupai izerapoucoantesdesuamorte.Emgrandeparte,asuaépocafoiumaidadedobronze.Elainstituiuaproduçãoemlargaescaladessemetal,quetinhasidosuspensaporalgumtempo.E introduziuumagrande inovação:moedas de diferentes valores no Egito. Pela primeira vez, os sinaisdeterminavamovalordeumamoeda. Independentementedeseupeso,amoeda devia ser aceita pelo valor impresso, com grande proveito paraela.33

Por causa disso, os juízos quanto à saúde inanceira de Cleópatra sedividem.Mais tarde, quando solicitada a oferecer assistência a Roma, elanão foi até o fundo de seus cofres, o que prova, para alguns, que estavainanceiramente limitada. No entanto, Cleópatra tinha uma razão válidaparasemostrarmenosquedisposta.ElanãopretendiasecomportarcomoumtíteredeRoma.A irma-sequeAuletesnão tinhadinheiropara reunirum exército mercenário em 58, quando o Chipre lhe custou o trono. Dealgumaforma,Cleópatratinhaosfundosparaissodezanosdepois,quandoestava no poder fazia apenas dois anos e seu irmão dera o golpe. Elaestabilizouaeconomiaepôsopaísnumrumoconstante.Comosugeremosnúmeros de seus seguidores políticos posteriores, ela ainda tinha umsigni icativo tesouro privado. As aldeias do Alto Egito prosperavam. Asartes também loresciam. SobCleópatra, os alexandrinos, comseu apetiterecém-estimulado, produziram obras-primas de qualidade e emquantidadenãovistasemumséculo.Osesplêndidosentalhesemalabastroe vidro adornado comouroque sobrevivema ela não sugeremde formaalgumaumregimedecadente.Qualeraotamanhodariquezadela?Aproximadamentemetadedoque

oEgitoproduziaiaparaseuscofres.Seusrendimentosanuaisemdinheiroicavam,provavelmente,entre12e15miltalentosdeprata.Eraumasomaastronômica para qualquer soberano, nas palavras de um historiadormoderno, “o equivalente a todos os fundos de cobertura daquela épocareunidos numa coisa só”. 34 (A in lação foi um problema durante todo oséculo, mas afetava a prata de Cleópatra menos do que sua moeda debronze.)Omaisluxuosodosenterrosluxuososcustavaumtalento,prêmioqueoreidavanumconcursodebebidanopalácio.35Meiotalentoeraumamulta esmagadora para um aldeão egípcio. Um sacerdote da época deCleópatra, posto dosmais cobiçados, ganhava quinze talentos anuais. Erauma quantia principesca; foi a iança que Ptolomeu III pagou ao “pegar

emprestado”asversõeso iciaisdeÉsquilo,SófocleseEurípidesdeAtenas— e que ele sacri icou quando optou por não devolver esses textosinestimáveis. Piratas estabeleceram o inacreditável resgate de vintetalentospelacabeçadojovemJúlioCésarque,sendoCésar,protestouquevalia pelo menos cinquenta. Diante da escolha entre uma multa decinquenta talentos e a prisão, qualquer um optaria pela prisão. Porduzentos talentos podia-se construir dois monumentos impressionantespara uma amantemuito amada. Os custos de Cleópatra eram altos, seusprimeiros anos muito di íceis, porque o Nilo não cooperou. Pelas maisestritas de inições — as dos cidadãos mais ricos de Roma — ela erafabulosamente rica. Crasso dizia que ninguém era realmente rico se nãopudessemanterumexército.d

Em certo nívelde assuntos internos, Cleópatra se davaexcepcionalmente bem. É evidente que ela manejava a enchentes depetiçõescome iciência.Contavacomoapoiodopovo.Seureinoénotávelpela ausência de revoltas no Alto Egito, repentinamente tranquilo comonão icavahaviaumséculoemeio.Noverãode46,Cleópatratinharazõespara acreditar que seu reino estava equilibrado, sua produtividadegarantida. ONilo enchia regularmente. Ela começou a emitir instruções acamaristasdecon iança,o iciaisdamarinha,àsaiasdeseu ilho.Reuniramumacoleçãodetoalhas,utensíliosdemesa,utensíliosdecozinha,lampiões,lençóis,tapetesealmofadas.Cesáriotinhaumanodeidade.Comeleeumagrandecomitiva,Cleópatra sepreparoupara iraRoma. 36 Levava comelasecretários, copistas, mensageiros, guarda-costas e seu irmão-maridotambém;umPtolomeuhábilnãodeixavaparatrásumparentedesangue.NãoéclaroseviajouporrazõesdeEstadoouporquestõesamorosas—ouparaapresentaraCésaro ilhoqueeleaindanãoconhecia.ElapodiaestaresperandoumapalavradeCésar,queesteveforadeRomadurantequasetrêsanos. Seu retornodonortedaÁfrica,ondederrotarabrilhantementeosúltimospartidáriosdePompeu,coincidemuitoconvenientementecomachegada de Cleópatra. Duas coisas icam absolutamente claras. Ela nãopoderia sair do Egito se não tivesse um controle irme do país. E nãoousariapisaremRomaseJúlioCésarnãoaquisesselá.

Cleópatra não teria empreendido sua primeira travessia doMediterrâneo por ummotivo fútil. Aviagemeraarriscadaa todososmomentos;emtravessiasemelhante,Herodeshavianaufragado.37Josefo,historiador judaico-romanoqueescreveu tãovenenosamente sobreCleópatra, algunsanosdepois passou uma noite nadando no Mediterrâneo. Temos indícios de que Cleópatra era uma

marinheiranervosa.Elaviajavatambémcomoinstituiçãoecomoindivíduo,commédicose ilósofos,eunucos, conselheiros, costureiras, cozinheiros e uma equipe completa para Cesário. Com ela, iamsuntuosos presentes: jarros de água do Nilo, tecidos brilhantes, canela, tapeçarias,potes dealabastro com perfume, canecas de ouro, mosaicos, leopardos. Tinha uma imagem a preservar etoda razão para divulgar a riqueza do Egito. Nesse outono, uma girafa apareceu em Roma pelaprimeiravez,comumefeitoeletrizante.PodemuitobemterviajadoparaonortecomCleópatra.38(A criatura indescritível era “como um camelo sob todos os aspectos”, 39 exceto pelas manchas,enormealtura,pernasepescoço.)Presume-sequeCleópatra tenha feitoa travessianumagalera,muitoprovavelmenteumesguiotrirremedevelasquadradas,de120pés,dosquaishaviamuitosem sua frota. A galera era umnavio rápido, com tripulação de cerca de 170 remadores e espaçoparaumpequenogrupodepassageirosnapopa.Oséquitoeospresentesseguiamatrás.Independentemente de como tivesse quali icado sua viagem no Egito,

nãoerade formaalgumaumaviagemdeprazer.Ummonarcahelenísticosó se aventurava ao estrangeiro comumpropósitomaior doquepor ummerocapricho.eCleópatratambémnãosaiudacidadesecretamente,comoseupai izera.Afrotareunidaeraumavisãoextraordinária,quenãoseviaem Alexandria havia pelo menos uma geração. Não havia nadaremotamentediscretooueconômiconela.Multidõesse reuniramnacostapara admirar o espetáculo e ver a partida de sua rainha, commúsica evivas,emmeioanuvensperfumadasdeincenso.Abordodonavio,elateráouvidoacomoçãoatédesapareceremdevistaaquelesrostos,aspalmeirasondulantes, o litoral rochoso,os colossos,o telhadodouradodoSerápioe,por im, o farol. É pouco provável que Cleópatra já tivesse visto aquelatorredecalcáriocomseusespelhosre letivosapartirdomar.SódepoisdeumasboasquatrohorasmaradentroamaciçaestátuadePoseidonemseutoposedissolviacompletamentenanévoaprateada.Cleópatratinhapela frenteumtrajetode3.200quilômetros.Namelhor

das hipóteses, podia contar que icaria a bordo um bommês. Na pior, aviagempodiachegarmaispertodedezsemanas.Roma icavadiretamentea noroeste de Alexandria, o que convidava a uma luta contínua contra ovento predominante. Em vez de se aventurar pelo Mediterrâneo, umagaleranavalviajavaparaolesteeparaonorteantesdeseguirparaoeste.Aportava todas as noites. O espaço para provisões era limitado e atripulação não podia nem dormir nem comer a bordo. As aldeias eramavisadas antecipadamente da chegada da frota; os habitantes seaglomeravamemmultidões noporto, comágua e alimentos.Dessa formaárdua,CleópatraviajoupelacostalestedoMediterrâneo,aolongodacostasuldaÁsiaMenor,aonortedeRodesedeCreta,eatravessouomarJônio.Além da Sicília, o horizonte se expandia e se transformava na penínsulaitaliana. Ela provavelmente acompanhou a costa ocidental, subiu o suavemar Tirreno, deslizando ao longo de um recortado litoral pontilhado com

opulentas e recentes mansões de pedra. Ao longo da década seguinte,essaspropriedadesem terraços semultiplicariamcom tal velocidadequese diria que até os peixes icavam apertados. Alémde Pompeia, ela deveterapreciadoavistadomovimentadoportoebeloancoradourodePuteoli(amodernaPozzuoli),ondeosimensosnaviosdetrigoegípciosatracavam.No porto, ela fez oferendas aos deuses, em gratidão pela chegada emsegurança; se Ísis não estava esculpida na proa do navio de Cleópatra, adeusadanavegaçãoestavaemalgumpontodo convés.UmapranchaporimconduziuCleópatraàEuropa.DePuteoli,elafez,porterra,aviagemdetrês dias até Roma, em liteira ou carruagem acolchoada, por estradas deareia e de cascalho, um trajeto áspero, empoeirado, sob intenso calor.Nocaso de Cleópatra também havia algo conspícuo. Um funcionário romanoem viagem de inspeção à Ásia Menor viajava com “dois coches, umacarruagem, uma liteira, cavalos, numerosos escravos e, além disso, ummacaconumpequenocarroeumaporçãodeasnosselvagens”. 40Eeleeradesconhecido. No Oriente, comboios de bagagem de duzentos carros eváriosmilharesdecortesãosnãoeramdesconhecidos.Nos arredores de Roma, pairava no ar uma perfumada poeira de

groselha, mirra e canela. Tumbas modestas e mausoléus colossaisladeavam ambos os lados da estrada, assim como altares a Mercúrio, osanto patrono dos viajantes. Os representantes de César já estavam comCleópatra,ouforamentão aoencontrodelaforadasmuralhasdacidadeea conduziram, através de uma ponte de madeira, para sua grandepropriedade de campo, na margem oeste do Tibre. Com essa ajuda,Cleópatra instalou-se na parte sudeste do monte Janículo, um beloendereçomesmoquenãotãoprestigiosocomoosdooutroladodacidade,na colina oposta. Namansão de César, ela se viu cercada por uma vastacoleção de pinturas e esculturas, um pátio circundado por colunas e umjardimdeumquilômetroemeio,umluxoparapadrõesromanosque,paraumarainhaegípcia,erabastante insigni icante.Poroutro lado,elagozavade uma bela vista da cidade lá embaixo. Por entre pinheiros e ciprestes,Cleópatra avistava o Tibre amarelado até as colunas e os telhadosvermelhos de Roma, uma metrópole constituída em sua maior parte deumamistura de alamedas entrelaçadas e prédios densamente povoados.RomahaviarecentementesobrepujadoapopulaçãodeAlexandria;em46,abrigava quase 1 milhão de pessoas. Sob todos os outros aspectos, nãopassavadeum imdemundoprovincianoeatrasado.Aindaeraumlugaronde um cachorro de rua podia depositar umamão humana debaixo damesa do café da manhã, ou onde um boi podia irromper pela sala de

jantar.Emtermosdedeslocamentos,esteeracomparávelaviajardacortede Versalhes para a Filadél ia do século XVIII. EmAlexandria, o passadoglorioso estavamuitomais em evidência. O glorioso futuro de Roma nãoeranadavisíveldosaposentosdeCleópatra.AindaerapossívelconfundiroqueeraoVelhoMundoeoqueeraoNovo.41

Existem todos os indícios de que Cleópatra foi muito discreta, ou tãodiscreta quanto possível em circunstâncias tão fora do comum: “Pois elavieraàcidadecomseumaridoeseinstalaranacasadopróprioCésar,deforma que ele também adquiriu uma má reputação devido aos dois”,censura Dio. Como todo mundo sabia, César vivia no centro da cidade,pertodoFórum,comsuaesposa,Calpúrnia.A in luênciadeCleópatraeade seu país eram, porém, intensamente sentidas, de forma direta eindireta. Depois de sua volta, César dera inicio a uma série de reformasinspiradas por sua temporada egípcia, durante a qual ele haviaevidentemente estudado as inovações com a mesma atenção que atradição.Amaisóbvia foiaatualizaçãodocalendárioromano, que,em46,havia avançado trêsmeses adianteda estação. Por algum tempo, umanoromanoconsistiade355dias,aosquaisasautoridadesacrescentavamummês extra sem qualquer regularidade, quando isso convinha a seuspropósitos.ComodizPlutarco:“Sóossacerdoteseramcapazesdemarcarotempo, e eles, a seubel-prazer, semqualquer aviso, introduziamummêsintercalado.”42 O resultado era uma bagunça completa; em certa altura,Cícero não sabia em que ano estava vivendo. César adotou o calendárioegípciodedozemesesde trintadias, comumperíodoextradecincodiasao inal do ano, posteriormente quali icado de “o único calendáriointeligenteque jamaisexistiunahistóriahumana”. 43Eleadotou tambémadivisãodedozehorasentrediaenoitequeconheceraemAlexandria.Emtermos gerais, o tempo era uma noção mais vaga e elástica em Roma,sujeita a debate perpétuo.f Os astrônomos e matemáticos de CleópatracolaboraramcomoplanejamentodeCésar.Em46,“últimoanodoscálculosconfusos”, o resultado foi uma ousada correção para 445 dias, comsemanasextrasinseridasentrenovembroedezembro.O episódio egípcio exerceu profunda in luência sobre César; a única

questãonosdezoitomesesseguintesseriaatéquepontoissoocorrera.Suaadmiração pelo reino de Cleópatra pode ser lida com clareza em suasreformas. Ele lançou as bases para uma biblioteca pública, para tornarobras da literatura grega e latina amplamente disponíveis. Contratou umeminente acadêmico— que estava entre aqueles que César poupou embatalhanãouma,masduasvezes—parareuniressacoleção.Aobsessão

alexandrinacomacontagemmostrou-secontagiosa:Césardeterminouumcensoo icial.(QuerevelariaoquantosuarivalidadecomPompeuassolaraacidade.Aguerracivil reduzirasubstancialmenteapopulaçãodeRoma.)As so isticadaseclusas ediquesdoEgitodeixaramuma impressão;Césarpropôs drenar os pântanos do centro da Itália e assim recuperar terrasférteisparaagricultura.PorquenãoconstruirumcanaldoAdriáticoatéoTibre,parafacilitarocomércio?CésarplanejoureformaroportodeÓstia,ainda um porto menor, obstruído por pedras e bancos de areia. Umcorredor ao estilo alexandrino abriria a cidade para grandes frotas. EleestendeuacidadaniaaqualquerpessoaqueensinasseasartesliberaisoupraticasseamedicinaemRoma,“paraestimularavontadedemoraremnacidade e induzir outros a esse recurso”. 44 Ele sugeriu despir a cidade dealgumasde suasesculturasmenores,quedepoisdeAlexandriapareciamdecididamente pobres; era di ícil alguém entrar em contato com o Egitoptolomaico e não contrair uma mania de grandeza. Como a própriaCleópatra, nem todas as inovações de César foram bem-vindas ouinteiramentelógicas.Logodepoisdesuachegada,elereconheceuocultoaDionísio, um grego de origem e hábitos questionáveis, ainda maisduvidososqueumarainhaegípciaexcepcionalmenterica.Emquasetodasasfrentes,Césardemonstrouprodigiosaatividade,aobsessivacapacidadedetrabalhoquedurantemuitosanosiriadistingui-lodeseusrivais.Em nenhum outro ponto a in luência oriental foi sentida com tamanha

profundidadecomonoscortejosdetriunfoqueCésarcelebrouem inaldesetembro.45 Um general romano não conhecia glória maior do que essesdivertimentos elaborados e autoenaltecedores. E César tinha razõesparticularesparalevarissoanovospicos.Romaestavaagitadaeinsegurahavia muito por causa de uma guerra demorada e de sua ausênciaprolongada. Qual o melhor jeito de dominar senão com onze dias defestividades públicas, um evento sem precedentes? Nessas ocasiões, umgeneral se transformava em empresário; ao celebrar suas conquistas naGália,emAlexandria,noPonto,naÁfricaenaEspanha,Césarsesuperou,competindo conscientemente ou não com o tipo de encenação que tinhavisto em Alexandria. Depois de intensos preparativos e vários atrasosdecepcionantes, as comemorações começaramem21de setembrode46.Estenderam-se aos primeiros dias de outubro. Roma se encheu deruidosos espectadores, só uma parcela dos quais podia ser acomodada.Muitos armaram tendas nas ruas da cidade e ao longo das estradas.Juntavam-se em bandos para os festivais, paradas e espetáculos; algunsmorreram pisoteados no pandemônio. Templos e ruas foram decorados,

estádios provisórios construídos, pistas de corrida ampliadas. Há muitotempo a glória era um valor em Roma, mas a cidade nunca antes tinhavisto quarenta elefantes portando tochas acesas nas trombas escoltaremumgeneralparacasaao inaldas festividadesdodia, comumaprocissãodefestejadoresemúsicosatrás.Igualmente,nuncaantesRomatinhavistobanquetesdeiguariaspara66milpessoas.Cleópatrapodia jáestar instaladanamansãodeCésarno imdoverão,

quando ele celebrou seu cortejo de triunfo egípcio. As trombetasanunciavamsuachegadacadamanhã;comseumantopúrpura,acoroadelouros na cabeça calva, ele atravessava os portões da cidade numacarruagempuxadaporquatrocavalosbrancos.Amultidãoosaudavacompétalasderosaeaplausos.Seushomensexultantesmarchavamaseuladocom armaduras de metal, entoando tanto odes de vitória comoobscenidades sobre as conquistas românticas no exterior. Em suasbrincadeiras, o nome de Cleópatra aparecia como efeito inal, acusaçõesqueCésardemodoalgumnegava.Por tradição, aprocissão compreendiaosdespojosdacampanhaeasrepresentaçõesdosvencidos;doCampodeMarteaonorteatéaviaSacra,atravésdoCircoMáximo,subindoacolinaCapitolina, iam e ígiesmontadas de Aquilas e Potino, ao lado de imensaspinturas doNilo e de umamaquete do farol de Alexandria. Asmultidõesrugiamaprovando.A frotaegípciaera revestida comcascosde tartaruga,ummaterial novo para Roma e que sustentava o orgulho de César pelasriquezas que havia adquirido no estrangeiro. Cada cortejo de triunfoincluíabanqueteseapresentaçõespúblicas;concursosdeatletismo,peçasde teatro, corridas de cavalos, competições musicais, apresentação deanimais selvagens, espetáculos circenses e lutas de gladiadores ocorriampor todaa cidade.Durante três semanas,Roma foioparaísodos ladrões,quando as casas icavam desertas para o espetáculo. Depois do triunfoegípcio,veioarepresentaçãodeumabatalhanaval,paraaqual foicriadoum lago arti icial. Esse combate contava com quatrocentos remadores ealguns navios egípcios derrotados, que Suetônio acreditava que CésarhaviarebocadoatravésdoMediterrâneoparaaocasião.CleópatradecertonãoprecisavaestarpresentequandoCésarexibiaao

povo as riquezas que Roma trazia, explicação tão boa quanto qualqueroutraparaseu interlúdioegípcio.OpovoexultavacomagenerosidadedeCésar, que provavelmente era a dela. Os soldados e os o iciais de Césarganhavam muito bem. César distribuiu também quatrocentos sestérciospara cada cidadão— o equivalente ao salário demais de trêsmeses—,alémdepresentesde trigoeazeitedeoliva.Éaindamenosprovávelque

Cleópatra quisesse participar do triunfo egípcio, lembrete de que ela nãoeraaúnicamulherptolomaicaemRoma.Cadaparadaterminavacomumamultidãodeprisioneiroshumanos.(Issoeratãocrucialquenumcortejodetriunfoanterior,Pompeuhaviaseapropriadodeprisioneirosquenão lhepertenciam. Seunúmeroquanti icava o sucessodo general.)Quantomaisexóticos os prisioneiros, melhor; o cortejo africano de César, últimaapresentação do ano 46, incluía o príncipe africano de cinco anos que,numaestranha reviravolta, viria a se casar coma ilhadeCleópatra. g Emseu cortejo egípcio, César apresentou outra novidade, embora não tenhainteressado aos romanos tanto quanto o príncipe miniatura ou o exótico“cameleopardo”. Envolta em correntes de ouro, a irmã adolescente deCleópatra, Arsínoe, des ilou a cavalo pelas ruas. Atrás dela, seguiam osdespojoseosprisioneirosdacampanhaegípcia.Destinadaaimpressionar,essaestranhapeçadebutimperturbouamultidão.Arsínoeacabousendodemaisparaaplateia,desacostumada,comonoscontaDio,àvisãode“umamulher, um dia considerada rainha, acorrentada, espetáculo nunca visto,pelomenosemRoma”.46Odeslumbramentosetransformouemcompaixão.Lágrimas vinham aos olhos. Arsínoe fazia pensar no custo humano daguerra, que havia afetado praticamente todas as famílias. Mesmo queCleópatrasemantivesseimpiedosaquantoaodestinodesuairmã,mesmoque ela preferisse ler a vitória de César como obtida sobre umaadministraçãoanterior,elapoucotinhaaganharcomessebrutallembreteda submissão do Egito. Ela própria escapara por pouco da mesmadesgraça.Na verdade, hóspedes glamourosas eram tão problemáticas como

prisioneiros glamourosos. É di ícil dizer qual das duas Ptolomeus acaboucausando maior desconforto aos romanos: a prisioneira real que Césarhumilhounasruasouarainhaestrangeiracomquemconsorciavaemsuamansão.Arsínoelogoseriabanida,despachadaatravésdomarEgeuparao templodeÁrtemisemÉfeso,umabrilhantemaravilhadomundoantigotoda demármore branco. Sua irmãmais velha passou o inverno no ladomenoselegantedoTibre.ElanãotinhanotíciasdeAlexandria,umavezqueatemporadadenavegaçãohaviaseencerrado,paraserretomadaapenasemmarço.Ela icariaalgumtemposemCésar também,quesaiudeRomaabruptamente, no começo de novembro. Ele partiu para a Espanha, parauma última campanha contra os partidários de Pompeu. Cleópatraconhecera locais di íceis antes—odeserto ocidental do Sinai vem logo àmente—,mas, apesar de toda a beleza damansão em Janícolo com suavista panorâmica, aquele lugar eramenos que confortável. Ela não havia

sido recebida com cordialidade universal. Roma era fria e úmida.O latimnãoerauma língua fácil parauma falantedo grego;Cleópatra estava emdesvantagemlinguística.E,numacidadeemqueasmulheresgozavamdosmesmosdireitos legais que as crianças e as galinhas,47 suaposição exigiatodaumanovagamadehabilidades.Porboarazão,46podeterparecidoaCleópatra o anomais longo da história, coisa que, devido à adaptação docalendário,efetivamentefoi.

Cleópatra tinha em Roma o problema de qualquer celebridade no exterior: conhecia poucaspessoas,mastodomundoaconhecia.Suapresençaeraforte,sóempartedevidoaCalpúrnia,paraquemessas afrontasnãoeramnovidade.Césarhavia se casado comsua terceira esposaem59epassara os anos seguintes somando in idelidades, tanto na cidade como no estrangeiro. Ele nãoestavaacimadesuspeita.Tinhaidoparaacamacomamaioriadasesposasdeseuscolegas,emumcasoespecí icocomabelamãeeajovem ilha,queeletiveraobomgostodeseduzirumadepoisdaoutra.EntreapartidadeAlexandriaeoretornoaRoma,haviaencontradotempoparaumnamorocomaesposadoreidaMauritânia,casoaoqual,numarroubodelógicaromântica,algunsatribuemarazãodavisitadeCleópatra.Competircomumaesposaeraumacoisa.Competircomoutrarainhaoriental,mesmodemenor importância, era coisabemdiferente. (Isso colocanaquestãoumpesoemocionalquenemaépocanemasprovaspermitem.)MaisproblemáticaeraaintensaafeiçãodeCésarporumamulherqueeratãoalheia,esobmuitosaspectos,opostaaoscostumesdeRoma.Embora pouca coisa sobre Cleópatra despertasse afeição no exterior,

tudo despertava curiosidade. Isso devia impor certas restrições a seusmovimentos.Édi ícilacreditarqueelaaparecesseempúblicomuitasvezesna descortês Roma. O mais provável é que César a visitasse em suamansão, coisaqueelenãopoderia fazerdiscretamente.OutrosPtolomeusjá haviam sido hóspedes de Roma antes (Auletes icara em casa dePompeu), mas as relações eram diferentes. Era praticamente impossívelpara César e Cleópatra fazerem qualquer coisa em segredo; uma liteiracortinadaconduzidapelasruasporumgrupodesíriosmusculosostendiaa atrair atenção. (Auletes viajara nos ombros de oito homens e comumaescoltadecemespadachins.48Nãohárazõesparasepensarquesua ilhativesseoutrainterpretaçãoparaapompa.Comcerteza,elasósedeslocavaem Roma acompanhada por guarda-costas, conselheiros e criados.) Umgrandehomemnãoviajavasemseumantoescarlateeseuséquito;em insde 45, César dera de se exibir em botas altas de couro vermelho. Esegundotodososrelatos,Romaeraumacidadeemqueasprópriaspedraspareciam falar. Como lembra Juvenal, um romano rico se iludia seacreditava em segredos. “Mesmo que seus escravosmantenham silêncio,seuscavalosfalarão,assimcomoseuscachorros,seusportaiseospisosdemármore.” Todas as precauções possíveis podiam ser tomadas: “Mesmo

assim,quandoogalocantarpelasegundavezoqueosenhor fazserádoconhecimento do primeiro comerciante antes do amanhecer, ao lado detodasasinvençõesdopasteleiro,doschefsedoscortadores.” 49Felizmente,Cleópatra tinha poucas razões para esconder suas pegadas. Escapadasnoturnasemsacosdelonajánãofaziampartedeseusprojetos.César fez ao menos uma tentativa pública para integrar a rainha do

Egitoàvidaromana.Emsetembro,elededicouumtemploornamentadonoFórumaVênusGenetrix, adeusadequemelediziadescender e aquematribuía suas vitórias, e que era também a mãe divina do povo romano.Dizia-se que César era “absolutamente devotado” a Vênus, sempredispostoapersuadirseuscolegasde“quehaviarecebidodelaumaespéciede dom da juventude”, 50 sem dúvida aindamais àmedida que seu rostomurchava, sua pele empapuçava debaixo dos olhos e os cabelosdesapareciam inteiramente. Em seu templo favorito, naquele que eraessencialmenteseuendereçoprofissional,eleinstalouumaestátuadeouroem tamanho natural de Cleópatra ao lado de Vênus. Era uma honrasigni icativa,aindamaisporqueCésaraindanãohaviaerigidoumaestátuadelemesmo.Otributofaziaalgumsentido;paraamentalidaderomana,Ísise Vênus eram, em seus papéis maternais, intimamente associadas. Emtermosdehomenagem,era tambémexcessivoeconstrangedor,umpassosemprecedentes, alémdoque se esperavadeCésar seCleópatra tivessevindo, como Dio sustenta, em busca de reconhecimento o icial “entreamigos e aliados do povo romano”. 51 Essa fórmula diplomática importava(tinha valido o peso de Auletes em ouro), mas nunca antes envolveraestátuascustosasdemonarcasestrangeir0semlocaissagradosnocoraçãodeRoma.Tocavaumanotaestranhanumacidadeemquehumanosnãosemisturavamtradicionalmentecomimagensdeculto.Cleópatrapodeounãoterentendidointeiramenteoquantootributode

César era irregular; estátuas de ouro não eram novidade para ela. Namansãodele,eladevetersentidoagudamenteasestranhezasdasituação.OprópriocoloridodeRomaeradiferente.Elaestavaacostumadaavistasdomar,abrisasmarítimasrevigorantes,aparedesbrancasbrilhanteseaocéu sem nuvens de Alexandria. Não havia um Mediterrâneo turquesacintilante à sua janela, nenhuma luz purpúrea ao im do dia. Não haviaarquitetura arrebatadora. Perto das cores a que Cleópatra estavaacostumada, Roma era monocromática. Era toda de madeira e reboco. Amúsicapermeavatodososaspectosdavidaalexandrina,ondeas lautaseas liras,os chocalhos e os tambores estavam por toda parte. Só comrelutância os romanos admitiam tais frivolidades em sua cultura. A

tendência era se desculpar pela habilidade de dançar ou de tocar bem alauta. “Ninguémdança quando está sóbrio”, proferiu Cícero, omaior dosdesmancha-prazeresromanos,“amenosquesetratedeumlunático.”52h

Seemalgummomentofoiaocentrodacidade,Cleópatraseviuemmeioaumasombriaconfusãoderuastortuosasecongestionadas,semavenidaprincipal nem plano central, entre porcos enlameados e vendedores desopa, lojas de artesãos que despencavam pela calçada. Sob todos osaspectosumacidademenossalubrequeAlexandria,Romaeraesquálidaesem forma, um emaranhado de ruas estreitas, malventiladas e aperturbação incessante de janelas rangendo, perpetuamente à sombra,sufocante no verão. Isolada em sua loresta na colina, havia tambémvantagens no endereço de César. Cleópatra icava apartada dosincessantes gritos e pregões, do bater de ferreiros e de cortadores depedra, do barulho de correntes e gruas. Roma era uma cidade deconstruçãoincessante,umavezqueascasascaíamouerampostasabaixoregularmente.Paradiminuiro ruído,César reduzirao tráfegodiurnonasruas,comresultadosprevisíveis: “Éprecisosermuitoricoparaconseguirdormir em Roma”53, a irmava Juvenal, que amaldiçoava o estampidonoturnoesentiaquearriscavaavidacadavezquepunhaopénarua.Seratropeladoporliteirasousalpicadodelamaconstituíamriscosperiféricos.Os pedestres caíam rotineiramente em buracos escondidos. Cada janelarepresentava um potencial ataque. Dada a frequência com que vasosdespencavam de parapeitos, o homem esperto, alertava Juvenal, só iajantar depois de fazer seu testamento. Cleópatra tinha uma porção derazões para sentir saudade daquilo que mais tarde um poeta latinochamariade“paíssuperficialmentecivilizado”.54

Naépocadesuavisita,Romatinhaacabadodedescobriroplanejamentourbano, outra importação oriental. Inútil procurar os famosos marcoslocais; o Coliseu, “a últimapalavra em an iteatros”, 55 ainda não tinha sidoconstruído.ComotambémoPanteãoouasTermasdeCaracala.OteatrodePompeu era a única construção de importância em Roma; servira deinspiração para o Fórum de César, que agora o eclipsava. Romapermaneceraprovinciana,mascrescentementeconscientedequeoera.AGrécia continuava a ser sinônimo de cultura, elegância e arte. Se alguémqueria um secretário, um médico, um treinador de animais, um artesão,queria um grego. E se alguém queria uma livraria, sonhava encontrar-seem Alexandria. Era di ícil obter um exemplar decente de qualquer coisaem Roma, que nutria um saudável complexo de inferioridade por isso eque se manifestava de uma forma consagrada pelo tempo: o romano se

considerava superior. Sua civilização di icilmente terá sido a primeira adesprezar alegremente a civilização que gostaria de ser. Portanto aspirâmides—maravilhasdaengenhariaedaexatidãoantigas,construídascom ferramentas primitivas e aritmética igualmente primitiva— podiamser reduzidas a “inútil e tola ostentação de riqueza real”. 56 Engolindo ainveja com um esgar de desprezo, um romano no Egito se via menosdeslumbrado que ofendido. Ele desprezava a extravagância como coisanociva para o corpo e a alma, soandomuito parecido comMark Twain aresistiraocantodesereiadaEuropa.Olhandocaraacaraumacivilizaçãoavançada, o romano a reduzia ou a barbarismo ou a decadência. Ele serefugiava nas arestas e nos ângulos retos de sua própria língua, mesmoquando — chorando e escarnecendo — ele admitia que era inferior àsinuosa, lexível e abrangente língua grega. O latim mantinha quem ofalavanum rumodireto e estreito. 57 Lamentavelmente, não havia palavranessa língua para “desprovido”. 58 Mas tampouco havia, abençoadamente,um termo latino para “utensílios marchetados de ouro” ou “vidrosgravadosdocálidoNilo”.59

Com as campanhas além-mar de César, com o poderio e a riqueza deRoma crescendo, os esplendores domundo grego começaram a penetrarna península italiana. Seria di ícil exagerar as rami icações dessasimportaçõesparaCleópatra.Pompeutinhaacabadode introduziroébanoem Roma.A mirra e a canela, o gengibre e a pimenta eram recém-chegados. Pela primeira vez, colunas decorativas enfeitavam as entradasde residências particulares. Apenas uma casa em Roma exibia paredesrevestidasdemármore, emborapoucos anosdepois essa casa rivalizassecomcentenasdeoutras.Asartesculináriasfloresciam,linguados,cegonhase pavões encontravam seu lugar nas mesas. Durante a estada deCleópatra,asvirtudesrelativasdo lagostim versusocaracolafricanoeramdebatidasvigorosamente.ARomaqueelaviufoiumaRomaemtransição;60

havia divertimentos luxuosos e também aqueles em que os guardanaposinosdelinhoeramroubados. 61Aliteraturalatinaestavaemsuainfânciaea literatura grega logo seria desdenhada, descartada — numa metáforaadequada —, como um vaso belo, mas cheios de cobras venenosas.62 Abelezadeumatoga—aquelaroupadelãdespojada,natural,tãoincômodacomopoucoprática—estava,assimcomoapróprialíngualatina,emsuaslimitações.Emseusespetáculos,Césarmandoucolocartoldosdesedaparaproteger os espectadores ao longo da via Sacra e subindo a colinaCapitolina. Como importações alexandrinas, esses toldos foramautomaticamentequalificadosde“luxobárbaro”.

Com a adoçãonouveau riche do Oriente apareceram aqueles queanalisavam cada importação e liam nela o im da civilização, o caminhopara a degeneração. A esse respeito, César voltou a promulgar as leissuntuáriasdacidade,hámuitonegligenciadas,coma inalidadedeconterdespesasprivadas.Ele foi tãoestritonesseaspectoquantosóumamantedamagni icênciapodeser—foioprimeiroan itriãodahistóriaaofereceraseusconvidadosumaseleçãodequatrovinhos inos.Despachouagentespara con iscar iguarias do mercado, con iscar louças e talheresornamentados, no meio da refeição, em casas particulares. Com poucasexceções, ele proibiu liteiras, roupas escarlates, pérolas. Para alguémacostumadocomAlexandria,acapitaldamodanomundo,aideiadequeaRoma de César precisava de leis suntuárias era risível. No entanto, umamulherquesabiaquandoerahoradesimpli icarseusutensíliosdejantarcom toda certeza sabia se vestir adequadamente. Cleópatra deve termoderadooguarda-roupa.Umamatronaromanausavabranco,enquantoa mulher alexandrina adorava cor. E umamulher capaz de calibrar seuhumoradiferentesplateiassaberianãodesprezarumjantarquedeformaalgumarivalizariacomosseusemcasa.Comojáseobservouaolongodosmilênios, é mais fácil denunciar o luxo que negá-lo; o edito de César foimaispopularcomunsdoquecomoutros.GanhoupoucospontosdeCícero,que nesse inverno teve di iculdade para se privar de pavões, ostrasgiganteseenguiasdomar.(Acarnedepavãoeranotoriamentedura,masisso não importava.) Ostras e enguias, Cícero gemeu, nunca haviamofendidoseusistemadigestivocomoosnabos.NãosabemosoqueCleópatraachavadospuritanos—dosverdadeiros

edos ingidos—entreosquaisseencontrava.Sabemosmuitobemoqueeles achavam dela. O casamento e as mulheres eram vistos de formadiferente em Roma, onde a autoridade feminina era um conceito semsentido.(Porissomesmo,umhomemserchamadodeefeminadoeraopiorinsulto.)Ade iniçãoromanadeboamulhereraamulherinconspícua,algoqueiacontraaformaçãodeCleópatra.EmAlexandriaelaprecisavaserumespetáculo. Em Roma, era obrigatório que fosse o contrário. A mulherromana não só era desprovida de direitos políticos ou legais como nãopossuía nome pessoal; levava apenas o nome derivado de seu pai. Césartinhaduas irmãs, ambas chamadas Júlia.Asmulheres romanasbaixavamos olhos em público, onde icavam silenciosas e reservadas. Não faziamconvites para jantar. Eram invisíveis na vida intelectual, menosrepresentadas na arte do que no Egito, onde mulheres trabalhadoras emulheresfaraóapareciamempinturaseesculturas,emcenasdetumbase

emparedesdecapelas,caçandopássaros,vendendoprodutosou fazendooferendasaosdeuses.As regras — como as regras suntuárias, por exemplo — não se

aplicavam inteiramente a uma soberana estrangeira, mas Cleópatra nãopodia se sentir à vontade.i Como sempre o que mantinha as mulherespuras era a vida de trabalho. 63 (Juvenal fornece a fórmula tradicional:“Trabalho duro, pouco sono, mãos calejadas” de trabalho doméstico. 64)Comoperturbadoradecasamentosquehaviadealgumaformapassadoaparticipar da exaltada companhia de Vênus, Cleópatra incomodavaRomasob todos os aspectos: era mulher e estrangeira, uma monarca orientalnaquelaqueaindaseacreditavaumarepúblicaesmagadorade reis,umasubstituta de Ísis, cujo culto era suspeito e subversivo e cujos temploseramnotoriamente locais de encontros amorosos. Cleópatramisturava ascategorias e zombava das convenções. Segundo padrões modernos, elacriava um problema de protocolo. Se era amante de um ditador romano,era amante do mundo romano também? Qualquer que fosse seucomportamento— ela parecia ser em todos os momentos tão hábil comsua imagem como com sua pessoa—, ela quebrava todas as regras emvigor. Uma rainha em casa era uma cortesã fora de seu país. E era algoainda mais perigoso: uma cortesã com recursos próprios. Cleópatra nãoeraapenaseconomicamenteindependente,porémmaisricaquequalquerhomememRoma.Suaprópriariqueza,amesmariquezaquealimentavaRomaduranteos

cortejos de triunfo, impugnava suamoral. Falar com eloquência da pratalavrada de alguém, de seus tapetes suntuosos, de sua estatuaria demármore era acusá-lo. As implicações disso eram ainda maiores para osexo fraco. “Não há nada que uma mulher não se permita, nada queconsidere repulsivo, no momento em que pôs uma gargantilha deesmeraldas no pescoço e pendurou pérolas gigantes nas orelhasalongadas”,65 rezava a lógica. A esse respeito, o comprimento das orelhasfariamaisparaselarodestinodeCleópatradoqueocomprimentodeseunariz.j Mesmo supondo que ela tivesse deixado suas melhores joias emAlexandria, em Roma ela era sinônimo da “temerária extravagância”daquele mundo, à qual ela tinha direito por nascimento. (Uma mulherromanadecenteconsideravaos ilhossuasjoias.)Pelopadrãoromano,atéoseunucosdeCleópatraeramricos. 66Issoqueriadizerquetodososmalesimperdoáveis da família da devassidãoeram ligados a ela. Bem antes deela se transformar na feiticeira da lenda, uma indiferente e descuidadadestruidora de homens, ela era suspeita por ser uma oriental

extravagante, indiferente e descuidada destruidora de riquezas. Se atorpeza moral começava com crustáceos e se espalhava comometástaseem roupas púrpura e escarlate, encontrava seu apogeu ostentatório empérolas, que eram o cúmulo na balança das extravagâncias em Roma.Suetônio invocava as pérolas para comprovar a fraqueza de César peloluxo.Ahistóriado libertinoque sacri icouumapérolaparaprovaroquediziaerasemprecontadaemlivros,bemantesde46edestinadaalá icarparaacusaroutrosmuitodepois.Parece,porém,feitasobencomendaparaumaaudaciosarainhaegípcia. (Hásinaisde fabulação,de invenção,nesteaspecto. Poucos anosdepois, dizia-sequeCleópatrahaviausado “asduasmaiorespérolasde todaahistória”.Plínioatribuíaa cadaumaovalorde420 talentos, o que queria dizer que em cada orelha de Cleópatrabalançava o equivalente a uma mansão no Mediterrâneo. A soma é amesma que ela doou para o enterro do touro de Mên is. 67) Quem maispoderia ser tão frívola, tão devassa, tão pronta a encantar um homemarrancandoumapéroladaorelha,dissolvendo-aemvinagreeengolindo-apara seduzi-lo commagiaeexcesso? l Essa era a história que iria circularmaistardearespeitodeCleópatra.Nem a magia, nem o excesso pareciam estar muito em evidência no

inverno de 46. Cleópatra evidentemente frequentou alguns endereçoselegantes,emborasejadi ícildeacreditarquenão icassesempreemcasanamansãodeCésar,cercadaapenasporseusconselheirosefornecedores.Alguns desses cortesãos conheciam a cidade de Roma, tendo participadodas pressões pela notória restauração de seu pai. Ela viveu essesmesesemlatim;qualquerquefosseseudomínioda língua,descobriuquecertosconceitos eram impossíveis de traduzir. Até o senso de humor eradiferente, direto epicante emRoma,quandoemAlexandria era irônico ealusivo. Literais, os romanos se levavam a sério. A irreverência e aexuberânciaalexandrinaseramcoisarara.Quando a primavera chegou e o mar reabriu, Cleópatra pode ter ido

para casa, e voltado a Roma no inal do ano. Duas visitas consecutivasparecemmaisprováveisqueapenasumaprolongada,porquedi icilmenteelateriacomojusti icarumaausênciadedezoitomeses,pormaiscon ianteque se sentisse de sua autoridade no Egito. Isso exigiria uma torturantequantidade de viagens, embora a viagempara o sul fossemenos penosa.SupondoqueelatenhavoltadoparaAlexandriaem45,elateriapartidonoinal demarço ou no começo de abril, época em que os ventos nordeste,alémdos raiosedos trovõesdo litoraldoEgito, teriamdiminuído.Não seenfrentavamosventosduranteoinverno;apenasduranteatrepidaçãoda

primavera, assim que “as folhas do alto da igueira estão do tamanho dapegadadeumcorvoquandovai embora”. 68 Se Cleópatra efetivamente foiparacasanocomeçode45,elateriavoltadoaRomanovamentenooutono.SóumavoltatemporáriaaAlexandriafazsentidopelascontasdeSuetônio,segundoasquaisCésarsedespediudeCleópatraemRoma.Elenão teriaumasegundaoportunidadeparaisso.ParaSuetônio,quetrabalhouapartirdeamplacoleçãodefontes,mesmo

que um século emeiomais tarde, a despedida foi tão relutante quanto areviravoltanoNilo.Ocomandanteromano“nãodeixouqueelapartisseatécobri-ladealtashonrasericospresentes”.Ele reconheceuo ilhoCesáriocomoseue“permitiuqueeladesseseunomeàcriança”. 69Nãohaviarazãopara ele hesitar em fazê-lo. Pelo menos em 45, os planos de César sópodiam progredir com um herdeiro oriental e uma ligação viva comAlexandre, o Grande. Ele também estava admitindo o óbvio. Se, aos doisanos,Cesárioaindanãocomeçaraaapresentaraaparênciaeasmaneirasdopai, issonãodemorariaaacontecer.Oreconhecimentopode tersidooponto de união; o reconhecimento de Cesário valia facilmente qualquernúmerodetravessiasdoMediterrâneo.Comodizumhistoriador,emuitosoutros disseram em circunstâncias similares antes e depois, o ilho deambos “era suamelhor cartada se ela pretendia fazerCésar cumprir umacordoouumapromessaprévia”.70Anaturezadessapromessanosescapa,a não ser pelo reconhecimento formal como amigo deRoma, que custaraaopaideCleópatraaastronômicasomade6miltalentos.De que outra forma entender a prolongada estada, ou estadas, em

Roma?Haviamuitacoisaemjogoparaadmitiropredomíniodosentimentosobre a política. César havia chamado Cleópatra uma vez antes; seusmotivos para esses dezoitomeses estão entre osmais cogitados emenosentendidos da história. É plausível que os dois estivessem planejandoalgumtipodefuturojuntos,comomuitagenteconcluiu,paradescréditodeCésar. No inal da vida, Cleópatra tinha em mãos uma pilha de cartasapaixonadasdeCésar,cheiasdeadmiração,algumasdasquais,aomenos,devemtersidoescritasparaelaentre48e46.Aliestavaaversãohistóricadaquelebelovasodecobrasvenenosas.71Épossívelquesentissequetinhade defender seu caso pessoalmente com os colegas de César paracon irmar isso.72 O Egito permaneceria amigo e aliado de Roma duranteseureino.OSenadoeraumcorpomenosquecoeso, investiaemquestõesprivadasenãoerademaneiraalgumaunânimeemseuapoioaCésar.Elaconheciaintimamenteessesdesentendimentos;ampliarsuabasedeapoionoexterioreragarantirotronoemcasa.(AvisãodeCícerodaRomao icial

eramenoselogiosa:“Nuncaseviubandomaisdesordeironemmesmonaplateiadeum teatrodevariedadesdebaixa categoria”, 73 ele bufou sobreumjúrideseuspares.)AsegundavisitadeCleópatrateriacoincididocomavoltadeCésardaEspanhaem45,momentoemqueeleesperavaencararareorganizaçãodoOriente.74Elanãopodiasepermitir icardeforadessaconversação, mesmo que apenas por causa do Chipre, que formalmentepertencia a seu irmão,e que tinha uma tendência a resistir a suaautoridade. Se Cleópatra tinha planos ainda maiores, eles não chegaramaté nós. Certamente é fácil atribuir a ela planos espetaculares; Romaestava acostumada comosPtolomeus conspiradores.Oque sobrevive emvez disso é o custo da reunião de Cleópatra com César. Foi devastador.MesmoquepassasseseusdiastãosossegadacomoaPenélopedeHomero,ela acabou mais parecida com a causadora de calamidades Helena deTroia.Essaseriasuaaventurailógica.

Notas

aComotantasoutrascoisasemsuavida—ocruzeiropeloNilo,aestadaemRoma,suaboa-féemÁcio—, a paternidade dessa criança e omomento de seu nascimento foram contestados. Suaaparição parecia boa demais e oportuna demais para ser verdade. O argumento dos céticosrepousa na suposta infertilidade de César. Apesar de uma vigorosa vida sexual, ele não teveilhos durante 36 anos. Já desde Suetônio, a questão da paternidade foi levantada; há umcurioso silêncio nos registros, onde se podia esperar indignação e, também, uma ausência deprovasmateriais. Esse silêncio pode ser lido igualmente como a irmação: o nascimento foi tãomalvistoeasprovasdequeCleópatrahavialogradoCésartãograndes,queeramaissábiocalarsobre o assunto. César semdúvida achava que o ilho era dele, como achavam também tantoAntôniocomoAugusto.

bFazendosoarnotasconhecidaseinexatas,umhistoriadordaépocadeCleópatracreditavaaÍsisahierarquiainvertidadoEgito.Emdeferênciaasuagrandesabedoria,diziaDiodoro,osegípcioshaviam determinado que “a rainha devia ter mais poder e honra do que o rei, e que entrepessoascomunsaesposativesseautoridadesobreomarido,tendoosmaridosdeconcordarnocontrato matrimonial que seriam obedientes em tudo a suas esposas”. (Diodoro, Library ofHistory,I.27.SobreÍsisemulheres:Préaux,1959,p.127-75.MuitosjáfalaramdoenvolvimentodeÍsiscomaVirgemMaria;Foertmeyer[1989,p.279]observaque,jánoséculoXVI,umcardealfrancês espatifou uma estátua ao descobrir que era uma representação de Ísis e não daVirgem.)

cComprovou-sequeaúnicaexceçãoeraapolícia.Emboraosgregosocupassemonívelmaisaltoeos egípcios omais baixo, a polícia formava uma força igualitária, excepcionalmente e iciente eativa, reprimindo eventualmente até funcionários. Levavam a lei a sério. Seu trabalho eratambém mais ou menos autônomo, aliviando consideravelmente os Ptolomeus de problemascomo “roubos de burros e assaltos a vovozinhas”. (Bauschatz, John. Policing the Chora: LawEnforcementinPtolemaicEgypt.Tesededoutorado,DukeUniversity,2005,p.68.)

d Emumalistacontemporânea(http://en.wikipedia.org/wiki/Richest_man_in_history),Cleópatraaparece como a 22a pessoamais rica da história, bem atrás de John D. Rockefeller e do czarNicolau II,mas à frentedeNapoleãoede J.P.Morgan.A ela se atribuiumvalor líquidode95

bilhões e 800mil dólares, oumais de três vezes a fortunada rainhaElizabeth II. Claroque éimpossívelfazeraconversãoexatadasmoedasaolongodaseras.

eEraaconselhávelqueobomrei icasseemcasa.Opobreseressentiadesuaausência,enquantoque, obrigado a acompanhá-lo, o rico sentia-se forçado ao exílio. (Carta deAristeas, 249 apudSinclair,T.A.AHistoryofGreekPoliticalThought.Londres,Routledge,1959,p.292.)

fComoobservouSêneca(Apocolocyntosis,2.2):“Maisfácildois ilósofosconcordaremdoquedoisrelógios.”

gPlutarcoquali icouofuturoreiJubacomo“omaisafortunadocativojamaisfeito”,umavezqueodestinoo transportoude sua terra “bárbara”paraRoma,onde foi educado. (Plutarco, Lives,“Caesar”, LV.2.) Ele se transformou num importante historiador e escreveu sobre diversosassuntos,daAntiguidaderomanaàmitologiaeaocomportamentodoselefantes.

h Alguns levaram omau humor de Cícero aindamais longe. Se um homem era um excelentelautista,concluía-sequenãotinhavalor.“Senãonãoseriatãobom lautista”,observaPlutarco,citando e concordando. (Plutarco citando Antístenes, “Pericles”, I.5.) O axioma não era nadavantajosoparaopaideCleópatra.Apesardeamplasprovasemcontrário,eleseriadescartadocomo “não um homem de verdade, mas um lautista e um charlatão”. (Ateneu, The LearnedBanquetersV.206d.)

i O éthos dominante está preservado na literatura. Na Ilíada, as mulheres são as coisas maisperfeitas da criação. Elas são também, como já se observou, em termos gerais “provocantes,zangadas, mandonas, contraditórias e enganadoras”. (Butler, Samuel. The Humour of Homer,and Other Essays. Londres, A.C. Fi i eld., 1913, p.60.) Nas peças gregas, as mulheresdesempenhampapéis-chave.Existemumaspoucasgrandesheroínasna literatura romana,naqual asmulheres são semprededois tipos: a rica tirânica e apobre esbanjadora.A literaturaromanaénotavelmentepobre tambémemmaridosenganados,umrecursocômicoquevaideAristófanesaMolière.(EdithHamiltonobservaaausênciademaridosenganadosinTheRomanWay.NovaYork,Norton,1993,p.35.)

j Como disse Blaise Pascal no século XVII: “Se o nariz de Cleópatra fossemenor, toda a face domundoteriamudado.”

lMuitossemaravilharamcomahistória,masapenasumhomemsacri icoupérolasdaTiffanyemuma investigação de laboratório. Uma pérola realmente se dissolve em vinagre? Sim, muitodevagar, relata B.L. Ullman, que no inal recorreu ao calor para acelerar seu experimento de1956:“Quandoferviumapéroladurante33minutos,ovinagreevaporoutodoenquantoeuliauma história de detetive. Ainda sinto o cheiro daquele vinagre. A pérola parecia não ter sidoafetada, embora eu achasse que havia diminuído um pouquinho.” (Ullman, B.L. “Cleopatra’sPearls”,Classical Journal52,n.5,1957,p.196.Veja tambémJones,Prudence J. “TheCleopatraCocktail”, 1999, www.apaclassics.org/AnnualMeeting/99mtg/abstracts/jonesp.html. Ela achaque as pérolas dissolvem de fato. Keats inclui pérolas derretidas em “Modern Love”.) Eleconseguiuresultadosmelhoresusandovinagremaisforte;omelhordetodossedeucompérolapulverizada, que sedissolveuem trêshoras e vinteminutosde fervuramonitoradadeperto.Cleópatratemlevadoacadêmicosaessetipodecoisa.QuantoàquestãodeporqueCleópatra(ou qualquer pessoa) tentaria tal exibicionismo— sem dúvida fazia mais sentido dramáticoengolir apérola inteira—,Ullmannos lembraquepérolas são formadasprimordialmentedecarbonatodecálcio,obicarbonatodesódiodomundoantigo.Produzemume iciente,emboracaro,antiácido.

—V—

OHOMEMÉPORNATUREZAUMACRIATURAPOLÍTICA1

“Ah,quenãoseencontrasseempartealgumaosexofeminino...sónomeucolo!”

EURÍPIDES2

“Não sei como um homem com algum sensoconsegue ser feliz nostempos atuais”, 3 reclamou Cícero logo depois que Cleópatra pisou emRoma.Depoisdeumahorrendadécadadeguerra,oestadodeespíritodeRomaestavaácido,odeCícero,seumaisnotávelcidadãoemaisarticuladodescontente, mais ainda. Durante alguns meses, a cidade estivera numestado de “perturbação geral e caos”, 4 como Cleópatra percebeu comclareza.Seuserviçodeinteligênciadeviaestarmuitobem-informado.Elaeseuscortesãostinhamcontatosnosaltosníveisdasociedade.Elanãopodiasepermitirnegligenciarnenhumaspectodopanoramapolítico.PortodaaRoma,aansiedadepelo futuroerageral,asreformascivisdeCésarerampromissoras,mas como e quando ele consolidaria aRepública outra vez?Aolongodosanosdeguerra,aRepúblicatinhasidoviradadecabeçaparabaixo, a constituição fora pisoteada, os compromissos assumidoscaprichosamente e contra a lei. César deu poucos passos na direção derestaurar os direitos e regulamentos tradicionais. Enquanto isso, seuspoderes se expandiam. Ele se encarregava da maioria das eleições edecidia amaiorpartedos casos judiciais.Passavamuito tempoacertandocontas, recompensando apoiadores, leiloando as propriedades deoponentes. O Senado parecia cada vez mais irrelevante. Alguns sequeixavamdequeviviamnumamonarquiamascaradaderepública.Haviatrês possibilidades para o futuro, previstas por um exasperado Cícero,“con lito armado sem im, renascimento depois da paz e completaaniquilação”.5

QuandoCésarvoltoudaEspanhanaqueleoutono,eletinhaaniquiladoospartidários de Pompeu que ainda sobreviviam. A guerra civil, Césaranunciou, inalmente estava encerrada. Ele se instalou em Roma paraaquelaqueseriasuamaislongaestadaininterruptaemcatorzeanos.Com

circunspecçãoounão,eleeCleópatraderamcontinuidadeaseucaso.Paramuitos,asrazõesdeelaestaremRomapodemsertãopoucoclarascomoosão para nós. Ela tinha experiência com a impopularidade; o que seriaoportuno agora. Morava num endereço menos que desejável, num nívelescorregadio entre superioridade e menosprezo. Ao mesmo tempo, éimpossível acreditar que ela não despertasse muita curiosidade, ou pelomenos uma admiração de fazer brilharem os olhos. Ela provavelmentecontinuoucomagenerosatradiçãodeseupaidedistribuirpresentes;elehavia pagado propinas valiosas e incorrido em grandes dívidas, boasrazões para os romanos também perseguirem sua ilha. Ela eraintelectualmenteágil,oquesempreosdeixavaimpressionados.Amodaparouparaconstatarsuapresença;Cleópatraestabeleceuuma

breve voga de penteados elaborados, com ileiras de tranças formandouma coroa e presas num coque atrás da cabeça. 6 Roma era, além disso,uma sociedade estrati icada, obcecada pelo status. Classe era importante;conhecimento era importante; dinheiro era importante. Cleópatra eramembrodaelite, familiarizadacomamoralsocial.Noquediziarespeitoaconversação, um jantar romano so isticado era pouco diferente de umjantar alexandrino so isticado.Hóspede sutil e esperta, Cleópatra teria seatualizadoquantoaosrumorespolíticoslocaiseaotipodediscursocultoedivertidovalorizadoemRoma,otipodeconversaquesediziamelhorarovinho. Na de inição de um contemporâneo erudito, o companheiro dejantar ideal não era “nem tagarela, nem mudo”. 7 No decorrer de váriashorasdo inaldatarde,elediscursava luentementesobreumavariedadedeassuntospolíticos,cientí icoseartísticos,visandoàsquestõeseternas:oque veio primeiro, oovoouagalinha?8 Porqueavisãode longemelhoracomaidade?Porqueosjudeusnãocomemporco?CleópatracontavacomofavordeCésar,nãopodiaserdepoucosamigos.(Desuaparte,Césarnãodava importância ao que diziam sobre a presença dela. “Ele não sepreocupava em nada com isso”, 9 garante Dio.) Na mansão de César, elaestava cercadade intelectuaisnotáveis ediplomatas experimentados.Erare inada, generosa, carismática. Algumas impressões podem ter sidofavoráveis.Resta-nos,porém,orelatodeumaúnicatestemunha,quevinhaaser,aomesmotempo,alínguamaisbrilhanteemaisácidadosromanoseque,comojásedisse,eraresponsávelpor“umaboadosedelatidos”. 10 “Eudetestoarainha”,vociferouCícero.Ahistóriapertenceaoseloquentes.Ograndeoradorera,naépocadavisitadeCleópatra,ummonumentode

homem: sessenta anos, grisalho e ranzinza, ainda bonito, os traçosregulares se fundindo em papadas. No auge de um furioso ataque de

escrita, Cícero se dedicava à composição de uma vasta coleção de obrasilosó icas de âmbito variado. No ano anterior, havia se divorciado daesposa depois de trinta anos, para casar com sua rica protegidaadolescente, oferecendo pela troca razões semelhantes às que haviamtrazido Cleópatra a Roma: “Eu não conhecia segurança, não tinha refúgiodaintriga,porcausadavilaniadaquelesaquemmeubem-estareminhaspropriedadesdeviamsermaispreciosos.”Noseuentender,a soluçãoeraóbvia:“Portantoacheiaconselhávelmefortalecercomalealdadedenovasligaçõescontraatraiçãodasantigas.” 11Emoutraspalavras,Cícero,um self-mademan de família provinciana, que se tornara notável devido a seusbrilhantesdotesintelectuaisesemantiveranopostoatravésdeincessantepoliticagem,casou-sedenovopordinheiro.Não é nada surpreendente que Cícero tenha procurado Cleópatra

primeiroedepoispassadoaatacá-lacomumalínguarápidaebrutal,pelosanos futuros. No geral, o grande Cícero tinha dois modos defuncionamento:bajulaçãoecrítica.Eracapazdeaplicarambosigualmentebem aomesmo indivíduo; podia perfeitamentemaldizer um homemnumdiaejurareternadevoçãoaelenodiaseguinte.Eraumgrandeescritor,oque quer dizer absorto em si mesmo, com um ego gigantesco e umafanática sensibilidade para ofensas reais e imaginárias. O John Adamsromanopassouavidasemprecomumolhonaposteridade.Eletinhaplenacerteza de que ainda o leríamos dois mil anos depois. Bisbilhoteiro tãodotadoquantomestredaeloquência,Cícerotomoucomosuamissãosaberprecisamentequais terrascadacidadãoeminentedeRomapossuía, comoviviaeque companhia frequentava.Tendoocupadoo centrodaarenadapolítica romana por três décadas, ele se recusava a ser posto de lado.Tinha uma atração irresistível pelo poder e pela fama. Nenhumacelebridadeiriaescapardesuasgarrascáusticas,principalmenteumacompendor intelectual, uma reputação glamorosa internacional, recursossu icientespara levantarumexércitoeocostumedeentreterconvidadosnum estilo que desa iava o vocabulário romano. Os nabos faziam mal aCíceroemváriosníveis.Eleeraumamanteconfirmadodoluxo.No desentendimento que pareceu selar seu destino romano, Cleópatra

prometeu a Cícero um livro ou manuscrito, provavelmente de suabibliotecaemAlexandria.Acontecequeeladeixoudecumprirapromessa.Estavaclaroquenãotinhanenhumaconsideraçãopelossentimentosdele.Estes icaram ainda mais abalados quanto o emissário dela apareceu nacasa de Cícero. O funcionário de Cleópatra queria falar não com Cícero,mascomomelhoramigodele,extremamenteculto.Existealgo turvoaqui

—edoismilanosdepoiscontinuamosanalisandoossilênciosdoorador—,mas das elipses profundas e sombrias insinuações de Cícero emerge umhomemmenosofendidodoqueenvergonhado.Derepente,elesesentiunadefensiva, arrependido de ter pedido um serviço a Cleópatra ou de tersimplesmenteestabelecidorelaçõessociaiscomela.Elesoacomosetivesseicado um pouco fascinado demais. Àquele amigo, ele se empenhou emdeixar claro que seu relacionamento com a rainha era “de tipo literário,não inadequado à minha posição: não me importaria narrá-lo numaocasiãopública”.12Nadaindevidotranspirou;orepresentantedeCleópatrapoderia con irmar o lado dele nessa questão. A dignidade de Cícero,porém,estavacomprometida.Oresultadofoiumrancorcorrosivo.Elenãoqueriatermaisnadaavercomaegípcia.Oqueelaeseusrepresentantesestavampensando?Poucospagaramumpreçotãoduradouroporumlivroesquecido; por sua displicência, Cleópatra conquistou a eterna inimizadedeCícero, muito embora se deva notar que ele só ferveu de indignaçãodepois que ela foi embora de Roma, à qual era pouco provável quevoltasse.Eapesardodesafeto,elehaviafrequentadoabertamentearainhaegípcia— na sociedade, senão na mansão de César—, o que era em siumatomadadeposição.Descaso bibliográ ico à parte, havia muitas razões para Cícero não

adotar Cleópatra. Pompeano irrecuperável, ele não tinha afeto por César,que era condescendente com Cícero, mas não apreciava seusconhecimentossuficientemente.Cícerohaviatrocadopalavrasásperascomo pai de Cleópatra. Ele conhecera Auletes e considerava-o pobre demaispara ser rei; descartava “sua majestade alexandrina” como “nem desangue, nem de espírito real”. 13 Republicano ao extremo, Cícero já haviadedicadomaistempodoquegostariaaassuntosegípcios.Estestraziamemsi sempre um sopro de desonra. 14 Na juventude de Cleópatra, ele tiveraesperanças de ser nomeado representante à corte de seu pai, mas sepreocupara com a forma como a história e a Roma respeitável poderiamver essa posição. Cícero tinha também uma relação complicada commulheres. Havia muito ele reclamava que sua primeira mulherdemonstrava muito gosto por assuntos públicos e pouco para assuntosdomésticos.Tendose livradodeumamulher forteedeterminada,elenãotinha interesse algum em outra. Ao contrário, era profunda eapaixonadamentededicadoà ilha,àqualproporcionaraumaeducaçãodeprimeiraclasse.Elamorreuderepente,departo,emfevereirode45.Nãotinha ainda trinta anos. Cícero passou osmeses seguintes imobilizado detristeza.Ador era quase ísica. Ele tendia a ter ataquesde choro, que os

amigos delicadamente insistiam que controlasse.a A perda nada fez paratorná-lo atraente a outra jovem culta e serena da geração de sua ilha ecomo futuropela frente.Quando anova esposa, adolescente, semostrouinsu icientemente comovidapor suaperda, Cícero se livroudela também,mesesdepoisdocasamento.“A arrogância da própria rainha quando estava morando na

propriedadedo outro lado do Tibre, faz meu sangue ferver só delembrar”,15 Cícero fumegou em meados de 44. Sob esse aspecto, haviaencontradoalguémàsuaaltura.Eleadmitiu“umacertavaidadetolaàqueeutendoàsvezes”. 16Escrevendomaistarde,Plutarcofoimaisexplícitonaquestão.17Brilhantecomoera,citávelcomoera,Cícerogostavatantodeseautoelogiar que icava enjoativo. Ele carregava suas obras comautopromoções desavergonhadas.Dio tambémnão escolhe palavras parafalar de Cícero: “Ele era omaior vaidoso vivo.” 18 A vaidade estendia-se asua biblioteca, talvez o verdadeiro amor da vida de Cícero. Di ícil citaralguma coisa que lhe desse mais prazer, exceto, talvez, escapar das leissuntuárias. Cícero gostava de se acreditar rico. Tinha orgulho de seuslivros. Não precisava de mais razões para desgostar de Cleópatra:mulheres inteligentes que tinham bibliotecas melhores que a dele oofendiamtriplamente.Ele denunciou Cleópatra por sua insolência, embora se deva dizer que

“insolente” era, provavelmente, a palavra preferida dele. César erainsolente. Pompeu tinha sido insolente. O con iável associado de César,Marco Antônio, para o qual Cícero reservava expressões bem menosgentis, era insolente. Os alexandrinos eram insolentes. A vitória numaguerra civil era insolente. Cícero estava acostumado a ser a pessoamaisarticulada da sala. Era um incômodo que Cleópatra compartilhasse seuhumor sardônico. E era mesmo necessário que ela agisse com tamanharealeza?Elesentiaqueelasecomportavacomoumarainha,umaofensaàsuasensibilidaderepublicana,semdúvidaaindamaisporseunascimentosemdistinção.Nisso, ele acertava.Não foi o único a observar a altivezdeCleópatra. Para ela, a estratégia vinha com mais naturalidade do que adiplomacia.Arainhapodianãotertato;amegalomaniaerade família.Elanãotinhaproblemaemlembraratodosàsuavolta,comoa irmariadepois,que durantemuitos anos governara um vasto reino sozinha. 19 Desdém éuma condição natural para a mente em exílio; Cleópatra tinha todas asrazões para acreditar que vinha de um mundo superior. Ninguém emRoma tinha uma linhagem que rivalizasse com a dela. Cícero icavaincomodadocomofatodeelasaberdisso.20

Nesse meio-tempo, em tornoda rainha orgulhosa e do ilósofodesconsolado, a situação política escurecia. César estava preocupado comquestões militares, focalizando pouco questões prolongadamentenegligenciadassobreasquaisoutros insistiamcomele.A listadecoisasafazer dava voltas. Ele precisava reformar as cortes, reduzir gastos,restaurarocrédito,ressuscitaraéticadotrabalho,acolhernovoscidadãos,melhorar a moralidade pública, pôr a liberdade antes da glória, emresumo, “resgatar a mais famosa e poderosa das cidades da beira daruína”.21 Ao lado de todomundo, Cícero se viu analisando os motivos deCésar, tarefa tão ingrata em45 como semostrou desde então.No imdoano, uma pilha de honrarias se acumulara sobre César, dei icando-oessencialmente ao estilo de ummonarca helenístico. Ao longo dosmesesseguintes, sua estátua foi erguida em templos. Uma cópia emmar im desua imagem enfeitava os cortejos, como se fosse um deus. Seu poderinchou a dimensões estranhas. (Cícero iria sentir grande prazer emcatalogarseuscrimesmaistarde.Masporenquantoseenvaideciadesuasvisitasaograndegeneral.)Reclamava-semuitosobrecostumes.DuranteaestadadeCleópatra,Césarsecomportoucomoohomemquetinhavencido302batalhas,quecombateraosgaulesesnãomenosquetrintavezes,que“eraimpossíveldeaterrorizarevitoriosoao imdecadacampanha”. 22Poroutro lado, ele não tinha inclinação alguma para concessões. Ignorava atradição. Comportava-se demais como um comandante militar, e poucocomo um político. As chamas do descontentamento irrompiamregularmente, abanadas com habilidade por Cícero e qualquer ex-partidáriodePompeu.Em fevereiro de 44, César foi nomeado ditador vitalício. Maiores

privilégios lhe seriam brindados. Ele usaria um traje triunfal e ocupariauma cadeira elevada demar im e ouro, perigosamente parecida com umtrono. Sua imagem apareceria em moedas romanas, a primeira de umromanovivo.Namesmamedida,acumulava-seoressentimento,emboraopróprio Senado “o encorajasse e o inchasse, para logo em seguidaconsiderar essas mesmas coisas defeitos dele e espalhar relatosdifamatórios do quanto ele gostara de aceitá-las e de como passara a secomportarmalporcausadelas”. 23Césartalveztenhaerradoemaceitarostributos, mas estava de certa forma sem saída: rejeitá-los seria correr oriscodeofender. Édi ícildizeroque foiaoencontrodoque,oegosobre-humano ou as honras sobre-humanas, sob o peso das quais Césarinalmenteseriaenterrado.Paracomplicarmaisascoisas,Césarocupou-senesse inverno com uma nova campanha, extremamente ambiciosa, que

deixariaRomaabandonadamaisumavez.Elepôsseusolhosnaconquistade Pártia, uma nação que icava na fronteira oriental de Roma e que hámuito resistia a sua hegemonia. O projeto com toda a certeza fariaCleópatra gemer depois, se já não a fazia. Embora com a saúdecomprometida e um estado de espírito fatalista, César planejava abrir ocaminho de Roma para a Índia. Tinha 55 anos, e estava dedicado a umamissãoqueconsumiriapelomenos três.MissãoqueAlexandre,oGrande,havia quase conseguido cumprir. Cícero duvidava que César fosse voltar,sedefatopartisse.Na primavera de 44, ele mandou dezesseis legiões e uma cavalaria

considerável para Pártia, anunciando sua data de partida para 18 demarço.Fezospreparativosparasuaausência—Cleópatraprovavelmentetambém o fez, e começou a fazer as malas —, mas medos e dúvidasricochetearam pela cidade. Quando as questões domésticas seriamresolvidas? Como Roma ia sobreviver sem César? Essa preocupação eralegítima, dado o desempenho irregular de Marco Antônio durante operíododeCésarnoEgito.Nomeadoseurepresentante,Antôniohaviasidopoucocon iávele ine icaz.Ganhara famadedevasso.ParaaquelesqueseperguntavamprimordialmentequandoCésariarestauraraRepública,umoráculo do inverno foi particularmente malvisto: uma profecia que seconcretizou ou pensou-se ter se concretizado, a irmando que a Pártia sóseriaconquistadaporumrei.OquesediziaeraqueotítuloseriaembreveconcedidoaCésar. Issopodetersidopoucomaisqueumrumor,oráculosnãoservemparanadasenãoforemconvenientes,masindicavaaquestãoespinhosadeporqueCleópatraestavamorandonamansãodeCésar.Elepodia ter ambições monárquicas. Ou não. Com certeza, estavadescuidadamente sem contato com Roma, menos focado nas questõesdomésticasdoqueseriasábio,autocráticoquandodeveriatersidosolícito.Se o sujeito prefere não ser percebido como rei, para começar não é debomalvitreficarmuitotempoassociadoaumarainha.

Até44a.C.,os IdosdeMarçoerammaisconhecidoscomoumcarnavaldeprimavera,umaocasiãoparabeberavaler, comotantasoutrasnocalendárioromano.Umacelebraçãoàantigadeusadosins e começos, o Idos parecia uma espécie de ano-novo ruidoso e bêbado. Bandos saíam a fazerpiqueniquesnoturnosnasmargensdoTibre,ondeacampavamemcabanasimprovisadasdebaixoda lua cheia. Era uma festa sempre indelevelmente lembrada nove meses depois. Em 44, o diaamanheceuencoberto;no imdeumamanhãnublada,CésarpartiudeliteiraparaoSenado,parainalizar os preparativos para sua ausência. O jovem Públio Cornélio Dolabela esperava sernomeado cônsul em seu lugar, assim comoMarcoAntônio, rival deDolabela no afeto de César. O

Senado reuniu-se esse dia em uma das grandes salas vizinhas ao teatro de Pompeu. Todos selevantaram quando César entrou, a coroa de louros na cabeça; por volta das onze horas, ele sesentou em sua nova cadeira de ouro. Foi logo cercado por colegas, muitos deles seus amigosdevotados.Umdelesestendeuumapetição,oqueprovocouumrebuliçodeimportunaçõesebeija-mãos.Césarsemexeuparaafastaropedido,diantedoqueosolicitante,interrompendo-onomeiodeuma frase, estendeuamãoparaarrancara togadeCésarbrutalmentede seuombro.Eraumsinal predeterminado. Com isso o grupo se fechou, tirando as adagas. César desviou da primeiralâmina que só pegou de raspão,mas se viu impotente diante da chuva de golpes que se seguiu.Todos os conspiradores concordaram em participar do ataque e o izeram apunhalando Césarselvagemente no rosto, nas coxas, no peito e, acidentalmente, uns aos outros. César tentou sedebater, virando o pescoço nervoso “de um para outro, com gritos furiosos como uma feraselvagem”.24 Conseguiu inalmente emitir um único gemido e cobriu o rosto com o pano da toga,exatamentecomoPompeuhaviafeitonapraiadoEgito,ecaiunochão.Quando seus atacantes correram para as portas da sala, César estava

caídonochãonumensanguentadomontepúrpura,perfurado23vezes,aroupa “manchada de sangue e cortadaem tiras”. 25 Com as togas e ossapatos senatoriais respingados de sangue, os assassinos fugiram emdiferentesdireções, gritandoque tinhamassassinadoumrei eum tirano.Terroreconfusãovieramemseguida.Notumulto,algunssupõemquetodoo Senado estava envolvido. Umamultidão que tinha assistido fascinada aum concurso de gladiadores do feriado espalhou-se na rua; correu anotícia de que gladiadores estavam matando senadores. Outrosacreditaram que havia um exército próximo, preparado para saquear acidade.“Corram!Tranquemasportas!” 26,eramosgritos,enquantojanelasse fechavameRomaseretiravapara trásdeportasechaves,emcasaseo icinas.Opandemôniochegouabruptamenteaumaparalisia:numminuto“o local todo estava cheio de gente correndo e gritando”, no minutoseguinte“acidadepareciatersidoocupadaporuminimigo”. 27NosalãodereuniõesocorpodeCésar icoucaídosozinhoesematendimentodurantevárias horas, banhado em sangue. Ninguém ousava tocá-lo. Só no im datarde, três rapazes escravos o carregaram embora, em meio a choro elamentaçãohistéricos,vindosdeportasetetos.Com a possível exceção de Calpúrnia, a quem o corpo mutilado foi

entregue, é improvável que a notícia tenha afetado alguém tãoprofundamente quanto afetou Cleópatra. Qualquer que fosse sua reaçãoem nível pessoal, a morte de César representava um golpe políticocatastró ico. Ela havia perdido seu campeão. Sua situação agora era, namelhor das hipóteses, insegura. A ansiedade era grande. Os amigos eparentes dele também haviam sido assassinados? Certamente MarcoAntônio, o segundo em comando, acreditou que sim. Disfarçado comocriado, ele se escondeu.Quando reapareceu, foi comaarmaduradebaixoda túnica. Todos os envolvidos no ataque trocaram de roupa e

desapareceram, assim como seus defensores. (Cícero aprovou oassassinato, mas não participou dele. Ele também fugiu.) Com a partidaantecipadadeCésar,CleópatradeviaestartambémparadeixarRomaemmeadosdemarço.Noentanto,elanãopodiadeformaalgumaterprevistoesse inal. Durante anos correram boatos de conspirações contra César,conversasquedatavamdebemantesdasuaestada.Quantoaocatálogodepresságios, eles são impecáveis somente em retrospecto. Naquelemomento, eles se resumiam a uma variedade de futuros possíveis; ahistória antiga é estranhamente desprovida de presságios incorretos. Sódepois os sinais inconfundíveis encaixaram-se à ocasião, compilados porhomensqueachavamqueoassassinatodeCésareratão justi icadocomopredeterminado.Damesma forma,asexplicaçõesseacumularamdepois,umavezquea

história é uma espécie de empreendimento de presságios de trás parafrente. Dessa forma, Cleópatra começou a adquirir um papel noassassinato.SuapresençaemRomaexigiaumaexplicação,erecebeuuma.Ela solucionava certosmistérios, atavamotivos soltos edetalhes esparsosdahistóriadeCésar.Paracomeçar,haviao insistenteproblemadaestadaem Alexandria. Fosse um tributo à in luência de Cleópatra ou a suasambições, tinha de haver algum sentido. E qual o signi icado da imagemdouradadelanoFórum,aoladodeVênus?Nãofaltaramlínguasmaldosase penas venenosas depois de 15 de março, quando havia muita coisa aexplicar,quando icavamaisemais claroqueosassassinosdeCésarnãotinham nenhum plano para o futuro e que Roma sofrera uma perdaterrível. Signi icativamente, a pessoa mais provável de incriminarCleópatranãoo fez: elanãoapareceemnenhum lugarna longa listaqueCícero fez dos erros e das ofensas de César. Ao se dirigir a uma Romaenlutada, Cícero invocou a destruição provocada por Helena de Troia, 28

masestavafalandomaisdeAntônioquedeCleópatra.Nosmeses anteriores, César havia revelado um gosto imoderado pelas

extravagâncias, pelas honras sem precedentes. Encenaram muitasprovocações com coroas, um acessório do qual qualquer bom romanofugia.Se isso foiplanejadoporCésarou impostoaeleéalgoquenão icaclaro.Parecequeosprimeirosaofereceressashonras foram tambémosprimeiros a condená-las, e que com cada tributo os colegas de Césarpreparavamparaeleumaespéciedeemboscada,“porquequeriamtorná-lo invejadoeodiadoomaisdepressapossível, paraquepudesseperecermais cedo”. César continuou supremo; ao menos em retrospecto, parecelógicoqueelequeriaserumdeusemseupaís,comoCleópatraeranodela.

Logoseestava falandoquehaviauma leiemelaboração “permitindoqueele tivesse relações com tantas mulheres quantas desejasse29 (Suetônioesclareceu isso, observando que César teria permissão de casar commuitas esposas “com o propósito de gerar ilhos”. 30) Ele teria permissãonão só de desposar várias mulheres, mas de casar com sua amanteestrangeira, coisa até então impossível diante da lei, que reconheciaapenas os casamentos entre romanos. Dizia-se também que Césartencionava mudar a capital do império para Alexandria. Ele planejava“levar com ele os recursos do Estado, esgotando a Itália com impostos edeixandoocuidadodacidadeaseusamigos”31. Isso fazsentidonãosónotocanteaCleópatra,masnoinsultoimplícitoquesepodelernasambiçõesarquitetônicasde seuamante, emsuamaníaca reformadeRoma.OsdoisCésares — o de antes do Egito e o de depois da Espanha — eramincompatíveis de uma forma incompreensível; Cleópatra fornecia umanítidalinhadivisória.Podia-sedizerqueelaexplicavaaobsessãodelepelopoderepelostítulosnosúltimoscincomesesdevida,asarmadilhasreaiseos anseios divinos, as coroas indevidas e a conduta estranhamenteautocrática.Paraonosso século, ela teriavindoa conspirarnas charadasdedistribuiçãodecoroas.ElaplantouoidealabsolutistanamentedeCésare ela se propôs como imperadora de Roma. Ela exerceu uma in luênciadecisiva,corruptora,sobreolíderromano,apontodeternascidoumnovoCésarnoEgito.EatéapontodeCleópatraefetivamentequali icar-secomofundadoradoImpérioRomano.32

Cleópatra sem dúvida contribuiu para a queda de César, embora nãohaja provas de ambição imperial da parte dela ou dele, nem traição, ou,realmente, qualquer paixão fatal, cega. O papel desempenhado por ela édiscutível. Apesar de todos os seus talentos de persuasão, é improvávelque ela estivesse envolvida em questões políticas de qualquer maneirasigni icativa.ElaeCésarestariampensandoemumamonarquiaconjunta?É possível,mas não restou prova algumadisso. Às vezes, uma viagemdenegócioséapenasumaviagemdenegócios.Suetônioreconheceuodestinodo relato histórico sem ornamentos, determinado a ser melhorado por“gente tola, quevai tentarusaro ferrode cachear emsuanarrativa”. 33 OeruditodeDamasco,queforatutordos ilhosdeCleópatra,foioprimeiroaenvolvê-la. Um século depois, Lucano seguiu alegremente a sugestão,juntando direitinho suas duas ofensas contra César em uma única frase:“Elaexcitouaambiçãodele.”Essasdeclaraçõestornavamanarrativamaisinteressante do que o simples fato de César possuirmuitos inimigos pormuitas razões, poucos dos quais tinham qualquer coisa a ver seja com

rainhas egípcias, seja com a constituição romana. Até mesmo areelaboração do calendário lhe rendera inimizades, uma vez queinadvertidamente restringia as atividades dos homens no poder. Os quetinham razões para ser gratos a César se ressentiam de suas dívidas.Outros reclamavam dos custos de guerra. Alguns esperavam apenasdesestabilizar o sistema. “E assim”, admitiu um contemporâneo, “todos ostipos de homem se juntaram contra ele: grandes e pequenos, amigos einimigos, militares e políticos, todos apresentavam seus pretextosparticularesparaoassuntoemquestão,ecomoresultadodesuasprópriasqueixascadaumdavaouvidosàsacusaçõesdosoutros.”34

Em17demarço,otestamentodeCésarfoiabertoe lidoemvozaltanacasa deMarco Antônio, a grandemansão que havia sido de Pompeu e àqual Antônio havia voltado. Embora Cleópatra estivesse em Roma emmeados de setembro, quando César elaborou esse documento, ela nãoigurava em nenhum ponto dele. Se icou decepcionada, não estavasozinha: o documento não alimentava nenhuma das nefastas intençõesatribuídasaCésar.Aocontrário,constituía-sedeumalongacensuraaseusassassinos. Ele deixou a mansão e os jardins em que Cleópatra havia sehospedado para o povo de Roma. Atribuía 75 dracmas a cada homemromanoadultonacidade.Legalmente,elenãopodiadeixardinheiroaumestrangeiro e não deixou; não era tão pouco perceptivo como izeraparecer nos últimos meses. Não deixou nada, nem reconheceu Cesário.Numgestoquesurpreendeuatodos,nãodeixounadaparaMarcoAntônio,que evidentemente esperava algo diferente. Em vez dele, César nomeoucomoherdeiroseusobrinhoneto,CaioOtaviano,dedezoitoanos.Adotandoformalmente o rapaz, ele garantira a ele três quartos de sua fortuna e, omaisvalioso,seunome.AntôniofoinomeadoguardiãodeOtaviano,aoladode vários colaboradores próximos de César, que foram também seusassassinos.Alguns acharamque os negócios emRoma continuariam simplesmente

comosempre,depoisdosIdos.NãocontavamcomosdotesdeAntônioparao espetáculo. Três dias depois, a cidade irrompeu em tumultos quando ofuneral de César se transformou em uma selvagem caçada por seusassassinos.Diante do corpo, exposto com as feridas abertas numdivã demar im,Antônioproferiuumdiscursoinquietante.Estavacomabarbaporfazer, um sinal de luto. Na plataforma dos oradores no Senado, elearregaçou os mantos para liberar ambas as mãos. Com uma “expressãoorgulhosa e atormentada” ixa no rosto, Antônio entoou loas a César ecatalogou suas vitórias. Foi nesse momento que ele defendeu César das

acusações de ter se demorado no Egito por voluptuosidade. Alternandocomeficáciaotomde“claroelímpidoparafunéreo”,35Antônioproferiuumpotente coquetel de pena e indignação. Nunca homem de resistir a umloreio, ele expôs a cabeça grisalha ensanguentada de César. Então, semqualquerajuda,despiudocorpoasroupasendurecidasdesangueeasfeztremular numa lança. A multidão enlouqueceu, entregando-se a umaimpulsiva cremação, destruindo o salão em que César havia sido morto.Seguiu-seumfrenesidehomicídioseincêndios,duranteoqual,comodisseCícero,“quasetodaacidadequeimouemaisumavezumgrandenúmerodepessoasfoiassassinado”. 36Roma icou insegurademaisparaCleópatraou, na realidade, para qualquer pessoa. Todas as qualidades que osromanos atribuíam aos alexandrinos, aqueles bárbaros fanáticos,descontrolados,sanguinários,a loraramcomintensidade.Nomercado,umhomemtomadoerroneamenteporumassassino,foiesquartejadomembroamembro.37

Cleópatra teve sorte sob um aspecto. Os atacantes de César haviamrecuado repetidas vezes, “porque o temiam, embora o odiassem, eprotelaram a ação”. 38 Se tivessem agido nomomento em que planejaramoriginalmente,elapoderiatersidoforçadaapermanecernaagitadaRoma.Cleópatraestavanacidadeduranteafuriosatempestadequeseseguiuaofuneral, e viuo cometaque riscouo céu todas asnoitesdaquela semana.De sua mansão, ela enxergava uma cidade que geralmente era escuracomobreuànoite,masqueagoraestavapontilhadade fogueiras,agitadaaté a madrugada, em nome da ordem pública. E então foi embora, abagagem carregada em carroças e levada pela estrada serpenteante dacolinaJanícula,numasériedezigue-zagues,atéorioenadireçãodolitoral.Atemporadadenavegaçãoestavaabertaoutravez;provavelmentecomaajudadospartidáriosdeCésar,ela foiemboraàspressas.Ummêsdepoisdos Idos, havia partido, seu trajeto cuidadosamente acompanhado porCícero, seudestinomuitodiscutido emRoma.A conversa sódiminuiu emmeadosdemaio.Cíceroesperoumaisalgumassemanas—atéomomentoemqueeracertoelaestardevoltaaAlexandriaeoterrenoabsolutamentelivre—paraexporoseudesdém.“Detestoarainha”,sóentãoeleexplodiu,o sangue tornando a ferver, sem se dignar a referir-se a ela pelo nome,uma distinção reservada a inimigos e a ex-mulheres. Aindamachucava ofatodeterpedidoumfavoraCleópatra,oudeeleterfeitoaconcessãodepedir um favor, ou de ter se exposto ao ridículo. Diante do rumo dosacontecimentos,difamá-laconvinhaaospropósitosdelecomonuncaantes.Atémesmoos representantes de Cleópatra sentirama ira dele, acusados

de “patifaria generalizada” e impertinência. Como ele pudera se expor aumtratamentotãoásperodaquelagente?“Elesdevempensarqueeunãotenhoespírito,oumelhor,quenãosoucapazdeterraiva”,39vociferou.Para Cleópatra a partida deve ter sido especialmente complicada. Ela

havia levadoasériosua identi icaçãocomVênuse Ísis; emmarço,estavagrávidadenovo,eéprovávelqueagravidezestivessevisível,umavezqueosegredoeraconhecido.Cícerotinhasériasrazõesparaacompanhá-ladeperto. Uma Cleópatra grávida era a esposa troféu que poderia, nummomento precário, complicar o futuro de Roma. Ao contrário de Cesário,essesegundo ilhohaviasidoconcebidoemsoloromano.TodaRomasabiaque era de César. E se Cleópatra tivesse um menino e resolvessepressionar por seus direitos? Cícero deve ter se preocupado de que elapudesse desencaminhar a sucessão. Ela estava em posição perfeita paratal. De qualquer forma, foi um momento decepcionante para Cleópatraporque ela sofreuumabortoouperdeuobebê logodepois doparto. EmRoma,Cícerorespiroualiviado.Em um outro nível, Cleópatra foi ricamente recompensada. Todas as

facções concordaram que nenhum dos “regulamentos, favores epresentes”40 de César deveriam ser revogados. O Chipre estava seguro.Cleópatra continuaria sendo amiga e aliada de Roma. De sua parte, acidade estava preparada para uma “orgia de saques, incêndios emassacres”,41 assim comoparauma retomadada guerra civil.DepoisdosIdos, abriu-se um vivo mercado para a difamação e a autojusti icativa.Houve uma onda de autocongratulações. Derrubar reis também era umatradição romana que os conspiradores acreditavam ter valentementepreservado naquela manhã cinzenta de primavera. Até grupos neutroscontribuíramalegrementeparaashostilidades.ComoobservaDio:“Háumelementomuitograndequeestáansiosoparavertodososquetêmpoderemdesacordounscomosoutros,elementoqueconsequentementedelicia-secomsuainimizadeesejuntaàstramascontraeles.”42

Inculcada desde os seus primeiros dias com o temor de que Romapudessedesmantelarseupaís,CleópatraassistiaenquantoRomapassava,emvezdisso,ademolirasimesma.Issodurouumtedioso,úmidoeescuroano, um ano em que o sol se recusou a nascer, “nunca mostrando seubrilhonormalaosurgiredandoapenasumfracoetênuecalor”. 43(Arazãoeraprovavelmente a erupçãodomonteEtna, na Sicília, porém—comosferrosdecacheardaépocaemação—,Romapreferiaaexplicaçãopolíticamais próxima.) Cleópatra só pode ter icado satisfeita de colocar ummarentreelaeotorvelinho.ElaprovavelmentenavegoudePuteoli,aolongoda

costa italiana,atravessouoagitadoe inóspitoestreitodeMessina,paraseverlançadaamarabertonoMediterrâneoemabril.Oventoestavaàssuascostas.Atravessiaparaosulerafácil;umcapitãorigorososeriacapazdefazeraviagememmenosdeduassemanas.Emquestãodedias,Cleópatratrocou o ar insistentemente melancólico e frio da Europa pelo caloropulento do Egito. Na ensolarada Alexandria, ela voltou à rotina denegócios públicos e audiências privadas, à ronda de rituais e cerimônias.Ela nunca mais pisaria em Roma. Nem perderia mais de vista aquelacidade. Tinha jogado o jogo com sagacidade e correção,mais e icazmenteque qualquer Ptolomeu antes dela, mas se via de volta à casa um dotabuleiro, atacada à traição pelos acontecimentos, sabotada por umarevisão indiscriminada das regras. Como se deslumbrou umcontemporâneo próximo: “Quem pode expressar devidamente suaperplexidade diante das mudanças da fortuna e das misteriosasvicissitudesdosnegócioshumanos?”44Cleópatratinha26anos.

Numa vida de cenas resgatadas com di iculdade, superintensa emocionalmente, a volta aAlexandria em 44 foi a que sobreviveu, e é também a mais pronta para uma ópera. Nenhumlibretista chegou a usá-la, possivelmente porque não há texto. Para umamulher que viria a sercelebrada por sua magistral manipulação de Roma, a história de Cleópatra seria con iadaprimordialmenteaoshistoriadoresdessacidade;elaefetivamentedeixadeexistirsemumromanonasala.Enãohavianenhumàdisposiçãonaquelaprimavera,enquantoelaviajavaparaostelhadosvermelhos de Alexandria, em torno do farol luminoso e das estátuas colossais de Cleópatrasanteriores, atravessando o quebra-mar de pedra e entrando no calmo porto de esplêndidaengenharia.Quandoumsoberanoestrangeirovinhavisitar,afrotaegípciapartiaaoencontroparasaudá-lo;45 com certeza foi issoque aconteceu complena força agora. Independentede como suatarefaforadecasatenhasidoanunciadaemAlexandria,independentedeseuprogramaefetivonoexterior,di icilmenteCleópatrapoderiaterprevistoessaconclusãodesanimadora.Eladispunhadepoucassemanasparaseadaptaraosacontecimentoseolharo futuro;pessoalmentetristeounão,tinharazõesparaapreensão.NãosónãohavianinguémparaagiremseufavoremRoma,comoelaagorapassavaafazerparte,perigosamente,doesportesangrentoqueeraapolíticadaquelacidade.Comoúnico ilhohomemdeCésar,Cesárioeraseutrunfo.Eratambémumapossíveldesvantagem.Elaestava,decertaforma,emmaiorperigodoqueem48,quandoseviupelaprimeiravezpresaentredoisestrangeirosambiciososlutandoatéamorte.SeCleópatraconheceuoincômodoperturbadordeduvidardesimesma,

todas as evidências disso se perderam para a história. Por outro lado, oquePlutarcodescrevecomosuasupremasegurançaéalgoquesobrevivea ela, ao lado de seu superlativo poder de persuasão. Em uma ocasiãoposterior, ela recusaria uma missão inteiramente comprometida comoalguémaltamenteexperiente; édi ícil acreditarque,depoisde fazer suasoferendas perfumadas no convés, ela tenha descido pela prancha emAlexandria, novamente soberana, voltando a salvo para a admiração de

seus súditos, de uma forma menos que triunfante.b Ela estava livre darústica Roma, devolvida pelo impulso das ondas e da turbulência noexterioraumaterraqueareconheciacomodeusa,emtudoigualaVênus,devoltaaumacidadeemqueamonarquiarecebiaoque lheeradevido,onde uma rainha podia icar de cabeça erguida sem ser acusada dearrogância, onde ninguém protestava por causa de cadeiras douradas,nem estremecia diante de uma coroa. Estava, em resumo, de volta àcivilização. Issoeraespecialmenteevidentenumverãoegípcio,estaçãodecomemorações. Em termos de festivais também o reino de Cleópatrainvertiaaordemromana.Comoscamposdebaixodaágua,oEgito inteirose dedicava àmúsica, à dança, à festa. “O lar é omelhor”, dizia o adágiogrego,eCleópatradevetersentidoisso,voltandodeumaterraquede iniaomundodemaneiradiferente.“Alexandria”,Cícerovociferaraanosantes,“éamoradadetodoenganoefalsidade.”46

NãosesabecomclarezaquemcontrolouosnegóciosegípciosenquantoCleópatraestevenoexterior—normalmenteelateriacon iadotudoaseuministro das inanças —, mas, quem quer que tenha sido, o fez comhabilidade.Elavoltouaumreinoprósperoeempaz,oquenãoerapouco,dadasuaausênciaouausências.Nãoháregistrodeprotestosreferentesacoleta de impostos, nenhuma prova de revolta como as que saudaram avoltade seupai.Os templos continuavam lorescentes. Cleópatradeslizousuavemente de volta a seu papel. As notícias perturbadoras vinham doestrangeiro.Emseuexílio,Arsínoe,airmãmaisnovadeCleópatra,insistiaem sua ambição ao trono. Retomando seu golpe de quatro anos antes,Arsínoe obteve apoio su iciente emÉfeso para ser proclamada rainha doEgito. Seu feito atesta tanto sua tenacidade comoa fragilidadedaposiçãode Cleópatra fora de seu país. O templo de Ártemis estava cheio detesouros sem preço: Arsínoe parece ter tido apoiadores romanos tantoquantoa cumplicidadeda família, oudeuma falsa família.Enessaépoca,materializou-se um pretendente ao trono, alegando ser Ptolomeu XIII,miraculosamente ressuscitado depois do afogamento no Nilo três anosantes. Com certeza as duas irmãs se desprezavam. Arsínoe pode terchegadoaopontodesubornarocomandantedeCleópatranoChipre,cujalealdadenãoera irme.AviagemdoChipreaÉfesoerafácil;ocomandantedoChipreera,tradicionalmente,umo icialdealtapatente.Paracomplicaras coisas, Cleópatra tinha outro irmão a seu lado, o descartável epossivelmente desleal Ptolomeu XIV. “Um provérbio popular censura aspessoasque tropeçamduasvezesnamesmapedra”, 47 Cícero observou, eCleópatra, mais uma vez vulnerável em duas frentes, não era dada a

inabilidades.Emalgummomentoduranteoverão,elacuidouquePtolomeuXIVfosseassassinado,provavelmentecomveneno.c

Querorapazdequinzeanosestivesseligadoasuairmãexiladaounão,eleeraclaramentedesnecessário,uminsultoàautonomiadeCleópatra.Oassassinato dele permitia que ela proclamasse Cesário seu corregente,coisaqueela feznesseverão.Emalgummomentodepoisde julho—umnovo mês epônimo que ocorreu em 44 pela primeira vez, para muitorangerdedentesdeCícero—,Cesáriofoinomeadofaraó.Comaascensãodele, começava a terceira corregência de Cleópatra. Sua solução eraoriginal, também ideal. Cesário se tornou “rei Ptolomeu, que é tambémCésar, deus que ama seu pai, que ama sua mãe”. Cleópatra tinha seuconsortemasculinoobrigatório.Umromano,eduplamentedivino,ocupavaotronoegípcio.Eerapoucoprovávelqueummeninodetrêsanosdeidadefosseinterferirdealgumaformacomosprojetosdesuamãe.Seucálculoestratégiconãosóerabrilhante—Cleópatrasimbolicamente

envolviaoEgitonomantodeCésar,peloqualelaviaumaviolentadisputase preparando —, como também resolvia com habilidade uma questãoiconográ ica. Se César tinha voltado a Alexandriamais real do que antes,Cleópatra voltou de Roma mais divina. Ela abraçou vigorosamente seupapel de Ísis, com plena ênfase em seu comando maternal, uma novamaneiradeobterprestígiopormeiodageraçãode ilhos.Emfestivaiselaaparecia com sua notável roupa de Ísis. 48 Acontecimentos recentesmostraram-se uma poderosa ajuda: o assassinato de César pode terdestruídoanosdemeticulosoplanejamentodeCleópatra,masrepresentouum bônus para sua imagem. Na lenda, os inimigos de Osíris, parceiroterreno de Ísis e divindade masculina suprema, o desmembraram comselvageria. Osíris deixa um herdeiro homem e uma consorte devotada earticulada. Em seu luto, Ísis recolhe os pedaços cortados de Osíris, parapermitir sua ressurreição. Os Idos de Março forneceram providencialsuporte à lenda; Cleópatra emergiu mais forte de sua perda, a grandeesposadeumadivindademartirizada.NãofoinadamalqueemRoma,noprimeirodiade42,César fossedeclaradodeusemumasolenecerimôniareligiosa.Publicamente, Cleópatra representava o papel de Ísis provedora de

sabedoria e de sustentomaterial e espiritual, anunciando a presença deCesário, a trindade familiar, e o renascimento espiritual. d Ela mergulhounum ambicioso programa de reconstruções, em grande parte do qualexplorou o mito. Cesário sobrevive em relevo nas paredes do templo deDendera,umvastoprojetoqueopaideCleópatraherdara.49Possivelmente

para celebrar a ascensão de seu ilho, Cleópatra mandou que fosseesculpido, com as coroas do Alto e do Baixo Egito, parado diante dela,oferecendoincensoaÍsis,HóruseOsíris.Eraumacombinaçãoe icientedetemas;numarepresentação,elasegueatrásdelecomofaraóecomomãe,brandindoochocalhodeÍsiseusandoatradicionalcoroadupladadeusa.OnomedeCleópatravememprimeirolugarnalegendaabaixo;éprovávelque ela tenha inaugurado os entalhes. Ela completou a obra que seu paiiniciara em Edfu, no Alto Egito, para onde provavelmente transferiu asequipes de trabalhadores de Dendera. Estabeleceu um altar lutuante aKoptos, mais ao norte; e construiu um pequeno santuário celebrando onascimento de ilhos divinos atrás do templo principal de Hermonthis,perto de Luxor. Ali, Cesário está intimamente associado a Hórus, que,talveznãoincidentalmente,viriaavingaramortedopai.Cleópatrapodejáentão ter começado a maciça construção dedicada a César e mais tardeconhecida como Cesareum, acima do porto de Alexandria.50 Esta viria aconstituir depois um bairro em si, com pórticos, bibliotecas, câmaras,túmulos, portais, passeios e pátios adornados com artemuito so isticada.Seumaiorprojeto foium templode ÍsisemAlexandria,hoje inteiramenteperdido.Também em outras frentes ela estava no negócio da ressurreição. Sob

Cleópatra, Alexandria gozou de um robusto renascimento intelectual. 51

Reunindoemtornodesiumgrupodepensadores,Cleópatrareconstituiuaintelligentsia greganacidade,paraaqualnão tevedi iculdadesematrairacadêmicos. Entre seus íntimos ela contava com Filostrato, um oradorcelebrado por suas performances hipnóticas, improvisadas. Ele podetambémtersidoseututorpessoal.Aúnicaescolade iloso ianativasurgiucomCleópatra;umcético,EnesidemodeCnossos, lutoucomarelatividadedaspercepçõeshumanaseaimpossibilidadedoconhecimento.Otrabalhoacadêmico com a gramática e a história conheceram um renascimento,embora gerasse poucos dos saltos teóricos embriagadoramente originaisdos séculos anteriores. A medicina e a farmacologia representaram asúnicas exceções. Médicos participavam havia muito da corte ptolomaica,onde eram in luentes, dotadosde espírito público e onde, no reino deCleópatra, os homens mais iminentes em seus campos escreveramproli icamente, sobre medicina e doenças, sobre afecções do olho e dospulmões,tantoosteóricoscomoospraticantes.Nacirurgia,especialmente,esses pensadores deram passos ousados, produzindo um corpo novo dehabilidadesespecializadas.Emoutrasáreaso trabalhoerapoucooriginaltendendo para a esterilidade, mais dado à classi icação do que à

criatividade. Nesse ambiente surgiu o primeiro acadêmico nativo deAlexandria.QuatroanosmaisnovoqueCleópatra, ilhodeumvendedordepeixe salgado local, Dídimo distinguiu-se na corte por sua inteligênciabrilhanteeprodigiosaprodução.Elediscursavacomconhecimentosobreoléxico, sobre Homero, sobre Demóstenes, sobre história, teatro e poesia.Em diversos volumes, ele atirou alguns lances satíricos até mesmo emCícero. É inacreditável que tivesse tempo para sua soberana;maniacamente produtivo, Dídimo produziu mais de 3.500 tratados ecomentários,coisaquepodeexplicarporqueelenãose lembravadoquehaviaescritoeeraregularmenteacusadodesecontradizer. 52 EramessesoshomenscomquemCleópatrajantava,comquemviviaemcontatoíntimoe discutia assuntos de Estado. O pensador da casa servia como “estímulointelectual ou como confessor e consciência”. 53 Ele era ao mesmo tempomentoreservidor.Em termos gerais, os primeiros anos da década de 40 provam que

Cleópatrafoibemmaisdoqueasomadesuassupostasseduções.Eladeuos primeiros passos para restaurar a glória ptolomaica, mais uma vezseguindo o rumo de seu pai, embora com resultados mais fecundos. Elaapoioueseenvolveuemprojetosintelectuais,comoconvinhaasuaorigem.Os soberanos helenísticos eram, por de inição, patronos culturais eestudiosos; entre os antepassados de Cleópatra havia muitos assassinos,mas também um historiador, um zoólogo, um dramaturgo. Ptolomeu Iescreveu um admirável relato sobre Alexandre, o Grande. Analisando detrás para frente, nos resta avaliar a reputação de Cleópatra pelo que foifalsamente atribuído a ela. Ela recebeu créditos extracurriculares pordiversoscorposdeliteratura,oquerevelaalgodeseuper il.Consideradadecadentenoexterior,elaeramuitocapacitada intelectualmenteemcasa.Foi citada muitas vezes comoautoridade em magia e medicina, aindainseparáveisporalgumtempo;empenteados;emcosméticos;empesosemedidas.SãocamposqueCleópatrapode,sim,terexplorado,pelomenosàmesadojantar.Quantoàmedicina,elafoiumagrandeprotetoradotemplode Hator, dedicado à saúde feminina. É também ligeiramente maisprovávelqueela tenhaescritosobrebanhoscomleitede jumentadoqueinventadoaaspirina.UmacuriosacuraparacalvícieseriaatribuídaaCleópatra;dizia-seque

ela aconselhava o uso de partes iguais de camundongo queimado, trapoqueimado,dentesdecavaloqueimados,banhadeurso, tutanodeveadoecasca de junco. Misturada com mel, a pasta devia ser aplicada ao courocabeludo, “massageado até brotar”. 54 Plutarco sustenta que ela cozinhava

“toda sorte de venenos mortais”, que experimentava em prisioneiros.“Quando viu que os venenos rápidos reforçavama dureza damorte peladorquecausavam”,elamudouparaoestudodeanimaisvenenosos.Esteselaestudousistemáticaediariamente,“observandocomosprópriosolhoscomo eram constituídos, um após outro”. 55 O Talmude a saúda por sua“grande curiosidade cientí ica” e como “muito interessada nosexperimentos de médicos e cirurgiões”. Dada a preponderância demédicos pro issionais na corte, o progresso no campo e o vivo interessedemonstradopelas ciênciasnaturaisporoutros reis orientais,muitosdosquais realizavam experimentos e escreviam sobre biologia e botânica, émuitoprovávelqueseja tudoverdade.Orestantedapassagemtalmúdicapode ser menos verdadeiro. Atribui a Cleópatra uma série deexperimentos commulheres prisioneiras “a im de determinar quando ofeto se tornava um embrião de fato”. 56 Da mesma forma, aGynaeciaCleopatraemedievalé semdúvidaapócrifa.Nela seencontram instruçõespara um supositório vaginal “que eu sempre usei e que minha irmãArsínoe experimentou”. 57 Fora o fato de colocar Cleópatra e suausurpadora irmã mais nova trocando dicas contraceptivas ao longo dosanos, quando era muito mais provável que estivessem conspirando oassassinato uma da outra, o texto é problemático por ter sido escrito emlatim.HárumoresdequeCleópatraeraespecialmentedotadanas ciênciasocultas,masaúnicaalquimiaqueelapraticavaeratransformaroscamposdoEgitoemouro.GrandepartedosupostoconhecimentodeCleópatraprovémdomundo

árabe, onde a propaganda romana não penetrava. Lá ela se estabeleceucomo ilósofa, médica, cientista e pesquisadora. Seu nome ressoava,poderoso, sobretudo pela associação com a milagrosa Ísis com suatendência farmacológica. Por mais críveis que sejam essas atribuições, édi ícil determinar quantas dessas realizações eram genuínas; quantasapenas fagulhas lisonjeiras do relato de Plutarco sobre umamulher comtendências intelectuais, à vontade na companhia de ilósofos e médicos,vivendoumaépocailuminada;eoquantoconstituemocostumeiroataqueàmulher complexae capaz, suspeitade serboademais emseu trabalho,cujos talentos só podem ser atribuídos a “artes mágicas eencantamentos”.58 Dissecados ou não, os corpos precisam ser enterradosemalgumlugar,oscaldeirõeseoslivrosdebruxariasjunto.Ashabilidadesde Cleópatra eram grandes, mas a fértil fantasia masculina eraincontestavelmentemaior.A competência de Cleópatra seria posta à prova nos anos que se

seguiramàsuavolta,quandodesgraçasemaisdesgraçassesucederam.ONilo não se mexeu durante a primavera de 43 e, no verão, não encheunada. Mostrou-se igualmente pouco cooperativo no ano seguinte. Ascolheitas fracassaram a tal ponto que desa iavam a história. Por todo oEgito amiséria era aguda. Cleópatra conduziu seu reino com serenidadedurante a crise prolongada, cuidando, sem dúvida, de não tropeçar naspedrasconhecidas;afomeanteriortinhasidoum iascoparaela.Elapodeterdeclaradodenovoestadodeemergência.Seupovoestavamorrendodefome.Nãotinhaescolhasenãoabrirossilosreaisedistribuirtrigográtis. e

A in lação assolava o país; Cleópatra desvalorizou ainda mais a moeda.Moradores de dois bairros compareceram perante ela pedindo proteçãocontra coletores de impostos venais. Dado o “mal-estar generalizado” e“inspirada por seu ódio ao mal”, 59 ela concedeu a isenção. E divulgouamplamente a anistia. Em meio à crise agrícola chegavam notícias deestranhos inchaços glandulares e feias pústulas negras; uma epidemiaassolou ou o Egito ou suas regiões fronteiriças. O prolí ico Dioscórides,perito em plantas medicinais, tinha amplo material em que basear umpioneirotratadosobreapestebubônica.Omomentoeraparticularmentepoucoauspicioso,umavezqueaguerra

civil romana voltava violentamente às costas doEgito em43.Apenínsulaitaliana não conseguia conter aquele con lito, umademonstração brutal eespasmódicadeque,naspalavrasdePlutarco,“nenhumanimalselvagemémaisferozqueohomemquandosuapaixãoésuplementadapelopoder”60.Para Cleópatra, a luta interna assumiu a formade umperverso conto defadas: ela sabiaque todasaspartesenvolvidasviriamatéela. (Onúmerode apelos con irma a sua sólida riqueza.) Ela sabia tambémque apoiar aparte errada seria atrair a desgraça. Embora continuasse dedicada aRoma,eradi ícilsê-lo,porqueelanãosabiaquemexatamenteeraRoma.Eindependente de quem ela apoiasse, o custo provavelmente seriaexorbitante.Cleópatrajáestavabemfamiliarizadacomasabedoriadeseupai,duramenteaprendidaemsuasnegociaçõesquanto“àshumilhaçõeseaos problemas que enfrentaria; às propinas a que teria de recorrer; e àambiçãoqueteriadesatisfazerquandosetratavadoslíderesromanos,aosquaisnemtodooEgitotransformadoempratapoderiacontentar”.61

A melhor opção de Cleópatra seria não fazer nada, uma opção quedepressaseexauriu.Elapor imseguiusuassimpatiasnaturais,dispostaapagar o preço. Dolabela era altamente prezado por César, seu precocecomandante de frota, sua primeira escolha para cônsul, em 44. Ele eradissoluto, esquentado, também robusto, articulado e um favorito popular.

Ainda na casa dos vinte anos, deve ter parecido a Cleópatra o herdeironatural de César. Quando Dolabela pediu ajuda, Cleópatra mandou paraeleasquatrolegiõesqueCésarhavialhedeixado,juntocomumafrota.Emtroca,elagarantiuapromessadequeCesárioseriareconhecidocomoreido Egito, uma con irmação crucial para ela. Infelizmente, a frota foiinterceptada em alto-mar. Sem luta entregou-se a Cássio, o rival deDolabela e um dos líderes dos assassinos. Em seguida, Cássio exigiu aassistência de Cleópatra. Ela enviou suas desculpas. A fome e a pestehaviamdevastadoseupaís.Estavaabsolutamentesemreservas.Aomesmotempo, preparou uma segunda expedição para Dolabela. Maus ventosretiveramessafrotanoporto.Eelatopoucomsubordinadosrebeldes.SeucomandantemilitarnoChiprecontrariousuasordens,fornecendoaCássionavios egípcios. Cleópatra depois seria cobrada a responder por essedesaforo.Elaestavafazendoumjogoperigosoequesópiorava.Emjulhode43,o

exército de Cássio cercou e esmagou Dolabela, que cometeu suicídio. Emseguida, Cleópatra foi procurada por Otaviano e Antônio, inimigos deCássio. Os dois formaram uma liga no inal de 43, com a intenção de sevingardosassassinos,lideradosprimordialmenteporBrutoeCássio.ParaOtaviano, ilho adotivo de César e seu antigo conselheiro, Cleópatraorganizouumapoderosa frota, carregadadeequipamentos.Elaplanejavaentregá-la pessoalmente na Grécia. Enquanto isso, o assassino Cássioameaçou-a.Elaserecusouamorderaisca.Eleameaçoudenovo.Elehaviapedidoapenassuacooperação;emvezdissoCleópatrahaviaajudadoseuinimigo. Ela não estava de jeito algum semostrando amulher obedienteque César havia anunciado. Enraivecido, Cássio preparou uma invasãototaldoEgito.Omomentoerabom;oEgitoestavaenfraquecidopelafome,Cleópatra vulnerável na ausência de suas legiões romanas. Ela depoisinsistiuque“nãosentiramedodeCássio”62,masseriatolasenãosentisse.Eleeraumpersonagemnocivo,compostodepartes iguaisdecrueldadeeambição.Conhecidocomo“omaisagressivodoshomens”63,estavaentreosprimeiros assassinos. Possuía doze legiões de primeira classe sob seucomando,assimcomoumaforçaexperientedearqueirosmontados.Haviasidoimpiedosocomascidadessobreasquaisjámarchara.HábilgeneraleantigoalmirantedePompeu,havia lutadonoOrienteantes.Eestavabemperto,dooutroladodafronteiraegípcia,ondeassumiraocontroledaSíria.Mais uma vez, na última hora Cleópatra foi poupada por interesses

romanos concorrentes. Quando começou suamarcha para o Egito, Cássiofoi desviado por um chamado urgente.Antônio e Otaviano haviam

atravessado o Adriático. Viajavam para o leste para desa iá-lo. Cássiohesitou.OEgitoeraumricoprêmio,bemaoalcancedamão.Severamente,Bruto lembrouque elenão estava ali para conquistarpoderpara si,massim a liberdade para seu país 64. O decepcionado Cássio mudou de rumoparasejuntaraBrutonaGrécia.ParaCleópatra,amoratóriacoincidiacomacontecimentos infelizes.Elahaviapartido comsua frotapara juntar-se aAntônioeOtaviano.Elaprópriacomandavaanaucapitânia.Maisumavez,o mau tempo interveio. Diante dele, um navio de guerra alto, de velasquadradas, foi inútil, depressa adernou, depressa afundou. Ela voltou aAlexandria com o restante de uma marinha abatida. Conforme explicoudepois, a tempestade “não só arruinou tudo, como fez também com quecaíssedoente,razãopelaqualelanuncamaispartiuparaomar”. 65Algunsquestionaram sua sinceridade, dando à história de Cleópatra um tom de“nãoqueriamolhar os pés”. (É notável que, quando ela não é condenadapor ser ousada e masculina demais, é censurada por ser indevidamentefrágile feminina.)Noentanto,elaparece tersido ielàsuapalavra.Sabiaque não podia negar ajuda àqueles que estavam ativamente vingando amorte de seu amante. E um aliado de Cássio que estava esperando detocaia a frota de Cleópatra — com uma frota de sessenta navios, umalegiãodehomensdeCássioeumestoquede lechaschamejantes—ouvirafalardodesastreetoparacomrestosdonaufrágioegípcioflutuandodianteda costa sul da Grécia. Cleópatra voltou penosamente para casa com asaúdecomprometida.Porseucuidadoecustosoesforço,elanãorecebeualealdadedeninguém.Não tendo oferecido aos vencedores nenhuma assistência efetiva,

Cleópatrasabiaquelogoseriacobrada.UmemissáriochegouaAlexandriamais ou menos no momento esperado, provavelmente no começo de 41.Eraumnegociadorde falamansa e línguamordaz e tambémumhomemdelealdadesacrobáticas.QuintoDélio jáhaviamudadode ladotrêsvezesdurante a guerra civil, tendo saltado do campo de Dolabela para o deCássio, para pousar, temporariamente, no de Marco Antônio. Viera aAlexandria para arrancar algumas respostas da estranhamente nãocooperativa rainha do Egito. Por que ela havia colaborado com Cássio?Comoexplicarseumornoapoioaoscesarianos?Ondeprecisamenteestavasua lealdade? É de se presumir que Délio estava informado sobre asmaravilhasdeAlexandria,sobreopalácio incrustadode joias.Oquequerquetenhaouvido,nãoopreparousu icientementeparaCleópatra. “Assimqueolhouparaela,enotousuahabilidadeesuasutilezadediscurso”,elese deu conta de que teria de repensar a abordagem. Todas as fontes

concordam unanimemente, até ativamente, sobre o efeito irresistível deCleópatra. Plutarco cai vítima de seu encantamento póstumo a tal pontoque,apartirdomomentodachegadadeDélio,elebasicamentedeixaqueelaroubeofocodeMarcoAntônio.66

Délio logo percebeu que ele não entregaria à acusação uma rainhatristonhaesubmissa.Amulhernafrentedelenãoeradotipodequemseexige explicação.Oportunista comoera, eledeve terpercebidoquepodiatiraralgumaoutracoisadasituação.Elepróprioeraaltamentesuscetívelàbeleza.De suas lúbricas escapadas juntos, ele conhecia bemos gostosdeseucomandante.DéliosedesmanchounasmãosdeCleópatraouentendeuqueAntôniosedesmancharia,ouambasascoisas.Felizmente,ooutroladode sua inconstância era uma agilidade muito lexível; ele executou umareviravolta sem esforço. Elogiou, lisonjeou a tal ponto que não ica claroquaisinteresseseledefendeu.Seuconselhoera—mesmodepoisdetantotempoéprecisodar aDélio seusmerecidospontos comodiretorde cena—queelarepresentasseumpouquinho.Cleópatradeviavestirsuamelhorroupa.SuasituaçãoeraanálogaàdeHerana Ilíada,67quemassageiaapeleaté reluzir um pouco, unta-se com óleos provocantes, trança os cabelosbrilhantes,envolve-seemmantosambrosianos,apertaa cinturacom itase,combrochedeouronopeitoejoiaspenduradasnasorelhas,marchaaoencontro de Zeus. Cleópatra devia ir para o exterior com eleimediatamente.Nãotinha,Déliolhegarantiu,nadaatemer.MarcoAntônioera“omelhoremaisgentildossoldados”.68

Três anos antes, enquantoCleópatrapartiaàspressasdeRomasobumcéunubladodeabril, elacruzoucomoutroviajantecansado.Emboraeleviajassecomocidadãocomum,OtavianoseguiuparaRoma“acompanhadoporumanotávelmultidãoqueaumentavatodososdiascomoumatorrente”69e levado por uma corrente de boa vontade. Naquelemomento, ou na narrativa posterior, ele foirecebidocomoequivalenteantigodeefeitosespeciais.AoseaproximardaviaÁpia,aneblinasubiue“umgrandehalocomascoresdoarco-íriscircundouosol”, 70quenãoeravistohaviasemanas.Oherdeiro de César era tão desconhecido para seus seguidores quanto eles o eram para ele;juntaram-se a seu lado, tão entusiasticamente como os veteranos das campanhas de César, naexpectativa de que o rapaz de dezoito anos vingasse “a chacina do Senado”. Ele não secomprometeunesseaspecto,procedendo,a conselhodamãe, “comhabilidadeepaciência”, 71 pelomenos até pisar na propriedade de Antônio. O pálido adolescente provinciano, de cabelo loiroencaracoladoe sobrancelhasque se juntavamacimadonariz, não se sobressaíra emquasenada.Passara pouco tempo em Roma. Não tinha experiência militar nem autoridade política. Suaconstituição ísica era frágil, sua aparência insigni icante. Ele tinha vindo para cobrar a herançamaiscobiçadadaera,onomedeseutio-avô.Logo cedo namanhã seguinte, Otaviano apresentou-se ao Fórum para

aceitar a adoçãodeCésar.AntesprocurouMarcoAntônio, nos jardinsde

suabelapropriedade,àqualOtavianosófoiadmitidodepoisdeumalongae humilhante demora. De qualquer modo que se anunciasse — seusseguidores já o chamavam de César —, a visita iria machucar. Se paraCleópatra a aparição de Otaviano em Roma era incômoda, para MarcoAntônio era um insulto. Seguiu-se uma conversa tensa entre os doishomens—ou,naopiniãodeAntônio,aosquarentaanos,entreumhomeme um menino — que sentiam ter iguais direitos ao legado de César.Otaviano era preciso e deliberativo, mais tarde se tornou um tantocontrolador; ele sem dúvida havia ensaiado seu discurso de antemão.(Mesmo quando falava com a esposa ele preferia escrever seuspensamentos e lê-los em voz alta.) Com certeza, Otaviano proferiu essespensamentos em 44 com fria segurança e candura. Por que Antônio nãohavia processado os assassinos? (Em prol da ordem, todo mundo haviaproposto uma anistia. Porém, Antônio presidira o Senado quando ela foioutorgada.) Os primeiros a agir estavam não só vivos, como haviam sidorecompensados com governos provinciais e comandosmilitares. Otavianosolicitou aohomemmais velhoque “ icasse aomeu lado eme ajudasse ame vingar dos assassinos”. Se não pudesse, faria o favor derespeitosamente se pôr de lado? A inal, Antônio poderia muito bem tersido o herdeiro político de César se tivesse se comportado maisprudentemente. Quanto à herança, Antônio podia, por favor, entregar oouro que César havia deixado, para a prometida distribuição? Otavianoacrescentou que Antônio podia conservar “os objetos de valor e outrosornatos”,72umaacusaçãomaisdoqueumconvite.Marco Antônio tinha mais que o dobro da idade de Otaviano. Contava

com “todooprestígio de seu longo serviço a César”. 73 Durante os últimosdois anos, exercera uma grande autoridade, mesmo que nem sempredecorosa. Tinha, além disso, já liquidado a herança de Otaviano, assimcomo havia anteriormente arrasado a casa que fora de Pompeu,distribuindogenerosamenteosmagní icostapetesemóveisaamigos.Nãoprecisava que lembrassem a ele que havia perdido por pouco a adoçãopelo homem que ele também admirava acima de todos os outros. Nemprecisavaouvirumsermãodeumdiminutoevirtuosonovorico.Ele icoumuitochocado.Comvozrouca,grave,lembrouaorapazàsuafrentequealiderança política deRoma não era hereditária. Por agir como se o fosse,Césarhaviasidoassassinado.Antôniotinhaseexpostoamuitosriscosparagarantir que César fosse enterrado com honras, e a muitos outros parapreservar sua memória. Era inteiramente graças a ele, informouexasperadamente a Otaviano, “que você possui de fato todas essas

distinções de César: família, nome, título e riqueza”. Antônio não deviaexplicações. Ele merecia gratidão, não culpa. Incapaz de resistir, comoquase sempre, Antônio acrescentou um pequeno dardo venenoso àmensagem, repreendendo o rapazinho por seu desrespeito: “Você, umjovem,eeu,maisvelhoquevocê.”OtavianoestavaaindamaisequivocadoseacreditavaqueAntôniocobiçavapoderpolíticoouinvejavaaposiçãodorecém-chegado. “Descender de Hércules já está muito bom para mim”, 74

bufou Antônio, que, com ombros largos, pescoço taurino, incrivelmentebonito, com uma cabeça de fartos cabelos cacheados e traços aquilinos,tinhatodaaaparênciadoseupapel.Quantoadinheiro,nãohavianenhumemsuasmãos.ObrilhantepaideOtavianodeixaraotesourobemvazio.Por explosiva que fosse, essa entrevista veio como um alívio para o

Senado,paraoqualsóhaviaumperigomaiordoqueumadisputapúblicaentre os dois cesarianos. Antôniomanobrava poder político. Otaviano erarespeitadoesurpreendentementepopular.Manifestaçõesentusiasmadasosaudaram em todas as suas viagens. Bem melhor que os dois rivaisobstruírem um ao outro era a ideia de que juntassem forças. Antôniopercebeuissoemseujardimnaquelamanhãdeprimavera.Otavianotinhaterminado seus estudos havia pouco. Certamente, no curso deles,aprenderaqueopovoseconsideravaobrigadoaprolongaradiscórdia,aconstruirdemagogospeloprazerdederrubá-los,aencorajá-losadestruirumaooutro.75 Claro que tinha razão. E ninguémmelhor para fomentar adiscórdiadoqueCícero, comquemsempre sepodia contar, comodizumcontemporâneo, para difamar os proeminentes, chantagear os poderosos,caluniarosimportantes.76Agora,eleentravabravamenteemação.ParaCíceroeraumadisputaperniciosaentreafraquezaeavilania.Na

verdade,haviaumnúmeroenlouquecedordeopções.EntreosassassinosdeCésar,BrutoeCássiocontinuavamemdestaque. Jovemaudacioso,comum dote especial para reunir exércitos, o ilho de Pompeu estava naEspanhacomamaiorpartedamarinharomana.SextoPompeutinhaaseufavorafamaaindabrilhantedoprópriopai;eletambémestavadispostoavingar um pai e recuperar uma herança. (Em princípio, tinha ummaiordireitoàvingança.Quandoadolescente,haviatestemunhadoadecapitaçãodo pai na praia no Egito.) O cônsul Marco Emílio Lépido, que sucederaAntôniocomoosegundoemcomandoparaCésar,haviajantadocomCésarna véspera do assassinato etambém sonhava suceder César. Elecontrolavauma facçãodo exércitodeCésar.Outras legiões respondiamaoutros cônsules. Bruto havia inexplicavelmente reunido um exército emtemporecorde.fParecequesóOtavianonãotinhaumcomando.

Comoohomemmaisin luentedeRomadepoisdosIdos,CíceroseviunamesmaenrascadadeCleópatra.Dequelado icar?Elepercebiaque,nessaocasião,aquintaguerracivildesuavida,aneutralidadeeraimpossível.Aomesmotempo,conheciatodasaspartesenvolvidasenãoseencantavapornenhuma. Em 44, Otaviano lhe pareceu um mero escolar, um incômodomaisqueumapossibilidade.“Nãocon ionaidadedeleenãoseioqueelepretende”,77 Cícero pregou. Era di ícil imaginar Otaviano, um adolescentepálido, como comandante em chefe numa cidade que preferia ascompleiçõescoradas.Elenomeou-selíder,e,noentanto,eratãoingênuoaponto de acreditar que Roma conseguia manter um segredo! (Éinteressantenotarquepoucosconcederamem levarOtavianoa sérioaosdezoitoanos,quandoCleópatrajágovernavaoEgitocomessaidade.)Emmaio de 44, quando Cícero sentiu que Roma não era mais segura

para ele, optou por Dolabela, embora com reservas. Esse ousadocomandantehavia sido seugenrodurantequatroanos.Dolabelae a ilhade Cícero tinham se divorciado durante a gravidez dela; Dolabelademoraraparadevolverodote,comoeraobrigadoafazer.Antesardentecesariano, depois dos Idos, Dolabela virou contra seu antigo benfeitor.Chegou a ingir fazer parte da conspiração, que aprovou publicamente.Cíceroaplaudiuruidosamentedascoxias.Apartirde1odemaio,seuantigogenro era “meu maravilhoso Dolabela” 78. Atarracado, de cabeloscompridos, Dolabela teve uma performance de astro em um discurso.Cícero babou de admiração. Dolabela defendera os assassinos comtamanhaeloquênciaqueBrutopodiapraticamenteusarumacoroa!Cícerose perguntava se Dolabela já sabia de sua profundaconsideração. (Maisprovável era que Dolabela soubesse justamente do contrário.) Dolabeladestruiuumacolunaimprovisada,erguidaemmemóriadeCésar.Suprimiumanifestaçõespró-César.AestimadeCícerosóaumentava.“Nenhumafetofoimais ardente”, 79 derramou-se. A República repousava nos ombros deDolabela.Uma semana depois, rompia com o ex-genro. “Esse azedume de

homem!”, vociferou, declarando-se seu amargo inimigo. 80 O que haviaacontecido no intervalo? Apesar dametralha de cumprimentos, Dolabelanãopagarasuadívida.Houveummomentodemoratória;CíceronãopodiasenãocongratularrepetidamenteDolabelaporumabrilhantetiradacontraAntônio, caminhodireto para o coraçãode Cícero.Nesse âmbito também,as animosidades pessoais atropelavam as questões políticas. Sócioscon iantes de César, ambos, Dolabela e Marco Antônio há vários anosestavamemdesacordodepoisdeumacerta indiscriçãodapartedaentão

esposadeAntônio.(Pelamesmarazão,elaabruptamentesetornousuaex-esposa.)Àsvezes,pareciamesmoquesóhaviadezmulheresemRoma.E,navisãodeCícero,Antôniotinhaidoparaacamacomtodas.A política há muito foi de inida como “a organização sistemática de

ódios”81. Com todaa certeza,nadadescrevemelhoraRomadosanosqueseseguiramaosIdos,quandoainimizademaisqueosproblemaspolíticosseparava os assassinos de César, os herdeiros de César e os últimospompeanos, cada um dos quais parecia ter um exército, um projeto eambições próprias. Em meio à grande safra de vinganças pessoais,nenhuma foi mais selvagem que a de Cícero contra Marco Antônio. Aantipatia entre eles vinha de décadas. O pai de Antôniomorrera quandoele tinha dez anos, deixando tantas dívidas que Antônio desistiu de suaherança. O padrasto, um famoso orador, fora condenado à morte porordem de Cícero. De seu pai, Marco Antônio herdou um temperamentoalegre, caprichoso. Era dado a mau humor e a farras. 82 Sua mãe —segundotodasasfontes,umaforçadanatureza—parecetercultivadoemseu ilho inquieto um gosto pormulheres competentes, de personalidadeforte. Sem elas é de se supor que Antônio tivesse se autodestruído bemantes de março de 44. Já sua vida pessoal era algo catastró ica. Eleconcretizou a fama familiar de devedores ainda adolescente. Sua límpidareputaçãomilitarsóeraeclipsadapelafamadefarrista;eledeixoututoressemimortos em sua trilha de bebedeiras. Era dado à boa vida, a grandesfestas, a mulheres ruins. Era generoso até o exagero, e sempre maisquando a casa que estava distribuindo grosseiramente não era a dele. OquesediziadeumtribunoanterioreramaisverdadeirodeAntônio: “Eleera um perdulário de dinheiro e castidade — dele e dos outros.” 83 Obrilhanteo icialdacavalaria tinha todoocharmedeCésarenadadeseuautocontrole. Em 44 os conspiradores o consideravam inconsistentedemaisparaserperigoso.Depoisdos Idosdemarço,MarcoAntônio chegouàglória,ohomemdo

momento, pelo menos até a chegada de Otaviano. Cleópatra ainda nãoestava reinstalada em Alexandria quando se sentiram as primeirastensões. Eram totalmente públicas: “Por toda a cidade”, conta Apiano,“Otaviano subia em qualquer ponto elevado e acusava Antônio a plenospulmões.” Antônio podia tratá-lo com toda a indignidade que quisesse,podia condená-lo a uma vida de pobreza, trovejava Otaviano, mas podia,por favor, “parardesaquearsuapropriedadeatéoscidadãosreceberemseulegado”?84Elepodiadepois icarcomtodooresto.Antônio,esquentado,berravadevolta.Insultavaeobstruíasemprequepossível.OSenadonada

fez para desencorajar nenhum dos dois, preferindo, em vez disso, comoa irma Dio e como Antônio havia previsto, “pôr um contra o outro”. 85 Oshomens de Antônio insistiam numa reconciliação, cada vez mais crucialuma vez que os assassinos haviam consolidado suas forças. Antônio sedesculpou.Prometeu controlar seu temperamento, contantoqueOtavianoizesse a mesma coisa.86 Uma trégua incerta seguia-se a outra. Antônioquebrou a segunda com uma acusação sensacional: em outubro, acusouOtavianode subornar os guarda-costas deAntôniopara assassiná-lo. (Naverdade,Otavianohaviaapenastentadosuborná-losaabandonaroposto,umapráticaqueeletransformariaemhábitoregular.QuantoàsegurançadeMarcoAntônio,Otavianoseofereceupara icarpessoalmentedeguardaao ladode sua cama.)Amaioria achou a acusação ridícula.Algunsnão, oque deixou Otaviano furioso. Em uma ocasião, ele se viu reduzido aesmurrar a porta trancada da casa deMarco Antônio numa tentativa delimparseunome,xingandooscriadoseaportademadeiraloucamente.87

Cortejado assiduamente por Otaviano, que lhe escrevia todos os dias,Cícero deixou o tempo correr. Era uma questão delicada. Se Otavianoassumisseopoder,osassassinosestariamperdidos.Alémdisso,Otavianoera ao mesmo tempo alarmantemente impressionável e curiosamenteresistente aos conselhos dos mais velhos. Cícero tinha di iculdadesparticulares com os loridos elogios do jovem a César. “Por outro lado”,pensava Cícero, “se ele for vencido, vê-se que Antônio icará intolerável,então não é possível saber qual preferir.” 88 Antônio era dado ao saque,Otaviano cego por vingança. Cícero pigarreava, enrolava, ixando-seinalmenteemumacerteza,querepetiacomoummantra: “Ohomemqueesmagar Marco Antônio terá encerrado esta guerra horrenda eperigosa.”89 No outono de 44, defender a comunidade, ou o que restavadela, tornou-se para Cícero sinônimo de acabar com Antônio, que elefulminou durante os seis meses seguintes. Foi no curso dessas semanastormentosas que Cleópatra se viu envolvida com os reais inimigos deAntônio e Otaviano, colaborando como colaborou, primeiro poringenuidade,depoissemingenuidade,comDolabelaeCássio.Nos furiososataquesqueconhecemoscomoFilípicas,Cíceropartiupara

destruiro antigo tenentedeCésar.Antônio era, namelhordashipóteses,“um patife audacioso”, na pior um louco confuso, bêbado, imundo, sem-vergonha, depravado, licencioso, saqueador. “Na verdade”, a irma Cícero,“não se deve pensar nele como um ser humano, mas como a fera maisultrajante.”90 Sem dúvida, Antônio deu muito material para Cícero. Elehavia administrado mal os fundos. Permitira-se romances escandalosos.

Apoderara-sedepropriedades.Exibira-seemespetáculoumavez,aoquese diz atrelando leões a uma carruagem para um passeio por Roma.Excessos e festas eram seus sobrenomes. Suas proezas eram em grandeparte responsáveis por sua popularidade; ele era irresistível a seushomens.A farraeramesmogrande,aindaque“as fumaçasdodeboche” 91

não se ligassem a Antônio com a tenacidade com que Cícero insistia.Mesmo assim, ele gostava bastante de narrar e ampliar as histórias dasindignidadesdeAntônio.Amanhã emque ele abriu a bocapara falarnoSenadoeemvezde falarvomitouos restosapodrecidosdeumbanquetede casamento em seu colo não era coisa de que Cícero fosse esquecer.Antôniopassouaserentão“obrutoquearrotaevomita”,que“expeleemvezdefalar”.ElenãotinhaoutraambiçãoalémdeproverRomadeatores,jogadores, cáftens. A esse respeito, Cícero era incansável. Como admitiramuitotempoantes:“Éfácilatacaradevassidão;queseapaguealuzdodiasobremim se eume puser a expor tudo o que se pode dizer sobre esseassunto: sedução, adultério, libertinagem, extravagância, a lista éilimitada.92”gComoilimitadoeraelequandooassuntoeraMarcoAntônio.Com a continuação das ofensas, dois novos temas surgiram. Otaviano

inevitavelmentepassoude“omenino”a“meujovemamigo”e“essejovemextraordinário”ou “esse jovemenviadopelo céu”noqual repousavamasesperanças de Roma. Enquanto Cícero vociferava, Antônio ganhou umparceiro no crime. Juntando todas as migalhas de provas, boatos einsinuações, Cícero passou a incluir em suas furiosas denúncias Fúlvia,esposa de Antônio há três anos. Fúlvia havia participado igualmente dadistribuição de favores, leiloando províncias, apropriando-se de fundosestatais, a irmavaCícero.Eleaacusavaporganância, ambição, crueldade,engodos.AcusavaAntôniodopiorcrimequepodiaserimputadoaoantigolugar-tenentedeCésar:MarcoAntônio,berravaele,“prefeririaresponderàmais audaciosa dasmulheres do que ao Senado e ao povo romanos” 93.Com sua ofensiva de falta de decência, Cícero atribuiu uma inestimávelherança a Otaviano, que se valia decada linha, sem uma única vez darcréditoaomelhorghost-writerdahistória.

Emnovembrode43,OtavianoeAntônionãotinhamchancessenãojuntarforças.FoinesseinvernoqueBrutoeCássioseuniramnoEgeuoriental,depoisqueCássiodesistiudesuaexpediçãocontraCleópatra. Os assassinos estavam bem-armados e bem- inanciados; curvando-se à necessidade,Antônio e Otaviano engoliram o desprezo mútuo e se submeteram a uma aliança formal. NelaincluíramLépido,quecomandavaumexércitoparticularmentevigoroso.No inaldomês,ostrêsseencontraramnumapequena ilha no centro do quehoje éBolonha, “para trocar a inimizadepela

amizade”94.Apalparamumaooutroembuscadepunhaisocultosesentaram-separaconversar,aplenavistadeseusexércitos.Lá icaramdoisdiasemdiscussõesdoamanhecerànoite,oquenãoerade surpreender, dados os projetos con litantes. Comodisse o historiador romanoFloro,muitotempo depois: “Lépido era motivado por um desejo de riqueza que podia esperar obter porconfusão do Estado; Antônio desejava vingança daqueles que o tinham declarado inimigo; César[Otaviano] era impulsionadopela ideiadequeamortede seupai aindanãohavia sidopunidaequeasobrevivênciadeCássioeBrutoerauminsultoaoseuespírito.”95Ao imdedoisdias,ostrêsde alguma forma chegaram a um acordo, nomeando a si mesmos ditadores por cinco anos edividindooimpérioentreeles.Cadaumjurou idelidadeaostermosdoacordoederam-seasmãos.Em terra irme, seus exércitos exultantes se saudaram.O acordo, que seria conhecidomais tardecomooSegundoTriunvirato,entrariaemefeitoapartirdejaneirode42.Cleópatrasópodetersesentidoaliviada.Juntos,OtavianoeAntôniotinhamumachance.Elanãoestavaemposiçãodedeteras forças conjuntas de Bruto e Cássio, que não demonstrariam nenhuma misericórdia por umaaliadadeCésar,muitomenosumaaliadaquegovernavacomofilhodele.Osnovostriúnvirosatacaramtambémaurgentequestãodas inanças.O

dinheiro estava todo na Ásia, onde corria livremente para os cofres dosassassinos. Em Roma, o tesourocontinuava vazio. Esse estado de coisaslevouinevitavelmenteàespinhosaquestãodeinimizadespessoais.Ostrêshomensseretiraramparaelaboraruma listaemparticular.Ocorreuumabarganhadealtonívelemqueelesofereceram“seusmaisleaisamigosemtroca de seus mais amargos inimigos”. 96 Dessa forma, Antônio sacri icouumtiomuitoamadoporCícero.Lépidoentregouumirmão.Aschancesdesobrevivência eram especialmente reduzidas se a pessoa tinha fundos àdisposição. “Mais nomes eram constantemente acrescentados à lista,alguns por inimizade, outros apenas porque tinham sido incômodos, oueram amigos de inimigos, ou inimigos de amigos, ou excepcionalmentericos”,97 nos conta Apiano. Separados, os triúnviros apressaram-se comseushomensparaRoma, ondepresidiramuma sessãodederramamentodesangue.“Acidadeinteira”,observaDio,“encheu-sedecorpos”, 98muitasvezes deixados na rua para serem devorados por cães e pássaros, oujogados no rio. Alguns dos proscritos, em busca de segurança, descerampara o fundo de poços ou de esgotos imundos. Outros se refugiaram emchaminés.h

Depois de abandonar vários planos de fuga, Cícero estava em suamansão de campo, ao sul de Roma, em 7 de dezembro de 43. Tinha sedeitadoparadescansar,quandoumcorvoentroupela janelaecomeçouabicarascobertas.Seuscriadosleramnissoumindíciodeperigoiminente;imploraramaCíceroquepermitissequeo levassematéomar.Eleestariabem-escondidonadensa lorestaaolongodotrajeto.Relutante,elesubiuàliteira, um exemplar de Eurípides na mão. Minutos depois um centuriãoarrombou a porta de sua mansão. Obtendo a informação que desejava,correuà frentepara interceptara liteirano caminho.Cíceroordenouaos

criados apavorados que o deixassem emmeio às árvores; queria olhar oassassino nos olhos. O grande homem estava despenteado e cansado, “orostodevastadodeansiedade”. 99Abriucompletamenteacortina,esticouopescoçoparaforaparaquepudesseserdevidamentecortado.Descon iouque estava nasmãos de um amador, como de fato estava. Serrada semhabilidade,acabeçadeCícerofoiseparadadocorpo.PorordempréviadeAntônio,asmãosquetinhamescritoasFilípicastambémforamarrancadas,paraserenviadasdolitoralparaexposiçãonoSenado.Conta-sequeFúlvia,inimiga de Cícero de longa data por razões pessoais, primeiro cuspiu nacabeça,depoisabriuabocaàforçaeperfurousualínguacomumgrampode cabelo. No inal, dois mil romanos importantes estavam mortos,inclusive um terço do Senado. Os triúnviros se viram sem oposição emRoma, no comando de 43 legiões e sem dinheiro, uma vez que asproscriçõesacabaramsendomenosproveitosasdoqueesperavam.Dez meses depois, os exércitos de Cássio e Bruto encontraram os de

Antônio e Otaviano perto de Filipos, numa ampla planície no leste daMacedônia. Seguiram-se duas batalhas, de escala sem precedentes econsequências horrendas. Um lado oferecia levar Roma em direção àautocracia. O outro lutava ainda por uma república. Tudo se complicavapelo fato de que as forças erambemexperimentadas e com treinamentosimilar; era di ícil para qualquer dos lados obter supremacia sobre uminimigo que falava a mesma língua, possuía as mesmas táticas e sesubmetera a treinamento idêntico. Os dois exércitos de mais de 100 milhomens enfrentaram-se em feroz combate cara a cara, em meio asufocantesnuvensdepoeira, comespadasdesembainhadasemãosnuas,por cima do choque de escudos, dos gritos de exaustão e de gemidosterríveis e acabounumahorrendamatançade ambosos lados. Sódepoisde um segundo enfrentamento foi que Otaviano e Antônio, com seushomens à beira da inanição, conseguiram vencer os republicanos. Cássiocometeu suicídio, acabando com a vida com a mesma adaga que haviacravado em César. Bruto atirou-se sobre a própria espada. Os vitoriososabordaram os corpos demodos diferentes. Antônio retirou o caromantopúrpura e estendeu cuidadosamente sobre o corpo, para que fosseenterrado junto com seu brilhante colega de outros tempos. Logo depois,Otavianochegouàcena.MandouqueacabeçadeBrutofosseseparadadocorpoeexpostaemRoma.100i

Filiposaindaeraumabatalhadeideias;podia-sedizerquealiberdadeea democracia haviam tombado em seu rastro, que amorte de César foravingada. Antônio raspou a barba que havia deixado em sinal de luto.

Nenhuma questão separava Marco Antônio e Otaviano, que teriam deinventaruma; eramdoishomens embuscadeumcon lito.Dooutro ladodo Mediterrâneo, Cleópatra, administrando sua própria crise doméstica,teria todoodireitode seperguntarporqueos romanosnão adotavamomodelo monárquico mais organizado, dado o derramamento de sangueque suas ambições individuais lhes havia custado em anos anteriores.ComoobservouDiomaistarde,ademocraciasoavamuitobem,“masseusresultadosnão concordavamabsolutamente comseunome.Amonarquia,ao contrário, tem um som desagradável,mas é a forma de governomaisprática para se viver. Porque é mais fácil encontrar um único homemexcelentedoquemuitos.”101

Mais uma vez, em 42, Antônio e Otaviano dividiram o mundomediterrâneo entre eles, dessa vez deixando Lépido de lado. Tendo emmãos acordos assinados, eles tomaram rumos diversos. Antônio emergiupara sua glória, sem dúvida o membro principal da parceria. A vitóriamilitar tinha sido dele; levou de Filipos a fama de invencibilidade,102 queinspirariaterrordurantemuitosanos.Seguiuparao leste,pararestaurara ordem e obter fundos. Otaviano passou a maior parte do mês doente,conduzido pelo cenário da batalha em uma liteira. Ele seguiu para oeste,para recuperar sua fortuna. Ia desmobilizar o exército e distribuir terrasaosveteranos,pagosapenasno inaldacampanha.Omundoagoraestavanasmãosdedoishomensquese relacionavamcomohomensque tinhaminteresses diametralmente opostos e disposições radicalmente diferentes,um deles impiedoso, calculista, paciente, o outro sentimental, simples,impulsivo, o que quer dizer que a guerra civil iria arder por todo orestante da vida de Cleópatra. Se assim não fosse, provavelmente nuncateríamosouvidofalardaúltimarainhadoEgito,queassumiuumpapel,empartegraçasaCícero,quepareciatersidoescritoespecialmenteparaela.

Notas

a Cíceronão sedesculpava, aindamaisqueemmeioàdor estavaardentementeprodutivo.Eledesa iava aquelas “almas alegres” que censuravam seu lamento a ler pelomenosmetadedaspáginasqueele,emsuadesgraça,haviaescrito.

b São muitos os precedentes para esse tipo de inexatidão (por exemplo, Arriano, 6.28.3).Alexandre,oGrande,realizouumfestivalparacelebrarsuaconquistadaÍndiaquesemdúvidasurpreendeu seus homens imundos, meio mortos de fome, que tinham mal sobrevivido àmissão,semteremconseguidovitóriaalguma.

c Issoaconteciapornecessidadenasmelhoresfamílias,Plutarconosgarante,sendoamonarquia“umacoisatãoabsolutamenteantissocial”.(Plutarco,“Demetrius”,III.3.)Asregrasparaselivrar

deparceirosreaiseram,diziaele,tãoinflexíveisquantoasdageometria.d Florence Nightingale foi uma das pessoas que se deslumbraram com os paralelos entre as

históriasdeOsírisedeCristo.NoAltoEgito,elapassoutodaumamanhãdedomingofascinadanum templo de Ísis, ricamente decorado pelo pai de Cleópatra. Poucos lugares lhe pareceramtãosagrados:“NãopossodescreverasensaçãoemPhilae”,elaescreveuàfamília,em1850.“OsmitosdeOsírissãotãotípicosdonossoSalvadorquemepareceuqueeuestavapresentenumlugar onde Ele vivera— como ir a Jerusalém; e quando vi uma sombra ao luar no salão dotemplo,pensei, ‘talvezeuoveja:agoraqueeleestáaqui’.” (Calabria,MichaelD. [ed.].FlorenceNightingaleinEgyptandGreece.Albânia,SunyPress,1997,p.31.)

e Ela seria acusada de negar distribuição aos judeus da cidade, o que é improvável.Costumeiramenteosjudeuseramleaispartidáriosdasmulheresptolomaicas.Eramguardasdorio, policiais, comandantesdoexército e funcionáriosde altonível.Tinham lutadoporAuletes;contavam entre os apoiadores de Cleópatra no deserto em 48. E haviam lutado por ela naGuerraAlexandrina,aofinaldaqualCésarlhesoutorgaracidadania.

f Para complicar mais as coisas, havia tanto assassinos como pretensos assassinos que, comopartidários do equivalente na época à Resistência Francesa, se alistaram depois do fatoacontecido. Tambémpara complicar, Lépido e Cássio eram cunhados.Alémdisso, ambos eramparentesdeBrutopormatrimônio.

g Um homem verdadeiramente eloquente é aquele capaz de discutir ambos os lados de umaquestão com igual inura. “E assim, se por acaso encontra-se alguémque despreza a visão decoisas belas”, Cícero observou no mesmo discurso, “a quem nem perfume, nem toque, nemsaborseduzem,cujosouvidossãosurdosa todosossonsdoces—talhomem,eu, talvez,eunspoucos tomaremos por favorito dos céus, mas a maioria por objeto de sua ira.” (Cícero, “ProCaelio”,xvii.42.)Narealidade,CíceroviviaemumadasmansõesmaisgrandiosasdobairromaisluxuosodeRoma,pelaqualhaviapagadoumasomaastronômica.E,embora icassecontentedeuma de suas mansões ter “um ar de elevado pensamento que censura a extravagância deoutrascasasdecampo”(CíceroaQuinto,21.5[III.1],setembrode54a.C.),eraforçadoaadmitirqueampliá-laseriamuitíssimoagradável.

h Uma esposa encontrou uma solução particularmente engenhosa:mandou seumarido para olitoralnumsacodeestopaoudecouro,dotipoqueCleópatrahaviausadoparaseesconder.

iAcabeçafoiperdidanocaminho.

—VI—

ÉPRECISOTROCARSEMPREASVELASQUANDOSEQUERCHEGARAOPORTO1

“Noentanto,quediferençafazseasmulheresgovernamouseosgovernantessãogovernadospormulheres?Oresultadoéo

mesmo.”

ARISTÓTELES2

Mesmo depois davisita deDélio,mesmodepois das instruções especí icas, Cleópatra esquivou-se.Tinha muitas razões para isso. A situação era in lamável, os riscos imensos. Tendo conseguidotrafegar habilmente durante anos de lutas internas e punhaladas pelas costas dos perigososromanos, ela não tinha a menor intenção de dar um passo em falso. Délio não pressionara pornenhuma explicação, mas ela devia explicações mesmo assim. Mantivera-se acima das refregasquando os cesarianos precisaram dela. Não havia dado nenhuma declaração de neutralidade.Intencionalmenteounão,apoiaraoassassinodeseuamante.Nãotinhaescolhasenãofornecerumaexplicação. Como rainha patrocinada, como amiga e aliada de Roma, também não tinha escolhasenãocultivareamolecerMarcoAntônio.Mesmoquepreferissemanterdistânciadele—umavezquefaziaumaideiabemclaradoqueelequeria—,AntôniocontrolavaoOriente.OEgitoestavaemsuajurisdição.Era,alémdisso,omuitolouvadoheróideFilipos,ondepareciainexplicavelmenteterestadoemtodaparteeconseguidotudoaomesmotempo.2QuandoeleesuaslegiõesatravessaramaÁsia,Antônio foisaudadopormultidõesdeadoradoresemAtenas,comoumdeusemÉfeso.Aos42anos,cabeloencaracoladoequeixoquadrado,eleaindaeraoprotótipodasaúderústicacomosombros largos eos traços cinzelados. Instalou-se emTarso, a lorescente capital administrativadeCilícia, perto da costa sudeste damoderna Turquia. Foi a essa planície luxuriante, cercada pelasaltasmontanhas do sul daÁsia, que ele convocouCleópatra.Os convites chegaramumdepois dooutro.Eladeixouqueseacumulassem.Ela protelou pelo efeito que conseguiria ou estava ocupada com

elaborados preparativos? Não podia ser acusada de hesitar, embora emdiversosmomentostivesseesperadopropositadamentequeoarclareasse.Édesepresumirqueessefosseummomentoassim.Plutarcogarantequeela não tinha medo, embora o medo nesse momento fosse justi icado;outroshaviamsidopunidospornãocooperar.Eleatribuiademoradelaaestratégia.CleópatraacreditaranosrelatostranquilizadoresdeDélio,masacreditava mais em seus próprios poderes. Eles agora haviamdesabrochado. César “a conhecera quando ainda era uma menina einexperiente em casos amorosos”, assevera Plutarco, “mas ia visitarAntônionomomentoemqueasmulherespossuemabelezamaisbrilhantee estão no pico do poder intelectual”. 4 (Como observou um astuto

comentador, isso “colocaopicodabeleza animadoramente tarde eopicoda força intelectual deprimentemente cedo”. 5 Cleópatra ainda não tinhatrintaanos.)Com“grandecon iançaemsimesma,enosencantosefeitiçode sua própria pessoa”, ela partiu, não porque já estivesse atrasada, ounãopudessemaishesitar,masimpulsionadaessencialmentepelodesdém.Recebera muitas cartas de Antônio e de seus associados, mas “não deuatençãoaessasordens”.Acaboupartindodenavio,concluiPlutarco,“comoseparacaçoar”6doromano.Eraofimdoverão.Por mais segura que estivesse, por mais desdenhosa que pudesse

parecer, Cleópatra não deixou nada ao acaso em seus preparativos. Eracomo se soubesse que ela agora estava jogando não apenas paraMarcoAntônio,masmuitoalémdeletambém.Comcerteza,tinhaouvidofalardascenas elaboradas com que haviam saudado Antônio em outras partes.Incenso e divertimentos o acompanhavam pelo continente. Em Éfeso, asmulheres da cidade foram ao encontro dele vestidas de bacantes, oshomens de faunos e sátiros. Cantando loas dionisíacas, conduziram-no àcidade, cheia de guirlandas de folhas de parreira, ressoando com aslautas, gaitas, harpas e gritos de aclamação. Os convites choviam; toda aÁsiaprestava tributoedisputavaseus favores.AtravésdeDélioeoutros,Cleópatra devia saber que estava entrando em uma espécie de corridapela atenção de Antônio. Ela parecia decidida a produzir um efeito tãoassombroso que empurrou Plutarco a altitudes shakespearianas, assimcomoarrancariadeShakespearesuapoesiamaisrica.Eelaconseguiu.Nosanaisdasentradas inesquecíveis—o cavalodemadeiraemTroia;Cristoem Jerusalém; Benjamin Franklin na Filadél ia; Henrique IV, CharlesLindbergh, Charles de Gaulle, em Paris; Howard Carter no túmulo do reiTut; osBeatlesnopalcodeEdSullivan—, só adeCleópatra faz subirdapáginaum colorido iridescente, entrenuvens inesgotáveis e dispendiosasde incenso, um ataque sensacional e simultâneo a todos os sentidos. Eladeveter feitoaviagemdemaisdemilquilômetrospeloMediterrâneoemuma galera, parando para dormir ao longo da costa do Levante, comoizera antes.7 Na foz do rio Cidno, havia uma lagoa, na qual Cleópatraprovavelmente transferiu sua entourage para uma barcaça local,recon igurada e lindamente decorada para a viagem rio acima, deprovavelmente pouco mais de quinze quilômetros na época. Uma galerainteiramenteequipadaviajariacom170remadores;paraseuspropósitos,ela pode ter eliminado até um terço deles. Uma escolta de navios desuprimentos seguia atrás. Ela viajava comum cenário complicado.Muitasvezes, com Cleópatra, existe uma ligeira convergência entre a vida e a

lenda. Tarso é um dos raros pontos em que as duas coincideminteiramente.ApresençadarainhadoEgitoerasempreumacontecimento;Cleópatra

cuidou para que essa vez fosse especial. Num mundo semiletrado, aimagética era importante. Ela deslizou rio acima na água brilhante ecristalina, cruzando a planície, numa explosão ofuscante de cores, sons earomas.Nãoprecisavadeartesmágicasnemdefeitiçariacomsuabarcaçadepopadouradaevelaspúrpurasenfunadas;nãoeradesse jeitoqueosromanosviajavam.Aoentraresairdaágua,osremosdepratabrilhavamao sol. Sua batida líquida marcava o ritmo para a orquestra de lautas,gaitaselirasreunidanoconvés.SeCleópatraaindanãohaviaconsolidadoseu gênio para a direção de cena, ela o fez nessemomento: “Ela própriareclinadadebaixodeumpáliopintalgadodeouro,vestidacomoaVênusdeuma pintura, enquanto lindos meninos, como Cupidos pintados, arodeavam e abanavam. Suas criadas mais lindas estavam igualmentevestidas como ninfas e graças, algumas ao leme, outras trabalhando nascordas. Aromas deslumbrantes emanavam de incensórios incontáveis eespalhavam-sepelasmargensdorio.”Elasuperouatémesmoainspiraçãohomérica.Anotícia correudepressa,maisdepressadoquea fragrantee luxuosa

visão, e a ideia era exatamente essa. Desde o começo da viagem, umamultidão formara-se ao longo das margens do rio turquesa paraacompanhar o trajeto de Cleópatra. Quando ela deslizou em Tarsopropriamente dita, a população da cidade saiu para esperar a visãonotável.No im,Tarso icouinteiramentevazia,deformaqueAntônio,queestava fazendo negócios no calor sufocante do mercado, se viu sentadoabsolutamente sozinho em sua tribuna. A ele, Cleópatra mandou dizer,num lance tãomaravilhosodehabilidadediplomática comode encenaçãocósmica, queVênus tinha chegado “para celebrar comBaco pelo bemdaÁsia”.8

Eraumaabordagembemdiferentedaqueladamoçanosacodeestopa,emboratenhaobtidoresultadoscomparáveis.NãohámelhorprovadequeCleópatra possuía o dom das línguas e deslizava com facilidade por elas.Como observa Plutarco, ela era especialmente luente em lisonja.Manipulava seus dialetos com perícia: “Demonstrando ter as mesmasbuscas, os mesmos gostos, os mesmos interesses e maneiras de viver, olisonjeadoraproxima-segradualmentedesuavítima,etocaneledeformaa assumir seu colorido, até ele lhe dar alguma base e se tornar dócil eacostumado ao seu toque.”9 Cleópatra não poderia ter calibrado melhor

suaabordagemmesmoseconhecesse intimamentesuaplateia.Épossívelque ela e Antônio tivessem se encontrado anos antes, quando ele fora aAlexandria namissão que devolveu o poder ao pai dela. (Ela teria trezeanosnaépoca.)Durantea estadadeCésarnoEgito,MarcoAntônio tinhamandado um agente a Alexandria, para tratar de negócios pessoais. EleestavacomprandoumafazendadeCésar,transaçãoquepodiasertambémdo conhecimento de Cleópatra. Muito provavelmente ela e Antônio secruzaram em Roma, onde tinhammuitos interesses em comum. Areputaçãodele,dequalquerforma,eraconhecidaporela.Elasabiadesuajuventudedesregradaesuavidaadultaperiodicamenteconfusa.Sabiaqueele era chegado ao teatro, senão ao melodrama. Sabia que erapoliticamente astuto só um dia sim, um dia não, em iguais medidasengenhosoetolo,audaciosoeindiferente.Comcertezaoespetáculodesuachegada con irma que ela conhecia os gostos dele. Ela estava entre aspoucas no mundo que podia se permitir tal coisa. Apesar de todos osacontecimentos dos anos anteriores, ela continuava sendo a pessoamaisricadoMediterrâneo.AntôniorespondeuàsaudaçãodeCleópatracomumconviteparajantar.

O que aconteceu em seguida é revelador de ambos e do tipo decomportamentoqueCícerodeploravanosdois.Antôniofoiumpoucoafáveldemais, Cleópatra decididamente arrogante. Era sinal de status dar oprimeiro jantar; ela insistiu que ele viesse a ela, com os amigos quequisesse.Eraaprerrogativadeseuposto.Desdeocomeço,elapareceterestadodecididaadeixarsuaposiçãoclara.Elanãorespondiaaconvites:osenviava.“Imediatamente,então,querendodemonstrarsuacomplacênciaesentimentos amigáveis, Antônio obedeceu e foi”, 10 Plutarco consegue nosdizer,antesdesevereleprópriotãodeslumbradocomacenadiantedesia ponto de icar, mesmo em grego, sem palavras. Os preparativos deCleópatra icam além de qualquer descrição. Antônio icou especialmenteanimado com as complexas constelações de luzes que ela mandoupendurar nos galhos das árvores. Elas emitiam uma rede cintilante deretângulos e círculos na abafada noite de verão, criando “um espetáculoraramenteigualadoemsuabeleza”. 11EraumcenáriotãoassombrosoqueShakespeare se submete a Plutarco que havia já escolhido todos osadjetivosparaele.Semdúvidaháalgocuriosonoarquandoomaiorpoetaelisabetanocopiaumbiógrafoempertigado.Nessanoiteounumanoitesubsequente,Cleópatrapreparoudozesalas

debanquete.Estendeu36divãscomricascoberturas.Atrásdelespendiamtapeçariasdepúrpura,bordadascom iosbrilhantes.Elacuidouparaque

a mesa fosse servida com recipientes de ouro, ricamente ornados compedras preciosas. Dadas as circunstâncias, parece provável que elatambémhonrasseaocasiãoenvolvendo-seem joias.Tirandoaspérolas,ogosto egípcio tendia para pedras semipreciosas — ágata, lápis-lazúli,ametista, cornalina, granada, malaquita, topázio — incrustadas empingentes de ouro, braceletes sinuosos de desenhos complexos, brincoscompridos.12Aochegar,Antônio icoudeslumbradocomtamanhaexibição.Cleópatra sorriu modestamente. Tinha organizado tudo com pressa. Dapróxima vez seria melhor. Ela então admitiu “que todos aqueles objetoseramumpresenteparaelee convidou-oparavir jantar comeladenovono dia seguinte, com todos os seus amigos e comandantes”. 13 Ao im darefeição,elasedespediudosconvidadoscomtudooquehaviamadmirado:ostecidos,osobjetosdemesacravejadosdejoiaseatéosdivãs.Com muita calma, foi aumentando os recursos, a ponto de fazer o

primeiro banquete parecer espartano. Antônio voltou pela quarta noitepisandoumtapetederosasquealcançavaosjoelhos.Sóacontado loristafoi um talento, ouo equivalente aoque seismédicos ganhavamnumano.NosufocantecalordaCilícia,operfumedeviaserembriagador.Ao imdanoite, só restaramas rosas pisadas.Uma vezmais Cleópatra dividiu tudocomseus convidados; ao inalda semana,oshomensdeAntônio levavampara casa divãs, bufês e tapeçarias, além de um presente especialmentevalorizado na noite marcante de verão: “liteiras e carregadores para oshomens de alta patente e cavalos com arreios de prata para a maioriadeles”.14 Para facilitar a volta, Cleópatra despedia cada homem com umportador de tocha etíope. Assim como o esplendor de seu acampamento“desa iavaqualquerdescrição”, 15osantigosnãoeconomizavamelogiosemseus relatos, poucos dos quais devem ter feito realmente justiça àsmaravilhas que lá havia. Nisso Cleópatra não estava absolutamentesozinha. “Reis iammuitasvezesàsportas [deAntônio], eesposasde reis,competindoumascomasoutrasnospresentesenabeleza,entregavamahonra ao prazer dele.” 16 Cleópatra só o fez commais luxo e criatividade.Paraessaviagem,Cesário,aosseisanosdeidade,ficouemcasa.Plutarcoprestou tributoao “encanto irresistível”eà “persuasãodeseu

discurso”,17 mas só Apiano tentou recriar a conversa das primeirasreuniões em Tarso. Como Cleópatra justi icou seu comportamento? Elanada fez para vingar a mortede César. Tinha ajudado Dolabela, umassassinopresumível epor causadequemAntônio sedivorciaradeumaesposa. Sua ausência de cooperação havia sido surpreendente. Ela nãoemitiu nenhuma nota de humildade e nem apresentou desculpas,

oferecendoapenasumaaudaciosanarrativadofato.Orgulhosa,enumeroutudooquetinhafeitoporAntônioeOtaviano.18Defato,ajudaraDolabela.Eo teria feitocommaisgenerosidadeseo tempo tivessepermitido; tentaraentregar pessoalmente uma frota e suprimentos. Apesar das insistentesameaças, ela resistira às exigências de Cássio. Não tremera diante daemboscada que sabia estar à sua espera, mas enfrentara a tempestadeque desbaratara sua frota. Só amá saúde a impedira de partir de novo.Quando se recuperou, Marco Antônio era o herói de Filipos. Ela eraimperturbável,brilhantee—comoAntôniodeviaterconcluídoarespeitodamascaradacomoVênus—,inteiramenteinocente.Emalgummomento,osdois tocaramnaquestãododinheiro,oque,em

grande parte, explicava o exibicionismo suntuoso de Cleópatra. Era umamaneira de provar sua utilidade a um homem em busca de fundos. Oscofres romanos continuavam vazios. Os triúnviros tinham prometidoquinhentas dracmas a cada soldado, ou um doze avos de talento; tinhambemmaisdetrintalegiõesaseuserviço.EramaisoumenosobrigatórioaosucessordeCésar, senãoaovencedordeFilipos,planejarumacampanhaemPártiaeAntônioofeztambém.Ospartoshaviamtomadoopartidodosassassinos. Estavam sedentos de terras e inquietos. Antônio tinha devingarahumilhantederrota romanade53;oúltimogeneral romanoqueseaventuraraalémdorioTigre,nãovoltara.Suacabeçacortadaapareceracomo objeto de cena em uma produção parta de Eurípides; suas onzelegiões haviam sidomassacradas. Uma brilhante vitóriamilitar garantiriade initivamente a Antônio a supremacia em casa. E sempre que umromano sonhava com o império parta, seus pensamentos voltavam-se,inevitávelenecessariamente,paraCleópatra,aúnicamonarcaquepoderiacustearumaoperaçãotãomaciça.MarcoAntônioacabouretribuindoeconvidouCleópatraparaumafesta

dele. Não é de surpreender que ele “ambicionava suplantá-la emesplendoreelegância”.Tambémnãosurpreendequetenhasidoderrotadoem ambos os quesitos. Mais tarde se diria que Cleópatra turvou oraciocínio de Antônio e em um primeiro aspecto isso pode ter sidoverdade; amaioria dos romanos saberia que não adiantava tentar baterum Ptolomeu no jogo do luxo. Uma vez mais, Cleópatra mostrou-semaravilhosamente lexível,maisdispostaqueAntônioajogarpelasregrasdeoutrem.QuandoAntôniocaçooudesimesmoporseuresultadoinferior,aodepreciara“pobrezaerusticidade”19desuafesta,Cleópatrajuntou-seaele. Foi inteiramente irreverente na opinião dele, uma companheira sobmedidaparaumhomemquefaziadetudoporumaboapiadaequeriade

si mesmo com o mesmo prazer com que ria dos outros. Cleópatraacompanhou o humor de Antônio com vigor rasteiro: “Percebendo que ohumor dele era franco e grosseiro, com mais sabor de soldado que decortesão, ela adotou a mesma linha e se adaptou imediatamente, semnenhumtipoderelutânciaoureserva.” 20Depoisdemarcarsuaposiçãodesoberana, depois de ostentar sua riqueza, ela assumiu o papel decompanheira de farra. É pouco provável que qualquer pessoa de suaentouragetivessevistoaquelaCleópatraantes.

Acapacidadedeseadaptar,instantaneamenteedeacordocomasituação,dedeslizarsemesforçode uma língua para outra, seu charme irresistível já eram bem conhecidos. Cleópatra teve sortetambémnas circunstâncias. Tivessem ou nãomais que um conhecimento passageiro, Cleópatra eMarcoAntôniopossuíamumaporçãodecoisasemcomum.Ninguémtinhamaisrazãoqueelesparaestarem insatisfeitos com o testamento de César ou para se ressentirem do surgimento de seuherdeiroadotado.Ambosseagarravamcomforçaaumfarrapodomantocesariano.AntôniohaviajuradopeladivindadedeCesárionoSenadoecomeçaraacobiçaressetítuloelemesmo.Cleópatranão era a única a se envolver num espetáculo de fantasia cósmica. Ao contrário da maioria dosromanos,Antôniotinhaexperiênciadevidainteiracommulherescapazesearticuladas.Suaprópriamãeodesafiaraamatá-laquandoosdoisseviramemladosopostosnumaquestãopolítica.Antônionão tinha qualquer problema para se relacionar com uma mulher numa conferência de cúpulapolítica ou inanceira, como era evidentemente o encontro em Tarso, apesar dos esforços deCleópatra para transformar a reunião num espetáculocult. Fúlvia era rica e bem-relacionada, tãoastuta e corajosa comobonita. Por elaAntôniodispensara sua amantede longadata, a atrizmaisfamosa de Roma. Fúlvia também não era de icar em casa, iando lã. Ao contrário, “ela queriagovernarumgovernanteecomandarumcomandante”. 21Duranteo inverno,elanãosódefendeuos interesses de Antônio em Roma, como se envolveu ferozmente nos negócios públicos “de talforma que nem o Senado, nem o povo realizavam qualquer transação que não fosse do gostodela”.22Elaforadecasadesenadoremcasadesenador,batendonasportasporseumarido.Tinhaquitado suas dívidas. Viria a levantar oito legiões para ele. Na ausência dele, no ano anterior, elaassumira seu lugar política e militarmente, em uma ocasião envergando evidentemente umaarmadura.AspretensõesdivinasdeCleópatratambémnãofaziamAntôniobateros

dentes.AcaminhodeTarso,elehaviasidosaudado—comoCleópatrabemsabia—comoonovoDionísio.Essedeus tambémtinha feitoumaviagemtriunfal pela Ásia. Nesse ponto, Antônio não só atendia à deixa deCleópatra, mas recapitulava um papel ptolomaico: a família dela alegavadescenderdodeusdo vinhoque induzia ao êxtase. Eramdevotos de seucultomístico.OpaideCleópatraacrescentou“NovoDionísio”aseutítulo.Oirmãodela o izeraporumbrevemomento também.O teatrodeDionísioeravizinhoaopalácioemAlexandria;César instalaraneleo seupostodecomando em 48. Marco Antônio pode, mesmo assim, ter pensado muitonessa identi icação. Embora seu culto fosse muito popular, embora elefosseodeusgregomaisnotáveldaépoca,Dionísioeraumrecém-chegado

ao panteão olímpico, onde permanecera isolado. Ele era simpático,travesso, dinâmico, mas — com o luxuriante cabelo encaracolado eperfumado — trazia languidamente uma reputação de efeminado. Eranitidamente estrangeiro.Eomaisdocedosdeuses.Umdos ancestraisdeCleópatra invocara sua linhagem dionisíaca para se ausentar de umabatalha. O pior de tudo é que Dionísio roubava a clareza dos homens edava poder às mulheres. Se depois de Filipos o Oriente tivesse seguidoOtaviano e não Antônio, Cleópatra sem dúvida teria se adaptado, masestariaemgravedesvantagem.Ela falavamuitas línguas,algumasmelhorqueoutras.Cleópatranãopodiadesejarmelhorcenário.Tarsoeracercadadetodos

os lados por montanhas íngremes, cobertas de lorestas e de loressilvestres luxuriantes.Centroadministrativo,alémde localdeestudo,era,comodiriaPaulodeTarso,oapóstolo,umageraçãomaistarde,“cidadenãopouco importante”. 23 Tarso era famosa por suas escolas de iloso ia eoratória. Contava com belas fontes e banhos, com uma esplêndidabiblioteca. Atravessando a cidade corria um rio frio e rápido, azulesverdeado, cristalino, enquantooNilo era turvo.Ao chegar aTarso, trêsséculos antes,Alexandre, oGrande, jogara ao chão as armas e se atirara,cobertodepoeiraesuor,emsuaáguagelada.(Foilevado,semiconsciente,devoltaparasuatenda.Arecuperaçãolevoutrêsdias.)Cercadaporricasterras aráveis, famosa por seus vinhedos, Tarso adorava os deuses dafertilidade. Era o tipo de lugar onde duas divindades, uma estabelecida,outra aspirante, se sentiriam à vontade para dar início a algo vantajoso.Tarso tinha uma inclinação para o espetáculo e conseguia facilitar suaprodução; era uma cidade capaz de atender prontamente um pedido deloresnovalordeumtalento,oquequerdizerqueseushabitanteseramromanos recentes, mas que sua cultura continuava abertamente grega.Diante do mesmo enigma que Cleópatra enfrentara, os tarsos haviamcelebrado Cássio e Dolabela quando chegaram, mas em troca foramapenas brutalmentemaltratados por um e por outro. Cássio devastara acidade, exigindo vastas somas, forçando os tarsos a derreter tesouros dotemplo e a vender mulheres, crianças e até velhos como escravos.Deixandode ladoos espetáculos cósmicos e os orçamentosde lores, seupovo acolheu com entusiasmo os inimigos de Cássio. Antônio libertou acidadedesuadesgraça.24

CleópatrapassouemTarsoapenasalgumassemanas,masnãoprecisavaicarmaisdoque isso.SeuefeitosobreAntônio foi imediatoeeletrizante.a

Primeiro a chegar à cena, Plutarco comenta o sucesso de Cleópatra em

Cilícia e concede-lhe uma promoção. Em 48, diante de César, ela eraapenas uma “coquete ousada”, 25 mas em 41 ela faz parte da escola desedução estilo “não faço prisioneiros”. Sua conversa é fascinante; apresença, cintilante; a voz, deliciosa. Ela trabalha depressa com Antônio.Apiano, de sangue mais frio, admite também uma rendição instantânea.“Nomomentoemqueaviu,Antônioperdeuacabeçacomoumrapazinho,embora já tivesse quarenta (sic) anos”, 26 deslumbra-se ele. Écompreensívelqueodramapasseà frentedahistória; édi ícil pisar comsobriedade naquele farfalhante mar de rosas, separar a verdade —principalmente a verdade política — da luxuriante sobrecarga deadjetivos. Sabemos mais sobre a conquista de Antônio do que sobre aconquista de César, pela simples razão de que os comentaristas estavammaisdispostosafalarsobreumaerelutavamemdiscursarsobreaoutra.Como Antônio deve parecer um homem menor, Cleópatra se torna umamulhermaispoderosa.Em41, ela se apresentounão sóparaumpúblicodiferente,masparaumcorodiferente.Acon luênciadeinteressesconduziuaoromance?Semdúvidaconduziu

a uma relação fácil. Como observou Plutarco sobre outra ligação que fezhistória, era sem dúvida um caso amoroso, “e no entanto harmonizavamuitobemcomoqueestavaemquestão”. 27Detodososromanosdetodasas cidades em todo o império, Cleópatra tinha razões particulares paracultivar aquele. Antônio tinha iguais razões para fazer o mesmo. Se eraconvenienteparaCleópatra seapaixonar,ou sealinhar, comohomemaoqual em princípio devia prestar contas, para Antônio também erainteressantecederàmulherquepoderiacomumúnicogestoanularsuasambiçõesmilitares.Aobsessãodelecomospartoseraumimensogolpedesorteparaela.Sabemosque,mesesdepois,AntônioansiavaporCleópatra,emboraela

iquecomtodoocréditopeloromance.Comoa irmouumdeseusinimigosmais ferozes, ela não se apaixonou por Antônio,mas “fez comque ele seapaixonasse por ela”. 28 No mundo antigo também as mulheresconspiravamenquantooshomensmontavamestratégias;haviaumgrandeabismo,elementareeterno,entreoaventureiroeaaventureira.Haviaumabismo tambémentrevirilidadeepromiscuidade:CésardeixouCleópatraem Alexandria para ir para a cama com a mulher do rei da Mauritânia.AntôniochegouaTarsologodepoisdeumcasocomarainhadaCapadócia.Consorte de dois homens de voraz apetite sexual e inúmeras conquistassexuais, Cleópatra icará na história como a ardilosa, a enganosa, asedutora.Mencionar suas habilidades sexuais era, evidentemente,menos

embaraçoso do que admitir seus dotes intelectuais. Da mesma forma, émais fácil atribuir a ela poderes para a magia do que para o amor. Nãotemos provas de nenhum dos dois, mas o primeiro pode ao menos serexplicado;comamagiasepenhoramaisdoqueseperdeojogo.Cleópatramantém Antônio na palma da mão, disposto a obedecer a todos os seusdesejos, “não só pela intimidade com ela”, como diz Josefo, “mas tambémporestar sobo efeitodedrogas”. 29 A irmar uma coisa dessas é admitir opoderdela,mastambéminsultarsuainteligência.Sealguémperdeuounãoacabeçapelooutro,édi ícildeacreditarqueo

sexo não tenha entrado em cena logo no começo. Antônio e Cleópatraestavam no auge das forças, festejando em meio a perfumesembriagadores e a doce música, sob caleidoscópios de luz, em noitesvaporosasdeverão,diantedemesascarregadascomamelhorcomidaeomelhorvinhodaÁsia.Eemboraseja improvávelqueeletenhasetornadoumescravosdeseuamorporCleópatra,comoafirmamvárioscronistas,30averdade é que onde quer que Marco Antônio fosse, o encanto sexualinevitavelmente o acompanhava. Com a túnica bem levantada acima doquadrilondulante,elejáhaviaroladopelascamasdaÁsiapelomenosumavez antes; vinha de uma ligação recente com outra rainha associada.Plutarco atribui a ele “umamá fama pela intimidade com as esposas dosoutros”.31 Ele próprio depois datou o relacionamento com Cleópatra aotórridoverãoemTarso.Osefeitos imediatosdoencontro forampráticos:Cleópatra icoupoucas

semanas e conseguiu muita coisa. Quando pegou o navio de volta paracasa,Antônio tinhanasmãossua listadeexigências.Dadooqueeledeveter conseguido em troca, não eram nada excessivas. Elas revelam queCleópatra não se sentia tão segura quanto fazia crer. Tinha plenaconsciência de que uma outra rainha do Egito esperava para entrar emcena. Antônio não perdeu tempo em simpli icar sua vida. Mandou queArsínoe fosse removida do templo de Ártemis à força. 32 A irmã deCleópatra encontrou seu im naqueles degraus de mármore, diante dasportas demar im entalhado que o pai delas havia doado à fachada, anosantes. Era a última de quatro irmãos; não haveriamais intrigas por esselado. “Cleópatra havia então assassinado toda a sua família”, vocifera umcronista romano, “até não restar vivo nenhum consanguíneo. 33” Eraverdade, embora fosse verdade também que Arsínoe não lhe deixaramuita escolha. César a poupara depois da humilhação pública em Roma.Arsínoe conspirava contra Cleópatra desde então. 34 (Ísis também émisericordiosa, mas justa, e entrega os maus às pessoas contra quem

conspiravam.) E Cleópatra era capaz de clemência. Antônio mandaraprenderoaltosacerdotedotemploquehaviaproclamadoArsínoerainha.Os efesianos icaram possessos e foram procurar Cleópatra para pedir operdão do sacerdote. Ela passou por cima de Antônio e o libertou. Osacerdotenãoviria a reconhecermaisnenhumPtolomeuexilado.Elenãorepresentavamaisperigo.Antônionãofoitãogenerosocomo ingidorquevinhaviajandopelaÁsiafazendo-sepassarporPtolomeuXIII,comoalgunssugeriram que ele poderiater sido. (Não restara ninguém ao im daGuerraAlexandrina,a inal.)Elefoiexecutado.Opér idocomandantenavaldoChiprequeapoiaraCássiocontraasordensdeCleópatra—equepodiater uma aliança com Arsínoe— fugira para a Síria, onde buscou refúgionumtemplo.Foiarrastadoparaforaemorto.Erao tipodecomportamentoquepodia sugerirqueumhomemestava

fascinado. “Então, imediatamente”, concluiApiano, “aatençãoqueAntônioaté então dedicara a todos os assuntos icou completamente enevoada, etudooqueCleópatraordenavaerafeito,semconsideraçãocomoqueeracerto aos olhos dos homens ou dos deuses.”35 Era também o tipo decomportamento que sugere que Cleópatra havia feito algum tipo depromessa material entre festins. Antônio tampouco se afastavainteiramente dos costumes. Ao deixar Cleópatra em 47, César tambémhavia se dedicado a tratar de questões provincianas, “distribuindorecompensas tanto individuais como comunais àqueles que asmereciam,ouvindoe resolvendovelhasdisputas”. 36 Antônio tomou sob sua proteçãoos reis que dele se aproximaram, fazendodeles amigos iéis. Estabeleceucorrentesdecomandoeelevouosimpostos.Adiferençaestánoqueveioaseguir.No imdooutono,Antônioenviouseuexércitoaváriosquadrantesparaoinverno.Eemboraosnegóciosprovinciaisestivessememconfusão,embora os partos pairassem sobre o Eufrates, visando agressivamente àSíria,Antôniofoiparaosul,parasejuntaraCleópatranoEgito.37

A mulher de 28 anos que o saudou em Alexandria podia ou não estar no auge da beleza —momentoquetodamulhersabesempreterficadomuitosanosparatrás—,maseraumaCleópatraclaramentemais seguraqueaquelaque saudara JúlioCésar seteanosantes.Elahaviaviajadoaoexterior e tido um ilho. Governava incontestável, e incontestavelmente sobrevivera a severastempestadespolíticaseeconômicas.Eraumadeusavivacomumconsorteimpecável,consortequea livrara da obrigação de se casar de novo. Tinha o apoiode seu povo e, presume-se, suaentusiásticaadmiraçãotambém;envolvera-semaisintimamentecomavidareligiosaegípciadoquequalquerpredecessorptolomaico.Nãoéporacasoqueouvimossuavozpelaprimeiravezagora,emAlexandria,recepcionandoseuprotetoreparceiro.Elaésegura,autoritária,atrevida.

Àluzdoqueveiodepois,avisitaegípciadeMarcoAntôniodevetersidoideia de Cleópatra e obra de Cleópatra. Engenhosa, sedutora oumagicamente, ela o fez partir. “Ele teve de suportar que ela o izesse irdepressa para Alexandria”, 38 como diz Plutarco. Claro que é igualmentepossívelqueAntônio tenhaseconvidado.Eleestava,a inal, fazendooquetinha de fazer: remodelando o Oriente e levantando dinheiro. Não podiaavançaremseuplanoquantoaospartossemasverbasegípcias.Edevetersentido que era a sua melhor chance de garantir os dinheiros que umarainha esperta prometera, mas ainda não entregara. A Ásia mostrara-semaispobredoquetodosimaginavam.OEgitoerarico.Haviarazãolegítimapara inspecionar um reino associado, principalmente aquele que semostrariaabaseidealparaumacampanhaoriental;Antônioprecisariadeumafrotapoderosa,algoqueCleópatrapodiafornecer.Aalternativaseriaicarpara sempredesemaranhandoquestõesprovincianas, coisaquenãoera atraente nem para a força, nem para os interesses de Antônio. Osdetalhes administrativos haviam entediado até Cícero. As delegaçõeschegavamumasdepoisdasoutras;nessascircunstâncias,Antôniosópodiaeraestaransiosoparaviajaraumdospoucospaísesmediterrâneos “nãogovernadospor ele”.MarcoAntônio havia sido umestudante dotado. Eraainda, sob muitos aspectos, um estudante. Era também um estrategistadotado, articulado. Se Cleópatra não fosse atrás dele, ele teria todas asrazões para ir atrás dela, ou, pelo menos, para proceder de formaagradável e diplomática, permitindo que ela sentisse que tinha a palavrainal,comoelehaviafeitoelegantementeemTarso.AntôniojáestiveraemAlexandria,cidadequeovisitantenãoesqueciacomfacilidade,cidadequepareciaterengolidotodaaculturagreganumsóbocado.Ninguémemseujuízoperfeito escolheriapassaro invernoemoutro lugar senãoà sua luzacetinada, apesar dos dilúvios de janeiro, principalmente no século I a.C.,aindamaiscomohóspededeumaPtolomeu.Fosse por deferência a Cleópatra, fosse para evitar o erro de César,

Marco Antônio foi para o Egito sem uma escolta militar, sem insígnia deposto,“adotandoaroupaeomododevidadeumapessoacomum”. 39Viviamuito pouco como uma pessoa comum. Cleópatra empenhou-se emprepararumarecepçãomagní ica.Cuidouqueelepraticasse“osesporteseasdiversõesdo lazerdeumjovem”40equeavidaalexandrina icasseàaltura de sua reputação. Há cidades nas quais se gasta uma fortuna ecidadesemqueseganhauma;sónumararagrandecidadepode-seobterambasascoisas.AAlexandriadeCleópatraeraassim,umparaísoparaosestudiosos, com um ritmo acelerado para os negócios e uma cultura

langorosa, onde o pendor grego para o comércio encontrava a maniaegípcia da hospitalidade, uma cidade de amanheceres frescos cor deframboesa e ins de tarde perolados, com o farfalhar da heterodoxia e oaromadasoportunidadesintensosnoar.Atéolharaspessoaseramelhorali.Para Antônio e Cleópatra, divertimentos eufóricos sucediam banquetes

pródigos, observando uma espécie de pacto que os dois izeram, e quebatizaram de Inimitáveis Viventes. “Os membros”, explica Plutarco, “sealternavamem festasdiárias, comumaextravagânciadegastos alémdasmedidas ou do que se possa acreditar.” 41 De uma amizade estranha, dedebaixo da escada, vem uma visão íntima da cozinha de Cleópatra nesseinverno. O cozinheiro real promete introduzir em segredo seu amigoFilotasnopaláciopara assistir aospreparativosdeumdos jantaresdela;ele icaráperplexocomosacontecimentos.Acozinhaestá,comoeradeseesperar, eletri icada comosgritose xingamentosde cozinheiros, garçons,sommeliers agitados, emmeio aos quais hámontanhas de provisões. Oitojavalis silvestres giram nos espetos. Um pequeno exército de criados semovimenta sem parar. 42 Filotas, um jovem estudante de medicina, sedeslumbracomotamanhodamultidãoesperadaparajantar.Seuamigosóridesuaingenuidade.Éocontrário,explica.Aoperaçãoéaomesmotempoprecisa e inteiramente imprecisa: “Os convidados não são tantos, apenasunsdoze;mas tudoqueéservidodeveserperfeitoesealgumacoisa fornegligenciadaporumminuto, se estraga.E, dizia ele, talvezAntônio janteagora,talveznãonessahora,talvezelepeçavinho,oucomeceaconversare desmarque tudo. Deformaquenão é um”, prosseguia ele, “masmuitosjantaresqueprecisamestarprontos,umavezqueéimpossíveladivinharohoráriodele.”43Superadaasurpresaecompletadasuaformação,oFilotasde olhos arregalados veio a ser ummédico importante, que contou essahistória fabulosa a um amigo, que a legou a seu neto, que veio a serPlutarco.Sobtodososaspectos,MarcoAntônioeraumhóspedeexaustivoecaro.

Quando jovem,haviapartidoemcampanhasmilitares comumséquitodemúsicos, concubinas e atores. Tinha, ao menos segundo Cícero,transformadoaantigacasadePompeuemumpaláciodoprazer,cheiodeacrobatas, dançarinos, bufões e bêbados. Seu gosto continuava coerente.Cleópatraestavacomasmãosocupadas. “Nãoé fácilcriarharmoniaondeexiste uma oposição de interessematerial e quase de natureza”, 44 Cíceroobservara anos antes, e as diferenças entre Cleópatra e Antônio erammarcantes. Ela trabalhava horas extras para atendê-lo, embora devesse

haver uma multidão de solicitações ao seu tempo; ela já possuía umtrabalho de tempo integral. Antônio visitou os templos dourados deAlexandria, frequentou estádios, assistiu a discussões acadêmicas, masdemonstrou pouco interesse pela natureza egípcia, pelos fundamentosarquitetônicos,culturaisecientí icosdeumacivilizaçãosuperior.Nãotinhacomo evitar uma visita ao túmulo de Alexandre, que era uma maniaromana. Fez uma viagem ao deserto, para caçar. Cleópatra pode ter idocomele;éprovávelquesoubessecavalgarequepossuísseoupatrocinassecavalosde corrida.45Nãoexistemoutras indicaçõesdequeAntônio tenhadeixadooBaixoEgitoouviajadoaosmonumentos.Elenãoera como JúlioCésar. Ao contrário, emmeio às colunatas ressonantes e um conjunto dees inges brilhantes, ao longo de ruas que tinham os nomes dos ilustresancestrais de sua amante, entre as casas geminadasde calcário, ele faziabrincadeiras juvenis quanto à grande arte. Cleópatra estava sempredisponível e acessível, contribuindo “com alguma nova delícia ouencantamentoàshorassériasoualegres”deAntônio.Seusdiaspodiamsercheios, mas as noites eram mais ocupadas, embora seu hóspede nãoprecisasse de muitas instruções. Era bem experiente em perambulaçõesnoturnas,piqueniquespródigos,reuniõesdissimuladas.Jásabiabemcomodesmanchar um casamento. Em nenhum momento, Cleópatra o deixavalonge de seus olhos. Isso também era uma espécie de política; seu reinobem valia uma brincadeira. “Ela jogava dados com ele, bebia com ele,caçavacomeleeassistiaenquantoele seexercitavanasarmas”,Plutarconos conta. “E quando à noite ele se punha às portas ou janelas da gentecomumezombavadosqueestavamládentro,elaoacompanhavaemsuarondade loucuras, usandouma roupade criada.” 46 Antônio se disfarçavadecriadoparaessasexcursões,geralmente incorrendoemumarondadeofensas—comfrequênciaembrigas—,antesdevoltaraopalácio,muitosatisfeitoconsigomesmo.SuastravessurascaíambememAlexandria,umacidadequecombinava

em tudo com os pendores de Antônio e que diante dele baixava suasdefesas.Era leveeadoravao luxo;Antônioeratodomúsculosealegria.Acoisa de quemais gostava era fazer umamulher rir. Desde a juventude,quandohaviaestudadoexercíciosmilitareseoratórianoexterior,eraumadmiradordetudoqueeragrego.Falavanoestiloasiático, loreado,menosbombástico do que poético. Um romano posterior censurou osalexandrinosporsuaspalhaçadas.Umdedilhardeharpaeelessepunhamem movimento: “Sempre frívolos e displicentes, nunca indispostos abrincadeiras, divertimento e risadas.” 47 Isso não era problema para

Antônio,àvontade tantoemdivertimentosbaratoscommúsicoserrantes,comonasruasounaspistasdecorridas.Ele tinha também um passado admirável a seu favor. Ainda um jovem

o icial,pediraclemêncianafronteiraegípcia,quandoopaideCleópatra,aovoltar, condenara suas tropas desleais à morte. Antônio interviera, paragarantir operdão.EleprovidenciaraumenterronobreparaomaridodeBerenice, também contra a vontade de Auletes. A boa vontade não foiesquecida. Os alexandrinos receberamAntônio alegremente e brincavamcomseusdisfarcesquedificilmenteosenganava.Assimcomoarainha,elesse juntavam ao seu “humor rústico” e iam ao encontro de seus termosalegres. Eles se diziam muito agradecidos por ele usar “a máscara datragédia com os romanos e a máscara da comédia com eles”. 48 Antônioefetivamente domouumpovo que apenassete anosanteshavia recebidoCésar com dardos e atiradeiras, tanto em tributo à irmeza do poder deCleópatra como ao charmedeAntônio. Com certeza, eramais fácil gostardeumromanoque,aocontráriodosocidentaisantesedepois,nãoposavade superior. Antônio quase sempre aparecia com uma roupa de cortequadrado, grega em vez da toga romana. Calçava os chinelos de courobranco que podiam ser vistos nos pés de todos os sacerdotes egípcios.Deixava uma impressão muito diferente de seu o icial comandante demanto vermelho, cuja in luência ainda pairava pesada no ar. IssoenfatizavaofascíniodeCleópatra.SeCésarsentiaqueaoladodeCleópatraestavanaintimidadedeAlexandre,oGrande—enenhumromanojamaismarchava para o Oriente sem a imagem de Alexandre diante de si —,AntôniosentiaqueestavaemcomunhãocomCésartambém.ApianopõeAntônioexclusivamentenacompanhiadeCleópatra,“aquem

suaestadaemAlexandriafoiinteiramentededicada”. 49Elevênelaumamáin luência.Antônio“erasempreamansadoporCleópatra,submissoaseusencantoseconvencidoadeixarsaíremdesuasmãosgrandesrealizaçõeseasnecessárias campanhas,para icarperambulandoebrincandocomelanaspraias”. 50 Émaisprovável queo contrário fosse verdade. ECleópatrafocalizava exclusiva e intensamente seu hóspede, sem sacri icar seuespírito competitivo, seu senso de humor ou seus projetos. Eis os doisnumatardealexandrina,relaxandonumbarcodepescanorioouno lagoMareótis,cercadosporcriados.MarcoAntônioestáfrustrado.Elecomandaexércitos inteiros,masnessaocasiãonão conseguepegarumúnicopeixenas águas egípcias famosas por sua fertilidade e fartura. Fica aindamaismorti icado com Cleópatra parada a seu lado. Com romance ou semromance, mostrar-se tão incompetente na presença dela é uma tortura.

Antônio faz o que qualquer pescador de respeito faria: ordenasecretamente a seus criados que mergulhem na água e prendam umasérie de peixes já pescados ao seu anzol. Um após outro ele puxa essespeixes,umpoucotriunfantedemais,umpoucoregularmentedemais;éumhomem impulsivo querendo provar alguma coisa, nunca particularmentebomcom limites.Cleópatra semprepercebeumtruqueenãoperdeesse.Ela inge admiração. Seu amante é o homem mais hábil de todos! Maistarde,elaelogiaasvirtudesdeleaosamigoseosconvidaaassistiremsuasproezaspessoalmente.Um grande grupo acorre no dia seguinte. Já de início, Cleópatra dá

algumasordensfurtivas.Antôniolançaalinha,comresultadoimediato.Elesenteumgrandepesoepuxaapresa,diantedeumaondaderisadas:doNilo retira um arenque salgado, importado do mar Negro. Cleópatraaproveitaaartimanhaparamostrarasuperioridadedesuainteligência—Antônio não era o único a se sentir obrigado a impressionar —, mastambém para lembrar seu amante, com habilidade, irmeza e doçura, desuas responsabilidadesmaiores. Ela não censura, em vez disso domina afórmula que todo pai, treinador ou executivo procura: ela tem ambição enenhumproblemaemestimular issonos outros. “Deixe a varadepescarparanós,general”,Cleópatraadverte,diantedogruporeunido.“Suapresasão cidades, reinos, continentes.” 51 Um coquetel lisonjeiro habilmentepreparado, que corresponde perfeitamente à de inição de Plutarco: “Poisumacensuraassimécomoamordidadeumamulhervoluptuosa;estimula,provocaedáprazer,mesmoquandomachuca.”52

Se Cleópatra tratava Antônio como um aluno em férias, foi exatamenteassim que pareceu em Roma, à qual ele havia virado as costas duranteesses meses festivos. Ele comemorou seu aniversário de 43 anos emAlexandriae,noentanto, se fazianotar sobretudopor suas travessurasecaprichos, o que é irônico, uma vez que sua acusação original contraOtaviano era que não passava de ummenino. (Poucas acusações feriammais fundo um romano. Isso irritou Otaviano a tal ponto que ele baixouuma lei proibindo que qualquer pessoa se referisse a ele com o termo.)Cleópatra pode ter fracassado em empurrar Antônio para suasresponsabilidades públicas,mas os terríveis despachos que chegaramnoim do inverno conseguiram. Do Oriente, veio a notícia de que os partosestavam provocando uma comoção. Tinham invadido a Síria, ondeassassinaram o governador de Antônio, recém-instalado. Do Ocidente,vinham notícias igualmente perturbadoras. Fúlvia criara um desvioperigoso. Ao lado do irmão de Antônio, ela incitara uma guerra contra

Otaviano, em parte paraafastar seu marido de Cleópatra. Tendo sidoderrotada,fugiraparaaGrécia.Emabril,oupoucoantes,Antôniosepôsemmovimento,marchandopor

terra ao encontro dos partos. Não tinha chegado ainda ao norte da Síriaquando recebeu uma carta terrível de Fúlvia, que lhe deixava poucaescolhaalémderenunciaràofensivae,comumafrotadeduzentosnaviosrecém-construídos,mudarocursoparaaGrécia.Antônioestavacientedasatividadesdesuaesposa,sobreasquaisambososladoshaviamlheescritorepetidamente.Umadelegaçãode invernohaviaexpandidoaindamaisosdetalhes.Elenãodemonstraramuito interesse;estavatãopoucoinclinadoa censurar sua esposa como a romper com Otaviano. A perturbação deFúlvia pode ter mantido seu marido em Alexandria tanto quanto osdivertimentosdeCleópatra.SemdúvidaAntôniodemorouparasemexer,eseria cobrado por isso mais tarde. Como Apiano observa causticamentesobre os comunicados insistentes e cada vezmais urgentes: “Embora eutenha investigado, não consegui descobrir com nenhuma certeza quaiseramasrespostasdeAntônio.” 53Fúlviasentia-seemperigo.Temiaatéporseus ilhos, não sem razão. Um século depois, ela estava praticamenteesquecida. Era mais fácil acusar o Antônio alexandrino de estar “de talmaneira dominado por sua paixão e embriaguez a ponto de não pensarnememseusaliados,nememseusinimigos”.54

OencontronaGréciafoitempestuoso.Antôniofoiseverocomamulher.Elaultrapassaraoslimiteseexagerara nas atitudes. Plutarco achava que Cleópatra devia muito a Fúlvia, “por ter ensinadoAntônio a suportar o domínio de uma mulher, uma vez que ela o recebeu já bem-domado eescoladoemobedeceràsmulheres”.55Fúlviapodemuitobemterensinadoseumaridoaobedeceraumamulher,masnãoconseguiuconvencê-lonemadesafiarOtaviano,nemaaspirarmaisquemeioimpério.Insistentemente,elaoexortouasealiaraSexto,o ilhodePompeu.Juntos,elesfacilmenteeliminariamOtaviano.Antônionãoquerianemouvirfalardisso.Tinhaassinadoumacordo. Elenãoviolavaseusacordos.(Semanasdepois,emalto-mar,AntônioenfrentouumdosassassinosdeCésar.Ele havia sido proscrito, tinha lutado contra Antônio em Filipos, e agora se aproximava depressacom uma frota completa. Um ajudante de ordens aterrorizado sugeriu que Antônio mudasse derota. Ele não admitia nem pensar nisso, jurando que “preferia morrer como resultado de umaquebra de tratado do que ser reconhecido como covarde e viver”. 56 Seguiu em frente.) ParacompensarodanoaOtaviano,Antôniopartiu semsedespedir. Fúlvia icoudoentequandoele sefoi.Muitasdasacusaçõescontraelapodemtersidoinventadas;contestarmulheresindependenteseraumasubespecialidadedohistoriadorromano.EFúlviatinhamuitoscúmplices.OprocuradordeAntônioaestimulou,tendorepetidaemaliciosamenteobservadoque“seaItáliapermanecesseempaz,AntônioficariacomCleópatra,massehouvesseguerra,elevoltariasemdemora”.57

Com sua nova frota, Antônio dirigiu-se ao Adriático. Em sua ausência,Fúlvia icou seriamentedeprimida emorreu.A causanão é clara.Apianosupõequeelapossa ter tiradoaprópriavidapor rancor, “porqueestava

zangadacomAntônioportê-ladeixadoquandoestavadoente”. 58 Elapodesimplesmente ter icado exausta com as incessantes interferências. Nãodeve ter sido muito lamentada em Alexandria. Antônio, por outro lado,icou profundamente afetado por sua morte, pela qual se culpava. Nãotinhavoltadoparaveramulherdoente.Outrostambémoresponsabilizam,atribuindoanegligência,comoprotestaDio,“asuapaixãoporCleópatraeàdevassidãodela”.59Fúlviatinhasidobonita,sériaededicada.Levaraparaocasamentodinheiro,amigosin luenteseumastutoinstintopolítico.Deradois ilhos a Antônio. Se era, na verdade, uma virago, era, como já seobservou, “ao menos uma virago in initamente leal”. 60 Antônio haviaflorescidoaseulado.Amorte de Fúlvia foi talvez seu atomais pací ico. Abriu caminho para

umareconciliaçãoentreOtavianoeAntônio, “agora livresda interferênciadeumamulhercujociúmedeCleópatralevaraaatiçaraschamasdeumaguerra tão séria”. 61 Assim como era fácil atribuir uma guerra absurda ecustosa às maquinações de uma mulher, era fácil descartar uma tramapara suamorte, aindamaisque ninguém estavamesmo disposto a lutar.Sexto Pompeu continuou ativo no mar. Ele havia interceptadovigorosamente as rotas de cereais para Roma. A guerra incessantedestruíra a agricultura italiana. Roma era uma cidade esfaimada,desordenada,nolimitedaresistência.Ocampoestavaemrevolta.Soldadospressionavam pelos fundos que Antônio deveria ter obtido no exterior eainda não distribuíra. Amigos se punham como intermediários,reconciliando outra vez os dois homens, que mais uma vez dividiram omundoentreeles,comOtavianosedandomelhordoquesederadoisanosantes.Era oTratadodeBrundísio, do começode outubrode40. Seus termos

estabeleciam que Antônio devia lutar com os partos, enquanto Otavianodevia afastar ou chegar a um acordo com Sexto Pompeu. Cerca de oitomesesdepois, os trêshomensassinariamumnovoacordoemMiseno,dooutro lado da baía de Nápoles, com o cume de Pompeia ao fundo. Nomomento em que esses pactos foram traçados, no momento em que oshomensseabraçaram,“umgrandeepoderosogritoseergueuemterraenos navios ao mesmo tempo”. Até mesmo as montanhas ressoaram comalegria.Na confusãoque tomou contadoporto emseguida,muitos forampisoteados, sufocados e afogados, “ao se abraçaremenquantonadavamepassavam os braços em torno do pescoço dos outros ao afundar”. 62 Ocon litoarmadohaviasidoevitadomaisumavez,emboraanoiteinteiradecomemoraçãobrundisianafaletãoaltoquantoqualqueracordo.Emtendas

ao longodacosta,ambososacampamentos festejaram juntosduranteumdia e umanoite. (Otaviano àmaneira romana,Antônio ao estilo asiático eegípcio,quedispensavacomentários.)Mesmoassim,quandoo izeramemMiseno“osnaviosestavamancoradosperto,guardasposicionadosàvolta,e os que compareceram de fato ao jantar levavam adagas escondidasdebaixo da roupa”. 63 Conspirações se formaram e tramas sedesmancharamaolongodetodoocordialbanquete.Para estabelecer uma relação pessoal entre os dois homens depois de

Brundísio, Otaviano ofereceu sua adorada meia-irmã a Antônio. Eis umcampo em que uma mulher romana valia um prêmio: ela era umainestimável garantia pessoal, principalmentequando se tratavade fecharumacordopolítico.Circunspectaesóbria,Otávia,aos29anos, tinha todasas qualidades da sofredora esposa política. Era inteligente, mas nãoindependente, mediadora mais que manipuladora. Embora tivesseestudado iloso ia, não alimentava ambições políticas. “Umamaravilha demulher”,erareconhecidacomoumabeldade,graciosa,detraços inos,comumacabeleirabrilhante,magní ica.Convenientemente, icaraviúvamesesantes. Ela era precisamente o que a situação exigia, eminentementequali icada para contrapesar com Cleópatra, de quem deveria afastarAntônio. Ele próprio admite que continuava sob aquele encanto distante.“Suarazãoaindaestavaemlutacomseuamor”,comodizPlutarco,ecomosabiamoshomensdeAntônio. Caçoavamdele impiedosamentepor causadoromance.Porlei,umaviúvatinhadeesperardezmesesantesdecasarde novo, para permitir o nascimento de qualquer descendente. Todas aspartes interessadas contavam tão fervorosamente com Otávia para“restaurar a harmonia e ser a sua completa salvação” 64 que o Senadodepressa aprovou uma isenção. Em ins de dezembro de 40, asfestividades de Brundísio continuaram em Roma, onde Antônio e Otáviacelebraramseucasamento.Roma não estava com uma atmosfera lá muito festiva — faminta,

saqueada,exausta—,masanotíciadevetersidoexplosiva,principalmenteem Alexandria. Os pactos de 40 e 39 podem não ter surpreendido, maspodemteralarmadoCleópatra.OcasamentodeAntônioeraumacoisa,seucompromissocomocunhadooutra.NãoeradointeressedeCleópatraqueAntônio e Otaviano juntassem forças. Otaviano era inimigo mortal deCleópatra, um insulto vivo e conspirador ao ilhodela. Por outro lado, elaconhecia seu homem.Antônio voltaria. Ela não precisava tomar iniciativa,comosepodiaesperardospartos.Elapodeaté ter icadoperversamentegrata aos partos, que desviaramos romanos do Egito. Eles acentuaram a

importância dela; Antônio di icilmente poderia cumprir sua parte nanegociação de Brundísio sem ela. Cleópatra tinha boas razões paraacreditar que aquela reconciliação era frágil, senão vazia. Antônio eOtaviano podiam se reconciliar quantas vezes quisessem. A inimizade,como Fúlvia insistira muitos meses antes, não desapareceria. Cleópatrapodia ter adivinhado que haveria adagas e nem precisava. Tinhainformantes no acampamento deAntônio, que levavam a Alexandrianotícias detalhadas de tramas e contratramas, de escaramuças ebanquetes.Aomenosindiretamente,estavaemcontatocomMarcoAntônio,aquem

mandou um emissário naquele inverno. Os partos assolaram a Fenícia, aPalestina e a Síria, para saquear Jerusalém no inal do ano. Herodes, ojudeu,de32anos,queeraotetrarca,oupríncipe—Romasóiriacoroá-loreinoanoseguinte—,conseguiraescaparporpouco.Depoisdeinstalarafamília na fortaleza de Masada, ele procurou asilo. Que não veioimediatamente; seus vizinhos não estavam dispostos a desagradar osinvasores. Herodes acabou indo para Alexandria, onde Cleópatra orecebeucomtodoestilo.ElaoconheciaprimordialmentecomoumnervosoamigodeAntônioe, comoela, associadodeRoma,mas tinhaumarazãoamais para ser favorável a ele: o pai de Herodes havia auxiliado emrestauraçõesptolomaicasduasvezes,nadelaenadeseupai.Alémdisso,elehaviapessoalmenteencetadoumassaltovigorosoehábilna fronteiraoriental e juntara os judeus do Egito à causa de César. Assim como seuspais,CleópatraeHerodestinhamsidoaliadosdePompeu,convertidosparaCésar.Tinhamnospartosuminimigocomum.Além disso, Herodes era companhia divertida, falante e perspicaz,

fanático em suas lealdades, perito em demonstrações de deferência.Evidentemente, Cleópatra tentou comprometer o ousado príncipe numaexpedição,oucomelaprópria,àEtiópia,oucomAntônio,aPártia.Nãoerade surpreender que ela oferecesse a ele um comando. O iciais judeus hámuito serviam nas forças ptolomaicas e Herodes era particularmentenotável.Hábil cavaleiro,eracapazdearremessarumdardocomabsolutaprecisão. Ele declinou a oferta. Cleópatra acabou lhe fornecendo umagalera—elapareciaestarsempredandonaviosdepresente—parafazera arriscada travessia a Roma, um tipo estranho de hospitalidade, queacabaria envolvendoHerodes num naufrágio na costa do Chipre. (Ele foidaremRomaapenas semanasmais tarde, sendo recebido calorosamenteporOtaviano e Antônio.) Na pior das hipóteses, a tática de Cleópatra eradiversiva. Por mais grata que fosse à família de Herodes, ela não tinha

nenhum grande interesse em encorajar a amizade de seu vizinho comAntônio.Não fazemos ideia de como ou se Cleópatramandou um outro tipo de

notícia, que provavelmente atravessou oMediterrâneo antes deHerodes.No imdoano,eladeuàluzgêmeos.Opaidelesestavaausente—maisoumenosnessaépoca,estavasecasandocomOtávia,ouapontodefazê-lo—,masnãofaltavamantecedentes ilustresàscrianças.Aoescolherosnomesde seus ilhos, Cleópatra não fez nenhuma concessão a herança paterna.Ela foi um passo adiante de Roma: chamou os ilhos de Antônio deAlexandreHélioeCleópatraSelene,invocandoaumsótempooSol,aLua,sua tia-avó, a notável rainha ptolomaica do século II a.C.; e o grandecomandantedaera,aquelequedomaraatéospartosecomquemapenasela, entre todos os soberanos reinantes, tinha uma ligação. Diante damaneira como armazenava sucessores, Cleópatra estava, sem dúvida,fazendomais para unir Oriente e Ocidente do que qualquer outro desdeAlexandre, o Grande. O Sol e a Lua iguravam nos títulos do rei parto;Cleópatrapodia estarmandandoum recado a ele. Semdúvida, nãohaviamelhormaneiradeinaugurarumaidadedouradadoquecomumdeusSol.NadasabemosdareaçãodeAntônioànotícia,masadeOtavianodevetersidoaindamaisinteressante.Porumaviaindireta,Cleópatraderaumjeitodefazercomqueosdoishomens,atravésdeseus ilhos,maisumavezserelacionassem.Elanãoprecisouanunciaraomundoosensacionalnascimento.Anotícia

de que a empreendedora rainha do Egito tivera um ilho chamadoAlexandre, cujo pai era Marco Antônio e cujo meio-irmão era ilho deCésar, constituíaumamanchetedeprimeirapágina em39 a.C. EraoquebastavaparafazerdeCleópatra,usandoumafrasemuitoposterior,alvodefofocasparatodoomundo.65

De40a37,Cleópatraviveucomonumdramagrego;todaaviolênciaocorriaforadecena.Traziam-lhe relatos de longe. Ela os analisava cuidadosamente. Com o Tratado de Brundísio, o mundomediterrâneo deu um suspiro de alívio, mesmo que o Egito tenhasentido um frio na nuca. OcasamentodeAntôniofoiumasoluçãoemocionanteparaumpovoromanoesgotadoeempobrecido.PortodaaItália,AntônioeOtavianoeram“imediatamentelouvadosaoscéusportrazeremapaz:oshomens se viam livres da guerra em seu próprio país e da convocação de seus ilhos, livres daviolência dos postos avançados militares e da deserção de seus escravos, livres do saque àsfazendasedainterrupçãodaagriculturaelivres,acimadetudo,dafome,queoslevaraaoslimitesdaresistência”.Nocampo,aspessoasfaziamsacrifícios,“comoparaagradaraosdeuses”,66umpapelquetantoAntôniocomoOtavianoadotaram.Levantavamestátuasàpazecunhavammoedas.Comas comemoraçõesvieramos sonhosdeolhos enevoadose asprofecias coloridas.De repente, uma

idade rosada de fraternidade e prosperidade se anunciava. Nessa época, Virgílio escreveu suamuitomanipuladaQuartaÉcloga,possivelmenteparacomemorarocasamentodeAntônioeOtávia,comcertezapara invocaruma idadedeouro.Opoetaatribuíaesperançasmessiânicasaum ilhoainda por nascer, o salvador que invocaria uma nova alvorada e reinaria sobre um mundo depiedade,pazeplenitude.Para que essas ofegantes profecias se realizassem, o mundo teria de

esperarumpoucomais.Naprimaverade38,Otáviaproduziudevidamenteumbebê.Eraumamenina,porém, emvezdomuito anunciado ilho.Eospartos continuavam seu avanço para o Ocidente, deliciados com apossibilidadedeexplorarosdesvios internosdeRoma.Cleópatratambémmantinha um olho cauteloso sobre os invasores, à medida que seaproximavamdesuafronteira.Elesestavamempenhadosemseexpandir;o império de seus predecessores persas havia incluído o Egito. Antôniomandouumgeneraldecon iançaparaseocupardospartos.ParagrandeincômododeAntônio, eleo fez commaestria, absorvendoa glóriadequeseu comandante tinha tanta sede. E a esfaimada Roma explodiu de novoem tumultos. A inquietação anterior havia sido tamanha que Otaviano seviracercadonoFórumporumamultidãoenfurecida,queoacusavadeteresgotado os fundos públicos. Suas tentativas de se explicar foramrecebidas com pedras do calçamento. O bombardeio continuou mesmoquando o sangue começou a correr. Antônio surgiu para efetuar umresgate espetacular, arrebatando Otaviano, com alguma di iculdade, emmeioagritoseurrosdosatacantes.Elelevouocompanheirotriúnviroparasua casa, para algo muito diferente do que havia sido sua primeiraentrevistaali.67

OcunhadodeAntônio,porém,nãoestavasemostrandoumsóciomuitoparticipativo,comoFúlviaohaviaalertadoantese,amuitosquilômetrosdedistância, Cleópatra conseguia continuar alertando. Entre os dois homenspredominava um espírito amigável, em termos simpáticos e de bomcomportamento. Mesmo assim, Marco Antônio — o herói de guerra, oestadista mais velho, o favorito do povo — parecia ser continuamentesuperadoporseuteimosoedoentiocunhado.ComcertezaeletinharazãoparasesurpreendercomasimplescapacidadedeOtavianocontinuaremcena. Otaviano já se vira às portas da morte diversas vezes. Tossindo eespirrando continuamente, suscetível a insolação, guerreiro relutante, eledi icilmente pareceria um páreo à altura do peito sólido e das coxaspoderosas deMarco Antônio. Otaviano eramoroso, paranoico,minucioso.Usava enchimentos nos sapatos para icar mais alto. E, no entanto, sobtodososaspectoscontinuavaasurpreenderAntônio.Vítimadesuaprópriaautocon iança despreocupada, agindo a partir do que percebia como sua

posiçãodesuperioridade,Antônioseviaregularmentemanipulado.Eleseenvolveranumarivalidadequenemconsideravaexistir, comum“meninoimprudente”68 que viera do nada. Antônio não tinha malícia, coisa quemuitas vezes não registrava. Otaviano não tinha charme, que igualmentelhe escapava. Era o tipo de homemque depois se gabaria do número detriunfosquelhehaviasidooferecido,masqueelenãocomemorara,oquesigni icava gabar-se da própria humildade. Antônio nem por um minutorecusariataishonrasealegrementeadmitiaisso.De alguma forma, Otaviano conseguia superar o homem mais velho,

mesmo em jogos casuais de habilidade e de azar. Quer apostassem emgalos de briga ou jogassem cartas, quer tirassem a sorte para decidirquestões políticas, ou jogassem bola, era inevitável que Marco Antônio,improvavelmente,acabassediminuído.(Éfácilverporquê:Otavianousavaqualquerresultadoaseufavor.Seperdiadinheirodemaisnumamesadeapostas, era,explicava ele, apenas porque “se comportava comesportividadedemais”.69)AoladodeAntônio,Cleópatrahaviainstaladoumadivinho; muitos em Roma acreditavam que um astrólogo conseguiapreverumacarreirahumanacomamesmaexatidãoquepreviaumeclipsesolar.Antôniofalavadesuafrustraçãoaovidente,quefaziaseuhoróscopo.Falandoaverdadeoutentandoagradarseuempregador,eleofereciaumaanálise franca. O futuro de Antônio era esplêndido, mas fadado a sereclipsado pelo de Otaviano. O problema, explicava o vidente, era que o“gênioguardião”deAntôniovivia commedodode seu colega, “e emboraele tenha um conduta viva e altiva quando está sozinho, quando o delechegaperto,oseuseintimidaesehumilha”.Eledeviamanterdistânciadocolega. A explicação fazia sentido para Antônio, que tinha o astrólogo emalta estima e se aproximava do cunhado com uma nova cautela. No queparecia talvez um convite velado para ir a Alexandria, o vidente“aconselhava Antônio a colocar a maior distância possível entre aquelejovemeele”.70

Ele só chegou até Atenas, onde se instalou para o inverno e quetransformou em seu quartel-general pelos dois anos seguintes. Antôniopassouoinvernode39demodobemsemelhanteaoanterior,numacidadeconfortável, cultivada, de arquitetura soberba e ina estatuaria. Deixoulugares-tenentesnocampo,masnãofaziamaisdoquedarumaolhadaemseusrelatórios.Dispensouseuséquito.Frequentavaaspalestrasefestivaiscomunspoucosamigosecriados,oucomOtávia,comquempareciaestarprofundamente feliz. Mais uma vez trocou o manto púrpura decomandante por roupas orientais. Mais uma vez se fez passar

exultantemente por Dionísio, seu personagem preferido. Permitiu queOtávia, que logo lhe deu uma segunda ilha, fosse saudada como Atena.Sabemos como esses tributos eram registrados em Alexandria, àmedidaque Cleópatra colecionava cada detalhe deles. Eram particularmenteirritantes,umavezquebeiravamosagradoeoimperial.Quediferençaumendereço—ouumatrocadeconsorte—fazia:nãohaveriamãosromanasse esfregandoem39a respeitodo invernodedissipaçãodeAntônio. EmAtenas,elesevestiacomoumgregoefestejavacomoumgrego,masofaziasob o olhar atento da virtuosaOtávia. Além disso, era di ícil atacar suaspretensõesdivinasquandoOtavianopretendiaamesmacoisa.Eledeuumafesta à fantasia, na qual se vestiu de Apolo. Só que Antônio, porém,conspicuamenteconstruiuumacabanaderamos,decorou-acomtambores,tamborins, folhagens,pelesdeanimaiseoutrosadereçosdionisíacose “ládentro icou com seus amigos, desde o amanhecer e embebedou-se”.ConvocoumúsicosdaItáliaparaentreterseucovilnamontanha.Àsvezes,deslocava a instalação para a Acrópole, “e toda a cidade de Atenas seiluminavacomoslampiõesquependiamdostetos”.71

Elecontinuavaperplexocomahabilidadedeseucunhadodecontrolaraconversa. Embora dono de uma reputação de sólida probidade, em 38,Otavianoconseguiuescapardeseucasamentonodiaemqueaesposadeuà luz,ecasou-secomLívia,grávidadeseismesesdomaridoanterior.Eraum casamento que elevava Otaviano aos níveis superiores da sociedaderomana, tornando-oum igualdeAntônio. (Apesarde ligaçãocomCésar,alinhagem de Otaviano não era nobre.) Repetidamente ele conseguiaimobilizar e confundir seu cunhado: se prometia uma coisa, entregavaoutra.SeAntônioiaparaoOriente,OtavianoochamavaparaoOcidente.Enão comparecia. Ele permitiu que Antônio recrutasse soldados em soloitaliano, coisa quase impossível, uma vez que Otaviano governava aqueleterritório. Issoconstituíaumatênueatitudedeequilíbrio,masatitudequeAntônio estava decidido a manter. Ele engoliu o orgulho, mascarou airritação,atésuapaciênciaseesgotar.Ascoisas inalmentechegaramaumápiceno inaldaprimaverade37,

quandoosdoisseencontraramàsmargensdeumrio,nosuldapenínsulaitaliana, para aliviar várias temporadas de queixas. Otávia ajudou aintermediarapaz,fazendoumdiscursoapaixonadoaoestilodeHelenadeTroia. Ela não queria de jeito nenhum ver seu marido e seu irmão sedestruírem. O resultado foi o pacto de Tarento, uma renovação dotriunvirato que expirara. Antônio seria reconhecido como ditador doOrienteatédezembrode33.Elesaiusatisfeito:“quasetudo”,observaDio,

“estavaindocomoelequeria”.Antônio inalmentepreparousuacampanhae seguiupara o Oriente, para a Síria. Otávia e suas duas ilhas oacompanharamatéaGréciaocidental,ondeeleasmandoudevolta.Otáviaestava grávida outra vez. Antônio protestou que viajarmais seria nocivopara sua saúde. Ela já tinha seis ilhos — incluindo os de casamentosanteriores—aos seus cuidados.Elenãoqueria, conformedisse, que “elaparticipasse dos perigos enquanto ele guerreava contra os partos” 72. Eraabsolutamenteverdadeiro.SeOtavianoeraumduromestredeindiretas,capazdeparecercooperar

quando não o fazia, Antônio era um artista da troca rápida, dado adramáticas reviravoltas. Em Atenas, um dia ele era o preguiçoso quelanguidamente participava de festivais em companhia de Otávia,negligenciadoosnegóciospúblicos,nodia seguinte,depoisde repensaroguarda-roupa e se pôr em posição de atenção, era o militar de cabeçaprecisa, um tufão de atividade, todo diplomacia, no centro magnético des u aentourage. Alguma coisa cedeu nos últimos meses de 37.Provavelmente a longa lista de insultos, desilusões e trapaças de repentese somou. Provavelmente explodiu nele a frustração acumulada. Ele eraum soldado, cuja campanha gloriosa vinha sendo retardada. Seu lugar-tenentecolheraumasériedevitóriasnoOriente,vitóriasquedeveriamserdelepordireito.TalvezAntônio tenha sedado contadeque a esposa e ocunhadoestavammancomunadosemmantê-losobcontrole,queeleestavasendo feito de tolo, que a colaboração parecia cada vez menos possível.Certamente o jeito mais óbvio de garantir o domínio em casa seria comuma brilhante vitóriamilitar no exterior. Esmagar os partos era eliminarOtaviano, uma estranha assimetria, não inteiramentediferentedoprojetoromanodeAuletesduasdécadasantes.Plutarcodáumaexplicaçãodiferenteparaamudançade37.Eleadmite

afixaçãoparta,mascitatambém“umterrívelmalquevinharondadohaviamuitotempo”.OsamigosdeAntônioachavamqueaolongodetrêsanosemeio aquele desejo tinha perdido a força, dissipado por Otávia, ou pelomenos“adormecidopormelhoresconsiderações”. 73No relatodePlutarco,o desejo de repente despertou, tornando-se mais e mais combustível àmedidaqueAntônioviajavaparaoOriente,ondeacabousereacendendoeexplodiu em chamas. Plutarco queria contar sua história direito,mas nãosedeveesquecerqueelefaziadavidadeAntônioumalendaedi icante.OAntôniodePlutarcoéumhomemtalentoso,arruinadopelaprópriapaixão;a moral da história podia ser mais importante do que os detalhes.Quaisquer que fossem as circunstâncias, chegando à Síria em segurança,

Antônio desa iou tanto seus instintos como a razão fria. Mandou ummensageiro a Alexandria. Cleópatra devia ir encontrar com ele emAntióquia,aterceiramaiorcidadedomundomediterrâneo.Dessavez,elapartiu imediatamente. Não muito tempo depois da chegada do casal àcapital Síria, circularam moedas com os retratos conjuntos de Antônio eCleópatra.Nãoéclaroquemestavanafrente,quemnoverso,oqueviriaaser, em resumo, o enigma intermitente dos sete tumultuosos anosseguintes.74AntônionuncamaisviuOtávia.

Notas

aÉprecisoumcoraçãoduroparadizerqueAntônioresistiuàirresistívelrainhaegípcia,masissojáfoidito.OgrandeRonaldSymefazdeCleópatraapenasmaisumanasualistadeconquistas,atribuindo-a a uma relação de rainhas associadasmais oumenos intercambiáveis. Na opiniãodele,nãohouvepaixão;Antônio“sucumbiudeboavontade,masnãoserendeu”.EnavisãodeSyme, depois do inverno alexandrinode 41, Antônio não sentiu por elamais que indiferença.(Syme, 2002, p.214. Para as dúvidas de Syme, p.274-5. Isso também é conjetura, embora asasserções opostas tenham sido feitas com igual certeza, relativas tanto a A como a CR. Veja aCleópatra de Anatole France emOn Life and Letters [Londres, Bodley Head, 1924, p.114]: “Écerto que César amava Cleópatra”, e Froude [1879, p.456]: “Não é provável tampouco que,numasituaçãodetantoperigoedi iculdadecomoaquelaemque[CR]seencontrava,elefosseacrescentaroembaraçodesepermitiralgumtipodeintriga.”FroudeduvidatambémdavisitadeCleópatraaJúlioCésaremRoma.Gruendespeavisitadequalquerromance.)

—VII—

UMALVODEFOFOCASPARATODOOMUNDO

“Amaiorconquistadeumamulheréquefalemdelaomaisraramentepossível.”

TUCÍDIDES1

Ela não precisava recorrer a um teatro de fantasiasdessa vez. Antes de viajar nesse outono,CleópatrajásabiaqueMarcoAntônioestavaindoaoOriente,para inalmenteacertarascontascomaPártia,campanhaqueelevinharetardandojáporquatroanos.Elasabiadaspreocupaçõesdeleporcausadotumultuadoinvernoquepassaramjuntos.DeCésar,elateriaouvidodetalhesdoplanooriginal da expedição. À medida que rumava para Antióquia, Antônio reorganizou a Ásia Menor,criando reinos para aqueles em quem con iava e aqueles que o apoiavam. Fixou uma fronteiraestável; era essencial que ele fortalecesse a retaguarda antes de prosseguir para o Oriente. Comessamesma inalidade,AntônioeOtavianotinham,juntos,arrumadoumtítulodereiparaHerodes,quando ele inalmente apareceu em Roma naquele inverno. De ascendência idumeia e árabe,Herodesnãoeradeformaalgumaocandidatoóbvioparaotronojudeu.Suatenacidade,maisquesuaorigem,garantiu-lheacoroa.NenhumadinastiaexplicavamaiseloquentementesuaequivocadalealdadeaCássio;seriajustodizerdeHerodesqueelehavia“seesgueirado”2paraopoder.Antônioconhecera seu pai, também amigo de Roma. E tinha encontrado Herodes quando adolescente. Arelaçãopessoalcontavabastante.Oportunista a iado, Herodesera enternecedoramente desajeitado, um

mestrenaescapadamiraculosa.AsprovassugeremumfascínioporeleemRoma,tantodapartedeOtavianoquantodadeAntônio.Nãoécoincidênciaque Herodes fosse exímio tanto quando se tratava de levantar fundosquantodeatirarumdardo;eletinhaumtalentoassombrosoparaarrancardinheirodoar.(Seussúditostinhamcertoconhecimentodeseusmétodos.)OSenadocon irmouporunanimidadeotítulodereidepoisqueOtavianoeAntônio escoltaram Herodes entre os dois até o Capitólio, umademonstração de honra. Cônsules e magistrados iam à frente. Antônioargumentou que a ocasião seria vantajosa para a campanha oriental;depois, ele deu um banquete em honra do novo rei. Segundo algunsrelatos, Herodes também devia seu trono a Cleópatra. O Senado eramotivadotantopormedodelacomopelaadmiraçãoporele.Ossenadoresinstintivamente preferiamdoismonarcas na região, emvez de um.Haviauma vasta razão para temer uma rainha associada à frente de um reinorico,quetinhanasmãosofornecimentodecerealparaRoma.3

Essa lógica funcionou também a favor de Cleópatra. Antônio não podia

correr o risco de nenhum levante noEgito. Só ela era capaz de governaraquele reino com autoridade. Estava claro que poucos conseguiamconduzir melhor o país. Como sempre, ela partiu de Alexandria com asegurança de que sem o seu apoio inanceiro nenhum romano teriasucesso contra a Pártia, um império rico, imenso e bem-defendido. Emoutras palavras, enquanto seguia para o norte naquele outono,acompanhando a rochosa costa leste do Mediterrâneo, ela sabia que oequilíbriodopoderhaviamudadosutilmente.ApesardetodaabravatadeAntônio, apesar de seu exército soberbo, ela é que possuía o controle.Tendoavaidademudadopoucoemdoismilênios,parece justosuporqueelaesuasatendentestomaramcuidadosrigorososcomsuaaparência.Elanão via Marco Antônio havia três anos e meio, período que qualquermulher desejaria tornar invisível. Ela sabia o que se falava de Otávia, abeldadederostoredondoecabelosbrilhosos.Dessavez,porém,nãohavianecessidadedemantosambrosianos,depresentesdefestaincrustadosdejoias, de rosas de parede a parede. Cleópatra tinha algo melhor. Nessaviagem,elalevouosfilhos.Em Antióquia, uma versão em miniatura e menos libertinade

Alexandria, Alexandre Hélio e Cleópatra Selene conheceram seu pai. Elereconheceuosgêmeoscomoseus ilhos.Podetersidoumencontroalegre.Antônio tinha pretensões helenísticas. Ele havia se insinuado na dinastiaptolomaica;seus ilhosestavamagoranalinhasucessóriadotronoegípcio.Além disso, tinha um novo ilho homem, coisa que Otávia, ummodelo deperfeiçãoemtodososoutrosaspectos,nãohaviaproduzido.(Antôniotinhadois ilhosmaisvelhos,deFúlvia.)AlgunschegammesmoasugerirquefoiprecisamenteofracassodeOtáviaemfornecerumherdeirohomem—umquecumprisseaprofeciadeVirgílioeproduzisseamuitoesperada idadedeouro—queempurrouAntônioparaosbraçosdeCleópatra.Emgeral,Antôniogostavadecriançasenuncaachavaqueeramdemais.Gostavadedizer que “famílias nobres se prolongaram pela geração sucessiva demuitos reis”. 4 Ele di icilmente seria um homem capaz de resistir a umadivindademenor falante do grego, de três anos de idade, vestido de rei,que se dirigia a Antônio como “pai” e que, se for possível con iar nasesculturas, comorostogordinhoeoscachosondulantes, tambémpareciacomele.Estabelecer-secomoreieraumadasprioridadesdosprojetosdeAntônio fazia muitos anos. Ele perseguia esse caminho desde Filipos,seguindo o exemplo de seu ilustre mentor. Com seus ilhos ilegítimos,Antônio calçava com legitimidade, como diz ummoderno historiador, “oschinelos de seu predecessor”. 5 Era especialmente apropriado que ele o

izesse em Antióquia, uma cidade ribeirinha pitoresca e bem-provida, nosopédeumamontanhamajestosa,comumatramadecolunatasnocentroeumaamplavariedadedeestádiosejardins,fontesmonumentaisefontesnaturais.BanhadaporbrisasdoOcidentedemaioaoutubro,Antióquiaeraensolaradaesemventono inverno,combanhosdeliciososeummercadomovimentado. Com boa disposição por César, que encomendou umaestátuadele ali depoisdedeixarCleópatra em47, a capital Síria recebeucalorosamenteseucelebradoprotegido.Cleópatra tinha todas as razões pessoais para se deliciar com a muito

protelada reunião familiar, mas as satisfações políticas eram aindamaiores.Antôniotinhaseguidoseuconselhosobrepesca.Estavafazendooqueela achava—ouoque,por suas razõespessoais,o levouaacreditarqueachava—queelefaziamelhor.Dedicando-seaumesportedigno,eleestava pescando “cidades, províncias e reinos”. Não é inexato dizer que“reinos e ilhas eram comomoedas que caíam de seu bolso” 6, como seriasugerido depois; em grande parte havia uma lógica irresistível nasdisposiçõesdeAntônio.Eleseempenhouemumamuitonecessária,muitasvezes tentada, organização do inquieto Oriente. Numa regiãomultiétnica,multicultural, de alianças cambiantes, que resistira a trinta anos deesforços romanos de reorganização, ele reconhecia o talento,recompensavaacompetênciaealealdade.ComoAntôniogostavadedizer:“A grandeza do Império Romano tornou-se manifesta não pelo que osromanosreceberam,maspeloqueelesatribuíram.” 7 Consolidando reinos,ele habilmente fundiu territórios e distribuiu terras. Ele redesenhou ageografia.MarcoAntônioestavaà vontadeemanifestamente invencível.Ninguém

duvidava de seu iminente triunfo sobre os temidos partos. Raramentealguémhaviareunido“umexércitomaisconspícuoempoderio,resistênciaevigor juvenil”8. O deAntônio fez “toda aÁsia estremecer”9. Era amaiorforça que ele viria a comandar, os homens devotados unicamente ao seugeneroso e independente general. Cada um deles preferia a boa opiniãodelea suaprópriavida,umadevoçãonascida,desmancha-sePlutarco,da“nobreza de sua família, de sua eloquência, das maneiras francas eabertas,doshábitosliberaisemagnânimos,dafamiliaridadeemfalarcomtodomundo”10.OhumordeAntônioera contagiante;haviadisposiçãoportodaparte.Distribuirpresentesésempreanimadoreaprodigalidadeeraalgoqueeleexerciaespecialmentebem.Eraumcorolárioàsuadefesadefamílias numerosas. Na ensolarada Antióquia — é provável que os doistenham icadonopalácioda ilha, aninhadanumacurvado rioplácido—,

Cleópatratinharazãoparasecongratulareparaacreditarque,emergindodecincoanosdecaoseconfusão,haviaapostadonocavalocerto.Quando ela chegou em setembro, Antônio lhe deu, além do mais, um

presente extraordinário. Ele não só reconheceu os gêmeos de três anos,como despejou uma vasta coleção de territórios sobre a mãe deles. Elacon irmou sua autoridadesobre a ilha de Chipre, que nemmesmo Césarhavialheentregadoo icialmente.Alembrançaeosefeitosdamonumentalperda do Chipre só podiam ser incendiários. Às terras de Cleópatra, eleacrescentoua lorestadaCoele-Síria (partedaqual éoLíbanodehoje); aluxuriante e distante Cirene (na Líbia moderna); uma fatia generosa daCilícia coberta de cedros (costa oriental da Turquia); porções de Creta; etodas as cidades do rico litoral fenício, menos duas. Em diversos casos,Antônioeliminousoberanos—senãoseencontravaumaofensa, semprese podia fabricar uma— de forma que Cleópatra pudesse assumir seusterritórios.Apartirdoano37a.C.,Cleópatragovernavapraticamentetodoo litoral oriental doMediterrâneo, desdeoque é hoje a Líbia oriental, naÁfrica, até o norte, através de Israel, do Líbano, da Síria e do sul daTurquia,comexceçãodefatiasdaJudeia.As necessidades militares de Antônio e o acerto de contas romano

determinaram em grande parte o tamanho e a forma das concessões.Assim como sua opinião a respeito de Cleópatra; ela era hábil, con iável,capacitada.EraissoqueRomaqueriadeseusgovernantesassociados,quetinhamdiversasvantagenssobreosromanosnomeadosparaessescargos,uma delas que não precisavam ser pagos. Mais importante, Antônioprecisava de uma marinha. Na época do tratado de Tarento, ele tinhaenviado a Otaviano cem galeras de bico de bronze e dez trirremes.Cleópatra sabia construir navios. Antônio tinha boas razões para atribuirprovíncias ricasemmadeiraaumarainhaque tinhaospro issionaiseosrecursosparatransformaressamadeiraemumaboafrota;quantoaisso,ninguém no mundo mediterrâneo era tão valioso a Antônio comoCleópatra11. Como Plutarco admite, os presentes dados a ela foram sóalguns entre osmuitos distribuídos a governantes orientais.12 Ao mesmotempo, ela era uma das raras soberanas que continuavam no posto;Antônio regularmente apaziguava dinastias estabelecidas fazendonomeações.ECleópatrarecebeuumpresentemuitomaisgenerosodoquequalqueroutrogovernante.Emsetembrode37,elahaviaquaserestituídoaglóriadoImpérioPtolomaicodoséculoIII.Com boas razões, Cleópatra declarou uma nova era para o Egito. O

décimo sexto ano de reinado dela passaria a partir de então a ser

conhecido como ano 1, umadatação dupla a que ela deu continuidadedurante todo o seu reinado. 13 E aos 32 anos, ela se rede iniu, assumindoum título original. Entre os muitos privilégios não convencionais de queCleópatragozava, intitulara simesmasemdúvida iguravaentreosmaissigni icativos,ao ladodeoutroscomoescolherseuconsorteeadministraras próprias rendas. Desse ponto em diante, ela era “Rainha Cleópatra, aDeusa, a Mais Nova, que Ama Seu Pai e Sua Pátria”. Manipulava anomenclatura com tanta astúcia quanto muitas outras coisas, e muito sepodia lernessetítulo.Comele,Cleópatraanunciavanãoapenasumanovaera,mas uma reorientação política radical. Ela pode ter adotado o últimotítuloparaencerrarosrumoresdequeestavasevendendoaosromanos;com ele, Cleópatra indicava aos súditos que ela era, em primeiro lugar eacima de tudo, sua faraó.a Certamente a imagética de suas moedas étranquilizadoramente coerente com a dos Ptolomeus anteriores. Sobqualquer nome ela era igura dasmais poderosas que existiam no palconão romano. Quando Antônio vencesse os partos, ela seria imperatriz doOriente. Várias cidades costeiras admitiram isso, emitindo moedas emhonradeAntônioeCleópatra.Arainhaegípciatinhatodasasrazõesparaestarexultante.Nãohaviaamenormanchanohorizonte.CleópatrasópodiadesejarcomemoraronovoalvoreceremAlexandria.

Tendo sacri icado tudodepoisdos IdosdeMarço, ela ganharanão sóumapoio,mas se saíramelhor dessa vez. Sem contar o orgulhopelo impérioqueacabarade se instalar, como seus súditos reagiamà sua colaboraçãocom um segundo romano? Não existe qualquer traço de escândalo. Seupovo continuava focado nas consequências práticas da diplomacia deCleópatra.“Parece-me”,sugeriuumeminenteacadêmico,“queelesviamosamores e os ilhos de uma faraó como assuntos divinos e que sóquestionavamsuarainhaquandoseuscobradoresdeimpostosapertavamdemais.”14Elahaviaresolvidocominteligênciaumquebra-cabeçaspolítico.A ausência de resistência em casa pode indicar também que ela não eraindevidamentegenerosacomMarcoAntônio.Elapode terconcordadoempagar as legiõesdele,masCleópatrapodia se permitir isso sem impostosopressivos a seu povo. Também não havia razão para acreditar que asdisposiçõesterritoriaisdeAntôniogerassemalarmeemRoma.Elasfaziamparte de uma política externa consistente. Enriqueciam os cofres egarantiam as fronteiras. No Egito, a popularidade de Cleópatra só podiaestarnoauge.Diante do presente dado, muitos concluíram que Marco Antônio e

Cleópatra se casaram em Antióquia nesse outono, uma proposição

estranha, uma vez que Antônio já possuía uma esposa. E dada aprodigalidade dele, muitos concluíram que Cleópatra especi icou o quegostaria para a ocasião, pedido ao qualAntônio acedeu.NãoháprovadenenhumadasduascoisasemPlutarco,únicafonteparaessareunião,eeleeraumcronistaquenãotendiaaomitirtransaçõesdesseporte.EleadmiteapenasqueAntônioreconheceuos ilhosdeambos,oquenãoédeformaalguma a mesma coisa que casamento. Com toda certeza, Antônio tinhatanto oumais a ganhar do que Cleópatra: atémesmo Plutarco não podiaquali icar como erro o triúnviro romano se aliar à mulher mais rica domundo.15 As necessidades práticas imediatas dele se encaixavamperfeitamente com as ambições imperiais que ela alimentava de longadata. Existem menos evidências de um casamento do que da sede deterritóriosdeCleópatra,quesemanifestavaentãopelaprimeiravez.Diz-seque em 37, ou no ano seguinte, ela infernizou Antônio pela quasetotalidade da Judeia. Ele parece ter recusado. (A tenacidade dele nessecampoé tomada comoprovadeque elenão eraumamassa informenasmãos fortes dela. Ele recusou a concessão, portanto não estava louco depaixão.ÉmuitopossíveltambémqueCleópatrasoubesseosseuslimitesenunca tivesse pedido a Judeia, o que deixa aberta a questão do estadoemocionaldeAntônio.)É improvávelqueelatenhatidodebarganharporterritórios, embora estivesse emboaposiçãopara isso.Antônioprecisavainanciarumacampanha,pagarumexército,complementarumamarinha.Cleópatra não precisava de nada. A posição de negociação dela era amelhor.Oquequerque tenhaacontecidoentreosdois,apercepçãodosoutros

reis associados na região era que Antônio estava profunda eresolutamenteligadoaCleópatra.16Émaisdi ícilleroquehavianocoraçãodela, pelomenosem37.Mas temosalgumaspistas.AntesoudepoisdeoEgito se expandir às proporções do século III a.C., antes oudepois de elamudar o calendário, Antônio e Cleópatra retomaram seu relacionamentosexual, recomeçando de onde tinham interrompido em Tarso. E,evidentemente, a presença de Antônio signi icava tanto para Cleópatraquantooseupatronato.Emmarçoouabrilde36,elaoacompanhoupelalarga estrada plana que ia deAntióquia até o limiar do Império Romano,uma viagem por terra que a desviou centenas de quilômetros de seucaminho.Eradesnecessáriaparaela emenos confortáveldoquepoderiatersido,umavezqueelaestavagrávidaoutravez.AntônioeCleópatrasedespediram àsmargens do Eufrates, onde o rio se estreitava num canalprofundo, no que é hoje a Turquia oriental. Ele atravessou a ponte de

madeira para o território parto, para marchar em direção ao norte comseu exército resplandecente, através da rota cheia de obstáculos pelasestepes e íngremes montanhas que se estendem além do Eufrates.Cleópatraseguiuparaosul.

Ela tomou o caminhomais longo para casa, fazendo uma espécie de excursão triunfal por terraatravésdesuasnovaspossessões.Muitosgostaramderecebê-la;algunsdosdéspotasqueAntôniohaviaeliminadoem favordela foramabomináveis.Em tornodeDamasco,porexemplo,Cleópatraagora governava um território anteriormente controlado por uma tribo de bandidos predatórios,arqueiros obcecados. Ela acompanhou com seu séquito os caminhos serpenteantes pelasmontanhas e escarpados rochedos do que são hoje a Síria e o Líbano, atravessando passagenstortuosaseprofundasravinas,subiuàcristadeumacadeiademontanhas,entreduasaltascolinas,para chegar a Jerusalém.Cercadapormuralhas comameias e uma sériede torresquadradasdenove metros de altura, Jerusalém era um importante centro comercial, rico em artes. Cleópatratinha negócios a tratar com Herodes que,embora um negociador incansável, não estava comnenhumapressaparadiscuti-los.Na última vez que haviam se encontrado, Herodes era um fugitivo e

suplicante.Nessemomento,eleocupavacominquietaçãootronojudeu,reide um povo que tivera de conquistar para poder governar. b É de sepresumir que Cleópatra e seu séquito icaram com o soberano recém-instituído,umcolecionadordemoradasehomemcomumgostoptolomaicopelo luxo, embora o lendário palácio de luxo ao sul da cidade aindaestivesseporconstruir.Provavelmente,Cleópatra foihóspededeHerodesem sua casa na Cidade Alta de Jerusalém, na de inição dela mais umafortaleza do que um palácio. No decorrer da visita, ela conheceu osbelicosos e numerosos familiares de Herodes, com os quais acabaria porestabeleceruma correspondência subversiva.Herodes teve a infelicidadedemorarnamesmacasacomváriosinimigosimplacáveis,aprimeiraentreeles sua desdenhosa e aristocrata sogra, Alexandra. Ela representavaapenasumincômodonafamíliapredominantementefemininadeHerodes.Ele morava também com sua insinuante mãe; uma irmã queixosa esuperleal; e Mariamne, a esposa fria e excepcionalmente bela que secasara ainda adolescente e que, para frustração dele, não conseguiasuperarofatodeHerodesterassassinadometadedesuafamília.EmboraCleópatra tivesse ajudadoHerodes três anos antes, embora eles tivessemum patrono comum e juntos navegassem nas mesmas agitadas águasromanas— ambos faziam o possível paramanter um país exasperado epeculiar à sombra de uma superpotência em ascensão —, ele nãoprecisavademaisumamulherdominadora.Aocontráriodasoutras, estatinha,alémdomais,interesseemseutesouro.

TemosapenasumafonteparaavisitadeCleópatra,hostilaseuOrientenativo,muito chegada a Roma, trabalhando pelomenos emparte a favorde Herodes. O historiador judeu Josefo disfarça, mas não conseguecamu lar inteiramente o que veio à tona: Herodes e Cleópatra passaramalgunsmomentos intensosnacompanhiaumdooutro,partedesse tempoelaborandoosdetalhesdasobrigaçõesdele.AntôniooutorgaraaCleópatradireitosexclusivossobreobetumedomarMorto,ouasfalto,quea loravaem grumos à super ície do lago. Betume era essencial como argamassa,incenso e inseticida, para embalsamar e calafetar. Um cesto de vime,besuntadocomasfalto,podiatransportarágua.Pintadocomele,umbarcoicava à prova de água. A concessão era lucrativa. Também de Cleópatraeram os rendimentos de Jericó, uma estação de inverno popular, comluxuriantespomaresdetamareirasejardinsdebálsamo.Émuitoprovávelque ela tenha atravessado a cavalo um deserto escaldante parainspecionar esses duzentos acres no vale do rio Jordão, onde Herodespossuíaumpaláciosecundário.Todososoutrosaromasempalideciamemcomparaçãoaodocebálsamo,quecresciaexclusivamentenaJudeia.Oóleo,a semente e a casca do arbusto fragrante eram todos preciosos.Constituíam a exportação mais valiosa da região. Quanto às tâmaras deJericó, eram as melhores do mundo antigo, fonte de seu mais potentevinho. Em termosmodernos, era como se Cleópatra não tivesse recebidopartealgumadoKuwait,apenasoslucrosdeseuscamposdepetróleo.17

Herodes achou a transação particularmente dolorosa uma vez que aJudeia era um país pobre, ressecado e pedregoso, com poucas áreasférteis, nenhum porto e uma população em rápida expansão. Osrendimentosdele eramuma fração risível dos rendimentos deCleópatra.Ao mesmo tempo, as ambições dele extrapolavam seu território; ele nãotinha qualquer vontade de ser “rei de um deserto”18. Parece que houvealgumadisputasobreostermos,numanegociaçãoquemostrouCleópatrafocalizadamaisintensamentenasentregasdebetumedoqueemsedução.Implacável e dura; o resultado foi altamente favorável a ela. Herodesconcordou em arrendar as terras de Jericó por duzentos talentos anuais.Ele consentiu também em garantir e coletar o aluguel pelomonopólio debetume de seu vizinho, o rei nabateu. Ao concordar com isso, Herodeslivrou-sedacompanhiadequaisqueragentesousoldadosdeCleópatra.Nomais, os arranjos foram inteiramente favoráveis a ela, sobretudo porquedeixouambososhomensarrasados.Herodesteriadearrancar fundosdeum soberano que havia lhe negadorefúgio durante a invasão parta e sófaziaseuspagamentossobpressão.Voluntáriaee icientemente,Cleópatra

pôsdoishomensquenãogostavamdela,umjudeueumárabe,umcontrao outro. (Malco, o soberano nabateu, iria vingar-semais tarde.) Herodes,porém, manteve seu lado do acordo com Cleópatra. Ele sentiu que “nãoseriasegurodaraelaqualquerrazãoparaodiá-lo”.19

Sob todos os outros aspectos, a visita foi malsucedida. Os doisinveteradossedutoresfracassaraminteiramenteemseinteressarumpelooutro. Cleópatra pode ter sido condescendente com seu colega. Como asogra real não parava de lembrar a ele, Herodes era plebeu. E nãoexatamente judeu, devido à religião de sua mãe; aos olhos dos judeus,Herodes era um gentio, enquanto aos olhos dos outros era judeu.Consequentemente, estava sempre inseguro de seu trono, uma situaçãonãodesconhecidadeCleópatra,quepodetê-laexacerbado.Eladeviafalararamaicomelhordoqueelefalavagrego;muitosanosmaisvelhoqueela,Herodeserapoucoeducado,tristementede icienteemhistóriaecultura,eressentido por essas duas coisas. (É bastante revelador que quando eledecidiu remediar essa situação, anos depois, contratou omelhor tutor noramo,que,alémdesuasprópriasrealizaçõesliteráriasemusicais,possuíaasmelhores credenciais que se podia esperar: tinha sido tutor dos ilhosde Cleópatra.) Era inevitável que Herodes parecesse deselegante napresençasofisticadadeCleópatra.Quando há paixões em jogo, o oposto do grande axioma da política

externa pode se mostrar verdadeiro: o amigo do amigo é nosso inimigo.Talvez Herodes sentisse por Cleópatra o que é inevitável que se sintaquando o palácio do outro envergonha o nosso. Ela podia estar muitoanimada com seu sucesso em Antióquia para ser conciliadora; é muitopossívelquetenhainsinuadoquecobiçavaaterradeHerodes.Dívidassãodi íceisdeadmitireosdoisdeviamumaooutro.CleópatrahaviaapoiadoafugadeHerodesparaRoma.OpaideletinhacorridoemapoioaCésaremAlexandria. De qualquer modo, o famoso an itrião Herodes teve umareaçãoviolentacomsuavisitante.Semdúvida,elepreparouumasériedebanquetes reais para Cleópatra. E, argumentando que estava prestandoum serviço à comunidade, recomendou a seu conselho de Estado quearranjasse também o assassinato dela. Poderiaser feito com facilidade,enquanto ela estava em Jerusalém e à mercê dele. Ele eliminaria umavizinhaambiciosaeperigosa,mastodomundosairiaganhando,SobretudoAntônio. Herodes explicou-se acaloradamente: “Desse jeito”, disse ele,“livraria de muitos males todos aqueles que ela já prejudicara e quepoderiaprejudicarnofuturo.Aomesmotempo,argumentou,issoseriaumprêmioparaAntônio,poisnemmesmoaeleelademonstraria lealdadese

algumaocasiãoounecessidadeolevasseapedirporisso.”20

Herodes usou o argumento de costume; como sempre, a mulherdiabólica era a mulher sexual. Além de todo o resto, explicou a seusconselheiros, a assanhada egípcia “armara uma cilada traiçoeira paraele”21!Declarando-se tomadade amor, tentara se entregar a ele, “porqueestava, por natureza, acostumada a gozar esse tipo de prazer semdisfarces”.Herodes tinha toda razãoemobservarqueCleópatra eraumanegociadoradura.E seumamulher está levandovantagemsobrevocê, éconveniente transformar essa mulher num predador sexual, capaz deindizível depravação, “uma escrava de sua luxúria”. 22 (Não era um saltoassim tão grande. “Cupidez” e “concupiscência” têm amesma raiz latina.)Tendoconseguidoescapardaspropostasdesavergonhadasdela,Herodeslevou a sensibilidade ofendida a seu conselho. A lascívia daquelamulhereraumultraje.Os conselheiros de Herodes imploraram para ele reconsiderar. Estava

sendo impulsivo. Os riscos eram muito grandes, como sem dúvida aprópriaCleópatra sabia,protegidadepertoporguardas, sempre cercadae, sem dúvida, mais astuta sobre as rami icações políticas. O conselhobrindouHerodes comumapequena lição na perversa dinâmica do afeto,liçãoessaquedevetersidoútildepois.Emprimeirolugar,AntônionãoiriaapreciaroassassinatodeCleópatra,mesmoqueasvantagensfossemparaele. Em segundo lugar, “o amor dele se in lamaria ainda mais se eleachasse que ela havia sido tirada dele pormeio de violência e traição”. 23

Ele se tornaria um homem obcecado. Herodes seria terminantementecondenado. Os conselheiros enfatizaram que Herodes estava fora de seuterritório com essamulher, amais in luente do seu tempo. Será que nãoconseguiapassarporcimadessaquestão?Cleópatra, evidentemente, era esperta demais para seduzir, ou tentar

seduzir, um soberano menor. Não tinha nada a ganhar encurralandoHerodes dessa forma. Era pouco provável que ela fosse seduzir umsubordinadodeseupatrono,aindamaisimprovávelquefosseseatirarnosbraçosdeHerodesnummomentoemqueestava,agora,quasenoverão,jávisivelmente grávida do ilho de Antônio. Uma legião romana estavaestacionada em Jerusalém para garantir o trono de Herodes. Era poucoprovávelqueesseshomensfossemficarquietos.Pormaisastutoquefosse,Herodes possuía, como acontecimentos posteriores viriam a demonstrar,umentendimentolimitadodocoraçãohumano.Comdi iculdade,oconselhoodissuadiudatentativadeassassinato.Elenãoteriadefesa,sendoatrama“contraumamulherqueeradamaisaltadignidadedeseusexonomundo

naquele momento”. 24 Herodes não podia se permitir nem ofenderCleópatra,nempermitirqueela tivessequalquer razãoparaodiá-lo. Semdúvidaeleconseguiriapassarporcimadadesonradosatrevidosavançosdela?c

Supondo que essas deliberações tenham chegado aos ouvidos deCleópatra, é di ícil não imaginá-la rindo com prazer. Ela contava e sabiaque contava com a lealdade de Antônio. Tinha melhores razões parapensaremdispordeHerodes,queeraaúnicabarreiraentreelaeaplenapossedalinhacosteiraoriental.Comoelabemsabia,aterradeleemváriasconjunturas havia pertencido aos Ptolomeus. No im, o conselho deHerodes conseguiu acalmá-lo. Respeitosa e polidamente, ele acompanhousua visitante através do calor abrasador do Sinai até a fronteira com oEgito. Se Cleópatra sabia dessas discussões— e é di ícil pensar que nãosoubesse —, a viagem deles deve ter sido pesada e tediosa na areiaescaldante.Semdúvidaofoiparaoressentidoreidos judeus.EmPelúsio,elesedespediudeCleópatra,emgravidez avançada e carregada de presentes, uma volta ao lar muito

diferentedoretornofurtivodessemesmopostoavançadoem48.Nocomeçodooutono,quefoiabençoadoporumaenchentecopiosa,ela

deuàluzseuquarto ilho.Nomundoantigo,talvezmaisqueemqualqueroutra época, um nome era muito importante; ela chamou seu novo ilhoPtolomeu Filadelfo, evocando abertamente os dias e glória do século III,últimavezquesuafamíliareinarasobreumimpériotãovastoquanto,em36,odeCleópatra,aDeusa,aMaisNova,queAmaSeuPaieSuaPátria.

Para infelicidade de Herodes, ele não se livrou assim tão fácil dessa ávida mulher de negócios.Durante a estada na corte judaica, Cleópatra izera alguns amigos, aos quais viria a se mostrardiabolicamente útil. Logo depois da volta ao Egito, ela recebeu notícias de Alexandra, sogra deHerodes. A princesa hasmoneana encontrara na rainha egípcia um espírito a im, razão su icientepara Herodes se ressentir de sua visitante real. Ele condenaria Cleópatra por ter eliminadofriamenteamaiorpartedesuafamília—acusaçãocomplicadavindodealguémquehaviachegadoaotronoatravésdoassassinatoequecontinuariasanguináriodurantedécadas—,mastinhaigualrazãode invejá-lapor isso.Emgrandeparte, asdiferençasde classee religiãoeramresponsáveispelamútuaantipatiadeHerodeseAlexandra.NãosóHerodesera judeudo ladoerrado, comoosidumeus haviam se convertido havia pouco tempo ao judaísmo.Os judeus não tinhammuito usoparaeles.AesposadeHerodesesuafamília,aocontrário,eramdescendentesnobresdegeraçõesdealtossacerdotesjudeus,umpostoquesediztersuaorigemnoirmãodeMoisés.Em37,Herodesseaventurouaapontarumnovoaltosacerdote foradessa família.Eleo fezemborahouvesseumcandidatoevidenteeimensamentebem-vistoàdisposição:oirmãodeMariamne,dedezesseisanos,o alto e irresistivelmente bonito Aristóbulo. Herodes preferiu um o icial nada notável no postolucrativoeimportante;bastavasuapompaparaconferirumaespéciedepodersuprarreal.Usandoumdiademabordadoaouro,oaltosacerdotecelebravaaseupovonumaroupafranjadaazulque

iaatéochão,cravejadadepedraspreciosasedotadadesininhosdeouro.Doisbroches ixavamaosombros um manto púrpura, escarlate e azul também cravejado de joias. Mesmo num indivíduomenor, esses acessórios bastavam “para fazer a pessoa sentir que estava na presença de umhomemquepertenciaaoutromundo”.25

Ao ignorar seu jovem cunhado,Herodesprovocouum furacão familiar.ParaAlexandra, ilhadeumsacerdoteeviúvadeumpríncipe,aindicaçãoera um “insulto insuportável”. Com a ajuda de um músico viajante, elainformou essa indignidade a Cleópatra, com cuja solidariedade femininasentiu que podia contar, sobretudo uma solidariedade feminina real. ElasabiaqueCleópatranãotinhapaciênciacomHerodesequetinhaacessoaAntônio.Seráquepoderiaintercederjuntoaele,implorouAlexandra,paraobter o alto sacerdócio para seu ilho? Se Cleópatra o fez, Antônio deviaestarcomassuntosmais importantesnacabeçadoqueavida familiardeHerodes. Ele não fez esforço para intervir, emboramais tarde, em 36, olexível Délio tenha aparecido em Jerusalém para tratar de outrosassuntos.DélioéquemhaviaatraídoCleópatraparaTarso;o conjuntodesograconspiradoraeconselheirocontorcionistaeraquaseperfeitodemais.Os ilhosdeAlexandraeramexcepcionalmentebonitos,aosolhosdeDéliomais parecendo “ ilhos de algum deus do que de seres humanos”. Comosempre,abelezafezrodarsuacabeçaagitada.EleconvenceuAlexandraamandar pintar os retratos de Mariamne e de Aristóbulo e mostrá-losimediatamente a Antônio. Se o triúnviro romano pusesse os olhos neles,prometeuDélio,“nadadoqueelapedisselheserianegado”.26

AlexandrafezoqueDéliopediu,oquesugereingenuidadedesuaparteou algomais tóxico. Sem dúvida alguma, ela era capaz de perceber umatrama amais de cempassos ou armar uma, se não houvesse alguma empreparação.SeapalavradeJosefopodeserlevadaasério,DéliopretendiarecrutarparceirossexuaisdeambosossexosparaAntônio.Aoreceberosretratos,Antôniohesitou,pelomenosnoquediziarespeitoaMariamne.Elesabia que Cleópatra icaria furiosa. Josefo não deixa claro se Cleópatraprotestaria em termos morais ou por ciúmes. De qualquer forma, elademoraria a perdoar. Evidentemente, Antônio não hesitou em mandarchamar o irmão de Mariamne. Nesse ponto, Herodes mudou de ideia.Achou que não seria aconselhável mandar ao romanomais poderoso deseu tempo um belo rapaz de dezesseis anos “para ser usado compropósitos eróticos”. 27 Em vez disso, Herodes reuniu seu conselho e suafamília, para reclamar dos incessantes complôs de Alexandra. ElaconspiraracomCleópatraparausurparseutrono.Elaplanejavasubstituí-lo por seu ilho. Ele faria o que era certo e nomearia o ilho dela para osacerdócio. A proposta de Délio pode ter provocado a concessão

indiretamente; anomeaçãodeAristóbuloomanteriana Judeia, longedasgarrasdeAntônioelongedastramasdeCleópatra.Alexandrareagiucomum dilúvio de lágrimas. Implorou perdão a seu genro. Lamentava sua“habitual franqueza”, sua mão pesada, sem dúvida uma consequênciainfelizdeseutítulo.Ela inundou-sedegratidão.Deagoraemdiante,seriaobedienteemtudo.Aristóbulomal havia vestido os trajes brilhantes de sacerdote quando

Alexandra se viu em prisão doméstica, com vigilância 24 horas. Herodescontinuava a descon iar de que a sogra o trairia. Alexandra explodiu deraiva.Nãotinhaintençãoalgumadepassaravida“emescravidãoemedo”evoltou-separao ladoóbvio.MandouparaCleópatra“umlongoesofridolamentosobreoestadoemqueseencontrava,pedindoquelhedessetodaa ajuda possível”. 28 Citando Eurípides mais uma vez — “é certo asmulheresapoiaremacausadeumamulher” 29—,Cleópatra inventouumaescapada engenhosa. Mandou um navio para conduzir Alexandra eAristóbulo a um lugar seguro. Ela daria asilo a ambos. Foi então queAlexandra, fosse a conselho de Cleópatra, ou por iniciativa própria,mandou fazer dois caixões. Com a ajuda de sua criada, ela e Aristóbuloentraramnoscaixões,paraserem levadosde Jerusalémao litoral,ondeonavio de Cleópatra estava esperando. Infelizmente, um dos criados traiuAlexandra;quandoosfugitivosestavamsendolevadosdopalácio,Herodessaltou do escuro e os surpreendeu. Embora quisesse, ele não ousoucastigarAlexandra,pormedodeprovocarCleópatra.Emvezdisso,armouumagrandedemonstraçãodeperdão,enquanto,portrás,juravavingança.Emoutubro de 35,Herodes estava enlouquecendo com sua esposa e a

famíliadela.Asograestavaassociadaasuamaiorrival.Comdireitomuitomais legítimo ao trono, seu cunhado gozava de um grau perigoso dedevoção popular. Para Herodes era insuportável ver o rapaz, com seuporte nobre e impecável aparência, com suas roupas majestosas e odiademadourado, celebrandonoaltaras festividadesdoSukkot.Noafetode seus súditos pelo alto sacerdote, ele via uma censura a seu reinado.Enquantoisso,Herodeseradesrespeitadoemcasapelaesposa,cujo“ódiopor ele era tão grande quanto o amor dele por ela”. 30 Ela manifestavamuitopoucodalascíviaqueHerodescondenavaemCleópatraepassaraagemer em voz alta quando ele a abraçava. Ele não podia retaliar, nemmesmo indiretamente, contra sua sogra, muito intimamente ligada aCleópatra.Mas podia neutralizar seu cunhado excessivamente promissor.No decorrer de um outono inesperadamente quente, Herodes convidouAristóbulo para nadar com ele na piscina do palácio em Jericó, aninhada

entre jardins formais. Ao lado de amigos e criados, os dois brincaramnaágua fresca ao entardecer. Ao cair da noite, Aristóbulo, em meio àsbrincadeiras, foi mantido embaixo da água um pouco demais. O altosacerdotededezesseteanosestavamorto.31

Seguiram-segrandesdemonstraçõesdefalsaemoçãodeambososlados.Herodes encomendou um funeral caro, cheio de incenso, derramoulágrimas abundantes e lamentou ruidosamente. Alexandra suportou tudobravamente, em silêncio, melhor seria vingar seu ilho mais tarde. (SóMariamne foi franca. Ela denunciou tanto omarido como amãe e a irmãviolentas.) Nada convencida da versão de Herodes para o acidente,Alexandra escreveu de novo a Cleópatra, que se comiserou com ela. Aperda era trágica e desnecessária. Alexandra podia entregar aqueleassunto inadequado a ela; ela comunicaria o fato a Antônio. Quando elevoltou de Pártia, Cleópatra insistiu com ele para castigar o assassino deAristóbulo. Sem dúvida não estava certo, ela a irmou, acalorada, “queHerodes, nomeado por ele rei de um país que não tinha o direito degovernar,demonstrassetamanhodesrespeitoà leicomaquelesqueerama realeza de fato”. 32 A petição dela era a favor da convenção correta, deconheceroprópriolugar,pelosdireitosdossoberanos. AntônioconcordouqueCleópatratinharazão.O medo que Herodes sentia da in luência de Cleópatra tinha

fundamento.Nomomentodevido,chegouumaintimaçãodolitoraldaSíria;eletinhadeseexplicaraAntônio.Tendorecorridoatéentãoapropinasebravatas,Herodesnãoseintimidavafacilmentecomautoridade.Eletendiamais para alegres demonstrações de soberba. E embora se dissesse quehavia saído timidamente, ele se mostrou tão pronto a desarmar essasituaçãoquantoCleópatra,seisanosantes,emTarso,oqueéoutrojeitodedizer que Marco Antônio não tinha grandes dotes para cobrar reisassociadosouqueficavaimpotentenapresençadeummestrebajulador.AvisitarevelaefetivamentequeAntônionãoerade formaalgumamaleávelnas mãos de Cleópatra. Herodes chegou com presentes luxuriantes eexplicações igualmente luxuriantes. Ele neutralizou prontamente osargumentos de Cleópatra. Sem dúvida, Antônio garantiu a ele, “eraimpróprio solicitar uma prestação de contas do reino a um rei, uma vezque nesse caso ele não seria rei absolutamente, e aqueles que haviamdadoaumhomemessecargoeconferidoautoridadeaeledeviampermitirqueeleaexercesse”.EledisseamesmacoisaaCleópatra,quedeveriasepreocupar menos com os negócios de Herodes— ou foi o que HerodesalegouaosegabardasmuitashonrasqueAntôniolhehaviademonstrado.

Os dois jantavam juntos diariamente. Antônio convidou Herodes aacompanhá-loenquantotratavadenegócios.Etudoisso“apesardasdurasacusações de Cleópatra”. 33 Não havia senão boa vontade entre os doishomens,oreijudeua irmouqueestavalivredaquela“mulherperversa” 34

edesuainsaciávelambição.Nesse aspecto, ele estava ligeiramente enganado, embora Herodes

conseguissemais oumenos livrar-se dasmaquinações femininas em suaterra. Meses depois de seu retorno, sua irmã maniacamente vingativa oconvenceu de que seu marido e Mariamne tinham tido um romance emsuaausência.Eraumjeitogarantidodeselivraraomesmotempodeumacunhadamalignaedeummaridoindesejado.Aalegaçãoeraperfeitamentecalibrada para incendiar um homem mal-amado, enfeitiçado; atingiu oefeito desejado.(Como observou Eurípides em uma de suas peçaspreferidaspeloshelenistas:“asmulheresparecemterprazeremfalarmalumas das outras”. 35) Sem julgamento, Herodes mandou executar seucunhado.Eparagarantir,atirouAlexandranaprisão,combaseemqueeladevia ser ao menos em parte responsável por seus problemas. Herodeserado tipo capazdevender suas lealdadese achavaqueosoutroseramiguais.Eleestavasemprerevisandoseutestamento.Mesmo sem a ajuda de Alexandra, Cleópatra continuaria — ou pelo

menos tentaria continuar— dando dores de cabeça a Herodes pormaisalguns anos. Diz-se que ele mandou forti icar Masada por medo dela,estocando grãos, óleo, tâmaras e vinho na fortaleza. 36 Ele não conseguiasossegar com a rainha egípcia por perto.d E as parentes femininas deHerodescontinuavamaferverderaivapelaesposadele.ComfacilidadeoconvenceramdequeMariamnehaviaenviadosecretamenteseuretratoaAntônio.Herodes tinha “oouvido sempreprontoparaamaledicência” 37 etendia para aqueles que nela embarcavam; ele gostava de ver suasgrandes ilusões con irmadas. A acusação “atingiu-o como um raio” e fezcomquedenovo icasseobcecadocomosesquemasmortaisdeCleópatra.e

Sem dúvida aquilo era obra dela: “Ele estava ameaçado, calculou, com aperdanão só da consorte,mas da vida.” 38 Condenou sua esposa àmorte.Quandoestavasendolevadaparaaexecução,Alexandracorreuparacimadela, gritando e puxando oscabelos.Repreendeu a ilha dizendoque eraumamulhermá e insolente,mal-agradecida a Herodes emerecedora deseudestino.Mariamnepassouserenamente,semolharparaamãe.Tinha28 anos. Em mais uma virada protosshakespeariana, Herodes icouarrasado com a morte dela. Seu desejo por Mariamne só crescia;convenceu-sedequeelaaindaestavaviva; icou isicamenteincapacitado.

Sofreu exatamente o que seus conselheiros haviam previsto que Antôniosofreria se fosse privado de Cleópatra. Herodes acabou deixandoJerusalémemumalongaviagemdecaçaerecuperação.Alexandratramoualgumasnovasconspiraçõesemsuaausência.Aovoltar,Herodesordenouaexecuçãodela.

Aolongodetodooanode36,MarcoAntôniorelatouaRomaseubrilhantesucessoemPártia.Romarealizoufestivaisefezsacrifíciosemsuahonra.AinteligênciadeCleópatrapodetersidomelhor.Elaestava a bem mais de 1.600 quilômetros do nevado palco da ação, mas bem mais próxima dapenínsula italiana. Absolutamente comprometida com a vitória de Antônio, tinha recursos paraprovidenciaremissáriosregulares.Mesmoassim,podetersesurpreendidocomomensageiroquechegouaAlexandriano imdoano.Ele traziaumaconvocaçãourgente,diferentede todasasqueela havia recebido antes. Levara provavelmente um mês para chegar, e punha im a umatemporadadealegrias.39Antônioeseuexércitotinhamvoltadodaaventuraparta.Issooslevouatéperto do mar Cáspio, no que é hoje o norte do Irã. A viagem deles era uma mera excursãocomparada à de Alexandre, o Grande, mas mesmo assim tinham marchado quase três milquilômetros.EstavamacampadosnumapequenacidadeaosuldaBeirutecontemporânea,comumporto excelente, no qual Cleópatra poderia atracar sem di iculdade. Antônio implorou a ela quefosse encontrá-lo imediatamente, e que levasse umaquantidade substancial de ouro, provisões eroupasparaseushomens.Deformaalgumaelaesperavavê-lotãocedo.Dificilmente,Pártiapoderiatersidoconquistadaemquestãodemeses.Césarpreviraumacampanhadepelomenostrêsanos.Plutarco conta queCleópatra demorou a chegar,mas não ica claro se

elarealmenteatrasououseassimpareceuaMarcoAntônioquemalpodiaesperar sua chegada. Era inverno; chuvas pesadas e ventos fortesassolavam o Mediterrâneo. Ela precisava juntar suprimentos e prepararuma frota. Tinha de coletar ou cunhar denários de prata. 40 Dera à luzmesesantes. Sabiaqueestava indonadireçãodenotíciasperturbadoras.Desuaparte,Antônioestavainquietoeagitado,emboraPlutarcopossatererradoaojuntarcausaeefeito,alegandoqueAntônioestavazangadopelademora de Cleópatra. A pretensa demora tinha pouco a ver com oproblema real. Antônio tentava se distrair bebendo muito — já sereconhecia então que “não existe outro remédio para o sofrimento” 41 —,mas não tinha paciência para sentar até o im de uma refeição. Ele asinterrompia para correr à praia, onde espreitava insistentemente ohorizonte em busca das velas egípcias, comportamento irregular em umacampamentominucioso e precisamente disciplinado, onde todos comiamjuntos. Plutarco acusa Cleópatra de ter demorado de propósito, mas averdadeéqueelafoi,numaestaçãodediascurtosenoiteslongas,comositensrequisitados,chegando,provavelmente,logodepoisdoaniversáriodequarenta anos de Antônio. Ela entregou “uma abundância de roupas edinheiro”42. Tanto Plutarco comoDio narram um rumor incômodo: dizem

algunsqueela levou roupase suprimentos,masqueAntôniodistribuiuoseupróprioouroaoshomens,dizendoserumpresentedeCleópatra,quenão tinha paciência com sua obsessão por Pártia. Seja como for, Antônioestava comprando boa vontade com o Egito, claramente uma prioridadeparaele,enummomentoemquemalpodiasepermitirtalcoisa.Àpartealentidãodarainhaegípcia,Antôniotinhatodasasrazõespara

sedesesperar.NãohouveranenhumbrilhantesucessoemPártia, apenasuma campanha desmoralizadora, seguida de uma retirada desastrosa.Desde o começo, ele cometera erros estratégicos. Dado o tamanho doexércitoe adimensãodo trajetodemarcha, eledeixaraosequipamentosdecercona retaguarda.Nemsempreconseguiaencontrarospartos,maseles sempreo encontravam: enxamesde talentosos arqueiros e lanceirosemboscavam repetidamente as ileiras romanas regulares. Antônio haviacon iadonaajudamilitardosarmênios,vizinhosocidentaisdaPártia.Elesnão se mostraram os aliados iéis que Antônio esperava. Não era aprimeira vez que atraíam os romanos a “um deserto devassado edesolado”43 onde os abandonavam. Nenhuma batalha fora tão custosaquanto a retirada. Depois de marchar quase cinquenta quilômetros noescuro, os homens exaustos deAntônio pularamna água salobra.Mortosde fome, empanturraram-se de plantas venenosas que os deixaramcambaleantes,vomitando.Emseguida,convulsões,disenteriaealucinações.Oque a água estagnada e as plantas venenosas nãomataram, o calor daArmêniaeasnevessem- imdaCapadóciaterminarampordestruir.Ogeloseformavanasbarbas.Osdedosdospésedasmãoscongelavam.Quando chegaram à costa da Síria, quando ele começou a examinar

obsessivamenteohorizonteàesperadeCleópatra,Antôniohaviaperdidoquase um terço de seu esplêndido exército e metade da cavalaria. Emdezoito batalhas modestas, havia obtido poucas vitórias consistentes; emsua retirada catastró ica, perdeu cerca de 24 mil homens. Em algoparecido comumabofetada, Cleópatra seria responsabilizadapelos errosde Antônio na Pártia. “Tão ansioso estava ele para passar o inverno comela, que começou a guerra antes do tempo propício e orientou tudoconfusamente. Não estava senhor das próprias faculdades, sempreprocurando por ela e pensando mais em seu rápido retorno do que emconquistar o inimigo”44, explica Plutarco. Uma vez mais, dizia-se queCleópatra atrapalhara o ritmo de Antônio. Ou, mais uma vez, foi AntônioquemseatrapalhoueCleópatraacaboulevandoaculpa.A campanha mostrou-se tão reveladora quanto desastrosa. Antônio se

viurepetidamentesuperadoporuminimigoastuto,enganadoporamigos.

OsmesesemPártia forammenosdeamorpelamulhererradadoquedecon iança nos homens errados. Antônio era um general compassivo, que“sepreocupavacomasdi iculdadeseossofrimentosdosdesafortunadoseatendiatudooquepediam”45alémdedespertarmaislealdadedosferidosquedossãos.Elepareciaseriamentede icientenodepartamentovingança.O rei armênio, Artavasdes, levara Antônio a invadir a vizinha Média (omodernoAzerbaijão, terrade tribos ferozesealtascadeiasmontanhosas)e depois o traiu. Seushomens insistiram com Antônio para cobrarArtavasdes,masAntônioserecusou.Ele“nemcensurouasuatraição,nemdiminuiuaamizadeeorespeitoquenormalmentedemonstravaporele” 46.Antônio sabia como tocar os corações; quando teve de conclamar seushomens para funções di íceis, ele “recorreu a um manto escuro, que otornavamaisabatidoaosolhosdeles”47.(Amigosodissuadiram.Antôniofezoapeloasuas tropascomomantopúrpuradegeneral romano.)Amaiorperdadaexpedição foi semdúvidaapazdeespíritodele.Aomenosumavez, esteve à beira do suicídio. Ficou profundamente abalado, como sópoderia icarumcomandantequenopassadosemostraracapaz,valoroso,onipresente.Piorainda,depoisdamalfadadaexpedição— tendoperdidodezenas de milhares de homens, ele distribuiu o que restava de seutesouroe implorouserexecutado—,naSíria,eleseconvenceu,“porumaextraordinária perversão mental” 48, de que, ao escapar como escapara,tinhanarealidadevencido.FoiessehomemexaustoeperturbadoqueCleópatraencontrounacosta

daSíria.Apesardasacusaçõesdequeelaoprejudicara,suachegadalevoualívio às tropas famintas, desmoralizadas e esfarrapadas. Ela fezexatamenteopapeldagenerosaebene icente Ísis.Não temos indíciosdecomoelamanejouoalucinadoAntônio.Cleópatradeve ter icadochocadacom o que nove meses tinham feito àquele exército bem-treinado esoberbamente equipado. Desde o começo houvera irritação e tensasdiferenças de postura no acampamento sírio. Foi nesse momento queCleópatra insistiu comAntônio para castigarHerodes pelamaneira comodestratara Alexandra e que Antônio alertou Cleópatra a não se meter,mensagem que ela não estava acostumada a ouvir. Naquelascircunstâncias, isso deve ter lhe parecido especialmente injusto. Ela icoucomAntônio durante várias semanas, no centro das barracas armadas aespaços regulares, uma cidade romana improvisada, enquanto eleponderavaquaisseriamseuspróximospassos.Chegouanotíciadequeosreismedo e parto haviambrigado na esteira de sua retirada e que o reimedo, cujas terraseramcontíguasàPártia,agorapropunha juntar forças

com Antônio. Animado com a notícia, ele começou a preparar uma novacampanha.Cleópatranãofoiaúnicamulherairemsocorro deAntônio.Elepossuía

também uma esposa muito leal. Ela pediu permissão para ir voando emauxíliodomarido,permissãoqueoirmãodeualegremente.Otavianopodiamuito bemmandar suprimentos. Suas próprias campanhas tinham dadobomresultado.EaviagemdeOtáviaera,essencialmente,umaemboscada.Em37,OtavianoprometeraaAntônio20milhomensparairaPártia,queelenãotinhaenviado.Comsuairmã,eleenviavaagoraumatropadeelitede 2 mil lanceiros, guarda-costas de armaduras suntuosas. Aceitá-lossigni icava para Antônio desistir dos outros 18 mil homens de queprecisavadesesperadamenteparacompletarsuas ileiras.Recusá-losseriaum insulto à irmã de seu rival. Para Otaviano, ansioso por uma desculpaplausível para um rompimento, seria uma oportunidade irresistível;Antônio não tinha como acertar.Otávia foi depressa aAtenas, avisando omarido antecipadamente. Dio coloca Antônio em Alexandria nessemomento, enquanto Plutarco insinua que ele e Cleópatra permaneceramna costa síria.Duas coisas são certas:Antônio e Cleópatra estavammuitojuntosnessemomento.EAntôniomanteveOtáviaàdistância.Elanãodeviaseaproximarmais.EleestavaapontodeirdenovoaPártia.Otávianãosedeixou enganar por essa mensagem e mandou um amigo pessoal deAntônioinvestigaroassuntoelembraraAntônioasmuitasvirtudesdesuaesposa. O enviado, leal tanto aomarido quanto àmulher, queria saber oque Otávia devia fazer com os muitos bens que levava com ela? Nesseponto, ela chegouperto de embaraçar Cleópatra, o que podia sermesmosua intenção. Otávia tinha nas mãos não só os guardas pretorianosricamente equipados, como uma vasta quantidade de roupas, cavalos eanimais de carga, dinheiro dela própria e presentes para Antônio e seusoficiais.Paraondedeviamandá-los?Elaestavadesa iando,aoqueCleópatrarespondeu,masnãonamesma

moeda. Em Otávia ela reconhecia uma rival séria, alarmantementepróxima. O leal representante dela estava em território de Cleópatra.CleópatratinhaouvidofalardabelezadeOtávia.Homensromanostambémpodiam ser venenosos; os que a tinham visto iriam depois expressarsurpresa por Antônio preferir a rainha egípcia. “Nem em juventude nemem beleza”, concluíam eles, “ela era superior a Otávia.”49 (Na verdade, asduasmulheres tinhamamesma idade.)Cleópatra temiaqueaautoridadede Otávia, a in luência do irmão, “sua companhia agradável e assíduasatenções a Antônio” pudessem tornar Otávia irresistível. A soberana que

haviaprocedidocommanobrasousadasecálculosfriostentouentão—oudiz-seque tentou—umcaminhodiferente, recorrendoaaltoe soluçantepranto, a primeira ou a última arma do arsenal de uma mulher,dependendo da ocasião. Plutarco suspeita que Cleópatra tenha ingidoestardesesperadamenteapaixonadaporAntônio;numrelatoromano,elanãorecebenemmesmoocréditodeumaligaçãoemocionalautêntica.Seorelatoforverdadeiro—pareceumpoucocomumatirinhadehistóriaemquadrinhos encaixada numa narrativa cheia de nuances —, ela era tãoe iciente como mulher quanto como soberana. Ela podia dar uma liçãomuito valiosa a Fúlvia. Cleópatra nem implorou, nem negociou. Nãolevantou a voz. Em vez disso, parou de comer. Parecia lânguida de amor,desfeita empaixão porAntônio. (A greve de fome era um truque já bemantigo. A Medeia de Eurípides já izera uma para conquistar ummaridoindócil.)Cleópatra ingia“umardearrebatamentoquandoAntônioestavaperto dela e de abatimento e melancolia quando ele se afastava”. Ela searrastava,dissolvendo-seem lágrimas,queenxugavacomgrandesgestosquando Antônio aparecia outra vez. Queria poupá-lo de qualquerpreocupação,claro.Cleópatrararamentefaziaalgumacoisasozinha,eparaoseudramade

choramingar recrutou um elenco de apoio. Seus cortesãos faziam horasextrasporela.Sua funçãoprincipaleracensurarAntônio.Comoelepodiasertãodesalmadoapontodedestruir“umasenhoratãodevotadaaeleeapenas a ele”? Será que não percebia a diferença entre duasmulheres?“PoisOtávia, diziam,havia se casado comeleporumaquestãodepolíticapúblicaeemfavordeseuirmão,egozavadotítulodeesposalegítima.”Elanãopodia ser comparadaaCleópatraque, emborauma soberana, rainhademilhõesdesúditos,“erachamadadeamantedeAntônioenãorecusavaesse título, nem o desdenhava, contanto que pudesse vê-lo e viver comele”50. O sacri ício dela era o mais nobre. Ela estava negligenciando umgrande reino e suasmuitas responsabilidades, “esgotandoaprópriavida,quando o acompanha em suasmarchas, no papel de concubina” 51. Comoele podia continuar indiferente? Não havia comparação entre as duasmulheres.Cleópatraabandonavatudo“contantoquepudessevê-loevivercom ele; mas se fosse afastada dele, não sobreviveria” 52, conclusão essaqueelaapoiavadefatocomseuprantoesuainanição.AtéosamigosmaispróximosdeMarcoAntônioentraramnahistória, cativadosporCleópatrae,semdúvida,bemconscientesdospendoresdeAntônio.Em termos de campanhas, essa compreendia escaramuças, senão

francasbatalhas; a atmosfera em tornodeAntônio eCleópatra eramuito

carregada. A táticamostrou-se altamente e iciente. O teatro de Cleópatraderreteu Antônio. As repreensões de seus amigos o lisonjearam. Homemdepaixõesdesordenadas,Antôniopareciacontarcomasadmoestações,àsquais respondia prontamente. Era um alegre subordinado, 53

aparentementeàvontadenessepapel.Plutarcoodescrevemaissatisfeitocom as repreensões do que comqualquer outra posição. Censurado peladureza de seu coração, ele “não percebia que através dessa aparenterepreensão estava sendo perversamente atraído para ela”. 54 Ele seconvenceudequeelasesuicidariaseadeixasse.Era-lheparticularmentedi ícil zangar-se nessa situação; já trazia na consciência a morte de umamulherlealeinteligente.Podia-sedizermuitacoisadeAntônio,menosquenão fosse compassivo, como qualquer de seus homens con irmaria. Elerepeliu Otávia. Ela voltou a Roma, uma mulher desprezada aos olhos detodos,menosaosdelamesma.Elaserecusouaaceitaroinsulto;quandooirmãoordenouquedeixasseo lardocasal, ela se recusou.Umavezmais,renunciavaaopapeldeHelenadeTroia,a irmandoque“eraumainfâmiadizer sequer que os doismaiores comandantes domundo arrastaram osromanosàguerracivil,umpelapaixão,outropormágoadeumamulher”.55

Cleópatranãodemonstravaessedesprendimento.JuntocomAntônioiriaembora o trono do Egito. Perdê-lo para Otávia era perder tudo. Aperformance dela era de virtuose e tinha gerado resultados duradouros.Dessepontoemdiante,osdoissetornaraminseparáveis,oqueDiocredita“à paixão e ao feitiço de Cleópatra” e Plutarco a “certas drogas e rituaismágicos”56. Ao contrário, os homens deAntônio (e de Otávia)demonstravamafeiçãomuitoreal.Ageogra iasugeretambémqueAntôniopassou o inverno com Cleópatra em Alexandria. Ele tinha uma pequenarazão prática para isso, uma vez que pretendia marchar para Orienteoutraveznaprimavera.Quantoao invernode35, é impossívelnegarumromance pleno, se por romance queremos dizer um passado íntimo eafável, uma família comum, uma cama comum e uma visão comum dofuturo.

AperfeitaencarnaçãodamulherapaixonadadeCleópatrafezAntôniodeixardeladoumasegundaofensivaparta,queelepostergoupara icaraoladodela.Elaestavamagraepálida.Seuestadodeespíritoopreocupava.Em35,elaatrapalhou,muito intencionalmente,oritmodele.UmtriunfonoOriente continuava sendo tão crítico para Antônio como antes, se nãomais; enquanto ele voltoulambendo suas feridas partas, Otaviano vinha acumulando sucessos. Tinha esmagado SextoPompeu e neutralizado Lépido. (Recorrendo a propinas, Otaviano havia também convencido asdezoitolegiõesdeLépidoaabandoná-lo.)SórestavamAntônioeOtaviano.EsóumavitórianoLeste

poderiagarantirdeumavezportodasomantogloriosodeCésar.Antôniotambémtinhanegóciospendentes com o rei armênio, que ele tardiamente resolvera responsabilizar por uma expediçãocatastró ica.Considera-sequeCleópatranãoviacombonsolhosasambiçõesmilitaresdeAntônioeteria preferido que ele dirigisse suas atenções para outro lado. Sem dúvida, a Pártia era menospreocupante para ela do que a política romana; o Egito estava, em sua maior parte, protegidocontra uma invasão doOriente. Aomesmo tempo, o reino era inteiramente vulnerável a Roma. Aglóriamilitarnãoeradeformaalgumaamoedacorrentedoreinodela;umaexpediçãopartadevialheparecerfútilsobmuitosaspectos.Éfácilouvircomoseriaoargumento,importantepensarnelecomoassuntodeespeculação.OquefariaabsolutosentidoparaAntônioeravoltaraRoma,deondeestavaausentehaviacincoanos.AessasaídaCleópatradeviaresistircomtodasas ibrasdeseuserteatral.Umaexpediçãooriental era cara,masnos cálculosdela,umaviagemaRoma (umavolta aOtáviaeaOtaviano)seriainfinitamentemaiscustosa.Antôniocontinuavaprecisandoamargamentedeumavitória.Eleestava

tambémansiosoporacertarascontas. “Emseuempenhodesevingardoreiarmêniocomummínimodetrabalho”57,elemandouosempreinventivoDélioparaoleste,atéaArmênia.Comosempre,Déliotinhaumaproposta.Dessa vez, tratava-se do tradicional curativo diplomático. Será queArtavasdes, o monarca armênio, não gostaria de prometer sua ilha aAlexandre Hélio, o ilho de Cleópatra e Antônio, de seis anos? É de sepresumir que Cleópatra tenha concordado com essa proposta, queestabeleceriaumPtolomeunotronoarmênio.Issotambémgarantiriaumaaliançapací icacomo reinomontanhês, crucialparauma invasãopartaedividido em suas lealdades. Várias vezes aliada de Roma, a Armênia eraparta tanto em suas simpatias como em sua civilização. A oferta,evidentemente, fez menos sentido para Artavasdes, um estadista hábil ein lexível.EleresistiuàslisonjaseàspropinasdeDélio.Antônioreagiunaprimavera, invadindo a Armênia. Em pouco tempo, dominou o país,declarando-oprovínciadeRoma.Eraasuavingança,maisqueumavitória;aArmêniaeraumEstado-tampãodelocalizaçãoestratégica,masdeformaalgumaumagrandepotência.EAntôniosabiaqueaconquistasatisfezseushomens, que havia meses uivavam que Artavasdes havia lhes custado aPártia.Antecipandoumacampanhamaior,Antôniodeixouogrossodeseusexércitos no Oriente para o inverno. Voltou a Alexandria em triunfo,levandocomelenãoapenasotesourocon iscadodaArmênia,masseurei,sua esposa, seus ilhos e os governadores provinciais. Por deferência aoposto,prendeuafamíliarealcomcorrentesdeouro.58

Dessa vez, Cleópatra recebeu umamensagem jubilosa de seu amante.Ordenou que se realizasse uma cerimônia extravagante para o retornodele. É provável que tenha recebido orientações de Antônio: sua famíliaimediata não era de conquistadores. Mas os cortejos eram, sim, umaespecialidade ptolomaica. A avenida ladeada de es inges de Alexandriahaviasidoprojetadaparaeles,eocortejode triunfo romanoseoriginara

nelas. O cortejo do outono de 34 foi sensacional. Antônio mandou seusprisioneirosàfrentenacidade,naqualeleentroucomomanto púrpura,abordo de um carro. É provável que tenham passado pelas colunatas demármore e pelos toldos das lojas fechadas, ao longo da via Canópica,tomadaporbandeirasondulanteseespectadoressaudando-os.Erao tipode espetáculo em que os Ptolomeus se destacavam. A esse, Antônio eCleópatra acrescentaram uma novidade. Ao conduzir o butim e osprisioneirosatéocoraçãodacidade,Antônioosdeudepresenteàrainhado Egito que estava em trajes cerimoniais num alto trono de ouro, sobreumaplataformafolheadaaprata,entreossúditosrespeitosos.Antônio sempre fora bom em homenagear suas amantes; Cleópatra

recebeu não apenas os despojos da campanha, o tesouro real e seuso iciais, mas o orgulhoso rei armênio e sua família, com seus grilhõesdourados.UmanotadiscordantesoouquandooousadoArtavasdeschegoudiante dela. O rei armênio não era nem tolo, nem hipócrita; ele escreviahistória e discursos complexos. Durante anos, havia jogado astutamentePártiaeRomaumacontraaoutra.Fielàs formalidades,eleseaproximou,mas nem se pôs de joelhos diante dela, nem reconheceu seu posto. Aocontrário, dirigiu-se a ela pelo nome. O uso da força seria inútil; mesmotratado com violência, nenhum membro da família real armênia seprostraria diante da rainha do Egito. (É notável que, apesar do maucomportamento, Artavasdes tenha sobrevivido àmanifestação. Em Roma,umreipresojamaisteriaessasorte,pormelhorquesecomportasse.)Eraa primeira vez que Cleópatra experimentava uma humilhação real e aresistência de um monarca orgulhoso. Era perfeitamente compreensívelque icasse impressionada. Seguiu-se um faustoso banquete para o povode Alexandria, com comemorações no palácio e diversões públicas. Eladistribuiumoedasecomidagratuitamente.As paradas de tema militar eram uma coisa estranha para os

alexandrinos, embora tivesse ao menos raízes ptolomaicas. Não haviaprecedentesparaaesplêndidacerimôniaqueseseguiu.Diasdepois,umamultidão lotouas colunatasdo estádiodeAlexandria a oestedoprincipalcruzamentodacidade,aminutosdedistânciadopalácio.Com180metrosde comprimento, maior prédio da cidade, o estádio icava no centro deAlexandria, assim comono centro da vida intelectual e recreativa. Era osalão de ópera de seu tempo; a existência de um estádio é o quetransformava uma aldeia em cidade. No espaço aberto do complexo,naquelediadeoutono,osalexandrinosencontraramumaoutraplataformaprateadaenelahaviadoistronosdeouromaciço.MarcoAntônioocupava

um deles. Dirigindo-se a ela como a “nova Ísis”, convidou Cleópatra aocupar o outro. Ela apareceu com o traje completo da deusa, túnicapregueada,de listasbrilhantes,abarrafranjadachegandoaostornozelos.Nacabeça,deviausaratradicionalcoroatripartite,ouacoroacomcobrasecapuzdeabutre.Segundoumrelato, 59AntônioestavavestidodeDionísio,com uma túnica bordada a ouro e botas gregas, altas. Namão, seguravaumahastede funcho.Umacoroadeheraemtornodacabeça. 60 Pareciaosegundoatodaexultantepeça iniciadaemTarso,quandoCleópatrasubiuo rio e foi precedida pelo anúncio de que Vênus chegava para celebrarcomDionísioafelicidadedaÁsia.Os ilhos de Cleópatra ocupavam quatro tronos menores aos pés do

casal. Com sua voz rouca, Antônio se dirigiu àmultidão. Por ordem dele,Cleópatraseriaconhecidadoravantecomo“RainhadeReis”.(Nasmoedas,elaera“RainhadeReis,cujos ilhossãoReis”.)Ostítulosmudariamcomoterritório, de forma que uma estela de quatro anos depois, no Alto Egito,dizqueelaé“MãedeReis,RainhadeReis,aDeusaMais Jovem”.)Quantoao herdeiro, Cesário, de treze anos, Antônio o promoveu a Rei dos Reis,umareciclagempropositaldeumtítuloarmênioeparto.AntônioconferiuessashonrariasemnomedeJúlioCésar,umcasoinusitadodeexibiçãodahistóriasexualdeumamante.TambémemnomedeCésar,Antôniopassoua nomear seus ilhos com Cleópatra de Reis de Reis. Apresentando osmeninosumaum,ele atribuiuvastos territóriosa cadaum;osnomesdemodulação oriental eram convenientes agora. A um sinal seu, o pequenoAlexandreHélioavançou,comasperneirassoltaseatúnicacommantodeummonarcapersa.Nacabeça,usavaumturbantealto,pontudo,encimadopor uma pena de pavão. Seus territórios estendiam-se até a Índia; elegovernariaaArmênia,aMédiae,assimqueseupaiaconquistasse,Pártia.(Ele foi de novo prometido em casamento, dessa vez à ilha do reimedo,tradicionalinimigodeArtavasdes.)PtolomeuFiladelfo,aosdoisanos,frutoda reunião de Antônio e Cleópatra em Antióquia, era uma miniatura deAlexandre, o Grande. Calçava as botas altas, o manto púrpura curto e ochapéu de lã com abas—nesse caso envolto por umdiadema—de ummacedônio.Aele foramatribuídasaFenícia,aSíriaeaCilícia,as terrasaoestedoEufrates.CleópatraSelenereinariasobreCirene,oassentamentogregonoqueéhojeolestedaLíbia,acentenasdequilômetrosatravésdodeserto. Feita a distribuição, cada um dos dois meninos menores selevantou para beijar os pais. Foram então cercados por uma coloridafalangedeguarda-costas, armêniosno casodeAlexandre,macedôniosnocasodePtolomeu.

Assim Antônio repartiu o Oriente, inclusive terras que ainda nãoestavamemsuaposse.Paraajovemmulherquecatorzeanosanteshaviaentrado clandestinamente em Alexandria para implorar por seu reinorebaixado,eraumasensacionalinversão.Cleópatraeradivinaeinvencível,menos rainha que imperatriz, como supremo comandante romano a seulado.Seupoderestendia-sesobreumavastaparceladaÁsia,asfronteirasestavam estabelecidas e agora em paz. Ela era protegida por legiõesromanas; com seus ilhos, reinava agora, ao menos nominalmente, sobremais terra do que qualquer Ptolomeu em séculos. Nasmoedas cunhadasparaaocasião,que izeramdelaaprimeiraestrangeiraaaparecernumamoedaromana,elaaparecemajestosa, imponente.Eenvelhecidatambém.A boca é mais cheia e ela está nitidamente mais gorda, sobretudo nopescoço.61

É impossível dizer de quemera a ambiçãoquedeu origemà cintilantecerimônia, posteriormente conhecida como as Dotações de Alexandria. Éespecialmentedi ícillocalizarasmarcasdeCleópatra;averdadeésempremanipuladapor romanos.Aomenos emparte amensagemdessedia eraclara.Emseustronosdourados,sentavam-seoquemesmoumhistoriadormodernodecabeçafriachamoumuitorazoavelmentede“asduaspessoasmais magní icas do mundo”. 62 Juntos, eles pareciam ressuscitar, senãoexpandir o sonho de Alexandre, o Grande, de promover um impériouniversal, que transcendesse as fronteiras nacionais e abraçasse umaculturacomum,quereconciliasseaEuropaeaÁsia.Elesanunciavamumanova ordem. Cleópatra presidiu a cerimônia e o banquete que se seguiupelacidadeinteira,nãoapenascomosoberana,mascomodivindadea inal,com o ilho do divino César a seu lado, Dionísio Antônio do outro. Velhasprofecias evidentemente vieram à tona então. Os judeus ligaram o poderde Cleópatra a uma idade dourada e à vinda do Messias. 63 A rainha doEgito atendeu o chamado por um salvador oriental. Ela ascenderia sobreRomaporummundomelhor.Ao juntarapolíticaea religião, a imagéticaestavatodadoladodeCleópatra.Marco Antônio tinha o costume de saltar a conclusões e sob muitos

aspectosasDotaçõeseramumexercíciode sonharacordado.Com todaacerteza, elasnão izeramqualquerdiferençana administraçãodas terrasem questão, muitas delas governadas por procônsules romanos. O reiarmênioaindaestavabemvivo.PártianãoeradeAntônioparaqueeleadoasse.Umacriançadedoisanosnãoestavaemposiçãodegovernar.Pormais que a cerimônia fosse um impressionante ato de assimilação eapropriação, inteiramente ptolomaico em seu gigantismo, provavelmente

não era dirigido apenas aos alexandrinos. As festividades eram sempreúteis para eles, mas em 34 os súditos de Cleópatra não precisavam decon irmação de seu governo irme, de sua divindade, de sua supremacia,nemmesmodopapeldeAntônionacorte.ElesoconheciamjámaiscomoDionísio do que como um magistrado romano. Os dois podem tertencionado formalizar arranjos para um Oriente subjugado, mas aindaconfuso;Antôniopodeterpretendidoapenascensurarosmonarcasqueohaviamdesa iadoemPártia.OuAntônioeCleópatrapodiamestaremitindouma poderosa e nada sutil mensagem a Otaviano. Seu poder vinhaexclusivamentede JúlioCésar.Elepodiaser,sim,o ilhoadotivodeCésar,maso ilhonaturaldeCésarestava,enfatizavamAntônioeCleópatra,bemvivo, quase adulto e subitamente soberano sobre uma vasta extensão deterritórios.Essamensagemeraparticularmentecrucialnummomentoemque se dizia que Otaviano estava ocupado por trás do pano,minando osesforçosdeAntônionaArmênia,ondetentousubornaroreiArtavasdes.64

Mesmo que Antônio e Cleópatra não estivessem transmitindo paraRoma,édeRomaquenosvêmnossosrelatos.Éimpossíveldecifraroqueosdoispodiamestarpretendendodizer,oqueRomaefetivamenteescutoue o que os propagandistas repetiram, ampliado e distorcido. A linguagemdo espetáculo era oriental. Sobretudo em 34, era maltraduzida. AntôniodeviaterpensadomelhorantesdeenfatizarapaternidadedeCesário.(Elepode, sim, ter pensado melhor. Plutarco não menciona as observaçõesincendiárias.) Otaviano tinha razão ao exagerar o insulto, como fez commagni icência nada romana. Era forçoso que neutralizasse o potentesimbolismo,quetransformasseumtriunfomilitareumaparadarealnumafarra de bêbados e numa ilusória e tola festa à fantasia.Não se prestavatributo a Júlio César em Alexandria, a inal. Nem se celebrava um triunfofora de Roma, longe dos deuses romanos. E por que essa ruidosacelebração de uma vitória armênia quando Pártia ainda precisava serpunida?Fosse qual fosse sua mensagem, Antônio pretendia que as Dotações

fossem um ato o icial. Mandou a Roma relatos de seu triunfo e dacerimônia, para rati icação pelo Senado. Amigos devotados intervieram,cientes de que seus despachos seriam lidos a uma luz pouco lisonjeira.Antônioparecia “teatralearrogante”, 65 exatamenteos crimesquehaviamcustado a vida de César. Se ele planejava assombrar seus compatriotascomuma demonstraçãomaravilhosa, as leis da ótica funcionavamde umjeito diferente do que ele lembrava. Roma tinha de proteger os olhos dobrilhodos tronosdeouro.De iniçõeserammenos luidasnaquelacidade,

ondeoduplopapeldeAntônio comocomandantenoOcidente emonarcano Oriente perturbava a ordeira mente romana. Ele misturouperigosamente suas metáforas. Se Cleópatra fosse rainha daquelesterritórios,quepapelocomandanteromanodesempenharia?Antônionãohavia, no im das contas, reclamado nenhum território para si próprio. OtítulodeCleópatraeraabsurdaerepreensivelmentelongo,uminsultonãosó a Roma, mas a seus colegas soberanos. Há muito ela ocupava umaposição excepcional na constelação de reis associados a Roma. Agoraultrapassava todos eles tanto em riqueza comoem in luência. E a relaçãode Antônio e Cleópatra era problemática. O que fazia uma mulherestrangeiranumamoeda romana?Emnada colaboravao fatodeAntôniorepartir o denário com umamulher que não era sua esposa. Ele pareciaestardistribuindoterrasromanasaumestrangeiro.Só um homem queria queos despachos deAntônio fossempublicados.

Otavianonãoconseguiu, embora tenhaalcançado sucessoemsuprimirosrelatos da vitória armênia. Ele não tinha intenção de permitir um des iletriunfaldeAntônio emRoma, oque teria grande signi icado.AsDotaçõespodemtersido,naépoca,poucomaisqueumexercíciodegrandiloquênciaalexandrina, de ostentação ptolomaica, uma demonstração provocante desímbolos, a versão de Antônio para a estátua dourada de Cleópatra noFórum. Na melhor das hipóteses, as comemorações eram simplesmentedesa inadas. Na pior, eram um insulto a Otaviano, uma descaradademonstração de poder. O que importava não era a intenção,mas que oexercíciofossevistoemRomacomoOtavianoqueria:comoumgestovazio,como uma farsa exagerada de dois dissolutos ligeiramente dementes,bêbadosdepoder,“umafarradionisíacaproporcionadaporumameretrizoriental”.66 ComasDotações,umgenerosoAntôniodistribuiuuma farturadepresentes,nenhummaisgenerosodoqueoquedestinouaOtaviano.

Notas

a Poroutro lado,alguns leramnessagrandiloquênciaumaretomadadaherançagrega.Genuínoounão,umrenascimentoera infalivelmentebem-vindonummundoquetinhacomomedidaopassado. O gesto dela pode ter sido abrangente, incorporador; a Macedônia produziu nãoapenas os Ptolomeus, mas também a dinastia selêucida, sua rival. E os antes poderososselêucidashaviamcontroladograndepartedoterritórioagoranasmãosdeCleópatra.

b Herodes também é um soberano sem rosto. Provavelmente por causa dos mandamentosbíblicoscontraimagensgravadas,nãotemosretratosdele.

c A acusação era conhecida. Ao incitar um golpe de Estado, o ilho de Herodes mais tardecondenouuma tiapor ter, “umanoite, entradoà forçaemseuquartoe, contraa suavontade,

mantidorelaçõesimoraiscomele”.(Josefo,TheJewishWar,I.498.AoacusarNicolaudeDamascode ter remodelado a história, Josefo cita suas “falsas acusações de licensiosidade” contraMariamne,inventadasparajustificarseuinjustificávelassassinato[JewishAntiquities,XVI.185].)

dOutraintrigaveioemseguida,envolvendoCostobar,ogovernadordeumaregiãovizinha,aosulda Judeia. Ele devia sua posição a Herodes, a quem desprezava. Costobar também não tinhaafeição pelos judeus; ele preferia restaurar o politeísmo de seu povo. E sabia precisamente aquem poderia dirigir o apelo por alívio: escreveu a Cleópatra, uma avalista em questõesantoninas.A terra dele haviamuito pertencera aos ancestrais dela. Por que ela não a pedia aAntônio?Elepróprio,jurava,estavaprontoatransferiraelasualealdade.Costobarfezissonãopor afeição a Cleópatra,mas por desafeto a Herodes. Ele não chegou a nada, porque Antôniorecusou o pedido de Cleópatra.Herodes hesitou em se vingar de Costobar,mais uma vez pormedodeCleópatra.Paraprevenirqualquerfuturatrama,HerodesresolveufazerarranjosparaCostobarsecasarcomsuairmã,viúvarecente,umaespéciedesentençademorte.Elaacabariatraindoosegundomaridocomotraíraoprimeiro.

eAirmãdelenãoficariacontenteenquantonãosevingassedeHerodesedosfilhosdeMariamne,queHerodesdepoisassassinou.ElesforamenterradosaoladodeAristóbulo.

—VIII—

RELAÇÕESILÍCITASEFILHOSBASTARDOS1

“Porquefalarémau.Ébemfácillevantarquestões,masdifícilsuportá-lasedifícilpô-lasabaixo.Nadaquefoiditodesapareceinteiramente,quandomuitagentefala:issotambéméumdeus.”

HESÍODO2

Cleópatra completou35 anos semqualquermudança em sua considerável e crescente fortuna; oanoà frenteprometiaserdosmaisalegreseauspiciososdeseureinado.Comsua famíliahíbrida,ela resolvera engenhosamente o problema romano, o problema do consorte, o problema doencolhimento do império. Ela não precisava mais do apoio de tropas estrangeiras. Nem poderiaqualquer crítico alexandrino objetar a sua amizade com um romano. Ela havia domesticado essepoder e aumentado o Egito através de sua liberalidade. Com as Dotações ela experimentou umaumentodepopularidade;seusestaleirosestavamocupados,umavezqueelaiadobrarotamanhodamarinha de Antônio. Os lucros entravam em torrentes. De Damasco e Beirute, no Oriente, atéTrípoli,noOcidente, as cidades cunhavammoedasemsuahonra.Elahavia cumpridoapromessade um poeta do século III, segundo a qual um Ptolomeu, salvaguardando e ao mesmo temposuplementandosuaherança,superatodososoutrosmonarcasemriqueza,dada“aabundânciaquefluiatodahoraparaseusuntuosopaláciovindadetodososquadrantes”3.Antônioa atendeuemseumaiordesejo:depoisdas comemorações, ele

não voltou a Roma, onde poderia engordar seu exército com novosrecrutaseneutralizara in luênciaotaviana.NemsedeteveemAntióquia,uma base lógica para uma operação oriental. Em vez disso, preferiu umterceiro invernofestivoemAlexandria,umacidade imperialquecadavezmaisdava a sensaçãode sededeumnovo império.Numa ilustração vivade sua intenção, Cleópatra deu os toques inais ou começou a utilizar orecém-construídoCesareum,ovasto complexo juntoaoporto, emqueelapodeterseguidoomodelodoFórumdeRoma.Fundindooestiloegípcioeo grego, a versão alexandrina exagerava no ouro e na prata, repleta depinturas e estátuas, embelezada com “galerias, bibliotecas, varandas,salões, corredores, passagens e bosques consagrados, tão gloriosos ecustososquantoaarteeracapazdefazê-los”4.Cleópatraestavanolemedeumvigorosopoderioqueumromanonervosopreviraumséculoantesqueo Egito poderia vir a ser um dia, “se aquele reino encontrar líderescapazes”.5

Em torno dela, reuniam-se conselheiros leais, de longa data, romanos

dedicados e uma família ampliada, que no im do ano absorvera oadolescenteMarcoAntônioAntilo,omaisvelhodosdois ilhosdeAntôniocom Fúlvia. Cleópatra levava a sério o ensino dos ilhos. Na esteira dasDotações,elacon iouaeducaçãodelesemparteaNicolaudeDamasco,umdesengonçado ilho de diplomata, vários anos mais novo que ela, com orostovermelho,temperamentoafávelegostoporAristóteles.Semprecomuma anedota pronta, Nicolau era um lógico dotado, o tipo de homem emque se podia con iar para terminar umdiscurso, persuasivo e eloquente,se o orador por acaso se desmanchava em lágrimas antes de chegar aofim.6 Ele se mudou para o palácio. Sob sua orientação, os ilhos deCleópatraestudavam iloso iae retórica,masprincipalmentehistória,queseunovo tutorconsiderava“oestudoadequadoaosreis”.Pormaisgenialque Nicolau fosse, ele tinha a língua a iada quando necessário e era ummestre implacável. Sua ideia de lazer era acrescentar 25 volumes à suaabrangente história do mundo antigo, que já contava 140 volumes, umprojeto que seu autor comparava aos trabalhos de Hércules. Asfrivolidades e festividades em torno das crianças continuavam.Muitos selançavamà vida da corte com entusiasmo. LúcioMunácio Planco, umdosconselheiros mais próximos de Antônio e antigo governador provincial,apareceu para jantar nu e pintado de azul. Ele divertiu os convidados deCleópatra com sua melhor imitação de ninfa do mar, 7 contorcendo-se nochãodejoelhos,vestindoapenasumrabodepeixeeumacoroadejunco.O gosto pelo excesso era contagioso, talvez herdado. Ao jantar, uma

noite, um médico do séquito do jovem Antilo, começou a ponti icar,rudementeesemparar.Quandoumsegundomédicodacorteodeteveemseudevaneio—erao ex-estudantedemedicinaqueexplorara a cozinhadeCleópatra—,Antilogritoudeprazer.Comumgestodebraço,apontouoaparador. “Tudo isso eu dou de presente a você, Filotas”, 8 exclamou ele,entregandoumacoleçãode coposdeouroa seu convivamais inteligente.Filotas mal podia levar a sério o adolescente, mas mesmo assim se viupresenteado com um volumoso saco de copos antigos de rica confecção.(Elepreferiuiremboracomoequivalenteemdinheiro.)Portodaacidade,continuavam a música, as mímicas, as produções teatrais. Como umpedreiro esperto percebeu, o alegre pacto que unia Antônio e Cleópatramerecia uma interpretação alternativa. Desde 28 de dezembro de 34,sobrevive uma inscrição em basalto, provavelmente de uma estátua deAntônio.9Fossequal fosseareaçãodeCleópatraaoardenteamordele,osalexandrinos retribuíam plenamente. O esportivo Antônio é saudado napedranãocomoum“InimitávelVivente”,mas—eotrocadilhoexigemais

emgregodoqueemqualqueroutralíngua—o“InimitávelAmante”.Os negócios o iciais não eram absolutamente esquecidos entre as

festividades. Cleópatra continuava a receber petições e enviados, aparticipar de ritos religiosos, a aplicar justiça. Ela supervisionavadiscussõeseconômicas,reunia-secomconselheirosepresidiaosinúmerosfestivais alexandrinos. Cada vez mais os negócios de Estados incluíamnegócios egípcio-romanos. Durante metade da vida, Cleópatra tiveralegionários postados no Egito; em um relato, os guarda-costas delaescreviam Cleópatra em seus escudos. 10 Num arranjo mutuamentebené ico, o futurode certos romanoseradecididoemAlexandria enãoocontrário. Em 33, Cleópatra ditou um decreto a um escriba, pelo qualconcedia uma substancial isenção de impostos a um dos generais maisimportantes de Antônio. Públio Canídeo havia servido em Pártia edestacara-se na Armênia. Por seus serviços, Cleópatra outorgou-lhe umaisençãodedireitosdeexportaçãopara10milsacosdetrigoedeimpostosde importação sobre 5 mil ânforas de vinho. Ele foi isentadoperpetuamente de impostos sobre terras, privilégio que Cleópatraestendeu igualmente a seus trabalhadores. Até mesmo os animais dafazendadeCanídeoestavamacimadetaxas,requisiçõesecon isco.11 aEraum jeito ágil de manter os homens de Antônio ao mesmo tempo leais elocais, no caso pouco provável de os encantos de Alexandria não semostraremsu icientes.Eratambémumjeitomaise icientedecortejarumromanoambiciosodoquepagarpropinas,oque,como jáseobservou“sófaziacomquevoltassemparapedirmais”. 12Otriúnviroromanoearainhaegípcia faziam juntos grandepartedosnegócios. Cleópatra frequentavaomercadocomAntônio,“juntava-seaelenaadministraçãodefestivaisenaaudiência de casos judiciais”13. Por insistência dela, Antônio assumiu oestádio da cidade, como já havia feito em Atenas. Como líder de fato dacomunidade grega, ele dirigia suas inanças, professores, palestras,disputas atléticas. Assim como Cleópatra, ele posava para pintores eescultores;eraOsírisouDionísioparaa ÍsisouAfroditedela.Emmeadosde33,AntôniomarchoudenovoparaaArmênia,ondenegociouumapazcom o rei meda. Eles passariam a servir reciprocamente como aliadoscontra os partos e, se necessário fosse, contra Otaviano. A Ásia agoraestava quieta. Antônio voltou a Alexandria com a princesa meda Iotape,prometidaaAlexandreHélio.

ComasDotações,AntônioeCleópatratinhamenviadoaOtavianoumamensageminequívoca.Fosseo que fosse que pretendiam para o Oriente, seus planos não o incluíam. Os dois homens aindaestavam em contato, próximo e mais ou menos cordial. Enviados e informantes viajavam comfrequência de um para o outro. Continuavam a se corresponder com amigos comuns.Permaneceramjuntosnotriunviratoatéo inalde33.(Estavamlivres,então,tantodeLépidocomodo intratável Sexto Pompeu, que tinham sido eliminados. Derrotado por Otaviano, Sexto foiexecutado, mais provavelmente por ordem de Antônio.) Antônio tinha razão para se sentirinvulnerávelemandououtramensagemaOtavianoporvoltadessaépoca.Ele renunciariaa seuspodereserestaurariaumarepúblicaemRomaseOtavianoconcordasseemfazeromesmo.Antôniopodia estarblefando.Podia estar gastando capital políticobarato; títulos romanos e a composiçãodogoverno romanopreocupavam-nopouconoOriente, onde eleparecia inclinadoapermanecer.Recebeuumamensagemdireta,quepodeaté tersidoaqueesperava.Havia jáalgumtempoqueestava bem claro em que a longa permanência em Alexandria, o repúdio de Otávia, oreconhecimento de Cesário estavam resultando; sem dúvida, amigos mantinham Antônio eCleópatrainformadosdoclimaemRoma.Nocomeçodoano,Otavianolevantou-senoSenadoparalançarumvirulentoataquediretoaseucolega.Apartirdesseponto,é impossíveldizeroqueeramaior:seasextravagânciasreaisemAlexandriaouaversãoromanadelas;aambiçãodeCleópatraou a versão romana dela; o afeto de Antônio por Cleópatra ou a versão romana desse afeto. OpaláciodeCleópatra semdúvidaeraoedi íciomais luxuosodomundomediterrâneoem33,masnuncafoitãomagníficocomopareceuapartirdeRomanesseinverno.Antônio e Otaviano tinham anos de inimizade acumulados. Quando as

comportas inalmente se abriram, liberaramuma torrente. Um acusava ooutrode seapropriarde terras indevidamente.Otavianoexigia suapartedos despojos armênios. Antônio vociferou que seus homens não tinhamrecebidonenhumapartedasdistribuiçõesdeOtavianonaItália.(Otavianorespondeu que se Antônio queria terras estava livre para conquistarPártia, acusação que deve ter machucado.) Otaviano condenou AntôniopeloassassinatodeSextoPompeu,umassassinatoqueopróprioOtavianohaviacomemoradoemRomaequeseseguiraàderrotadeSextonasmãosdeOtaviano.bAntôniodenunciouOtavianoporterforçadooafastamentodeLépidoilegalmente.Eoqueaconteceucomseudireitodeconvocartropasna Itália? Otaviano havia muito obstruíra esses esforços, com os quaishavia concordado por tratado. Ele deixou Antônio reunir um exército degregoseasiáticos.Apropósito,ondeestavaorestantedafrotaqueAntôniohaviaemprestadoaOtavianoquatroanosantes?Eos18milhomensqueOtaviano prometera em troca? Antônio tinha sido escrupulosamente ielemseusacordos.Otavianonão, insistentementeconvocandoAntônioparareuniõesàsquaisdeixavadecomparecer.Comosempre,nada funcionavatão bem como a invectiva pessoal, quanto mais vil, melhor. Antônioinfernizou Otaviano por causa de sua origem humilde. Ele descendia porparte de pai de fabricantes de cordas e agiotas, do lado da mãe depadeirosedonosdelojasdeperfume.Paracompletar,Antôniomencionavaumavôafricano.Pior,Otaviano,onovorico,alimentavapretensõesdivinas.Quando a carência de cereais infernizou Roma, ele e sua mulher, Lívia,

haviam dado um pródigo banquete. Os convidados chegaram fantasiadosde deuses e deusas. Comeram obscenamente bem, com OtavianopresidindoamesavestidodeApolo.Otaviano,alémdisso,eraumcovarde.Havia desaparecido por dias e dias em Filipos. Seu dotado lugar-tenente,Marco Agripa, lutara nas batalhas no lugar dele. Possivelmente paradesviar a atenção de Cleópatra e certamente passando por cima de seusarranjoscomosmedos,AntônioridicularizavaOtavianoportentarcasarailha comum bárbaro, em função de uma aliança política. Nem todas asacusaçõeseramfalsas,nemmesmovagamentenovas.Algumaserambelasreediçõesde44,quandoosrelatosdeCícerodosdeslizesdeAntônioeramtãoextensosque, todos concordavam,nenhumhomemconseguiria sofreroscastigosdevidosatudoaquilo.14

Antônio alegava que Otaviano era aleijado pelo medo e Otavianoa irmavaqueAntônio se acabavanabebida.Nesse fronte,Otaviano tinhadiversasvantagens:bebiacommoderação,ouaomenosassimanunciava.AlexandriadavafestasmelhoresdoqueRoma.EOtavianotinhaahistóriado seu lado. Era bem fácil dizer que Antônio havia desaparecido numabacanal, uma vez que Otaviano estava em Roma e Antônio, não. Para sedefender,Antônio respondeu comumpan leto, “Sobre a bebedeira dele”.Em termos gerais, 33 foi o auge para poetas, pan letistas, apologistas,pichadores, assimcomo todososamantesda conversa iadaedas icçõesdo outro mundo. A intriga era mais natural para Otaviano que paraAntônio, mas ambos demonstravam um impiedoso talento para adifamação. Otaviano recorria ao verso indecente. Antônio distribuíafolhetosdifamatórios.Osdoiscontratavampropagandistas.Muitaspráticasumdiaaceitáveis,eram,derepente,questionáveis.Antôniotomoucontadeum estádio emAlexandria, o que era impensável, enquanto o fato de eleter feito a mesma coisa cinco anos antes, com Otávia em Atenas, nãoprovocava nenhum comentário. Damesma forma, o caso de Antônio comCleópatra um dia fora fonte de in indáveis piadas obscenas à mesa dejantar. Tal foi o caso no verão de 39, na comemoração perto deNápoles;quando a animação da noite chegou ao auge, a conversa acabou emCleópatra, nummomento em que as lascivas “boas relações estavam emalta”15.Elanãoeramaisalvoderisadas.Os socos continuaram, tanto acima como abaixo da cintura. Antônio e

Otaviano percorreram a litania costumeira entre colegiais: efeminação,sodomia, covardia, falta de re inamento (ou excesso de re inamento),práticasdehigienepessoal.Otavianoera“umverdadeirofraco” 16.Antôniotinhaperdidoovigor.Nãopodiamaisganharnenhumacompetiçãoanão

serdedançaexóticaoudearteseróticas.AntôniocaçoavadeOtavianoporter ido para a cama com seu ilustre tio-avô.De que outra forma explicarsua inesperadaadoção?Otavianoreagiacomalgoaindamaisduroemaispertinente, embora igualmente falso:Cleópatranão tinha idoparaacamacomseutio-avô.Cesáriodi icilmenteseria ilhododivinoCésar,notíciaqueOtaviano arrolou num pan leto que distribuiu. Antônio condenou ocasamentoapressadodeOtavianocomLívia,imensamentegrávidado ilhodeoutrohomemnodiadocasamento.Ele revelouocostumedeOtavianodesaparecercomasesposasdeseusconvidadosdebanqueteedevolvê-lasdesarrumadas à mesa. Ele desvendou o bem conhecido costume (muitoprovavelmente inventado) de Otaviano procurar e de lorar virgens.(SegundoSuetônio,Otavianoseduziacienti icamente.Elevisavaàsesposasde seus inimigos para descobrir o que os maridos estavam dizendo efazendo.)Nodepartamentodepravação,Otavianonãoprecisavarecorreraficções.17 Tinha suas armas bem à mão. Desa iando o costume romano esua impecável esposa romana, o triúnviro colega de Otaviano se divertianuma capital estrangeira com uma rainha de rapina, por quem haviaperdido a cabeça, esquecido seu ilustre país e abandonado tudo o querestava de suas virtudes viris romanas. Qual romano de respeito iriatolamente preferir, como dizia Cícero, “a riqueza invejosa, a luxúria dodespotismo”à “glóriaestávelesólida”18?Sobmuitosaspectos,oconfrontoresumiu-seaumadisputaentrepompaemachismo.Em algum momento do ano, Antônio respondeu a Otaviano

privadamente,comumacartadaqualsobreviveuumpedaço.Elenãosoacomoumhomemprocurandobriga.Nemcomoalguémforadesideamor,nosespasmosdeumapaixãoperturbadora.Assetelinhasquesobrevivem,dedicadas a Cleópatra, foram traduzidas de incontáveis maneiras, deindecorosa a picante ou debochada. A última é amais precisa. O tom deAntônio não é surpreendente para Roma, onde considerações políticas einanceiras determinavam os casamentos da classe alta. Sexo podia-seencontrarportodaparte.Oque,perguntavaAntônioem33,tinhadadoemOtaviano? Por que exatamente toda a confusão? Será que importavamesmo tanto que ele estivesse “comendo a rainha”? O próprio Otavianonão era nenhummarido modelo, comobem sabiam ambos.c Nem ele erainocente. Tinha aproveitado amplamente o que Antônio chamou de suas“aventurasamorosasefarrasjuvenis” 19.Tratava-seapenasdesexo,a inal,e não tinha nada de novidade; como Otaviano bem sabia, a relação deAntôniocomCleópatrajáduravanoveanos.(EledatavaoinícioemTarso.)Não ica totalmente claro se ele tinha a intenção de legitimizar o caso ou

diminuí-lo. A linha que vem em seguida a “comendo a rainha” pode sertraduzida como “ela éminha esposa” ou “será que ela éminha esposa?”.Dado o ritmo de fogo rápido de suas perguntas, Antônio parece estarquerendo desvalorizar o relacionamento. Ele estava, a inal, escrevendo aseu cunhado. O que insinua parece ser: “Ela não é minha esposa, é?” Aresposta, de qualquer modo, era irrelevante. “Será que realmenteimporta”, Antônio conclui, “onde ou comquem se cruza?” 20 Qualquer quesejaatraduçãodaúltimafrase,overbopertenceaoreinoanimal.Não icabem claro até que ponto essas sete linhas vulgares têm a ver com arealidade;oquechegouaténóspodemuitobemserumaparáfrase,maisindecentequeooriginal.DeixandodeladoOtávia,AntônioeCleópatranãoeramcasadospelospadrõesromanos,comoCleópatrasabiamuitobem.Dequalquerforma,alielaentrou—oufoiencaixada—emseumaiorpapel.Otavianonãoprecisavademaisnadaparaatacarseurival.A julgarpelosfragmentos que restam, foi Otaviano quem transformou o idílioalexandrinonumtórridocasodeamor.Enquanto o relógio corria para o imdo triunvirato, pouco provável de

serrenovado,AntônioeCleópatraescaparamparaÉfeso.Éfesotinhasidoaprimeira cidade a reconhecerAntônio comoDionísio encarnado e a lhedarasboas-vindasnosportõesdacidadecomaltosvivasemúsica.DepoisdeFilipos,elehaviaoferecidoesplêndidossacri íciosegenerososperdõesnolocal,paraumpovobrutalizadopelosassassinosdeCésar.Acidadede250 mil habitantes continuava demonstrando simpatia por ele. Antônioentão fez arranjos para que Éfeso saudasse Cleópatra como sua amantereal. Um rico centro bancário de ruas estreitas e sombreadas, comcolunatas demármore, Éfeso gozava demagní ica localização. Construídanaencosta íngremedeumvale, davaparamontanhas escarpadasdeumlado,paraomardeoutro.Éfesoexibiaváriostemplosnotáveis,dosquaisomais famosoeraodeÁrtemis,ondetantoopaicomoa irmãdeCleópatratinham procurado asilo, e diante de cujos capitéis jônicos sua irmãencontraraamorte.21

LocalizadaestrategicamenteemfrenteaAtenas,dooutro ladodoEgeu,à beira de um bom porto, Éfeso era também o endereço ideal ondeestabelecer uma base militar. A partir da costa da Ásia Menor, Antôniocomeçou a juntar uma marinha, mandando mensagens a todos os reisassociados da região. Eles responderam com frotas e juraram lealdade.Cleópatra era amaior fornecedora individual de equipamentos, armandoduzentos dos quinhentos navios de guerra de Antônio, inteiramenteequipados,alémde20miltalentosedetodosossuprimentosnecessários

parasustentarumvastoexército—nessecaso,75mil legionários,25milsoldadosdeinfantaria,12mildacavalaria—durantetodaumaguerra.Épouco provável que ela tenha hesitado em fazê-lo. Improvavelmente, aestrela de Otaviano brilhava em Roma. Ele havia acumulado vitóriasenquanto Antônio icara atolado no Oriente. Era di ícil para os doistriúnviros coexistirem paci icamente. Para um implacável e ambiciosoOtaviano coexistir comCesário era impossível. Ao contrário da campanhaparta,essaeratãovitalparaCleópatracomoparaAntônio.Elaestavacheiaderazãoemempenharnelaasimesma,eaoEgito.Noúltimodiade33,otriunviratoexpirouoficialmente.

No começo de janeiro de 32, um novo cônsul falou enfaticamente no Senado romano, elogiandoAntônio.Eprosseguiu,atacandoOtaviano.Aosaberdadenúncia,OtavianofezumavisitaaoSenado,comsoldadosepartidárioscomoguarda-costas.Elesnão izeramqualqueresforçoparadisfarçarasadagas debaixo das togas.Em44, Cícero se perguntara se o ilho adotivodeCésar pretendia darum golpe; ele o deu nessemomento. Despejando sua própria torrente incendiária de acusações,Otaviano aterrorizou a oposição, que silenciou. “Por meio de certos documentos”, 22 ele prometiademonstrar que Antônio constituía uma ameaça a Roma. Fixou a data em que apresentaria suasprovas.Oscônsulesdaoposiçãotinhamvistoasadagas;sabiamqueeramelhoresperaressasessãoe fugir da cidade em segredo. Quase quatrocentos senadores os seguiram, indo para Éfeso, onderelataramqualeraoclimapolíticodeRoma.Semdúvida,Antôniosubestimavaa forçaeaposiçãodeOtaviano.EhaviasealiadoaCleópatracomgranderisco.Elacomprometiaseriamenteacausa.Muitos colegas de Antônio— aomenos um terço do Senado estava do

seulado—defendiamaremoçãodela.MaisumavezAntôniocurvou-seàrazãoeconcordouemdispensarCleópatra.Eleordenouqueela “partissepara o Egito e lá esperasse o resultado da guerra”. 23 Ela recusou,possivelmente, como a irma Plutarco, porque temia que Otávia pudesseinterviroutravez,para impedirumaguerraqueCleópatra sabiaqueeraessencialparaseuprópriobem;possivelmenteporquenãotinhacon iançano julgamento deAntônio; possivelmente porque teria sido irresponsávelagirdeoutromodo.Elanãoeranenhumarainhaguerreira;osPtolomeusrecentesnãohaviamdemonstradogostopelaguerra.Elesnãomorriamemcamposdebatalha,comoosmonarcasorientais.Elesapoiavamaconvicçãode que um império podia ser conquistado com dinheiro, mais do queconquistar dinheiro com um império.24 Ela era, porém, comandante emchefedeseushomens,responsávelporsuapreparaçãoesuasoperações.EratambémapagadoradeAntônio.Umsóbrioconflitodevontadesseguiu-se então. Dessa vez, Cleópatra não se entregou a uma greve de fomedebilitante. Tomou a posição oposta, ajudada por Canídeo, o talentosogeneral deAntônio, que se diz ter sido subornadopor ela para defender

sua posição. Ele poderia também ter icado impressionado com ela. Semdúvida, Canídeo protestou, não era justo banir um aliado tão útil para acampanha deles. Ela alimentava as tropas. Ela provia a frota. Ela era tãocapaz quanto qualquer homem. Antônio não entendia que as tripulaçõesegípcias icariam desmoralizadas coma partida dela? Aqueles homensconstituíam a espinha dorsal da marinha dele. Eles lutariam por suarainha,nãonecessariamenteporumgeneralromano.SeAntôniorefutassesuasafeiçõesegípcias,ofenderia tambémseusaliadosorientais.Cleópatradesa iou Antônio a explicar como ela “era inferior em inteligência aqualquerdospríncipesqueparticipavamdaexpedição,ela,queporlongotempogovernaraumreinotãograndesozinhae”—elafaziaumelogio—,“em sua longa associação comAntônio, aprendera a administrar grandesnegócios”25. Seus argumentos ou o seu baú de guerra izeram sentido.Cleópatraconseguiuquefossedoseujeito.Emabrilde32,AntônioeCleópatrapartiramcomopessoaldeAntônio

para a ilha de Samos, no litoral do que é hoje a Turquia. Samos era umtrampolimparaaGrécia,ondemuitoprovavelmentealutapelocontroledomundo romano teria lugar. Enquanto o casal se instalava na ilhamontanhosa, suas tropas eram transportadas de barco para o oeste,atravessando o Egeu, numa operação que teria exigido bem ummês. Osveteranos de Antônio tinham voltado da Armênia; ao lado dos recrutasorientais, ele havia juntado cerca de dezenove legiões. Não temos comosaber quais eram as preocupações militares ou políticas do verão,obliteradaspelasdescriçõesquePlutarcofazdosdivertimentosemSamos.A luxuriante ilha de veraneio era o lugar ideal para fazer uma festa, eAntônioestavaemboaposiçãoparaisso.Tinhatempodisponível.Otavianoenfatizou a extravagância da festa, que icou registrada como mais umafarra dionisíaca. Assim como todo rei e príncipe a leste de Atenascontribuiucomforças,tambémtodososartistasdramáticoscompareceramaSamos.Chegavamembandos.Durantediassem imtocadoresdealaúdee lautistas, atores e dançarinos, acrobatas e mímicos, harpistas etransformistas — “uma turba de artistas asiáticos”26 — realizaram umresplandecentefestivalmultilínguedemúsicaeteatro.“Eenquantoquasetodoomundoemtornoestavacheiodegemidose lamentações”,Plutarcorelata com os lábios contraídos, “uma única ilha ressoou durante muitosdiascom lautaseinstrumentosdecorda;osteatrosseenchiameoscoraiscompetiam entre si.” Todas as cidades enviaram também animais parasacri ício; os reis associados “disputavam uns comos outros nos mútuosdivertimentos e presentes”27. A pergunta em todas as mentes era o que

Antônio e Cleópatra apresentariam em seu des ile triunfal que pudessesuperaraspródigasfestividadespré-guerra.Emmaio,AntônioeCleópatra izeramumaviagembreveaoOcidente,às

colinasdeAtenas.Asfestascontinuaramnosteatrosenovastoestádiodeassentosdemármoredacidade,que,havianoveanos,tinhadadoasboas-vindas a Antônio como Dionísio e onde ele agora podia assumir o papelmais de perto.28 Parecia que ninguém que tivesse os meios para tantohavia passado por Atenas sem contribuir com uma escultura, um teatro,umestádio demármore liso; quandonão o faziam, os atenienses erigiamumaestátuaparaeles.(OsancestraisdeCleópatratinhamcontribuídocomum estádio, a leste do mercado.) Enquanto Antônio se distraía comesportes e teatro, duas questões se esclareceram, em rápida sucessão.Cleópatra passou o verão na célebre cidade onde Antônio havia vivido amaiorpartedeseusanoscomOtávia.AesposadeAntôniocompareceraapalestrasemsuacompanhia.Eles tinhamconcebidoali seusegundo ilho.Ela permanecia uma presença viva; estátuas dela adornavam a cidadevenerável, assim como inscrições em sua honra. 29 Os atenienses aaceitaramcomoumadeusa.O festivalreligiosoanualprestava-lhetributo.Issoera inaceitávelparaCleópatra,paraquemmuita coisahaviamudadonos catorze anos que haviam se passado desde que vivera quietinha dooutroladodacidadedaesposadeCésar.Elanãoqueriamaisouvirfalardoque Lucano chamaria de “relações ilícitas e ilhos bastardos”. Alémdisso,CleópatraeraaprimeirarainhaptolomaicaapisaremAtenas,umacidadeque tinha toda razão para recebê-la bem: em diversas ocasiões a cidadehavia contado com sua família — para cereais, para assistência militar,para refúgio político — desde o começo do século III. Atenas erigiraestátuas a Ptolomeus anteriores, inclusive à tia-avó de Cleópatra. 30

Cleópatra tinha em vista, porém, uma outra mulher; ela registraracuidadosamente os tributos prestados a Otávia. Ficou com ciúmes. Partiupara a ofensiva, tentando “por meio de muitos esplêndidos presentes,conquistarofavordopovo”31,emoutraspalavras,apagarospassosdesuapredecessora. Realistas e razoáveis, os atenienses acederam, para delíciadeAntônio.Prestarammúltiplashonrasasuaamante.InstalaramestátuasdeCleópatraeAntônionaAcrópole,nocentrodacidade.Emumaocasião,Antônio apareceu em meio a uma delegação que prestava tributo aCleópatraefezumdiscursoemfavordacidade.Do verão de 32, data também um presente notável: Antônio deu a

Cleópatra a bibliotecadePérgamo, única coleçãoque rivalizava comadeAlexandria. As quatro salas dessa biblioteca, no pitoresco alto de uma

montanha, abrigavam cerca de 2o0mil rolos; durante séculos, bustos deHomero e Heródoto lhes faziam companhia. 32 A história fez disso umpresente de casamento de Antônio, ou recompensa pelos volumes queCésar havia inadvertidamente destruído na Guerra Alexandrina. Nocontexto, o grande gesto não exigia explicação. Pérgamo não icava longede Éfeso. É provável que Antônio e Cleópatra tenham feito uma visita àcidade, a poucos dias de viagem. Durante anos também o jeito de juntarumacoleçãotinhasidosaqueardeoutrem.JáhaviaalgumatradiçãodissoemRoma,ondebibliotecasaindaestavamnainfância.Amaiorpartedosrelatossobreapaixãodesorientadaedegradantede

Antônio por Cleópatra data do verão ateniense. Se em Alexandria ele ahavia distraído dos negócios de Estado, as coisas agora se invertiam. Eleatendia a ela principalmente. “Muitas vezes, enquanto ele estava sentadonotribunalaplicandoajustiçaatetrarcasereis,recebiabilhetesamorososdela em tabletes de ônix ou de cristal e os lia”, 33 nos conta Plutarco.(Antônio não foi o primeiro a receber cartas de amor em ocasiões deEstado. César também tinha recebido “libertinagens escritas”34 durantesessões do Senado. Aquela amante, porém, não escrevia em tabletes deônix.) Em uma ocasião, Cleópatra passou abertamente pelo tribunal nosombrosdeseuscriados,enquantoAntôniopresidiaumasessãodejustiça.Um distinto orador romano estava falando na banca, pelo menos atéAntônioenxergarCleópatra.Eleentão“saltoudeseutribunal,abandonouojulgamentoependuradona liteiradeCleópatraacompanhou-a”. 35 Eraumcomportamento ignóbil; um romano jamais podia se permitir uma vidasexualtãodiversificadaelascivacomoquisesse,tinhadeserdiscretoenãosentimentalemsuasafeições.Pompeuhaviasetornadomotivoderisopelohábito indecente de se apaixonar pela própria esposa. No século II, umsenadorfoiexpulsodaquelaassembleiaporbeijarsuaesposaempúblico,nafrentedaprópriafilha.36Antôniohaviasidorepreendidoanosantes,porfazer abertamente um carinho em sua esposa. Dizia-se que, nessa época,eleselevantavadurantebanquetes,diantedosconvidadosreunidos,paramassagearospésdeCleópatra, “cumprindoalgumacordooucombinaçãoquetinhamfeito”.37(Orelacionamentosedavapormeiodepactos,apostasecompetições,algoqueCleópatraevidentementepunhanamesa.Antônioera pouco inclinado a formalidades.) O gesto era em si ofensivo; haviacriadosparaessascoisas.Eacumulavam-seashistóriasdoqueumaoutraépoca poderia considerar galanteria ou devoção, do que o Orientequali icava de homenagem adequada, do que em Roma era indecente eindigno.AntôniopaparicavaCleópatra,queeraoqueeunucosfaziam. 38Ele

acompanhava sua liteira pelas ruas, entre os criados. E isso, bufavam osromanos,atirandoàrainhaegípciaoinsultoquecostumavamusarcomasamantes,quandoelanãoeranembonita!Dopontode vista deOtaviano, os relatos deAtenas erambonsdemais

paraserverdade,comopodiambemser.Apesardetodosospreparativosmarciais,detodasasirregularidadesgovernamentaisemRoma,apesardocrescentesensodeinevitabilidade,nãohaviaumacausarealpararuptura:Antônio eOtaviano continuavamdois homens embuscadeum con lito. Eencontraram um em 32. Antônio evidentemente sentia algum nível deligaçãocomCleópatraoucomelasesentiainvencível:emmaio,divorciou-se de Otávia. De Atenas, ele a instruiu a deixar a confortável casa deles.Não temos como saber até queponto o gesto eradirigido aOtávia, ou aoirmãodela.Vindocomoveiodepoisdeanosdereconciliaçõesinsinceraseacordos inconsistentes, depois de uma temporada de calúnias, podia serapenas uma desculpa vinda da direção oposta. Otávia pode ter escolhidoencerrar o casamento ela mesma. O divórcio em si era simples, umprocedimento informalparaoqualnãohaviapapelada.Suasrami icaçõeserammais complexas.39 Como observa Plutarco sobre amorte da esposade Pompeu, ilha de César, a aliança familiar “que tinha até então veladomaisquerestringidoaambiçãodosdoishomens,chegavaentãoao im”. 40

Cleópatra sópode ter icadoemêxtase; ela jáhavia convocadoumamigodeAntônioparadistraí-lodetodasaslembrançasdesuaesposa.Otavianoicou mais que contente. Otávia desolada. Chorosa, fez as malas. Levouconsigoos ilhosdeAntônio, assimcomoo segundo ilhodele comFúlvia.Não houve recriminações. Otávia só se preocupava que pudessem dizerqueelaprecipitaraumaguerra.Na medida em que se pode estabelecer uma cronologia livre de

propaganda, as relações no acampamento de Antônio estavam abaladasbemantesdodivórcio.Apesarde todasasposterioresa irmaçõesdequeromanosdealtaclasse icavamimpotenteseencantadosaospésdela,em32nãoseouvianenhumlouvor,nenhumacaríciasobreavozdepratadeCleópatra. As opiniões sobre o iminente con lito eram tantas quantos osconselheiros de Antônio. Por uma variedade de razões, muitas delaslegítimas,algunscontinuavamaverCleópatracomoumadesvantagem.Umacampamentomilitar não era lugar para umamulher. Cleópatra distraíaAntônio. Ela não devia participar de um conselho de guerra; não erageneral. Antônio não podia entrar na Itália na presença de umaestrangeira e não era aconselhável demorar a fazer isso. Ele estavadesperdiçando suas vantagens por causa da rainha egípcia. A crítica não

despertava o que havia demelhor nela. A certo ponto, os partidários deAntônio em Roma mandaram seu amigo Gemíneo a Atenas, paraargumentar com ele. Antônio tinha de se defender em casa, onde eraseveramente atacado por Otaviano. Por que ser retratado como inimigopúblico,escravizadoporumaestrangeira?Gemíneoeraumavozinspiradaparaadelicadamissão, tendovividoelepróprio algumasexperiênciasdese apaixonar alémdos limitesda razãoeda inteligência. Cleópatra achouque havia sido Otávia quem enviara Gemíneo e tratou-o de acordo.MantinhaoemissárioomaisafastadopossíveldeAntônio.Nojantar,elaopunhasentadoaoladodosconvidadosmenosimportantes.Bombardeava-o com sarcasmo. Gemíneo suportava os insultos em silêncio, esperandopacientemente uma audiência com Marco Antônio. Antes que issoacontecesse,Cleópatradesa iou-o,emmeioaumruidosojantar,aexplicarsua missão. Ele respondeu que os detalhes “exigiam uma cabeça sóbria,mas de uma coisa ele sabia, bêbado ou sóbrio: que tudo icaria bem seCleópatra fosse mandada para o Egito”. Antônio irrompeu em fúria.Cleópatra foimaisbrutal.ElaelogiouGemíneoporsuahonestidade,queapoupava de ter de torturá-lo. Dias depois, ele fugiu para Roma, parajuntar-seaOtaviano.OscortesãosdeCleópatratambémnãoerambem-vistospelosromanos,

decepcionados com os “truques bêbados e as grosserias”41 dos egípcios.Por razões que não são claras, Planco, o peixe dançarino da farraalexandrina, desertou também, e voltou a Roma. Estava desgostoso. Adeserção pode não ter tido nada a ver com Cleópatra nem com seusconselheiros. Cortesão nato, Planco tendia para o caminho da menorresistência.Eletraíatãobemcomosecurvavaecobrava.“Atraição”,seriadito, “era uma doença para ele.” 42 Tratava-se, porém, de um homem deinstinto político impecável. Com certeza, alguma coisa transpirara parafazê-lo duvidar de que Antônio, apesar de seu poder e prestígiogigantescos,deseusanosdeexperiência,pudessevencerOtaviano.Plancoestava entre os conselheiros mais próximos de Antônio. Durante algumtempo, fora encarregado da correspondência de Antônio. Conhecia seussegredos.FugiuparaOtavianocomrelatórioscompletossobremassagensnos pés, banquetes pródigos e rainhas altivas, assim como informaçõesconcernentes ao testamento de Antônio, para o qual Planco havia sidotestemunha.43 Otaviano requisitou imediatamente esse documento dasvirgensvestais,comquemdeveriaestaremsegurança.Neledescobriu,oudisse descobrir, uma quantidade de passagens escandalosas. Essas eleanotou cuidadosamente, para poder lê-las em voz alta no Senado. A

maioria dos membros dessa instituição não desejava participar dessatransgressão. O testamento de um homem só podia ser aberto depois desua morte, o que fazia com que fosse ilegal quebrar o selo de taldocumento antes do evento. Esses escrúpulos desapareceram quandoOtaviano chegou ao im de sua apresentação, revelando uma abominávelprovisão.MesmoqueelemorresseemRoma,Antôniodeterminavaqueseucorpo “fosse transportado pelo Fórum e enviado para Cleópatra noEgito”44.d

Genuína ou não, a cláusula acendeu uma grande fogueira, para a qualOtaviano havia impiedosamente acrescentado combustível. Em seu golpede janeiro, ele prometeu ao Senado provas documentais contra Antônio.Ele agora as exibia fartamente. De repente, relatos dos excessosatenienses, da subserviência de Antônio a Cleópatra, os detalhessensacionalistas, lascivos, que no geral haviam se acreditado falsos,pareceram críveis. Em ummundo deslumbrado pela retórica, viciado em“favos de frases, cada palavra e ato salpicado de sementes de papoula egergelim”45, o plausível podia superar o real. Otaviano tinha a seu dispormuitos veios generosos para minerar. Só as depredações do Oriente —aquele reino embriagador, destemperado, irracional — já forneciam umrico ilãodematerial.Comosuarainha,oEgitoerasedutorevoluptuoso;amoderna associação entre o Oriente e sexo já era velha no século I. 46 AÁfricaeraoendereçodadecadênciamoral.Daínãoeraprecisoumgrandesalto para transformar o Antônio das Dotações em um déspota orientallouco pelo poder e dissoluto: “Em sua mão havia um cetro de ouro, nacinturaumacimitarra;eleusavaummantopúrpuracravejadodegrandespedras preciosas; só faltava mesmo uma coroa para fazer dele um reifarreando com uma rainha.” 47Mais uma vez era a história do diadema edasestátuasdeouro;osacessóriosdarealezaenervavamosromanosmaisdo que a própria autocracia, que eles tinham toleradonuma versãomaissutil durante pelomenos uma década. No entender de Otaviano, Antônioestava irremediavelmente contaminadopelo langor oriental e pelos luxosnão romanos do Oriente, da mesma forma que César e Alexandre, oGrande, tinha estadoantesdele. Por suavez,Otaviano logo iriadescobrirque o Egito conferia a seu conquistador uma dúbia bênção, uma literalsuspensãoderiquezas.Comoumprodigiosofundo iduciário,convenciaoshomensdequeeramdeuses.Otaviano tirou omaior proveito do caso de Antônio com Cleópatra. Ela

permitiuqueelereciclasseomaisantigodosargumentos:aalergiaaumamulherpoderosaeraaindamaisfortedoqueaalergiaàmonarquiaouao

Oriente depravado. Cleópatra podia controlar ou não Antônio, mas elapermitiuinequivocamentequeOtavianocontrolasseanarrativa.EletinhaasuadisposiçãotodoorepertóriodetiradasdeCícerocontraFúlvia,aquelaviragoavaraelicenciosa.Diligentecomosempre,Otavianomelhorouessastiradas. Em suasmãos peritas, o caso egípcio desabrochou numa históriadepaixão cega e irresponsável. Antônio estava sob a in luência de algumpoderoso narcótico, “enfeitiçado por essa mulher amaldiçoada”. 48

Escrevendo com maior idelidade aos acontecimentos, Veleio Patérculoforneceuaversãoo icial,destiladaapuroscausaeefeito:“Então,comoseuamor por Cleópatra icou mais ardente”, explica Veleio, admitindo queAntônio abraçou os vícios orientais, “ele resolveu guerrear contra seupaís.”49 Cleópatra não chega a corromper Antônio, ela o “derrete eemascula”.50NaversãodeOtaviano,elaédominante,eAntônio,servil;umrelato do relacionamento radicalmente diferente daquele que o esportivoMarcoAntônioforneceramesesantes.Mesmoadmitindoqueasacusaçõeseram questionáveis, todos os cronistas aceitam a tese. Antônio se tornou“um escravo de seu amor por Cleópatra”, “ele nem pensava na honra,apenassetornouoescravodamulheregípcia”,entregousuaautoridadeàmulhera talpontoque “nãoera senhornemde simesmo”. 51 A estruturaera velha a ponto de ter um equivalente mítico, ao qual Otavianoprontamente apelou. Antônio dizia descender de Hércules. Otaviano nãodeixou ninguém esquecer que Hércules passou três anos, desarmado ehumilhado, como escravo da rica rainha asiática Ônfale. Ela tira de seucorpoapelede leãoeaclavae,vestindoelaprópriaapele,sepõeacimadeHérculesenquantoelefia.Otaviano deu uma virada imaginativa nas acusações. Ele precisava,

afinal,reunirumpaísexausto,faminto,depauperadodepoisdequasevinteanosdeguerracivil.Aosbanhosquentesemosquiteiros,aosacessóriosdeouro e cimitarras preciosas, à relação ilícita e aos ilhos bastardos, eleacrescentou uma provocação gigantesca. “A mulher egípcia exigiu dogeneralbêbadooImpérioRomanocomopreçoporseusfavores;eAntôniooprometeuaela,comoseosromanosfossemmaisfáceisdeconquistardoqueospartos”,52relatouFloro.Diochegouàmesmaconclusão,pormeiodeuma lógica mais tênue: “Por ter encantado e envolvido de tal modo nãoapenasaele,masatodososoutrosquetinhamqualquer in luênciasobreele, ela concebeu a esperança de governar até mesmo os romanos.” 53

CleópatrajátinhaabibliotecadePérgamo.TinhaosjardinsdebálsamodeHerodes.CirculavamnotíciasdequeAntôniohaviasaqueadoomelhordaartedostemplosdaÁsia,inclusiveosfamososcolossosdeHércules,Atena

e Zeus que há séculos existiam em Samos, para presentear a rainhaegípcia.54 Se Antônio queria mandar seu corpo para ela, o que poderianegar-lhe?Eoqueelahesitariaempedir?Parece tersidoOtavianoquemresolveuqueCleópatraconspiravapara

fazer de Roma uma província do Egito, ideia muito improvável de terpassadopelacabeçaágildela.Eletinhaaseufavoraconhecidaimagemdaesposa gastadeira e conspiradora, para quem nenhum diamante eragrande o bastante, nenhuma casa su icientemente espaçosa. Como disseEutrópio, séculos depois, Antônio começou uma guerra por insistência darainha do Egito, que “tinha o desejo feminino de também reinar nacidade”.55 e Já então se admitia “que asmaiores guerras tinham ocorridopor causa de mulheres”. 56 Famílias inteiras haviam sido arruinadas porcausa delas. E as mulheres egípcias — como sempre, culpa do ardente,sinuosoeabertamentesubversivoOriente—jáhaviamcausadoasuacotade problemas. Elas eram dotadas de um ardor insaciável e de umafenomenal energia sexual. Ummarido não bastava a elas. Elas atraíam earruinavamoshomens.Otavianosóreuniraasprovasdisso.Ele havia encontrado umastuto disfarce para uma guerra civil, que

quatro anos antes declarara o icialmente encerrada e à qual haviaprometido nunca mais conduzir seus homens. Era muito mais palatável,muitomaiscrível,queAntônio fossedestruídoporumamor ilícitodoquepor seus conterrâneos! Não era nada di ícil reunir legiões— ou cobrarmais impostos, lançar pais contra ilhos — com o argumento de queCleópatraestavadecididaaconquistá-loscomohaviaconquistadoAntônio.Como o grito de batalha que Lucano formulou um século depois: “Umamulher, nem mesmo romana, governando o mundo?” 57 A lógica erasimples.ArainhaegípciahaviadominadoAntônio.Roma,alertouOtaviano,seriaapróxima.Nofinaldeoutubro,eledeclarouguerra—aCleópatra.

A declaração não devia ser inesperada. Pode até ter chegado como um alívio. Cleópatra, mesmoassim, deve ter icado surpresa com seus termos. Ela não havia se envolvido em nenhumahostilidade contra Roma. Havia se comportado como o vassalo ideal, embora um vassalo comprivilégios. Mantivera a ordem em seu reino, suprira Roma quando solicitada a isso; apareceraquandoconvocada,nãoagrediranenhumvizinho.Tinhafeitotudooqueestavaemseupoderparaapoiarenadaparadiminuira insuperávelgrandezadeRoma.Tradicionalmente,umprocessoemtrês etapas precedia uma declaração de guerra romana: o Senado apresentava um pedido derestituição,seguido,depoisdeummês,deumsolene lembretedequeasatisfaçãoaindanão foradada. Três dias depois, um mensageiro viajava ao território inimigo, para abrir formalmente ashostilidades.OtavianonãoconvocouCleópatranemparaumaprestaçãodecontas,nemparaumacomunicaçãodeacusações.Nãofeznenhumaaproximaçãopeloscanaisdiplomáticos.Emvezdisso,

hábilcomosemprecomaencenação,dispensouapartecerimonialdoprocesso.Commantomilitar,eleatiroupessoalmenteumalançabanhadaemsanguedeporconadireçãodoleste,seguindoumtrecho de um ritual de “solo hostil” emRoma. (Especula-se que ele possa ter inventado esse ritoantigoparaaocasião,queOtavianoiainventandoahistóriaàmedidaqueavançava.Eleeramuitobom emrestaurar tradições, inclusive aquelas que nunca existiram.)58 Não havia acusação o icial,pela simples razão de que nenhuma podia ser formulada. Na medida em que Cleópatra eraacusada de alguma intenção hostil, ela era condenada “por seus atos”, convenientemente nãoespeci icados. Otaviano apostava que Antônio permaneceria iel a Cleópatra, uma lealdade que,nessascircunstâncias,permitiaqueOtavianoacusasseseucompatriotade“tervoluntariamente,aoladodamulheregípcia,promovidoaguerracontraseupaísnatal”. 59No inalde32,oSenadocaçouoconsuladodeAntônioeconfiscou-lhetodaautoridade.f

Antônio e Cleópatra izeram o possível para interpretar a provocaçãosubjacente. Agora, eram obrigatoriamente aliados. Nessas circunstâncias,bradavam,comoalguémpodiacon iaremumvilãocomoOtaviano?“Oqueelepretende,então,nosameaçandoatodosigualmentecomasarmas,masdeclarando num decreto que está em guerra com alguns e não comoutros?”60Antônioimplorouaseushomens.Seutraiçoeirocolegaplanejavaapenassemearadiscórdia,paramelhorreinarcomoreisobretodoseles.(Nisso,elesemdúvidaestavacerto.Otavianoteriaencontradoumjeitodecomeçar uma guerra com Antônio, mesmo que Antônio deixasseCleópatra.) Por que alguém iria se associar a um homem que semnenhuma cerimônia desquali icava um colega, que ilegalmente seapoderava do testamento de um amigo, companheiro, parente? Otavianonão tinha coragemde sedeclararabertamente,Antônio trovejou, embora“estejaemguerracomigoe jáagindocomoalguémquenãosómevenceucomo também me assassinou”. 61 A experiência, a popularidade, osnúmeros, estavam todos a favor de Antônio; ele era o hábil comandanteque tinha por trás os mais poderosos soberanos da Ásia. Quinhentosnaviosdeguerra,umexércitoemterracomdezenove legiões,maisde10milcavalarianos,respondiamasuasordens.NãofaziadiferençaseelenãotinhaautoridadeemRoma.UmterçodoSenadoestavadoseulado.Durante doze anos, Antônio a irmara que Otaviano conspirava para

destruí-lo. Realística e oportunistamente, Cleópatra só podia concordar. Ocasalestavacertoa inal.Antônioestavacorretotambémaoacharqueemtermosde falsidadeelenãoerarivalparaseuantigocunhado. (Cleópatrarivalizariacomele,maseraobrigadaadeixarAntônioconduzirascoisas.)Erauma infelicidadequeAntônio tivessese tornadoumtraidordeRoma,cacarejavaOtaviano.Eleestavamuito infeliz comaqueleestadodecoisas.Sentia por ele tamanho afeto que havia lhe con iado uma parte docomandoeumairmãmuitoadorada.Otavianonãohaviadeclaradoguerranem quando Antônio humilhara sua irmã, negligenciara seus ilhos e

atribuíra aos ilhos de outra mulher as posses do povo romano. Semdúvida Antônio iria ver a luz. (Otaviano não tinha esperanças quanto aCleópatra. “Porque julgo que ela seja”, caçoou ele, “senão por sua origemestrangeira, uma inimiga em função de sua conduta.”) Ele insistiu queAntônioiria“senãovoluntariamente,aomenosrelutantemente,mudardeatitudecomoresultadodosdecretosemitidoscontraela”. 62Otaviano sabiaperfeitamente que Antônio não faria tal coisa. Ele e Cleópatra estavamalém desse ponto. À parte as questões amorosas, ele era omais iel doshomens.AsituaçãocomOtavianoera,alémdisso,insustentável.Seriadi ícildizer a quemCleópatra eramais vital em32: se aohomemdequemeraparceira, ou ao homem para quem era um pretexto. Antônio não podiavencerumaguerrasemela.Otavianonãopodiacomeçaruma.Filipos tinha rendido a Antônio uma década de boa vontade; agora ela

chegava abruptamente ao im. No outono, ele e Cleópatra mudaram-separa o oeste de Patras, uma cidade nada notável na entrada do golfo deCorinto.Apartirdesseponto,estabeleceramumalinhadefensivaaolongoda costa ocidental da Grécia, distribuindo homens de Ácio, ao norte, atéMetoni,aosul.Aintençãoparecetersidoprotegeraslinhasdesuprimentopara Alexandria, ao lado do próprio Egito, ao qual Otaviano havia, a inal,declarado guerra. Cleópatra aproveitou a pausa para emitirmoedas, nasquais aparece como Ísis. Antônio mandou quantidades consideráveis deouroaRoma,distribuiupropinasatorto eadireito.Eletinhaaforçamaior,mas mesmo assim trabalhou para minar a lealdade dos homens deOtaviano. O grosso desses fundos era provavelmente de Cleópatra.Enquanto isso, as arrecadações de guerra de Otaviano provocavamtumultos em Roma. Ademais, durante o inverno, houve um vaivém deespiõesesenadoresdelealdadefrágilevolúvel.Muitostinhamenfrentadoesse dilema aomenos uma vez antes: de quem se afastar, quem seguir?Eraum testedepersonalidademais quedeprincípios. Emoutraspartes,pareciaqueumímãhaviapassadopelomundomediterrâneo,atraindooslados escorregadios para um irme alinhamento que “como um todosuplantavamuitoemtamanhoqualquercoisajamaisvista”. 63Ossoberanosque Antônio havia instalado em 36 compareceram com toda força. Entreoutros, os reis líbio, trácio, ponto e capadócio juntaram-se a ele com suasfrotas.O inverno passou em um pico febril de inércia. Pela segunda vez, o

geralmente impulsivo Antônio parecia demorar para dar início a umacampanha,pelaqualCleópatra sópodiaestar impaciente.A cadamêselacobria despesas consideráveis. (O costume era quarenta a cinquenta

talentos anuais por legião, o que coloca a despesa de verão de Cleópatraem torno de 210 talentos apenas com a infantaria.) Era di ícil evitar aimpressão de que Antônio, o mais famoso soldado vivo, não estava comvontadedetravarumabatalhaépica.Emocasiãoanterior,haviaseditodeCésar que “ele queria mais uma reputação do que uma província” 64,a irmação que podia ser mais verdadeira sobre seu protegido. Otavianoconvidou Antônio para um absurdo encontro encenado. Antônio desa iouOtavianoaumduelo.Nenhumadasduascoisasseconcretizou.Nogeral,osdois lados se limitaram a insultos e a ameaças vazias, a “espionar eincomodar um ao outro”. 65 O ar vibrava de rumores, em grande partegerados por Otaviano. Em 33, ele expulsou de Roma uma multidão deastrólogoseadivinhos,ostensivamenteparaexpurgarain luênciaoriental,na verdadeparamelhor controlar o rumodahistória.Na ausência deles,era fácil perceber quais as previsões queOtavianopreferia; ele desejavaser o único no ramo das profecias. E então correu a notícia de que asestátuas de Antônio e Cleópatra na Acrópole tinham sido atingidas porraios e estavam destruídas.66 Apareceram serpentes de 25 metros decomprimento.UmaestátuademármoredeAntôniovertiasangue.Quandoas crianças de Roma se dividiram em antonianos e otavianos para umaferoz batalha de rua que durou dois dias, os pequenos otavianosvenceram. A verdade estava mais próxima daquela sugerida por doiscorvosfalantes.Otreinadorjustohaviaensinadooprimeiroacrocitar“AveCésar, nosso vitorioso comandante”. 67 E o outro aprendeu: “Ave Antônio,nosso vitorioso comandante.” Um romano esperto teria toda razão paralimitarsuasapostaseparaacreditarquecomsuasesquentadasretóricase projetos pessoais, Antônio e Otaviano eram perfeitamenteintercambiáveis. Mesmo os que tinham contato íntimo com os doisconcordavam que cada um “desejava ser o governante, não apenas dacidadedeRoma,masdomundointeiro”.68

Os fundos e a experiência podiam estar em grande parte do lado deAntônio e Cleópatra, mas havia também ambiguidades, a começar pelaquestão do casamento deles, não necessariamentemais transparente em32 do que hoje. Como estrangeira, segundo a lei romana, Cleópatra nãopodiaseresposadeAntônio,mesmodepoisdodivórciodele.SópelalógicamaisbrandaeadaptáveldoOrientegregoéquesepodiadizerqueosdoisestavam casados. Do ponto de vista egípcio, a questão era irrelevante.CleópatranãoprecisavacasarcomAntônio,quenão tinhanenhumstatuso icial no Egito, que ela governava junto com Cesário. Lá Antônio era umconsorteepatronodarainha,nãoumrei. IssonãoeraproblemanoEgito.

Era perturbador para Roma. 69 Cleópatra deveria desempenhar um papelnoOcidente?Maisumavez,nãohaviaumacategoriaparaela,oumelhor,havia: se ela não era esposa, por de inição era uma concubina. E nessecaso, por que Antônio gravara a imagem dela em moedas romanas? Asintenções conjuntas deAntônio e Cleópatra também eramobscuras. Seráquepretendiamrealizaro sonhodeAlexandre,oGrande, euniros sereshumanosatravésdasfronteirasnacionaisesobumaúnicaleidivina,comorezava a profecia? Ou Antônio pretendia instalar-se como um monarcaoriental,comCleópatracomoimperatriz?(IssofacilitavaparaOtaviano:umromano renunciava a sua cidadania caso se ligasse formalmente a outroEstado.)Oprojetodosdoispodiasermaisbem-de inido—provavelmentepretendiamestabelecerduascapitais—,masnogeralelesincomodavamopensamento romano, que adorava categorias. E viraram de cabeça parabaixo o arranjo dos reis associados. Um estrangeiro tinha de sersubserviente,não igual, aumromano.Nessecaso,era fácilparaOtavianoargumentar contra a mulher transgressora, insaciável, voltada para aconquista. Ele o fez convincente e insistentemente. Um dos grandesclassicistas do século XX vê Cleópatra agindo sobre Antônio como umparasita, para realizar ambiçõesque elanãodevenem ter considerado. 70

Asintençõesmilitarestambémnãoeraclaras.PorqueexatamenteAntônioestava lutando? Ele podia, sim, pretender restaurar a República, comodizia,masentãooquefazercomamãedeseustrêsfilhosmeio-romanos?Para Otaviano, ao contrário, tudo era cristalino e categórico, ou pelo

menos passou a ser quando ele transformou uma vingança pessoal emuma guerra internacional. O argumento dele tinha linhas mais claras emelhor visual. Ele fazia um esplêndido e espetacular apelo à xenofobia.Semdúvidaseushomens—“nósquesomosromanosesenhoresdamaiore melhor parte do mundo”71 — não iam se deixar abalar por aquelesprimitivos? Não seria a última vez que o mundo se dividiria entre oOcidente, masculino, racional, e o Oriente, feminino e inde inido, ao qualOtavianodeclarouumaespéciedecruzada.Elelutavacontraalgumacoisa,mas a favor de alguma coisa também: pela probidade, piedade eautocontrole romanos, exatamente as qualidades que seu ex-cunhadohavia deixado para trás ao abraçar Cleópatra. Antônio não era mais umromano, mas um egípcio, um mero tocador de címbalo, efeminado,inconsequentee impotente, “pois é impossívelparaalguémque levaumavida de luxo real, que mima a si mesmo como uma mulher, ter umpensamentomasculinooupraticarumatomasculino”. 72 g Otaviano atacouaté o estilo literário de Antônio. E, a propósito, alguém havia notado que

Antônio bebia? Otaviano enfatizava com pouca frequência seu papel deherdeiro de César. Em vez disso, apelava a histórias de sua própriadivindade,quedivulgavaamplamente.PoucosemRomaaindanãotinhamouvido falarqueeleeradescendentedeApolo, aquemestavadedicandoumlindotemplonovo.Ao reduzir Antônio a um tocador de címbalo, Otaviano conseguia um

feitoespecialmentedi ícil.Eleadmitiapublicamenteoque,desdeentão, jámuitos homens observaram ao enfrentar uma mulher do outro lado deumarededetênis:numadisputadessas,hámaisorgulhoaperderdoqueglóriaaconquistar.73Pelade iniçãoromana,umamulherdi icilmentepodiaserconsideradaumoponentedigno.Transformandoumaacusaçãomiúdaemuma série de acordes ressonantes, depois arranjados para orquestracompleta,Otaviano compôsuma rapsódia sobreCleópatra.Ele adotoudetodos os tipos de poder, para criar um grotesco duradouro. Essa brutal,sanguinária rainhaegípcianão tinhanadaavercomaFúlviadosúltimosdias. Era uma inimiga perniciosa, ambicionando todas as possessõesromanas. Sem dúvida o grande e glorioso povo que havia subjugado osgermanos, pisado os gauleses e invadido os bretões, que tinha vencidoAníbal e queimado Cartago, não ia tremer diante “dessa peste demulher”74? O que diriam seus gloriosos antepassados se soubessem queum povo de singulares vitórias e conquistas, ao qual todas as regiões domundo estavam agora submetidas, havia sido pisado por uma rameiraegípcia, seus eunucos, seus cabeleireiros?De fato, tinhampela frente umassombroso conjunto de forças, Otaviano garantiu a seus homens, maspara ganhar grandes prêmios, enfrentavam-se grandes desa ios. Nessecaso,estavaemjogoahonradeRoma.Eraobrigaçãodaquelesdestinados“aconquistareagovernartodaahumanidade”permaneceràalturadessailustre história, vingar todos os que os insultavam e “não permitir quenenhumamulhersefizesseigualaumhomem”.75h

Nocomeçode31,osoberboAgripa,almirantedeOtaviano,fezumarápidatravessiadesurpresaàGrécia.AmigoementordeOtaviano,eleproviaaperspicáciamilitarquefaltavaaseucomandante.Agripa rompeu as linhas de suprimento de Antônio e capturou sua base sul. Na esteira dele,Otavianotransferiu80milhomensdacostadoAdriático,atravésdomarJônio.IssoforçouAntônioairparaonorte.Suainfantariaaindanãoestavaposicionada;elefoipegototalmentedesurpresa.Cleópatra tentou acalmá-lominimizando a súbita presença do inimigo emumbomporto natural(era provavelmente a moderna Parga) num promontório em forma de colher. “O que há dehorrívelemCésarestarnumaconcha?”76,elacaçoou.Imediatamente,Otavianoentrouemcombate,que Antônio ainda não podia enfrentar. Suas equipes estavam incompletas. Por meio de umestratagema no começo da manhã, ele forçou Otaviano a se retirar. Seguiram-se semanas de

provocações e escaramuças, enquanto Otaviano vagava livremente entre os portos da Gréciaocidental, e Antônio instalava suas legiões numa península arenosa na entrada sul do golfoAmbraciano. Ácio tinha um porto excelente,mesmo que numa área úmida e desolada; Antônio eCleópatra não devem ter demorado a perceber que a terra baixa e pantanosa, coberta desamambaias e capim alto, era in initamente mais adequada como local de combate do que umcampo.77 As semanas passaram em tentativas de batalha e decisões atenuadas. Otaviano nãoconseguiaatrairAntônioparaomar.AntônionãoconseguiaenganarOtavianoemterra.Eleestavamaisempenhadoemcortaras linhasdesuprimento,coisaemquesemostroualtamentee icientedurante a primavera e o começo do verão. Cleópatra pode ter pretendido mostrar completaindiferença a esse desembarque,mas a verdade é que na esteira de uma série de inexplicáveisdecisões em câmera lenta — elas podiam não fazer sentido mesmo antes de os apologistas deOtaviano terem seapossado delas —, Antônio e Cleópatra começaram a perder vantagem.Enquanto isso,aquestãodaestratégiapairavasobreacabeçadeAntônio:enfrentarOtavianoemterraounomar?Amaiorpartedotempoosdoisexércitosseolhavamcomraivaatravésdoestreito,deumpromontórioparaoutro.Àdistância,oacampamentodeAntôniodevia seresplêndidodesever,

com seus vastos e diversos exércitos, o brilho de mantos vermelhopúrpuraadornadoscomouro.Altostráciosemtúnicasnegrasearmadurasbrilhantes misturavam-se a macedônios com mantos escarlates, medoscom vestes de rico colorido. Omantomilitar ptolomaico, tecido comouro,podiafigurarnumretratodarealezaounumacenamitológica.Aressecadaplanície grega se in lamava com equipamentos custosos, capacetesbrilhantes e armaduras douradas, rédeas com pedras preciosas, plumastingidas, lanças decoradas.78 i A maior parte dos soldados era oriental,assim como um número cada vezmaior de remadores,muitos dos quaisrecrutasaindacrus.Comelesreunia-seumacoleçãoecumênicadearmas:escudos de vime e aljavas trácios ao lado de dardos romanos e arcoscretenses,delongaslançasmacedônias.Cleópatrapagavagrandepartedaconta,mascontribuíacomumaoutra

coisa também; ao contrário de Antônio, ela podia se comunicar com areuniãodosdignitáriosorientais.Falavaa línguadacavalariaarmênia,dainfantariaetíope,dosdestacamentosmedos,assimcomodarealeza.Haviaum código de comportamento entre os soberanos helênicos. A maioriahavia conhecido rainhas poderosas. E Canídeo não errara. Com suapresença, Cleópatra lembrava as dinastias parceiras de que estavamlutandoporalgodiferentedeumarepública romana,naqualnão tinhamqualquer interesse. Tinham pouca simpatia tanto por Antônio como porOtaviano, contra os quais podiam facilmente se alinhar, como se haviamalinhado contra Roma em 89, com Mitrídates. Se não tivesse se atiradodiretamenteno coraçãodos negócios romanos com sua visita a César em48, Cleópatra estaria exatamente na posição deles. Ela e Antônio sórecusaram um soberano, naturalmente o mais entusiasmado do grupo.Herodes chegou com dinheiro, um exército bem-treinado, equipamento e

um carregamento de cereais. Ele mandou também um conselho bemconhecido.79SeAntônioassassinasseCleópatraeanexasseoEgitoporiafima seus problemas. O exército e as provisões de Herodes icaram, mas apermanência dele no acampamento foi breve. Devido a seu inestimávelconselho foi mandado a combater Malco, o rei nabateu, que parecia nãoestaremdiacomseuspagamentosdobetume.Aomesmotempo,Cleópatraordenouaseugeneraldaquelaregiãorochosaque frustrasseosesforçosdeambososmonarcas.Elapreferiaqueumdestruísseooutro.Mais perto, as coisas não estavam muito mais róseas. A espera num

vastoacampamentomilitarmultiétnico,sobcondiçõesmenosquesalubres,cobrava seu preço. À medida que subia a temperatura, as condiçõesdeterioravam.ApresençadeCleópatranãocolaboravaparaomoral.Muitoacuradamente, Herodes atribuía sua dispensa a ela. É bem claro que elaocupavaumaposiçãovitalnoacampamentoenadafaziaparasedesculparpor isso; como comandante em chefe do Egito, ela acreditava que aspreparaçõeseoperaçõesdeguerraeramseudever.Davaaimpressãodeconsiderar que Antônio era o único amigo de que precisava. Ela nãoadmitiasersilenciada,oqueéirônicodadoopoucoquesobreviveudesuavoz; não haveria nada como a deferência da rainha Isabel da Espanha:“Sua Alteza me perdoe por falar de coisas de que não entendo.” 80 Éimpossível dizer o que veio primeiro, se a humilhação romana diante dapresença de Cleópatra ou a arrogância de Cleópatra com os romanos.A irma-sequeoso iciaisromanostinhamvergonhadelaedeseustatusdeigual.OscompanheirosmaispróximosdeAntônioobjetavamàautoridadedela.81 Ela havia se encurralado num canto: relaxar a guarda signi icavaser mandada para casa. Manter a guarda seria ofensivo. Ela devia estarabaladatambém.HouvemuitascenastempestuosascomAntônio.Cleópatra não conseguiu, particularmente, cair nas graças de Gneu

Domício Enobarbo, o mais notável partidário de Antônio. Republicanoorgulhoso, na primaveraanterior, Enobarbo havia conduzido os cônsulesque fugiram até Éfeso. Era um homem resoluto e incorruptível. Desde ocomeço teveproblemas comCleópatra. Recusava-se a dirigir-se a ela porseu título; para ele, ela continuava sendo apenas “Cleópatra”. Ela tentoucomprá-lo,mas acabou descobrindo que ele era tão irme quanto Plancoera pastoso. Fiel a sua reputação, Enobarbo falava. Não fazia segredo desua opiniãodeque ela constituía umadi iculdade. E ele acreditava que aguerradeviaserevitada. ImplicadonoassassinatodeCésarecondenado,depoisproscrito,EnobarbohavialutadocontraAntônioemFilipos.Osdoisse reconciliaram depois, e desde então Enobarbo ocupara todos os altos

postoseestavaentreospartidáriosmaisdevotadosaAntônio.Tinhasidoinestimável na oposição a Otaviano. Lutara para eliminar as notíciasdanosasdasDotações.O ilhodeEnobarbojáestavaprometidoaumadasilhas de Antônio. Juntos, os dois homens haviam sobrevivido a todos ostipos de adversidade: tinham estado juntos em Pártia, onde Enobarbomostrou-se um líder valente. Quando Antônio mostrara-se desanimadodemais para se dirigir às tropas, Enobarbo o fez no lugar de seucomandante. Enquanto o moral deteriorava em Ácio, o estadista madurodessaveztomouumcaminhodiferente.Numbarcopequeno,passouparao ladodeOtaviano.Antônio icou arrasado. Fiel ao formalismo,mandou abagagem, os amigos e criados do ex-companheiro ao encontro dele. 82

Cleópatranãoaprovouessamagnanimidade.Era impossível que ela ignorasse o desconforto que sua presença

causavanocaloropressivodoacampamentoinfestadodemosquitos,ondeseu séquito e suas tendas constituíamumavisãodiscordante, e onde suaimensa nau capitânia,Antonia, com suas dez ileiras de remos e proaentalhadaedecorada,provavelmenteevocavampoucoorgulho.Asraçõesforam reduzidas. Os homens estavam com fome, o clima estava pesado.Cleópatra estava instalada em cima de um tesouromuito bem-guardado.Umsoldadoromanogostavadeverseugeneralcomendopãoamanhecidoe dormindo num catre simples.83 Cleópatra perturbava essa equação. Detodos os lados, em sua tenda posicionada bem no centro do vastoacampamento, Antônio ouvia dizer que Cleópatra devia ser mandadaembora, mas ele se mantinha surdo a esses pedidos. Até mesmo o ielCanídeo,queanteshaviafaladoemfavordela,queriaqueelasefosse.Elasabia o ridículo que Fúlvia havia inspirado. Mesmo no Egito, mulherescomandantes não eram bem-vistas, como Cleópatra concluíra da brevecarreira de sua irmã durante a Guerra Alexandrina. Ela não tinhaexperiência alguma em con litos armados dessa magnitude. A teoria deHerodeseraqueAntônionãoamandavaemboraporque“osouvidosdelepareciamestartapadosporsuapaixão”.Porqueentãoelanãoseafastava,comotinhafeitocomCésar?84

Otavianohaviadeclaradoguerraapenasaela.Cleópatra tinha todasasrazões para exigir vingança. Antes, ela já havia sido posta de lado porconselheirosmilitares,aparecendonodesertodoSinaisemtetoeprivadade seus direitos. Tinha sidomalservida por intermediários; ela podia nãoestardispostaacon iarasortedoEgitoapenasaAntônio.Estavatudoemjogo: o futuro da dinastia ptolomaica estava na balança. Se Otaviano eAntônio se entendessem agora, o preço do acordo seria ela. O grande

mistériode31émenosoporquêdeCleópatra terpermanecidoemaisoporquê—depoisde terneutralizadohabilmenteos choques culturaisnoEgito,depoisdeartisticamenteterpaci icadoosegosromanos—deelaternegligenciado o exercício de seu charme sobre os o iciais de Antônio.Cleópatra parece ter sido uma presença irritante e cansativa noacampamento. Muitos foram expostos ao desdém que ela brindara aofranco Gemíneo. Amigos de Antônio e cônsules romanos sofriamigualmente em suas mãos, revelando abertamente que tinham sido“desrespeitadosporCleópatra”. 85Elaeravingativa,peremptória,ríspida.Aexperiência não a tornara nada mais tratável do que havia sido naadolescência com os conselheiros de seu irmão. A inal de contas, estavaacostumada a exercer autoridade suprema, não sabia aceitar ordens.Enquantoisso,omoraldespencava,obloqueiodeOtavianosefechavaemtorno do golfo, enxames de mosquitos baixavam sobre o acampamento,propagava-se uma epidemia, provavelmente de malária. As condiçõeseram deploráveis. O alívio só vinha por volta do meio-dia, quando,farfalhando, o vento subia do oeste. Durante algumas horas, vinha umabrisafrescaeestimulante,ganhandoforçaaosoprardeoesteparanorte,edesaparecendocomopôrdosol.Passaram-semesesdeprontidãoe inatividade,ecomelesumagradual

reorganização.AideiadeviaserencurralarOtavianonogolfoAmbraciano,mas Antônio e Cleópatra se viram espremidos na linda baía azul, umamudançadecondiçõesàqualtardaramaseadaptar.Plutarcoobserva:“Atarefa principal de um bom general é forçar seus inimigos a batalharquandoé superior a eles,masnão ser forçadoa issoquando suas forçassão inferiores.” 86 Antônio capitulara havia muito dessa vantagem. Emagosto, ele não teve escolha senão convocar cidades inteiras a levarsuprimentos por terra até o acampamento. O bisavô de Plutarco estavaentre aqueles que foram desgraçadamente forçados a servir, a subir astrilhasdamontanhaatéogolfo,comsacosdecerealnosombrosechicotesestalandonascostas.O que o bloqueio, a doença, a inatividade debilitadora, o calor não

afetaram,asdeserçõeso izeram.Escravosereisassociadosabandonaramigualmente a causa. Antônio resolveu usar como exemplo dois quasedesertores, um senador e um rei sírio, torturados e executados paradesestimularoutrasdeserções.OpróprioAntônioestavaabalado,apontodetentarumpasseiosolitáriopelasforti icações,atéomar,duranteoqualos homens de Otaviano quase conseguiram raptá-lo. A deserção deEnobarbo o afetara profundamente; depois disso ele icara ferozmente

paranoico. Segundo um relato, descon iava até de Cleópatra, quesuspeitava estivesse tentando envenená-lo. Para provar sua inocência,conta-sequeelapreparouumabebidamortal,sóparainterceptarocálicequandoAntônioolevavaàboca.Setivesseaintençãodematá-lonãofariaisso, faria? Ela entãomandou chamar umprisioneiro, a quementregou apoção. Que teve o efeito anunciado. (A história é suspeita, uma vez queCleópatra di icilmente poderia agir sem Antônio. É improvável que eletenhaesquecidodisso,mesmonumestadoperturbado.)87CleópatrabrigoutambémcomDélio, quepassaraoverão recrutandomercenários.Osdoisseatacaramno jantarumanoite,quandoDélioreclamoudovinho.Estavaácido,desdenhouele,enquantoemRomaopessoaldeOtavianotomavaasmelhores safras. Délio saiu da briga convencido de que Cleópatra queriaassassiná-lo.Umdeseusmédicos,diziaele,con irmouisso.ElepassouparaoladodeOtaviano,privandoAntôniodaquiloqueCésarchamaradeamaispoderosadasarmas:asurpresa.ComDélioforam-seosplanosdebatalhadeAntônio.88

No inaldeagosto,Antônioconvocouumconselhodeguerra.Dezesseissemanas de bloqueio haviam cobrado seu preço. A situação eradesesperadora. Os suprimentos estavam no im; o ar da noite era frio. Oinverno logo estaria sobre eles. Antônio precisava inalmente resolver aquestão que o infernizara durante todo o tórrido verão. Ele tinha maisfacilidade com a tática do que com a estratégia; podia ser indeciso.Cleópatra,então,sedesentendeuatécomCanídeo,seéquejánãoohaviafeitoantes.Elepreferiamarcharparaonorteedecidiradisputaemterra.Eramromanosa inal;guerrearemcimadasondasemmovimento,emsuaopinião,eraloucura.Antônionuncahaviacomandadoumafrota.Nãoseriavergonha alguma deixar o mar para Otaviano. Além disso, podiam obterrecrutasnaMacedôniaenaTrácia.ClaroqueCanídeosabiabemquelutarem terra signi icava sacri icar a frota de Cleópatra e com os navios autilidadedeCleópatra.Elasabiaquesacri icarafrotaseriacolocaroEgitoemperigo.Suasarcasdedenáriosdepratanãopodiamsertransportadasmontanhas acima. Ela defendeu vigorosamente um combate naval. Suasrazões eram perfeitamente sólidas: Antônio estava seriamenteinferiorizado em número em terra. Ele não podia acabar atravessandopara a Itália sem uma frota. Também não era fácil conduzir um exércitomontanha acima; cinco anos não haviam apagado a lembrança da Pártia.Havia também outra consideração, uma analogia que ninguém envolvidonas deliberações de Ácio podia ter ignorado. Para a batalha inal contraCésar, Pompeu também reunira na Grécia uma força maciça, ruidosa,

poliglota, de reis e príncipes asiáticos. Cleópatra havia contribuído comsessenta navios para essa frota. Enobarbo estava presente, assim com opai dele, quemorrera na batalha. Antônio comandara com distinção pelolado oposto. Em agosto de 48, Pompeu havia escolhido ignorar suamarinha,muitosuperioràdeCésar.Antesde terminarodia,elehaviasedado conta de que cometera um grave erro ao escolher o combate emterra.89 O resultado foi uma verdadeira carni icina, um comandante semfala, sem sentidos, privado de seu exército, de sua inteligência, de seuorgulhoe,diasdepois,decapitadonumapraiadoEgito.

Antônio optou por uma campanha naval. Plutarco o mostra oscilando emocionalmente. O maisprováveléqueogeneralmaisexperientedesuaépocanãopretendessenemagradaraCleópatranem exibir a marinha dela, mas en im curvara-se à necessidade. Otaviano tinha não só umanarrativa mais coerente, como uma força mais coesa, um exército de romanos bem-treinados,falantes do latim. A vantagem da terra era dele. Nomar, os dois lados estavamais equilibrados.Antônio explicou isso a seus homens inquietos, poucos dos quais sabiam nadar. Ele não seimportavadeiniciaracampanhacomumaderrota.“Escolhicomeçarcomosnavios,ondenóssomosmais fortes e temos vasta superioridade sobre nossos antagonistas, a im de que depois de umavitória sobre eles, possamos humilhar também sua infantaria.” 90 (Abordando o mesmo tema,Otaviano mostrou-se psicologicamente mais astuto: “Porque é característica natural da índolehumana em toda parte que, sempre que um homem falha em sua primeira tentativa, ele sedesanimediantedoque estápor vir.”) 91 Apesar das explicações, um veterano curtido na batalhaatirou-sesobreAntôniocomumapeloemocional.Eleexibiaumainacreditávelcoleçãodecicatrizes.Como podia Antônio insultar aquelas cicatrizes, para empenhar suas esperanças “em míserostroncos demadeira”?O soldadopediu a seu comandante: “Que os egípcios e fenícios travem sualutanomar,masnosdêterra,naqualestamosacostumadosapisareouvencemosnosso inimigoou morremos.”92 Antônio, “mais dotado por natureza do que qualquer homem do seu tempo aliderar um exército pela força da eloquência”, 93 olhou para ele combondade,mas não conseguiuformularumaresposta.Nos últimos dias de agosto, um cheiro familiar chegou até Cleópatra. A

brisadatardesoprouportodoocampoumcheiroacredecedroeresinaqueimando.Era um cheiro que ela conhecia do porto alexandrinodezessete anos antes; naquilo que parecia uma tradição romana, Antôniopuxouparaapraiacercadeoitentanaviosdelaeateoufogo.Elenãotinhamais tripulação para equipar a frota e não podia correr o risco de quecaíssem nas mãos de Otaviano. Isso não era segredo; o incêndio erabrilhante e pungente. Uma tempestade logo extinguiu as fumaças querestavam; durante quatro dias, ventanias e temporais assolaram a costa.Quando o tempo abriu, restavam apenas adornos lascados e esporõesqueimados. Protegidos pela escuridão, na noite de 1o de setembro, osfuncionáriosdeCleópatracarregaramsecretamentesuasarcasdotesourono maciçoAntonia. Vários navios de transporte levavam os outros

tesouros,assimcomoumain inidadedeserviçosdemesareais.Mastrosegrandes velas embarcados tanto no navio de Cleópatra como de Antônio.Ao nascer do sol, Antônio havia embarcado 20 mil soldados e com elesmilharesdearqueirosearremessadores,acomodandoumnúmerocolossaldehomensemespaçomuitoexíguo.Océuestavacristalinoeomareraumespelhoquandoseguiram,comobaterdosremos,atéabocadogolfo.Alitrês esquadrões de Antônio posicionaram-se em cerrada formação decrescente. Cleópatra e seus sessentanavios restantes vinhamatrás, tantopara impedir deserções como por proteção. Ela não devia participar daluta.Foradoestreito,oshomensdeAntônioencontraramafrotadeOtaviano

reunidaemformaçãosemelhante,acercadeumquilômetroemeio.Ogolforessooucomo toqueagudode trombetas;pregoeiroseo iciaisanimavamseushomens.Eos240naviosdeAntônio,remoserguidos,proaspontudas,diante dos quatrocentos de Otaviano, icaram parados a manhã toda,preparadosparalutar,oscascoscolados,rangendoeimóveis,enquantoosexércitos de terra olhavam da praia. Finalmente, ao meio-dia, Otavianoordenou que seu esquadrão mais ao norte remasse para trás, numatentativa de atrair Antônio. Seus navios avançaram para mar aberto.Instantaneamente o ar encheu-sede gritos, na costa e na água.Das altastorresdafrotadeAntôniovoouumadensasaraivadadepedras, lechaselascas demetal. Do lado de Otaviano, remos bateram e lemes estalaram.Apesar do mar agitado abaixo dela, do ponto de vista de Cleópatra, erauma estranha batalhade solo, lutuante, com os homens de Otavianofazendoopapel da cavalaria e os homensdeAntônio repelindoo assaltoemsuas fortalezas lutuantes,asmaioresdasquaispairavamtrêsmetrosacima do mar. O feroz abalroamento e o corpo a corpo continuaram,inconclusivos,atéomeiodatarde.Porvoltadastrêshoras,aalaesquerdade Otaviano mudou para lanquear Antônio; Antônio por sua vez viroupara o norte.O centro da linha se dissolveu.De repente, o esquadrãodeCleópatra levantou as velas e, aproveitando habilmente o vento, cortoutranquilamentepelomeiodabatalha,passandopelosmísseiseatiradeiras,além das lanças e machados da linha inimiga, semeando confusão portodos os lados. Os homens de Otaviano olhavam assombrados enquantoCleópatra seguia depressa para o sul em suamajestosa nau capitânia, asvelascordepúrpuraenfunadas.Emsuamaiorparte,o inimigonão tinhapotênciaparaalcançá-la.Ochoquesóaumentouquando,momentosdepois,Antôniosetransferiudesuanaucapitâniaparaumagaleravelozeseguiuatrás,comquarentanaviosdesuaesquadrapessoal.

Os homens de Otaviano icaram menos pasmos, como diz Plutarco, doque impressionados. Antônio e Cleópatra tinham escapado com o terçorestante da frota e todo o tesouro dela. Evidentemente a fuga havia sidoarranjadapreviamente;nãohaverianemvalores,nemvelasarmazenadosnos navios de Cleópatra se assim não fosse. Ela escolheu o momentoperfeito para aproveitar o súbito vento favorável. E através de Délio,Otaviano sabia do plano de romper o bloqueio. Antônio e Cleópatra nãotinhamintençãodeprolongarabatalha.Umavezantes,nomesmomês, jáhaviam tentado forçar a passagem pelo bloqueio. Se conseguissemempurrar Otaviano para o mar, poderiam escapar para o Egito; tinhamfeito aquela investida apenas com essa inalidade.No discurso anterior àbatalha que Dio fornece a Otaviano, ele alerta seus homens exatamentesobre essa sequência de acontecimentos: “Como, portanto, eles admitemque sãomais fracos do que nós, e como levam os prêmios da vitória emseusnavios,nãovamospermitirquenaveguemparanenhumoutrolugar,mas vamos vencê-los aqui mesmo e tomar deles todos esses tesouros.” 94

Em2de setembro, unspoucosnavios rápidosdeOtaviano, galeras leves,altamentemanobráveis, com proas aerodinâmicas, efetivamente partiramemperseguição.Em alto-mar, Cleópatra sinalizou para Antônio. Junto com dois

companheiros, ele passou por cima das ondas para bordo do Antonia. Areunião não foi feliz; Antônio não viu nem falou com Cleópatra, por algoqueparecemaisvergonhadoqueraiva.Algumacoisaestavamuitoerrada.Provavelmente, não era para os homens de Antônio icarem para trás.Antes,CleópatrahaviapropostoqueogrossodoexércitovoltassecomelaparaoEgito.A frotaounãoconseguiuescaparouescolheunão ir.Podemter preferido lutar porRomado que seguir uma estrangeira; certamentehaviarumoresdemotimnoacampamento.AntônioeCleópatrapodemterplanejadoamanobraapenasemcasodenecessidadee,sozinhosoujuntos,agido precipitadamente. Ou Cleópatra pode ter partido prematuramente.Ela devia estar querendo voltar para Alexandria, uma cidade que jamaisveriadenovo,sefossevencidanacostadaGrécia.DiosugerequeAntôniofugiuporqueele(erroneamente)leraumaconcessãoàderrotanapartidadeCleópatra.95Ouentãofoitudoexatamentedeacordocomoplanoesuasrepercussõessóvieramàtonadepoisdofato;resta-nosassentardecisõesininteligíveis comrelatosobscuros.Dequalquermodo,Antônionãopodiabaixar a cabeça em derrota, uma vez que o encontro, menos umaescaramuça do que um corpo a corpo, continuou inconclusivo durantealgumtempo.No imdodia,nemOtavianosabiaquemhaviavencido.Seo

planohaviasidomalconcebidoousetinhadadoerrado,otomde“eu-não-falei?” era palpável na brisa salgada. Se Plutarcomerece crédito, Antôniosufocou-se em seu desamparo. Ignorando Cleópatra, “ele foi até a proa esentou sozinho em silêncio, apoiandoa cabeça emambas asmãos”. Só semexeuaoentardecer,quandoduasgalerasdeOtavianosematerializaramàdistância.Antônioordenouqueanaucapitâniafosseviradaparaqueelepudesse icar cara a cara com o inimigo. Seguiu-se uma escaramuça, daqual oAntonia escapou, mas à qual Cleópatra sacri icou um navio decomandoeumsegundobarco,lotadocomricosobjetosdemetalemobília.Tendo resistido ao assalto, Antônio voltou à proa. De cabeça baixa,

olhavaomar, inquieto, o herói deFilipos, o novoDionísio, reduzido a umgrandevultomelancólico,osbraçoseombrosfortesincrivelmenteimóveis.A travessiaparao sul foidura, infestadademútuasansiedadeseperdasparticulares.Foitambémcalada.Antôniopassoutrêsdiassozinho,“ouporraiva de Cleópatra ou para não censurá-la”. Mesmo que tivesse sidoforjado pelo desespero, o plano em algum momento havia parecidosensato. Naquelemomento, Antônio não conseguia escapar da impressãode que desertara seus homens. Eles tinham icado irmes enquanto reis,senadoreseo iciaisoabandonavam.Eleosdeixaraparatrás,parasevernumasituaçãoinsustentávelcomCleópatra.OresultadodabatalhadeÁcionãoera claro, como continuariapouco clarodurantemuitosdias,mas eleentendiaasconsequênciasdoquetinhafeitoea impressãoqueproduzia.Um comandante romano tinha de encarar a derrota, persistir apesar detodos os imprevistos debilitantes. E a história era inteiramente palpávelparaMarcoAntônio;emRomaelevivialuxuosamentenumacasadecoradacomnoventaaríetesdebronzecapturadosnomar.(EramdePompeu.)Eleentendia a glória que tinha acabado de escapar, para sempre, por entreseusdedos.Depois de três dias, Cleópatra parou para recarregar água e

suprimentosemTenarum,opontomaisaosuldapenínsuladoPeloponeso.(Adequadamente, era o cabo onde se acreditava que Hércules haviaprocurado a entrada para o submundo.) Ali, duas criadas dela, Iras, acabeleireira, e Charmion, a dama de companhia, insistiram numareconciliação. Com alguma insistência, as duas mulheres convenceramAntônio e Cleópatra a se falar e acabarem mesmo por “comer e dormirjuntos”.96 Vários navios de transporte juntaram-se a eles, comnotícias doque se havia comentado depois da partida de Ácio. A batalha seintensi icara e prosseguira por horas. A frota de Antônio resistira, masacabaradestruída.Durantealgumtempo—seépossíveldarcréditoaum

relato especialmente colorido —, as ondas atiravam na praia corpos epedaçosdemadeira,pintadoscomapúrpuraeaslantejoulasdouradasdoOriente.97 As forças de terra de Antônio resistiam, irmes. Ao im dareunião, Antônio tentou distribuir presentes a seus homens. De um dosnavios de transporte, entregou tesouros de ouro e prata do palácio deCleópatra. Em lágrimas, os homens recusaram os prêmios. Em vez disso,seu comandante cobriu-os de afeto. Prometeu que arranjaria para quefossemescondidosemsegurançaatéquepudesseacertaros termoscomOtaviano. Ao lado de Cleópatra, ele prosseguiu a travessia doMediterrâneo, até a costa plana do Egito. Aportaramnumposto desoladono canto noroeste do país, numa extensão de praia de areia, e sesepararam.AntôniofoiparaaLíbia,ondetinhapostadoquatrolegiões.Eleplanejava

reagrupar. Cleópatra — sua frota perdida, o tesouro parcialmentedisperso, seus aliados arruinados — correu para Alexandria. Tinhadeixado Ácio antes de todos e num navio poderoso, bem-equipado. Seseguissedepressa,poderiachegarantesdasnotíciasdo iasco.Elasabiaoque era voltar ao Egito em condições catastró icas e tomou precauções:encomendou alguns rápidos arranjos lorais. 98 Quando deslizou diante dofaroldeAlexandrianodia seguinte,elao fez serenamente,osnavioscomguirlandasde lores.Acompanhadopor lautistas,umcoroentoavacantosde vitória no convés. Aos que remavam a seu encontro, Cleópatracomunicava a notícia de seu triunfo extraordinário, provavelmente semnemumtraçodesecuranagarganta.Quasesimultaneamente,asdezenovelegiõeseos12milcavalarianosdeAntônio,depoisdeperderaesperançadequeseucomandantefossevoltaredepoisdeumasemanadeteimosasnegociações, renderam-se a Otaviano que estava apenas começando a sedarcontadadimensãodesuavitória.99

Notas

a Havia alguma ironia na boa sorte de Canídeo. Quando jovem, ele fora encarregado detransportar para Roma o tesouro do tio de Cleópatra, o rei deposto do Chipre. Tinha havidoalguma preocupação quanto à honestidade de Canídeo ao realizar essa lucrativa tarefa.(Plutarco,“Brutus”,III.)

b Sexto Pompeu complicou o quadro sob vários aspectos. Ele gozava de boas relações comdiversosmonarcasqueeramconsideradosinimigosmortaisdeRomaeCleópatraoviacombonsolhos, por causa da relação dos pais de ambos. (Ele, de fato, tentou uma aproximação comCleópatra,queAntôniodesencorajou.Eraespertoosu icienteparaverquenãodeviaseligaraomesmo tempo a uma rainha estrangeira e a um compatriota vaidoso que, apesar do apoiopopularemcasa, secomportavacomoumpirata.O instintodeAntônioestavacorreto;sempre

aventureiro, Sexto oferecera simultaneamente seus serviços aos partos, por trás das costas deAntônio.) Segundo Apiano, Antônio se recusou a assinar a ordem de execução de Sexto. Tevevergonhade fazê-lopessoalmente, porque sabia que amorte iria desagradarCleópatra e nãoqueriaqueelaoresponsabilizasse.Apianosugeretambémqueasentençaeradesejável:melhoreliminar Sexto, para evitar que o talentoso comandante naval e Cleópatra se juntassem para“perturbaro respeitoauspiciosoqueAntônioeOtaviano tinhamumpelooutro”. (Apiano,TheCivilWarsV.144.ParaSextoPompeuemgeral:Apiano,V.133-45.)

cAntôniocitanomes,cinconototal.Emoutrosdocumentos,eleobservaqueOtavianosedivorcioudaprimeiramulherpor“perversidademoral”;elareagiramalàamantedele.

d Ninguémmais viu o testamento além de Otaviano, que pode ter fabricado o documento elepróprio.Plancotambémpodetê-loforjado;emcasosurgentes,eletinhaautoridadeparaassinaronomedeAntônioeaplicaroseuselo.Odocumentoevidentementecontinhaacon irmaçãodasDotaçõesqueAntônio izeraaos ilhosdeCleópatra,assimcomoapaternidadedeCesário.Peloque sabemos, Antônio nunca refutou esses termos. Nem, por sinal, refutou a pretensão deCesário, que nesse ponto ele teve a sabedoria de ignorar. Mesmo assim, é di ícil imaginarqualquer circunstância em que Antônio pudesse efetivamente ter registrado no papel asprovidênciasqueOtavianoleu.

e Eraumafraquezaconhecida.ComohaviarosnadoPlauto,omaispopulardramaturgoromano:“Nãogostomuitodessasmulherescomcontatosemaltospostos,suapose,seusdotes imensos,suas ruidosas exigências, sua arrogância, suas carruagens de mar im, seus vestidos, suapúrpura,quereduzemosmaridosàescravidãocomsuasdespesas.”(Plauto,“ThePotofGold”,167-9.Skinner[tr.],2005,p.201.)

fPrivadodeseuspoderes,AntônioseviaformalmentesemodireitodebuscarajudadosEstadosassociados ou de distribuir territórios romanos. Por meio de uma lógica tortuosa podia-sea irmar,portanto,queCleópatrafavoreciaumcidadãoindividualhostilaRomaequedetinhaapossedeterrasquenãopodiamlhepertencer.Fazerisso,porém,signi icavaincluirAntônionaacusação,naqualelenãoaparecia.

gNicolaudeDamascofoirápidoema irmarquemesmoquandoadolescente,mesmonaidadeemqueojovemé“maislibertino”,Otavianohaviaseabstidodegrati icaçãosexualduranteumanointeiro(LifeofAugustus,Fr.129).Ediantedetodasasprovasemcontrário,nãoera inevitávela irmarqueelevivia comsimplicidadeeausteridade.Na realidade,Otavianogostava tantodemóveis caros e bronzes de Corinto quanto qualquer outro, e mais ainda da mesa de jogo(Suetônio,TheDeifiedAugustus[LivesoftheCaesars],LXX).

h Comoperguntoumais tardeopoetaPropércio:quesentido temanossahistória seela levaàdominação de uma mulher? (Propércio, Elegies, 3.11.47-68. Sobre Cleópatra como triunfoinsigni icante, Elegies 4.6.64-6.) Nourse (2002, p.128) observa que os gregos percebiam “asmulheres que têm acesso ao poder como perigosas emocionalmente e destrutivamentemesquinhas”.OmagistradoqueenfrentaLisístrataemAristófanes temoutrapostura. “Masoshomens não devemnunca, jamais, ser superados pormulheres!”, ele grita, passando o bastãodiretamenteparaLucanoePropércio.

i Só nesse âmbito a ostentação recebia aprovação romana. Como explica Plutarco: “Porque aextravagânciaemoutrosobjetosdeexibiçãoinduzaoluxoeplantaaefeminaçãonaquelesqueos usam, uma vez que algo que provoca e estimula os sentidos rompe a seriedade dospropósitos;masquandovistanosaviamentosdeguerrafortaleceeexaltaoespírito.”(Plutarco,“Philopoemen”,IX.3.7.)

—IX—

AMULHERMAISPERVERSADAHISTÓRIA1

“Eueraigualaosdeuses,excetopelapartemortal.”

EURÍPIDES2

O infortúnio, diz o ditado, tem poucosamigos3; Cleópatra não teve de esperar para con irmar oadágio. Se o seu ardil ainda não havia sido descoberto, ele agora depressa se con irmara, comsangue.Aelitealexandrinajáareprovaraantes.ElatemiaareaçãodosaristocratasaosaberemdaderrotaemÁcio;comtodajustiça,podiamagoraacusá-ladeterentregadooEgitoaRoma.Elanãoousavaobservá-losenquantoexultavamcomsuaderrota.4Nemseimportavadesersubstituídanotrono.Assimquevoltou, lançou-se aumadesenfreadaondade assassinatos, ordenandoque seusdetratoresmaisnotáveisfossempresoseassassinados.Desuaspropriedades,elaconfiscougrandessomas. Apropriou-se de outros valores sempre que conseguia encontrá-los, tomando tesouros detemplos.Qualquerquefosseofuturo,seriaprecisoumafortuna.Seriacarocompraroinevitável;deum jeito ou de outro, Otaviano acabaria vindo. Ela equipou novas forças e procurou aliados, quecortejou insistentemente. Artavasdes, o desa iante rei armênio, tinha icado preso emAlexandria,ondeseustrêsanosdecativeiroagorachegavamao im.Cleópatramandouacabeçacortadadelea2mil quilômetros para o Oriente, até o rival dele, o reimedo. Ela calculou que não seria precisonenhumoutroestímuloparaqueeleviesseemseusocorro.Eleresistiu.Assim como no passado, ela recorreu ao Oriente, onde tinha feito

contatos e partidários de longa data, onde Otaviano não tinha trânsito eonde a realeza era realeza. Quando Antônio voltou a Alexandria,encontrou-aconsumidapor“ummuiousadoemaravilhosoempenho”.Umistmo separava oMediterrâneodo golfo de Suez, na fronteira oriental doEgito.Comumgrandenúmerode trabalhadores,Cleópatra tentouerguerseusnaviosdoMediterrâneoecarregá-losporterraao longodesessentaquilômetrosatéogolfodomarVermelho.Comseushomenseseudinheiroelapropunhafazerumnovolarparaela,bemalémdasfronteirasdoEgito,talvezmesmonaÍndia,“longedaguerraedaescravidão”. 5Numbecosemsaída, a natureza de Cleópatra parecia divisar amplos horizontesilimitados; a grandiosidade e a bravata eram surpreendentes,praticamentesu icientesparasugerirqueelarealmentechegaraapensarnumataqueaomundoromano.AaventuradeCleópatranomarVermelhonãoeraimpossívelnumpaís

queduranteséculosarrastara imensosblocosdepedraatravésdevastasdistâncias. Uma monstruosidade de barco ptolomaico de duas proas —

conta-sequetinhaquase120metrosdecomprimentoedezoitometrosdealtura — havia sido transportado séculos antes sobre rolos de madeiracolocados a intervalos regulares numa vala ao longo do porto. 6 Couroslubri icados eram às vezes usados para o mesmo propósito. Os naviostambémpodiamser cortadosempartes.A empresaeramenos realizávelparaumasoberanaquehaviaseantagonizadocomatribonoladoextremodo istmo. Que eram os nabateus, os comerciantes astutos e bem-organizadosquepassaramumanocombatendoHerodes,graças,emparte,à sabotagemdeCleópatra. ElesnãoprecisavamdeHerodes, que acabarapor vencê-los, para lembrar que Cleópatra era sua inimiga comum. Osnabateustocaramfogoacadanavioegípcioqueerapuxadoàterra. 7ParaCleópatra o fracasso foi particularmente amargo. Aquele era o canto domundodeondeelahaviapartidoparaosucessoem48.Herodes era o aliado óbvio; no deserto, Otaviano não seria páreo para

suas forças combinadas.No entanto, a ninguémo infortúniodeCleópatrapodia ser tão profundamente satisfatório. Cleópatra dera a Herodes umpasse livre da cadeia ao dispensá-lo em Ácio; ele não perdeu tempo emfazeraspazescomOtaviano.ProvavelmenteemRodes,naqueleoutono,oreijudeufezumagrandedemonstraçãodecontrição.Vestidocomoplebeu,ele removeu o diadema ao pisar em terra. Diante do novo senhor domundoromano, foi francoedireto.Defato,haviasido lealaAntônio.Essaera, ai dele, a sua natureza. A integridade era o seu capital de giro. Porsuas normas, explicou Herodes, um amigo tinha de arriscar “cadapedacinhodesuaalma,corpoesubstância”. 8Senãoestivesseatacandoosnabateus, teria, garantiu aOtaviano, icado ao ladodeAntônio até aquelemomento.Eleabandonouseubomamigodevinteanosapenaspor causadamulheregípcia, admitiu,passandoa inanciarentãoaversãoo icialdaguerradeOtavianoaCleópatra.EletinhaditoaAntônioquedeviaselivrardela. Não há indicações de como Herodes conseguiu fazer esse discursocomacaraséria.Aofinal,OtavianosedeclarougratoaCleópatra.Elahavia,garantiuaseuvisitante,legadoaeleumbomaliado.(HerodestinharazõesparaserduplamentegratoaCleópatra.Antesdetudo,eledeviasuacoroaaotemorqueosromanostinhamdela.)Elegantemente,Otavianorecolocouo diadema na cabeça de Herodes. Mandou-o embora com reforçosromanos.Enquantoisso,Cleópatracontinuavaincansavelmenteasuacorteàstribosvizinhasereisassociados.Conseguiumobilizarapenasumatropade gladiadores, lutadores altamente capacitados que vinham treinandopara o que presumiam seriam as comemorações da vitória de Antônio eCleópatra. Atendendo ao apelo dela, eles partiram de onde hoje ica a

moderna Turquia rumo ao sul. Herodes cuidou para que não seguissemalémdaSíria.Fracassado o Oriente, Cleópatra podia olhar na direção oposta. Roma

nãohaviaconquistadointeiramenteaEspanha,umaregiãoinquieta,muitofértil e rica emminas de prata. Mesmo que o Mediterrâneo se fechasseparaela,mesmoquenãoconseguissecontinuaraguerracontraOtaviano,elapodiavelejarparaoeste,peloOceanoÍndico,ecircum-navegaraÁfrica.Comseusvastosrecursos,elaeAntôniopodiamlevantarastribosnativasespanholas e encontrar um novo reino. Não era uma ideia tão fora depropósito; Cleópatra tinha diante de si o exemplo de um outro lídercarismático e dotado linguisticamente. Em 83, um procônsul desonestohaviaassumidoocontroledaEspanha,parahorrordeseusconterrâneos.Saudado por seus recrutasnativos como “o novo Aníbal”9, Sertório haviaincitado uma revolta. Quase conseguira estabelecer um Estado romanoindependente.a Cleópatra considerou seriamente a perspectiva; OtavianotemiaqueelapudesseconseguirrepetirogolpedeSertório.Umaoperaçãomilitar em casa era, a inal de contas, pouco provável; com a deserção deHerodesedas tropascirenaicasdeAntônio,oEgitoeraaúnicacoisaquerestava. E que estava irmemente do lado de Cleópatra— no Alto Egito,seuspartidáriosseofereceramaselevantaremseufavor,esforçoqueeladesestimulou—,mas era pouco provável que resistissemmuito tempo aOtaviano. Ela possuía pelo menos quatrocentos guarda-costas gaulesesferozmente leais, umnúmeromodestode tropas e o que restavadeumafrota.Nada na batalha de Ácio havia sido tão brilhante como o fulgor da

invectiva que a precedera; a maior parte do drama e muitas das baixasvieram depois do fato nada espetacular. Era anticlimático ao extremo, oquenãosepodedizerdosmesesqueseseguiramemAlexandria.Porém,mais umavez os planosdeCleópatra haviamdado errado.Mais uma vezela se movimentava vigorosamente para garantir que nem tudo seperdesse.Eratudoumtorvelinhodefebrilatividadenopalácio;Plutarcoamostra não apenas olhando para a Espanha e para a Índia comoexperimentando diariamente venenosmortais. Para um ou outro im, elafez uma coleção destes, testando-os em prisioneiros e em animaisvenenosos para determinar qual toxina obtinha os resultados maisrápidos, menos dolorosos. Não estava nem humilhada, nem tomada pelopânico,mastãoinventivacomotinhasidoquandooprimeirorevésdesuavidaalançaranodeserto.Apalavra“formidável”,emseusentidolato,maiscedooumais tardeaparece ligadaaCleópatra,aquiporexemplo:emseu

retiro ela era formidável, determinada, disciplinada, expedita. Não havianenhum sinal de desespero. Doismil anos depois do fato, ainda se ouvesuamentefértilpulsantedeideias.OmesmonãosepoderiadizerdeAntônio.Elevagavainquietopelonorte

deÁfrica,sobretudocomdoisamigos,umretóricoeumo icialastutoe iel.Antônio dispensou o restante de seu séquito. A relativa solidão oreconfortava. Contava encontrar reforços, mas em Cirene descobriu quesuasquatrolegiõeshaviamsidoderrotadas.Arrasado,tentouosuicídio.Osdois amigos intervieram, levaram-no para Alexandria. Ele chegou aopalácio sem os reforços esperados e, admite Dio, “sem ter conseguidonada”.10 Isso foi provavelmente no im do outono, por volta do inal daestaçãodeplantio.CleópatraestavanomeiodesuamalfadadatentativadomarVermelho.Elaseconsolouemforti icarasentradasaoEgito.PodetertambémcontempladooassassinatodeOtaviano.11Desuaparte,Antônioseretiroudacidadeedasociedade.Mandouconstruirumlongopassadiçonoporto alexandrino, no im do qual ergueu uma cabanamodesta, perto dopédofarol.12Declarou-seexilado,umtardioTimãodeAtenas,“porqueeleprópriohaviasidoinjustiçadoetratadocomingratidãoporseusamigos,e,portanto,odiavaedescon iavadetodaahumanidade”. 13Dio introduzumanotaamargadecomiseração;14elenãoconseguedeixardesedeslumbrarcomograndenúmerodepessoasque, tendo recebidoprofusashonras efavores de Antônio e Cleópatra, deixavam-nos agora no abandono.Cleópatra parecia não se abalar com a injustiça. Seu entendimento dagratidãopodetersidomaisrealistaqueodeAntônio.Elaaceitouasrudesverdadescommaisfacilidadedoqueele.Antônionão icoumuitotempocomoeremitaelogoapareceunopalácio.

Cleópatra determinadamente o atraiu para fora, para os luxuriantespomares e coloridos alojamentos reais aos quais ele havia voltado ascostas.Sedefatoelaofez,foiumdosencargosmenosdi íceisdesuavida.As notícias continuavam desoladoras: Canídeo aparecera em Alexandriapara informar que as forças de terra de Antônio tinham acabado por serender a Otaviano. Muitos haviam se juntado ao exército; Otaviano tinhaagoramaishomensdoquepodiautilizar.Elequeimaraoquerestaradosnavios capturados. Emseguida, Antônio e Cleópatra icaram sabendo dadeserção de Herodes, especialmente dolorosa uma vez que tinhammandado seumais persuasivomensageiro para insistir pela continuaçãodesualealdade.(EraoamigoqueCleópatrahaviachamadopararemoverOtávia da cabeça de Antônio.) Ele não só falhara com Herodes comoaproveitara sua viagem para desertar. O governador romano da Síria

tambémpassouparaOtaviano,assimcomoNicolaudeDamasco.As recriminações reduziram-se a um mínimo. Cleópatra parecia olhar

maisofuturoqueopassado,calculandoqueAntônioestavabemalémdasprovocaçõesdacensura,dasmordidasdeamor.ElaadotavaoconselhodePlutarco sobre a censura: em tempo de calamidade, melhor escolher acompaixão do que a culpa, pois “em tal momento, não há uso para afranqueza de um amigo ou para palavras carregadas com grave econtundente reprovação” 15. Antônio, porém, era outro homem, a famosaaudáciaea“coragemirresistível” 16arrancadasdeleemÁcio.Cleópatra seviudiantededoisprojetos:cuidardeseuamanteangustiadoouconspirarpara a escapada deles. De alguma forma, ela consolou Antônio, ouamorteceu-o,deformaqueasmásnotíciasodeixassemmenosagitado.Elacuidou de suas frustrações e acalmou suas suspeitas. Cleópatra pensavaporambos.Antônio descobriu que se abandonasse a esperança, abandonava

tambémaansiedade;voltouaopalácioe,semnuncaprecisardeummotivoespecial, “pôs a cidade inteira em clima de festa, bebidas e presentes”. 17

Juntos, Antônio e Cleópatra celebraram também uma elaborada festa demaioridadepara seus ilhosde casamentos anteriores, os quinze anosdeAntilo e os dezesseis de Cesário. Pelo cálculo grego, Cesário estava agoraemidadedoserviçomilitar.bDesuaparte,Antiloestavaprontoadeixardelado a toga combarra vermelhadas crianças romanas.Numamisturadetradições,AntônioeCleópatraempurravamseusfilhosparaaidadeadulta.Ambos se alistaram na carreira militar para elevar o moral egípcio.Durante dias, banquetes, festas e feiras distraíram a cidade. Dio a irmaqueAntônioeCleópatrarealizaramascelebraçõesparaestimularumnovoespíritoderesistência;aosseussúditos,Cleópatrapassavaamensagem deque iam“continuara lutarcomessesmeninoscomoseus líderes,nocasode acontecer alguma coisa a seus pais”. 18 De qualquer jeito, a dinastiaptolomaica iasobrevivere,alémdisso,comumsoberanohomem.De fato,nesse outono, Cesário foi saudado como faraó em inscrições.19 Antônio eCleópatra podiam também estar desesperadamente atirando areia norostodeOtaviano.Elestinham ilhos,quegarantiamofuturo.Elenãotinhanenhum.Durante o outono, houve uma revoada de enviados para lá e para cá,

com propinas e propostas de um lado, ameaças e promessas do outro.Inicialmente,Cleópatrasolicitouaúnicacoisaque interessavaaela:podiapassaro reinoa seus ilhos?Perderavidaeraumacoisa; sacri icar seusilhos, e com eles o país, era impensável. Eles estavam agora entre as

idadesdeseteedezesseteanos;elapunhasuaesperançaemCesário,quejápromoveraparareinaremsuaausência.Mais tarde,enviouaOtavianoum cetro, coroa e trono de ouro. Ela iria abdicar em troca de clemência,sugereDio,“porqueesperavaquemesmoquerealmenteodiasseAntônio,ele tivesse pena dela ao menos”20. Antônio esperava ter permissão paraviver como cidadão no Egito ou, se isso fosse pedir demais, em Atenas.OtavianonãotinhatempoparaapropostadeAntônio,masrespondeuadeCleópatra.Publicamente,eleaameaçava.Privadamente,elerespondiaqueseria absolutamente razoável com ela sob uma condição: Cleópatra tinhadeprovidenciaraexecuçãodeAntônio,ou,nomínimo,seuexílio.(Otavianoconservouospresentes.)Antôniotentoudenovo,defendendosuarelaçãocom Cleópatra, lembrando a Otaviano seus laços familiares, suas“aventuras amorosas”, suas brincadeiras comuns. Para provar suasinceridade, entregou um assassino de César que ainda restava, vivendocom Antônio. Propôs também mais uma coisa. Ele se mataria “se dessaformaCleópatra fosse salva”. 21Mais uma vez, recebeu apenas um geladosilêncio.Oassassinofoiexecutado.A triste verdade era que Antônio não tinha nada a oferecer. Cleópatra

tinha mão forte, com o maior tesouro ainda fora do controle de Roma.Otaviano não podia obter sucesso sem seus famosos ouros, pérolas emar ins.Issohaviamuitomotivavaseushomens;maisquequalqueroutracoisa, eram as reservas de Cleópatra que mantinham seus soldados sobcontrole.22 Antônio e Cleópatra estavam tão sozinhos, as deserções eramtão regulares, que eles não tinham emissários a quem con iar essasmensagens.Restou-lhespressionarumdos tutoresdos ilhosa fazeresseserviço. Junto com sua terceira tentativa, Antônio despachou o jovemAntilo, aos quinze anos, com uma vasta quantidade de ouro. Otavianopegou o ouro e dispensou o rapaz. Não ica claro o quanto as propostaseramsinceras;DiosugerequeAntônioeCleópatraestavamsimplesmenteganhando tempo, enquanto tramavam a vingança. As aproximações, dequalquerforma,nãoerammenosgenuínasqueasrespostas.Otavianonãopodia efetivamente esperar que Cleópatra fosse matar Antônio. O irmãodela não havia ganhadopontos por eliminar o a lito e derrotadoPompeudezesseteanosantes.Ela tambémnão tinhagarantiasdequeOtaviano iahonrar o seu lado da troca. Será que ele perdoaria umamulher a quemhavia tão teatralmente declarado guerra? Cleópatra podia muito bemconcordaremsedissociardeAntônio,masdi icilmenteteriarazãoparairmaislonge.Elaeracapazdeidenti icarumaemboscada.Otavianoteriadedescobrirsozinhocomoselivrardeseuantigocunhado.

Com o último mensageiro de Marco Antônio, Otaviano mandou paraAlexandriaumemissáriopróprioespecialmenteastuto.(Énotável,emborageralmente esquecido, que com esse arranjo Otaviano tentava envolverCleópatra.) Tirso era bonito, persuasivo e mais que quali icado paranegociar com “umamulher que era altiva e assombrosamente orgulhosaemtermosdebeleza”, 23 comodiz Plutarco, ouque “achava seudever seramada por toda a humanidade”24, como Dio conclui. Dio consideraCleópatravaidosaapontodeseiludir,tãoconvencidaestavadosprópriosencantos a ponto de permitir que um emissário a convencesse de queOtaviano, um jovem general que nunca a tinha visto pessoalmente,estivesse apaixonado por ela, simplesmente porque ela queria queestivesse, e porque no passado ela tivera esse efeito sobre comandantesromanos. Cleópatra passoumuito tempo encerrada com o extremamenteinteligenteTirso,sobreoqualdespejouhonrariasespeciais.Tinhatodasasrazõesparaconquistaro favordele;osdoisconferenciaram emprivadoedemoradamente. Antônio explodiu de ciúme. Mandou prender e açoitarTirso e o devolveu a Otaviano com uma carta. O emissário de Otaviano otinhaprovocado,enummomentoemqueele jáestava irritado.Bastavaoque tinha na cabeça. Se Otaviano objetasse ao que ele havia feito, podiafacilmente acertar as contas. O homem de Marco Antônio estava comOtaviano na Ásia. (Ele havia desertado antes.) Otaviano só precisava“pendurá-loedar-lheumasurra”,sugeriuAntônio,“eestaremosquites”.25

Cleópatra também tinha muita coisa na cabeça, mas, acima de tudo,acalmava Antônio. Era di ícil dizer que valor ele tinha na equação a essaaltura,oquetornaasolicitudedelaaindamaisnotável.Elaoacalmavacomtodasasatençõesimagináveis.No inaldoano,comemoroumodestamenteseu aniversário de 38 anos, num estilo “adequado a sua fortunaarruinada”.NãopoupoudespesasquandochegouodeAntônio,emjaneiro.Elacontinuavaacontarcomumfuturonoqualelepoderiaviver,retiradodos negócios públicos, em Atenas ou Alexandria, perspectivas nadarealistas nessas circunstâncias.MarcoAntônio providenciou para que elecomemorasse seus 53 anos com o máximo esplendor e todo tipo demagnificência,entreamigosquetinhampoucasrazõesparaquestionarsualealdade, uma vez que “muitos dos que foram convidados para o jantarentrarampobresesaíramricos”.26

Fora isso, os negócios alexandrinos assumiam um ar melancólico.Otaviano continuava a ameaçar Cleópatra em público enquanto,privadamente, a irmava que, se ela matasse Antônio, ele lhe daria operdão.Àparteosmensageirosdelínguaa iada,elanãotinhaintençãode

aceitar a oferta. Continuava os experimentos com venenos, emboraprovavelmente não com uma cobra, como a irma Plutarco. Ela estava embusca de uma toxina que sutilmente, sem dor, apagasse os sentidos. Avítima se entregaria ao que pareceria um sono profundamente natural.Tudo isso era de conhecimento comum a uma soberana helênica,familiarizadacomtoxinaseantídotosebemconscientedequeumapicadade cobra não correspondia a essa descrição. O médico pessoal deCleópatra, Olimpo, ao lado dela todas essas semanas, era tambémeminentemente versado nesses assuntos; se alguém queria um venenoexcelente,iaprocurarnoEgito,comummédicoalexandrino.Os jantaresebebedeiras continuavam, com a fartura de sempre,mas sob outro nome.Cleópatra e Antônio dissolveram a Sociedade dos Inimitáveis Viventes efundaram outra, em tudo igual àquela associação no “esplendor, luxo esuntuosidade”.27 Por humor negro ou desespero sombrio, chamaram anova sociedade de Companheiros da Morte. Os que se reclinavam nosdivãs acolchoados do palácio juravam morrer com seus an itriões. ECleópatra supervisionou a apressada construçãodeum complexo edi íciode dois andares, vizinho ao templo de Ísis, com uma bela vista doMediterrâneo, provavelmente num faixa arenosa do terreno do palácio,seu“muitoimponenteebelo”28mausoléu.

Houve uma espécie de suspensão durante o inverno, quando icou claro que Otaviano não fariauma expedição enquanto o tempo não esquentasse. Surgiram questões urgentes. De Samos, elevoltou a Roma, onde houvemanifestações e tumultos de todo tipo. Desmobilizar um exército erasemprecomplicadoe,semdinheiro,Otavianotinhamilharesdeveteranosamotinadosnasmãos.Sóno começodaprimavera ele fez umaviagemdedescanso aoOriente.A estaçãode viagema velaainda não estava aberta; ele foi tão rápido “queAntônio e Cleópatra icaram sabendo nomesmomomentodesuaidaedesuavolta”.29SeunovoamigocordialosaudounaSíria;assimqueOtavianoeseushomensdesembarcaramnacosta fenícia,Herodesentregoupresenteseprovisões. Instalouosviajantescansadosemapartamentosmagníficos.Ecuidouparaquenadalhesfaltassenamarchapelo deserto que tinhampela frente, enviandoOtaviano precisamente domesmo jeito que haviaenviado Cleópatra seis anos antes, só que dessa vez acrescentando boa vontade e fundos ànegociação.Herodes contribuiuparaa causadeOtavianocomvaloresequivalentesaquatroanosdas receitas de Cleópatra em Jericó. (A lógica era transparente, Herodes queria deixarabsolutamenteóbvioaosromanosqueseu“reinoerareprimidodemaisemproporçãoaosserviçosque prestava a eles”30.) Sem nenhum desvio turístico, Otaviano foi paraPelúsio, onde Herodes odeixou,nocomeçodoverão.A ideiaeraatacaroEgitopordois ladossimultaneamente,atravésdaSíriaedaLíbia,mobilizandoasantigaslegiõesdeAntônionoOcidente.EmAlexandria,Cleópatra continuava sua “estranhae loucavida” 31 com

Antônio, sem a qual ela não teria conseguido reconstituir o ImpérioPtolomaico, e em razão da qual ela se encontrava agora em extremadi iculdade. Podem ter havido outras negociações encobertas durante oinverno; embora os relatos divirjam imensamente em muitas partes,

Plutarco e Dio a irmam que Otaviano atravessou com facilidade para oEgito, sem qualquer resistência na fronteira oriental, porque Cleópatraarranjara secretamente para que ele passasse. 32 Os relatos podem terorigemnomesmorelatoinimigo;atraiçãodeCleópatraéumassuntofértil,sobreoqualumromanopoderia,duranteanos,discutir incansavelmente.Ela podia, sim, estar fazendo um jogo duplo, curvando-se ao inevitável,negociando indulgência. Jáhavia sidoduramentepragmáticaantes.Nesseponto, seus interesses afastavam-se substancialmentedosdeAntônio.Elenãopodiaesperarmuitomaisqueumúltimograndelance inal.Elalutavapara preservar uma dinastia, senão um país. (Segundo um relato,CleópatraaomesmotemposubornouumgeneralemPelúsioparaqueserendesseepermitiuqueAntônioassassinasseafamíliadogeneralporsuacovardia. E, naturalmente, a acusação de suasmaquinações não impediuOtavianodeafirmardepoisqueeletomouPelúsionumataque.)33

Cleópatra sabia que não conseguia resistir militarmente a Otaviano;certamentehouve aquiescência, senão traição.Assim comodesencorajaraospartidáriosdoAltoEgitodeselevantarememsuadefesa(eladissequenão gostaria de vê-losmassacrados semnecessidade e podia ainda estarapostando numa negociação), ela desestimulou os alexandrinos em suaresistência. Dio atribui a ela um segundo motivo, in initamente menosplausíveltambém.Elea irmaqueelaacreditouemTirsoquandoeledisseque Otaviano estava caído por ela. Por que Otaviano seria diferente deCésar e de Antônio?Dio é tão obcecado com a vaidade de Cleópatra queesquece que ela era também uma hábil política. Ela cede Pelúsio, a irmaele,porque“esperavaconquistarnãoapenasoperdãoeasoberaniasobreo Egito, mas o império sobre os romanos também” 34. De Cleópatra sepoderiaesperar,nogeral,que izesseoqueeramaisinteligente.Dioapõecomprometidacomoabsurdo.Elaestavalutandoporsuavida,seutronoeseus ilhos.Haviagovernadodurantevinteanosenãotinha ilusões.SabiaqueOtavianoestavaprofundamenteapaixonadonãoporela,masporsuafortuna.Nomausoléu,elaempilhoupedraspreciosas, joias,obrasdearte,cofres de ouro, mantos reais, estoques de canela e incenso vegetal,necessidades para ela, luxos para o resto do mundo. Junto com essasriquezas,iatambémumavastaquantidadedelenha.Seeladesaparecesse,o tesouro do Egito desapareceria com ela. A ideia era uma tortura paraOtaviano.À medida que Otaviano avançava para Alexandria, Antônio

experimentouumasúbitaondadeenergia.Reunindouma forçamodesta,saiuacavaloaoencontrodaguardaavançadadoinimigonosarredoresda

cidade, vários quilômetros a leste da porta Canópica. O exército deOtaviano estava esgotado pela marcha; a cavalaria de Antônio ganhou odia,provocandoadebandadadeOtavianoeperseguindo-osdevoltaatéoacampamento. A toda velocidade, Antônio galopou de volta a Alexandriapara transmitir a notícia brilhante: “Então, exaltado por sua vitória, eleentrou no palácio, beijou Cleópatra, todo armado como estava, eapresentou a ela um dos soldados que tinham lutado com maisempenho.”35Cleópatrarecompensouoempoeiradojovemcomarmaduraecapacete dourados. Com respeito e gratidão, ele aceitou ambas as coisas.Nessanoite,passouparaoladodeOtaviano.Decidido,AntôniotentoumaisumavezsubornaroshomensdeOtaviano,algunsdosquaistinham,a inalde contas, sido seus. Mandou também um convite a seu ex-cunhado,desa iando-o a um combate individual. Dessa vez, obteve resposta.Otaviano observou, gelado, que havia muitas maneiras para Antôniomorrer.Eledecidiulançarumúltimoataque,simultaneamentenaterraenomar.

Umjantarmórbidoprecedeuessasaída,nanoitede31dejulho.Otavianoacampara diante do portão leste de Alexandria, perto do hipódromo dacidade. Sua frota estava ancorada pouco além do porto. Uma calmaassustadorabaixousobreacidadefrenética.Cercadodeamigosnopalácio,Antônio insistiu com seus criados parabeber copiosamente. Não teriamessa oportunidade no dia seguinte, quando podiam talvez estar sob umnovo senhor, e ele seria, na melhor das hipóteses, “uma múmia e umnada”.36Mais uma vez seus amigos choraram com suas palavras. Antônioosconsolou.Não iaenvolvê-losembatalhas inúteis.Desejavaapenasumamortehonrosa.Ao amanhecerde1o de agosto, ele atravessou os portõesda cidade com o que restava da infantaria, instalando os homens numpontode ondepodiamacompanhar os enfrentamentos nomar. Em tornodeles a cidade estava calada. Antônio se pôs, imóvel, no ar prateado damanhã, tenso com a expectativa da vitória. Sua frota remou diretamentepara cima de Otaviano e saudou o inimigo com os remos. Os navios deOtaviano retribuíram o gesto. De terra, Antônio viu as frotas voltarempaci icamenteparaoporto,agoraunidasnumasó.Assimqueasproassealinharam, sua cavalaria também desertou. A infantaria lançou-se a umaluta confusa. Antônio voltou voando para o palácio, vociferando “queCleópatra o tinha traído com os inimigos que ele havia feito por causadela”37. A acusação con irma a confusão de seu estado de espírito. Dio aaceita literalmente, culpandoCleópatramais uma vez. Evidentemente, elahavia traídoAntônio e feito os navios desertarem. Estava em acordo com

Otaviano. Não é impossível; ela pode muito bem ter preferido seusprópriosesforçosdeúltimahoraaosdeAntônio,porqueaindaestavaemposição de negociar, Antônio não. No que diz respeito ao episódio, osrelatosirregularessãomenosproblemáticosdoqueaspersonalidadesdosdois cronistas, que icam muito incomodados com Cleópatra. Dio icaexcitadocoma traição,Plutarcoseperdenaemoção.Empânico,a cidadeeradeOtaviano.38

Tivesse ou não traído Antônio, Cleópatra não esperou a volta dele. Játinhaouvido suasacusaçõesantes.Não sentianenhumavontadedeouvi-lasdenovo.Ela sabia agoraque seu amante estava inal, irrecuperável einconsolavelmente arruinado. Fugindo de Antônio, ela correu para omausoléu com suas criadas e seus funcionários. Ao entrar, baixaram asportas maciças, evidentemente uma espécie de porta levadiça gradeada.Uma vez fechados, os painéis não se deslocariam mais. Cleópatra aindaprotegeu a entrada com trancas e ferrolhos. Para Dio, a fuga para omausoléufoiumaencenação;Otavianohaviamantidoseu luxoregulardemensagens confortadoras. É claro que Cleópatra havia cedido ao seupedidodesacri icaroamanteemtrocadoEgito.ElafezogestodramáticoparaprovocarosuicídiodeAntônio.Antôniodescon ioudeumardil,“masemsuapaixãonão conseguiu acreditarnisso, na realidade, pode-sedizerque teve aindamais pena dela que de si próprio”39. Razões para pena équenão faltavam.DioadmitequeCleópatra tinhaaomenosconsideraçãopelo afetodeAntônio—ela podia ser falsa,masnão era fria—, emboramaisumavezeledistorçaosmotivosdela.SeAntônioacreditassequeelaestava morta, certamente não quereria continuar vivendo. Tendo sebarricadonomausoléu,CleópatramandouaAntônioummensageirocomanotíciadesuamorte.Seráqueelaoenganoudeliberadamente?Cleópatraéacusadadetantas

traições que é di ícil saber como entender esta, talvez a mais humana emenos surpreendente. Os dois eram, a inal, parceiros na morte; Antôniohavia o icialmente oferecido matar-se para salvá-la. Otaviano não tinhamaisusoparaAntônio,que,nessaaltura,constituíaumimpedimentoparaCleópatratambém.Alguémtinhadeacabarcomadesgraçadela,tarefadeque generais romanos derrotados geralmente se encarregavam sozinhos.A mensagem pode ter se distorcido na transmissão, muito antes de serdistorcida por historiadores. De qualquer forma, Antônio não perdeutempo; sem Cleópatra, ele não tinhamais razão para viver. Também nãoestavanadadispostoasersuperadoporumamulher.Elerecebeuanotíciaem seus aposentos, entre seus funcionários. Plutarco o faz desprender

imediatamente a armadura, gritando: “Ah, Cleópatra, não sofro por terperdidovocê,porquevouimediatamenteaseuencontro;massintoqueumcomandantetãograndecomoeuvenhaaserconsideradomenoscorajosoqueumamulher.” 40EstavapreestabelecidoqueseucriadoErosomatariase surgisse a necessidade. Antônio então pediu que ele o izesse. Erospuxouaespadae,dandoascostasaseusenhor,suicidou-se.Caiuaospésde Antônio. Antônio só podia aplaudir sua coragem e seu exemplo.Brandindo a própria espada — a lâmina devia ter 75 centímetros decomprimento, comum extensa pontade aço—, ele a cravoudiretamenteentre as costelas, errando o coração, perfurando o abdome.Ensanguentado e tonto, caiu no divã. Havia fracassado em sua tarefa,porém,elogorecobrouaconsciência.Era,decertaforma,típicodeAntôniodeixar o trabalhopelametade. Ele implorou aos que estavamà sua voltaque dessem ocoupdegrâce,masporumaúltimavez seviu abandonado.Suaequipedeixouasala,atéoúltimohomem.Seguiu-se uma gritaria, o que levou Cleópatra ao andar superior do

mausoléu. Ela espiou ou pelas janelas do segundo andar, ou pelo tetoinacabado; havia construído depressa, mas não depressa o su iciente. Aapariçãodela causouuma comoção—entãoCleópatra não estavamorta,a inal!—, embora, se Dio estiver correto, ninguém possa ter icadomaissurpreso que Antônio. Mais uma vez os relatos de Plutarco e Dio sãoincompatíveis. Não ica claro se foi Antônio que soube primeiro queCleópatraaindaestavaviva,ousefoiCleópatraquedescobriuqueAntônioestavameiomorto. Antônio então ordena a seus criados que o levem atéela (Dio), ou Cleópatramanda seus criados até ele (Plutarco). Antônio jáhavia perdido muito sangue. O secretário de Cleópatra encontrou-o nochão,secontorcendoegritando.OscriadosdeAntônioocarregaramnosbraços,sangrandoeemagonia,

até o mausoléu. Das janelas acima, Cleópatra fez baixar as cordas quehaviamsidousadasparaerguerosblocosdoaltodaestrutura.Oscriadosamarraramocorpofrouxoaelas.Cleópatrapuxouseuamanteparasi,coma ajuda de Iras e Charmion, que conheciamAntônio haviamuito. Não dápara melhorar a versão de Plutarco para a tarefa: nem Shakespeareconseguiu isso. “Nunca”, escreve Plutarco, a partir do relato de umatestemunhaocular, “se viu coisamais triste. Cobertode sanguee lutandocontraamorte,ele foierguido,estendendoosbraçosparaelapenduradono ar. Porque não era uma tarefa fácil para mulheres, e di icilmenteCleópatra com as mãos trêmulas e o rosto contraído, poderia puxar acorda, enquanto os que estavam embaixo gritavam, encorajando-a e

participando de sua agonia.” Assim que ela o subiu e deitou-o num divã,Cleópatra começou a rasgar e arrancar a própria roupa. Esse é um dosdois únicos momentos registrados em que ela perde seu colossalautocontrole. Ela cede à emoção crua; “ela quase esqueceu seusprópriosmales pelos dele”. Os dois tinham passado quase uma década juntos;Cleópatralimpouosanguedocorpodeleepassounoprópriorosto.Bateuno próprio peito e arranhou-se. ChamouAntônio de senhor, comandante,marido;elasempresoubefalarcomumhomem.Elesilenciouosgritosdelaepediuumgoledevinho,“ouporqueestavacomsede,ounaesperançadeapressar o im”. 41 Servido, ele encorajou Cleópatra a cuidar da própriasegurança e a cooperar com Otaviano até onde sua honra permitisse,conselhoque sugerealgumadúvidadeAntônioquantoàs intençõesdela.DentreoshomensdeOtaviano,eleaconselhouqueelacon iasseaprópriasegurançaaCaioProculeio. 42EletinhasidoamigotambémdeAntônio.Elanão devia ter pena de sua sorte,mas alegrar-se pela felicidade e honrasquetinhampertencidoaele.Eleforaomaisilustreepoderosodoshomense agora morria uma morte nobre, vencido a inal apenas por umconcidadão romano. As ondasmurmuravam lá fora. Antônio morreu nosbraçosdeCleópatra.

EnquantoAntôniofaziasuatorturanteviagemaomausoléu,umdeseusguarda-costascorreuparaocampodeOtaviano,foradacidade,levandoaespadadeAntônioescondidadebaixodomanto.Lá,ele exibiu a pesada lâmina, ainda manchada de sangue e fez um primeiro relato do suicídiomalsucedido.Otávioretirou-seimediatamenteparasuatenda,parachorarasmesmaslágrimasdecrocodilo que César havia chorado por Pompeu, “um homem que havia sido seu parente pormatrimônio, seu colega por o ício e no comando, e seu parceiro em muitos empreendimentos elutas”. O alívio deve ter sido grande; livrar-se de Antônio tinha sido um problema. EnquantoAntônio jazia nos braços de Cleópatra, Otaviano se permitiu uma pequena cerimônia deautojusti icativa, mostrando cartas que ele e seu antigo cunhado haviam trocado nos anosanteriores.Essas, ele leuemvozaltapara seusamigos reunidos.Nãoeranotável “comoelehaviaescritorazoavelmenteecomjustiça,ecomoAntôniosempreforarudeearrogantenas respostas”?43(Ele tomouo cuidadodequeimarapartedeAntônionessa correspondência.)44 Depois da leituradramática,Proculeiopartiu.EstavanaportadeCleópatraminutosdepoisdamortedeAntônio.Até o inal, Antôniomostrou ser con iante demais. Proculeio tinha dois

encargos. Precisava fazer tudo em seupoderpara arrancarCleópatradomausoléu.EcuidarqueotesourodequeOtavianoprecisavacomtamanhaurgência para solucionar seus problemas não ardesse em chamas.Herodes tinha lhedadoumgostodoOriente;Otavianonãopodiapermitirque o fabuloso tesouro do Egito ardesse numa pira funeral, objeto desonhoseexagerosdesdeostemposdeHomero.Suasdívidaseramoúnicoobstáculo que ainda restava em Roma. Ele também precisava de umarainhaegípcia, que ele calculava fosse “acrescentarmuito à glóriade seu

cortejodetriunfo”. 45DiodedicamuitaatençãoàsmanhasesimulaçõesdeCleópatra ao longo dos dias seguintes, mas ele sabia que estavaescrevendosobredoispersonagensescorregadios,ambosprofundamenteenvolvidosnosnegóciosde traição.OtavianoqueriapegarCleópatra viva,admite Dio, “mas não queria dar a impressão de que a enganara elepróprio”.46Obem-educadoProculeiodeveriaalimentarasesperançasdelaeafastarsuasmãosdofogo.ApesardasrecomendaçõesdeAntônio,Cleópatraserecusouaconceder

umaentrevistaaProculeionomausoléu.Seelequeria falarcomela, teriade ser através de uma porta bem-trancada. Otaviano havia feito a elacertas promessas. Ela queria garantias. Ameaçou queimar seus tesourossem elas. Insistiu muito que seus ilhos, três dos quais estavam sobrespeitosa guarda, com seus criados, podiam herdar o reino. Proculeiocontornou o pedido. Ele garantiu a ela que não devia se preocupar. Quepodia con iar inteiramente em Otaviano. Ela não se convenceu e tomouvárias precauções. Levou uma pequena adaga escondida no cinto: era aprimeiravezqueofazia.EhaviamuitotempomandaraCesárioNiloacima.Ela sabia que não podia pedir nenhum favor em nome de seu ilhomaisvelho.Comseututor,Ródão,eumapequenafortuna,eleseguiriaporterraatéacostae iriadenavioatéa Índia, fonteestabelecidadomar imedastinturas, das especiariase cascos de tartaruga. Proculeio avançou pouco,emboratenhatidomuitasoportunidadesdeexaminaromausoléu,aoqualretornou para uma segunda entrevista, acompanhado por Caio CornélioGalo,quehaviaentradonoEgitopelooeste,àfrentedaslegiõesdeAntônio.Galo era de nível superior a Proculeio. Poeta e intelectual, tinha grandefacilidadedeexpressão.Eraumpioneirodaelegiaamorosa.(Ironicamente,elededicou suaobra à atriz que tinha sido amantedeAntônio.)Umavezmais,via-sediantedasmulheresdeAntônio.Talvezpudessenegociarumarendição.GaloencontrouCleópatranafrentedaporta,paraumaconversaprolongada, provavelmente pouco diferente da que ela tivera comProculeio.Elapermaneceuintransigente.Enquanto isso, Proculeio encostava uma escada na lateral do edi ício e

subia para a janela do piso superior, através da qual Antônio havia sidoerguido.Dois criados escalarama parede atrás dele.Umavez do ladodedentro,desceramparaopisotérreo,ondeatacaramCleópatranaportadomausoléu. Charmion e Iras foram as primeiras a notar os intrusos egritaram:“InfelizCleópatra,serápresaviva!”Aoverosromanos,Cleópatrapegou a adaga para sematar,mas Proculeio foimais rápido. Atirando-sesobreCleópatra,prendeu-acomambososbraços.Eleatiroulongeaadaga

e revistou as dobras da roupa dela em busca de venenos, o tempo todotranquilizando-a afavelmente, como havia sido orientado a fazer. Ela nãodeviaagircomviolência.PrestariaumdesserviçoaelamesmaeaOtavianotambém. Por que privá-lo da oportunidade de comprovar sua bondade eintegridade?Eleeraa inalo“maisdelicadodoscomandantes”—coisaqueela jáhaviaouvidoantes,deummensageiroquedesertara,a respeitodohomemcujocorposemvidajazianoandardecimanumapoçadesangue.Otaviano instalou um escravo liberto chamado Epafrodito ao lado de

Cleópatra. Ele devia manter viva a rainha do Egito “por meio da maisestrita vigilância, mas por outro lado fazer todas as concessões quepromovessem seu conforto e prazer”. 47 Todos os instrumentos com osquais ela pudesse de novo tentar se matar foram con iscados. É de sepresumir que nessa conjuntura o grande tesouro tenha sido levadoembora também.Cleópatra,porém,eraatendidaemtudooque solicitava,incenso, óleo de cedro e canela, com os quais preparava Antônio para ofuneral. Ela passou dois dias puri icando o corpo, uma cortesia que semdúvida Otaviano prestou com prazer. Ele podia ganhar pontos ao honrarum código não escrito de guerra, enquanto aomesmo tempo realizava oenterroescandalosoquediziaqueAntôniohaviasolicitado.OshomensdeOtaviano não removeram nenhum criado ou funcionário de Cleópatra, “aim de que ela pudesse alimentar mais esperanças que nunca de queconseguiria tudooquedesejavae, portanto,não izessenenhummal a simesma”.48Ostrês ilhosforamtratadoscomconsideraçãoedeacordocomseu posto, e por isso ela tinha toda razão de ser grata. Os homens deOtaviano localizaram Antilo, traído por seu tutor, fascinado pela pedrapreciosa sem preço que sabia que o jovem de dezesseis anos usava porbaixo da toga. O ilho deAntônio tinha procurado refúgio num santuário,provavelmentedentrodasmaciçasmuralhasdoCesareum. 49 Ele imploroupor sua vida. Os homens de Otaviano o arrastaram para fora e odecapitaram.Otutornãoperdeutempoemarrancarajoiadocorpo,oquefezcomquedepoisfossecrucificado.Cleópatra solicitou e obteve permissão para enterrar Antônio

pessoalmente. Acompanhada por Iras e Charmion, ela o fez “demaneirasuntuosa e real”. Asmulheresdo século I lamentavam commuitos gritos,autoespancamentosearranhõescomasunhasnapeleeCleópatranãofoiexceção:suademonstraçãofoitãoextremaqueseupeitoestavain lamadoeulceradoao imdofuneral,provavelmentenodia3deagosto. 50 Instalou-se uma infecção, acompanhada de febre. Ela estava satisfeita: se agorarecusasse comida, poderia, pensou, conseguir umamorte tranquila, livre

deromanos.Elacon iouissoaOlimpo,queaaconselhoueprometeuajuda.Ométododela,porém,nãoeranadasutil;Otaviano logo icousabendodocomprometimentodeseuestado.EletinhaumtrunfotãograndequantootesourodeCleópatra.Ele“insistiucomelapormeiodeameaçasetemoresrelativos a seus ilhos”, 51 o que, admite Plutarco, é um tipo de guerra, emaiseficiente.Cleópatrarendeu-seacomidaeatratamento.Otavianohavia,nessemomento,manifestadoalgumaboavontade,oque

pode,emparte, ter tranquilizadoCleópatra.Eleconvocouumaassembleiapúblicaeno imdatardede1odeagosto,diadamortedeAntônio,entrouacavalonacidadecomumrolopreparado.Elesempreescreviaemlatimoque pretendia dizer; esse discurso foi depois traduzido para o grego. Noestádio onde Antônio e Cleópatra tinham coroado seus ilhos, Otavianosubiu a uma plataforma especialmente construída para esse im. Osalexandrinos aterrorizados prostraram-se aos pés dele. Otaviano pediuque se levantassem. Não tencionava nenhum mal. Resolvera perdoar acidade por três razões: em honra de Alexandre, o Grande; pela grandeadmiração de Otaviano por sua terra, “a mais rica e maior de todas ascidades”;52 eparaagradaraAreio,o ilósofogregoa seu lado.Averdade,admiteDio,équeOtavianonãoousava“in ligirnenhumdanoirreparávelaumpovo tãonumeroso,quepodia semostrarútil aos romanosdemuitasmaneiras”.53

Cleópatra deve ter notado que os acontecimentos estavam sedesenrolandodepressa.ElasolicitouumaaudiênciaurgentecomOtaviano,concedidaem8deagosto.Emboranostraçosgerais,osrelatosdePlutarcoe Dio desse encontro sejam semelhantes, amise-en-scène é radicalmentediferente. Plutarco escreve para Puccini, Dio para Wagner. Pode havermaisartequeverdadeemambasasversões;deum jeitooudeoutro, foiuma performance e tanto. (Servia também como um contraste reveladorda entrevista com Herodes.) Plutarco levanta a cortina com Cleópatradeitada num colchão simples, frágil e desarrumada, vestida apenas comumatúnica,semnenhumtipodemanto.Otavianoescolheusurpreendê-la.Ao ver seu visitante, ela se levanta e atira-se aos seus pés. A semanaterrível cobrou o seu preço: “O cabelo e o rosto estavam em terríveldesalinho,avoz tremia,osolhos fundos.Eramvisíveis tambémasmarcasdos golpes cruéis no peito; em poucas palavras, seu corpo não pareciamelhorqueseuespírito.”54DioprefereCleópatraemesplendor realeemseumelhorhistrionismo.Elapreparouumluxuosoapartamentoeumdivãornado para o visitante. Está perfeitamente penteada, soberba, numaroupa matinal que “combina maravilhosamente com ela”. 55 Quando

Otavianoentra, ela sepõedepé, juvenil, para se ver face a face comseuinimigo mortal, certamente pela primeira vez. Otaviano estava em seuauge,aomenosparaosseuspanegiristas;eramuitoatraenteàsmulheres“porquevaliabemapenaserolhado”56, como colocaNicolaudeDamascomais tarde.Cleópatradevetersentidoumcertoalívio. “Viver tanto tempocommedocertamenteépiordoquearealidadequetememos”57,observouCícero.DiantedeCleópatraestava,a inal,apenasumhomem,decercadeum metro e setenta, com cabelo loiro despenteado, expressão benigna,maisconfortávelcomolatimquecomogrego,seisanosmaisnovoqueela,pálido,rígidoepoucoàvontade.Alguém enfeitou as fontes e é di ícil acreditar que não tenha sido Dio.

Seurelatoétãocinematográ icoapontodesersuspeito,suntuosodemais,mesmo para uma rainha helenística. Por outro lado, se Cleópatra nãotivessecertoinstintoparaodrama,nãoteriachegadoaesseponto.Nodivãao lado dela, colocou bustos e retratos de César. No peito, aperta suascartasdeamor.ElasaúdaOtavianocomoseusenhor,masaomesmotempoquerqueeleentendasuaantigadistinção.EletemdesaberaestimaqueodivinoCésar,paidele,seuamante,tinhaporela.Comesse im,passaalertrechos da correspondência, limitando-se às passagens mais ardentes;Otaviano não era o único que sabia como editar um documento. Ela étímida,doce,sutil.Elessãoparentes!Semdúvida,Otavianoouviufalardasmuitashonrascomqueeleabrindou?ElaéamigaealiadadeRoma;Césaracorooupessoalmente!Durante todaessaperformance, “ela lamentavaebeijava as cartas, e uma vez mais atirava-se diante das imagens e asreverenciava”. Ao fazê-lo, volta os olhos insistentemente para Otaviano,comolharesardentes,sutilmentetentandotrocarumCésarporoutro.Elaésedutora,eloquente,audaciosa,emboranaturalmentenãosejarivalparaa retidão romanadeOtaviano,opiniãoquepodeserdeDio.Otavianonãotrai nem uma faísca de emoção. Ele é imune a olhares ternos. Ele seorgulhadaardenteintensidadedeseuolhar,masnessaocasiãoserecusaa fazer contato visual, preferindo estudar o chão. Também não assumiránenhum compromisso. Não falará — ele era lacônico a ponto de serdesajeitado, e aqui provavelmente não ousou se afastar das frasesensaiadas—deamor,nemdofuturodoEgito,nemdos ilhosdeCleópatra.Dio focaliza a indiferença de Otaviano, mas uma outra coisa icanotavelmente ausente da entrevista:Cleópatra não pede nenhumreconhecimentoportercedidoPelúsio,porterentregueafrotadeAntônio,por ter induzido Antônio a sematar, porque provavelmente nãomereciareconhecimento. Se ela mencionasse o seu lado de uma negociação

anterior, provavelmente solicitaria sua recompensa nesse momento. Porim, ela cai em prantos e se atira aos pés de Otaviano. Não tinha, soluça,nenhumdesejodeviver.Nempodiacontinuarviva.Seráque,emmemóriade seu pai, Otaviano concederá um único favor? Poderia ela juntar-se aAntônio na morte? “Não me negue ser enterrada com ele”, ela implora,“para que, como é por ele quemorro, eu possa estar com elemesmo noHades.”58Maisumavez,ela fracassaemdespertarsejapiedade,sejaumaréstia de promessa de Otaviano. Ele só podia exortá-la a não perder oânimo,resolvendoumavezmaisalimentarasesperançasdela.ElequeriaCleópatraviva.Elaornamentariabrilhantementeseucortejodetriunfo.Cleópatra está isicamentemaisdesarrumada,mentalmentemaisdigna

naversãodePlutarco,nãonecessariamentemaisexataportersidocolhidado médico de Cleópatra; todo mundo era um propagandista naquelemomento.Comelegância,Otavianopedequeelavolteaseudivã.Senta-seperto. Cleópatra desenrola uma lista de justi icativas, semelhantes àquelaquedesenrolouemTarso,atribuindosuasações“ànecessidadeeaomedodeAntônio”59.QuandoOtavianorefutaseuargumentopontoporponto,elamuda de tática, recorrendo a piedade e orações. Acaba implorando pelaprópria vida. Está desesperada e magní ica, enquanto em Dio ela estáapenasdesesperada.Nãoemitenotassedutoras,oquede fatoparece tersido acrescentado depois, quando todos os tipos de cronistas colocaramCleópatraatirando-sevigorosamenteatodosostiposdepés.60Comcerteza,ela se atira na literatura mais do que na vida. Deixando de lado icçõestotais e distorções convenientes, Dio e Plutarco concordam em essência.Desarrumada ou não, Cleópatra continua um assombro de se ver: “Oencantopeloqualerafamosaeaousadiadesuabeleza”brilhavam,apesardeseusofrimento, “emanifestavam-seno jogodas feições”61. Ela continuamaleáveleastuta,modulandoos“timbresmusicais”eos“tonsmelí luos”62

conforme exigia a situação, acompanhando seus argumentos. Meioesfaimada e parcialmenteincapacitada, ela é irascível como sempre. Emambasasnarrações,eladeixaOtavianonumlodaçaldeembaraço.Quando suas preces fracassam em comovê-lo, Cleópatra recorre a seu

trunfo. Ela fez um inventário de seus tesouros, que entrega a Otaviano,comoumaespéciederendição.EnquantoOtavianoexaminaalista,umdosadministradoresdeCleópatradáumpassoàfrente;asituaçãotrazàtonao pior de cada um. Seleuco não pode deixar de observar que Cleópatraomitiudiversositensexcepcionalmentevaliosos.NafrentedeOtaviano,eleacusasuarainhade“roubá-loseescondê-los”.Diantedisso,Cleópatravooude seu divã, “agarrou-o pelo cabelo e cobriu seu rosto de golpes”. Sem

poder esconder um sorriso, Otaviano levantou-se para detê-la. A hábilrespostaéCleópatraemseumelhormomento,purasutilezasinuosa:“Masnãoéumacoisamonstruosa,César,que,quandovocêmehonracomumavisita emminha a lição, umdemeus escravosme denuncie por reservaralguns adornos demulher, não paramim, infeliz que sou,mas para quepossa fazerpequenospresentesaOtáviaeà suaLívia, epela intercessãodelas esperar de você mais misericórdia e bondade? 63” Dio também fazCleópatravoltar-separaaesposaeairmãdeOtaviano,masnãopormeioda ópera cômica. Invocando solidariedade feminina, Cleópatra prometeseparar para Lívia algumas joias especialmente notáveis. Deposita nelauma grande esperança. Ambas as entrevistas são compostas dedissimulaçãoe farsa,dealegações ingidaseemoçõesarti iciais.Deixandode lado os detalhes divergentes, ambas são blefe e pantomima, Otavianofaz questão absoluta de queCleópatramarche pelas ruas deRoma comosua prisioneira, mas inge que não. Cleópatra descon ia disso, mas ingeaferrar-seàvida.Elanãotemintençãodevoltaracorrentadaaumacidadeonde um dia viveu como honrada hóspede de César. Para ela, suportaressa humilhação é “pior do quemilmortes”64. Ela sabe bem o que Romasigni ica para uma soberana cativa. Se sobreviviam, era num calabouçoromano.Soberanoshelenísticoshaviamsematado—eenlouquecido—lá.MuitosatisfeitocomamençãoaLívia,OtavianodeixouCleópatratranquiloe foi também tranquilizador, prometendo a ela “tratamento maisesplêndido do que ela podia esperar”. E com isso saiu, bem satisfeito,“achandoqueatinhaenganado,masnaverdadeenganadoporela”.65

Cleópatra fez uma última conquista, masnão seria Otaviano. Em sua equipe havia um jovemaristocrata chamado Cornélio Dolabela. Plutarco nos conta que Dolabela alimentava “uma certaternura”porCleópatra;aemoçãopodiaestarmaispertodapena.Ela insistiucomeleparaqueamantivesse informada de todos os acontecimentos. Dolabela concordara. Em 9 de agosto, elemandouumrecadoprivadoaela.Otavianoplanejavapartirdentrode trêsdias.Cleópatrae seusilhos deveriam ir com ele. Imediatamente, Cleópatra mandou um mensageiro a Otaviano. Teriapermissãoparafazersacri íciosaAntônio?Opedidofoiatendido.Namanhãseguinte,umaliteiraalevou à tumba dele, junto com Iras e Charmion. Ao lado do túmulo, Plutarco nos oferece umdiscursoque éum soluçodolorido, umexercício retóricomaispertoda tragédia gregadoquedahistória helenística; ele já está dez capítulos adiante de Antônio, seu assunto principal, e muitofascinado com seu assunto acidental. Atirando-se ao chão e abraçando a tumba, a Cleópatra dePlutarco explica ao amante morto que é prisioneira. Brotam lágrimas em seus olhos. “Tãocuidadosamentevigiada[soueu]quenãopossonemcomgolpesnemcomlágrimasdes igurarestecorpomeu, que é um corpo de escrava, e vigiado de perto para que possa enfeitar o cortejo detriunfosobrevocê.”Nadanavidafoicapazdeafastá-los,masamorteestáprestesafazê-lo.Antôniodeu seu último suspiro no país dela, e ela, “umamulher infeliz”, devia encontrar seu imno paísdele.Osdeusesdomundoacimaosabandonaram.Seosdeusesdoalémtêmqualquerpoder,elaintima Antônio a apelar a eles. Será que poderiam poupá-la de marchar num cortejo de vitóriasobreele?ElaimplorouqueelesaescondessemeaenterrassemnoEgitojuntocomele,“umavez

que de todas as minhas inúmeras a lições nenhuma foi tão grande nem tão horrível como estebreve tempo em que vivi separada de você”66. A cena é pobre de vingança e rica de afeição; aCleópatra de Plutarco morrerá de amor, mais que de inimizade. Enfeitando com guirlandas ebeijandoseutúmulo,emmeioaumanuvemdemirra,elainformaternamenteaAntônioqueessassãoasúltimaslibaçõesquepoderáofereceraele.Aovoltarparaomausoléuessa tarde, elamandouprepararumbanho.

Depois, reclinou-se à mesa, onde desfrutou uma suntuosa refeição. Porvoltado imdodia,umcriadoapareceudiantedaportacomumacestadeigos, direto do campo. Os guardas examinaram o conteúdocuidadosamente.Os igosdoEgitoeramespecialmentedoces:os romanosse deslumbravam com o fruto suculento. Com um sorriso, o viajanteofereceu amostras a todos, depois do que acenaram que entrasse nomonumento.Algum tempodepois,Cleópatrapôs seuselonumacartaquehavia preparado antes. Então chamou Epafrodito. Será que ele podiarelaxar sua guardaapenaso tempode levarumcomunicadoaOtaviano?Era relativo a um assunto menor; não havia pressa. Epafrodito partiu,atravessando a areia do lado de fora. Cleópatra então dispensou seuséquito,menos Iras e Charmion.As trêsmulheres fecharamasportas domausoléu; provavelmente, as barras e trancas haviam sido removidasjunto com o tesouro. Se ainda não o haviam feito, as criadas vestiramCleópatracomsuasvestesformais,àsquaiselaacrescentouosornatosdeseuposto,ocetroeo lagelofaraônicos.Emtornodatestaatouodiadema,asfitasdescendopelopescoço.Otaviano abriu a carta — ele não podia estar longe, muito

provavelmente estava no palácio— e leu o ardente pedido de CleópatraparaserenterradaaoladodeAntônio.Nomesmoinstanteentendeuoquehaviaacontecido.Ficouatônito.Partiuimediatamente,masentãomudoudeideia — estava aturdido — e mandou mensageiros investigarem. Elescorreramaomausoléu,ondeosguardasdeOtavianoestavamdesentinela,imperturbáveisenãosuspeitandodenada.Juntos,arrombaramasportas.Era tarde demais. “Omale ício”, Plutarco nos conta, “havia sido rápido.” 67

Cleópatraestavadeitadanumdivãdourado,provavelmenteumacamadeestilo egípcio, compernas de patas de leão e cabeças de leão nos cantos.Majestosa e meticulosamente vestida em “seu traje mais belo”68, elasegurava nas mãos o cetro e o lagelo. Estava perfeitamente composta ecompletamente morta, Iras quase igual a seus pés. Caída, com a cabeçapesada,quaseincapazde icarempé,Charmiontentavadesajeitadamentearrumarodiademana testadeCleópatra.Raivosamente,umdoshomensde Otaviano explodiu:“Bela atitude essa, Charmion!” Ela teve energiaapenas para um lance de despedida. Com uma mordacidade que teria

deixado orgulhosa a sua senhora, conseguiu dizer: “Belamesmo, emuitoadequadaàdescendentede tantos reis”69, antesde cairmortaao ladodarainha.Ninguémpodia discordar do epitá io de Charmion. (Como tambémnão

podiasermelhorado.Shakespeareusouassuaspalavrasexatas.)“Ovalordodesafortunadodespertagrandereverênciamesmoentreosinimigos” 70,observaPlutarco,enoacampamentodeOtavianohouveadmiraçãoepenageneralizadas.Cleópatrahaviademonstradotremendacoragem.Comoelaconseguiu realizar seu ato inal é menos evidente. Otaviano icou com aimpressão, ou tentou dar a impressão, de que ela havia recorrido a umaáspide. Ao chegar à cena, depois de seus mensageiros, ele tentouressuscitarCleópatra.Mandouchamarumpsilo,porqueacreditava-sequeessatribo,naLíbia, tinhaumaimunidademágicaaovenenodeserpentes.Dizia-se que eles podiam determinar que tipo de serpente havia picadoumapessoapelogostodoveneno;murmurandoencantamentosesugandoa ferida, eramcapazesdeextrair amortedeumcorpo frio 71. O psilo queajoelhouaoladodeCleópatranãofezmilagres.Arainhaegípcianãopodiaser ressuscitada. Isso não era surpreendente. Nem Dio nem Plutarcotinham certeza absoluta da áspide, que certamente entrou na históriadepois e não durante a vida de Cleópatra, dentro de um cesto de igos.Nem mesmo Strabo, que aportou no Egito logo depois da morte dela,acreditounisso.72

Pormuitas razões, é improvávelqueCleópatra tivesse recorridoaumaáspide,ouaumanajaegípciaparafazerotrabalho.Umamulherconhecidapor suas irmes decisões e planejamentos meticulosos com certezahesitariaemcon iarseudestinoaumanimalselvagem.Elapossuíamuitasopçõesmaisrápidasemenosdolorosas.Alémdisso,eratambémumpoucoconveniente demais sermorta pelo emblema real do Egito; a cobra faziasentidomaissimbólicodoqueprático.Mesmoamaiscon iáveldascobrasnãoconseguiriamatartrêsmulheresemrápidasucessão,eaáspideéumaserpentefamosapelalentidão.Umanajaegípcia,arisca,silvanteebufantenoesplendordeseumetroeoitentadecomprimento,di icilmentepoderiaser escondidanum cesto de igos, ou permanecer escondida por muitotempo.Otrabalhoeragrandedemaiseocestopequenodemais.Venenoéa alternativa mais provável, como Plutarco parece sugerir com seulevantamento dos experimentos de Cleópatra. É mais provável que elatenhatomadoumabebidaletal—acicutaeoópiodeSócratesteriamtidoomesmoefeito—,ouaplicadoumunguentotóxico.Aníbalhaviarecorridoavenenoquandoencurralado150anosantes.Mitrídateshavia tentadoa

mesmacoisa.OtiodeCleópatra,reidoChipre,sabiaexatamenteoqueterà mão quando Roma apareceu em 58. Supondo-se que ela morreu damesmacausaqueCharmion,supondoqueelamorreunoestadoemquefoidescoberta,Cleópatrasofreupouco.Nãohouveparoxismosdeconvulsões,queovenenodanajaacabariainduzindo.Oefeitodatoxinaqueelatomouhavia sido mais narcótico que convulsivo, a morte pací ica, rápida eessencialmente indolor. “A verdade ninguém sabe” 73, anuncia Plutarco,paraséculosdeouvidosquenãoqueremouvir.Posta de lado durante quase duzentos anos, a serpente se apega

tenazmente à história. A áspide de Cleópatra é a cerejeira da históriaantiga, uma conveniência, um signo, acima de tudo uma bênção parapintoreseescultoresaolongodosséculos.Faziasentidopoéticoeboaarte.(Assimcomoopeitonu,quetambémnãofaziapartedahistóriaoriginal.)Ea serpente multiplicou-se imediatamente: Horácio escreveu sobre“serpentesdedentesa iados”74 emumaode. Virgílio, Propércio eMarcialseguirão seus passos. A fera ou feras iguram em todos os primeirosrelatos. Otaviano ixaria ainda mais a história exibindo uma igura deCleópatra comuma áspide em seu cortejo de triunfo. A cobra era não sóumsímbolopotentedoEgito, onde cobras enroladashaviamadornadoastestas faraônicas durante milênios, como também serpentes passeavamporcimadasestátuasdeÍsis.ElashaviamseinsinuadonocultoaDionísio.À parte a iconogra ia, é fácil ver o que alguém está tentando comunicarquando junta uma dama e uma cobra. A mãe de Alexandre, o Grande,princesa macedônia assassina e das maiores maníacas que existiram,mantinha serpentes como animais de estimação. Ela as usava paraassustar os homens. Antes dela, veio Eva, Medusa, Electra e as Eríneas;quandoumamulhersejuntaaumacobra,éameaçadetempestademoralemalgumlugar.Otavianopodeterconfundidoascoisasparatodosempreao chamar o psilo. Ele controlou o registro histórico com a mesmíssimairmeza com que se dizia que controlava seus impulsos sexuais naadolescência. Muito provavelmente, ele nos colocou, durantemilhares deanos,nadireçãoerrada.Pode ter feito isso intencionalmente. Existe uma versão alternativa da

morte; há muito tempo está claro que podemos estar deixando escaparalgumacoisaaqui,queafarsade10deagostopodiabemesconderoutra,queamaiorcenadeleitodemortedahistóriatalveznãosejaoqueparece.No relato em prosamais antigo, “Cleópatra enganou a vigilância de seusguardas”75 para obter uma áspide e encenar sua morte. Otaviano icairritado, furioso por ela ter escapado entre suas mãos. Ele tinha, porém,

uma equipe imensa, dedicada. Em agosto, poucos em Alexandria teriamhesitado em cooperar com ele, como o administrador de Cleópatrademonstrou.OtavianoeratãodescuidadoquantoCleópatraeraingênua;otipodehomemqueregistravatantoadatacomoahoraemsuascartasnãodeixava uma prisioneira valiosa escapar entre seus dedos. 76 QuandoOtavianodeixouCleópatraem8deagosto,elepodeterlevadoCleópatraaseenganarqueohavia enganado, e essencialmenteorquestradoamortedela. Ele não se importaria de ser enganado por uma mulher, a menos,claro, que a alternativa fosse mais prejudicial. E Cleópatra era umaprisioneira tão problemática como a inimiga que havia sido. Otavianocompareceraaoscortejosdetriunfode46.Haviaatédes iladonumdeles.Ele sabia da comiseração que a irmã de Cleópatra havia despertado naocasião. Ele havia condenado publicamente Marco Antônio por ter feitoArtavasdes des ilar acorrentado. Otaviano censurava esse tipo decomportamento, porque desonrava Roma. No caso de Cleópatra, haviaainda mais uma agravante: essa prisioneira em particular tinha sidoamantedodivinoCésar.Eramãedo ilhodele.Aosolhosdealguns,elaerauma deusa por seu próprio direito. Podia-se con iar que terminaria seusdias sossegadamente em algum posto avançado asiático, como sua irmãmaisnova.Duasvezes,Cleópatrahavia tentadosematar.Eraclaroque,amenos que fosse vigiada cuidadosamente, mais cedo ou mais tarde elaconseguiria.Otavianoteria icadocomodeverdecalcularqualembaraçoeramaior:

sersuperadoporumamulher,ouvoltaraRomasemovilãodapeça.Seriadi ícil avaliarasocasionais sensibilidadesdelicadasdeseusconterrâneos.Às vezes, eles recebiam os ilhos de reis derrotados com zombarias eridículo. Às vezes, esses inocentes frustravam o exercício, arrancandolágrimase incômodo.Cleópatrahavia sidodeclarada inimigapública,masuma e ígie serviria perfeitamente num cortejo de triunfo, como haviamfuncionado as e ígies de adversários de Roma no passado. A morte delareduzia um pouco a glória, e também eliminava uma porção decomplicações. Otaviano pode ter preferido tirar Cleópatra do palco emAlexandria do que arriscar um passo em falso em Roma. Ele icougenuinamente apavorado de que ela pudesse destruir seu tesouro, nadaapavoradodequepudessedestruira simesma,atoparaoqualelepodeefetivamente ter colaborado. O jovem Dolabela era, então, apenas uminstrumentonojogodeOtaviano.A inaldecontas,erapoucoprovávelqueumdosoficiaisdesuaequipefossearriscarumaamizadecomCleópatra.E,naverdade,OtavianonãohaviadeixadoAlexandriaem12deagosto,como

Dolabela alertara calorosamente. Ele pode ter entregue a mensagem,possivelmenteatéumamensagemmaisagourenta,paraapressarocursodeeventos.TantoDiocomoPlutarcoapontamasrepetidasdeterminaçõesdeOtavianoparaqueCleópatrafossemantidaviva,maisdoquequalquercumplicidadedeleemsuamorte.Issonãoquerdizerquenãotenhahavidonenhuma.Umaquartamorteem10deagostode30podemuitobem tersidoverdade.(Os contra-argumentos são mais ou menos assim: Cleópatra havia

tentado tanto matar-se de fome como apunhalar-se. Por que Otavianofrustrouessastentativasparatorturá-lacomameaçasaseus ilhos?Novedias sepassaramentre amortedeAntônio e adeCleópatra. Certamenteteria sido preferível eliminá-la de imediato? Ela já havia jurado morrerjuntocomAntônio,a inal.Edeviasaberdadi iculdadedeOtaviano;elaselembrava bem da sensação que sua irmã provocara. Podia estardescon iada de que Otaviano não arriscaria exibir a ela e a seus ilhosmeio-romanos em cortejo. Otaviano parece real e atipicamente enervadopelanotíciadamortedeCleópatra.Elenãofezgrandes demonstraçõesdaconsideração que havia mostrado a ela, como seria de se esperar queizesse e como normalmente fazia. Em vez disso, gabou-se em suasmemóriasdequeváriosreis,enove ilhosdereis,tinhammarchadodiantede seu carro em três cortejos de triunfo. 77 Nenhum historiador futuro,mesmoosque antipatizamcomOtaviano, arriscam falarde cumplicidade,embora se possa argumentar que naquele momento o caso já estavaencerrado, a verdade conhecida apenasporunspoucos. Somosdeixados,emúltima análise, a correr atrás do próprio rabo.Omelhor que se podedizer do último ato de Cleópatra foi que ela agiu heroicamente em umgrande lancequepode, sobváriasaspectos,nãoserhistóricoe, comtodacerteza, em alguma medida, foi invenção de seu oponente. A únicaconsolação é perversa: a morte de Alexandre, o Grande é bem-documentada,eaomesmotempoumacharadanãomenosperfeita.)PlutarcocolocaOtavianodivididoentreduasemoçõesnanoitede10de

agosto. Ele está ao mesmo tempo “irritado com a morte da mulher” eassombradocom“seuespíritoaltivo”78.TambémsegundoDio,Otaviano icaadmirado e com pena, embora “excessivamente incomodado” 79 em suaspróprias palavras. Seu triunfo será menos magní ico. Embora não sejaclaro quem o fez, alguém criou uma heroína. A morte de Cleópatra foihonrosa, umamorte digna, umamorte exemplar. Ela própria a conduziu,orgulhosa e altiva até o im. Pela de inição romana, ela inalmente izeraalguma coisa direito; en im, tinha a seu crédito ter desa iado as

expectativas de seu sexo. Nas histórias romanas, as mulheresinevitavelmente ganham pontos ao engolir carvões quentes, sependurarempeloscabelos,saltaremdoaltodotelhado,ouentregaradagassangrentas aos maridos com três tranquilas palavras de encorajamento:“Nãodói nada.” (Muitos cadáveresdemulheres enchemospalcos gregostambém,comadiferençadequenoteatrogregoasmulherestambémtêmaúltimapalavra.)Ospanegíricosforamimediatos.Numaodeescritapoucodepois do suicídio dela, Horácio começa condenando Cleópatra por sualoucura e ambição, mas termina por louvá-la. “Mulher nada covarde,essa”80,concluiele,deslumbradocomsuaclareza,suacalma,suacoragem.O ato inal de Cleópatra foi sem dúvida o seu melhor. Otaviano ficouperfeitamente feliz de pagar esse preço. A glória dela foi a glória dele. Aoponenteelogiadaeraaoponentevalorosa.Otaviano cuidou para que Cleópatra fosse enterrada “com esplendor e

magnificênciareais”81.Agirdeoutraformateriasidoarriscaroincitamentodos alexandrinos, que sem dúvida lamentaram publicamente sua rainha,apesardapresençaromana.SegundoPlutarco,Otavianorespeitoutambémo pedido dela de ser sepultada ao lado de Antônio. Iras e a eloquenteCharmion receberam também funeraisdignos, junto comsua rainha.Nãoicaclaroseas três forammumi icadas.Omonumentoconjuntodevia serluxuosamentedecoradocommuitascores,comoeramastumbasreaisdosancestraisdeCleópatra, comtoquesromanosna iconogra ia.Segundoumrelato, havia estátuas de Iras e Charmion de sentinela na entrada. 82

Plutarco insinuaqueotúmulo icavanocentrodeAlexandria,ao ladodostúmulos dos Ptolomeus anteriores. Otaviano ordenou também que omausoléu fosse terminado, o trabalho provavelmente concluído numacidade muda, amortecida pela incerteza; os alexandrinos eram agorasúditos romanos. O fato do monumento de Cleópatra ser vizinho a umtemplo de Ísis indica que podia estar em qualquer lugar. A teoria maisrecente é de que a última morada de Antônio e Cleópatra ica trintaquilômetrosaoestedeAlexandria,numaencostaensolaradaemTaposirisMagna, com vista para o Mediterrâneo. Não foram encontrados, nem otúmulo,nemomausoléu(quasecomcertezaeramconstruçõesseparadas).Cleópatratinha39anosehaviareinadodurandoquase22,cercadedez

anos mais do que Alexandre, o Grande, de quem herdara o bastão que,inadvertidamente, passou para o Império Romano. Com sua morte, adinastia ptolomaica chegou ao im. Otaviano anexou formalmente o Egitoem 31 de agosto. Seu primeiro ano foi o último de Cleópatra; elerecomeçara o relógio com 1 o de agosto, a data de sua entrada em

Alexandria. Já foi dito que Cleópatra baixou a cortina sobre uma era,embora,evidentemente,dopontodevistoegípcio,poder-se-iadizerquefoiAntônio quemo fez. É fácil esquecer que ele foi o im de Cleópatra tantoquantoelafoiodele.

Até o inal, os tutores ptolomaicos mostraram-se instáveis. Cesário chegou até um porto do marVermelhoquandoRódãooconvenceuavoltaraAlexandria,talvezparanegociarcomOtavianoemfavordesuamãe.Omundoantigoera,àsvezes,umlugarincomodamentepequeno;Otavianonãopodia permitir nem que seu primo vivesse, nem exibir um ilho do divino César num cortejo detriunfo. O simples nome “Cesário” já constituía um problema. A muito divulgada cerimônia demaioridade não ajudara nada. Os homens de Otaviano trouxeram o rapaz de dezessete anos devoltaaAlexandria,ondeomataram,provavelmentedepoisdetorturá-lo.Comonãorepresentavamperigo real, Alexandre Hélio, Selene e Ptolomeu Filadelfo voltaram a Roma com Otaviano, paraseremcriadosporsuasempreagradávelirmã.Cresceramemsuacasagrandeeconfortável,comosilhosdeAntônioeOtávia,ecomos ilhossobreviventesdocasamentoanteriordeAntônio.(Jotape,aprometidadeAlexandreHélio,voltouparasuafamílianaMédia.)Umanodepoisdamortedesuamãe,os ilhossobreviventesdeCleópatrades ilaramnocortejodetriunfodeOtaviano,semdúvidaumacontecimentoestranhoparatrêsjovensquesedizteremsidocriadoscomtantaatenção,comose fossem ilhos delemesmo. Ele depois casou Cleópatra Selene com Juba II, que aos cinco anostinha des ilado no cortejo de triunfo africano de César e foi depois educado em Roma, ondedesenvolveu uma paixão por história. Marido e mulher tinham tido formação e humilhaçãosemelhantes; a guerra civil romana tornara ambos órfãos. Um homem de cultura, poeta, um dosfavoritos de Otaviano, Juba foi enviado com a noiva para governar aMauritânia. (Onde hoje é aArgélia.)A ilhadeCleópatratinhaprovavelmentequinzeanosnaépoca,Juba,22.Comofavoraosjovens reais, Otaviano poupou os irmãos de Cleópatra Selene, que podem ter ido para a Áfricaocidentaltambém.Depoisdocortejodetriunfo,osdoismeninossomemdevistaparasempre.No trono mauritano, Cleópatra Selene deu continuidade ao legado da

mãe: suas moedas mostram seu rosto e estão escritas em grego. (As deJuba são em latim.) O casal transformou a capital num centro artístico ecultural completo,com uma esplêndida biblioteca. Muitas esculturasegípcias, inclusiveumapeçade31de julhode30,vésperadaentradadeOtaviano em Alexandria, apareceram na área, onde Cleópatra Seleneevidentemente as reunira numa galeria de bustos ptolomaicos. Ela deucontinuidadeàassociaçãocomÍsisechamouseu ilhodePtolomeu.Criavacrocodilos sagrados. 83 O único neto conhecido de Cleópatra, Ptolomeu daMauritânia, sucedeu Juba em 23 d.C. Depois de dezessete anos no trono,visitouRomaa convitedeCalígula.AmbosdescendiamdeMarcoAntônio;eram meio-primos. O imperador romano saudou o rei africano comhonrarias, até Ptolomeu comparecer um dia a um espetáculo degladiadores com um manto púrpura especialmente esplêndido. Cabeçasviraram para olhar, para infelicidade de Calígula. Ele mandou matarPtolomeu,84um imadequadoparaumadinastiadesdeoiníciosaturadadecoresflamejantes.c

Otaviano apagou todos os traços de Antônio tanto em Roma como em

Alexandria. O dia 14 de janeiro, a data de aniversário dele, foi declaradodia de azar, em que não se realizavamnegócios públicos. Por decreto doSenado, os nomes “Marco” e “Antônio” não deveriam nunca mais serusados juntos. No mais, ele foi descartado como um inconvenientehistórico.OtavianonãomencionariapornomenemAntônio,nemCleópatraem seu relato de Ácio. Ele condenou à morte vários colaboradorespróximosdeAntônio,Canídeoeosenadorromanoquesupervisionavaastecelagens de Cleópatra em primeiro lugar. Aqueles que haviam juradomorrer junto comAntônio e Cleópatra provavelmente foram aliviados danecessidade de fazer o trabalho eles próprios. Outros parceirosdesapareceram. O in luente alto sacerdote de Mên is, que nascera nomesmo ano de Cesário e permanecera ligado pessoalmente a Cleópatra,morreumisteriosamente váriosdias antesdela.85 Era imperativo que nãosobrevivesse ninguém que pudesse exercer autoridade, reunir o povo,reagrupar o reino de Cleópatra. Os homens de Otaviano recolheram dopalácio a totalidade do tesouro ptolomaico e aplicarammultas por toda acidade,inventandodelitos.Quandofaltavaaimaginação,elessimplesmentecon iscavamdoisterçosdapropriedadedavítima.Eraummodopolidodesaquear; os romanos o izeram lindamente. Otaviano removeu deAlexandria a bela estatuaria e a arte preciosa que Antônio e CleópatrahaviampilhadoportodaaÁsia,devolvendoamaiorparteàscidadesaquepertenciam. Poucas das peças melhores apareceram em Roma, onde amelhorartevinhahámuitodosaqueaCorintonoséculoII.Dezesseteanosdepois da morte de Cleópatra, Otaviano terminou o Cesareum, aquelamaravilhagregaefaraônica,emsuaprópriahonra.Cleópatratinhamuitíssimospartidários,tãofiéiscomoforamsuasdamas

de companhia, cuja devoção era o assunto do dia em Alexandria.86 Ascriadas normalmente não morriam com sua senhora. Aquelas que seoferecerama icar à altura de sua rainhapermaneceram leais. Cleópatratinha o país a seu favor; não tinha havido revoltas durante seu reino.Alexandria deve ter se entregado ao luto. Houve procissões, hinos,oferendas, a cidade deve ter icado cheia de choro e lamentações dasmulheres alexandrinas que rasgavam suas roupas e batiamno peito. Emnomedossacerdotesnativos,umclérigoofereceuaOtaviano2miltalentospara preservar as muitas estátuas de Cleópatra. Ela podia permanecernobre, mas também estava morta; o oferecimento era atraente demaispara recusar.TambémpoupouaOtavianoaquestãoespinhosademexercom Ísis, que continuou a ser venerada durante algum tempo. Cleópatramuitasvezeseraindistinguíveldadeusa;Otavianonãopodiasimplesmente

circular por uma volátil Alexandria derrubando estátuas religiosas. Asestátuas de Cleópatra e seu culto sobreviveram ativamente por centenasdeanos,semdúvidadevidoàforçadesuaresistênciafinalaosromanos.OtavianonãosedemorounoEgito,desdeentãoumaprovínciaromana,à

qualnenhumromanodeimportânciaviajavasempermissãoexpressa.Umdos poucos imperialistas da história que não se importava de serAlexandre,oGrande— tudo teria sidomuitodiferenteparaCleópatra seelese importasse—,eleestavamaisinteressadonopodercrudoquenosacessórios gloriosos. Otaviano demonstrou pouco interesse pela históriaegípcia,paradesânimodosantigos súditosdeCleópatra, empenhadosemexporosrestosdosancestraisdela.Otavianofezsaberquenãotinhamuitapaciência para Ptolomeusmortos. Ele só prestou respeito a Alexandre, oGrande, removidode seu sarcófagoporocasiãodavisita.Contaahistóriaque Otaviano tocou no corpo acidentalmente, quando talvez estivesseespalhandoflores,ecomissoarrancouumpedaçodonarizmumificado.87

Suscetívelcomoeraàinsolação,Otaviano—quenãoiaalugarnenhumsem seu chapéu de abas largas— não deve ter gostado muito do calorúmido de Alexandria em agosto. No outono, ele se retirou para a Ásia.Ninguém se bene iciou mais com a morte de Cleópatra do que Herodes,que mais uma vez hospedava os romanos em sua viagem para o norte.Otavianodevolveuaeleseuspreciosospomaresdepalmeirasebálsamoeas cidades litorâneasdequeAntôniohavia seapropriadoparaCleópatra,complementando-as com mais territórios. O reino de Herodes inchouinalmente a dimensões compatíveis com sua gentileza. Ele era o novofavoritoentreosnãoromanos,eherdoutambémosquatrocentosgaulesesmusculososquehaviamservidocomoguarda-costasdeCleópatra.Nicolaude Damasco entrou em cena como seu tutor e tornou-se seu con identeíntimo.EleproduziuumahistóriadacorteparaHerodes,apartirdaqualJosefo iria trabalhar, ele próprio a fontemais importante para a vida deCleópatraeconversoàcausaromananomeiodacarreira.OtavianodeixouGalo encarregado do Egito, como prefeito. Ele também acabariadescobrindoqueaprovínciaeradi ícildegovernar—em29,elesubjugouo povo em torno de Tebas, “o terror comumde todos os reis” 88— e quesuasriquezassubiamàcabeça.Galoextrapolouoslimitesdeseucomando,mandou fazerestátuasdelemesmo, inscreveuseunomenaspirâmidese,acusadopeloSenado,acabousesuicidando.QuaseexatamenteumanodepoisdamortedeCleópatra,elades ilouem

e ígie pelas ruas de Roma, no último e mais suntuoso dos três dias detriunfodeOtaviano.Juntocomela,correupelaViaSacraepeloFórum,um

verdadeiroriodeouro,prataemar im.Dionoscontaqueocortejoegípciosuperou todos os outros em “custos emagni icência” 89. Depois dos cofresdeouro eprata; dos carrosde joias, armas e obrasde arte; dasplacas elâmulas coloridas, dos soldados derrotados, marcharam os prisioneirospreciosos, os gêmeos de dez anos e Ptolomeu Filadelfo, de seis,acorrentados.Cleópatraapareciaemseuleitodemorte,emgessopintado,junto com a áspide que pode ter dado início a tudo. Cercado por seuso iciais de manto púrpura, Otaviano seguia atrás. Cleópatra pode tererrado em uma avaliação: a ausência de Antônio foi conspicuamentenotadanaocasião. Ela estava certa emoutra coisa: oúnico soberanoqueefetivamentemarchou nesse cortejo, um aliado de Antônio, foi executadologodepois.AcidadecintilavacomosdespojosdoEgito:toneladasdeouroeprataptolomaicos,armadurasejogosdemesa,coroaseescudos,móveiscravejados de pedras preciosas, pinturas e estatuaria tinham vindo nosnavios deOtaviano, além de diversos crocodilos. Alguns colocam tambémum lento hipopótamo e um rinoceronte no cortejo de triunfo.90 Otavianopodiamuito bem se permitir ser generoso e houve prêmios substanciaisportodaparte.Avitóriaegípciafoicelebradacomparticularanimação,nãosó porque Otaviano podia se permitir a isso. Mas também porque haviaumaguerracivilacamuflar.A estátua de Cleópatra permaneceu no Fórum. Era o mínimo que

Otavianopodiafazerpelamulhercujosdivãsdeouroejarrasincrustadasdepedras inanciavamsuacarreira.Cleópatrapermitiuqueelecumprissecom todas as suas obrigações. Ela garantiu a prosperidade romana. Tãovastos eram os fundos que Otaviano injetou na economia que os preçosdispararam.As taxasde juros triplicaram.Dio resumea transferênciaderiqueza dizendo que Cleópatra proporcionou que “o Império Romanoenriquecesse e seus templos fossem adornados”91. A arte e os obeliscosdela enfeitavam as ruas. Absolutamente derrotada, ela eramesmo assimcelebrada,nabelezadeumacidadeestrangeira.Comasriquezas,veioumaondade egiptomania. Es inges, najas empinadas, discos solares, folhas deacanto, hieróglifos proliferaram por toda Roma. Flores de lótus e grifosdecoravam até o estúdio pessoal de Otaviano.92 Cleópatra recebeu umsegundotributocomoconsequência:iniciou-seumaidadedouradaparaasmulheres emRoma. Esposas e irmãs bem-nascidas, de repente, gozavamde um papel na vida pública. Elas intercediam com embaixadores,aconselhavam maridos, viajavam ao exterior, encomendavam templos eesculturas.Tornaram-semaisvisíveisnaarteenasociedade. Juntaram-seaCleópatranoFórum. 93Nenhumamulher romana jamaisobteriao status

elevadonemgozariadosprivilégiossemprecedentesconcedidosaLíviaeOtávia,queelasdeviamaumaestrangeira,aquemserviamdecontrapeso.Líviajuntouumagordapastadepropriedades,queincluíaterrasnoEgitoe bosques de palmeiras na Judeia. Otávia passaria à história como a nãoCleópatra,extremamentemodesta,prudenteepiedosa.94

Cleópatratambémfoipromovidadepretextoapontodereferência.Paraquemprocurasseumadataparaocomeçodomundomoderno,suamorteseriaomelhorpontodepartida.Comela,CleópatralevouemboratantoosquatrocentosanosdaRepúblicaRomanacomoaEraHelenística.Otavianocontinuaria até levar a cabo um dos maiores casos de propagandaenganosadahistória;elerestaurouaRepúblicaemtodaasuaglóriae—como icaria claro uns dez anos depois— como uma monarquia. TendoaprendidocomoexemplodeCésar,eleofezsutilmente.Otavianonuncafoium “rei”, sempre um princeps, ou “primeiro cidadão”. Para um título aomesmo tempo su icientemente grandioso e livre de toda tonalidademonárquica,elesevoltouparaoantigoamigodeCleópatra,Planco,quesefantasiara de ninfa do mar. Planco cunhou o nome “Augusto” quesigni icava que o homemantes conhecido comoCaio Júlio César eramaisquehumano,queerapreciosoereverenciado.HaviacertaironianofatodeoOcidenterapidamentecomeçaraparecer

o Oriente de Cleópatra, ainda mais quando Otaviano havia declaradoCleópatraumaameaçaàRepública,algoqueelanunca tencionouser.EmtornodeOtaviano,formou-seumaespéciedecorte.Elerompeucomquasetodos os membros de sua família imediata. Os imperadores romanos setornavamdeuses.TinhamseusretratospintadoscomoSerapis,seguindoapista dionisíaca de Antônio. E deixando de lado as declarações deausteridade, o manto de magni icência passava adiante com facilidade.Conta-se que Otavianomandouderretero fabuloso jogodemesadeourodeCleópatra,95masmesmo assim a grandiosidade helenística prevaleceu.“Pois é adequado que nós que governamos tantos povos”, raciocinou umdosconselheirosdeOtaviano,“sobrepujemostodososhomensemtodasascoisas, e brilho desse tipo tende também, de certa forma, a inspirarrespeito por nós em nossos aliados e terror em nossos inimigos.” 96 Eleaconselhou Otaviano a não poupar despesas. Roma representava o novomercado do luxo. Os artesãos e as indústrias seguiram atrás. Lívia tinhauma criadagempessoal demais demil pessoas. Tão impressionado icouOtaviano com o imponente mausoléu de Cleópatra que construiu umsemelhante em Roma; Alexandria merece muito crédito pelatransformaçãodeRomadotijoloparaomármore.Otavianomorreuaos76

anos, em casa, em sua cama, um dos poucos imperadores romanos nãoassassinado por parentes próximos, outro legado helenístico. Tendogovernado por 44 anos, duas vezes mais que Cleópatra, ele teve muitotempopararemodelarosacontecimentosqueohaviam levadoaopoder. d

Ele tinha tambémmotivos para observar “que nenhuma posição elevadaestá jamais livre de inveja e traição, muito menos umamonarquia” 97. Osinimigos eram ruins, mas os amigos eram piores. O posto, concluía ele,absolutamentehorrendo.

A história começou a ser reescrita quase imediatamente. Não sóMarco Antônio desapareceu dosregistros como Ácio magicamente se transformou num enfrentamento maior, uma ribombantevitória,umaviradahistórica.Foideum imparaumcomeço.Augustohaviaresgatadoopaísdeumgrandeperigo.Haviadecididoaguerracivilerestauradoapazaomundodepoisdeumséculodeinquietação.Otempocomeçavadenovo.Naleituradoshistoriadoreso iciais,écomoseavoltadeleàpenínsula italiana explodisse emTechnicolor, depoisdeumséculoaleijanteecinzadeviolência,como se as plantações estivessem de repente empinadas, túrgidas e douradas nos campos.“Restaurou-se a validade das leis, a autoridade das cortes, e a dignidade do Senado”98, proclamaVeleio,chegandopertodecatalogarosdeverescomqueCésardeveriatercombatidoem46.OegodeAugustoestáengastadonocalendário,ondepermaneceatéodiadehoje,comemorandoaquedade Alexandria e a suspensão de Roma a uma ameaça estrangeira.e Os calendários da épocaregistramadatacomoaquelaemqueelelibertouRoma“deumgrandeperigo”.99

Cleópatra foi especialmente malservida; os vira-casacas é queescreveramahistória,Délio,PlancoeNicolaudeDamascoosprimeiros.Osanos depois de Ácio foram uma época de extravagante louvação eluxuriante criação de mitos. A carreira dela coincidiu também com onascimento da literatura latina; Cleópatra teve como maldição inspirargrandes poetas, felizes de expô-la em sua vergonha, numa linguageminóspita a ela e a tudo que ela representava. Horácio escreveu comexuberância sobre Ácio. Primeiro a celebrar a esplêndida vitória deOtaviano, ele o fez enquanto Cleópatra ainda estava freneticamentefortalecendo Alexandria. Ele celebra a derrota dela antes que tenhaocorrido. Virgílio e Propércio estavam a postos no cortejo de triunfoegípcio,momento em que tanto a áspide como a perniciosa in luência deCleópatra já estavamgravadas empedra.Em todas as versões,Antônio émostrado fugindo de Ácio por causa de Cleópatra. Ela iluminouprontamente um dos pontos favoritos de Propércio: um homemapaixonadoéumhomemdesamparado, vergonhosamente subservienteasua amante. É como se Otaviano livrasse Roma desse mal também. Elerestaurouaordemnaturaldascoisas:homensdominammulheres,eRomadomina o mundo. Em ambos os quesitos, Cleópatra era crucial para a

história. Virgílio compôs aEneida na década posterior à morte deCleópatra;elepõeserpentesemseuspassosmesmoemÁcio.Elanãotemnenhuma esperança de se dar bem numa obra lida em voz alta paraAugustoeparaOtávia, comoo forampartesdessepoemaépico.Nomais,sua história seriamoldada por um romano que ela encontrou uma únicavez, na última semana de sua vida, que a elevou ao posto de perigosaadversária, altitude da qual densas névoas e mitos perturbadoresbaixaram confortavelmente em torno dela. Ela se insere entre osperdedores de que a história se lembra, mas pelas razões erradas. f Osfabricantes de mitos alinham-se todos de um lado. Durante o séculoseguinte, a in luênciaOriental e a emancipaçãodasmulheresmanterá ossatiristasocupados.ApartirdamortedeCleópatra,ariquezadelaaumentouediminuiutão

dramaticamente comoemvida. Fizeramcomque seupoderproviessedesuasexualidade,porumarazãoóbvia;comoobservaraumdosassassinosdeCésar:“Comoaspessoasprestammaisatençãoaseusmedosdoqueasuas lembranças!”100 Foi sempre preferível atribuir o sucesso de umamulherasuabelezadoqueasuainteligência,reduzi-laàsomadesuavidasexual. Contra uma mulher de encantos poderosos não há argumentos.Contraumamulherqueenvolveumhomemnasvolutasdesuainteligênciaserpentina,emseus iosdepérolas,deveriahaveraomenosalgumtipodeantídoto. Cleópatra inquieta mais pela sabedoria do que pela sedução; émenos ameaçador acreditar que ela era fatalmente atraente do quefatalmente inteligente. (O adágiodeMenandro, do século IV: “Umhomemque ensina umamulher a escrever tem de admitir que está fornecendoveneno a uma áspide”, 101 ainda era copiado por crianças na escolacentenas de anos depois damorte dela.) Também rendemelhor história.Propércioestabeleceotom.Cleópatraeraparaeleumasedutoralibertina,“a rainha rameira”, depois “uma mulher de sexualidade e avarezainsaciáveis” (Dio), uma pecadora da carne (Dante), “a prostituta dos reisorientais” (Boccaccio), o protótipo do amor ilícito (Dryden).g Propércio amostra fornicando comescravos. Um romano do século I a irma(falsamente) que “autores antigos falam insistentemente da libidoinsaciável de Cleópatra”. 102 Em um relato antigo, ela é tão insaciável que“faziasempreopapeldeprostituta”. 103(Elaétambémaomesmotempotãobonitaetóxicaque“muitoshomenscompravamnoitescomelaaopreçodaprópriavida”. 104)Na avaliação de umamulher do século XIX, ela era “umdeslumbrante exemplo de feitiçaria”. 105 Florence Nightingale refere-se aela como “aquela repulsiva Cleópatra”. 106 Quando ofereceu a Claudette

Colbert o papel dela, conta-se que Cecil B. DeMille perguntou: “Vocêgostaria de ser amulhermais perversa da história?”107 Cleópatra estrelaatémesmoum livrode1928 chamadoPecadoresao longodos séculos. Nadisputaentreamulhereomitonãohádiscussão.Opessoal inevitavelmente atropela o político, e o erótico atropela tudo:

lembramosqueCleópatrafoiparaacamacomJúlioCésareMarcoAntôniomuito antes de lembrarmos do que ela conseguiu com isso, que elamanteveumimpériovasto, rico,densamentepovoadoemseuperturbadocrepúsculo, em nome de uma dinastia orgulhosa e cultivada. Elapermanece no mapa por ter seduzido dois dos maiores homens de seutempo, enquanto seu crime foi ter se envolvido no mesmo tipo deassociação matrimonial “astuta e suspeita”108 que todo homem de poderpraticava.Elaofezaocontrárioeemseupróprionome;issofezdelaumaextraviada, socialmente nociva, umamulher antinatural. A essas ofensas,ela acrescentoumais algumas. Ela fez Roma se sentir rústica, insegura epobre, razões su icientes para angústia, sem precisar acrescentar asexualidade à lista. Durante algum tempo, ela assombrou a imaginaçãoantiga, primordialmente como “lição moral”. Sob o poder de Augusto, ainstituiçãodocasamentoassumiuumnovoesplendor,umdesenvolvimentoque contava negativamente para Cleópatra, a desestabilizadora edominadoradestruidoradelares.Ela despertava desprezo e inveja em igual medida, ambos igualmente

distorcidos; sua história é construída tanto com o medo como com afantasiamasculinos.VemdePlutarcoamaiorhistóriadeamordetodosostempos, embora a vida de Cleópatra não fosse nem tão sensacional, nemtão romântica quanto ele a fez. E ela se tornou mulherfatal duas vezes.ParaÁcioserabatalhaqueacabacomtodasasbatalhas,elateriadesera“rainha bravia” que conspirava a destruição de Roma. Para Antônio tersucumbidoaoutra coisaquenãoumaconcidadã romana,Cleópatra tinhadeserumasedutorairresistível“quejáohaviaarruinadoequefariasuaruína ainda mais completa”. 109 Pode ser di ícil dizer onde termina avingança e começa a homenagem. O poder dela era imediatamenteenfatizado, para os propósitos históricos da humanidade, porque elaprecisavareduzirooutroàescravidãoabjeta.Éverdadequeelaeraumailha respeitadora, amantíssima, uma patriota e protetora, uma precocenacionalista,umsímbolodecoragem,umagovernantesábiacomnervosdeaço,mestranaautopromoção.Nãoéverdadequeelaconstruiuo faroldeAlexandria,quesabiafabricarouro,queeraamulherideal(Gautier),umamártirdoamor(Chaucer),“umamocinhaboba”(Shaw),amãedeCristo.110

Um bispo copta do século VII chamou-a de “mais ilustre e sábia dasmulheres”,111maiorqueosreisqueaprecederam.Fala-sequeumbelodiaCleópatramorreuporamor,oquetambémnãoéexatamenteverdade.Noimdascontas, todos,deMichelangeloaGérôme,deCorneilleaBrecht,seaproveitaram dela. O Renascimento era obcecado por ela, os românticosaindamais. Ela levou Shakespeare às alturas, arrancandodele seumaiorpersonagem feminino, sua poesia mais rica, um último ato inteiro semAntônioe,naestimativadeumcrítico,umalegre tributoaoadultériosemculpa da meia-idade112. Shakespeare pode ser tão culpado de termosperdido de vista a Cleópatra VII quanto a umidade alexandrina, 113 apropagandaromanaeoslímpidosolhoslilasesdeElizabethTaylor.Centro de disputas intelectuais emaratonas ilosó icas, Alexandria não

entregou sua vitalidade imediatamente. Continuou a ser o cérebro domundo mediterrâneo por mais um século e tanto. Depois, começou a sedesmaterializar. Com isso acabou a autonomia legal das mulheres;acabaram-seosdiasemqueseprocessavaosogropeladevoluçãododotequando seumarido (falido) fugia e tinha um ilho com outramulher. NoterremotodoséculoV,opaláciodeCleópatramergulhounoMediterrâneo.Ofarol,abiblioteca,omuseu, tudodesapareceu.Oportoalexandrinohojenãotemnenhumarelaçãocomsuasproporçõeshelenísticas.OpróprioNilomudoudecurso.Acidadeafundoumaisdeseismetros.Atémesmoacostade Ácio, que Cleópatra devia ter praticamente memorizado, mudou. SuaAlexandria há muito é quase totalmente invisível, seja debaixo da água,sejaenterradadebaixodavibrantecidadequeemgrandeparteesqueceuseucapítulohelenístico.Aculturaptolomaicaseevaporoutambém.GrandepartedoqueCleópatrasabiairiaseresquecidopor1.500anos.Umtipodemulhermuito diferente, a VirgemMaria, absorveria Ísis tão inteiramentecomoElizabethTaylorabsorveuCleópatra.Aconsequência foiquenossofascínioporCleópatrasóaumentou;elaé

ainda mais mítica por seu desaparecimento. Os buracos na história nosmantêmsobseuencanto.Eelacontinuaainquietar.Todososassuntosqueperturbam a mesa de jantar, que nos sobem à cabeça como veneno decobra, se combinam na pessoa dela. Dois mil anos depois de ela terprovocado Otaviano com uma caríssima fogueira, nada mobiliza mais doque uma sorte excessiva e uma catástrofe devastadora. Ainda lutamos abatalha entre Oriente e Ocidente, ainda icamos perdidos como Cíceroentre a tolerância e a repressão. Sexo e poder continuam a queimarespetacularmente.Aambição,asrealizações,aautoridadefemininasaindanosperturbam comoperturbavamos romanos, para quemCleópatra era

mais um monstro que uma maravilha, mas inegavelmente um pouco deambos.Doismil anos demau jornalismo e prosa acalorada, de ilmes e ópera,

não conseguem esconder o fato de que Cleópatra era uma rainhanotavelmentecapacitada,sagazeoportunistaaoextremo,umaestrategistadeprimeira linha.Suacarreiracomeçoucomumatoaudaciosodedesa ioe terminou com outro. “Qual mulher, qual sucessão de homens daAntiguidadefoitãogrande?”114,perguntaumautoranônimodofragmentodeumpoema latinoqueacolocacomoaprincipal jogadoradesuaépoca.Corajosa e corporalmente ela se inseriu na política mundial, comconsequências de longo alcance. Ela convenceu seu povo de que umcrepúsculoeraumalvorecere,comtodaasuaforça,lutouparafazercomque fosse verdade. Numa situação desesperada, ela improvisavaloucamente,eimprovisavadenovo,paraalgunsade iniçãodogênio.Haviaum glamour e uma grandeza emsua história bem antes de Otaviano ouShakespeare porem asmãos nela. A presença dela era animadora; antesdefazerPlutarcosedesviarváriaspáginasdeseurumo,elateveomesmoefeito sobre seus conterrâneos. Desde nosso primeiro relance dela, até oúltimo,elaassombraporsuahabilidadeemdominaracena.Atéo imelafoi senhoradesi, astuta,determinada, inacreditavelmente rica,mimadae,noentanto,ambiciosa.Em sua vida adulta, Cleópatra teria encontrado poucas pessoas que

considerava suas iguais. Para os romanos, ela era uma teimosa, supremaexceçãoatodasasregras.Elapermaneceemgrandeparte incomparável:teve muitas predecessoras, poucas sucessoras. Com ela, a era dasimperatrizes chegou essencialmente ao im. Em dois mil anos, pode-sedizer que apenas uma ou duas outras mulheres exerceram irrestritaautoridade sobre reino tão vasto. Cleópatra permanece quase sozinha namesatodamasculina,comumacartadaaomesmotempoflush e falha.Elaacertoumuito,ecometeuumerrocrucial.É impossívelavaliarcomoteriase sentido no inal de 30, quando Otaviano se aproximava, quando icoumaisemaisclaroquenãohaveriamaisnenhumareviravoltadasorte,nãomais futuros brilhantemente resgatados, que ela e o Egito estavamcompletamenteperdidosdessavez.“Oqueéperderseupaís...umgrandesofrimento?”,umarainhaperguntaao ilho,emEurípides. “Omaior,aindapior doquedizem”115, ele responde.Omedo e a fúria devem ter abaladoCleópatra quando ela se deu conta de que ia se tornar a mulher “quedestruiuamonarquiaegípcia” 116,comocolocaumcronistadoséculoIIId.C.Para a suaperdamonumental, nãohavia consolação, nemmesmo (se ela

acreditavaassim)umabrilhanteoutravida.

Notas

aCleópatratambémnãoeraoprimeiroorientalastutoaseassociaraumgeneralromano.Sertóriohavia juntado forças comMitrídates, o rei pontí ice que, em 69, alertara tão eloquentementesobre a ascensão de Roma. Mitrídates havia visualizado precisamente o tipo de impérioamalgamadoqueCleópatraeAntôniorepresentavam.Eleempenhoudécadasemsuarealização,sendo vencido por Pompeu. Pompeu acabou derrotando também Sertório, depois de umapérfidacampanhadequatroanos.

bNocursodeeventosnormal,eleagoraestariasepreparandoparadeporamãe.c Calígula era descendente tanto deMarcoAntônio (seu bisavôpaterno) comodeOtaviano (seu

bisavômaterno). Ele posava alternadamente de descendente de ambos, dependendo de seusinteresses.Erafáciltropeçarduranteseureino,quandosacrifíciosparacomemoraraderrubadade Antônio podiam ser censuráveis num dia, a relutância em oferecer sacri ícios à vitória deAugustocondenávelnodiaseguinte(Dio,LIX.xx.1-2;Suetônio,“Caligula”,XXIII.1.)

d Como sempre, uma mulher capaz era suspeita. Correria o boato de que Lívia o matara.Curiosamente,dizia-sequeelaofizeracomfigosenvenenados.(Tácito,Annals,I.10.)

e A prática de renomear os meses terminou com Tibério, que, estimulado a se apropriar denovembro,caçooudizendoqueacoisatoda icariaaltamenteproblemáticaseacabassehavendotrezecésares.(Dio,LVII.xviii.2.)

fEladeve ter conhecidoa fábuladeEsopo, “Comodisseo leãoparaohomem”: “Existemmuitasestátuasdehomensmatando leões,mas seos leões fossemescultoresasestátuas seriambemdiferentes.”

gDanteaomenosacolocasetecírculosacimadeseuirmãonoinferno.Opecadodela(a luxúria)eracontrasimesma.Odeseuirmãomaisnovo(atraição),contraooutro.

Notas

Os becos semsaída e aspeçasperdidasdahistóriadeCleópatra exerceramumefeitoparadoxal;mantiveram-nos inexoravelmente procurando mais. Aos séculos de literatura sobre a rainha doEgitosoma-seumaondarecentedeótimosestudoshelenísticos;umcatálogodefontessecundáriasfacilmente daria origem a um grosso volume independente.Optei por não escrevê-lo.Nos pontosem que muito material foi reduzido a pouco, as notas de capítulo indicam os textos maisimportantes. Obras que moldaram a narrativa como um todo (aquelas que tirei da estante commaiorfrequência)aparecemnabibliogra iaselecionada.Ostextossãoaquicitadosporsobrenomedoautoredatadepublicação.Fontesprimordiaiseperiódicosaparecemseparadosabaixo.Asnotasdepédepáginatrazemalgunsdesenvolvimentossobreumtema.As traduções do grego e do latim para o inglês são da Loeb Classical Library, a menos que

indicadodiferente,alémdetrêsexceções:paraCivilWar[Aguerracivil],deApianoedeCésar,useia luentetraduçãodeJohnCarter(Penguin,1996,eOxford,1998,respectivamente);paraLucanoutilizeiaediçãodeSusanH.Braund(Oxford,2008).Nospontosemqueastraduçõesdiferemmuitodos textos publicados, agradeço a Inger Kuin, que desemaranhou frases estranhas e corrigiucontradições.CleópatraVII,JúlioCésareMarcoAntônioestãoabreviadoscomoC,CReA.Osnomesdasfontesprincipaissãoapontadosdaseguintemaneira:

Apiano Apiano,TheCivilWars

Ateneu Ateneu,TheLearnedBanqueters

AA Augusto,ResGestaeDiviAugustus(TheActsofAugustus)

AW César,AlexandrianWar

CW César,TheCivilWar

Cícero CartasdeCíceroDio DioCássio,RomanHistoryDiodoro DiodorodaSicília,LibraryofHistoryFloro Floro,EpitomeofRomanHistoryJA Josefo,JewishAntiquitiesJW Josefo,TheJewishWar

Lucano Lucano,CivilWar

ND NicolaudeDamasco,LifeofAugustusPausânias Pausânias,DescriptionofGreeceNH Plínio,NaturalHistory

Flatterer Plutarco,“HowtoTellaFlattererfromaFriend”,Moralia

MA Plutarco,Lives,“Antony”JC Plutarco,Lives,“Caesar”

Pompeu Plutarco,Lives,“Pompey”Quintiliano Quintiliano,TheOrator’sEducationStrabo Strabo,Geography

DA Suetônio,TheDeifiedAugustus(LivesoftheCaesars)

DJ Suetônio,TheDeifiedJulius(LivesoftheCaesars)Valério ValérioMáximo,MemorableDoingsandSayingsVP VeleioPatérculo,CompendiumofRomanHistory

Osnúmerosàesquerdaindicamaspáginasondeseencontramostrechosdestacados.

I.AQUELAMULHEREGÍPCIA(P.11-20)

1“Aquelamulheregípcia”:Floro,II.xxi.2,inAshton(tr.),2008,p.2.2“Otraçomaisvaliosodeumhomem”:Eurípides,“Helen”,inGrene,DavideRichmondLattimore

(eds.).EuripidesII:TheCyclops,Heracles,IphigeniainTauris ,Helen.TraduçãodeRichmondLattimore.Chicago,UniversityofChicagoPress,1959,p.161.3maisprestígio:JA,XV.lol.4“destruirtudo”:Salústio,“LetterofMithradates”,p.21.5Umhistoriadorromano:JA,XIII.408-XIII.430.6contratodecasamento:Rowlandson,1998,p.322.7“sendoescrupulosamentecasta”:Dio,LVIII.ii.5.8“talentonaturalparaadissimulação”:CíceroaQuinto,2(I.2),c.novembrode59a.C.Cíceronão

simpatizava com “toda a tribo” de orientais: “Ao contrário, não aguento mais sua frivolidade ebajulação,suafixaçãosemprenasvantagenspresentes,nuncanoqueécorretofazer.”9 “uma garota muito solta de dezesseis anos”: Froude, James Anthony. Caesar: A Sketch. Nova

York,Scribner’s,1879,p.446.10“odiosasextravagâncias”:Pompeu,p.24.11Métodoshistóricos:escrevendounsbons130anosdepoisdeC,Josefoatacouaveracidadee

osmétodosdeseuscontemporâneos:“Tivemosnaverdadepretensashistóriasatédenossaguerrarecente publicadas por pessoas que nunca visitaram os locais, nem estiveram sequer perto dasações descritas, mas, juntando uns relatos que ouviram, tiveram a grosseira sem-vergonhice defarristas bêbados, chamando erroneamente sua produção pelo nome de história” (Against Apion,I.46). Aomesmo tempo, ele difamou os gregos antigos por oferecerem relatos contraditórios dosmesmosfatos,e,emseguida,eleprópriofezamesmacoisa.12 Con iavam em grande parte namemória: A proposição está na introdução de K.R. Bradley

paraLivesoftheCaesarsI,deSuetônio,p.14.13nãohaviahistóriasimples,semornamentos:Wallace-Hadrill,Andrew.Suetonius.Bristol,Bristol

Classical Press, 2004, p.19. Veja também: Millar, Fergus. A Study of Cassius Dio. Oxford, OxfordUniversity Press, 1999, p.28. Sobre a prática de extrair história brilhante de “quase nada”:Wiseman,T.P.Clio’sCosmetics:ThreeStudiesinGreco-RomanLiterature.Bristol,BristolPhoenixPress,1979, p.23-53. Veja também: Josefo, Against Apion, I.24-5. Todos registram a proposição deQuintilianodo século I d.C.: “Ahistória estámuito próximadapoesia e pode ser considerada, emcertosentido,comopoesiaemprosa.”

14“omaisinfelizdospais”:JW,I.556.15De inição da era helenística: Ogden,Daniel.TheHellenisticWorld:NewPerspectives . Londres,

Duckworth,2002,p.x.

II.OSMORTOSNÃOMORDEM(p.21-51)

Sobrea“estranhaloucura”(CíceroaTiro,146[XVI.12],27dejaneirode49a.C.)dasguerrascivisromanas:Apiano,JC,Dio,FloroePlutarco.SuetônioforneceoretratodeCR.ParaumpontodevistadiferentesobrearemoçãodeCdopoder:Peek,CeciliaM.“TheExpulsionofCleopatraVII”, AncientSociety38,2008,p.103-35.PeekafirmaqueCsófoiremovidanaprimaverade48.SobreasfontesclássicasarespeitodeAlexandria,aprendisobretudocomAquilesTácio,Amiano

Marcelino, Arriano, Diodoro, Plínio, Plutarco, Políbio, Strabo, Teócrito e Filo, sobretudo “On theContemplativeLife”,“OnDreams,Book2”,“OntheEmbassytoGaius”.JosefofornecedescriçõesdotemploedopaláciodeHerodesemJW,V.173-225;sóosdeCpoderiamsermaisopulentos.Ateneu,V.195-7, fornecedetalhessobreadecoração.MantivecertareservasobreasdescriçõespalacianasdeLucanoeAristeas.Dentreasreconstruçõesmodernas:Nielsen,Inge.HellenisticPalaces:TraditionandRenewal.Aarhus,AarhusUniversityPress,1999;Nowicka,Maria.Lamaisonprivéedans l ’Egypteptolémaïque.Wroclaw,WydawnictwoPolskiejAkademiiNauk,1969.Para relatos modernos sobre Alexandria: o excelente Ballet, Pascale.La vie quotidienne à

Alexandrie.Paris,Hachette,1999;Delia,Diana.“ThePopulationofRomanAlexandria”, TransactionsoftheAmericanPhilologicalAssociation118,1988,p.275-292;Empereur,Jean-Yves.Alexandria:JewelofEgypt,NovaYork,Abrams, 2002; Forster, E.M. Alexandria:AHistoryandaGuide. Londres, AndréDeutsch, 2004; Goddio, Franck.Alexandria:TheSubmergedRoyalQuarters . Londres,Periplus,1998;LaRiche, William.Alexandria: The Sunken City. Londres, Weidenfeld, 1996; o requintado Marlowe,John.TheGoldenAgeofAlexandria.Londres,Gollancz,1971;AlexandriaandAlexandrianism.Palestrasrealizadasna J.PaulGetty,22-5deabrilde1993,Symposium,Malibu,The J.PaulGettyMuseum,1996;Pollard, Justin eHowardReid.TheRiseandFallofAlexandria:Birthplaceof theModernMind.NovaYork,Viking,2006;Pollitt,J.Art intheHellenisticAge.Cambridge,CambridgeUniversityPress,1986;Stanwick,PaulEdmund.Portraitsof thePtolemies:GreekKingsasEgyptianPharaohs .Austin,UniversityofTexasPress,2002;Vrettos,Theodore.Alexandria:CityoftheWesternMind.NovaYork,Free Press, 2001. Sobre a planta da cidade em si: Daszweski, W.A. “Notes on Topography ofPtolemaicAlexandria”,Rodziewicz,Mieczyslaw.“PtolemaicStreetDirectionsinBasilea(Alexandria)”,eTomlinson,Richard.“TheTownPlanofHellenisticAlexandria”,inAlessandriaeilMondoEllenistico-Romano.Roma,L’ErmadiBretschneider,1995;eoesclarecedorTkaczow,Barbara. TheTopographyofAncientAlexandria,Varsóvia,TravauxduCentred’ArchéologieMéditerranéenne,1993.Sobre a educação, para Aristóteles “um ornamento na prosperidade e um refúgio na

adversidade”: Cícero, em particularBrutus eOn theOrator; Sêneca,EpistulaeMorales, II; Suetônio,“OnGrammarians” e “OnRhetoricians”; Quintiliano, “Exercises”; Luciano, “Salaried Posts in GreatHouses”. Sobre assuntos de composição: Quintiliano, III.8.48-70; Sêneca, Epistulae Morales,LXXXVIII.6-9. Dentre as fontes modernas: Bonner, Stanley F. Education in Ancient Rome. Berkeley,UniversityofCaliforniaPress,1977;Bowman,AlanK.eGregWoolf(eds.). LiteracyandPowerintheAncientWorld. Cambridge, CambridgeUniversity Press, 1994; o especialmente bom comquestõesretóricas Clarke,M.L.Higher Education in the AncientWorld. Londres, Routledge, 1971; o excelentetrabalho de Raffaella Cribiore, em particularGymnastics of the Mind (Princeton, PrincetonUniversity Press, 2001); Legras, Bernard. “L’enseignement de l’histoire dans les écoles grecquesd’Egypte”, in Akten des 21. Internationalen Papyrologenkongresses, Berlin 1995. Stuttgart, Teubner,1997,p.586-600;o soberboMarrou,H.I.AHistoryofEducation inAntiquity.Madison,UniversityofWisconsin Press, 1956; Morgan, Teresa.Literate Education in the Hellenistic and Roman Worlds .Cambridge,CambridgeUniversityPress,1998;Rawson,1985.Sobre casamentos e endogamia ptolomaicos: Bennett, Chris. “Cleopatra V Tryphaena and the

Genealogy of the Later Ptolemies”, Ancient Society 28, 1997, p.39-66; Carney, Elizabeth. “TheReappearance of Royal Sibling Marriage in Ptolemaic Egypt”, La Parola del Passato , XLII, 1987,p.420-39; o belo trabalho de Hopkins, Keith. “Brother-Sister Marriage in Roman Egypt”,Comparative Studies in Society and History 22, n.3, 1980, p.303-354; Ogden, Daniel.Polygamy,Prostitutes and Death: The Hellenistic Dynasties. Londres, Duckworth, 1999; Shaw, Brent D.“ExplainingIncest:Brother-SisterMarriageinGraeco-RomanEgypt”,Man27,n.2,1992,p.267-99.SobremulheresnoEgitoptolomaico:Bagnall,RogerS.“Women’sPetitionsinLateAntiqueEgypt”,

i nHellenistic and Roman Egypt: Sources and Approaches. Burlington, Ashgate Publishing, 2006;BagnalleCribiore,2006;Balsdon, J.P.V.D. RomanWomen:TheirHistoryandHabits . Londres,BodleyHead, 1962; Burton, Joan B.Theocritus’s Urban Mimes: Mobility, Gender, and Patronage . Berkeley,UniversityofCaliforniaPress,1995,p.147-55.ElaineFanthamet al.Women in theClassicalWorld .Nova York, Oxford University Press, 1994; Le kowitz,Mary R. eMaureen B. Fant.Women’s Life inGreece and Rome. Londres, Duckworth, 1992; Moffat, Nori-Lyn Estelle.The Institutionalization ofPower for Royal Ptolemaic Women . Dissertação de mestrado, Clemson University, 2005; Nourse,KyraL.WomenandtheEarlyDevelopmentofRoyalPowerintheHellenisticEast .Tesededoutorado,UniversityofPennsylvania,2002;Pomeroy,1990;Préaux,Claire.“Lestatutdelafemmeàl’époquehellénistique, principalement en Egypte”, Receuils de la Société Jean Bodin III, 1959, p.127-75;Rowlandson, 1998. Sobre casamento tardio: Herring, Donald. “The Age of Egyptian Women atMarriageinthePtolemaicPeriod”,AmericanPhilologicalAssociationAbstracts,1988,p.85.1“Osmortosnãomordem”:Pompeu,LXXVII;Plutarco,“Brutus”,XXXIII.Aquieemoutrostrechos

optei pela tradução de Dryden, revista por Arthur Hugh Clough (Nova York, Modern Library,1992);daquiemdiante“traduçãoML”.2“Éumabênção”:Menandro.“TheDoorkeeper”,Menander:ThePlaysandFragments.NovaYork,

OxfordUniversityPress,2001,p.264.3 “barquinho traiçoeiro”: Apiano, II.84. Sobre o im de Pompeu: Apiano, II.83-6; Dio, LXII.iii-iv;

CW,p.103;Pompeu,LXXVII.4Comparaçãocompeste,enchente,incêndio:Floro,II.xiii.5.5ChegadadeCRaoEgito:Apiano, II.89;Dio,XLII.vi-viii;CW,p.106;AW,p.1; JC,XLVIII;Pompeu,

LXXX.5-6.6“umfimemseucomportamento”:CW,III.10.7“Cleópatraestavaperdida”: JC,XLIX(traduçãoML); JC,XLIX.Paraamelhordiscussãosobrea

chegada de C: Whitehorne, John. “Cleopatra’s Carpet”, Atti del XXII Congresso Internazionale diPapirologia II , 1998, p.1287-93. Sobre a geogra ia das estradas costeiras: Gardiner, Alan H. “TheAncientMilitaryRoadbetweenEgyptandPalestine”, JournalofEgyptianArcheology6,n.2, abrilde1920, p.99-116. Aquiles Tácio descreve a viagem de Pelúsio a Alexandria via rio Nilo: III.9; vejatambém:Políbio,V.80.3.EntrevistascomLionelCasson,18deabrilde2009;JohnSwanson,10desetembro de 2008; Dorothy Thompson, 22 de abril de 2008. Roger Bagnall aponta que C podetambém ter atravessado o delta abaixo da linha costeira, onde contaria com a vantagemde umaestrada,Bagnallparaaautora,8dejunhode2010.8“malévolaastúcia”:Diodoro,I.30.7;MA,III.9“majestosa”:Dio,XLII.xxxiv.6.10“conhecimentodecomosefazer”:Dio,XLII.xxxiv.5.11impossívelconversarcomela:MA,XXVII;Dio,XLII.xxxiv.5.12“rapidezeimprevisibilidadedeseusmovimentos”:Dio,XLII.lvi.1.13“homemsaciadodeamor”:Ibid.,XLII.xxxiv.5.14“ohomemdetodamulher”:Suetônio,citandoCurio,DJ,LII.3.15“apenasummenino”:Dio,XLII.iii.3.16 A depravada e rameira C: C está longe de ser a única a desenvolver uma história sexual

retroativa.ComoobservaMargaretAtwoodarespeitodeJezebel,“Aquantidadedebagagemsexualque se acumulou em torno dessa igura é assombrosa, uma vez que ela não faz nada nem

remotamentesexualnahistóriaoriginal,anãoserusarmaquiagem”.“Spotty-HandedVillainesses:ProblemsofFemaleBadBehaviorintheCreationofLiterature”,http://gos.sbc.edu/a/atwood.html.17“todososhomenstrabalhamcommaisempenho”:Dio,XXXVII.lv.2.18 Como aponta umcronista: “Ao rei eu poderia ter dado o que elemerece, e em troca de tal

presenteaseuirmão,Cleópatra,podiatermandadosuacabeça.”Lucano,1069-71,põepalavrasnabocadeCR.19“Nadaeramaiscaro”:AW,p.70.20Sobreo túmulodeAlexandre,oGrande:paraumareconstruçãoartísticada tumbaedesua

localização:Chugg,Andrew. “TheTombofAlexander theGreat inAlexandria”, American JournalofAncientHistory,1.2,2002,p.75-108.21 estátuas domésticas de Alexandre: Hartle, Robert Wyman. “The Search for Alexander’s

Portrait”, in Adams W. Lindsay e Eugene N. Borza (eds.). Philip II, Alexander the Great and theMacedonianHeritage.Washington,UniversityPressofAmerica,1982,p.164.22 história ptolomaica: Sobre a problemática genealogia ptolomaica: Bennett, 1997. Strabo

tambémé eloquente a respeito.Paraumaperturbadoradiscussão sobreapossibilidadedeC serilha de uma família sacerdotal egípcia: Huss, Werner. “Die Herkunft der Kleopatra Philopater”,Aegyptus70,1990,p.191-203.EsobreovacilantedomíniodopoderdosPtolomeus:McGing,BrianC. “RevoltEgyptianStyle: InternalOpposition toPtolemaicRule”, Archiv fürPapyrusforschung43.2 ,1997,p.273-314;Mooren,Leon.“ThePtolemaicCourtSystem,Chroniqued’EgypteLX,1985,p.214-22. Anna Swiderek fornece uma visão geral quase engraçada da violência da família em “Le rôlepolitiqued’AlexandrieautempsdesPtolémées”,PraceHistoryczne63,1980,p.105-15.23 “uma orgia de pilhagem e assassinato”: Chamoux, François.Hellenistic Civilization. Oxford,

Blackwell,2003,p.135.24SobreAuletes,o lautista:onomepodetersidoatribuídoaPtolomeuXIIdevidoàsuadevoção

dionisíaca;Bianchi,1988,p.156.25casadesuaescolha:CitadoemHopkins,1980,p.337.26Sobremulheresenegócios:vejaespecialmentePomeroy,1990,p.125-73.Aestimativadeum

terçoestáemBowman’s(1986,p.98)eé,emparte,resultadodeherançaedotes.27 “asmulheresurinamempé”até “vãoalémdadescrição”:Heródoto.TheHistories.Tradução

deGeorgeRawlinson.NovaYork, Knopf, 1997, II.xxxv. Sobre o Egito paradoxal:Diodoro, I.27.1-2;Strabo,1.2.22,17.2.5;aconvicçãoinvertidadatadeSófocles.Nogeral,sobreavisãogregadoEgito:Vasunia, Phiroze.The Gift of the Nile: Hellenizing Egypt from Aeschylus to Alexander . Berkeley,UniversityofCaliforniaPress,2001.28“Construídanamelhorlocalização”:Filo,“OntheEmbassytoGaius”,XLIII.338,inTheWorksof

Philo.TraduçãodeC.D.Yonge.Peabody,HendricksonPublishers,1993.29arealezacontestada:Emalgumasinterpretaçõesasuplicante,CleópatraSelene,eradefatoa

própriamãedeAuletes.Deuma formaoudeoutra, amulherptolomaicanãohesitavaem tornarconhecidasuaopiniãoeestavadispostaaatravessarumoceanoparatanto.30AmãedeC:NareconstruçãodeChrisBennett,CleópatraVITrifenaeraprimadeAuletes,não

suairmã(1997,p.39-66).31girafas,rinocerontes,ursos:AteneuapudTarneGriffith,1959,p.307.32dizia-sequeamorte:AformulaçãoédeThompson,1988,p.78.33Elanãoprecisavairmuitolonge:AformulaçãoédeE.M.Forster:Forster,2004,p.34.34“Oouvidodojovem”até“nãopodesereducado”:Cribiore,2001,p.69.35“príncipedaliteratura”:NH,II.iv.13.36“amamentadasnoaprendizado”:Heráclito,HomericProblems,1.5.37 “assim como a razão é a glória”: Cícero,Brutus, XV.59. Como diz Elizabeth Rawson: “A

inalidade da retórica tendia a ser a persuasãomais que a verdade, e os assuntos extravagantesserviamparaooradoraprendizprovar sua capacidadenaengenhosidademuitoestimuladamaisdoquenare lexãoséria sobreproblemas importantes” (Cicero:APortrait .Bristol,BristolClassical

Press,2001,p.9).38SobreoassassinatodePompeucomoexercício:Quintiliano,7.2.6e3.8.55-8.39“Aartedefalar”:Ibid.,2.13.16.Desvariosdeumlunático:Ibid.,2.10.8.40“certasmulheressãomaisjovens”:Shaw,GeorgeBernard.“NotestoCaesarandCleopatra”,in

ThreePlaysforPuritans.NovaYork,Penguin,2000,p.249.41 “olhos brilhantes”: Boccaccio,Famous Women. Cambridge, Harvard University Press, 2001,

p.363.BoccaccioatribuiaComelhordedoismundos:comoela“eracapazdecativarpraticamentetodos que quisesse com seus olhos brilhantes e sua habilidade de conversação, C teve poucosproblemasemlevarparaacamaopríncipelascivo(CR)”.42 Sobre hieróglifos: Baines, John. “Literacy and Ancient Egyptian Society”, Man 18, n.3, 1983,

p.572-99.43 Sobre a população: as estimativas variam de 3 milhões (Thompson, 1988) a 6 milhões

(Schiedel, Walter.Death on theNile. Leiden, Brill, 2001) ou 10milhões (Grant, 2004); os editoresLoeb(Diodoro, I)eFraser(1972, II,171-2)preferem7milhões.Noséculo Id.C., Josefoestimouapopulação do Egito,excluindo Alexandria, em 7,5 milhões. Diodoro estabelece a população deAlexandria emcercade500mil, o queparecepalusível; Fraserprefereummilhão.Veja:Bagnall,RogerS.eBruceW.Frier. TheDemographyofRomanEgypt.NovaYork,CambridgeUniversityPress,1994.44setenacionalidades:El-Abbadi,Mostafa.TheLifeandFateof theAncientLibraryofAlexandria.

Paris,Unesco,1990,p.45.45“diferentedalíngua”:Heródoto,1997,IV.clxxxii.46“Eraumprazer”:XXVII(traduçãoML).47numgregomuitosimilar:SobreokoinedeCeCR,entrevistacomDorothyThompson,22de

abril de 2008; Horrocks, Geoffrey C.Greek: AHistory of the Language and Its Speakers. Nova York,Longman,1997,p.33-108.48 “Quantomais sabemos”:Cícero, citando seuavô,On theOrator,2:17-18.TraduçãodeGruen,

1984,I,p.262.49 manuais sexuais: Dalby, Andrew. Empire of Pleasures: Luxury and Indulgence in the Roman

World.Londres,Routledge,2000,p.123.50“comseusprópriosdedos”:Juvenal,Satire6,p.200.51“inclusivealgumas”:Quintiliano,1.8.6.ElesereferiaemparticularaHorácio.52 “extremamente culta”: Casson, Lionel.Libraries in the Ancient World. New Haven, Yale

UniversityPress,2001,p.78.53“altamenteeducada”:Pompeu,LV.1-2(traduçãoML).54 “ela era umamulher”: Salústio,Warwith Catiline, XXV. Cícero observa, aprovando uma boa

matrona romana: “Nãohavianuncanenhum tópicoqueela achasse conhecerbem.”ClementedeAlexandriafazuminventáriodemulheresintelectuaisin TheStromata,4.19,citandoespecialmenteasfabricantesdebolosentreelas.55Sobreabibliotecaeomuseu:Bagnall,RogerS.“Alexandria:LibraryofDreams”, Proceedingsof

theAmericanPhilosophicalSociety146,n.4,dezembrode2002,p.348-62;Casson,2001;El-Abbadi,1990; Erskine, Andrew. “Culture and Power in Ptolemaic Egypt: The Museum and Library ofAlexandria”,Greece&Rome42,n.1,abrilde1995,p.38-48.FraserI,1972,p.452;MacLeod,Roy.TheLibraryofAlexandria. Londres,Tauris,2000.Umótimoguiados rolospropriamenteditos:Keynon,Frederic C.Books and Readers in Ancient Greece and Rome. Oxford, Clarendon Press, 1932. UmvolumedoSimpósiodePlatão,observaKenyon,podechegarasetemetrosdecomprimento.56“elemorreuou”:Marrou,1956,p.145.57ogostodeCRporpérolas:DJ,XLVII.58“maisvalentequetodososhomens”:Manetho.TheHistoryofEgypt.Fr.21b(versãoarmênia

deEusébio).

59apenasumpoetalatino:Lucano,X.60-1.60“nãoeraemsi”até“erairresistível”:MA,XXVII.2-3(traduçãoML).61 “notável”, fascinante: Dio, XLII.xxxiv.4. O autor bizantino do século VI d.C., João Malalas,

tambémexaltasuabeleza.62“famosapornada”:Boccaccio,inWalkereHiggs,2001,p.147.

III.CLEÓPATRACAPTURAOVELHOCOMMÁGICA(P.52-94)

ParaaGuerraAlexandrina,Apiano,Dio,CR,LucanoePlutarco,comcautela.Amelhorfontemodernacontinua sendo Paul Graindor,La guerre d’Alexandrie (Cairo, Société Anonyme Egyptienne, 1931).Note-sequeCReseughost-writerfornecemapenasrelatoscontemporâneosdasguerras.SobreAuleteseseusesforços:ninguémémelhorqueMarySiani-Davies,sobretudoseu“Ptolemy

XII Auletes and the Romans”,Historia46, 1997, p.306-40; reeditado, com ligeiras alterações, emCicero’s Speech: Pro Rabirio Postumo . Oxford, Clarendon Press, 2001, p.1-38. Veja também: Dio,XXXIX.xiii-xve liv-lix;Maehler,Herwig. “Egyptunder theLastPtolemies”, Bulletinof the InstituteofClassicalStudies30, 1983, p.1-19. Sobre a restauração:Dio, Plutarco emais agudamente Cícero; oexcelente“TheEgyptianQuestioninRomanPolitics”,deIsraelShatzman, Latomus30,1971,p.363-9; Williams, Richard S. “Rei Publicae Causa: Gabinius’s Defense of His Restoration of Auletes”,ClassicalJournal81,n.1,1985,p.25-38..ParaaestadadeCRnoEgitoeo cruzeironoNilo:Apiano,Dio,Diodoro,Plínio, Strabo, Suetônio,

Tácito.ConteiemgrandemedidacomoexcelenteTourisminGraeco-RomanEgypt ,deVictoriaAnnFoertmeyer(tesededoutorado,PrincetonUniversity,1989).Também:Aly,AbdullatifA.“Cleopatraand Caesar at Alexandria and Rome”, Roma e l’Egitto nell’antichita classica. Atti del I CongressoInternazionale Italo-Egiziano, 1989, p.47-61; Casson, Lionel, 1974, p.256-91; Casson.Ships andSeamanshipintheAncientWorld,Baltimore,JohnsHopkinsUniversityPress,1971;Hillard,T.W.“TheNileCruiseofCleopatraandCaesar”, ClassicalQuarterly52,n.2,2002,p.549-54;Lord,LouisE.“TheDate of Julius Caesar’s Departure from Alexandria”, Journal of Roman Studies 28, 1930, p.19-40;Milne,J.Grafton.“GreekandRomanTouristsinEgypt”,JournalofEgyptianArcheology3,n.2-3,1916,p.76-80;Neal,1975,p.19-33;Thompson,“HellenisticRoyalBarges”,palestra inédita,Atenas,2009.Oobjetivodaviagem:Clarysse,Willy.“ThePtolemiesVisitingtheEgyptianChora”,inMooren,Leon(ed.).Politics, Administration and Society in the Hellenistic and RomanWorld . Bertinoro Colloquium,Leuven, Peeters, 2000, p.33-40. Para ventos, clima, vida silvestre: o vívidoThe Englishwoman inEgypt,deSophiaPoole(Cairo,TheAmericanUniversityinCairoPress,2003).ParaavisitadeLúcioMêmionoséculo II:Milligan,George (ed.).Selections fromtheGreekPapyri .Cambridge,CambridgeUniversityPress,1910,p.29-31.1Cleópatracapturaovelho:UmavariaçãosobreLucano,p.360.2“Umamulherqueégenerosa”:Quintiliano,V.11.27.3“cativado”até“dominado”:Plutarco,XLIX(traduçãoML).4“atalponto”até“pensaraserjuiz”:Dio,XLII.xxxiv.ii-xxv-ii.5“comacondiçãodeque”:JC,XLIX(traduçãoML).6Acreditavamterassinado:Floro,II.xiii.55-6.7 legiões cansadas:A.B.Bosworth forneceuma ideiada exaustão em “Alexander theGreat and

theDeclineofMacedon”,TheJournalofHellenicStudies106,1986,p.1-12.8“prometeufazer”:Dio,XLII,xxxv.4.9“habilidadedeinflamar”:Cícero,Brutus,LXXX.279.10“particularmenteansioso”:CW,III.109.11“dadooreino”:Dio,XLII.xxxvi.3.12“sujeitoativo,atento”até“umaguerraembaraçosa”:JC,XLIX(traduçãoML).

13“umhomemdenotávelaudácia”:CW,III.104.14“queonomereal”:CW,III.109.15Arsínoe tinhaambiçãoardente: Segundoumrelato (Strabo,17.1.11), asduas irmãshaviam

escapadojuntasparaaSíriaduranteumlevanteanterior.16“Umamigoleal”:“Orestes”,inGrene,DavideRichmondLattimore(eds.). EuripidesIV:Rhesus,

The Suppliant Women, Orestes, Iphigenia in Aulis . Tradução de William Arrowsmith. Chicago,UniversityofChicagoPress,1958,p.805.17Con lito épico: Para o épico con lito deMitrídates contraRoma:Matyszak, Philip.Mithridates

theGreat:Rome’sIndomitableEnemy .Barnsley,Pen&SwordMilitary,2008;eMayor,Adrienne. ThePoisonKing:TheLifeandLegendofMithridates.Princeton,PrincetonUniversityPress,2010.18 “nenhuma lei, humana ou divina” até “pagando com dinheiro”: Salústio, “Letter of

Mithridates”,p.12,17.19“cercadeestadosassociados”:Políbio,V.34.20“umaperdasedestruído”:Syme,Ronald.TheRomanRevolution.NewYork,OxfordUniversity

Press,2002,p.260.21 política externa coerente: Sobre Roma e os reis associados, veja o soberboNear Eastern

Royalty and Rome, de Richard D. Sullivan (Toronto, University of Toronto Press, 1990). Também:Braund,David.RomeandtheFriendlyKing.NovaYork,St.Martin’s,1984;Lampela,Anssi. Romeandthe Ptolemies of Egypt: The Development of Their Political Relations, 273-80 BC . Helsinque, SocietasScientiarumFennica,1998;sobreocon litoparalelodeMitrídates:Mayor,2010;Peremans,WillyeEdmond Van’t Dack. “Sur les rapports de Rome avec les Lagides”, Aufstieg und Niedergang derrömischenWelt,1972,p.660-7;Shatzman,1971.Projetohabitacional:Holbl,2001,p.224-25.22“apenasumafestasemfim”:DioCrisóstomo,“The32ndDiscourse”,p.69.23“esseshomenstinhamocostume”:CW,III.110.24“demonizadoporcertosindivíduos”:CíceroaLentulus,13(I.2),15dejaneirode56a.C.25“notoriedadealtamente invejável”até“generosidadereal”: Ibid.,p.12(I.1),13de janeirode

56a.C.26“emsuaraivaerancor”:MA,III(traduçãoML).27Sobreasucessão:Yardley,J.C.(tr.). Justin:EpitomeofthePhilippicHistoryofPompeiusTrogus ,

Atlanta: Scholars Press, 1994, 16.iiff; Bingen, Jean. “La politique dynastique de Cléopâtre VII”,Comptes Rendus: Académie des Inscriptions et Belles-Lettres 1, 1999, p.49-66; Criscuolo, Lucia. “LasuccessioneaTolemeoAuleteedipretesimatrimonidiCléopâtreVIIconifratelli”,in Egittoestoriaantica dall’ellenismo all’età araba, 1989, p.325-39. Trabalhando a partir de diversos papiros dedatação duplicada, Ricketts propôs a teoria de que C tentou eliminar Ptolomeu XIII instalando oirmão mais novo deles como seu consorte na primavera de 50 a.C. As relações com certeza jáestavamcomprometidascomoirmãomaisvelho(Ricketts.“AChronologicalProblemintheReignofCleopatraVIII”, BulletinoftheAmericanSocietyofPapyrologists16:3,1979,p.213-7).Vejatambém:Ricketts. “A Dual Queenship in the Reign of Berenice IV”, Bulletin of the American Society ofPapyrologists27,1990,p.49-60;T.C.Skeat,quequestionaumgovernoconjuntoAuletesCleópatraem“NotesonPtolemaicChronology”, JournalofEgyptianArcheology46,dezembrode1960,p.91-4;e, para o reino obscuro de Berenice:Whitehorne, John. “The Supposed Co-Regency of CleopatraTryphaeana and Berenice IV”, in Akten des 21. Internationalen Papyrologenkongresses , II, Stuttgart,B.G.Teubner,1997,p.1009–13.28“acostumadosaosmodosindisciplinados”:CW,III.110.29 Sobre a ascensão de C: há uma outra explicação possível paraAuletes ter escolhido os dois

irmãos.Heinen,2009,ponderaqueopaideCpodeterreconhecidoprecocementeapersonalidadeforteeasambiçõesperigosasdesuasegunda ilhaesolicitadoapoioromanoexpressamenteparaneutralizá-las,p.35-6.30SobreMênfis:vejaespecialmenteEl-Abbadi,1990,p.58;Lewis,1986,p.69s;Thompson,1988.31 “orgulho tornado permanente”: John D. Ray, “The Emergence of Writing in Egypt”, World

Archaeology17,n.3,1986,p.311.32OincêndiodabibliotecadeAlexandria:Sênecaéoprimeiroamencionaraqueimadoslivros,

citandoonúmerode40mil,númeroqueaumentaemrelatossubsequentesatéchegara700milnoséculoIVd.C.TantoDiocomoPlutarcoacreditaramqueabibliotecaqueimou.Séculosdeestudosforam dedicados à espinhosa questão; veja: Fraser, I, 1972, p.334-5, 476; Parsons, EdwardAlexander.The Alexandrian Library: Glory of the Hellenic World. Nova York, Elsevier, 1967. Will(2003,p.533)acreditaqueadestruiçãofoimenordoquea lendasugere.Paraumapanhadodasfontes,http//www.bede.org.uk/library.htm.Segundoessaestimativa,500milrolosexigiriamquasequarentaquilômetrosdeestantes,ouumprédiodedoisandaresmedindotrintametrosportrintametros.33“Enãohaviaumaalma”:AW,p.15.34Jásesugeriuqueeleparou:JohnCarter,introduçãoaCW.NovaYork,OxfordUniversityPress,

2008,p.xxix.Veja também:Collins, JohnH. “On theDate and Interpretationof theBellumCivile”,AmericanJournalofPhilology80,n.2,1959,p.113-32.35“punhamemfuncionamento”:AW,p.3.36“afimde,comodiziam”:Dio.,XLII.xlii.2.37“contraumrei”:AW,XXIV.Heinen(2009,p.106-113)interpretaalibertaçãodePtolomeupor

CRcomoumatodesesperado.Comonãosabiaqueosreforçosestavamacaminho,CRnãocomeçaraasentiraindaqueamaréestavavirando;estava freneticamentetentandoganhartempo.Sobreaconstituição do exército egípcio: Políbio, V.35.13 e V.36.3; Grif ith, G.T. The Mercenaries of theHellenisticWorld.Cambridge,CambridgeUniversityPress,1935;Launey,Marcel.Recherches sur lesarmées hellénistiques, 2 vols. Paris, Boccard, 1949; Marrinan, Raphael.The Ptolemaic Army: ItsOrganisation, Development and Settlement . Tese de doutorado, University College, Londres, 1998.Marrinancolocaasbarracasdosguardasdeelitenoterrenodopalácio,oumuitoperto.38“pensasseemseureinoancestral”até“lágrimasdealegria”:AW,p.24.39“Todaapopulação”:AW,p.32.40“umprodígiodeatividade”:GastonBoissier,CiceroandHisFriends.NovaYork,CooperSquare

Publishers,1970,p.185.41CRacusaasimesmo:Volkmann,1958,p.75.42“quesopramabsolutamente”:CW,III.107.43“permanecerafiel”:AW,p.33.44“porvoluptuosidade”:Dio,XLIV.46.2.VejatambémCíceroaÁtico,226(XI.15),14demaiode

47a.C,ep.230(XI.18),19dejunhode47a.C.NoséculoIVd.C.,Eusébioretomouotema,acusandoCRdeterreconduzidoCaotrono“emtrocadefavoressexuais”(Eusébio,183.2).45“QuantoàguerranoEgito”:JC,XLVIII(traduçãoML).46“porcausadequem”até“emcompanhiadeCésar”:Dio,XLII.44.47camadeCleópatratodasasnoites:Pelling,1999,p.140.48 todososquevisitavamoEgitohelenístico:ComoobservaBraund (1984,p.79): “O rei sábio

eraumanfitriãogenerosoquandoosromanosvinhamvisitar.”49“emvistadofavordeCésar”:Dio,XLII.xxxiv.3.50“Porqueogovernanteopera”:Ibid.,LV.xv.5-6.51 “aprimeira cidadedomundo civilizado”:Diodoro,XVII.52.4.AtéCícero concordava com isso

(DeLegeAgraria,II,XVI.44).52“Olhandoacidade”:AquilesTácio,V.i.6.Eleeraumfilhonativo.53 “Não é fácil para um estrangeiro”: Crisóstomo, Dio. “The 32nd Discourse, To the People of

Alexandria,20”, in Alexandria:TheSiteandtheHistory.ApudSteen,GarethL.(ed.).NovaYork,NewYorkUniversityPress,1993,p.58.54“Aregrageral”:Ateneu,V.196d.55serviçodejantarpesavatrezentastoneladas:Ibid.,p.453.

56 “louça do dia a dia”: A proposição é de Thompson. “Athenaeu’s Egyptian Background”, inBraund,DavideJohnWilkins(eds.).AthenaeusandHisWorld.Chicago,UniversityofChicagoPress,2000,p.83-4.Veja:Ateneu,VI.229d.57“umatravessadeprata”:Ateneu,IV.129b.58 Sobre o guarda-roupa de C: entrevista com Larissa Bonfante, 2 de fevereiro de 2009;

entrevistacomNormaGoldman,19deoutubrode2009;Casson,2001,p.24-5;Rowlandson,1998,p.313-34; Stanwick, 2002, p.36-7, Thompson, Dorothy Burr. Ptolemaic Oinochoai and Portraits inFaience. Oxford, Clarendon Press, 1973, p.29-30;Walker, Susan e Morris Bierbrier. Ancient Faces:Mummy Portraits from Roman Egypt . Londres, British Museum Press, 1997, p.177-80; Walker eHiggs,2001,p.65.59 “festas que seprolongavam”: DJ, LII (traduçãomodi icada). Também Frontinus,Stratagems,

I.i.5.PlutarcopõeCRbebendoatéo amanhecerpara seprotegerde tentativasde assassinato: JC,XLVIII.60 procissão dionisíaca: Para a melhor análise de Ateneu, V.197-203, veja Rice, E.E.The Grand

Procession of Ptolemy Philadelphus . Nova York, Oxford University Press, 1983. Thompson.“Philadelphus’sProcession:DynasticPower inaMediterraneanContext”, inMooren,2000,p.365-88. Thompson enfatiza que essas procissões tinham a inalidade de unir o povo e promover umsensodeidentidadecívica.Arriano,XXVIII,faladasraízesdionisíacasdocortejodetriunfo.61“amaissábiaacumuladoraderiquezas”:Apiano,prefácio,10.AtraduçãoédeMacurdy,1932,

p.108.62 SeAuletes tivesse casadoC comCR: PtolomeuVIII havia cortejado, sem sucesso, uma (rica)

romana,Cornélia,mãedosGracos,Plutarco,TiberiusGracchus,I.63“Cleópatraconseguiu”até“paraganharRoma”:Lucano,X,p.359-60.64“rendeu-seaAlexandre”:Yardley,J.C.(tr.). Justin:EpitomeofthePhilippicHistoryofPompeius

Trogus.65“Cleópatratinhamil”:MA,XXIX(traduçãoML).66 uma coisa tão antissocial: Plutarco, “Demetrius”, III. Em sua própria de inição, o império

zombavadasrelaçõesfamiliares,queconvidavaà“mávontadeedesconfiança”.67“tudoqueelevaaspessoas”:Dio,XXXVIII.xxxix.2.68 “Nãohánada”: Lucano,X.189-90.OEgito exercia fascínio sobreos gregos tantoantes como

depois de C; era a suprema terra do mistério. Veja: Smith, E. Marion. “The Egypt of the GreekRomances”,ClassicalJournal23,n.7,abrilde1928,p.531-7.69“paidaimprensamarrom”:RobertGraves,introduçãoaLucano,Pharsalia:DramaticEpisodes

oftheCivilWars.NovaYork,Penguin,1956,p.13.70 “recebido com amais absoluta”: Carta de 112 a.C., inMilligan, George (tr.).SelectPapyri , II,

p.416.71 O cruzeiro pelo Nilo: As datas permanecem inde inidas. Lord (1930) não acredita que o

cruzeirotenhaocorrido.72 “Eu engolia cor”:GustaveFlaubert a suamãe, 17denovembrode1849, inEmpereur (tr.),

2002,p.136.73Abarcaça:Ateneu,V.204e-206d.VejatambémNowicka,1969.74escondersuprimentos:Foertmeyer,1989,p.235.75“Umavezbasta”:CíceroaÁtico,353(XIII.52),19dedezembrode45a.C.76“palácioflutuante”:Nielsen,1999,p.136.77Conceitosequivocados:Heródotoparaocrânio;Diodoroparaomeiocamundongoprimordial;

Strabo(XV.I.22-3)paraosgêmeos,cascosdetartaruga,serpentesdegramaeincrívelfecundidade.TambémNH (VII.iiiff ), no qual hámenção a camundongos andando sobre duas patas e gravidezabreviada. Grande parte disso provém de Aristóteles (History of Animals, vii.4); Aulo Gélio (AtticNights, X.ii) deu continuidade ao tema. Dio Crisóstomo (Discourse, 5.24-7) fala de sereias míticasdevoradorasdehomensnodeserto,meiocobras,meiosereias.AmianoMarcelino (Roman History,

XXII.15, p.14s) maravilhava-se com criaturas semelhantes a gol inhos no Nilo, hipopótamos queeram“maissagazesquequaisquer feras irracionais”ea íbisegípcia,umpássaroquebotavaovospelobico.78Oparalelomacedônio:Nepos,Eumenes,III.4.79“esedivertiu”:Apiano,II.89.80“Elaodeteria”:Dio,XLII.45.1.81“nãoeranemfavorável”:Dio,XLII.47.2.

IV.AIDADEDEOURONUNCAFOIAIDADEPRESENTE(P.95-130)

Cícero,PlínioePlutarcosãoguiasinestimáveisparaRomaeosromanos.Nasviagensque izaté lácontei inteiramente com o conhecimento de Lionel Casson e, especialmente, comTravel in theAncientWorld; veja também o ricamente ilustradoVoyages sur laméditerranée romaine , deMichelReddé e Jean-Claude Golvin (Paris, Actes Sud, 2005). Sobre C em Roma, o desmisti icador“CleopatrainRome:FactsandFantasies”,deErichGruen,inBraund,DavideChristopherGill(eds.).Myth, History and Culture in Republican Rome. Exeter, University of Exeter Press, 2003; Dack,EdmondVan’t.“LaDatedeC.Ord.Ptol.80-83=BGUVI1212etleséjourdeCléopâtreVIIàRome”,AncientSociety1,1970,p.53-67.Eusébio(183,p.30)atestao inevitávelséquito,eHorácio(SatiresI.ii.p.95-100)também,deoutramaneira;elelamentavaaverdadeiraarmadadecriadosdamulherrica.Sobre a administração do Egito e a máquina ptolomaica: Bagnall e Derow, 1981, p.253-255;

Bingen, 2007, p.156-255; Bowman, 1986; Hazzard, R.A.Imagination of a Monarchy: Studies inPtolemaicPropaganda.Toronto,UniversityofTorontoPress,2000;Maehler, 1983;Mooren,Leon.Lahiérarchie de cour ptolémaïque. Leuven, Studia Hellenistica 23, 1977; Mooren, 2000; DominicRathbone. “Ptolemaic toRomanEgypt:TheDeathof theDirigiste State?”, in Production and PublicPowersinClassicalAntiquity ,CambridgePhilologicalSociety,n.26,2000,p.4-54;Rickman,Geoffrey.TheCornSupplyofAncientRome.Oxford,ClarendonPress,1980;Rostovtzeff,Michael.ALargeEstateinEgyptintheThirdCenturyBC.Madison,UniversityofWisconsinStudies,1922;SelectPapyri:PublicDocuments, II. Cambridge, Harvard University Press, 1995; Taubenschlag, Raphael.The Law ofGraeco-RomanEgyptintheLightofthePapyri .Varsóvia,PanstwoweWydawnictwoNaukowe,1955;Thompson,D.J. “NileGrainTransportunder thePtolemies”, inGarnsey,Peteretal. (eds.). Trade intheAncientEconomy.Londres,Chatto&Windus,1983,p.64-75.Para um resumo muito bom e saboroso sobre papiros, óstracos e inscrições do reino de C:

Ricketts,1980,p.114-36.Sobre Roma e sua moral: Cícero, Horácio, Juvenal, Marcial, Plínio e Strabo. Dentre as fontes

modernas:Balsdon.LifeandLeisureinAncientRome.Londres,BodleyHead,1969;Casson.EverydayLifeinAncientRome.Baltimore,JohnsHopkinsUniversityPress,1998;ocoloridoDailyLifeinAncientRome,deFlorenceDupont (Oxford, Blackwell, 1993); Duret, Neraudau, Luc e Jean-Pierre Neraudau.Urbanisme et

metamorphoses de la Rome antique. Paris, Belles Lettres, 2001; Kiefer, Otto. Sexual Life in AncientRome.NovaYork,DorsetPress,1993;Wiedemann,Thomas.AdultsandChildrenintheRomanEmpire.Londres, Routledge, 1989; Wiseman, T.P. Catullus and His World: A Reappraisal . Cambridge,CambridgeUniversityPress,1985.ParaCR:Gelzer,Matthias.Caesar:PoliticianandStatesman.Oxford,Blackwell,1968;Goldsworthy,

Adrian.Caesar:LifeofaColossus.NewHaven,YaleUniversityPress,2006;Meier,Christian.Caesar:ABiography.NovaYork,MJFBooks,1982;Weinstock,Stefan. Divus Julius. Londres,OxfordUniversityPress, 1971; Wyke, Maria.Caesar: A Life inWestern Culture . Chicago, University of Chicago Press,2008;Yavetz,Zwi.JuliusCaesarandHisPublicImage.Ithaca,CornellUniversityPress,1983.1Aidadedeouro:Franklin,Benjamin.PoorRichard’sAlmanack,1750.

2“Quedesculpa”:Eurípides. “Andromache”, in TheTrojanWomenandOtherPlays .TraduçãodeJamesMorwood.Oxford,OxfordUniversityPress,2001,p.85-7.3 Silêncio de CR: Dio, XLII.iii.3. Todos em Roma acreditavam que CR ia perecer nas mãos dos

egípcios, “como efetivamente icavam ouvindo ser fato”. Cícero particularmente sabia dasdificuldadesdeCRparasairdaÁfrica.4 Sobre parto: Soranosapud Rowlandson, 1998, p.286-9; Tyldesley, Joyce.Daughters of Ísis:

Women of Ancient Egypt . Nova York, Viking, 1994, p.70-5. Para um claro resumo sobre apaternidade de Cesário: Balsdon. “Cleopatra: A Study in Politics and Propaganda by HansVolkmann”, Classical Review 10, n.1, março de 1960, p.68-71. A resposta de Heinen (1969) aorepúdiodeCesárioemJ.Carcopino(1937)podeservistaemHeinen,2009,p.154-75.Nestepontoe em outros, as fontes antigas não são úteis: Suetônio duvida da paternidade e observa tambémqueCRpermitiuqueacriançafossebatizadacomseunome,DJ,LII.5 “ser dada a raiva”: Carta do século III a.C. apud Plant, I.M. (ed.).Women Writers of Ancient

GreeceandRome.Norman,UniversityofOklahomaPress,2004,79-80.Dadaataxademortalidadeinfantil,erafácilencontraramasdeleite.6volumesdeconselhos:VejaHopkins,Keith.“ContraceptionintheRomanEmpire”, Comparative

Studies in Society and History 8, n.1, 1965, p.124-51; Angus McLaren,A History of Contraception.Londres,BasilBlackwell, 1990;Pomeroy, SarahB.Goddesses,Whores,Wives,andSlaves .NovaYork,Schocken, 1975, p.167-9; Riddle, JohnM.Contraception andAbortion from theAncientWorld to theRenaissance. Cambridge, Harvard University Press, 1992. Também Juvenal, Satire 6595-6; NH,VI.42;Sorano,I.60-65.7aenchentedoNilo:Diodoro,I.36.7.Paraa loraeafauna,baseei-meem:Poole,2003.Paraas

condiçõesdo rio: Petrie,W.M. Flinders.SocialLife inAncientEgypt .Boston,HoughtonMif lin,1923,p.129-68;Edwards,AmeliaB.AThousandMilesuptheNileLondres,Century,1982,p.319s.8 Sobreospresentesde aniversário:Préaux, 1939,p.394.Neal (1975) sugerequeotiming foi

tãoperfeitoqueCpodeterescolhidoessadataparaanunciaronascimento.Elaemitiumoedasdeouroesseano,umadasduasúnicasocasiõesemqueofez.9umaassociaçãodeCleópatracomÍsis:Pelling,1999,p.251-2;Ashton,2008,p.138.VejaPréaux,

Claire.Le monde hellénistique. Paris, Presses Universitaires de France, 1978, II, p.650-5; Takacs,Sarolta A.Isis and Serapis in the RomanWorld. Leiden, E.J. Brill, 1995;Witt, R.E.Isis in the Graeco-Roman World. Ithaca, Cornell University Press, 1971. Sobre o destino de Ísis no lado norte doMediterrâneo,veja,especialmente:Heyob,SharonKelly.TheCultofIsisamongWomenintheGraeco-RomanWorld.Leiden,E.J.Brill,1975.10Ocônsuleapicareta:Valério,1.3.41.11Vestescerimoniais:O.E.Kaperparaaautora,16demarçode2010.12Sobreoestadoeoclero:Thompson,1988.Goudchaux,GuyWeill.“Cleopatra’sSubtleReligious

Strategy”, inWalkereHiggs,2001,p.128-41.TambémReymond,E.A.E.e J.W.B.Barns. “AlexandriaandMemphis:SomeHistoricalObservations”,Orientalia46,1977,p.1-33.Sobreaconcessãodeasilo,veja Rigsby, Kent J. Asylia: Territorial Inviolability in the Hellenistic World . Berkeley, University ofCaliforniaPress,1996.Sobrehierarquiano templo:Gorré,Gilles. “LesrelationsduclergéégyptienetdesLagides”,inPicard,Olivieretal.(eds.). Royaumesetcitéshellénistiquesdesannées323-55av.JC .Paris,SEDES,2003,p.44-55.13Direitoestendidoàsinagoga:Rigsby,1996,p.571-2.14 As medidas das enchentes: Sobre o Nilo: NH, X.li.60; sobre a altura: V.x.58. Sobre o

comportamento doNilo: Lewis, 1983, p.105-15; Tácio, Aquiles. IV. 11-15. Strabo é, no restante, omelhorguiadorio.15“Nãohouvefome”:Vandier, Jacques. Lafaminedans l’Egypteancienne.NovaYork,ArnoPress,

1979,p.35s;Thompson,Dorothy. “NileGrainTransportunderthePtolemies”, inGarnsey,Peteretal.(eds.).TradeintheAncientEconomy .Londres,Chatto&Windus,1983,p.64-75.Heinen(“Hunger,Misery, Power”, reeditado em 2009, p.258-87) observa que a classe dominante tambémconquistava pontos por sua benevolência e que a crise eramuitas vezes exagerada. A ênfase na

misériadopovoserviaparapromoveramagnanimidadeoficial.16 “Qualquer pessoa que saiba”: Flatterer, 790A. Séculos antes, Antígono Gônatas, um rei

macedônio de visão particularmente clara informara seu ilho que o negócio da realeza era “umglorioso estado de escravidão”. Dio, LII.X.2, faz colocação semelhante: era destino do soberano“sempreeemtodapartetantovercomoouvir,fazeresofrer,apenasaquiloqueeradesagradável”.17fórmuladesaudação:AJ,XII.148,XII.166,XIV.306.18 levaram um Ptolomeu anterior a dormir: Flatterer, 71d. O tutor que deu um tapa para

acordarPtolomeuVEpifanesfoirecompensadocomumcopodeveneno.19pressãodosnegóciosdeestado:Sobreburocracia:Minnen,Petervan. “FurtherThoughtson

the Cleopatra Papyrus”, Archiv für Papyrusforschung 47, 2001, p.74-80; Minnen, Peter van. “AnOfficialActofCleopatra”,AncientSociety30,2000,p.29-34.20“íntegrosesemdemora”:Thompson,1983,p.71;tambémChristopherHaas,AlexandriainLate

Antiquity: Topography and Social Con lict . Baltimore, Johns Hopkins University Press, 2006, p.40-4.Sobre o funcionamento da economia: Rostovtzeff, 1998; Préaux, 1939; Tarn e Grif in, 1959;Thompson,1988;DominicRathbone,“PtolemaictoRomanEgypt:TheDeathoftheDirigisteState?”,inCambridgePhilologicalSociety,n.26,2000,p.44-54.21 “ninguém tem permissão”: Austin, M.M.The Hellenistic World from Alexander to the Roman

Conquest: A Selection of Source Materials in Translation. Cambridge, Cambridge University Press,1981,p.561.22 “sabia todos os dias”: William Tarn,Hellenistic Civilization. Londres, Edward Arnold, 1959,

p.195.23“animaratodos”:SelectPapyri,1995,II.204.24“Podemosconcluir”:OesclarecedorCrawford,Dorothy.“TheGoodOfficialofPtolemaicEgypt”,

inDasPtolemäischeAgypten:AktendesinternationalenSymposions,1976(Mainz,VonZabern,1978),p.202.25 Atingiam igualmente: Bingen, “Les tensions structurelles de la société ptolémaïque”, Atti del

XVIIConressoInternazionalediPapirologiaIII.Nápoles,1984,p.921-937;Rathbone,2000.26Sobreasreclamações:BagnalleDerow,2004;Bevan,1968;Maehler,1983;Rostovtzeff,1998.

E sobre a benevolência: Westermann, William Linn. “The Ptolemies and the Welfare of TheirSubjects”,AmericanHistoricalReview43,n.2,1938,p.270-87.27 O pai enfermo:SelectPapyri , II, p.233. A moça tinha fugido com um namorado preguiçoso,

dizia o pai, e não atendiamais as suasnecessidadesde vida, apesarde ter assinadoum contratoparafazê-lo.28 “Eleschegamcedo”:SelectPapyri, II.266.Rostovtzeff,M. (tr.). “ALargeEstate inEgypt in the

ThirdCenturyBC:AStudyinEconomicHistory”,UniversityofWisconsinStudies6,1922,p.120.29proibidoadvogadosderepresentar:Rostovtzeff,1998,II,p.1094.30“queimouminhabarriga”:BagnalleDerow,1981,p.195.31“Quandoherdamos”:Cícero,TheRepublic,V.I.2.AtraduçãoédeEveritt,2003,p.180.32SobreAuleteseafortunadafamília:Broughton,T.RobertS.“CleopatraandTheTreasureof

the Ptolemies”, American Journal of Philology 63, n.3, 1942, p.328-32. Aqui também as opiniõesdiferem: Maehler, 1983, advoga a “prosperidade intocada”. Bowman, Casson, Ricketts e Tarnconcordam.Rostovtzeff(1998,III,p.1548)temcertezadotesouropessoaldeC,masacreditamenosnaeconomiaduranteseureinado.Thompson,BroughtoneWill (V.206d)veemumaeconomiaemdeclíniosenãoemdesordem.AteneuacusaopaideCdeterdissipadoa fortunadoEgito.Em63a.C,Cícero(DeLegeAgraria,II.XVI.44)achavaoEgitoaindaumreinoflorescente.33 Sobre a desvalorização e asmoedas de C:Goudchaux, GuyWeill. “Was Cleopatra Beautiful?

TheCon lictingAnswersofNumismatics”,inWalkereHiggs,2001,p.210-14.Chauveau,2000,p.86;elechama,suscintamente,adesvalorizaçãode“oequivalenteantigoaemitirdinheiro”.34 “o equivalente a todos os fundos de cobertura”: Entrevista com Roger Bagnall, 21 de

novembrode2008.

35 concurso de bebida no palácio: Ateneu, X.415. Ateneu (XII.522)menciona tambémque umilósofoganhavadozetalentosporano,oqueparecealtodemais.AreservaédeCasson,2001,p.35;ele calcula que quinze talentos equivaliam amilhões de dólaresmodernos. Para osmonumentosimpressionantes:Green,Peter.AlexanderofMacedon.Berkeley,UniversityofCaliforniaPress,1991,p.414.Marrinan(1998,p.16)a irmaquecommiltalentospodia-secontratarumexércitode10milhomensporumano.Diodororelataqueparaumartesãoromanonãoquali icadoumtalentoeraoequivalente adezessete anosde salários, Josefo (JW, I.483)dizqueumpríncipe comrendimentoprivado de cem talentos era um homem com quem se podia contar. Durante a lua de mel deparentes egípcio-romanos, um dignitário romano recebeu presentes no valor de oitenta talentos,soma tão exagerada que ele não aceitou (Plutarco, “Lucullus”, p.2). Em nível mais prosaico, umtalento comprava trigo su icienteparaumhomemdurante75anos.Veja também:TarneGrif in,1959,p.112-16.36 A viagem a Roma: Baseado na suposição mais fundamentada no negócio, a de Casson.

Entrevistas,26dejaneirode2009e18dejunhode2009.Vejatambém:Casson,1971;Casson.TheAncientMariners. Princeton, Princeton University Press, 1991; Casson, 1994. Ele descreve todo oárduosistemaem“TheFeedingoftheTriremeCrewsandanEntryinIGii21631”, Transactionsofthe American Philological Association, n.125, 1995, p.261-9; e “The Isis and Her Voyage”,TransactionsoftheAmericanPhilologicalAssociation,n.81,1950,p.43-56.Cassonparaaautora,9dedezembro de 2008. Para comparações, veja Filo: “Against Flaccus”, V.25ff, “On the Embassy toGaius”,p.250-3; JW,p.1280;Horácio,Satires, I.5;asviagensdeGermânicoem:Tácito, Annals, II.50;Casson (1994, p.149-53) sobre Cícero e Plínio. C pode ter atracado em Óstia, o que Bagnall eThompson acham mais provável; Casson prefere Pozzuoli, uma vez que, na época, não haviainstalações portuárias de nenhuma expressão em Óstia (Casson, 1991, p.199). Não é impossívelqueCtenhaembarcadooudesembarcadoemBrundisiumassimcomoHorácio(queiaparaoeste)eCícero,indoparaoleste.Dali,elateriafeitoalongaviagemporterraemterrenoacidentadoeaolongodaviaApiano.Aviagempodiaserfeitaemcercadesetedias(Casson,1994,p.194-6).37Osriscosdomar:AquilesTáciotrazumbomrelato( iccional)donaufrágio,III.2-6.Elevaiaté

Pelúsio.38ChegadadeCaRoma:Eusébio,183.3.39“comoumcamelo”:Dio,XLIII.23.2-3.VejatambémStrabo,16.4.16.40 “dois coches”: Umhorrorizado Cícero a Ático, 115 (V.1), 20 de fevereiro de 50 a.C. Boissier

(tr.),1970,p.120.Também:Foertmeyer,p.224;Plutarco,“Crassus”,XXI.6;Préaux,1939,p.561.41 Sobre a Roma de ar ruim, higiene de iciente e sobre a idílica Janícula: Homo, Leon.Rome

impérialeetl’urbanismedansl’antiquité.Paris,AlbinMichel,1951;DionysiusofHalicarnassus,RomanAntiquities, III.xlv;Horácio,Odes, II.29, p.9-12;Martial, Epigrams, IV.64.Nomais, Cícero continuaomelhorguiaparaRoma.Amãocortadaeoboisolto:Suetônio,“Vespasian”,5.4.42“Sóossacerdotes”:JC,LIX(traduçãoML).43 “o único calendário inteligente”: Neugebauer, O.The Exact Sciences in Antiquity. Princeton,

Princeton University Press, 1952, p.71. Para o calendário egípcio (dozemeses de trinta dias, aosquaisseacrescentavamcincodias,eacadaquatroanosseisdias),vejaStrabo,17.1.29.44“paraestimularavontade”:DJ,XLII.45 Sobre o cortejo de triunfo romano: Apiano, Dio, Floro, Suetônio e o soberboThe Roman

Triumph,deMaryBeard(Cambridge,HarvardUniversityPress,2007).46“umamulher,umdiaconsiderada”:Dio,XLIII.xix.3-4.47ascriançaseasgalinhas:Sobreosdireitospolíticoselegaisdasmulheres:Beard,MaryeMichaelCrawford.RomeintheLateRepublic.Londres,Duck-worth,2005,p.41.48cemespadachins:CíceroaQuintus,12.2(II.9),junhode56a.C.49“Mesmoqueseusescravos”até“cortadores”:Juvenal,Satire9,p.100s.50“absolutamentedevotado”até“domdajuventude”:Dio,XLIII.xliii.4.51“entreamigosealiados”:Dio,XLIII.xxviii.1.Gruen,1984,p.259,questionaadatadainstalação

daestátua.Eleadeslocaquinzeanosàfrente,paratorná-laumtributonãoaC,masàsuaderrota.52 “Ninguémdança”: Cícero,ProMurena, 13.Kiefer,Otto (tr.). SexualLife inAncientRome. Nova

York,DorsetPress,1993,p.166.ConformecontrastaAteneu,“nenhumoutropovoeraconsideradomaismusicaldoqueosalexandrinos”(IV.176e).53“Éprecisosermuitorico”:Juvenal,Satire3,p.236.Osvasosvoadorestambémsãodele, Ibid.,

p.270s.54 “país super icialmente civilizado”: Lucano, tradução de P.F. Widdows. Bloomington, Indiana

UniversityPress,1988,p.544.55“aúltimapalavra”:Casson,1998,p.104.56 “inútil e tola ostentação”: NH, XXXVI.xvi.75. Na edição da Loeb, “Aparecem como uma

supérfluaetolaexibiçãoderiqueza.”57 Grego e latim: Quintiliano admite que o mundo soa mais áspero em latim, desprovido das

letras gregas, mais doces, com as quais “a língua parece imediatamente nos alegrar e sorrir”(12.10).58palavrapara“desprovido”:Sêneca,EpistleLXXXVII.40.59“utensíliosmarchetadosdeouro”:Dalby,2000,p.122-3.Dalbyobservaqueummerosotaque

grego trazia consigo um vago aroma de luxúria. Também Dio, LVII.xv.3; Valério, “Of Luxury andLust”, Book IX, 1. Parecia impossível descrever o excesso sem recorrer ao grego. É Dalby quemobservaque“oclássicomanualpráticodosexo”eraemgrego.60Sobreoaumentodaluxúria:Lívio,39.6;NH,XXXVI;Plutarco,“CaiusMarius”,p.34;Ateneu,XII;

Horácio,Odes,II,xv;Dalby,2000;Wiseman,1985,p.102s.61Osguardanaposroubados:Catulo,Poems,12e25;NH,19.2.62obelovasode cobrasvenenosas: Saint JeromeapudGrif in, Jasper. “VirgilLives!”, NewYork

ReviewofBooks,26dejunhode2008,p.24.63 Mulheres em Roma: Bauman, Richard A.Women and Politics in Ancient Rome . Londres,

Routledge,1992;Kleiner,DianaE.E.eSusanB.Matheson(eds.). IClaudia:WomeninAncientRome.NewHaven, YaleUniversity Art Gallery, 1996; Lesko, Barbara S. “Women’sMonumentalMark onAncientEgypt”, BiblicalArcheologist54,n.1,1991,p.4-15;Rawson,1985;oótimoSexuality inGreekand Roman Culture, de Marilyn B. Skinner (Malden, Blackwell, 2005); Wyke,The Roman Mistress.Oxford,OxfordUniversityPress,2002.EntrevistacomLarissaBonfante,2defevereirode2009.64“Trabalhoduro”:Juvenal,Satire6,p.289s.65“Nãohánadaqueumamulher”:Juvenal,Satire6,p.460-1.66atéoseunucosdeCeramricos:Sêneca,EpistleLXXXVII.16.67Asmuitodiscutidaspérolas: Suetônio, “Caligula”, XXXVII;Horácio, Satire2.iii.239;Pausanias,

8.18.6;NH,IX.lviii.AsduaspérolasdeC,“asmaioresdetodaahistória”,estãoemPlínio,IX,p.119-121.LucanotambémamarraumafortunaempérolasnopescoçoenocabelodeC,X.139-40.Vejatambém Macróbio,TheSaturnalia, 3.17.14.Num relatomuito posterior C eMA fazemuma apostasobreapérola,duranteseuextravagantefestim.Elascombinambem:“Foicomoescravodessagulaqueele [MA]desejou transformaro impériodeRomanumreinoegípcio.”Planco,bem-humorado,arbitraadisputa.DuranteséculosonomedeCpermaneceusinônimodeextravagância.NoséculoVd.C., Sidônio (Letter VIII.xii.8) descrevia os banquetes mais suntuosos como semelhantes a “umfestimdeCleópatra”.68“asfolhasdoalto”:Hesíodo,WorksandDays,p.680-1.69“nãodeixou”até“seunomeàcriança”:DJ,LII.2.70“erasuamelhorcartada”:Aly,1989,p.51.71cartasapaixonadas,cheiasdeadmiração:Dio,LI.xii.3.72tinhadedefenderseucaso:EntrevistacomRogerBagnall,11denovembrode2008.73“Nuncaseviubandomaisdesordeiro”:CíceroaÁtico,16(I.16.),começodejulho61a.C.Sobre

aampliaçãodabasedeapoiodeC,AndrewMeadowsparaaautora,5demarçode2010.

74SobreapreocupaçãodeCcomareorganizaçãodooriente:Gruen,2003,p.271.

V.OHOMEMÉPORNATUREZAUMACRIATURAPOLÍTICA(P.131-170)

Sobre o climapolítico deRoma:Apiano,Dio, Floro,NicolaudeDamasco, Plutarco, Suetônio, emaiseloquente, como sempre, Cícero. Para retratos modernos de Cícero, Plutarco e Suetônio: Everitt,2003;Rawson,Elizabeth.Cicero:APortrait.Bristol,BristolClassicalPress,2001.Sobreatorrentedehonrarias: Apiano, Cícero e Dio. Para a geogra ia da Roma não iluminada, a colina Janícula etc.:Homo, 1951; Aly, 1989. Sobre C e ciência: Green, Monica.The Transmission of Ancient Theories ofFemale Physiology and Disease through the Early Middle Ages. Tese de doutorado, PrincetonUniversity,1985,p.156-61,185-9;Neuberger,Albert. TheTechnicalArtsandSciencesoftheAncients .Londres,KeganPaul, 2003;Ott,Margaret.CleopatraVII: StateswomanorStrumpet?Dissertaçãodemestrado,UniversityofWisconsin,EauClaire,1976;Daly,OkashaEl.“‘TheVirtuousScholar’:QueenCleopatrainMedievalMuslimArabWritings”,inWalkereAshton,2003,p.51-6.Para os Idos tradicionais:Ovídio,Fasti, iii, p.523; Marcial,Epigrams, IV.64. Para os Idos de 44:

Apiano, II.111-119; Dio, XLIV; Floro, II.xiii.95; ND, 25.92, Fr. 130.19; JC, LXVI-LXVII; Plutarco,“Brutus”, XIV-XVIII; MA, XIII-XIV; DJ, LXXXII; VP, LVI. Cícero fornece os primeiros detalhes: DeDivinatione, II.ix.23.Vejatambém:Balsdon.“TheIdesofMarch”, Historia7,1958,p.80-94;Horsfall,Nicholas.“TheIdesofMarch:SomeNewProblems”,Greece&Rome21,n.2,1974,p.191-99.1“Ohomemépornatureza”:Aristóteles,Politics,I.1253a.2 “Ah, que não se encontrasse”: Eurípides, “Cyclops”, in Kovacs, David (ed. e tr.). Euripides:

Cyclops,Alcestis,Medea.Cambridge,HarvardUniversityPress,1994,p.185.3“Nãoseicomoumhomem”:CíceroaM.Cúrio,200(XII.28),c.agostode46a.C.4“perturbaçãogeral”:CíceroaRufo,203(IV.4),c.outubrode46a.C.5“conflitoarmadosemfim”:CíceroaA.Torquato,245(VI.2),abrilde45a.C.6 Moda de C: Sobre os penteados, Peter Higgs, “Searching for Cleopatra’s Image: Classical

Portraits in Stone”, inWalker e Higgs, 2001, p.203. Sobre a egiptomania contemporânea: Alfano,Carla.“EgyptianInfluencesinItaly”,p.276-91.Vejatambém:Kleiner,2005,p.277-8.7“nemtagarela”:VarroapudGélio,Aulo.TheAtticNights,XIII.xi.2-5.Balsdon(tr.),1969,p.46.8 o ovo ou a galinha: Para discussões em jantares, Plutarco,Table Talk (Quaestiones Convivales) ,

II.3(635)-V.9(684).9“Elenãosepreocupavaemnadacomisso”:Dio,XLIII.xxviii.1.10“umaboadosedelatidos”:Ibid.,XLVI.xxvi.2.11“Eunãoconheciasegurança”até “a traiçãodasantigas”:CíceroaCn.Plâncio,240(IV.14), c.

finalde46a.C.12“detipoliterário”:CíceroaÁtico,393.2(XV.15),c.junhode44a.C.13“nemdesangue,nemdeespíritoreal”:Cícero,DeLegeAgraria,II.42.xvii(traduçãoalterada).14soprodedesonra:CíceroaÁtico,25(II.5),c.abrilde59a.C.15“Aarrogânciadaprópriarainha”:Ibid.,393(XV.15),c.13dejunhode44a.C.16“umacertavaidadetola”:Ibid.,38(II.17),c.junhode59a.C.17Plutarcofoimaisexplícito:Plutarco,“DemosthenesandCicero”,II.1.18“Eleeraomaiorvaidoso”:Dio,XXXVIII.xii.7.19governaraumvastoreino:MA,LVI.20 Cícero icava incomodado: Como ele coloca em umacarta de 50 a.C. a Ático (117 [VI.3]):

“Nuncatolereiagrosseriadospersonagensmaispoderosos.”21“resgataramaisfamosa”:AtribuídoaSalústio,“LettertoCaesar”,XIII.5.22“eraimpossíveldeaterrorizar”:Apiano,II.150.

23“oencorajasseeinchasse”:Dio,XLIV.iii.1-2.24“deumparaoutro”:Apiano,II.117.25“manchadadesangueecortada”:Ibid.,III.35.26“Corram!”:Dio,XLIV.xx.3.27“acidadeparecia”:ND,p.25.28ComparaçãocomHelenadeTroia:Cícero,“Philippic”2.XII.55.Ctambémnãoaparecenalista

dedelitosdeCR,II.29“porquequeriam”até“quantasdesejasse”:Dio,XLIV.vii.3-4.30“comopropósitodegerar”:Suetônio,citandoumafonteanônima,DJ,LII.31“levarcomeleosrecursos”:Ibid.,LXXIX.32fundadoradoimpérioromano:Collins,1959,p.132.33“gentetola”:DJ,LVI.34“todosostiposdehomem”:ND,p.19.35“expressãoorgulhosaeatormentada”até“funéreo”:Apiano,II.144-6.36“quasetodaacidade”:Dio,XLV.xxiii.4-5.37bárbaros fanáticos:Paraumavisãoromanados “complacentese inconstantesalexandrinos”

(Dio, LI.xvii.1): Reinhold, 1988, p.227-8. Dio Crisóstomo, “The 32nd Discourse”; Políbio,TheHistories,XV.33;Filo (elepróprioumalexandrino), “Flaco”,V.32-35.Filoachavaseusconterrâneosincomparáveis em sua insubordinação, “habituados sempre a provocar grandes agitações compequenas fagulhas” (“Flaco”, IV.16). O imperador Adriano desprezou os alexandrinos como “umpovorebelde,inútil,maldizente”,obcecadopelolucro.ParaFlorenceNightingale,quedesembarcouno Egito em 1849, não no seu momento mais esclarecido, os alexandrinos eram “o povo maismovimentado e barulhento do mundo”, 19 de novembro de 1849, apud Valleé, Gerard (ed.).FlorenceNightingale onMysticismandEasternReligions.Waterloo,Wilfrid Laurier University Press,2003,p.144.ParaoencontroRoma/Alexandria,vejatambém:Charlesworth,M.P.“TheFearof theOrient in the Roman Empire”, Cambridge Historical Journal 2, n.1, 1926, p.9-16; e Grif in, Jasper.LatinPoetsandRomanLife.Londres,Duckworth,1985.38“porqueotemiam”:Dio,XLIV.xv.2.39“Detestoarainha”até“nãosoucapazderaiva”:CíceroaÁtico,393(XV.15),c.13dejunhode

44a.C(traduçãoalterada).40“regulamentos,favoresepresentes”:Apiano,II.133.41“orgiadesaques”:HirtioaCícero,citadoemCíceroaÁtico,386(XV.6),c.junhode44.42“Háumelementomuitogrande”:Dio,XLV.viii.4.43“nuncamostrandoseubrilhonormal”:JC,LXIX(traduçãoML).44“Quempodeexpressardevidamente”:VP,II.lxxv.45Quandoumsoberanoestrangeirovinhavisitar:Plutarco, “Lucullus”, II.5.Herodes tambémé

escoltadopelasautoridadesatéAlexandria,JW,I.279.46“Alexandriaéamorada”:Siani-Davies,2001,p.105(“ProRabirioPostumo”,13.35).Arespeito

deAlexandria,Cícerocontinua: “Énos seushabitantesqueosautoresde farsas se inspiramparasuastramas.”47“Umprovérbiopopular”:CíceroaPlanco,407(X.20),29demaiode43a.C.48 notável roupa de Isis: Entrevista com Norma Goldman, 19 de outubro de 2009. Sebesta,

Judith Lynn e Larissa Bonfante.The World of Roman Costume. Madison, University of WisconsinPress, 2001; Thompson, Dorothy Burr, 1973, p.30; Walters, Elizabeth J. Attic Grave Reliefs thatRepresent Women in the Dress of Ísis . Princeton, American School of Classical Studies at Athens,1988;Apuleio,Metamorphoses,XI.iii-iv.49 templo de Dendera: Goudchaux, “Cleopatra’s Subtle Religious Strategy”, 2001, p.138-9;

Bingen,2007,p.73;Kleiner,2005,p.85-8; JanQuaegebeur, sobretudo “CléopâtreVII et le templede Dendara”, Göttinger Miszellen, n.120, 1991, p.49-73. Cerca de 1.900 anos depois, Florence

Nightingale visitou Dendera. No geral, ela não tinha muita paciência para os Ptolomeus; não seimpressionou com “os hectares de baixos-relevos” e os quilômetros de esculturas. O conjuntopareceu-lhe vulgar. “O nomemais antigo que se encontra é o da vil C”, bufou ela (Vallée, 2003,p.397).Nightingalenãopodiarealmentedeixardenotá-la;Caparecenadamenosque73vezesnasparedesdotemploedacapela.50SobreoCaesareum:Filo. “On theEmbassy toGaius”, inYonge,C.D. (tr.). TheWorks of Philo .

Peabody,HendricksonPublishers,1993,p.150-1.Vejatambém:Castagnoli,Ferdinando.“In luenzealessandrinenell’urbanisticadellaRomaaugustea”, Rivistadi ilologiaedi istruzioneclassica,n.109,1981,p.414-23;Marcelino,Amiano,XXII.16.12.51renascimentointelectual:VejaoexcelenteMarasco,Gabriele.“Cléopâtreetlessciencesdeson

temps”,SciencesexactesetsciencesappliquéesàAlexandrie,inArgoud,Gilbertetal.(eds.),1998,p.39-53;Fraser,1972,I,p.87,311-22,363,490.52 acusadode se contradizer:Sêneca, Epistle LXXXVIII.37. Veja tambémAteneu, IV.139. Para o

esquecimento de livros: Quintiliano, 1.8.20-1; Marcelino, Amiano, XXII. 16.16; Russell, H.A. “OldBrass-Guts”,ClassicalJournal43:7,1948,p.431-2.53“estímulointelectual”:Rawson,1985,p.81.54“massageadoatébrotar”:GalenapudOtt,1976,AppendixA,p.33.55“todasortedevenenosmortais”até“umapósoutro”:MA,LXXI.56 “grande curiosidade cientí ica” até “um embrião de fato”: Ott, 1976, Appendix C, p.35.

Possivelmente tratava-se de outra rainha C. Para C, a cientista, veja também: Plant, 2004, p.2-5,135-47.57“queeusempreusei”:Green,Monica,1985,p.186.ParaoenvolvimentodeCcomaalquimia,

veja:Taylor,F.Sherwood.“ASurveyofGreekAlchemy”, JournalofHellenicStudiesI,1930,p.109-39.Apalavraalquimia,deorigemárabe,éposterioraC.NãoajudanadasaberqueváriosalquimistaspublicaramsobopseudônimodeCleópatra.VejaPlant,2004,p.145.58“artesmágicaseencantamentos”:Plutarco,MA,XXV.4(traduçãoML).59 “mal-estar generalizado” até “inspirada por seu ódio aomal”: 12 de abril de 41, citado em

Lenger,Marie-Thérèse.CorpusdesordonnancesdesPtolémées.Bruxelas,PalaisdesAcadémies,1964,p.210-5.60“nenhumanimalselvagem”:Plutarco,“Cicero”,XLVI.61“àshumilhações”:Plutarco,“CatotheYounger”,XXXV.4(traduçãoML).62“nãosentiramedo”:Apiano,V.8.63 “omaisagressivodoshomens”: Ibid., II.88. Seu temperamentoviolentoera lendário.Apiano

acrescenta que os arqueirosmontadospartos juntaram-se a Cássio por vontadeprópria, atraídosporsuareputação,IV.59.64SeverolembretedeBruto:Plutarco,“Brutus”,XXVIII.65“nãosóarruinoutudo”:Apiano,V.8.66 Sobre Quinto Délio: Sêneca, o Velho,Suasoriae, 1.8; JA, 14.394, 15.25; JW, 1.290; Sêneca, o

Moço,DeClementia,I.x.1.67“Assimqueolhouparaela”até“maisgentildossoldados”:MA,XXV(traduçãoML).68HeranaIlíada:NãoficaclaroseéPlutarcoouDélioqueminvocaacomparaçãohomérica,Ibid.69“acompanhadoporumanotávelmultidão”:Apiano,III.12.70“umgrandehalo”:Dio,XLV.iv.4.71“achacinadoSenado”até“comhabilidadeepaciência”:Apiano,III.13-4.72“ficasseaomeulado”até“outrosornatos”:Ibid.,III.15-7.73“todooprestígio”:Floro,II.xv.2.74“quevocêpossuidefato”até“muitobomparamim”:Apiano,III.18-9.75Ashostilidadesaseremencorajadas:Apiano,III.21,85;Dio,XLV.xi.3-4,XLVI.xl.4,XLVI.xli.1.76Difamar,chantagear,caluniar:QuintoFúfioCalenoapudDio,XLVI.viii.3-4.

77“Nãoconfionaidadedele”:CíceroaÁtico,419(XVI.9),4denovembrode44a.C.78“meumaravilhosoDolabela”:CíceroaÁtico,369(XIV.15),1demaiode44a.C.79“Nenhumafeto”:CíceroaDolabella,371A(XIV.17A),3demaiode44a.C.80“Esseazedumedehomem!”:CíceroaÁtico,373(XIV.18),9demaiode44a.C.81“aorganizaçãosistemática”:Adams,Henry.TheEducationofHenryAdams.NovaYork,Library

ofAmerica,1990,p.13.AdamsfalavadapolíticadeMassachusetts.82RastrodefarrasdeA:Suetônio,“OnRhetoricians”,V(29).83“Eleeraumperdulário”:VPsobreCurio,oMoço,II.xlviii.4.AtraduçãoédeCíceroaÁtico,14

(I.14),13defevereirode61a.C,notadoeditor.84“Portodaacidade”até“seulegado?”:Apiano,III.28.85“pôrumcontraooutro”:Dio,XLVI.xli.86contantoqueOtavianofizesse:Ibid.,p.29.87xingandooscriados:Apiano, III.39;SênecasobreotemperamentodeOtaviano,DeClementia,

I.xi.1.88“Poroutrolado”:CíceroaÁtico,425.1(XVI.14),c.novembrode44a.C.89“Ohomemqueesmagar”:CíceroaPlanco,393(X.19),c.maiode43a.C.90“Naverdade,nãosedevepensar”:Cícero,“Philippic”,VI.III.7.91 “as fumaças do deboche”: Cícero, “Philippic”, II.xii.30; “arrota”, Cícero a Corni ício, 373

(XII.25),c.20demarçode43a.C;“vomita”CíceroaCássio,344(XII.2),c. inaldesetembrode44a.C.92“Éfácilatacaradevassidão”:Cícero,“ProCaelio”,xii.29.93 “preferiria responder”:Cícero, “Philippic”,VI.ii.4.PorqueAo faria?Porque, respondeu, “ele

gostatantodedevassidãoemcasaeassassinatosnofórum”.94“paratrocarainimizade”:Apiano,IV.2.95“Lépidoeramotivado”:Floro,II.xvi.6.96“seusmaisleaisamigos”:Dio,XLVII.vi.1.97“Maisnomes”:Apiano,IV.5.98“Acidadeinteiraencheu-sedecorpos”:Dio,XLVII.iii.1.Ascabeçaseramenviadasparareceber

asrecompensasestipuladas,orestodocorpodeixadonaruaparaapodrecer.Sabia-seseapessoaerrada havia sido morta quando o corpo conservava acabeça. Apiano, IV.15. Sobre a esposaengenhosa,Apiano,IV.40.99“orostodevastadodeansiedade”:Plutarco,“Cicero”,XLVII.3.100SobreamortedeCícero:Apiano, IV.19-20;Plutarco, “Cicero”,XLVII;Dio,XLVII.viii;Eusébio,

Chronicles, p.184-3; Lívio, “Fragments”, CXX.154. Sobre a morte de Bruto: Floro, II.xvii.14-15; VP,II.lxx;Apiano,IV.135;DA,XIII;Plutarco,“Brutus”,LII-LIII.101“masseusresultados”:Dio,XLIV.ii.1.102afamadeinvencibilidade:Apiano,V.58.

VI.ÉPRECISOTROCARSEMPREASVELASQUANDOSEQUERCHEGARAOPORTO(P.171-202)

Sobre A, suas mulheres e seus casamentos: o ótimo “Mark Antony: Marriages vs. Careers”, deEleanor Goltz Huzar (Classical Journal 81, n.2, 1985-6, p.97-111); o indispensável Pelling, 1999,assim como Pelling,Plutarch and History: Eighteen Studies (Londres, Duckworth, 2002). Para achegadadeCemTarso:Plutarco,comumapequenaajudadeAteneu.Apianocompletaoquadro,mas semdetalhes; StraboeXenofonte (Anabasis, I.2.23)descrevema cidade. FrançoisePerpillou-Thomas dá uma ideia viva do entretenimento egípcio, “Fêtes d’Egypte ptolémaique et romaine

d’après ladocumentationpapyrologiquegrecque”, StudiaHellenistica31,1993.Paraesteeparaocapítulo seguinte, o retrato de Herodes foi composto primordialmente de Josefo, JA e JW. Parabiogra iasmodernas: Grant, Michael.Herod theGreat. Londres, Weidenfeld, 1971; o excelente TheHerodsofJudaea,deA.H.M.Jones(Oxford,ClarendonPress,1967);Sandmel,Samuel.Herod:Pro ileofaTyrant.Filadélfia,Lippincott,1967.1 “É preciso trocar sempre”: Cícero a Lêntulo Spinter, 20 (I.9), dezembro de 54 a.C. Boissier

(traduçãolivre),1970,p.223.“Imutávelcoerênciadeposiçãonuncafoiconsideradaumavirtudedegrandesestadistas”,explicadoporCícero,justificandosuatrocadecavalos.2“Noentanto,quediferença”:Aristóteles,ThePolitics,II.vi.4-7.3pareciainexplicavelmente:Apiano,IV.129.4“aconhecera”até“poderintelectual”:MA,XXV.5“colocaopicodabeleza”:Pelling,1999,p.186.6“grandecon iança”até“comoseparacaçoar”:MA,XXV.4-XXVI.1.AúltimadatraduçãoML,em

que a Loeb traz“ela desdenhou e riu do homem tanto para desprezar comopara subir o rio”. AquestãoéqueCnão icounemintimidada,nemimpressionadaporA.Hátambémumaexplicaçãomenosestratégicaparaoatraso:oaltosacerdotedoEgitomorreuem14dejulho.Cpodetersidoretidaporresponsabilidadesclericais.7 A travessia do Mediterrâneo: Novamente, reconstruída com a ajuda de Lionel Casson,

entrevista, 26 de janeiro de 2009. Comodiz Casson: “A única conclusão possível é que Cleópatraenfeitouumbarcofluviallocal”,cartaàautora,22demarçode2009.8“elaprópriareclinada”até“pelobemdaÁsia”:MA,XXVI(traduçãoalterada).9 “Demonstrando ter as mesmas buscas”: Flatterer, 51e (tradução alterada). France Le Corsu

questiona,de formanão inteiramente convincente,queCdesembarcouemTarso como Ísis enãocomo Afrodite, “Cléopâtre-Ísis”, in Bulletin de la Société Francaise d’Egyptologie, Paris, 1978, n.82,p.22-33.10“Imediatamente,então,querendo”:MA,XXVI.4.11“umespetáculoraramenteigualado”:Ibid.,XXVI.4(traduçãoML).12Sobrejoias:Thompson,1973,29;O.E.Kaperparaaautora,6demarçode2010.13“quetodosaquelesobjetos”:Ateneu,IV.147f.14“liteirasecarregadores”:Ateneu,148b.15“desafiavaqualquerdescrição”:MA,XXVI.4.16“Reisiammuitasvezes”:Ibid.,XXIV.17“encantoirresistível”até“persuasãodeseudiscurso”:Ibid.,XXVII.18Orgulhosa,enumerou:“Elanãosedesculpou,propriamente,massimapresentouumalistade

tudooquehaviafeitoporeleeporOtaviano”,Apiano,V.8.19“ambicionavasuplantá-la”até“pobrezaerusticidade”:MA,XXVII.20“Percebendoqueohumor”:Ibid.,XXVII(traduçãoML).21“elaqueriagovernar”:Ibid.,X.22“detalformaquenemoSenado”:Dio,XLVIII.iv.1.23“cidadenãopoucoimportante”:Paulo,oapóstolo,emAtosdosapóstolos,21:39.24 Sobre a confusãodeTarso: CássioParmense a Cícero, 419 (XII.13), 13de junhode43 a.C;

Apiano, IV.1xiveV.vii.Diodizqueos tarsanoseramtãodevotadosaCRquemudaramonomedacidadeparaJuliópolis,XLVII.xxvi.2.VejatambémDioCrisóstomo,“The33rdDiscourse”.25“coqueteousada”:JC,XLIX.2.26“Nomomentoemqueaviu”:Apiano,V.8.27 “e no entanto harmonizava”: Plutarco, “Alexander the Great”, XLVII. Ele escrevia sobre o

casamentoútildeAlexandrecomumaprincesabactriana.28 “fez com que ele se apaixonasse”: JA, XIV.324. Whiston, William (tr.), Nashville, Thomas

Nelson,1998).

29“nãosópelaintimidade”:JA,XV.93.30umescravodeseuamor:VejaporexemploFloro,II.XXI.11.31“umamáfamapelaintimidade”:MA,VI.5(traduçãoML).32 Sobre o templo de Ártemis: NH, XXXVI.xxi; Lívio,HistoryofRome, I.XLIV. Plínio fornece uma

boadescriçãodaconstruçãodotemplo.Foitãodi ícilinstalarnolugaravigamestraqueoarquitetopensouemsuicidar-se.33 “Cleópatra havia então assassinado”: JW, I.360 (tradução deWhiston). Também JA, XV.89.

Josefo continua: Tendo assassinado toda a sua família, membro após membro, até não restarparentealgum,C“agoratinhasededosanguedeestranhos”.34 Arsínoe conspirava: Veja Bicknell, P.J. “Caesar, Antony, Cleopatra and Cyprus”, Latomus 36,

1977, p.325-42, para um argumento complexo de que Arsínoe foi reabilitada e instalada comogovernanteptolomaicasecundária,paraconspirarcontrasuairmãdepoisdocortejodetriunfode46.Green(1990,p.669)tambémadotaessateoria.Strabo(14.6.6)chegaacolocarAdandoChipreàsduasirmãs.35“Então,imediatamente”:Apiano,V.9.36“distribuindorecompensas”:AW,p.65.37Anegligenciaosnegócios:Apiano,V.10.38“Eletevedesuportarqueela”:MA,XXVIII.39“nãogovernadosporele”até“umapessoacomum”:Apiano,V.11.40“osesporteseasdiversões”:MA,XXVII.1.41“Osmembros”:Ibid.,XXVIII(traduçãoML).42Ocaosdacozinha:Ateneu,X.420e.43“Osconvidadosnãosãotantos”:Plutarco,MA,XXVIII(traduçãoML).44“Nãoéfácilcriarharmonia”:CíceroaQuinto,1.36(I.1),c.60-59a.C.45 Sobre C como amazona: Pomeroy, 1990, p.20-3; entrevista com Branko van Oppen, 27 de

fevereiro de 2010. Arsínoe III ajudou a reunir o exército ptolomaico, provavelmente a cavalo,Políbio,V.79-80.46“com alguma nova delícia” até “roupa de criada”: MA, XXIX. Há uma explicação alternativa

paraamascarada.É sabidoqueHerodesandavadisfarçadonomeiodopovoparaavaliaroclimapolítico.Elenãoestavasozinhonessaprática.47“Semprefrívolosedisplicentes”:DioCrisóstomo,“The32ndDiscourse”,I.48“humorrústico”até“máscaradacomédiacomeles”:MA,XXIX.49“aquemsuaestada”:Apiano,V.I.11.50“erasempreamansadoporCleópatra”:Plutarco,“DemetriusandAntony”,III.3.51“Deixeavaradepescar”até“reinos,continentes”:MA,XXIX(traduçãoalterada).52 “Pois uma censura assim”: Flatterer, 61b. Shakespeare embalou amesma fórmula de outro

jeito:“Outrasmulheressaciamosapetitesquealimentam,maseladáfomequandomaissatisfaz.”53“Emboraeutenhainvestigado”:Apiano,V.21.54“detalmaneiradominado”:Dio,XLVIII.xxvii.1.55“porterensinadoAntônio”:MA,X.56“preferiamorrer”:Apiano,V.55.57“seaItáliapermanecesseempaz”:Ibid.,V.19.58“porqueestavazangadacomAntônio”:Ibid.,V.59.59“asuapaixãoporCleópatra”:Dio,XLVIII.xxviii.3.60“aomenosumavirago”:Balsdon,1962,p.49.61“agoralivresdainterferênciadeumamulher”:Apiano,V.59.TambémDio,XLVIII.xxviii.3-4.62“umgrandeepoderosogrito”até“pescoçodosoutrosaoafundar”:Dio,XLVIII.xxxvii.2.63“osnaviosestavamancorados”:Apiano,V.73.

64“Umamaravilhademulher”até“suacompletasalvação”:MA,XXXI.Tácito(Annals,I.X)sugerequeocasamentodeAcomOtáviafoiumaarmadilhadesdeocomeço.65 alvo de fofocas: Boccaccio. Concerning Famous Women. New Brunswick, Rutgers University

Press,1963,p.192.66“imediatamentelouvadosaoscéus”até“agradaraosdeuses”:Apiano,V.74.67OtavianoresgatadoporA:Apiano,V.67-8.68“meninoimprudente”:Ibid.,III.43(traduçãoLoeb).69“secomportavacomesportividadedemais”:DA,LXXI.TraduçãodeEveritt,2003,p.265.70“gênioguardião”até“aquelejovemeele”:MA,XXXIII.TambémFlatterer,“TheFortuneofthe

Romans”, 319-320. C está ausente do relatoMoralia, no qual Plutarco faz o videnteamigo de A,“sempre pronto a falar livremente com ele e adverti-lo”. Avaliando que A tinha mais idade,experiência,renomeeexército,oastrólogoamadordáaAomesmoconselhoemrelaçãoaOtaviano:“Evite-o!” Para Neal (1975, p.102), tratava-se de uma alerta velado contra romper abertamentecom Otaviano. C preferia que A conquistasse sua fama no Oriente, o que tornaria evidente anecessidadedeumconflito.71“ládentroficoucomseusamigos”até“pendiamdostetos”:Ateneu,IV.148c.72“quasetudo”até“contraospartos”:Dio,XLVIII.liv.7.73“adormecidopormelhoresconsiderações”:MA,XXXVI.Escrevendoumahistóriamoralizadora,

Plutarco se propusera a demonstrar “que grandes naturezas exibem grandes vícios, assim comograndesvirtudes”,“Demetrius”,I.74 Sobre asmoedas:Walker e Higgs, 2001, p.237; JonathanWilliams, “Imperial Style and the

CoinsofCleopatraandMarkAntony”,inWalkereAshton,2003,p.88;Brett,AgnesBaldwin.“ANewCleopatra Tetradrachm of Ascalon”, American Journal of Archaeology 41, n.3, 1937, p.461. Comoobserva Theodore V. Buttrey (“Thea Neotera: On Coins of Antony and Cleopatra”, AmericanNumismatic Society Notes 6, 1954, p.95-109), os casais ptolomaicos nunca aparecem em ladosopostosdeumamoeda.

VII.UMALVODEFOFOCASPARATODOOMUNDO(P.203-236)

Para o melhor guia sobre a composição barroca do Oriente e sua colorida parada de dinastias:Sullivan,1990.SobreapolíticaorientaldeA:Zwaenepoel,Albert.“Lapolitiqueorientaled’Antoine”,EtudesClassiques 18:1, 1950, p.3-15; Craven, Lucile.Antony’s Oriental Policy Until the Defeat of theParthianExpedition.Columbia,UniversityofMissouri,1920;Neal,1975;Sherwin-White,A.N.RomanForeignPolicy intheEast Londres,Duckworth,1984.Assimcomonocapítuloanterior,o retratodeHerodesfoitraçadoapartirdocoloridorelatodeJosefo.SobreAntióquia:Norman,A.F.(ed.). Antiochas a Centre ofHellenic Culture as Observed by Libanius . Liverpool, Liverpool University Press, 2000;LibânioeCícero.SobreostítuloseherançadeC:“CléopâtreVIIPhilopatris”, Chroniqued’Egypte74,1999, p.118-23. Para as Dotações: Meiklejohn, K.W. “Alexander Helios and Caesarion”, Journal ofRomanStudies24,1934,p.191-5.Sobre Otaviano:Bowersock, G.W.Augustus and the GreekWorld. Oxford, Clarendon Press, 1965;

Everitt, 2006; Raa laub Kurt A. e Mark Toher (eds.). Between Republic and Empire. Berkeley,UniversityofCaliforniaPress,1990.1“Amaiorconquista”:Tucídides.HistoryofthePeloponnesianWar,II.xlv.Markson,David(tr.). The

LastNovel . Berkeley, Shoemaker andHoard, 2007, p.107.MarksonobservaqueTucídides faz umgrandefavoràsmulheresaonãomencionarnenhuma.2“seesgueirado”:Strabo,16.2.46.3OincansávelHerodes:JW,I.238-40,429-30;aescapadamiraculosa:JW,I.282-4,331-4,340-1,

entreoutros;incríveltalento:JA,XV.5;confirmaçãodoSenado:JW,I.282-85;AJ,XIV.386-7.4“famíliasnobres”:MA,XXXVI.

5“oschinelosdeseupredecessor”:Everitt,2006,p.148.6“reinoseilhas”:Shakespeare,AntonyandCleopatra,V.2.111-13.7“AgrandezadoImpérioRomano”:MA,XXXVI.8“umexércitomaisconspícuo”:Ibid.,XLIII.9“todaaÁsiaestremecer”:Ibid.,XXXVII.10“nobrezadesuafamília”:Ibid.,XLIII(traduçãoML).11ninguémnomundomediterrâneo:EntrevistacomCasson,11dejunhode2009.Straboreduz

opresenteamadeiradecarvalho,14.5.3.12CensuradePlutarco:MA,XXXVI.13décimosextoanodereinado:Pelasnossascontasseriamquinzeanos;osantigosnãotinham

zero.14“Parece-me”:Bingen,1999,p.120.15atémesmoPlutarconãopodiaquali icar:Plutarco,“DemetriusandAntony”,I.2.Elerechaçou

ocasamentodeAcomC,“emboraelafosseumamulherquesuperavaempodertodasasrealezasdeseutempo”excetoapenas,comopensavaPlutarco,oreiparto.16LigaçãodeAcommulheres:Apiano,V.76.Dio,XLVIII.xxiv.2-3põeAcomacabeçaviradaporC.17SobreJericó:Strabo,16.1.15;Justin,36.iii.1-7;Floro,I.xl.29-30;JW,I.138-9;JW,IV.451-75;HN,

XII.111-24; Diodoro, II.xlviii; JW, I.138-9. Sobre incenso, bálsamo, betume e seus usos: Lucas, A.AncientEgyptianMaterialsandIndustries.Londres,EdwardArnold,1962.18“reideumdeserto”:JA,XIV.484;tambémJW,I.355.19“nãoseriaseguro”:JA,XV.107.Josefoatribuiaindaa CamortedeMalco,assimcomoumrei

sírio,JW,I.440.20“Dessejeitolivraria”:Ibid.,XV.99-100.21“armaraumaciladatraiçoeira”:Ibid.,XV.98(traduçãoWhiston).22“porqueestava,pornatureza”até“escravadesualuxúria”:Ibid.,XV.97.23“oamordeleseinflamaria”:Ibid.,XV.101.24“contraumamulher”:Ibid.,XV.101(traduçãoWhiston).25“parafazerapessoasentir”:Aristeas,TheLetterofAristeas,99.VejatambémJW,V.231;Philo,

“OntheMigrationofAbraham”,p.102-5paraavestedoaltosacerdote.26“filhosdealgumdeus”até“lheserianegado”:JA,XV.26-7.27“paraserusadocompropósitoseróticos”:Ibid.,XV.29.28“emescravidãoemedo”até“ajudapossível”:Ibid.,XV.45-6.29“écertoasmulheres”:de“Helen”,inEurípidesII,1969,p.325.30“ódioporele”:JW,I.437.31piscinadopalácio:Nielsen,1999,sobreospaláciosdeHerodes.TambémJA,XV.54-5.32“queHerodes,nomeado”:JA,XV.63.33“eraimprópriosolicitar”até“durasacusaçõesdeCleópatra”:Ibid.,XV.76-7.34“mulherperversa”:Ibid.,XV.91.35“asmulheresparecemter”:“ThePhoenicianWomen”,inGrene,DavideRichmondLattimore

(eds.). Eurípides.V: Electra, The Phoenician Women, The Bacchae . Tradução de Elizabeth Wyckoff.Chicago,UniversityofChicagoPress,1959,p.200.36Masadafortificada:JW,VII.300-1.37“oouvidosempreprontoparaamaledicência”:Ibid.,I.534.38“atingiu-ocomoumraio”até“masdavida”:Ibid.,I.440.39AinteligênciadeC:SegundoCícero,umacartalevava47diasparairdaCapadóciaparaRoma.40denáriosdeprata:AndrewMeadowsparaaautora,24demaiode2010.41“nãoexisteoutroremédio”:Em“TheBacchae”,inEuripidesV,282-3.

42“umaabundânciaderoupas”:MA,LI.OrumorincômodoaparecetantoemPlutarcocomoemDio,XLIX.xxxi.1.43“umdesertodevassadoedesolado”:Plutarco,“Crassus”,XXII.4.Sobreoestadolastimáveldos

homensdeA,Floro,II.xx.44“Tãoansiosoestavaele”:MA,XXXVII;Lívio,“Summaries”,130.45“sepreocupavacomasdificuldades”:MA,XLIII.46“nemcensurouasuatraição”:Ibid.,L.47“recorreuaummantoescuro”:Ibid.,XLIV.48“porumaextraordináriaperversão”:Floro,II.xx.VejatambémVP,II.lxxxii,eDio,XLIX.32.49“Nememjuventudenemembeleza”:MA,LVII.50“suacompanhiaagradável”até“evivercomele”:Ibid.,LIII.51“esgotandoaprópriavida”:Flatterer,61b.52“contantoquepudessevê-lo”:MA,LIII.ParaoefeitodeCmesmosobreosparceirosdeA,Dio,

L.v.3.53umalegresubordinado:Dio,XLVIII.xxvii.2.54“nãopercebia”:Flatterer,61b.55“eraumainfâmia”:MA,LIV.56“àpaixãoeaofeitiço”:Dio,XLIX.xxxiv.1.Para“certasdrogas”:MA,XXVII.57“Emseuempenhodesevingar”:Dio,XLIX.xxxix.2.58 Sobre Artavasdes: Dio, XLIX.xxxx.1-3; VP, II. 82.4;MA, L.6; Plutarco, “Crassus”, XXXIII; Lívio,

“Summaries”,131.Sobreotriunfoquenãofoiumtriunfo,vejaBeard,2007,p.266-9.59 C em seu traje de Ísis: Ashton, 2008, p.138-9; Walle, Baudoin Van de. “La Cléopâtre de

Mariemont”, Chronique d’Egypte, 24, 1949, p.28-9; entrevista com Branko van Oppen, 28 defevereirode2010.60AvestidodeDionísio:VP,II.lxxxii.4.61moedascunhadasparaaocasião:Buttrey,1954,p.95-109.62 “as duas pessoas mais magní icas”: Macurdy, 1932, p.205. Bevan (1968, p.377) é quem

melhordescreveaidadedeourodeC:pelasegundaveznumadécada,ela“seviaaumadistânciaponderáveldesetornarimperatrizdomundo”.63OsjudeuseogovernodeC:VejaTarn,W.W.“AlexanderHeliosandtheGoldenAge”,Journalof

RomanStudies 22, II, 1932, p.142. Sobre os judeus em geral na época de Cleópatra: Tcherikover,Victor.HellenisticCivilizationandtheJews.Peabody,Hendrickson,1999.64ocupadoportrásdopano:Dio,XLIX.xli.6.65“teatralearrogante”:MA,LIV.3.66“umafarradionisíaca”:Huzar,1985-6,p.108.

VIII.RELAÇÕESILÍCITASEFILHOSASTARDOS(P.237-276)

Sobre a guerra de propaganda:Dio, Plutarco, Suetônio. Entre outros estudos de provas aindaexistentes: Charlesworth, M.P. “Some Fragments of the Propaganda of Mark Antony”, ClassicalQuarterly27,n.3-4,1933,p.172-7;Geiger, Joseph.“AnOverlookedItemoftheWarofPropagandabetween Octavian and Antony”, Historia 29, 1980, p.112-4; e Scott, Kenneth. “The PoliticalPropaganda of 44-30 BC”,Memoirs of the American Academy in Rome XI , 1933, p.7-49. NinguémentendeuabatalhadeÁcio,masJohnCartereWilliamMurraychegaramperto.Vejaaminuciosaeengenhosa reconstrução dos fatos feita por Murray em “Octavian’s Campsite Memorial for theActiumWar”(inMurray,WilliamM.ePhotiosM.Petsas.Transactionsof theAmericanPhilosophicalSociety 79, n.4, 1989, p.1-172); e Carter, 1970; também as notas de Carter sobre o con lito in

Cassius Dio: The RomanHistory (Nova York, Penguin, 1987, p.266). Sobre a batalha, os ventos, olocal: entrevistas com William Murray, 14 de outubro de 2009, e 3 de março de 2010. Vejatambém:Tarn,W.W. “TheBattle ofActium”, JournalofRomanStudies 21, 1931, p.173-99; Casson,1991. Sobre ND: Plutarco,TableTalk , VIII.iv.723; Bowersock, 1965, p.124-5, 134-8 e 335; Toher,Mark.“TheTerminalDateofNicolaus’sUniversalHistory”, AncientHistoryBulletin1.6,1987,p.135-8. Angelos Chaniotis é muito bom a respeito de mulheres e guerra,War in the Hellenistic World(Oxford,Blackwell,2005,p.110s).Para a temporada grega: o trabalho de Christian Habicht, principalmente “Athens and the

Ptolemies”, Classical Antiquity 11, n.1, abril de 1992, p.68-90. Sêneca,Suasoriae, 1.7, mencionazombariascontraAemAtenas.1“Relaçõesilícitas”:Lucano,X.76.Jones(tr.),2006,p.66.2“Porquefalarémau”:Hesíodo,WorksandDays,760.VejatambémAquilesTácio,VI.10;Virgílio,

Aeneid, IV.240-265: “A calúnia émais cortante que qualquer espada,mais forte que o fogo,maispersuasiva que uma sereia; rumores são mais escorregadios do que água, mas correm maisdepressaqueovento,voammaisdepressaquequalquerpássaroalado.”3“aabundânciaqueflui”:Teócrito,Idyll17(traduçãoalterada).4“galerias,bibliotecas”:Filo,“OntheEmbassytoGaius”,151.Forster(tr.),2004,p.133.5“seaquelereinoencontrar”:Diodoro,XXXIII.28b.3.6 o tipo de homem em que se podia con iar: JA, XVII.99-100. Também em ND, Plutarco, Table

Talk,VIII.iv.723.7imitaçãodeninfadomar:VP,II.lxxxiii.8“Tudoissoeudou”:MA,XXVIII.9Ainscriçãodebasalto:VejaP.M.Fraser,“MarkAntonyinAlexandria:ANote”, JournalofRoman

Studies47:1-2,1957,p.71-3.10Osguarda-costasromanos:Dio,L.v.1.11 A isenção de impostos:Minnen, Peter van. “An Of icial Act of Cleopatra”, AncientSociety 30,

2000, p.29-34; van Minnen. “Further Thoughts on the Cleopatra Papyrus”, Archiv fürPapyrusforschung 47, 2001, p.74-80; van Minnen. “A Royal Ordinance of Cleopatra and RelatedDocuments”,WalkereAshton,2003,p.35-42.12“sófaziacomquevoltassem”:Ibid.,p.79.13“juntava-seaelenaadministração”:Dio,L.v.1-2.14NumerososdeslizesdeA:Dio,XLVI.x.3.15“boasrelações”:MA,XXXII.16“umverdadeirofraco”:Dio,L.xviii.3.17SegundoSuetônio:DA,LXIX.DizemqueSejano fezamesmacoisamuitomais tarde, “poisao

manter relações ilícitas com as esposas de quase todos os homens distintos, ele descobria o queseusmaridosestavamdizendoefazendo”,Dio,LVIII.3.18“ariquezainvejosa”até“glóriaestávelesólida”:Cícero,“Philippic”,V,xviii.50.19“aventurasamorosas”:DA,LXIX.TomeiemprestadaatraduçãosaborosadeAndrewMeadows

deWalkereHiggs,2001,p.29.20“comendoarainha”até“comquemsecruza”:Dio,LI.viii.2.21SobreÉfeso:Hopkins.AWorldFullofGods .NovaYork,Plume,2001,p.200-5.Strabo,14.1.24;

NH, V.xxxi.15. Craven, 1920, p.22, indica que Éfeso era o posto do procônsul romano na Ásia; osregistrospúblicoseotesouroestavamlá.EraumdestinodenegócioslógicoparaA.22“Pormeiodecertosdocumentos”:Dio,L.ii.6.23“partisseparaoEgito”:MA,LVI.24Adquirirumimpériocomdinheiro:Plutarco,“AemiliusPaulus”,XII.9.25“erainferioreminteligência”até“grandesnegócios”:MA,LVI.26“umaturbadeartistasasiáticos”:MA,XXIV.

27“Eenquantoquasetodoomundo”até“divertimentosepresentes”:Ibid.,LVI.28 A como Dionísio: Sobre a força das mitologias, veja H. Jeanmarie, “La politique religieuse

d’AntoineetdeCléopâtre”,RevueArchéologique19,1924,p.241-61.29InstalaçãodeestátuasemAtenas:Nepos,XXVAtticus,1ii.2.30Aestatuariaptolomaica:Pausânias,1.8.9;Habicht,1992,85.NH,34,37.31“pormeiodemuitosesplêndidospresentes”:MA,LVII.32 A biblioteca de Pérgamo: Veja Casson, 2001, p.48-50. Casson sugeriu que essa era uma

maneiraespertadeescapardeumencargo inanceiro.NãohaviarealnecessidadedabibliotecadePérgamo,jáemmãosdosromanoshaviaumséculo.33“Muitasvezes,enquantoeleestavasentado”:MA,LVIII.34“libertinagensescritas”:Plutarco,“Brutus”,V;“CatotheYounger”,XXIV.35“saltoudeseutribunal”:MA,LVIII.36beijarsuaesposaempúblico:Plutarco,“MarcusCato”,XVII.7.37“cumprindoalgumacordo”:MA,LVIII.38oqueeunucosfaziam:Dio,L.xxv.2;Horácio,Epodes,IX.39Odivórcio:Nealéespecialmentelúcidosobreoassunto,1975,p.110.40“quetinhaatéentãovelado”:Pompeu,LIII.41 “exigiamuma cabeça sóbria” até “grosserias”:MA, LIX. Para os tormentos de Gemíneo, veja

Pompeu,II.42“Atraição,”seriadito:VP, II.lxxxiii.ParaadeserçãovejatambémDio,L.iii.2-3;paraocoração

fracodeDélio,Apiano,V.50,55,144.43 O testamento de A: Ou Dio errou na cronologia, ou nós todos erramos: ele parece sugerir

(L.xx.7)queOtavianoprocurouotestamentoaomenosumanoantesdasDotações,oquemudariainteiramenteoaspectodessacerimônia.44“fossetransportadopeloFórum”:MA,LVIII.45“favosdefrases”:Petronius,Satyricon,I.46Orienteesexo:Sobrea“quaseuniformeassociaçãoentreoOrienteesexo”,suas“promessas

(e ameaças) sexuais, incansável sensualidade, ilimitado desejo, profunda energia degenerativa”,veja:Said,EdwardW. Orientalism.NovaYork,Vintage,1994,p.188;eFlatterer,56e.ParaFlaubertemmeadosdoséculoXIX,ocortesãodeantigamenteera “aenvolvente,estranguladoravíboradoNilo”.47“Emsuamãohaviaumcetrodeouro”:Floro,II.xxi.11.48“enfeitiçadoporessamulheramaldiçoada”:Dio,L.xxvi.5.49“Então,comoseuamorporCleópatra”:VP,II.lxxxii.50“derreteeemascula”:MA,LIII(traduçãoML).51 “um escravo de seu amor”: Floro, II.xxi. 11; “ele nem pensava”: Dio, XLVIII.xxiii.2; “não era

senhornemdesimesmo”:MA,LX.PlutarcosobreÔnfale,“DemetriusandAntony”,III.3.52“Amulheregípciaexigiu”:Floro,II.xxi.11.53“Porterencantado”:Dio,L.v.4.54Circulavamnotícias:StraboacusaAdesaquearparaCamelhorartequepodiaencontrarnos

templosdeSamoseemoutraspartes,13.1.30,14.1.14;tambémNH,XXXIV8.19.58.55“tinhaodesejofeminino”:Eutropius,VII.7.56 “que asmaiores guerras”:Ateneu, XIII.560b. Ele acrescenta que asmulheres egípcias eram

famosasporserem“muitomaisamorosasqueoutrasmulheres”.57“Umamulher,nemmesmoromana”:Lucano,X.67.58 Sebre a declaração de guerra: Lívio, 1.32.5-14. Sobre o procedimento tradicional: Reinhold,

Meyer. “The Declaration of War against Cleopatra”, Classical Journal 77, n.2, 1981-2, p.97-103;Ogilvie, R.M.A Commentary on Livy, Books 1-5. Oxford, Clarendon Press, 1978, p.127-8; e

Wiedemann,Thomas.“TheFetiales:AReconsideration”, ClassicalQuarterly36,n.2,1986,p.478-90.WiedemannéquemespeculaseOtavianoinventouorito.59“tervoluntariamente”:Dio,L.vi.1.60“Oqueelepretende,então”:Ibid.,L.xxi.3.61“estejaemguerracomigo”:Ibid.,L.xxi.1.62“Porquejulgo”até“emitidoscontraela”:Ibid.,L.xxvi.3.63“comoumtodosuplantava”:Ibid.,L.vi.2-3.64“elequeriamaisumareputação”:Floro,I.xlv.19.65“espionareincomodar”:Dio,L.xi.1.66AsestátuasdaAcrópole:Ibid.,L.viii.1-5,L.xv.3.67“AveCésar”:Macróbio,Saturnalia,2.4.29.68“desejavaserogovernante”:Nepos,“Atticus”,XX.4.69OstatusdeAnoEgito:Nogeral,ascategoriaserammais luidasnoEgito,ondeAlexandre,o

Grande, poderia ter se tornado faraó, uma mulher podia reinar como rainha e as divindadestendiamaacompanhartudo.Romapreferiadistinçõesclaras.Nãoéporacasoqueolatimé“muitomenoshospitaleirodoqueogregoparacomporpalavraseneologismos”(Rawson,2001,p.232).70UmdosgrandesclassicistasdoséculoXX:Tarn(eCharlesworth),1965,p.96-7.71“nósquesomosromanos”:Dio,L.xxiv.3.72 “pois é impossível”: Ibid., L.xxvii.4. Ele podia estar citandoCícero, queprotestava contraum

homem “debochado, insolente, efeminado, nunca sóbrio mesmo quando temeroso”, “Philippic”,III.v.12.73numadisputadessas:Dio,L.xxviii.6.74“dessapestedemulher”:Dio,L.xxiv.5(traduçãoPenguin).75“aconquistaregovernar”até“igualaumhomem”:Ibid.,L.xxviii.3-4.76“OquehádehorrívelemCésar”:MA,LXII.77infinitamentemaisadequadacomolocaldecombate:Dio,L.xii.8.78OcoloridodoacampamentoemÁcio:Paraaroupadosmedos:Plutarco,“Paulus”,XVIIIeXXX-

XXXII;omantomilitarptolomaicovemde:Ateneu,V.196f.SegundoSalústio,oexércitoarmênioerafamoso por sua fabulosa armadura. As armas decoradas: Mayor, 2010, p.11-12, 206; Walker eHiggs,2001,p.264.Plutarcodáamesmadescriçãodeumcampomilitaremsuabiogra iadeBruto;Josefo evoca vividamente a sua precisão in JW, III.77-102. Há certa discordância quanto às velaspúrpuradoAntonia,apesardeNH,XIX.V,edaconvicçãodeCassonarespeito,entrevistade26dejaneirode2009.WilliamMurrayacreditaqueelaspodemserum loreio literário;entrevistade3demarçode2010.Dequalquerforma,onavioteriasidomagnificamenteconstruído.79conselhobemconhecido:JW,I.389-90.80“SuaAltezameperdoe”:Fraser,Antonia.TheWarriorQueens.NovaYork,Knopf,1989,p.190.81OficiaisdeAarespeitodeC:Suetônio,“Nero”,III;Apiano,IV.38.82EnobarboeAemPártia:MA,XL.83 comendopão amanhecido: Plutarco, “CaiusMarius”, VII. Ele falava tambémde dormir num

simplescatre,coisaqueAcertamentenãofaziacomCnoacampamento.84“osouvidosdelepareciam”:JW,I.390.85“desrespeitadosporCleópatra”:MA,LVIII.86“Atarefaprincipaldeumbomgeneral”:Plutarco,“AgesilausandPompey”,IV.87DesconfiançadeAemrelaçãoaC:NH,21.12.88AdeserçãodeDélio:VP,II.lxxxiv;Dio,L.xiii.8.89cometeraumgraveerro:Pompeu,LXXVI;Apiano,II.71.Oresultadofoiterrível,JC,XLV.90“Escolhicomeçar”:Dio,L.xix.5.91“Porqueécaracterísticanatural”:Ibid.,L.iii.2-3.

92“emmiseráveistroncos”até“vencemosnossoinimigooumorremos”:MA,LXIV.93“maisdotado”:Ibid.,XL.94“Como,portanto,elesadmitem”:Dio,L.xxx.3-4.95DiosugerequeAfugiu:Ibid.,L.xxxiii.3-4.96“ele foiatéaproaesentousozinho”até “comeredormir juntos”:MA,LXVII.É inteiramente

possívelquePlutarcotenhainventadoomauhumorouotenhaintroduzidoprematuramente.Podeser também que tenha sido encaixado posteriormente à história, junto com a traição de C. VejatambémVP,II.lxxxv.97apúrpuraeaslantejoulas:Floro,II.xxi.98arranjosflorais:Dio,LI.v.4.99adimensãodesuavitória:Murray,1989,142,a irmaconvincentementequeantesedepois

de Ácio, Otaviano capturou cerca de 350 navios, inclusive vários tão grandes quanto a naucapitânia.

IX.AMULHERMAISPERVERSADAHISTÓRIA(P.277-320)

Para os últimos dias de C contamos quase exclusivamente comDio e Plutarco; Eusébio, Eutrópio,Horácio, Suetônio e Veleio dão pequenas contribuições. Sobre a abordagem de Plutarco para amorte de C: Pelling, 2002, p.106s, é especialmente preciso. Veja também: Grif iths, J. Gwyn. “TheDeath of Cleopatra VII”, Journal of Egyptian Archeology n.47, dezembro de 1961, p.113-8; Grisé,Yolande.Le suicide dans la Rome antique. Montreal, Bellarmin, 1982; Jarcho, Saul. “TheCorrespondence of Morgagni and Lancisi on the Death of Cleopatra”, Bulletin of the History ofMedicine 43, n.4, 1969, p.299-325; Johnson, W.R. “A Queen, A Great Queen? Cleopatra and thePolitics of Misrepresentation”, Arion VI, n.3, 1967, p.387-402; Marasco, Gabriele. “Cleopatra e gliesperimenti su cavie umane”,Historia 44, 1995, p.317-25. Sbordone, Francesco. “La morte diCleopatra nei medici greci”, Rivista Indo-Greco-Italica 14, 1930, p.1-20; T.C. Skeat faz umaengenhosacronologiado imdeC,“TheLastDaysofCleopatra”, JournalofRomanStudies13,1953,p.98-100;Tarn,1931.SobreodestinodosfilhosdeC:Meiklejohn,1934.ParaumrelatomatizadodotriunfoedasconsequênciasdeÁcio:Gurval,RobertAlan.Actiumand

Augustus:ThePoliticsandEmotionsofCivilWar.AnnArbor,UniversityofMichiganPress,1998.Para a imagem persistente e cambiante de C, ou como ela entrou para a mitologia moderna:

Hamer,Mary.SignsofCleopatra.Londres,Routledge,1993;Hughes-Hallett,Lucy.Cleopatra:Histories,DreamsandDistortions.NovaYork,Harper&Row,1990;Woodall,Richardine G.NotKnowMeYet?TheMetamorphosisofCleopatra.Tesededoutorado,YorkUniversity,2004;Wyke,2002,p.195-320.1 “A mulher mais perversa”: DeMille, Cecil B. apud Lovric, Michelle. Cleopatra’s Face. Londres,

BritishMuseumPress,2001,p.83.2 “Eu era igual aos deuses”: Eurípides, “Hekabe”, in Grief Lessons: Four Plays by Euripides.

TraduçãodeAnneCarson.NovaYork,NewYorkReviewofBooks,2006,p.371-2.3Oinfortúnio,dizoditado:Eurípides,“Heracles”,inEuripidesII,560.4Elanãoousavaobservá-los:Dio,LI.v.5.5 “um mui ousado e maravilhoso empenho” até “guerra e da escravidão”: Plutarco, LXIX

(traduçãoML). Para umavisão intrigante dosplanosdeA e C pós-Ácio, veja:Nicolet, Claude. “OùAntoineetCléopâtrevoulaient-ilsaller?”,Semitica39,1990,p.63-6.6Umamonstruosidadedebarco:Ateneu,V.203e-204d.7Osnabateus:StraboexpandeseuterritóriodosuldoJordãoàcabeçadogolfodeEilat,16.4.21-

6.8 “cadapedacinhode suaalma”: JA,XV.190.Também,emboramenosdramático, JW, I.388-94.

Herodes aconchegando-se a Otaviano parecemais nobre em retrospecto: “E quando os romanos

declararamguerraatodososmonarcasdomundo,apenasnossosreis,emrazãodesua idelidade,permaneceramseusaliadoseamigos”,explicaJosefo,AgainstApion,II,134.9 “o novo Aníbal”: Sobre Sertório, Pompeu, XVII-XIX; Plutarco, “Cato the Younger”, LIX; Dio,

LI.viii.6.10“semterconseguidonada”:Dio,LI.v.6.11assassinatodeOtaviano:Ibid.,LI.vi.4.12CabanamodestadeA:Strabo,17.1.9.13“porqueeleprópriohaviasidoinjustiçado”:MA,LXIX.14Diointroduzumanotaamarga:Dio,LI.vii.2-3.15“emtalmomento,nãoháuso”:Flatterer,69a.16“coragemirresistível”:Apiano,IV.112.17“pôsacidadeinteira”:MA,LXXI(traduçãoML).18“continuaralutar”:Dio,LI.vi.1.19Cesáriofoisaudadocomofaraó:WalkereHiggs,2001,175.20“porqueesperavaquemesmo”:Dio,LI.vi.6.21“aventurasamorosas”até“fossesalva”:Ibid.,LI.viii.2-3.22mantinhamseussoldadossobcontrole:Ibid.,LI.iii.4.23“umamulherqueeraaltiva”:MA,LXXIII.24 “achava seu dever”:Dio, LI.viii.7. À lista de conquistas romanas de C, Plutarco inesperada e

ilogicamenteacrescentaPompeu,MA,XXV.4.25“pendurá-lo”:MA,LXXII.26“adequadoasuafortunaarruinada”até“esaíramricos”:Ibid.,LXXIII(traduçãoML).27“esplendor,luxoesuntuosidade”:Ibid.,LXXI(traduçãoML).28“muitoimponente”:Ibid.,LXXIV.29“queAntônioeCleópatraficaramsabendo”:Dio,LI.v.2.30“reinoerareprimidodemais”easboas-vindas:JW,I.394-6.VejatambémJA,XV.199-202.31“estranhaeloucavida”:Macurdy,1932,221.32RelatodapropinadeC:MA,LXXIV.33OtavianotomaPelúsio:Dio,LI.ix.5.34“esperavaconquistar”:Ibid.,LI.ix.6.35“Então,exaltadoporsuavitória”:MA,LXXIV.36“umamúmiaeumnada”:Ibid.,LXXV.37“queCleópatraotinhatraído”:Ibid.,LXXVI(traduçãoalterada).38 Em pânico, a cidade: Orosius, Paulus.The Seven Books of History Against the Pagans .

Washington,CatholicUniversityofAmericaPress,1964,p.274.39“masemsuapaixão”:Dio,LI.x.5-6;Lívio,133.30;MA,LXXVI.40“Ah,Cleópatra”:MA,LXXVI(traduçãoalterada).41“Nunca”até“apressarofim”:Ibid.,LXXVII.42 Sobre Caio Proculeio: Antônio pode não ter se equivocado inteiramente a respeito dele;

Proculeio demonstrava uma notável generosidade com seus irmãos (Horácio, Ode 2.2). Tácito(Annals, IV.40)tambématestaoseucaráter; Juvenal(SatireVII.94)menciona-ocomopatronodasartes.43“umhomemquehaviasidoseuparente”até“arrogantenasrespostas”:MA,LXXVIII.44CartasdeAqueimadas:Dio,LII.xlii.8.45“acrescentarmuitoàglória”:MA,LXXVIII.46“masnãoqueriadar”:Dio,LI.xi.3.47“InfelizCleópatra”até“confortoeprazer”:MA,LXXIX(traduçãoretrabalhada).

48“afimdequeelapudessealimentar”:Dio,LI.xi.5.49maciçasmuralhasdoCesareum:Goudchauxestimaquedeviamterentre2,5e3,5metrosde

espessura(“Cleopatra’sSubtleReligiousStrategy”,inWalkereHiggs,2001,p.136).50 Mais sobre as lamentações rituais: Ruiter, Branko Fredde van Oppen de.The Religious

Identi ication of PtolemaicQueenswithAphrodite,Demeter,Hathor and Ísis . Tese de doutorado, TheCityUniversityofNewYork,2007,p.274-370.51“demaneirasuntuosaereal”até“relativosaseusfilhos”:MA,LXXXII.52“amaisricaemaior”:Orosius,1964,p.274.53“infligirnenhumdanoirreparável”:Dio,LI.xvi.3-4.54“Ocabeloeorosto”:MA,LXXXIII.55“combinamaravilhosamentecomela”:Dio,LI.xii.1.56“porquevaliabemapenaserolhado”:ND,5.57“Vivertantotempocommedo”:CíceroaÁtico,206(X.14),8demaiode49a.C.58“elalamentavaebeijava”até“mesmonoHades”:Dio,LI.xii.3-7.59“ànecessidadeeaomedodeAntônio”:MA,LXXXIII.60 atirando-se vigorosamente a todos os tipos de pés: Dio a coloca atirando-se aos joelhos de

Otaviano,masFloroa irmaamesmacoisaem48a.C.,nachegadadeCR, II.13.56,edenovonadeOtaviano,II.21.9.61“oencantopeloqualerafamosa”:MA,LXXXIII.62“timbresmusicais”e“tonsmelífluos”:Dio,LI.xii.4.63 “roubar e esconder” até “mais misericórdia e bondade?”: MA, LXXXIII (tradução

retrabalhada).64“piordoquemilmortes”:Dio,LI.xiii.2.65“tratamentomaisesplêndido”até“enganadoporela”:MA,LXXXIII.66“umacertaternura”até“separadadevocê”: Ibid.,LXXXIV(traduçãoretrabalhada).Cornélio

Dolabela pode ter sido ilho de P. Cornélio Dolabela, um quase aliado de C em 44-43 a.C.,ProsopographiaImperiiRomani,2.ed.67“Omale ício”:MA,LXXXV.Paramaissobreaáspide:Nicander. PoemsandPoeticalFragments .

Cambridge,CambridgeUniversityPress,1953.68“seutrajemaisbelo”:Dio,LI.xiii.5.Descriçõesdodivãedosemblemasreais,O.E.Kaperparaa

autora,18demarçode2010.Ocetroeflagelo,entrevistacomRogerBagnall,3demaiode2010.69“Belaatitude”até“tantosreis”:MA,LXXXV.70“Ovalordodesafortunado”:Plutarco, “AemiliusPaulus”,XXVI.12.Conforme foiditodamãe

deAlexandre,oGrande(outrasuicida),agrandezadofilhopodeserlidanamortedamãe.71Sobreopsilo:Lucano,IX.920-38;NH,VII.ii.13-5.TambémPlutarco,“CatotheYounger”,LVI.3-

4;Dio,LI.xiv.4.72NemmesmoStrabo:Strabo,17.1.10.73“Averdadeninguémsabe”:MA,LXXXVI.74“serpentesdedentesafiados”:Horácio,OdeI.37.75“Cleópatraenganouavigilância”:VP,II.lxxxvii(traduçãoretrabalhada).76tantoadatacomoahora:DA,L.77Emvezdisso,gabou-se:AA,4.78“irritadocomamorte”até“espíritoaltivo”:MA,LXXXVI.79“excessivamenteincomodado”:Dio,LI.xiv.6.80“Mulhernadacovarde”:Horácio,OdeI.37(TraduçãodeLouisE.Lord).81“comesplendoremagnificênciareais”:MA,LXXXVI(traduçãodaModernLibrary).82estátuasdeIraseChamion:Lindsay,1998,p.337.83OscrocodilosdeCleópatraSelene:NH,5.51.

84AssassinatodePtololomeu:Suetônio,“Caligula”,XXXV;Dio,LIX.25.Paraumrelatointrincadoeespeculativosobreamorte, Jean-ClaudeFaur, “Caligulaet laMaurétanie:La indePtolémée”, Klio55,1973,p.249-71.85AmortedosparceirosdeA:Orosio,1964,p.274.86oassuntododiaemAlexandria:Hölbl,2001,p.249.87OtavianoeamúmiadeAlexandre:DA,XVIII;Dio,LI.xvi.5.88“oterrorcomum”:AdedicaçãodeGalode15deabrilde29apudSherk,RobertK.Romeand

theGreekEasttotheDeathofAugustus.Cambridge,CambridgeUniversityPress,1993,p.94.89“custosemagnificência”:Dio,LI.xxi.7-8.Sobreosfilhos:Eusébio,187-94.90umlentohipopótamo:Gurval,1998,p.29.91“oimpérioromanoenriquecesse”:Dio,LI.xvii.8.Paraoobelisco:NH,XXXVI.xiv.70-1.92 Sobre a egiptomania: Alfano, Carla. “Egyptian In luences in Italy”, inWalker e Higgs, 2001,

p.286-8.Antes,Cícero (DeLegibus, II.2) havia coberto de desprezo as paisagens falso-egípcias emmodaemRoma.Futuros imperadoresromanos iriamabraçaraculturaegípciadeuma formaqueOtavianonãoofez;veja:Preys,René.“Lesempereursromainsvusdel’Egypte”,in LesEmpereursduNil.Leuven,EditionsPeeters,2000,p.30-3.93umaidadedouradaparaasmulheres:VejaReinhold,1988,p.72;KleinereMatheson,1996,

p.36-9.94 O status de Lívia: Dio, LVII.12. Para bons relatos modernos: Barrett, Anthony A. Livia: First

Lady of Imperial Rome. New Haven, Yale UniversityPress, 2002; Hoffsten, Ruth Bertha.RomanWomen of Rank of the Early Empire in Public Life as Portrayed by Dio, Paterculus, Suetonius, andTacitus.Tesededoutorado,UniversityofPennsylvania,1939.SobreacriadagemdeLívia:Balsdon,1962,p.93,276;Kleiner,2005,p.251-7,comLíviadeliberadamentemodelandosuaascensãoemC.95derreterofabulosojogodemesadeouro:DA,LXXI.EDioa irmaqueOtavianonãoconservou

nadadospertencesdeC,anãoser“umaúnicataçadeágata”.96 “Pois é adequado”:Dio, LII.xxx.1-2.C foi superadaaté comoconsumidoradepérolas.Dizem

queLoliaPaulina,terceiraesposadeCalígula,apareceunumbanquete“cobertacomesmeraldasepérolasentrelaçadasebrilhandopor todaacabeça, cabelo,orelhas,pescoçoededos,a soma totalchegandoaovalorde40milhõesdesestércios”.IssoéquatrovezesopreçodapéroladeC,eLoliaestavaprontaamostrarosrecibosparaprovar,NH,IX.lviii.97“quenenhumaposição”:Dio,LV.xv.1-2.98“Restaurou-seavalidade”:VP,II.lxxxix.99“deumgrandeperigo”:Williams, J.H.C. “‘SpoilingtheEgyptians’:OctavianandCleopatra”, in

WalkereHiggs,2001,p.197.100“Comoaspessoasprestammaisatenção”:BrutoaCícero,25(I.16).101“Umhomemqueensinaumamulher”:MenandroapudLefkowitzeFant,1992,p.31.102 “autores antigos falam insistentemente”: É incerto o autor da peça pornográ ica (Hughes-

Hallett,1991,p.68).103 “fazia sempre o papel de prostituta”: Propertius,Elegies, 3.11.30. Skinner (2005, 167)

aponta que a famosa prostituta, denunciada por sua ambição e celebrada por seu brilho, jáconstituiumtropofamiliarnahistóriaenabiografia.104 “muitos homens compravam noites”: Victor, Aurelius.De Viris Illustribus, 86.2. Em “Noites

egípcias”,Pushkinpartiuentusiasticamentedaí.105 “um deslumbrante exemplo de feitiçaria”: Jameson, Anna.Memoirs of Celebrated Female

Sovereigns.NovaYork,Harper,1836,p.55.106“aquelarepulsivaCleópatra”:CartadeNightingale,janeirode1850apudVallée,2003,244.

OcrimedeCfoiterimortalizadoasimesmaeaCesáriocombaixosrelevosemHermonthis.EmTheWayWeLiveNow ,deTrollope,airrepreensívelMatildeCarburyairosamenteresumeacarreiradeC com “Quemeretriz ela era!” Lady Carbury está energicamente trabalhando em seu novo livro,

CriminalQueens.107“Vocêgostaria”:CecilB.DeMille,inLovric,2001,p.83.108“astutaesuspeita”:Pompeu,LXX.4(traduçãoretrabalhada).Oscasamentossão“truquesde

Estado” na traduçãoML, parcerias “suspeitas e enganadoras” na edição Loeb. Conformeo pai deAlexandre,oGrande,descobriucomseusmúltiploscasamentos,ocasamentoeramuitomaisbaratoqueaguerra.109“quejáohaviaarruinado”:MA,LXVI.OsmaioresataquesestãoemJosefo,quequaseperde

ofôlegoaoenumerarosseuscrimes(AgainstApion,II,57-9):C“cometeutodotipodeiniquidadeecrimecontraseusparentes,seusdevotadosmaridos[sic],osromanosemgeraleseusimperadores,benfeitores dela; elamatou sua inocente irmãArsínoe no templo, traiçoeiramente assassinou seuirmão,saqueouosdeusesdeseupaíseossepulcrosdeseusancestrais;e,mesmodevendootronoao primeiro César, ousou se revoltar contra seu ilho e sucessor e, corrompendo Antônio comsensualpaixão, fezdeleinimigodeseuprópriopaíse in ielaseusamigos,privandoalgunsdesuarealeza,dispensandooutroselevando-osaocrime”.110 mãe de Cristo: Lindsay, Jack.Mark Antony: His World and His Contemporaries . Londres,

Routledge,1936,p.231.111“maisilustreesábia”:ChronicleofJohn,BishopofNikiu,67.5-10apudLindsay,1998,333.Ele

nomeiaCcomoamaiordosPtolomeus,emboracrediteaelarealizaçõesquenãosãodela.112umalegretributoaoadultériosemculpadameia-idade:Weis,René.DecodingaHiddenLife:

ShakespeareUnbound.NovaYork,Holt,2007,p.355-8.WeisobservaqueShakespearetinha43anosquandoestavaescrevendoapeça.MesmaidadedeAquandoseabreacortina.113CulpadeShakespeare:AntônioeCleópatrafoidescartadacomoindecenteduranteboaparte

do século XIX. Embora contenha o que muitos consideram o melhor papel feminino da obra deShakespeare, é notável que tenha tido poucas boas produções e poucos admiradores. Em 1938,Somerset Maugham deu uma explicação para a sua impopularidade: “O público sentia que eradesprezível jogar fora um império por uma mulher. De fato, se não fosse baseada numa lendaaceita,todosseriamunânimesema irmarquetalcoisaerainverossímil”(TheSummingUp.GardenCity:Doubleday,1938,p.138-9).AgrandiosapaixãosemesperançasdeAeCpassadespercebidaparaosbritânicos,que“nãoeramumaraçaamorosa”,enogeral,naopiniãodeMaugham,avessosao sexo.Elesnão se arruinavamporumamulher.OquepodeounãoexplicarporqueapeçaeraumadasfavoritasdeEmilyDickinson;veja:Farr,Judith.“EmilyDickinson’s‘Engul ing’Play: AntonyandCleopatra”,TulsaStudiesinWomen’sLiterature9,n.2,1990,p.231-50.SamuelJohnsoneWilliamHazlitt também deram notas baixas à peça; Johnson a considerava exagerada e displiscente naconstrução. George Bernard Shaw icava com dispepsia. Só Coleridge colocaAntônio e CleópatraentreasmaiorespeçasdeShakespeare.114“Qualmulher,qualsucessão”:Benario,HebertW.“The ‘CarmendeBelloActiaco’andEarly

Imperial Epic”, AufsteigundNiedergangder römischenWelt II, 30.3, 1983,p.1661.Paramais sobreesse fragmento, veja: Pestel, Bastien.Le ‘De Bello Actiaco’, ou l’épopée de Cléopâtre . Dissertação demestrado,UniversitédeLaval,2005.115“Oqueéperder”até“piordoquedizem”:Eurípides,“ThePhoenicianWomen”,in Euripides

V,388-90.116“quedestruiuamonarquiaegípcia”:Ateneu,VI.229c(traduçãoretrabalhada).Umageração

emeiadepoisdamortedeC,Filo(OnJoseph,135-6) re letia sobrea impermanênciadariquezaedo poder. Seu próprio país oferecia um exemplo primordial: “O Egito teve um dia a autoridadesupremasobremuitasnações,mashojeéescravo…OndeestáacasadosPtolomeuseaglóriadossucessores pessoais de Alexandra que um dia brilharam sobre todas as fronteiras na terra e nomar?”Cfoiaúltimadessalinhagem.

1. Reconstrução de Alexandria, olhando a Via Canópica na direção oeste. A colunata percorria acidade de lado a lado, oferecendo proteção contra o sol, além de excelente conduto para fofocas.Situada àmargem domar de um azul impossível, a Alexandria de Cleópatra era considerada “acidadenúmeroumdomundocivilizado”,suacapitaldamodaedacultura.

2. Vista aérea de Alexandria, com o porto duplo em primeiro plano e a imensa residência real àesquerda, umaespéciede cidade emsi.Àdistância, o lagoMareótis comseuvastoporto, doqualCésareCleópatradevemterembarcadoparaocruzeironoNilo.Naextremidadedaplataformaconstruídapelohomem icao famoso farol, “comoumamontanha,quasetocandoasnuvens”,comodescreveuumalexandrino.AssimdeveterparecidoaJúlioCésar,quenuncatinhavistoconstruçãotãoalta.

3. O mundo habitado conhecido por Cleópatra. Já existiam os conceitos de latitude e longitude,assimcomoaideiadequeomundoeraredondo.Ossuspeitosdesempre:quatrobustosdeCleópatra,oudeumamulhermuitoparecidacomela.

4.Estebusto, emmármoreparianobarato, separecemuito comaCleópatradasmoedase talvezsejaomaisaproximado.DiantedafrasedePascal–“SeonarizdeCleópatra fossemenor, todaa facedomundoteriasidodiferente”–háumacertaironianapartequebrada.

5.Omaislisonjeirodosquatrobustos.Cleópatrafoiaúnicarainhaptolomaicaaserretratadacomocabelopresoeondasnatesta;onarizcurvoeoqueixoproeminentecombinamcomaimagemdasmoedas.Poroutrolado,jásedissequeessebustonemédeCleópatra,neméantigo.

6. Uma versão menos sensível, e uma Cleópatra sem diadema. O busto pode representar umamulher daentourage de Cleópatra emRoma, ou Cleópatra àmoda romana. De qualquermodo, énotável a semelhança com o nariz adunco e o queixo forte, os cachos soltos na nuca e sobre asorelhas.

7.UmaCleópatramaisdura,comafamiliarbocaviradaparabaixo,malaresmuitomarcadoseumardeseveridade.Tambémnestecaso,aausênciadediademasugerequeobustopossaserdeumamulherqueimitavaoestilodarainhaegípcia.

8.Avidadasmulherescomunseraconsideradaumbomassuntoparaosartistashelenísticos.Aqui,duasmulheresdoséculoIIIa.C.,umadelasricamentepintada,jogamossinhosoudados.

9. Uma moça segurando no colo um tablete de madeira para escrever. Este é amarrado comcordões, permitindo trabalhar múltiplas placas de cera. Muitas moças alexandrinas eramalfabetizadas, chegavamacomprarcasas,emprestardinheiroeadministrarmoinhos.UmcronistaposteriorobservouqueCleópatra,elaprópriaextremamentebem-formada,era“umamulherqueviaatéoamorpelasletrascomoumprazersensual”.

10. Ptolomeu Auletes, pai de Cleópatra, de quem ela era muito próxima. Representado comoDionísio, ele usa uma guirlanda de hera trançada ao diadema. Auletes seria lembrado por seustumultuososbanquetes,masemRomadistinguiu-secomoummestredasnegociações,pan letandonoSenadoedistribuindopresentesportodaacidade,comgenerosidadeeeficiência.

11.Umapeçadejogoemmar imentalhadacomoretratodeumdosirmãos-maridosmaisnovosde

Cleópatra,provavelmentePtolomeuXIV.Oper iléegípcio,aroupa,grega.Cleópatraeseuirmãosecasaramem48a.C.,quandoeletinhacercadeonzeanos.Elamandariamatá-loquatroanosdepois.

12.UmprovávelCesário,emgranito,encontradono lestedeAlexandria.Temuma fartacabeleiragrega;apeçapodeterfeitooriginalmenteparcomaCleópatraabaixo.CleópatrapretendiadeixaroEgito para Cesário e temia particularmente por sua vida; como observou Sêneca, mães nuncatememporsimesmas,sóporseusfilhos.

13.CleópatracomoadeusaÍsis,deumtemploalexandrino.Elaestáusandoacoroadacobraedoabutre que provavelmente exibia com a veste completa de Ísis, quando presidia as cerimôniasalexandrinasaoladodeAntônio.A peça é imponente, tanto pela dimensão (a orelha sozinhamede trinta centímetros) como pelaintensidadedaexpressão.

14.PtolomeuFiladelfo, ilhomaisnovodeCleópatraeMarcoAntônio.Eleusaumbonémacedônio,ao qual foi a ixada uma cobra egípcia. Esculpido provavelmente para comemorar as Dotações deAlexandria,entre34e30a.C.,quandoPtolomeutinhaentredoiseseisanos.

15. Uma Cleópatra de basalto, representada com a peruca convencional e o diadema, com roupatransparente e colante. Ela engordou um pouco e leva uma barra tradicional na mão. Emrepresentações semelhantes, ela segura uma cornucópia; uma rainha ptolomaica tinha de darmostrasdeprodigalidade.Elalevavamuitoasérioocuidadocomseussúditos.

16.Estátuaalexandrinadeumacriançaemposemajestosa,muitoprovavelmenteAlexandreHélios,filhomaisvelhodeCleópatraeMarcoAntônio.A roupaéoriental, a tiaraarmênia, a criançade cincoou seisanos, tudopossivelmente levandoàconclusãodequesetratadeAlexandreHéliosnaépocadasDotações,quandofoinomeadosenhordaArmênia,daMédia edePártia.Cleópatrapode ter encomendadoa estátuapara comemorar aocasião.Meioquerubim,meiomenino,afiguratemoscabelosencaracoladosdeAntônio.

17.Cleópatravestidadehomem,àdireita,fazendooferendasàdeusaÍsis,queamamentaumbebê.Lavrada nos primeiros meses de Cleópatra no poder, essa estela é a prova mais antiga de seureinado. Na época, ela repartia o trono com o irmão, Ptolomeu XIII, cujo nome é notavelmenteausente.OnomedeCleópatraaparecenasegundalinha.Muitoprovavelmenteaestelaeradeseupai,queCleópatramandouesculpir.Dadosostemposturbulentos,retrabalhareraaespecialidadedosentalhadoresptolomaicos.Noteasduascobraspendentesdoalto.

18. Estela comemorando a morte do touro de Buchis – encarnação terrena do deus Sol – emfevereirode180a.C.ObisavôdeCleópatraestáempédiantedotouro,naalturadeseusolhos,comumaoferenda;aesposadorei,CleópatraI,écitadanoshieróglifos,masnãoérepresentada.Otouroviveu quase quinze anos, embora o escriba tenha errado na matemática, abreviandoinadvertidamenteavidadoanimalsagrado.Aesteladeviaestarinstaladaem51,quandoCleópatraviajouaosulparasagraronovotourodeBuchis.

19.Césarcomumagrinaldade lores,umaespecialidadedeAlexandria,encomendadasàscentenasparaosbanquetesdessacidade.Eleusatambémumtrajegrego,presoaoombro,eumacoroadelouros. Tudo neste retrato, inclusive as faces encovadas, sustenta a tese de que data dascomemoraçõesposterioresàGuerraAlexandrinaeàprimaveradocruzeironoNilo.

20.UmCésar excepcionalmente expressivo, esculpidodepois de suamorte e devolvendo a ele oscabelos que tinha já perdidoquandoCleópatra o conheceu.Rugas sulcama testa ampla, as facessão encovadas e começam a pender em torno da boca. Suetônio aplaudiu asmemórias de Césarcomo“nuasemsuasimplicidade,diretas,mascheiasdegraça”.E tambémperfeitamentevoltadasparasipróprio.NelaselemencionaarainhadoEgito,mãedeseuúnicofilho,umaúnicavez.

21.MarcoAntônio,cujostraçosviriscon irmamsuapretensadescendênciadeHércules.Audaciosoe temerário, alegre e rústico, ele era um comandante atraente. Seus homens lhe eramdedicados,nos contaPlutarco,devido “ànobrezade sua família, a suaeloquência, a suasmaneiras francaseabertas,aseushábitosliberaisegrandiosos,àfamiliaridadecomqueconversavacomtodos”.

22.UmretratoparticularmentebomdeAntônio,emjáspervermelho,deseusanoscomCleópatra.O pescoço poderoso, a cabeleira e o nariz de boxeador icam bem evidentes. Existe também umretratosemelhanteemametista.Nossas representações mais apuradas de Cleópatra vêm de moedas. Admiradas por toda parte,muito examinadas, elas serviam como peças de propaganda; aqui está a maneira como ela seapresentavaaseupovo.

23. Moeda de bronze de Cleópatra, cunhada no Chipre, em 47 ou começo de 46 a.C., paracomemoraronascimentodeCesário.AimagemfuncionaigualmenteparaCleópatracomoAfroditeou Ísis.Elausaumdiadema largoe carregaCesáriono colo; o cetro seprojeta estranhamentedesuascostas.

24.Moedadebronzedeoitentadracmas,cunhadaemAlexandria.Cleópatrareintroduziuometal,há muito fora de produção, e acrescentou às moedas a indicação de valor pela primeira vez.Independentementedeseupeso,amoedavaliaoquediziaquevalia,umarranjomuitovantajosoparaela.

25. Tetradracma de prata de 36 a.C., cunhado em Antióquia, anunciando a aliança política deAntônioeCleópatra.Emmençãoa Ísis, elaé identi icadacomo “RainhaKleópatra, aNovaDeusa”.Usa um magní ico colar de pérolas e, estranhamente nesta representação, pérolas também nocabelo.Alémdisso,temumanotávelsemelhançacomMarcoAntônio,ou,comojásesugeriu,elecomela.

26. Moeda de prata de Áscalon, na Judeia, uma cidade nunca submetida a Cleópatra. Cunhadopossivelmenteparaajudaremsuarestauração,estetetradracmadatade50ou49a.C.,anosqueaadolescenteCleópatrapassounoexílio.Poroutrolado,constituiumtributoaseupoder;muitascidadesforade

seureinoemitiammoedasemsuahomenagem.Umlevesorrisobrincaemseuslábios.

27.Umarainhaptolomaicacomatradicionalcoroadecobras,discosolarechifresdevaca,usandovários colares e ummanto simples. Trata-semuito provavelmente de Cleópatra vestida de Ísis, oque explicaria o seio direito representado frontalmente. Reproduzido em bustos e em joias, ostraçosdeCleópatraerambemconhecidosdeseupovo.

28.Umamulhercomroupagrega,largodiademacomnósecoroacomacobraegípcia.Mesmosemos traços familiares, seria di ícil acreditar que se trate de qualquer outra que não Cleópatra. Aimageméentalhadaemvidroazul;ascobrassustentamdiscossolares.

29.Cleópatrae,nafrentedela,Cesário,fazendooferendasaosdeuses,naparedesuldotemplodeHator, em Dendera. Acredita-se que Cesário teria entre oito e onze anos nesta representação;Cleópatra,habilmente,sepõeatrásdo ilhodeCésar,quecolocaantesdela.AduplafazoferendaaHator,muitoadequadamente,comojáseobservou:Hatortambémécasadacomumdeusnãolocal,cujo reino icaemoutraparte.E icientepeçadepropaganda,ograndebaixo-relevoocupa todaaseçãoinferiordaparededotemploreal.

30.Cícero,ograndeorador,naépocaemqueCleópatradevetê-loconhecido.“Detestoarainha”,elevociferou – depois que ela saiu da cidade. Ele não aceitava bem umamulher “capaz de fazer osoutros riremmesmo sem querer”, exatamente igual a ele. Ele engasgou principalmente com suaarrogância,mas,poroutrolado,Cíceroeraconsiderado“omaiorostentadorvivo”.

31.EstátuadebronzedojovemOtaviano,férreoeobcecadooponentedeCleópatra,seisanosmaisnovoqueela.Depois de derrotar Cleópatra, ele cuidaria que as estátuas dela fossem substituídas por estátuasdeleemtodooEgito.

32.Otávia,meia-irmãdeOtavianoequartaesposadeAntônio.“Umamaravilhademulher”,criouostrêsfilhosdeCleópatradepoisdeseusuicídio.

33.MosaicodoséculoIIoucomeçodoI,encontradoemescavaçãonumsítionãodistantedopaláciode Cleópatra. O cachorro familiar (está de coleira) parece estar se desculpando por haverderrubadoajarradebronzeemadeira,deumjeitonãodiferentehojede2milanosatrás.

34.Brincospendentes,doséculoIIIouIIa.C.,naformadecoroasegípcias,discossolaresdosquaisbrotam penas pretas e brancas. As joias de Cleópatra deviam ser muito ricas, elaboradamentetrabalhadas em ouro, com aplicações de coral e cornalina, lápis-lazúli, ametista e pérola. UmPtolomeu tinha como objetivo superar todos os outros monarcas em riqueza, feito facilmenterealizadodadaaabundânciaque“atodasashorasfluíadetodososcantosparaseuricopalácio”.

35.MoedalançadaparacomemoraraanexaçãoromanadoEgito.AcabeçadeOtavianoaparecenoverso.Ainscriçãodiz:“Egitocapturado”.