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Os Sonhos Lúcidos Viagens conscientes da alma ao outro mundo Coletânea de artigos publicados em sites e revistas Por Cleber Monteiro Muniz

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Page 1: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Os Sonhos LúcidosViagens conscientes da alma ao outro mundo

Coletânea de artigos publicados em sites e revistasPor Cleber Monteiro Muniz

Page 2: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Índice:

In trodução

Par te I - A consciência on írica

O que é uma exper iência on ír ica conscien te?

Sobre os motivos de não discern irmos que estamos em sonho

O estado não usual da consciência extra-vígi l

Você pode fi car conscien te duran te o sonho

A ver i fi cação das leves a l terações consci en t ivas no sonho

A real idade do mundo dos sonhos nos tempos an t igos e hoje

Par te II – Atravessando lucidamente o por ta l dos sonhos

O problema da dinâmica usual do sono e de como superá-la

Como l idar com os sinais que an tecedem uma exper iência onír ica conscien te

A técn ica do relaxamento vigi lan te

Par te III – Reconhecendo o sonho enquan to o sonho acon tece

A percepção consci en te dos t r aços on íricos sut is

O reconhecimento da r eal idade in tr a-on írica durante o sono

O discern imento pela memór ia r esidual

Par te IV – Exerci tando o discern imento e testando a r eal idade

Cuidados na educação da a tenção vígi l (Educação Psíquica para o Desper tar In tra-

Onír ico)

O presen te como por ta para a r ealidade on ír ica natural

A Tendência de Buscarmos um Ar t i ficia l "Algo Mais"

O descondicionamento dos parâmetros observacionais

A sín tese de indicadores de r eal idades opostas na observação das cenas ci r cundan tes

A ampliação do sen t ido de r eal idade que nos permite superar o cet icismo un i lateral

Transcendendo a preocupação com a concretude

Par te V – Paral isia do sono

A paral isia do sono e o sonho lúcido

A superação da paral isia corporal por meio da imaginação conscien te

Page 3: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Par te VI - Exper iências espir i tuais e sonhos lúcidos

A viagem conscien te ao mundo on ír ico como exper iência r el igiosa

As exper iências on íricas consci en tes como meio adicional de invest igação dos con teúdos

ctôn icos

Sonhos lúcidos e medi tação

Or ientações prát icas:

Reflexões e conselhos úteis r elacionados com o t r abalho de a t ivar a consciência den tro

dos sonhos e/ou duran te a vigí l ia

Page 4: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Introdução

Apresento aos leitores um conjunto de artigos meus,

publicados em sites e revistas há vários anos, os quais procuraram

detalhar a dinâmica do sonho lúcido, esta estranha modalidade de

sonhar em que a consciência se mantém ativa, julgando e

discernindo com plena noção o que se passa. São textos que foram

escritos em tempos diferentes de minha vida, refletindo o avanço de

minhas experiências com a modalidade lúcida de sonhar.

Os artigos estão orientados predominantemente para a prática,

embora também realizem incursões no terreno da exploração

teórica. A intenção ao escrevê-los foi tornar a experiência acessível

a todos os que a buscassem, fornecendo orientações e auxilio na

superação de dificuldades. Para melhor compreensão, procurei

agrupar os artigos em forma didática, de acordo com os temas, e não

na ordem cronológica em que foram escritos. As normas técnicas de

citação variaram de um artigo para outro, conforme as exigências

das publicações originais.

Agora, que este livro possa deslocar-se através do tempo e do

espaço, e que cumpra com o objetivo para o qual as mensagens

foram escritas !

Page 5: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Parte I

A consciência onírica

Page 6: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

O que é uma experiência onírica consciente?Por Cleber Monteiro Muniz em 25/08/2001

Uma exper iência onír ica consc iente é um t ipo especial de sonho: aquele

no qual a pessoa que dorme compreende que está sonhando.

Também conhecida como sonho lúcido, a exper iência onír ica

consciente (E.O.C.) vem sendo cult ivada em muit as culturas ao longo da

histór ia. Os povos ant igos, pr imit ivos e orientais, bem como certos grupos

religiosos atuais, desenvo lveram muit as formas de alcançá-la.

Normalmente, o ego sonhador não sabe que sonha e toma as cenas

onír icas como se fossem do mundo exter ior. Em um sonho lúcido, essa

confusão não existe.

A consciência humana tem o poder de despertar intra-onir icamente, ou

seja, de fazer com que acordemos dentro de um sonho.

Aqui, a palavra "sonho" é usada para designar as vivências que temos à

no ite, enquanto estamos dormindo na cama, e das quais a lgumas vezes nos

lembramos quando acordamos pela manhã. Não estaremos ut ilizando essa

palavra como sinônimo de "devaneio","ilusão" ou "algo que não existe" mas

para des ignar o contato direto com o mundo imaginal.

Todos temos um mundo interno, feito de imag inações, anelos e desejos.

Esse mundo interno é psíquico e energét ico. Não é denso e fixo como o

mundo externo porém é, à sua própr ia mane ira, concreto e real.

Quando adormecemos, as percepções do mundo exter ior cessam e

adentramos ao nosso reino inter ior. As vivências nesse reino são os chamados

sonhos.

Infelizmente, quase sempre via jamos através do mundo onír ico

inconscientemente e não percebemos que estamos em um mundo paralelo ao

vígil.

Quando aprendemos a exercitar corretamente a nossa consciência, isto

é, o fator psíquico que nos permit e prestar atenção e nos manter em alerta

natural, podemos viajar pelos mundos inter iores com plena lucidez. Isso é

muito melhor do que ter alucinações por drogas ou por indução hipnót ica.

A consciência educada para manter a lucidez durante o sono nos

proporciona vivências e sensações incr íveis:

Page 7: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

1) Podemos assimilar informações depositadas em nosso inconsciente e

passar por exper iências arquet ípicas. Temos muito conhecimento depositado

no inconsciente. A consciência intra-onir icamente desperta pode t razer esse

conhecimento à existência víg il.

2) O medo da morte diminui. O espectro da morte é resignificado

quando nos descobr imos íntegros e vivos enquanto nosso corpo fís ico dorme

na cama.

A exper iências onír icas conscientes são, antes de tudo, exper iências

humanas. Algumas vezes assumem a forma de exper iências religiosas ou

esotéricas mas, antes disso, são exper iências psico lógicas. Por esse mot ivo,

nenhum cient ista deve ter preconceito com relação às mesmas e nem rechaçá-

las.

Referências:

Este art igo não possui referênc ias

Page 8: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Sobre os motivos de não discernirmos que estamos em sonhoPor Cleber Monteiro Muniz

A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o o a u t or

T ex t o r e g i st r a d o. Nã o o pla gi e pa ra nã o so f r er a s p e na l ida d e s d a l e i .

Possuímos um cet icismo tão poderoso em relação à existência concreta

de um mundo onír ico em nosso inter ior que quando estamos dentro do

mesmo, e disso desconfiamos, a so lidez numinosa das cenas vistas nos faz

crer que estamos "do lado de cá" da nossa vida.

Temos a idéia, mais ou menos inconsciente, de que não há um mundo

onír ico concreto e análogo ao físico dentro de nós. Essa forma de pensar é

tão arraigada que, quando alcançamos em sonho a auto-indagação sobre onde

estamos, a resposta quase sempre é a mesma: "Estou no mundo fís ico". Isso

ocorre porque for jamos uma resposta condic ionada sem o perceber ao invés

de buscá- la cuidadosamente nos elementos onír icos presentes, deixando que o

mundo dos sonhos nos dê a resposta.

O fato de estarmos diante de uma concretude numinosa é considerado

por nossa consciência imatura como uma prova incontestável de que o mundo

em que estamos é o exter ior. Isso der iva do cet icismo em relação à

possibilidade do mundo dos sonhos ser, à sua maneira, verdadeiro e concreto

e da concepção de que a sensação ident ificadora do que é não-ilusór io seja

exclusivamente proporcionada pelo mundo exter ior. É importante fr isar bem

isso: o mundo onír ico é real à sua própr ia maneira, ou seja, enquanto um

universo fantást ico e imag inal dentro do homem e não à maneira do mundo

fís ico ser real. I sso é diferente de afirmar que as ocorrências onír icas sejam

parte integrante do mundo externo. Semelhante idé ia ser ia absurda uma vez

que desde o ponto de vista esclusivamente extrovert ido os sonhos são

realmente abstratos. Entretanto, desde o ponto de vista psíquico eles são

concretos porque a psique é composta por energias e as energias não são

abstratas. Elas existem e são o componente dos processos imaginais. Saiani

(2000, p. 89) afirma que "a matéria e a psique são passíveis de uma

interpretação energética." Entendo que não se pode considerar o energét ico

abstrato pois isso implicar ia em desconcret ização de ondas. Se levássemos

essa linha de pensamento avante, teríamos que atr ibuir um caráter abstrato a

Page 9: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

qualquer outra forma de energia de frequência ou intensidade inacessíve is aos

nosso padrões mensuratórios.

O fator concretude é inadequado enquanto cr itér io diferenciador do

plano da existência no qual estamos em um dado momento. Não obstante, é

quase sempre usado pelo ego, equivocadamente, como cr itér io de

discernimento entre o que é fís ico e o que é onír ico. A tentat iva de

reconhecimento do teor onír ico/fís ico de uma cena percebida por via direta

em geral é feita tendo-se por base a concretude da mesma: se for concreta e

nít ida a consideramos externa, pressupondo, mais ou menos

subconscientemente, que se a cena fosse int erna ser ia "abstrata". Acreditamos

que estar dentro de um sonho é estar envolto por névoas e imagens "virtuais",

às vezes t ransparentes, como se o contexto intra-onír ico fosse menos que o

nada.. .

O equívoco desse cr it ér io consiste no fato de que o mundo onír ico é tão

concreto quanto o físico, apesar de suas peculiar idades no que se refere a leis

e pr incípios que regem a lógica dos acontecimentos. Os processos onír icos

não seguem a mesma lógica dos processos físicos. A matér ia onír ica, por

exemplo, é altamente plást ica e se modifica incessantemente a part ir dos

impulsos conscientes e inconscientes de pensamento e sent imento, fazendo

com que os objetos psíquicos alterem a forma repent inamente. Mas isso não

significa que tenham existência ilusór ia.

As percepções int ernas durante o sono são tão nít idas e numinosas

quanto as externas, razão pela qual a nit idez e a concretude dos objetos que

circundam o ego jamais devem servir como elemento diferenciador e

proporcionador do discernimento nesse campo.

Os elementos componentes do universo dos sonhos são energét icos.

Como, durante o sono, nossa consc iência é pura energ ia (po is ao dormir

abandonamos temporar iamente a existência consciente sob a forma mais

densa), vibramos no mesmo níve l de concretude das imagens inter iores, razão

pela qual elas se nos apresentam como palpáveis. A sensação de tocar objetos

só lidos e sent ir seu cheiro e sabor em sonhos é autênt ica e advém dessa

afinidade vibracional. Nela reside a or igem do impacto numinoso das

endopercepções.

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Pelo mot ivo refer ido, é incoerente tomar a nit idez das percepções dos

objetos onír icos e/ou sua concretude como cr itér io diferenciador dos nossos

universos para lelos, sejam e les pessoais ou t ranspessoais. O universo inter ior

acessado durante o sono é tão concreto quanto este. O que ocorre é que

existem concretudes relat ivas: quando a consciência está em afinidade

vibratória com o mundo exter ior, seus objetos lhe parecem concretos; quando

ela vibra em sintonia com o mundo onír ico, seus elementos lhe parecem

só lidos.

Isso se explica pelo fato de possuirmos em nossa const ituição vár ios

graus de condensação da energia: há em nós uma porção mais densa e uma

mais sut il. À densa chamamos corpo fís ico e à sut il psique. A sut ileza ou

densidade o são apenas em relação ao seu oposto. O que é abstrato em um

níve l vibracional da consciência não o é em outro. Por isso os loucos gr itam

desesperadamente e os pesadelos nos aterrorizam, na hora em que acontecem.

Os objetos só lidos do mundo exter ior são agregações energét icas cuja

int ensidade centr ípeta é sufic iente para provocar peso e dureza. Algo similar

ocorre em outros níveis de consciência com as energias psíquicas.

A consciência que está no corpo é parte de sua const ituição energét ica.

Ela possui elast icidade e var iabilidade vibracional, indo da sintonia com

agregações densas de energia até a sintonia com agregações ult ra-sut is, as

quais são consideradas, de um ponto de vista usual e externo, como

desagregações. Como quase todos nós, ocidentais, somos, inconscientemente

e numa certa medida, mater ialistas, por nos polar izarmos vio lentamente na

extroversão, quando estamos em outra dimensão de nossa vida não

acredit amos nisso. Nos acostumamos a duvidar da existência de outros

mundos paralelos ao vígil.

O cet icismo arbit rár io com relação à existênc ia de um verdadeiro

mundo inter ior é, portanto, um dos motivos pelos quais o ego não alcança

discernir que está na dimensão desconhecida durante o sono.

Outro motivo é a fascinação. Em nossa vida consc iente, nos

condicionamos a viver fascinados por todos os elementos externos e a nos

esquecer de nós mesmos. Em virtude disso, a tendência de fascinar-se

enraizou-se demasiadamente em nossa cultura e em natureza psíquica.

Quando dormimos e nos deparamos com elementos denunciadores de que

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estamos sonhando, como certos acontecimentos impossíve is que desafiam a

lógica t r idimensional (elefantes arbor íco las, ratos que cantam heavy metal

etc.), nos fascinamos pelos mesmos e nos esquecemos de observar os objetos

que fazem parte da cena onír ica que nos rodeia à procura de fatores de

diferenciação que possam nos proporcionar de modo inequívoco o

reconhecimento da dimensão em que estamos. Ao invés de observar os

elementos internos mantendo a recordação de nós mesmos, sem nos

fascinarmos, nos ident ificamos com eles. Trata-se de uma dist ração: ficamos

dist raídos com os acontecimentos inter iores e nos esquecemos de discernir.

Temos uma consc iência egó ica, adormec ida, anestesiada e insens ível

para os fenômenos sut is que fazem parte de nossa const ituição interna e por

isso não são muitas as pessoas que alcançam um despertar intra-onír ico.

Referência bibliográfica:

SAIANI, Cláudio. Jung e a Educação: Uma análise da relação

professor/aluno. Pr imeira ed ição. São Paulo: Escr ituras, 2000.

Page 12: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

O estado não usual da consciência extra-vígil(cap. III de "A Exper iência Onírica Consciente: Viagens da Consciência ao Mundo dos Sonhos" –

mon ografia apresentada para conclusão d o curso de especia l i zação em Aborda gem Junguiana pe la

COGEAE da PUC-SP em 2001 e or ientada pe la Profa Dra Noel i Montes Moraes)

Por Cleber Monteiro MunizA divul gação l ivre des te ar t igo é autor izada desde que ci tado o autor

Texto regi s t rado. Não o plagie para não sofrer as penalidades da l ei .

Estar desperto dentro de um sonho (no sent ido literal da expressão) é

estar em um estado não-usual de consciênc ia. A modalidade de discernimento

e alerta que se tem durante sonhos lúcidos é pouco comum na sociedade em

que vivemos, não é muito freqüente. Para a maior ia das pessoas ser ia um

estado de consciência alterado, modificado.

Para alguns estudiosos, o funcionamento consciente usual, aquele que a

maior ia das pessoas possui no estado normal de vig ília, não é o único

existente. É o que afirmou Willian James em uma obra conhecida por muitos

( apud Capra, 2000):

"Nossa consciência normal do estado de vigília - a consciência

racional, como a denominamos - constitui apenas um tipo especial de

consciência, ao passo que, ao seu redor, e dela afastada por uma película

extremamente tênue, encontram-se formas potenciais de consciência

inteiramente diversas" (p. 31, gr ifo meu) .

Além do funcionamento consciente normal da vigília, ou seja, aquele

que se tem quando o corpo fís ico está acordado, o ser humano possuir ia, em

estado latente, outras modalidades de despertar. Essas modalidades de

consciência ser iam extra-vígeis, presentes nas horas em que o homem não

est ivesse acordado. Obviamente, se não correspondem à consciênc ia de

vigília , tudo indica que James se refere a uma consciência durante o sono.

Exper iências consc ientes nas quais se ult rapassa o mundo

tridimensional ser iam conhecidas pelos míst icos do oriente, os quais

"parecem estar em condições de atingir estados não-usuais de consciência

nos quais transcendem o mundo tridimensional da vida cotidiana de modo a

experimentar uma realidade mais elevada, multidimensional. Assim,

Aurobindo refere-se a ‘uma mudança sutil, que faz com que a vista veja numa

espécie de quarta dimensão’." (Capra, 2000, p. 133, gr ifo meu). O mundo

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t ridimensional não ser ia o único passíve l de exper imentação consciente.

Outros níve is dimensionais também far iam parte da realidade e poder iam ser

acessados pela consciênc ia alterada. Poder íamos inclu ir aqui o mundo onír ico

pelo fato dele não ser t ridimensional: seus e lementos componentes não

possuem, desde um ponto de vista fís ico e externo, as caracter íst icas que

chamamos largura, altura e comprimento. As imagens noturnas não podem ser

medidas em cent ímetros ou pesadas. Entretanto elas são reais po is estão vivas

dentro de nós.

O homem possuir ia recursos internos para acessar o que não pode ser

visto, ouvido, tocado e palpado com o corpo fís ico pois suas "experiências

multidimensionais transcendem o mundo dos sentidos" ( idem, p. 228), ou seja,

conduzem ao contato com o que está além do nosso universo sensor ial. As

figuras arquet ípicas que surgem em sonhos possuem formas e, algumas vezes,

cores. Há, nos sonhos uma forma de "visão psíquica" que nos permit e

descrever as caracter íst icas morfo lógicas das imagens com as quais

sonhamos. Porém, bem sabemos que esse t ipo de visão não pertence aos cinco

sent idos externos. Ela os t ranscende e, não obstante, ainda assim pertence ao

ser humano po is está presente nos relatos onír icos.

Refer indo-se a estados não-usuais de consc iência em culturas

pr imit ivas, ant igas e abor ígenes, Grof nos diz que nelas "existe a idéia de que

esta realidade visível não é a única existente, há outras realidades paralelas

onde existem espíritos, demônios, elementos arquetípicos ou mitológicos,

entidades encarnadas, animais de poder e assim por diante" . Essas culturas

não conceber iam como aberrante ou absurda a idéia de que o mundo

fantást ico é, à sua maneira, real. Parale lamente à realidade vis ível, haver ia

uma realidade invis ível que poder ia ser acessada conscientemente (atente-se

para o fato de que o estudioso está se refer indo a estados de consc iência e

não de inconsciência; ele não está t ratando de processos que se dão sem a

presença da lucidez). Tal realidade corresponder ia ao mundo imagina l e

poder ia abranger também seu lado onír ico pois ser ia habit ada por entes

arquet ípicos fantást icos e mito lógicos, os quais sempre surgem em sonhos.

Corroborando essa visão, Harnisch (1999, p.7) afirmou que "os índios

da América do Norte consideravam os sonhos como visões de uma outra

realidade, que para eles traçava um paralelo com o seu mundo desperto . De

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uma forma parecida compreendiam-se os sonhos na China. Atribuía-se-lhes

uma uma elevada qualidade vivencial e estes eram vivenciados com uma

intensidade tão extraordinária que as pessoas se perguntavam: qual será

pois a verdadeira realidade: o sonho ou aquilo que que se vivencia no estado

de vigília?" (gr ifo meu)

Nessas culturas, o universo dos sonhos e o universo vígil são paralelos.

Cada um desses universos é real à sua maneira.

Ao empreender uma descida consciente às profundidades do oceano

inter ior, o homem penetrar ia em um mundo real, verdadeiramente existente,

embora sob outra forma. A esse respeito, Jung (1984) escreveu:

"É muito dif ícil acreditar que a psique nada representa ou que um fato

imaginário é irreal. A psique só não está onde uma inteligência míope a

procura. Ela existe, embora não sob uma forma f ísica. Ë um preconceito

quase ridículo supor que a existência só pode ser de natureza corpórea

[ física] . Na realidade, a única forma de que temos conhecimento imediato é a

psíquica. Poderíamos igualmente dizer que a existência f ísica é pura dedução

uma vez que só temos alguma noção da matéria através de imagens

psíquicas, transmitidas pelos sentidos." (p. 14)

A existência psíquica ser ia real e válida como a fís ica e talvez até

mais. Conclui-se, por extensão, que adentrar a uma cena onír ica

conscientemente é adentrar a um mundo fe ito de imaginação mas nem por

isso menos verdadeiro. A realidade imaginal int erna é parale la à externa.

Nas já mencionadas culturas ant igas e pr imit ivas são "criados espaços

para que (. . .)[as exper iências em estados de consciênc ia não-usual] possam

ser vivenciadas com segurança e métodos para se desenvolverem com

intensidade. Nesses estados alterados de consciência é que nascem a rica

mitologia e a espiritualidade daqueles povos. Estados não-usuais de

consciência são utilizados por culturas ancestrais para ( . . . ) [a realização de]

coisas práticas e corriqueiras tais como encontrar objetos ou pessoas

perdidas ou para localizar rebanhos de animais a serem caçados, inclusive

elas desenvolveram cerimônias para aumentar ainda mais a capacidade de

modif icar a consciência, com objetivos bastante práticos." (Grof, 2000, s/p).

A rea lidade invisível ser ia acessada conscientemente e esse acesso estar ia

fortemente ligado ao cot idiano prát ico e concreto desses povos, os quais

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teriam inclusive aperfeiçoado r itos para intensificá-lo e nele minimizar a

exposição a possíveis per igos. A consciênc ia assim alterada ter ia uma

utilidade no mundo t ridimensional: caça e localização de pessoas perdidas.

Ela não servir ia a uma fuga da realidade externa mas a completar ia. O

universo mít ico brotaria de seu seio e por ele os homens se orientar iam.

Entretanto, haver ia em nossa cultura uma limitação que a tornar ia

avessa a tais exper iências e a levar ia a tomá-las como estranhas:

"Nós não apenas patologizamos estas práticas como também proibimos

a utilização de substâncias ou cerimônias que possam levar à mudança de

estados da consciência. Por exemplo, dentro da psiquiatria saxônica não há

uma distinção clara entre misticismo e estágios psicóticos. Em geral, esta

diferença de visão de mundos entre as sociedades tradicionais e a nossa

sociedade industrial/ocidental é explicada pela ‘superioridade f ilosóf ica’ da

nossa visão ‘limitada’ de mundo. Depois de trabalhar 40 anos nessa área do

conhecimento, minha opinião sobre isso é que esta diferença de visão de

mundo tem mais a ver com a enfermidade e com a ignorância da ciência

ocidental em relação aos estados não-usuais de consciência." ( idem)

Assim, nossa dificuldade em lidar com esses estados se dever iam a

bloqueios culturais fortes, relacionados com a possessão colet iva por

complexos de super ior idade e que exerceria seus efeitos pr incipalmente sobre

a ciência, aliada à uma atrofia r itualíst ica. A incapacidade, presente na

ciência em moldes eurocêntr icos, de diferenciação entre a exper iência míst ica

e os estágios psicót icos ser ia decorrente desse estado enfermo e da ignorância

ocidental com relação a formas de consciênc ia presentes em culturas ant igas,

pr imit ivas e or ientais e aos meios de se desenvo lvê-las. A ausência de espaço

na modernidade para o cult ivo prát ico e alternat ivo da consciência ter ia

ocasionado uma atrofia dos seus estados não-usuais em modo não-patológico

e estabelecido entre nós e outros povos um abismo. Em virtude desse abismo,

não ser ia possível a correta comunicação de certas exper iências po is os

relatos de teor extra-sensor ial (tais como apar ições de entes fantást icos ou

viagens a outros mundos) ser iam vistos por nós como manifestação de

ignorância pura e simples. Ao invés de considerarmos cuidadosamente tais

manifestações desde o mesmo ponto de vista cultura l que as or igina, como

corresponder ia a uma postura legit imamente cient ífica, impor íamos na

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abordagem das mesmas nossa visão de mundo, nos esquecendo de que a

realidade não se adapta aos nossos capr ichos teóricos. Ser íamos surdos e

cegos para certas exper iências psíquicas pelo fato de não as enxergarmos tal

como são mas sim como nos parecem. Ao abordá-las, ver íamos nelas apenas

os nossos própr ios pontos de vista. A ciência ocidental relutar ia em

reconhecer que a espir itualidade é "algo importante e profundo, (. . . ) parte da

psique humana e não apenas uma questão de falta de educação científ ica"

( ibidem).

Essa confusão a respeito da natureza de certas exper iências conscientes

transcendentais preservadas e aperfeiçoadas em outras culturas at ravés dos

sécu los se dever ia à limitação do alcance do nosso intelecto:

"Quando se trabalha com estados não-usuais de consciência,

começamos a entender melhor esta confusão e vamos chegar ao que Jung já

havia descoberto há anos: o intelecto é parte da psique e esta é cósmica,

abriga tudo o que existe. Não podemos entender, com o intelecto, como

funciona a psique de uma outra pessoa (. . .) ." (Grof, 2000, s/p)

A abordagem exclusivamente intelectual ser ia um obstáculo que

dificultar ia a compreensão do funcionamento psíquico de alguém. E, parece-

me, isso é sobremaneira válido no caso desse alguém pertencer a um contexto

cultural completamente adverso ao nosso. Por abr igar tudo o que existe no

universo, a psique precisa ser abordada também sob pr ismas não-int electuais.

Isso não significa que o intelecto seja inút il mas parcial. À abordagem

intelectual, dever-se- ia acrescentar outras que na sociedade atual não são

ut ilizadas. Se buscamos a totalidade, não podemos ader ir teimosamente a

apenas alguns instrumentos cognit ivos. Entre as abordagens válidas está a

simbólica, com sua via analógica que nos permite conceituar e expressar

int electualmente aquilo que é inacessíve l à mente racional. A metáfora é a

ponte entre o compreensível e o incompreensíve l e nos permite a comparação.

Uma demonstração ana lógica torna o obscuro menos incompreensível.

Para Jung (1984) a extroversão excessiva dos dias atuais levar ia a uma

negligência para com os acontecimentos internos, inclusive dentro da ciência.

Ele nos diz que o "preconceito, muito difundido, contra os sonhos, é apenas

um dos sintomas da subestima muito mais grave da alma humana em geral.

Ao magníf ico desenvolvimento científ ico e técnico de nossa época,

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correspondeu uma assustadora carência de sabedoria e introspecção. É

verdade que nossas doutrinas religiosas falam de uma alma imortal, mas são

muito poucas as palavras amáveis que dirige à psique humana real; esta iria

diretamente para a perdição eterna se não houvesse uma intervenção

especial da graça divina. Estes importantes fatores são responsáveis em

grande medida – embora de forma não exclusiva – pela subestima

generalizada da psique humana." (pp.18-19). Embora t ivéssemos grande

desenvo lvimento técnico, teríamos grande atraso introspect ivo. Haver ia uma

aversão bem difundida contra as viagens do ego às vast idões profundas do si

mesmo e isso decorrer ia da ignorância a respeito da natureza da alma. Nem

mesmo as nossas religiões ser iam capazes de preencher essa lacuna. Haver ia

uma subest ima da psique e um preconceito contra os sonhos. Os sonhos

lúcidos não ser iam, portanto, cult ivados ou vistos com bons o lhos em nossa

sociedade.

Entretanto, nos dias atuais a ciência estar ia se abr indo para a

possibilidade de se desligar a consciência dos órgãos sensor iais externos e

transpô- la para além dos mesmos, mas essa abertura ser ia ainda incipiente

(Grof, 2000):

"A tanatologia vem estudando casos de cegueira congênita, em que as

pessoas que viveram experiências fora do corpo descrevem o que acontece na

sala de operações ou em outros locais e, quando voltam, descrevem o que

viram, as explicações são conf irmadas, só que quando retornam ao corpo

f ísico, continuam cegas como antes. Estas experiências continuam sendo

negadas pela comunidade científ ica." (gr ifo meu)

As pessoas invest igadas ser iam cegas. Não ter iam, portanto, o poder da

visão externa mas, durante cirurgias, visualizar iam os acontecimentos da sala

de operações em que estavam e até acontecimentos fora dela e isso ser ia

passível de confirmação. As imagens obt idas sem o recurso dos olhos ser iam

comparadas às realidade vis ível e haver ia uma correspondência entre ambas:

de alguma maneira os pacientes saber iam o que se passava nas imediações. O

fato dessa percepção não-usual acontecer em salas de operações sugere que a

pessoa estar ia dormindo ou desmaiada exper ienciando, provavelmente, uma

modalidade não-usual de sonho.

Page 18: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Algumas pessoas com maior apr imoramento intelectual ser iam

especialmente sensíveis a ponto de perceberem outras realidades

conscientemente. A exper iência que Grof teve "principalmente com pessoas

que têm grande treinamento científ ico e f ilosóf ico e que têm Q.I. muito

desenvolvido, (. . . )[foi] que estas, quando em trabalho com estados não-

usuais de consciência, entram em contato com experiências espirituais e

místicas. E elas, não podendo negar a realidade espiritual, começam a se

interessar pelas tradições místico-religiosas, tanto no oriente quanto no

ocidente." ( ibidem, gr ifo meu). Não ser iam apenas pessoas pertencentes a

culturas ágrafas ou "atrasadas" que exper ienciar iam conscientemente as

realidades paralelas, entre as quais podemos inclu ir a dimensão onír ica. Isso

parece reforçar ou suger ir a idéia de que o funcionamento consciente que

consideramos não-usual é arquet ípico e está latente mesmo nas pessoas

ocidentais e int electuais. Para que ele se desenvo lvesse, precisar ia ser

contatado e at ivado. O aperfeiçoamento cient ífico-filosó fico e a inteligência

não o excluir iam. O que o excluir ia ser ia o preconce ito, o qual result ar ia em

negligência e impedir iam o seu cult ivo. Não obstante, o próprio Grof, um

cient ista que teve formação mater ialist a em um país do leste europeu,

afirmou t ranscender conscientemente os limites do corpo físico sob efeito do

LSD. Refer indo-se a uma exper iência feita na clínica em que t rabalhava, o

estudioso relatou:

"Quando estava no ponto máximo do experimento, no ponto mais

intenso do efeito daquela substância, eles me chamavam, para que se f izesse

a experiência do monitoramento das [minhas] ondas cerebrais. Deitado com

uma luz estetoscópica na minha frente, de repente me senti como que no meio

de uma explosão atômica. Hoje analiso que o que eu vivi mesmo, naquele

momento, foi a luz inicial da minha consciência, que foi catapultada para

fora do meu corpo.. . e em um instante ‘eu’ saí da clínica, saí de Praga e saí

para fora do planeta. Minha consciência era o ref lexo de tudo que existia no

universo. E aumentando a intensidade da experiência com o aparelho, fui

voltando ao meu corpo f ísico." ( ibidem)

Esta exper iência apresenta conteúdos semelhantes aos de certas

exper iências em medit ação e de um sonho t ido pelo própr io Jung (1963) no

qual ele nos relata ter voado até deixar o planeta Terra e vê-lo das alturas. É

Page 19: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

int eressante notar que a exper iência de Grof apresenta o abandono temporár io

das percepções sensor iais corporais pela consciência, po is do contrário a

mesma não poderia ter sido lançada para fora do corpo físico, da clínica e da

capital da ant iga Tchecoslováquia. Ser lançado para fora de algo é deixá-lo e,

por isso, entendo que a consciência deixou as funções sensor ia is externas do

corpo fís ico. Obviamente, isso não ser ia possíve l sem que este, no decorrer

da exper iência, perdesse o estado vígil. Caso contrár io não se dir ia que a

consciência "saiu do corpo".

Quando dormimos em situações comuns, sem recursos químicos

adicionais, e adentramos às regiões onír icas, as percepções externas cessam,

nos casos em que não há sonambulismo, do mesmo modo que na exper iência

de Grof. Evidenciamos, assim, que o abandono do corpo físico pela

consciência é um ponto comun às exper iênc ias mencionadas. Quando

adormecemos, deixamos de perceber muitas co isas que se passam conosco:

que estamos deitados, mal posicionados, que temos saliva escorrendo pela

boca, que roncamos etc. Provavelmente, ninguém negar ia que durante o sono

as funções sensor iais externas ficam muito reduzidas e que na morte elas

param. O relato de Grof parece ser um caso de exper iência onír ica consciente

sob o efeito da droga.

Essa atuação da consciência dentro do sonhos e relat ivamente desligada

dos sent idos corporais pode irromper durante certos pesadelos

(Sanford,1988):

"A participação da consciência num sonho é responsável pelo fato de

as pessoas dizerem às vezes que despertam dos sonhos pela própria vontade,

especialmente quando se tornam aterrorizadores. Às vezes ouvimos das

pessoas: ‘Eu disse para mim mesmo para despertar, e o f iz’." (p. 56)

Essas pessoas dir iam a si mesmas, pr incipalmente durante sonhos

terríveis, que dever iam despertar e usar iam isso como recurso para sair da

cena onír ica indesejável. Para que o ego chegue ao ponto de dizer isso para si

mesmo, é preciso que e le tenha o discernimento de que está dormindo.

Ninguém afirmar ia que precisa acordar se não compreendesse que sonha.

Essa modalidade especia l de consciência ser ia uma var iante da

capacidade de inter fer ir conscientemente no conteúdo dos sonhos,

programando-os previamente. Isso facultar ia ao ego a chance de modificar

Page 20: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

sua forma de reagir ao contato dos elementos onír icos, desde que este não

tentasse impor seus capr ichos ao inconsciente. Ao modificar as reações no

sonho, a pessoa poder ia adquir ir exper iências novas:

"Uma das variações do sonhar programado chama-se ‘sonhar com

lucidez’. Convida-nos a nos tornarmos ‘despertos’ no sonho ou, por outras

palavras, a sermos capazes de reconhecer, no sonho, que estamos sonhando.

Dizem que isso nos capacitaria a redirecionar nossos sonhos. Se

conseguirmos fazê-lo no sentido que quisermos, ou se formos capazes de dar

ao sonho um f inal agradável ou favorável, no meu modo de pensar, isto seria

uma grande perda(. . .) . Contudo, se esse ‘estado de vigília’ for utilizado com

o objetivo de termos oportunidade de mudar nossas reações no sonho e

podermos escolher outras respostas [e não apenas as mesmas de sempre,

aquelas nas quais nos mecanizamos e às quais estamos apegados] , o assunto

já é diferente. Nesta hipótese, teríamos uma forma de ‘imaginação atuante’,

o que seria [um] processo auxiliar (. . . ) [na interação com os conteúdos

psíquicos que estão se expressando e personificando durante o sonho] . Há

grande diferença entre tentar manipular o inconsciente para adaptá-lo à

nossa fantasia e alterar as respostas de nosso ego de acordo com o que está

acontecendo em volta, e devemos nos lembrar e aproveitar essa distinção."

(grifo meu, idem, p.57)

A lucidez no decorrer do sonho dever ia ser aproveitada, isto é,

explorada. Ela ser ia um fator auxiliar no processo de auto-conhecimento,

desde que o ego a ut ilizasse corretamente ao invés de impor ao sonho os seus

capr ichos.

No nível psíquico profundo, ser ia possível até mesmo transcender

conscientemente o nível pessoal e exper imentar-se como parte da mito logia

dos povos ou confundir-se com a força cr iadora da natureza:

"Em estado transpessoal você pode ser qualquer tipo de experiência,

entre f icar com o ego - a identidade- até o princípio criador. Podemos nos

experienciar como seres mitológicos ou em níveis mitológicos de consciência

- onde o ser humano é def inido como um campo de possibilidades sem

limites." (Grof, 2000, s/p, gr ifo meu).

Haver ia a possibilidade de nos exper imentarmos conscientemente num

níve l mito lógico: sermos unos com os heró is lendár ios e ao mesmo tempo

Page 21: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

sabermos que estamos exper imentando isso. Um níve l mito lógico de

consciência é um estado psíquico no qual somos conscientemente uma figura

mito lógica.

Possuir íamos vár ios níveis conscientes em nosso inter ior e estes

poder iam ser conhecidos part icularmente pelo homem que "olha para dentro

e explora a sua consciência em seus vários níveis" (Capra, 2000, p. 227). A

existência de vár ios níveis de consciência dentro do homem e a possibilidade

de acesso a eles significar ia que não apenas uma modalidade de consciência,

a do estado normal de vigília, ser ia a rea lmente existente em nós mas haver ia

outras e estas ser iam conhecidas há muito tempo pelos or ientais. Seus

míst icos "exploraram, através dos séculos, vários modos de consciência e as

conclusões a que chegaram são, com frequência, radicalmente diferentes das

idéias sustentadas no ocidente" ( idem, p. 225).

Deste modo, o nível onír ico, que corresponde às camadas mais

profundas da psique, poder ia apresentar funcionamentos conscientes,

faculdade não exclus iva do ego vígil.

De acordo com esses estudiosos, haver ia uma realidade invísive l: a do

mundo imagina l. Ela estar ia fora do universo consciente imediatamente

acessível ao ego durante o estado normal da vigília mas poder ia ser at ingida

fora dele, sob condições especiais nas quais o func ionamento da consc iência

fosse alterado.

Referências bibliográficas:

CAPRA, Fr it jo f. O Tao da Física: um paralelo entre a f ísica moderna e o

misticismo oriental .(The Tao of Phys ics: An Exp lorat ion o f the Paralle ls

Between Modern Phys ics and Eastern Myst icism). Trad. de José

Fernandes Dias. Edição 19-22. São Paulo, Cult r ix, 2000.

GROF, Stanis lav. Estados não usuais de consciência . Palestra e depo imento

dado ao site Quiron. www.quiron.com.br/c iência.htm. Reprodução via

int ernet em novembro de 2000.

HARNISCH, Günter. Léxico dos Sonhos: mais de 1500 símbolos oníricos de

A a Z interpretados à luz da psicologia . (Das Grosse Traumlexikon: Über

Page 22: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

1500 t raumsymbole von A bis Z psycho logisch gedeutet).Trad. de Enio

Paulo Gianchini. Quinta edição. Petrópolis, Vozes, 1999.

JUNG, Car l Gustav. Memórias, Sonhos e Ref lexões . (Memories,Dreams and

Reflect ions, 1963)Trad. de Dora Ferreira da Silva. Vigésima Pr imeira

Impressão. Editora Nova Fronteira.

JUNG, C. G. Psicologia e Religião (Zur Psycho logie west licher und öst licher

Religion: Psycho logie und religion). Trad. de Pe Dom Mateus Ramalho

Rocha. Segunda edição. Petrópolis, Vozes, 1984.

SANFORD, J. A. Os Sonhos e a Cura da Alma (Dreams and Healing). Trad.

de José Wilson de Andrade. Terceira ed ição. São Paulo, Paulus, 1988.

Page 23: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Você pode ficar consciente durante o sonho(Or iginalmente publ icado na r evista Poder da Mente )

Por Cleber Monteiro MunizMu n i z, C . M . (2 0 0 2 ) . Vo c ê p o d e f i ca r co n sc i e nt e du ra n t e o so n h o. P o d er da M e nt e n º 7 , a n o 1 , p p. 4 2 -4 6 .

Na maior ia das vezes em que nos deitamos e dormimos, não

percebemos o que está ocorrendo conosco. Nossa consciência "se apaga" e

atuamos dentro do sonho sem perceber que estamos sonhando.

Não temos, nos sonhos normais, o discernimento de que dormimos.

Tendemos, quase sempre, a acreditar que estamos presenciando cenas

exter iores e não inter iores.

Entretanto, há momentos em que reconhecemos o sonho no exato

momento em que se processa. Quando isso acontece, dizemos: "Estou

sonhando, isto que estou vivenciando agora é um sonho" .

A modalidade de sonho na qua l o sonhador compreende que está

sonhando e não atuando sob forma vígil, isto é, durante a vigília, que é o

estado de quem está acordado, chama-se sonho lúcido (Eeden, 1913).

Um sonho lúc ido é, portanto, uma modalidade de estado onír ico

(onír ico é aquilo que se refere ao sonho) na qual o sonhador está consciente

do que se passa. Compreende que seu corpo dorme na cama e que via ja para

dentro de si mesmo, at ravés das pro fundidades da alma. Durante os sonhos

lúcidos, a realidade do mundo interno não é confundida com a realidade

exter ior.

Há do is modos de rea lidade: a exter ior e a inter ior. A realidade exter ior

é a t ridimensional, também denominada "material" . A realidade inter ior é a

dos sonhos, a realidade onír ica.

Assim como há um mundo exter ior, há um mundo inter ior. Podemos

dizer que é imaginal po is é feito de imaginações. São imagens int ernas de

objetos, casas, cidades, pessoas e animais. Trata-se de uma vast idão que pode

ser conhecida e explorada.

Quando temos o discernimento de que estamos sonhando, podemos

aproveitar o sonho ao máximo. É possível via jar para lugares distantes,

conhecer o que está oculto dentro de nós mesmos e aprender a nos

relacionarmos melhor com os nossos conteúdos psíquicos.

Page 24: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Se não est ivermos conscientes, confundiremos as cenas onír icas com

cenas fís icas. Por tal razão, ao sonharmos com um leão, por exemplo,

fugiremos apavorados acreditando que poderemos ser atacados. É claro que o

animal imaginal, pertencente ao sonho, é ino fensivo.

O mundo dos sonhos é real. Podemos dizer que é outro mundo,

pertencente a outra dimensão de nossa existência: "a dimensão do

inconsciente" (Sanford, 1988). É o mundo mister ioso ao qual adentrou o

profeta Isaías (Tr icca, 1992) em estado de êxtase ante uma mult idão.

Estando lúc idos, podemos ser exploradores da dimensão desconhecida e

via jar pelas longínquas do mundo interno.

Como se tornar um observador consciente nos seus sonhos

A viagem consciente ao mundo onír ico pode ser aprendida por métodos

que visam educar a atenção.

Um método consiste em nos acostumarmos a observar durante o dia as

cenas exter iores que nos rodeiam, realizando "testes de realidade" (Harar i &

Weintraub, 1993) com a intenção de descobr irmos se estamos ou não

sonhando. Se o fizermos vár ias vezes ao dia, repet iremos a mesma observação

à no ite, dentro do sonho. Como os sonhos apresentam cenas ilógicas (cavalos

que voam, elefantes arbor íco las etc.), aprenderemos a reconhecê-los at ravés

de acontecimentos impossíveis para este mundo. É um método que se base ia

na prát ica de discernir constantemente a respe ito da natureza do mundo em

que estamos aqui e agora. Func iona pela atenção cuidadosa e sincera focada

sobre os elementos que estão ao nosso redor: as pessoas, os animais, os

carros, as árvores, as casas, etc.

Para que o método da observação da realidade circundante dê

resultados, precisamos ser capazes de permit ir que as cenas observadas nos

revelem se são onír icas ou fís icas. Muitas vezes, os acontecimentos que

presenciamos nos revelam, por si própr ios, se estamos ou não sonhando. Não

necess itamos quebrar a cabeça a respeito, tentando discernir por meio de

raciocínios: basta observar. A observação revela.

Page 25: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Ao tentar discernir por meio de inferências lógicas e não de

constatações puras, nos tornamos incapazes de captar as diferenças entre os

mundos.

Outro método consiste em acompanharmos conscientemente o processo

de instalação do sono. É a técnica do relaxamento consciente , desenvo lvida

no bud ismo t ibetano e aplicada por cient istas em testes de laboratório para

indução e estudo de estados onír icos conscientes. Para aplicá-la, devemos nos

deitar e observar atentamente as alterações corporais e psíquicas pelas quais

vamos passar conforme o sono se instala. É preciso ser paciente e recept ivo.

A contemplação consciente e cont ínua do relaxamento progressivo permit e

que adormeçamos sem perder a lucidez. Um cuidado a ser tomado é o de não

bloquear o adormecimento corporal confundindo-o com perda de consciência.

À medida em que o relaxamento consciente se apro funda, passamos a

ter percepções alteradas sob múlt iplas formas e intensidade cada vez maior:

podemos sent ir vibrações na cabeça ou no corpo todo e chiados intra-

cranianos. Podemos, ainda, sent ir que estamos caindo ou que uma corrente

elétr ica nos percorre. São indicadores de que estamos at ingindo um estado

não usual de consciência.

Por fim, at ingimos a paralis ia do sono. É a últ ima etapa. Nesta fase, o

corpo não obedece mais aos nossos comandos, apesar de estarmos lúcidos,

porque está em sono profundo.

A paralisia é ino fensiva. Proporciona as pr imeiras visões e sons do

mundo dos sonhos. Para prosseguir a viagem, temos que receber as imagens e

sons internos que nos chegam, permit ir que se configurem por si mesmos

como uma cena onír ica.

A ult rapassagem do umbral entre os dois mundos efet ivamente se inic ia

quando os pensamentos e as imagens mentais se concret izam ante nossa

consciência, passando a ser percebidos com a mesma nit idez com que

percebemos os elementos do mundo exter ior durante a vigília. No instante em

que vemos e ouvimos imagens e sons int ernos objet ivamente, como se fossem

externos, estamos inser idos na dimensão onír ica.

A combinação das duas técnicas, a do discernimento diár io e a do

relaxamento consciente, acelera a obtenção do sonho lúcido.

Page 26: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

As vantagens do sonho lúcido

O medo da morte sofre atenuação quando nos exper imentamos vivos,

int actos, lúcidos e acordados enquanto o corpo está adormecido e desfalecido

no quarto.

A exper iência de estar lúcido dentro de um sonho nos põe em contato

com um estado de realidade incomum e proporciona a certeza de que não

somos apenas uma massa t r idimensional de carne e ossos.

Além disso, o contato direto com os acontecimentos onír icos nos

permit e extrair informações do inconsciente. Através da observação e do

diálogo com as figuras que surgem em sonhos, podemos descobr ir muito a

respeito de nós mesmos, de outras pessoas ou do mundo. A psique

inconsciente contém informações que ult rapassam o alcance da consciência e

podem ser acessadas durante o sono (Jung, 1963).

A superexcitação e a ansiedade intensa t razem o sonhador lúcido de

vo lta ao estado vígil contra a sua vontade. Portanto, ao nos descobr irmos

dentro de uma realidade paralela, não devemos ficar exaltados

emocionalmente ou perderemos a exper iênc ia. Por meio da serenidade,

conseguimos estabilidade no mundo inter ior e podemos pro longar a duração

do estado alterado de consciência. O medo, a alegr ia, a surpresa ou outras

emoções intensas interrompem subitamente o sonho.

Ao nos descobr irmos lúcidos onir icamente, podemos exercitar, em

estado de máxima serenidade, o vôo, a flutuação, a alteração das cenas

circundantes e o t ransporte at ravés do tempo e do espaço.

As cenas onír icas tomam forma a part ir dos impulsos conscientes e

inconscientes de pensamento e sent imento. Por isso, podemos cr iar

acontecimentos dentro do sonho lúcido através da imaginação e da vontade.

Por meio da imaginação e da vontade concentradas, podemos voar, ir à países

distantes, assumir a aparência de outras pessoas e até nos exper imentarmos

como se fôssemos e las própr ias.

O poder de inter fer ir conscientemente no roteiro do sonho depende do

grau de discernimento e liberdade de ação que nossa consciência possui; se

não est ivermos lúcidos, será muito pequeno.

Page 27: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Um novo mundo se abr irá ante aquele que aprender a viajar

lucidamente para o universo da alma. Sua vida será resignificada e sua

idiossincrassia (visão de mundo) renovada. As ent idades da psique

demonstrarão que possuem realidade objet iva (Jung, 1963). Então, o sonhador

descobr irá por si mesmo que o universo imag inal anímico do homem é, à sua

maneira, concreto. É a porta que nos permit e chegar aos limit es extremos da

ciência no que concerne às questões espir ituais e até ult rapassá-los.

Referências bibliográficas:

EEDEN, Freder ik Van. A Study of Dreams . Vol. 26. Proceedings of the

Society for Psychical Research, 1913. Disponíve l na internet via WWW.

URL: www.psycho logy.about .com/science/psycho logy/ library/weekly

Capturado em março de 2001.

HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias: O

Programa do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de Marli

Berg. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993.

JUNG, Car l Gustav. Memórias, Sonhos, Ref lexões (Memories, Dreams,

Reflect ions). Trad. de Dora Ferreira da Silva. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1963.

O Livro da Ascensão de Isaías . In: TRICCA, Maria Helena de Oliveira (org. e

comp.). Apócrifos: Os Proscritos da Bíblia . . São Paulo: Mercúr io, 1992.

SANFORD, J. A. Os Sonhos e a Cura da Alma (Dreams and Healing). Trad.

de José Wilson de Andrade. Terceira ed ição. São Paulo: Paulus, 1988.

Page 28: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

A verificação das leves alterações conscientivas no sonhoCleber Monteiro Muniz em 29 de novembro de 2001

A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o p e r mi t i da so m e n te c o m a a u t or i za çã o do a u t or .

T ex t o r e g i st r a d o. Nã o o pla gi e pa ra nã o so f r er a s p e na l ida d e s d a l e i .

Durante os sonhos, podemos apresentar diversos estados de

consciência. O discernimento de que estamos no mundo interno pode ser

total, parcial, mínimo ou nenhum.

À medida em que educamos nossa atenção víg il, os estados de

consciência dentro dos sonhos vão sofrendo alterações. Se nos educamos

diar iamente, poderemos reproduzir, sob forma onír ica, estados levemente

alterados na direção da luc idez.

O treino diár io da consciência repercurte, inic ialmente, em tênue

aumento, dentro do sonhos, dos seguintes elementos:

1. a concentração no que estamos fazendo

2. a vivência do presente

3. a observação de nós mesmos

4. a observação das cenas que nos rodeiam

As pr imeiras alterações são incipientes, leves e não correspondem

ainda ao despertar completo, sendo apenas mudanças na forma de

contemplarmos o mundo e a nós mesmos enquanto dormimos. Entretanto,

podemos nos recordar desses novos estados e anotá-los para poster ior estudo

e maior assimilação.

O discernimento intra-onír ico não irrompe de modo súbito do nada.

Resulta da alt eração progressiva e lenta dos fluxos atencionais.

Antes de efet ivamente despertarmos no mundo dos sonhos, passamos

por estados intermediár ios de semi-despertar.

Os estados internos que antecedem o despertar apresentam pequena

intensificação da concentração nas at itudes, da observação de nós mesmos, da

observação da realidade circundante e do quest ionamento sobre o modo de

existência sob o qual estamos operando no aqui-agora onírico.

Page 29: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

O exercício de recordação, anotação e análise dos sonhos deve abranger

essas sut is alterações. Convém ver ificar se, durante os sonhos, observamos a

nós mesmos ou as cenas externas e se chegamos a nos quest ionar a respeito

do possível teor onír ico daquilo que vivenc iamos em nosso mundo imagina l.

A constatação de que alterações na consciência noturna aos poucos

estão se efet ivando marca o início das comprovações pessoais no terreno

transcendente.

A comprovação de que estamos lentamente despertando no mundo

extra-vígil nos est imula a prosseguir com as prát icas atencionais no dia a dia.

Vejo, deste modo, um sent ido nas anotações dos sonhos: servem como

regist ro das transformações pelas quais a consciência onír ica passa rumo ao

despertar. E tais reg ist ros servem como est ímulo para que não desistamos de

prosseguir t rabalhando psiquicamente.

Referências:

Este art igo não possui referênc ias

Page 30: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

A realidade do mundo dos sonhos nos tempos antigos e hoje( ca p . I d e " A Ex p e r iê n c ia On ír ic a Co n sc ie n te : V ia g e n s d a Co n sc iê n c ia a o Mu n d o d o s S o n h o s" – m o n o gra fia

a pr e se nta da pa ra c o n clu sã o d o cu r so d e e sp e c ia l i za çã o e m Ab o r da g e m Ju n gu ia na p e la COG E AE da P UC -S P

e m 2 0 0 1 e or i e n ta da p ela Pr o f a D r a N o el i M o nt e s Mo ra e s)

Por Cleber Monteiro Muniz em 4/3/01

A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o o a u t or

T ex t o r e g i st r a d o. Nã o o pla gi e pa ra nã o so f r er a s p e na l ida d e s d a l e i .

Nos tempos ant igos, os sonhos eram considerados como a expressão de

um mundo verdadeiro e diferente deste. O mundo espir it ual era visto como

importante e real, ao contrár io do que ocorre ho je. As visões onír icas eram

tomadas como o contato do homem com a dimensão desconhecida de sua

existência. Disso decorr ia a grande importância at r ibuída aos sonhos nas

culturas ant igas e confirmada por Sanford (1988) ao abordar a questão da

depreciação nos dias atuais:

"(. . .) enquanto nosso tempo ignora e despreza o assunto dos sonhos,

nos tempos antigos eles eram muito mais valorizados. Tanto quanto conheço,

não existe nenhuma cultura antiga na qual os sonhos não fossem vistos como

extremamente importantes." (p.12)

Ao contrár io do que ocorre na cultura moderna, na qual não se presta

atenção cuidadosa aos sonhos e se os considera desprezíveis, o homem ant igo

atribuía importância extrema às exper iências onír icas. Essa valor ização

demonstra que eram entendidos como portadores de alguma forma de

realidade po is do contrár io não ser iam tomados em tamanha consideração.

Não se dá importância ao que não existe. Até mesmo uma ment ira ou um

boato precisam exist ir, ainda que seja sob a forma de uma idéia vaga na

cabeça de alguém, para que se dê a eles alguma importância.

Os comportamentos irracionais do homem, presentes ainda no mundo

de ho je, ser iam, para os pr imit ivos, sinais da existênc ia de uma realidade

espir itual que envo lver ia forças que os ult rapassavam. Tais forças,

incompreensíve is, mover iam os seres humanos e os arrastar iam a

comportamentos subversores do controle consciente, sendo, além disso, parte

de um universo invisíve l e poderoso mas acessível por meio dos sonhos, nos

quais também irromper ia. O mundo espir itual manifestado em sonhos

Page 31: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

possuir ia uma forma específica de realidade que ser ia sina lizada pelo

comportamento humano irracional. Haver ia ligação entre o ato de nos

comportarmos como se est ivéssemos possessos e os sonhos po is um ser ia

sinal do outro:

"O comportamento humano não é racional e a humanidade se comporta

em todo o mundo como se fosse possessa. Para o homem primitivo tudo isso

era sinal óbvio da realidade do mundo espiritual que lhe aparecia nos

sonhos. (. . . ) Persistimos em nosso materialismo racionalista, sob a ilusão de

que somos racionais e os outros não. Se há distúrbios em nossos sentimentos

e em nossa afetividade, atribuímos a causa ao que os outros nos fazem e

continuamos pensando que só tem sentido o que nos parece lógico e racional,

que só é real o que vemos, ouvimos, cheiramos, tocamos e provamos . Os

sonhos tem sentido, mas um sentido que não é lógico. São muito reais, mas

sua realidade não é apreendida por nenhum dos sentidos do nosso corpo ."

( idem, p. 14, gr ifos meus)

Nos dias atuais, acreditamos que aquilo que não compreendemos não

existe. Segundo essa forma de pensar, a existência não possuir ia um aspecto

desconhecido, um lado não entendido ; o incompreens ível ser ia inexistente.

Levada ao extremo, tal idéia nos leva a crer que sabemos tudo, que não há

mistér ios. Trata-se de uma vio lenta inflação egó ica. Em decorrência dessa

inflação, rechaçamos o mundo dos sonhos enquanto modalidade especial de

realidade por não compreendê- lo. Nosso cet ic ismo arbit rár io não nos permite

aceit ar a existência daquilo que não conseguimos compreender at ravés dos

cinco sent idos. Esses são os únicos instrumentos que sabemos usar em nossos

processos de cognição. Ignoramos que o problema está em nós e não no

mundo onír ico e que temos uma consciência adormecida e medíocre que nos

impede de exper imentar outras realidades. Não co locamos atenção sincera na

limit ação dos nossos sent idos usuais. Não percebemos os sonhos diretamente

pelos órgãos sensor iais externos e, por isso, pensamos que eles não existem,

nos esquecendo de que a realidade possui níveis ou facetas usualmente não-

sensor iais. Em tais condições, tudo se passa, para nós, como se o usualmente

não-sensor ial fosse o nada. Se isso fosse verdade, não haver ia um espectro

contendo sons inaudíveis e fe ixes luminosos invis íve is ao olho nu,

detectáveis apenas recentemente com o uso de equipamentos modernos.

Page 32: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Nem mesmo a religião conseguiu ampliar nossa consciênc ia na direção

de captar mais diretamente as realidades internas, apesar de aparentemente se

posicionar contra o arbit rár io cet icismo reinante. A igreja " já poderia nos

ter resgatado dessa f ilosof ia materialista e arrogante, se ela mesma não

tivesse renegado suas próprias tradições e, como tudo o mais, sucumbido ao

materialismo racionalista dos nossos dias. (. . . ) Ao enfatizar a vida da

instituição mais do que a da alma, deixou de lado os sonhos. (. . .) Foi o que

minou a base da vida espiritual da igreja, expondo-a ao mesmo materialismo

e racionalismo que ela combatia e que se estendeu pelo mundo inteiro. A

igreja preferiu ignorar o fato de que a rejeição aos sonhos ia contra a visão

contida na bíblia e no cristianismo primitivo." ( ibidem, p.14). O significado

que o mundo dos sonhos possui para os religiosos de ho je ser ia

completamente est ranho às comunidades cr istãs do sécu lo I. Ao rechaçá-lo,

nossa igreja teve suas bases espir itua is minadas. A vita lidade espir it ual

perdeu seu alicerce.

Certos sonhos que servem de fundamento às exper iências religiosas

possuem impressões de realidade tão impactantes que chegam ao ponto de

aterrorizar o sonhador. Eles "parecem carregados, de modo especial, com

energia psíquica. São os sonhos chamados ‘numinosos’. A palavra vem do

latim numen, que signif ica a divindade ou a força espiritual atuante. Dizemos

que experimentamos algo numinoso quando isso parece nos levar a participar

da natureza de uma realidade espiritual diferente , que existe para além de

nossa natureza pessoal. (. . . ) A santidade de Deus é a própria numinosidade.

[Rudolf] Otto enfatiza que, diante do Deus de Israel, o homem sente temor,

admiração, horror, enf im, sente o ser próprio de criatura. A numinosidade

constitui a matéria-prima da experiência religiosa." (Sanford, 1988, pp. 33-

34, gr ifo meu). Exper iências onír icas numinosas nos dão a sensação de

part icipar de uma realidade t ranspessoal. Sent imos estar em contato com algo

verdadeiro que está além de nós mesmos e nos ult rapassa. Obviamente, a

exper iência não provocar ia terror se o seu conteúdo não fosse tomado como

real.

Segundo a Bíblia, a realidade t ranscendente se revela ao homem

durante as horas do sono, embora ele não perceba:

Page 33: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

"(. . .)Deus fala de um modo, sim, de dois modos mas o homem não

atenta para isso.

Em sonho ou em visão de noite, quando cai o sono profundo sobre os

homens, quando adormecem na cama, então lhes abre os ouvidos e lhes sela

a sua instrução, para apartar o homem do seu desígnio e livrá-lo da soberba;

para guardar a sua alma da cova e a sua vida de passar pela espada." (Jó

33. 14-18, grifo meu)

Deus instrui o homem dentro do mundo onír ico e torna-o recept ivo à

Sua instrução. Ele o protege e o ajuda a evitar a morte e a espada do inimigo.

Isso não ser ia possível se mundo dos sonhos fosse tomado como irreal.

Na autobiografia do filóso fo e teólogo persa Al-Ghazzali, do século XI,

a realidade dos sonhos chegava a ser vista como a de um estado similar ao de

Deus e fornecer o dom da pro fecia. Ele considerava que "Deus aproximou o

profetismo dos homens ao dar-lhes um estado análogo a Ele em seus

caracteres principais. Esse estado é o sono. Se dissésseis a um homem sem

nenhuma experiência com um fenômeno dessa natureza que existem pessoas

capazes, em dados momentos, de desmaiar de modo que pareçam mortas e

que [nos sonhos] ainda percebam coisas que estão ocultas, ele o negaria [e

exporia suas razões para isso]. Não obstante, suas alegações seriam

refutadas pela experiência real." (apud James, 1995, p. 253)

Além de real, o mundo dos sonhos era visto como tendo conexões com

o mundo externo. Uma relação de correspondência dessa natureza pode ser

encontrada em um relato de Enoch, infe lizmente depreciado pela Igreja e

pouco divulgado, a respeito dos momentos que antecederam sua viagem

através dos sete mundos celestes:

"No primeiro dia do primeiro mês, estava eu sozinho em minha casa

descansando no meu leito, quando adormeci.

E quando estava adormecido, uma grande tristeza tomou conta do meu

coração e chorei durante o sono, e não podia entender que tristeza era

aquela ou o que iria acontecer-me.

E então me apareceram dois homens, extraordinariamente grandes,

como eu nunca vira antes na Terra; suas faces resplandeciam como o sol,

seus olhos eram como uma chama e de seus lábios saía um canto e um fogo

Page 34: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

variados, de cor violeta na aparência; suas asas eram mais brilhantes do que

o ouro, suas mãos mais brancas do que a neve.

Eles estavam em pé, na cabeceira do meu leito e puseram-se a chamar-

me pelo nome.

Acordei e vi claramente aqueles dois homens, de pé, na minha frente."

(O livro dos Segredos de Enoch 1: 4-8)

Os homens que Enoch viu no sonho estavam na cabeceira de sua cama.

Ao acordar, ele diz ter visto os mesmos homens à sua frente. De acordo com

o relato, parece haver ocorrido uma sincronic idade: ele sonhou com algo que

posteriormente aconteceu no mundo externo. Os mesmos homens vistos por

Enoch durante o sonho eram os que estavam em pé próximo à sua cama

quando ele acordou.

Um contato com o mundo espir it ual na ausência da vig ília pode ser

encontrado em uma revelação de Isaías. O pro feta teve uma visão durante a

qual perdeu os sent idos externos. Ele se manteve em silêncio e fo i dado como

morto pelos que o observavam:

"E enquanto Isaías falava sob a inspiração do Espírito Santo, e todos o

escutavam no mais profundo silêncio, o seu espírito foi elevado acima dele

mesmo, e ele não mais enxergou os que estavam em pé diante dele.

"E seus olhos permaneciam ainda abertos, mas a sua boca não proferia

mais palavras, e o seu espírito foi levado acima dele mesmo.

Ele, no entanto, vivia ainda; mas estava imerso numa visão celeste.

E o anjo que lhe fora enviado para revelar-lhe esta visão não era um

anjo deste f irmamento, nem um desses anjos gloriosos deste mundo: era um

anjo descido do sétimo céu.

E o povo que lá se encontrava com a assembléia dos profetas acreditou

que a vida de Isaías tinha-lhe sido subtraída.

E a visão do santo profeta não foi deste mundo aqui, mas uma visão do

mundo misterioso no qual não é permitido ao homem penetrar."

(O Livro da Ascensão de Isaías 6: 10-15)

De acordo com o escr ito , nos momentos em que os o lhos de Isaías

deixaram de captar as pessoas à sua frente, ele t inha uma visão de outro

mundo, mister ioso e impenetrável. Seus o lhos se mant iveram abertos durante

o contato, um possíve l ind icador de que seu estado era o de um sonâmbulo ou

Page 35: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

algo semelhante. O fato do povo reunido julgá-lo sem vida é um indicador de

que certas funções corporais t ípicas de quem esta vivo, como o movimento e

a fala, haviam sido suspensas (cadáveres normalmente não se movem). O

estado do seu corpo não era vígil uma vez que não havia consciência desta

realidade externa. A mesma ausência de consciência ocorre no sono usual, no

sonambulismo, no desmaio, na meditação, no t ranse ou no coma: em todos

esses estados o funcionamento das exopercepções é interrompido e o corpo

desfalece. Entendo que sua consciência deixou o mundo externo e penetrou

na dimensão onír ica ou fez algo muito próximo disso, pois o profeta não dava

sinais de estar acordado. O universo onír ico existe paralelamente ao fís ico

sob a forma psíquica (os mundos interno e externo são simult âneos e

paralelos) e, em geral, quando se abandona um se vai para o outro. Em todo

caso, o mundo acessado nessa exper iência fo i considerado real, o que

favorece a afirmação de que os ant igos não depreciavam a realidade inter ior.

Como se vê, os estados em que a consciênc ia deixava o corpo fís ico

eram a ponte para a realidade espir itual. As exper iências que se t inha durante

o sono funcionavam como portas ou "portais", at ravés dos quais o homem

poder ia contatar outras realidades, dist intas da usua l. O universo além dos

limit es do estado vígil não era considerado irreal ou visto como algo que

t ivesse uma existência vaga e ilusór ia. O fato de ser t ratado como uma forma

de manifestação divina demonstra que esse mundo era tomado em

consideração ser iamente.

A exper iência míst ica era obt ida enquanto se dormia. E nesse estado se

poder ia obter a autoridade de quem teve uma revelação de Deus. Uma

autoridade de tal natureza, proporcionada pela exper iênc ia religiosa

profunda, pode, segundo Willian James (1995,) chegar a destruir as bases da

formal concepção lógico-racional de rea lidade po is os "estados místicos,

quando bem desenvolvidos (. . .) quebram a autoridade da consciência não

mística ou racionalista, que se baseia apenas no intelecto e nos sentidos.

Mostram que esta não passa de uma espécie de consciência. Abrem a

possibilidade de outras ordens de verdade nas quais, na medida em que

alguma coisa em nós responda vitalmente a elas, possamos continuar

livremente a ter fé." (p. 263, grifo meu). Para ele, há vár ias formas de

consciência que dão acesso a vár ios t ipos de realidades e a religiosa, aquela

Page 36: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

que se tem nos estados míst icos, ser ia uma delas. Deste modo, as

exper iências religiosas possuir iam um fundamento real, peculiar ao t ipo de

consciência que lhe corresponde, e não falso. Fo i o que ocorreu com Enoch e

Isaías, que t iveram exper iências religiosas em estado extra-vígil e autênt icas

à sua maneira, desde um ponto de vista espir itual.

Atualmente, a valor ização dos sonhos parece estar retornando. O

cet icismo arbit rár io, aquele que está fixo na dúvida gratuita e busca adaptar

os fatos à teoria (que ser ia melhor definida como crença) e aos métodos ao

invés de adaptar estes últ imos às evidências, está ret rocedendo e a realidade

do mundo onír ico sendo levada em consideração. Sanford (1988) entende que

ho je a ciência está invest igando com mais cu idado e ser iedade os desafios

cognit ivos que lhe são lançados pelos sonhos:

"Atualmente, estamos nos aproximando da mudança. Durante o século

XX, o sonho volta a se tornar objeto válido de estudo e investigação. E

temos, por exemplo, as pesquisas sérias relativas ao sono e aos sonhos que

começaram a ser feitas depois da Segunda Guerra Mundial." (p.15)

Compreender a importância de explorar o mundo dos sonhos ao invés

de esqu ivar-se ingenuamente dos problemas postos por ele é ampliar as

fronteiras da ciência. É também aproximar-se mais da visão de Isaías, Enoch,

Jó, dos povos ágrafos atuais e das culturas ant igas e "pagãs", recuperando as

bases verdadeiramente espir ituais do cr ist ianismo pr imit ivo, descartadas pela

igreja.

A idéia de um mundo inter ior real é compart ilhada por Saiani (2000)

para quem o pressuposto de que a "realidade objet iva" e o "puramente

subjet ivo" diferem é preconceituoso uma vez que a realidade abrange eventos

fís icos e psíquicos. Levada adiante, isso significa que existem objetos

psíquicos assim como existem objetos fís icos e que nem sempre o psíquico é

subjet ivo.

Além disso, Jung (1986) entendia que o eu está cont ido em um mundo,

que esse mundo era a alma e que ser ia razoável at r ibuir-lhe a mesma validade

que se at r ibui ao mundo empír ico uma vez que ela possui tanta realidade

quanto ele. Segundo seu pensamento, a psico logia dever ia reconhecer que o

fís ico e o espir itual coexistem na psique e que, por razões epistemológ icas,

esse par de opostos fo i c indido pelo homem ocidental.

Page 37: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Dentro do homem há um universo verdadeiro, feito de imaginação, que

se faz notar incessantemente por meio de pensamentos, sent imentos,

recordações e dos sonhos, quando então se faz mais espesso e tangível. Esse

mundo no qual a ciência está penetrando aos poucos, pertence a uma

dimensão desconhecida do espír ito humano. Nós a chamamos de inconsciente

porque não temos, usualmente, contatos conscientes e diretos com ela:

"(. . .)eis uma teoria básica sobre os sonhos: originam-se em outra

dimensão de nossa personal idade a qual, pelo fato de não termos consciência

da mesma, é chamada de inconsciente. (Sanford, 1988, p.29, gr ifo meu)

Além desta dimensão em que vivemos durante a vigília, há outra: a

dimensão do inconsc iente. As regiões de onde os sonhos provém parecem

ainda ser pouco acessíve is à invest igação cient ífica no nosso atual estágio de

desenvo lvimento. Entretanto, a consideração sér ia dos mesmos enquanto

realidade passíve l de estudo livre e dos relatos de pessoas que realizam

viagens onír icas conscientes (sonhos lúcidos) pode abr ir novas portas nesse

campo e ajudar a dissipar nossa ignorância, além de ocupar um espaço que de

outra forma poder ia ser dest inado ao char latanismo e às mist ificações

irresponsáveis.

Referências bibliográficas:

JAMES, William. As Variedades da Experiência Religiosa: Um Estudo sobre

a Natureza Humana. (The Var iet ies o f Re lig ious Exper ience). Trad. de

Otávio Mendes Cajado. Décima edição, 1995. São Paulo, Cult r ix.

JUNG, C.G. & Wilhelm, R. (organizadores). O Segredo da Flor de Ouro: Um

Livro de Vida Chinês. Trad. de Dora Ferreira da Silva e Maria Luíza

Appy. Terceira edição. Petrópolis, Vozes, 1986.

O Livro da Ascensão de Isaías. In TRICCA, Maria Helena de Oliveira (org. e

comp.) . Apócrifos : Os Proscritos da Bíblia . Edição de 1995. São Paulo,

Mercúr io, 1992.

O Livro de Jó . In: A Bílblia Sagrada: O Antigo e o Novo Testamento. Trad.

de João Ferreira de Almeida. Segunda edição. Baruer i, Sociedade Bíblica

do Brasil, 1993.

Page 38: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

O Livro dos Segredos de Enoch (II Enoch) . In TRICCA, Maria Helena de

Oliveira (org. e comp.) . Apócrifos : Os Proscritos da Bíblia . Edição de

1995. São Paulo, Mercúr io, 1992.

SAIANI, Cláudio. Jung e a Educação: Uma anál ise da relação

professor/aluno. Primeira edição. São Paulo: Escr ituras, 2000.

SANFORD, J. A. Os Sonhos e a Cura da Alma (Dreams and Healing). Trad.

de José Wilson de Andrade. Terceira ed ição. São Paulo, Paulus, 1988.

Page 39: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Parte II

Atravessando lucidamente o portal dos sonhos

Page 40: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

O problema da dinâmica usual do sono e de como superá-laPor Cleber Monteiro Muniz em 04/03/01

A divulgação l ivre deste ar t igo é autor izada desde que ci tado o autor

Texto r egist r ado. Não o plagie para não sofrer as penal idades da lei .

A dinâmica usua l do sono tem a fascinação da consciência pelos

pensamentos como meio de dispensar a ident ificação do ego com o corpo

fís ico.

Essa dinâmica cons iste na subst ituição da ident ificação com o corpo

pela ident ificação com as imagens mentais. Isso ocorre porque o sono exige

um esquecimento corporal para se instalar. Se est ivermos ident ificados com o

veículo fís ico, não dormimos e não adentramos ao reino onír ico. Esse é o

mot ivo de, por exemplo, ficarmos meio insones quando temos dores fís icas.

Se nos mant ivermos ident ificados com o corpo, estaremos ident ificados

com os sent idos externos. Isso nos retém a existênc ia psíquica no mundo

exter ior. A so lução encontrada pela natureza fo i desligar as exopercepções

por meio das endopercepções em estado fascinatório, ou seja, fazer com que

fiquemos ident ificados com os pensamentos a ponto de esquecer corpo e

mundo fís icos reais. No lugar da atenção ident ificada com o corpo, passamos

a ter a atenção ident ificada com as imagens mentais, que são os pensamentos.

Essa é a dinâmica psíquica usual do sono, sem a qual não é possível

adormecer o corpo na cama.

É essencial para o sono a não-ident icação fís ica po is e le é o

esquecimento do corpo e do mundo, um leve estado de quase-morte muito

superficia l e natural. Ocorre, entretanto, que esse processo de subst ituição de

ident ificações apenas o instala e nos leva ao mundo onír ico mas não nos

fornece o discernimento de que isso ocorre.

A inexistência de ident ificação com o corpo é út il para a instalação do

sono mas não fornece nenhum t ipo de consciência. A ident ificação com

imagens mentais, por sua vez, provoca um esquecimento de que se está em

contato com cenas não-fís icas e faz com que adentremos às regiões int ernas

acredit anto estar em contato com imagens externas. O result ado disso é o

sonho usual, no qual não existe a consciência de estar do outro lado da nossa

vida. As imagens mentais, num estágio mais pro fundo do sono, se

Page 41: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

t ransformam em imagens onír icas e, ao contatá-las sem a compreensão desse

teor, ficamos po lar izados no extremo do sono: o corpo e a consciência

dormem simult ânea e paralelamente um ao outro.

Para se carregar a consciência para dentro do sonho é preciso algo mais

do que a não- ident ificação com o veículo fís ico (embora esta seja

indispensável) e o contato com as imagens int ernas. A elas prec isamos

acrescentar a consciência do caráter psíquico dessas imagens. Essa

consciência é a compreensão de que as cenas não são do mundo externo e

pertencem ao mundo inter ior.

A part ir do momento em que nos deit amos, temos que ter bem clara a

idéia de que dali em diante, nos próximos instantes, todas as cenas que

visualizaremos serão onír icas. Se essa recordação for esquecida, cairemos no

sonho usual.

A chave é conseguir uma síntese entre o despertar e o adormecer.

Precisamos de um estado que contenha simult aneamente o adormecimento e o

alerta, que sintet ize esses do is elementos contrár ios. Essa combinação não é

fácil e exige que se at ive a consciência ao mesmo tempo em que se desat ive o

corpo: aquela acorda e este adormece. A dificuldade está na idé ia comum e

muito arraigada em nossa cultura de que estar acordado é fazê-lo por meio

das exopercepções. Acred itamos que estar alerta é sempre o mesmo que estar

com os sent idos fís icos at ivos. Essa idéia é parcialmente verdadeira po is é

válida apenas para o estado vígil do corpo físico. Entretanto, fora desse

estado também podemos manter a luc idez.

Em situações normais, a tentat iva de ficar desperto bloqueia o sono.

Por isso é preciso aprender a relaxar o corpo profundamente e a entrar em

contato com as imagens psíquicas sem esquecer que estamos fazendo isso.

A antecipação do sono corporal à lucidez psíquica é pr incipal agente

sabotador dos sonhos lúcidos. Ident ificados com a vontade de dormir, nos

esquecemos de discernir e dormimos sem saber onde estamos entrando. Isso

acontece pr incipalmente quando estamos cansados e queremos rapidamente

deixar o mundo externo. Nesses casos, abandonamos totalmente o alerta

psíquico e nos entregamos ao sono física e ps iquicamente. A consc iência

adormece até mesmo antes do corpo. Por isso não conseguimos sonhos

lúcidos.

Page 42: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

O ideal é anteciparmos à lucidez ao sono. Antes de deixarmos o corpo

cair em re laxamento profundo, a consc iência precisa ser at ivada ao máximo.

Isso exige cuidado especial em não se confundir alerta com sobressalto,

tensão ou ansiedade. Trata-se de um alerta natural e t ranquilo, sem

preocupações de nenhum t ipo e sem nenhum querer. Não se pode adormecer o

corpo se ficarmos querendo que ele adormeça e não se pode ficar alerta se

também ficarmos querendo isso. Ao querermos que isso ocorra, nos

ident ificamos com esse desejo e fracassamos, seja por ficarmos insones, seja

por dormimos em estado conscient ivo usua l. Esse querer é egó ico e

capr ichoso: o ego quer controlar a prát ica e impor sua vontade. Os processos

psíquicos não se submetem a isso e se rebelam.

Uma forma de deixar a ident ificação com o corpo, antecipar a lucidez

ao sono, não bloquear o processo letárgico corporal e ao mesmo tempo

manter o discernimento de estar em contato com imagens int ernas é a

concentração. Por meio dela, a consciência do que se está fazendo é mant ida

e se acompanha todo o processo em estado de lucidez. Por isso muitas

culturas, inc lusive as relig iosas, a usam para induzir exper iências onír icas

desse t ipo. O objeto da concentração var ia conforme a época e o lugar:

mantrans, orações, imagens agradáveis, cenas onír icas passadas etc. O único

que interessa é ter um grande poder de concentrar o pensamento. Concentrar

o pensamento é reduzir todos os pensamentos a apenas um. Isso se consegue

prestando atenção em uma única imagem e excluindo as demais, esquecendo-

as. Deve-se desenvo lver mais e mais a imagem esco lhida, sem adotar nenhum

limit e para isso (Jung apud Sanford, 1987, pp. 158-159). Por este meio

chega-se ao sono corporal profundo sem perder a consciência. É preciso

mergulhar na imagem mental esco lhida, ca ir dentro dela sem nenhum medo e

a ela entregar-se de modo total e com plena lucidez. Temos que observar o

que estamos fazendo, perceber que estamos começando um sonho, que a

imagem não é fís ica etc. Temos que saber o que está acontecendo apenas por

meio das constatações diretas e sem raciocinar a respeito, inclusive nos casos

ou situações em que as co isas não estão claras. Combate-se a confusão com

atenção lúcida e não com raciocínios.

Um erro muito grave é confund ir a concentração com um esforço

egó ico. Semelhante confusão promove um conflito entre um ego que quer se

Page 43: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

concentrar e muitos outros egos dentro da pessoa que não querem aquilo. Na

verdadeira concentração, não há esse conflito por que o papel da consciência

não é impedir que os múlt iplos pensamentos ocorram mas apenas prestar

atenção em único pensamento e isso é diferente. O único que precisamos

fazer é focar e manter a atenção em uma imagem esco lhida esquecer as

demais, de ixando-as à vontade em suas respect ivas reg iões internas para se

processarem. Há uma diferença radical entre prestar a atenção em um

elemento psíquico esco lhido entre muitos que se movem e impedir esses

muitos de se moverem. O que nos interessa é apenas uma imagem entre as

milhares que se movem ininterruptamente em nossa mente. As demais devem

ser esquec idas. Querer silenciá- las não é esquecê-las e lembrar delas. Com a

recordação elas se nutrem mais e mais porque a recordação t raz ident ificação.

A exper iência onír ica consciente resulta naturalmente da atenção

cuidadosa e despreocupada.

Referência bibliográfica:

SANFORD, J. A. Os Parceiros Invis íve is: o masculino e o feminino dentro de

cada um de nós. (The Invis ible Partners). Trad. de I. F. Leal Ferreira. 5 ª

edição. São Paulo, Paulus, 1987.

Page 44: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Como lidar com os sinais que antecedem uma experiência onírica

conscientePor Cleber Monteiro Muniz

A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o o a u t or

T ex t o r e g i st r a d o. Nã o o pla gi e pa ra nã o so f r er a s p e na l ida d e s d a l e i .

Quando nos posicionamos para repousar e começamos a relaxar, surgem

sinais que indicam a aproximação progressiva do estado letárgico.

A percepção consciente desses sina is é út il por nos avisar a respeito da

necess idade de maior cuidado uma vez que em tal momento a hora de deixar o

estado vígil está chegando. Temos sempre a tendência de crer que estamos

longe da t ransição para o sono, mesmo quando ela está bem próxima.

Essa crença equivocada se baseia na idéia inconsciente de que não há

uma vig ília em estados corporais pro fundamente letárgicos e em meio a cenas

onír icas. Supomos que o fato de estarmos um pouco despertos é um indicador

de que estamos longe do sono.

A aproximação progressiva do adormecimento corporal pode ser

ident ificada pela maior nit idez das vozes internas. Poucos instantes antes de

adormecermos, as vozes inter iores falam em nossa cabeça com nit idez cada

vez maior. A progressão da nit idez é sut il e acontece parale lamente ao

processo de aprofundamento do sono.

À medida em que o processo letárgico corporal aliado ao despertar

conscient ivo no mundo psíquico avança, as vozes são ouvidas como se fossem

fís icas e são acompanhadas por endopercepções de teores não-sonoros:

visuais, táteis, gustat ivas e o lfat ivas. Todas chegam à consciência com

nit idez e int ensidade equivalentes às proporcionadas pelas percepções

externas e às vezes até maiores. Isso se deve ao alto grau de numinosidade

das imagens internas.

Nessa etapa, tendemos a perder a vigilância devido ao poder altamente

hipnót ico dos pensamentos. Dever íamos intensificá-la e acompanhar a

exper iência para esperar o resultado.

A maior ia dos prat icantes que tentam a lcançar a exper iência onír ica

consciente tendem a reagir às pr imeiras imagens numinosas com espanto,

Page 45: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

medo, ansiedade, cur iosidade ou uma imensa eufor ia por estarem adentrando

a um mundo extra- físico. Essas reações podem afugentá-las, fazendo a prát ica

fracassar.

O prat icante precisa manter a constante recordação de que está

presenciando uma realidade onír ica e fantást ica que corresponde ao seu

universo imaginal, sendo totalmente dist inta da realidade física. Se essa

recordação for perdida, ele fica submet ido ao poder hipnót ico das imagens, se

torna vít ima de sua numinosidade e perde o estado posit ivo alterado de

consciência, caindo em um sono/sonho usual. A exper iência t ranscendente

fracassa quando nos esquecemos que estamos em contato com cenas de um

mundo onír ico. Não devemos confundir a rea lidade externa com a interna,

devemos discernir.

O recomendável é não reagir aos pr imeiros sinais com nenhum t ipo de

surpresa ou eufor ia e, ao mesmo tempo, conseguir acompanhá-los. Para tanto

o ego deve ficar "amarrado". É preciso observar os sinais inic iais em

imobilidade psíqu ica total, como se faz ao observar animais selvagens, e

acompanhar seus movimentos subsequentes sem espantá-los. Qualquer

movimento brusco ou sut il do ego, seja de t ipo sent imental ou intelectual

(tentat iva de entender ou encaixar o que está sendo visto em preceitos lógicos

conhecidos etc.), os afugenta.

O t rabalho é árduo porque temos que unir do is extremos: observar os

sinais e, ao mesmo tempo, não afugentá- los. São dois processos que

normalmente não se combinam muito, não se realizam simultaneamente.

Também não devemos nos fascinar por nenhuma imagem mas sim receber seu

caráter numinoso sem com ele nos ident ificarmos.

Procedendo assim, vamos muito longe na exper iência. Dormimos para

este mundo e acordamos para o outro.

Referências:

Este art igo não possui referênc ias.

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A técnica do relaxamento vigilantePor Cleber Monteiro Muniz em 27 de abr il de 2002.

Publ icado na r evista Viva Melhor .Mu n i z, C . M . (2 0 0 2 ) . So n h o s Lú ci d o s: A T é c ni ca do R e la xa m en t o V i gi la n t e . T é c ni ca s d e R ela xa m e nt o e

M e di ta çã o , nº 9 , a no 1 , pp 4 4 -4 8 ( e di çã o e sp e cia l d e V i va M e l h or ) . E sca la .

Uma das dificuldades que encontramos na prát ica dos sonhos lúcidos é

a incapacidade de induzi- los à vontade, quando bem queremos.

Muitas pessoas sonham lucidamente mas de maneira esporádica, sem

uma regular idade definida. A lucidez intra-onír ica lhes ocorre

repent inamente, sem que a esperem ou busquem, e, da mesma maneira,

desaparece por longos per íodos.

Esse problema pode ser atenuado. Podemos at ingir estados onír icos

conscientes com mais regular idade quando aperfeiçoamos uma técnica para

sua indução denominada "relaxamento consciente" ou "relaxamento

vigilante".

A técnica do relaxamento vigilante fo i largamente ut ilizada no Tibete

para o ingresso profundo no mundo dos sonhos sem perda do discernimento

consciente (Harar i & Weintraub, 1993):

"Os iogues do antigo Tibete que seguiam a Teoria dos Sonhos eram

conhecidos por suas extraordinárias proezas mentais. Diz-se que, usando um

método extremamente poderoso de imagens mentais dirigidas, eles

conseguiam penetrar cada vez mais profundamente dentro de si mesmos até

começarem a sonhar – sem nunca perder a percepção consciente.

(. . . ) os iogues que seguiam a Teoria dos Sonhos tinham controle quase

total sobre amplos aspectos de seus sonhos lúcidos. Usando sua habil idade

para sonhar lúcidos, eram capazes de criar inf initos Jardins do Éden

oníricos, explorar realidades alternativas e entender de assuntos como a

natureza da realidade e o signif icado da vida.

(. . .) a alta lucidez baseia-se numa técnica conhecida como relaxamento

vigilante, na qual o corpo se torna cada vez mais relaxado enquanto a mente

permanece vígil. Os atletas costumam entrar, muitas vezes, neste estado de

consciência alterado para ensaiar mentalmente suas evoluções." (p. 56)

Page 47: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

O relaxamento vigilante pode ser t reinado e aperfeiçoado. Basicamente,

consiste em permit irmos que as alt erações corporais e psíqu icas que

acompanham a instalação do sono entrem em nosso campo de consciência.

Quando nos deit amos para dormir, muitas t ransformações têm iníc io: os

músculos lentamente se afrouxam, a respiração se alt era e as imagens e sons

mentais se tornam mais vívidos. O que temos a fazer é atuar como

facilitadores dessas t ransformações. Ao invés de bloqueá-las, temos que

acompanhá- las deixando que sigam seu curso natural, sem apressá-las ou

retardá- las. Ao mesmo tempo, não devemos ficar passivos mas atuar

removendo conscientemente os obstáculos para a instalação do sono: as

tensões musculares.

Podemos começar pelos pés, recebendo na consciência as tensões ali

existentes e "desatando-as". Em seguida, fazemos o mesmo com as pernas, o

tronco, os braços e a cabeça. Temos que procurar nos sent ir cada vez mais

leves e so ltos, livres de toda preocupação, medo, ans iedade etc.

Por vezes somos invadidos por sent imentos ou lembranças. Se

tentarmos repr imi- los, cr iamos um problema. O mais adequado é

simplesmente recebê- los para constatar o que contém. Qual é o sent imento

que está nos assaltando? De onde vem? A que se refere? Agindo assim, os

assimilamos em nossa consciência e podemos prosseguir.

Nesses momentos podem surgir a impaciênc ia, a pressa, a vontade de

mudar a posição do corpo, dores fís icas, desor ientação a respeito do que

fazer, lembranças do passado, fantasias etc. São obstáculos superáveis pela

compreensão. Os compreendemos quando, sem nenhum preconce ito, os

observamos com cur iosidade natural, descobr indo o que são e em que

consistem. Assim, nos ocupamos com os obstáculos na ordem em que surgem

e os abandonamos na medida em que se disso lvem, para em seguida nos

ocuparmos com outros que vão aparecendo.

Podemos comparar a prát ica do relaxamento vigilante a uma estrada

que conduz ao centro de um país e ao longo da qual há vár ios obstáculos. Ao

passarmos pelos obstáculos sem perder a consciência, vamos penetrando mais

e mais no país dos sonhos.

Um erro a ser evitado é o de tentar simplesmente rechaçar os

obstáculos à força bruta. Ao fazê- lo, cr iamos um conflito entre nosso dese jo

Page 48: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

de relaxar conscientemente e os desejos de inúmeros elementos psíquicos

inconscientes autônomos, os quais têm suas própr ias metas e não estão nem

um pouco interessados em nossa prát ica. Então ficamos estancados,

envo lvidos na tensão de forças opostas e até podemos retroceder.

Os obstáculos são superados na medida em que são assimilados e os

assimilamos quando os compreendemos. Ao invés de nos prendermos em uma

tensão de forças, melhor é observar o que se passa conosco, com interesse

sincero em descobr ir o novo.

À medida em que o relaxamento vigilante se apro funda, a consciência

se intensifica e não sofre a redução que se ver ifica no sono normal. Como

resultado, o corpo adormece e nos vemos dentro de um sonho com plena

lucidez e discernimento. Então compreendemos que estamos em uma

dimensão existencial paralela à vígil e exclamamos: "Eu, agora, estou dentro

de um sonho."

Ao nos acostarmos, convém que o façamos em uma posição cômoda e

que sint amos o ato de dormir com toda naturalidade, exatamente como o

fazemos quando estamos cansados, porém conscientemente. Este empenho em

manter a consciência não deve ser entendido como um esforço mas s im como

o ato de nos darmos conta cont inuamente do que está se processando. Trata-

se apenas de manter a atenção no presente, acompanhando tudo o que ocorre

conosco à medida em que relaxamos mais e mais.

A compreensão se forma pela percepção do que ainda não havia sido

percebido e isso se consegue pela observação.

Aplicando esta técnica, at ingimos um ponto em que nossos

pensamentos e imaginações se tornam muito nít idos e vivos, o que indica que

já estamos ingressando no país dos sonhos, ou seja, que estamos no ponto em

que nossa estrada acessa o "lado de lá" da fronteira.

O relaxamento vigilante se apro funda, portanto, a part ir da lucidez e da

compreensão e não do simples esforço cego.

O empenho em manter a lucidez é completamente dist into do empenho

em manter o corpo físico desperto e at ivo. Não devemos resist ir ao sono mas

devemos nos empenhar em manter a lucidez, levando-a conosco até o final,

quando at ingiremos adiantados níveis de letargia corporal.

Page 49: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Observar a progressão do relaxamento de modo cont ínuo é estar

concentrado e atento. Se nos descuidarmos da atenção, nos dist raímos e

perdemos a oportunidade.

O sono e o sonho são indispensáveis à saúde fís ica e psíquica. Ao

acompanhá- los conscientemente, permit indo que t ranscorram normalmente,

nos tornamos co laboradores de um processo natural e benéfico.

* * *

Para melhor entendimento, podemos dividir a aplicação da técnica nas

seguintes etapas:

1. Escolha uma posição que lhe pareça cômoda e relaxante para dormir.

Sinta-se adormecendo com toda naturalidade (mas sem perder a lucidez)

focalizando a atenção em si mesmo.

2. Procure desfazer todas as tensões musculares que detectar (as piores

são as da cabeça e do rosto). Aprofunde um trabalho incansável de encontrar

e desfazer tensões.

3. Quando perceber o corpo físico bem relaxado, esqueça-o. Comece

então a acompanhar conscientemente a procissão de imagens que desfilam em

sua mente e as emoções que lhes correspondem. Observe o teor de cada uma

delas: o que dizem, o que contém, a que se referem. Esco lha uma e a

acompanhe. Prossiga ass im até vê- la e ouvi-la inter iormente com a mesma

nit idez com que normalmente são escutados ou vistos os objetos fís icos

quando estamos com os o lhos abertos.

4. Receba as pr imeiras imagens onír icas tal como lhe chegarem. Não

tente contê- las ou compará- las a nada. Nesta altura você deverá estar no

sonho lúcido.

5. Tente deslocar-se dentro do sonho e boa viagem.

Observação:

Os sonhos lúcidos não são r ecomendáveis para pessoas super st iciosas ou que

tenham fobia do sobrenatural. Como nos t ranspor tam a estados de r eal idade ainda não

muito assimilados por nossa extrover t ida cul tura ociden tal , são exper iências psicológi cas

que requerem in teresse genuíno em se con tatar a dimensão tr anscenden te do espír i to

humano.

Page 50: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Referência bibliográfica:

HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias : o

Programa do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de Marli

Berg. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993.

Page 51: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Parte III

Reconhecendo o sonho enquanto o sonho acontece

Page 52: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

A percepção consciente dos traços oníricos sutisPor Cleber Monteiro Muniz em 09/05/01

A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o s a fo nt e e o a u to r

T ex t o r e g i st r a d o.

Além dos elementos fortemente subversores da lógica formal fáceis de

detectar, que ser iam totalmente impossíveis e absurdos para o mundo da

vigília , os sonhos são r icos em traços sut is que os denunciam. Correspondem

a combinações de acontecimentos que se encaixam perfeitamente na lógica

vígil mas que não correspondem à conformação usual do que vivemos

diar iamente ou à "forma como as co isas dever iam estar". São alterações leves

na forma como as co isas comumente estão.

Nossa casa com um quadro novo, nosso carro com um arranhão que não

possuía no dia anter ior, nosso computador fora de lugar ou com um comando

diferente não são impossíveis e nem absurdos para a lógica em que vivemos

durante o dia. No entanto, podem auxiliar a reconhecer um sonho.

Se nos acostumamos a usar as alterações na conformação usual de

acontecimentos de nossa vida como est imulador da recordação em discernir, o

faremos sempre que algo novo acontecer. Isso repercurt irá à no ite.

O importante é nos educarmos para sempre reagir a tudo o que é novo

com a observação da realidade em que nos encontramos. A observação não

deve ser passiva, automát ica mas sim at iva e consciente.

A part ir do momento em alguma novidade nos chame a atenção,

precisamos observar os acontecimentos presentes à procura de mais

alterações ou novidades até que descubramos se realmente estamos no mundo

fís ico. Quando o lharmos ao redor, temos que fazê-lo buscando alterações na

realidade, acontecimentos est ranhos.

A prát ica de observação para o discernimento se fundamenta na

estranheza. O que não for usual deve nos causar est ranheza. Devemos

estranhar tudo o que se desloque da configuração usual de acontecimentos

que conhecemos. Se nos educamos para perceber as alt erações sut is, as

grandes alterações e os grandes absurdos serão ident ificados pe la consciência

onír ica.

Page 53: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Nossa consciência, adormecida, é míope para as alterações sut is. Nos

sonhos elas surgem aos milhares e não as vemos. Por meio da educação da

atenção, no entanto, aprendemos a captá- las conscientemente mais e mais.

A percepção consciente do sut il precisa ser exerc itada com cuidado e

disciplina durante o dia. As leves alt erações na configuração dos

acontecimentos diár ios precisam ser tomadas como mot ivo de observação e

auto-quest ionamento a respeito da dimensão da existência em que estamos

num dado momento.

É claro a reação consciente ao sut il não implica em abandono do

cuidado observacional em face de situações extremas como uma viagem a um

país para o qual nunca fomos ou um cão falando ao telefone.

Os t raços t ipicamente onír icos, indicadores da realidade fantást ica,

apresentam uma escala que vai das pequenas modificações do que pertencer ia

à realidade t ridimens ional até o extremo das situações completamente

impossíveis e absurdas. A subversão da lógica víg il apresenta graus aos qua is

a consciência educada estará atenta. Seu campo abrangerá os indicadores

pequenos e os grandes.

Há casos em que a diferenciação entre os modos de realidade vígil e

onír ico é muito difícil por ambos se apresentarem à pr imeira vista como

idênt icos. Quando isso ocorre, a tarefa de discernir é como a de diferenciar

dois irmãos gêmeos: exige uma observação acurada que vá além do que se

revela à pr imeira vista.

Referências:

Este art igo não possui referênc ias.

Page 54: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

O reconhecimento da realidade intra-onírica durante o sonoPor Cleber Monteiro Muniz em 25/04/2001

A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o s a fo nt e e o a u to r . T e xt o r e gi s t r a d o.

" I ’ v e g o n e b e y o n d to s e e th e t ru th " ( I r o n Ma i d e n)

Os sonhos pertencem à anatomia sut il do homem. Inacessíveis

diretamente aos sent idos externos, escapam a análises que negligenc iam sua

natureza essencial ao não tomá-los tal como são: acontecimentos sut is e

pertencentes ao universo imaginal.

Pelo subdesenvo lvimento das endopercepções, há quem tome os sonhos

como fenômenos "virtuais", algo ao est ilo das imagens cinematográficas ou

das simulações por computador.

No que se refere à inexistência dos sonhos enquanto concretude

exter ior isso é verdadeiro. Os fenômenos onír icos e os virtuais realmente

possuem uma mesma modalidade de inexistência: a exter ior concreta. Sob

esse aspecto são idênt icos. Porém há uma diferença que precisa ser

considerada.

Quando presenciamos cenas simuladas na televisão ou em

computadores, mantemos o discernimento de estarmos em contato com

imagens não concretas do ponto de vista externo. Ainda que so framos pelo

dest ino do mocinho da histór ia ou fiquemos amedontrados com o monstro que

surge na tela, sabemos que aquilo não está fis icamente presente. Mesmo no

caso de t ransmissões ao vivo, nossa consciênc ia de que as imagens da tela

diferem do objeto representado é mant ida. Compreendemos que as pessoas,

animais e paisagens visualizados não estão exter ior e concretamente inser idos

dentro do aparelho. É preservado o discernimento do teor das cenas.

Algo oposto ocorre nos sonhos usuais. Enquanto o corpo físico repousa

na cama, o ego sonhador saboreia vivamente as imagens que desfilam diante

dele. Não há, no estado onír ico usual, o discernimento de estarmos sonhando.

O teor das cenas contatadas não é compreendido. Em decorrência disso,

acredit amos estar "acordados" (vivendo no mundo vígil) em pleno sonho e, a

despeito dos muitos sinais indicadores presentes, não nos damos conta de

nossa inserção em um universo imaginal. Dificilmente temos um sonho como

Page 55: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

o relatado por Jung em "Memórias, Sonhos e Ref lexões" , no qual lhe apareceu

a imagem da esposa já falecida e havia a lucidez de que a cena era onír ica.

Ident ificados com as imagens, não nos ocorre, em situações normais,

uma auto-indagação de que podemos estar em um mundo de sonhos.

Sob o aspecto supra-citado, os sonhos e as imagens virtuais diferem

totalmente. Nos pr imeiros não há o discernimento e no segundo há.

A indist inção entre realidade onír ica e vígil provém do alto grau de

numinosidade dos objetos que percebemos. Mediante a recordação de

exper iências onír icas conscientes (sonhos lúc idos) descobr imos que as

viagens noturnas nos levam a regiões de nós mesmos que apresentam impacto

numinoso e impressão de realidade idênt icos aos do mundo fís ico e até mais

int ensos.

A confusão da realidade externa com a interna enquanto dormimos é

acompanhada pela fuga aterrorizada nos pesadelos ou pela crença de termos

nos sonhos as mesmas obr igações da vida t r idimensional.

Mediante a educação da atenção durante o estado de vigília, podemos

transcender esse condic ionamento e, aos poucos, vamos despertando nos

mundos internos. Isso pode parecer novo e até est ranho para nós mas não para

as culturas indígenas e or ientais. Também não era est ranho nos tempos

ant igos. No t ibete, os sonhos lúcidos são t rabalhados por meio da medit ação

(Harar i & Weintraub, 1993)

A existência de uma modalidade específica de vigília intra-onír ica, um

estado alterado de consciência no qual o sonhador possui a lta lucidez, é

abordada em trabalhos de LaBerge (apud Lucid ity Inst itute) e Eeden (1913).

Não assimilamos pro fundamente, em nossa consciênc ia atual, a

existência de outras vidas e realidades paralelas à vígil. Nesse campo, t ribos

norte-americanas e as iát icas têm a lgo a nos ensinar (Harnisch, 1999).

Em parte, nosso atraso nesse campo se deve à indist inção entre ciência

e intelecto. Ao contrário das culturas indígenas, ser ia impensável, na

moderna cultura ocidental, um homem de ciência que não fosse intelectual. O

efeito colateral dessa unilateralidade é a exc lusão de modalidades conscientes

de exper iências inacessíve is ao instrumento de cognição culturalmente

legit imado. Como tais exper iências são, além de humanas, arquet ípicas,

Page 56: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

prosseguem reforçando tendências míst icas à margem da ciência e, não

poucas vezes, entre pessoas com pequeno grau de instrução.

Nós, ocidentais modernos, nos po lar izamos excessivamente na

extroversão e acreditamos que os reinos inter iores não existem ou, quando

muito, existem sob a forma "virtual". Em razão desse funcionamento

consciente po lar izado e fixo, não temos ainda uma avançada e ofic ialmente

reconhecida cu ltura de sonhos que se equipare a de certos povos que resistem

ao furacão etnocida que varre o planeta. Parece-me importante que

aprendamos a arte do sonhar e o cult ivo da consciência intra-onír ica com as

culturas pr imit ivas, ant igas e orientais. É importante que resgatemos o

conhecimento que possuem e que as ajudemos a preservá-lo e difundí-lo.

O menosprezo para com modalidades de ciência pertencentes a culturas

diferentes da nossa pode estar ocultando um preconceito racista eurocêntr ico:

por t rás da negligência pode haver a crença de que a cultura do homem

branco pertence ao topo do processo evo lut ivo humano e abarca todas as

formas possíve is de cognição.

Referências bibliográficas:

EEDEN, Freder ik van. "A Study of Dreams". (1913) Reprodução via int ernet

em março de 2001. Psy c o lo g y.a b ou t . c o m/ sc i en c e / psy c h o lg y / l ib ra r y/ we ek ly /a a 1 0 3 0 0 0 a .ht m

HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias :o

Programa do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de Marli

Berg. Rio de Janeiro, Ediouro, 1993.

HARNISCH, Günter. Léxico dos Sonhos: mais de 1500 símbolos oníricos de

A a Z interpretados à luz da psicologia . (Das Grosse Traumlexikon: Über

1500 t raumsymbole von A bis Z psycho logisch gedeutet).Trad. de Enio

Paulo Gianchini. Quinta edição. Petrópolis, Vozes, 1999.

JUNG, Car l Gustav. Memórias, Sonhos e Ref lexões . Trad. de Dora Ferreira da

Silva. Vigésima Pr imeira Impressão. Editora Nova Fronteira.

LUCIDITY INSTITUTE. Perguntas mais comuns (e suas respostas) sobre o

sonho lúcido . In: Jornal Sonhos no 1. Disponível via int ernet em janeiro

de 2001. www. g ol d . c o m. br /~ so nh o s / lu c id e z . ht m l

Page 57: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

O discernimento pela memória residualPor Cleber Monteiro Muniz em 03/04/2001; a tual izado em 24/02/2004.

Durante o sonho persiste no ego uma recordação residual, semi-

consciente, de que as at ividades da vida víg il terminaram. É uma recordação

tênue porém normalmente está presente e pode ser ut ilizada como apo io para

discernirmos que estamos fora da vida fís ica. Trata-se de uma memória

residual de nos termos deit ado e concluído os nossos afazeres diár ios. À

medida em que os agregados psíquicos são disso lvidos, essa recordação

aumenta de modo natural.

Podemos ut ilizá- la como recurso adicional para desenvo lver a lucidez:

ao nos perguntarmos, intra-onir icamente, se estamos ou não no mundo dos

sonhos, podemos nos valer da recordação tênue para obter a resposta.

É imprescindíve l confer ir a esse procedimento um significado adicional

e não subst itut ivo. O discernimento pela memória residual não subst itui a

prát ica de o lhar para os objetos externos buscando a revelação do mundo em

que estamos. Tampouco subst itui as est ratégias de adormecer

conscientemente ou de atentar para fatos que desafiam a lóg ica

tridimensional.

A refer ida modalidade de discernimento consiste em buscar a resposta

na recordação e não na observação. Para sabermos se estamos em sonho, nos

perguntamos: "Eu já me deitei para dormir ou não?" . Se houver uma

recordação tênue, ela pode nos dar a resposta. Completa-se o t rabalho com a

observação externa lúcida e ver ificatório-confirmatór ia, além da constatação

de acontecimentos t ípicos da lógica fantást ica. Temos que entender que a

pergunta pr incipal ("Em que mundo estou?"), cuja resposta é baseada na

observação, não é descartada em função da secundár ia. Esta a completa no

caso da mesma não ser suficiente para proporcionar a lucidez onír ica. Quando

a diferenciação for muito difícil, por tudo estar muito igual à realidade fís ica,

podemos apelar para a pergunta secundár ia como meio de instalar uma

desconfiança inicia l.

Uma desconfiança com relação ao caráter numinoso das cenas é

indispensável no discernimento. É justamente a numinosidade, associada à

idéia inconsciente de que não existem reinos inter iores com impacto de

Page 58: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

realidade equiva lente ao fís ico, que nos leva forçosamente a sempre acredit ar

que estamos na vida t r idimensional, ainda que estejamos fora dela.

No que se refere à aquis ição de lucidez, há do is t ipos de sonhos:

1. Sonhos que apresentam anormalidades que os denunciam;

2. Sonhos idênt icos à realidade exter ior.

A pr imeira modalidade onír ica é facilmente reconhecida pela

observação das cenas circundantes. Apresentam elementos subversores da

lógica vígil: acontecimentos absurdos, rupturas lógicas, saltos no tempo e no

espaço. A lucidez, nesse caso, requer apenas que se prat ique no mundo físico

um estado de alerta com relação a tudo o que fugir da lógica comum.

A segunda modalidade é a mais difícil de ser reconhec ida pelo

sonhador. Nesses casos, os sonhos são compactos, espessos e coerentes. Os

enredos são longos e marcados por uma semelhança muito grande com a

realidade fís ica. O ego onír ico não vê absurdos e, por tal mot ivo, não detecta

diferenças com relação ao mundo exter ior. A observação da cenas

circundantes não surte efeito em tais sonhos porque não há t raços de

onir ic idade a serem observados.

O onironauta que conseguir luc idez nos sonhos idênt icos à realidade

exter ior conseguirá facilmente a lucidez nos demais. O único elemento que a

permit e é a memória autobiográfica recente e altamente recenta por conter a

lembrança residual de onde est ivemos há pouco.

Deste modo, há duas maneiras de exercitar o discernimento: 1) pela

observação dos fatos externos; 2) pela recordação de onde est ivemos.

A memória onír ica autobiográfica recente e altamente recente é

residual pela falta de uso. Podemos t irá- la da atrofia ao exercitá-la por meio

de auto-indagações como: "já adentrei ao sonho?", "será que não deixei meu

corpo dormindo há pouco?", "estas cenas tão evidentemente reais e fís icas

que vejo não podem ser já as cenas de um sonho?".

O exercício precisa ser repet ido infinit amente no mundo fís ico, durante

o estado vígil. O segredo consiste em sent ir no fundo do coração as

perguntas, querendo sinceramente a resposta verdadeira. É algo emocional e

não racional, como parece à pr imeira vista; t rata-se de sent ir o desejo de

descobr ir. A emoção é chave. Quanto mais int ensa e pro fundamente

Page 59: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

dese jarmos a resposta, maiores serão as chances de discernirmos que estamos

sonhando.

Referências:

Este art igo não possui referênc ias.

Page 60: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Parte IV

Exercitando o discernimento e testando a realidade

Page 61: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Cuidados na educação da atenção vígil

(Educação Psíquica para o Despertar Intra-Onírico)Mu n i z, C . M . (2 0 0 1 ) . A E x p er i ê n c ia O n í r i ca C o n sci e nt e : Ed u ca çã o P s í qu i ca pa ra o De sp e r ta r I n t r a -O ní r i c o

( t í tu l o or ig i na l ) . Ca t ha r s i s , a n o 7 , n . 3 9 , p p. 8 -9 . Ma r i g n y & Ke r b er .

Originalmente publ icado na r evista Cathar sis. Úl t ima atualização em 14 de janeiro de

2002.

Por Cleber Monteiro Muniz

"I prepared mysel f for carefull observat ion, hoping to prolong and to in tens if y the

luc idi t y"

(Frederik van Eeden)

O despertar intra-onír ico exige uma cu idadosa disciplina da atenção

durante o dia. Temos que aprender a discernir constantemente se estamos em

contato com cenas onír icas ou físicas.

O discernimento advém da constante educação do funcionamento

consciente durante a existência víg il, isto é, provém de um treinamento

psíquico efetuado enquanto estamos inser idos na realidade t r idimensional.

A análise dos sonhos revela que boa parte da dinâmica onír ica é reflexo

da postura consciente assumida durante o dia. A consc iênc ia pode influir

sobre funcionamentos inconscientes (Jung, 1963):

"(. . .) da mesma forma que o inconsciente age sobre nós, o aumento da

nossa consciência tem, por sua vez, uma ação de ricochete sobre o

inconsciente." (p. 282).

Se quisermos obter sonhos lúcidos, temos que adquir ir o costume de

nos perguntarmos constantemente durante o estado de vigília:

"Onde estou? Estou em um sonho? Estas cenas que vejo são onír icas?"

A indagação precisa ser sincera e a dúvida verdadeira. É importante

que a resposta seja buscada pela observação direta dos acontecimentos

externos e, co loquemos muito cuidado nisso, sem o recurso à lógica ou ao

pensamento. Os raciocínios sabotam o discernimento. Na prát ica diár ia de

auto-indagação devemos subst ituir o raciocínio pela observação da realidade

circundante como meio de diferenciação. Por meio desta, a natureza onír ica

ou não-onír ica dos acontecimentos configurados na realidade presente que

nos cerca se revela por si mesma. A aprendizagem proposta é a de captar a

Page 62: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

natureza do aqui-agora sent indo-a no fundo da consciência, por meio da

observação lúcida e sem inferências adicionais. Trata-se de aprender a ver o

mundo com o interesse sincero de descobrir o teor de sua existência. Para

tanto, os próprios elementos componentes da cena vivida e quest ionada nos

revelam se estamos sonhando. Não é necessár io que fiquemos pensando a

respeito para concluir, pela lógica que conhecemos, se estamos acordados ou

dormindo.

Ao focarmos a consciência durante o dia na realidade presente que nos

cerca, com o intuito de captar se estamos no mundo t ridimensional ou

onír ico, a estamos ampliando, aumentando. Isso se reflete à no ite. Em pleno

sonho, repet imos o funcionamento consciente indagatório ao qual nos

acostumamos. Disso resultará o reconhec imento de que adentramos à

realidade imagina l paralela à fís ica.

Convém por cuidado em dist r ibuir as indagações ao longo de todo o

per íodo vígil, evitando concentrá- la em apenas uma parte do dia. Se não

atentarmos a este ponto, concentraremos igualmente a aver iguação dos

estados de realidade em apenas uma parte da no ite, negligenciando os demais

per íodos de sono que também dever iam ser aproveitados.

A rea lidade onír ica se revela naturalmente ao observador atento porque

a lógica que a rege subverte a lógica dos acontecimentos t ridimens ionais. Na

maior ia das vezes os sonhos contém elementos denunciadores de seu caráter

fantást ico e interno. São eles os acontecimentos impossíve is para o mundo

exter ior, perfeitamente ident ificáveis como pertencentes a um "estado de

realidade incomum" (Castaneda, 1968).

Nossa vida possui duas faces parale las: a vígil e a onír ica. Ambas são

igualmente reais à sua própr ia maneira e merecem cuidado.

Extroversivamente po lar izados, desprezamos o mundo dos sonhos e o

tratamos como se não exist isse. Em decorrência dessa postura, não

desenvo lvemos a lucidez intra-onír ica. Nos sonhos, acreditamos estar em

contato com cenas exter iores po is, segundo nossa visão comum, não há outro

mundo além deste.

O condicionamento é revert ido ao colocarmos a consciência vígil em

função do despertar intra-onír ico, o que conseguimos quando nos

acostumamos a ver ificar constantemente durante o dia se estamos dentro de

Page 63: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

um sonho ou dentro da realidade exter ior. A constante ver ificação ou "testes

de realidade" (Harar i & Weintraub, 1993) precisa ser feita de modo

incansável durante os momentos em que o corpo fís ico está at ivo.

A disciplina constante repercurte no inconsciente, nas horas do sono.

Então at ivamos o funcionamento consciente intra-onír ico e podemos viajar

pelas mais remotas paragens do mundo inter ior. Podemos ult rapassar em

muito as fronteiras do usual e faremos isso protegidos. Os r iscos de inflação

ficam reduzidos quando compreendemos que as cenas com as quais estamos

em contato não pertencem à realidade fís ica.

Ocorre, no entanto, que alguns de nós, simpat izantes das viagens

int er iores, t ransformam a lucidez onír ica em problema. Ansiosos por obtê-la,

às vezes nos tornamos obsecados pelo discernimento durante o dia. Há que se

por um cuidado especial neste ponto. A ans iedade por discernir claramente

durante o dia para que isso repercurta à no ite desvia o foco da atenção

consciente sem que o percebamos. Ao invés de nos darmos conta da realidade

em que estamos, passamos a ficar ident ificados e fascinados pela idéia de

descondicionar, no mundo tr idimensional, o funcionamento consciente e

nascer para um mundo novo à no ite. Embora pareça paradoxal, essa

fascinação impede a instalação do correto funcionamento da atenção

proporcionadora de sonhos lúcidos.

A atenção corretamente disciplinada é natural, relaxada e não tensa.

Não é ansiosa. Exclu i as vár ias formas de fascinação, inclusive a fascinação

pela idéia de acordar, pois esta dist rai. A dist ração absorve a consciência e

rouba a atenção. Como poderemos estar atentos se estamos dist raídos, ainda

que seja com a própr ia idéia de estar atento?

Há uma diferença entre estarmos naturalmente alertas, discernindo por

meio dos "testes de realidade" e estarmos ansiosos e fascinados pelas belezas

e alegr ias que podem ser proporcionadas pe los sonhos lúcidos.

O exercício da endopercepção em estado de alta lucidez t ranquila

durante a profunda letargia corporal é a chave para adentrarmos ao mister ioso

reino noturno. Nesse estado não usual de consciência, nos deparamos com

entes arquet ípicos e podemos nos exper imentar como seres mito lógicos sem

perder a consciência de quem somos enquanto ego. Podemos vivenciar o ser

Page 64: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

pássaro, rocha, r io e árvore. Podemos ir às est relas e mergulhar na vast idão,

retornando ass im que desejarmos.

O retorno ao universo vígil após a exper iência não é difícil. Para isso,

basta nos lembrarmos do nosso corpo deitado na cama e sent í-lo . O simples

ato de sent ir a forma densa é mais do que sufic iente para atar novamente a

consciência à mesma. As exopercepções são imed iatamente recuperadas, os

movimentos recobrados e nos vemos de novo em nosso quarto, em nossa

cama.

Referências:

CASTANEDA, Car los. A Erva do Diabo: as experiências indígenas com

plantas alucinógenas reveladas por Don Juan. (The Teachings o f Don

Juan, 1968). Trad. de Luzia Machado da Costa. 12a edição. Record.

JUNG, Car l Gustav. Memórias, Sonhos e Ref lexões. Trad. de Dora Ferreira da

Silva. Vigésima Pr imeira Impressão. Editora Nova Fronteira.

HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias : o

Programa do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de Marli

Berg. Rio de Janeiro, Ediouro, 1993.

Page 65: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

O presente como porta para a realidade onírica naturalPor Cleber Monteiro Muniz em 23/02/01

(publ icado na r evista Cathar sis)Mu n i z, C . M . (2 0 0 1 ) . O P r e sen t e c o m o P or ta pa ra a R ea l i da d e I nt r a -o n í r i ca Na tu ra l . Ca tha r si s , a n o 7 ,

nú m er o 3 8 , p p. 1 4 -1 6 . Ma r ig n y & Ke r be r .

O nosso funcionamento consciente usual não nos mantém em contato

constante com a realidade imediata. Fascinada pelo poder hipnót ico dos

pensamentos mecânicos e subjet ivos, função da mente autônoma e rebelde,

nossa consciência se processa em modo medíocre. Apesar do nosso

assombroso desenvo lvimento intelectual, so fremos a perda da faculdade de

viver no presente.

A vivência intensa do agora é natural e está latente nos seres humanos,

podendo ser at ivada pelo uso. Trata-se de um funcionamento arquet ípico da

psique que aflora à medida em que é at ivado.

As cr ianças, os animais e os povos pr imit ivos ainda conservam,

algumas vezes, t raços mais ou menos marcantes desse modo de sent ir a

realidade.

O homem moderno ocidental so freu uma atrofia desse poder por

supervalor izar a mente e po lar izar-se excess ivamente na extroversão. Ao não

perceber seus própr ios processos internos, ele não pôde vigiá-los. Por outro

lado, o endeusamento do raciocínio como forma única de acesso à realidade

fez com que seus processos mentais se acelerassem mais e mais. Como

resultado, sua mente se tornou autônoma: ela não obedece ao comando da

consciência e pro jeta pensamentos sem que isso lhe seja so lic itado.

Dotados de um poder hipnót ico fort íssimo, os pensamentos impedem o

estado de alerta. A consc iência adormece entre eles, deixando-se fascinar.

Ident ificada com os processos mentais, se esquece da dist inção que a separa

dos mesmos. O resultado é a incapacidade de enxergarmos a realidade

presente na qual estamos inser idos.

A rea lidade possui do is lados: o interno e o externo. Ambos estão no

agora.

Se quisermos adentrar ao universo inter ior, precisamos aprender

vivenciar o presente com pro fundidade cada vez maior. Por essa razão,

Page 66: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Kornfie ld (1995) considera que "penetrar no momento presente é a primeira

entrada nos domínios espirituais pois estes não estão nem no passado e nem

no futuro. O passado é mera lembrança e o futuro pura imaginação. O

presente fornece a porta de entrada em todos os reinos da consciência que

estão além das nossas atividades cotidianas normais. Estar aqui exige uma

fixação da mente, uma concentração e uma atenção. É a velha frase dos

cassinos de Las Vegas: ‘Você tem de estar presente para ganhar’. " (p. 160)

O mesmo estado conscient ivo t inham os samurais nos combates e fo i

cult ivado no Jeet Kune Do de Bruce Lee. Porém, nesses casos o alerta era

aplicado a uma finalidade física.

A educação da consciência para contatar o mundo inter ior passa pelo

exercíc io de estar presente. À medida em que nos acostumamos a viver no

agora, tomamos consciência de muitos acontecimentos inter iores que estavam

na sombra. Entretanto, temos que focar o aspecto interno do agora. Não se

trata de olhar o presente exclusivamente pe la via da extroversão. É preciso

recordar sempre que há um mundo interno que nos acompanha a todo

momento.

O presente possui vár ios aspectos que vão sendo gradat ivamente

absorvidos pe la consciência à medida em que ela se educa. Um deles é o

nosso comportamento, aquilo que estamos fazendo no agora. Ele envo lve os

pensamentos, os sent imentos, os movimentos, as tendências inst int ivas e a

sexualidade, entre outros, e se relaciona com a assimilação das múlt iplas

facetas do inconsciente. Outro aspecto do presente é o lado de nossa

existência em que estamos em um dado instante. Esse aspecto envo lve uma

questão que normalmente chama atenção de poucas pessoas e que se relaciona

com a possibilidade de estarmos, em certos momentos da nossa vida, dentro

de um sonho ( litera lmente). Na maior ia das vezes, o ego sonhador não se dá

conta da realidade presente que contata durante a no ite. A consciência egó ica

em geral não sabe que está sonhando enquanto o corpo dorme. Se aprendemos

a vivenciar int ensamente o presente durante o dia, o faremos também durante

à no ite, dentro do inconsciente. Ao fazê- lo, acordaremos para uma realidade

psíquica parale la, que existe dentro de nós e forma um mundo imagét ico.

O mundo inter ior é real e concreto. Embora seja sut il, energét ico e

dotado de objetos com formas alt amente plást icas, sua existência não é

Page 67: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

ilusór ia. Devemos por cuidado nas questões psíquicas porque elas nos afetam

tanto quanto as questões externas. Para Jung (1984) é um erro atribuir à

realidade externa o status de realidade única:

"É muito dif ícil acreditar que a psique nada representa ou que um fato

imaginário é irreal. A psique só não está onde uma inteligência míope a

procura. Ela existe, embora não sob uma forma f ísica. Ë um preconceito

quase ridículo supor que a existência só pode ser de natureza corpórea

[ física] . Na realidade, a única forma de que temos conhecimento imediato é a

psíquica. Poderíamos igualmente dizer que a existência f ísica é pura dedução

uma vez que só temos alguma noção da matéria através de imagens

psíquicas, transmitidas pelos sentidos." (p. 14)

Assim como aprendemos a viver no mundo exter ior, temos que nos

desenvo lver conscientemente no mundo inter ior. Isso implica em estarmos

acordados para ele o tempo todo, observando-o. Mas não poderemos fazer

isso se est ivermos fora do presente, imersos em pensamentos. Há uma

diferença entre observar a psique e pensar sobre a psique. Quando a

observamos, seus componentes são vistos objet ivamente. Se ficarmos

pensando, veremos apenas os pensamentos que nós mesmos for jamos

ego icamente.

A rea lidade inter ior é tão vasta quanto a exterior e forma um mundo

análogo ao fís ico sob certos aspectos e ao qual pertencem os sonhos, as

fantasias, os pensamentos e os sent imentos. Esse mundo contém imagens que

mantém correspondência com os elementos exter iores e que, muitas vezes, se

formaram a part ir do contato com eles. Trata-se de um mundo real à sua

maneira e ao qual adentramos quando sonhamos à no it e. Esse mundo é tão

real que seus efe itos se fazem sent ir fis icamente (Jung):

"Quando você observa o mundo, vê gente, vê casas, vê o céu, vê o

objetos tangíveis. Mas quando você se observa interiormente, vê imagens

animadas, um mundo de imagens que são, em geral, conhecidas como

fantasias. Entretanto, essas fantasias são fatos. É um fato que um homem

tinha esta ou aquela fantasia, uma fantasia tão tangível que, quando um

homem tem uma certa fantasia, um outro homem pode perder a vida ou uma

ponte pode ser construída. Todas essas coisas foram fantasias. . . Convém não

esquecer isto: a fantasia não é o nada." (apud Saiani, 2000, p.34, gr ifo meu)

Page 68: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Essa idéia de um mundo inter ior real é compart ilhada por Saiani para

quem o pressuposto de que a "realidade objetiva" e o "puramente subjetivo"

diferem é preconceituoso uma vez que a realidade abrange eventos físicos e

psíquicos ( idem, p. 90). Levada adiante, isso significa que existem objetos

psíquicos assim como existem objetos fís icos e que nem sempre o psíquico é

subjet ivo.

Além disso, JUNG (1986) entende que o ego possui seu própr io mundo,

no qual está cont ido, e que esse mundo é a alma, sendo sensato considerá-lo

tão válido quanto o mundo empír ico uma vez que possui tanta realidade

quanto ele. Segundo seu pensamento, a psico logia dever ia reconhecer que o

fís ico e o espir itual coexistem na psique e que por razões epistemológicas,

esse par de opostos fo i c indido pelo homem ocidental.

À medida em que educamos nossa consciência para viver no presente e

não reagir evit ando a visão do desagradáve l, ela vai amadurecendo. Isso

provoca o seu aumento pela descoberta do novo. Se a discip lina prossegue,

at ingimos um ponto em que ficamos lúcidos dentro dos sonhos enquanto o

corpo fís ico dorme (Harar i & Weintraub, 1993). Então, podemos exp lorar as

distantes terras inter iores po is "da mesma forma que o inconsciente age sobre

nós, o aumento da nossa consciência tem, por sua vez, uma ação de ricochete

sobre o inconsciente."(Jung, 1963, p. 282). Esse r icochete é uma mudança na

forma dos sonhos se processarem: seus conteúdos se modificam como

resultado da ampliação da consciência do/no aqui-agora. Levamos para dentro

deles essa vigília, esse viver imbuído da realidade presente. Passamos, então,

a viver acordados no sonho, plenamente lúcidos.

Quando nos damos conta do teor da realidade onír ica presente, à no ite,

vivenciamos seus instantes intensamente e compreendemos que estamos

sonhando enquanto nosso corpo físico dorme na cama.

Os sonhos correspondem a uma dimensão real de nossa existência que

começou a ser estudada pela ciência há pouco tempo. Nós a chamamos de

inconsciente porque não temos, usualmente, contatos conscientes e diretos

com ela (Sanford, 1988):

"(. . .)eis uma teoria básica sobre os sonhos: originam-se em outra

dimensão de nossa personal idade a qual, pelo fato de não termos consciência

da mesma, é chamada de inconsciente." (p.29, gr ifo meu):

Page 69: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Essa outra dimensão começou a ser estudada pela ciência apenas nos

últ imos cem anos. Os desafios cognit ivos que ela lhe lançou estão sendo

invest igados cada vez mais ser iamente:

"Durante o século XX, o sonho volta a se tornar objeto válido de

estudo e investigação. E temos, por exemplo, as pesquisas sérias relativas ao

sono e aos sonhos que começaram a ser feitas depois da Segunda Guerra

Mundial."( idem, p.15)

O mundo dos sonhos é alvo de int eresse da ciência e não um atr ibuto

exclusivo do mist icismo. As exper iênc ias míst icas são, antes de tudo,

exper iências humanas que devem ser abordadas desde o ponto de vista da

cultura em que surgem. A postura verdadeiramente cient ífica visa adquir ir o

conhecimento e se aproximar progressivamente da verdade, at ravés de

sucessivas e temporár ias construções teóricas. Se quisermos compreender

verdadeiramente uma exper iência humana de t ipo míst ico, e esse algumas

vezes é o caso da exper iênc ia onír ica consc iente - que para certas correntes

de pensamento possui significado profundamente religioso - não podemos

rechaçá- la por não se enquadrar em moldes teóricos r ígidos e inadaptáveis,

arbit rar iamente estabelecidos a priori . Isso ser ia uma ant i-ciência que

acarretar ia num agnost icismo (a negação do conhecimento). Aquele que se

int it ula agnóst ico é um ignorante po is adota para si um nome cujo significado

lit eral é: "aquele que desconhece’’ , ou seja, assume para si própr io e para os

demais um rótulo que o ident ifica como um desconhecedor, desqualificando

os conceitos que emit e sobre alguns aspectos da realidade, em geral

incorretamente abordados sob a alegação de serem falsos. Orgulhar-se disso é

orgulhar-se de estar contra o conhecimento, ou seja, em favor da ignorânc ia.

Esses são os que negam a existência de uma realidade usualmente invis íve l

em uma d imensão supra e infra-sens ível dentro do homem e o fazem por duas

razões: ela não se encaixa em suas est ruturas intelectuais, instrumento único

de cognição que possuem, e ameaça a visão de mundo que construíram

durante toda a vida e sobre a qual er igiram os castelos de are ia de suas

existências. Entretanto, a teoria deve se modificar para acompanhar os fatos e

não o contrário. Além do mais, é melhor apro fundar e ampliar, pela

observação e exploração, a compreensão da maneira como se processa um

Page 70: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

fenômeno do que ficar imóvel especulando sobre suas causas a part ir de uma

lógica excludente e supervalor izada como única.

Mas não nos distanciemos muito do nosso assunto.. . Os sonhos lúcidos

existem, estão documentados por muitos cient istas e provam que a dimensão

intra-onír ica possui um instante presente, um agora no qual um mergulho é

possível. Além desta dimensão em que vivemos durante a vig ília, há outra: a

dimensão do inconsc iente, de onde os sonhos provém e à qual podemos

adentrar se cult ivarmos a vivência no presente como fazem certos ascetas

t ibetanos, os quais viajam para remotas paragens de si mesmos levando

consigo a consciência plena, façanha obt ida por meio do relaxamento

vigilante e pro fundo (Harar i & Weintraub, 1993). Ambas coexistem

paralelamente e fazem parte da natureza, que possui do is lados: um denso e

outro sut il. O lado denso corresponde ao mundo fís ico, no qual se move o

nosso corpo, que é feito da mesma matér ia que compõe o mundo que o

envo lve. O lado sut il da natureza corresponde à parte energét ica do planeta e

do homem, na qual a ps ique está inser ida e de onde provavelmente provém

sua composição.

Por enquanto essas regiões naturais da ps ique ainda não são facilmente

acessíveis à exploração cient ífica, no atual estágio do seu desenvo lvimento,

mas a consideração sér ia das mesmas enquanto realidade passíve l de

invest igação livre e dos relatos de pessoas que realizam viagens onír icas

conscientes (sonhos lúcidos) podem abr ir novas portas nesse campo e ajudar

a diss ipar a ignorância a respeito, além de ocupar um espaço que de outra

forma poder ia ser dest inado a char latanismos mist ificatórios.

Referências bibliográficas:

HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias : o

Programa do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de Marli Berg.

Rio de Janeiro, Ediouro, 1993.

JUNG, Car l Gustav. Memórias, Sonhos e Ref lexões. Trad. de Dora

Ferreira da Silva. Vigésima Pr imeira Impressão. Editora Nova Fronteira.

Page 71: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

JUNG, C. G. Psicologia e Religião (Zur Psycho logie West licher und

Öst licher Relig ion: Psycho log ie und Religion). Trad. de Pe Dom Mateus

Ramalho Rocha. Segunda edição. Petrópolis, Vozes, 1984

JUNG, C.G. & Wilhelm, R. (organizadores). O Segredo da Flor de Ouro:

Um Livro de Vida Chinês . Trad. de Dora Ferreira da Silva e Maria Luíza

Appy. Terceira edição. Petrópolis, Vozes, 1986.

KORNFIELD, Jack. Obstáculos e vicissitudes da prática espiri tual . In:

GROF, Stanis lav & GROF, Cr ist ina (orgs.): Emergência Espiritual: Crise e

Transformação Espiritual (Spir it ual Emergency: When Personal

Transformat ion Becomes a Cr isis). Trad. de Adail Ubirajara Sobral. São

Paulo, Cult r ix, 1995.

SAIANI, Cláudio. Jung e a Educação: Uma anál ise da relação

professor/aluno. Pr imeira edição. São Paulo, Escr ituras, 2000.

SANFORD, J. A. "Os Sonhos e a Cura da Alma" (Dreams and Healing).

Trad. de José Wilson de Andrade. Terceira edição. São Paulo, Paulus, 1988.

Divu l ga çã o pr oi bi da s e m a u to r i za çã o d o a u to r .

Page 72: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

A Tendência de Buscarmos um Artificial "Algo Mais"Cleber Monteiro Muniz em 3 de junho de 2002

Muitos asp irantes a onironautas intentam prat icar o discernimento sem

se darem conta de que cometem um erro: o de tomar art ific ialmente a

realidade onír ica. Inconscientemente, procuram um "algo mais" nos objetos

que observam à sua vo lta, acreditando que esse hipotét ico elemento ser ia o

fator de diferenciação entre os modos de realidade.

O "algo mais" ser ia uma natureza mágica espec ífica que, ao entrar no

campo de consciência do onironauta, tornar ia, segundo a equivocada

concepção sabotadora do inconsciente, a realidade do sonho imediata, facil e

inequivocamente reconhecível.

O hipotét ico elemento mágico ident ificador de modos de realidade não

existe nos sonhos e nem tampouco na realidade fís ica. O que existem são

elementos muito semelhantes mas que se combinam de modo a denunciar seu

caráter imaginal/ fís ico. As endopercepções onír icas são análogas às vígeis em

qualidade e intensidade, o que nos obr iga realizar a observação part indo do

pressuposto de que, se est ivermos sonhando, estaremos em um mundo muito

semelhante ao vígil (ao menos à pr imeira vista de um pr incip iante) em termos

de concretude e realidade.

O desejo inconsciente ou semi-consciente de enxergar um "algo mais",

além do que os objetos circundantes são em si mesmos, impede a

ident ificação da dimensão em que estamos.

A tendência de fazer, durante a prát ica do discernimento, um esforço

adicional para enxergar os elementos que nos chegam à percepção além de

sua aparência imediata se norteia por uma concepção insuspeit ada (e

possivelmente equivocada) do que ser ia esse "algo mais" inerente ao onír ico.

Na etapa de desenvo lvimento da consciência que estamos t ratando,

ident ifica-se corretamente o estado de realidade ao tomarmos as imagens que

nos chegam tal como são ao invés de tentar descobr ir nas mesmas um "algo

mais" que as ident ificasse como pertencentes a uma realidade t ranscendente.

A tentat iva de descobr ir esse "algo mais" desvia o curso da atenção.

Tomar as imagens em sua simplicidade natural e pr imeira significa

simplesmente vê- las o mais objet ivamente possível, com a maior r iqueza de

Page 73: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

detalhes que a lcancemos e sem pensar a respeito do que vemos. O pensar

sobre é subst ituído pelo enxergar .

Quando raciocinarmos sobre o que estamos percebendo, ainda que

levemente e de modo quase impercept ível, paralisamos a consciênc ia e nos

distanciamos do discernimento.

O desenvo lvimento da lucidez intra-onír ica requer que miremos os

objetos onír icos que nos rodeiam do mesmo modo que far íamos se estes

fossem fís icos mas com a diferença de estarmos verdadeiramente abertos à

possibilidade de estarmos sonhando.

Como é impossíve l evit ar que concepções inconscientes se imiscuam na

prát ica, a alternat iva que resta é observar as cenas circundantes sob a idéia de

que, mesmo sendo onír icas, são reais, concretas e objet ivas, em nada

difer indo, sob este aspecto, das cenas acessadas em estado vígil. Assim, o

pressuposto inconsciente de que as objetos onír icos são sobrenaturais e

espetaculares é subst ituído pelo pressuposto de que são naturais e apenas um

pouco diferentes dos objetos físicos.

A fascinação mist icó ide provoca uma superva lor ização do

transcendente e esta, por seu turno, leva à procura do "algo mais", o que

condiciona a prát ica da atenção a um pressuposto equivocado.

Referências:

Este art igo não possui referênc ias.

Page 74: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

O descondicionamento dos parâmetros observacionaisPor Cleber Monteiro Muniz em 07/06/01

A divulgação l ivre deste ar t igo é autor izada desde que ci tados a fon te e o autor .

Durante o exercício diár io do discernimento, podemos incorrer no erro

de vic iarmos a observação.

A observação vic iada se pauta sempre sobre os mesmos sina is: busca os

indicadores onír icos de sempre. Quando as caracter íst icas diferenciadoras

estão ausentes do cenár io, o discernimento não é at ingido.

Ao esco lhemos determinados indicadores recorrentes e os esperamos

nos próximos sonhos, eles não aparecem porque há conteúdos inconscientes

para os quais não convém o despertar. Isso indica que seguem uma lei própr ia

e se evadem de serem usados como degrau para a lucidez.

A observação do mundo externo imediato focada em apenas um ou dois

aspectos ident ificadores de sua natureza normalmente fracassa. A pequena

quant idade de elementos diferenciadores buscados diminui as probabilidades

de reconhecimento.

Quanto maior for o número de indicadores buscados, maiores serão as

chances de despertarmos. A atenção deve ser focada sobre a realidade no

intuito de abarcar a maior quant idade possível de incoerências em relação à

lógica vígil.

Precisamos nos manter abertos para a detecção de qualquer

‘anormalidade’ que desafie a natureza fís ica dos acontecimentos e não apenas

a algumas que previamente esco lhemos. A abertura atencional deve ser

circular: livre por todos os lados.

A observação focada em apenas alguns elementos previamente

esco lhidos é uma observação excludente. Por ser excludente, não incluirá

sinais alhe ios aos egó icamente determinados e preciosos indicadores não

serão detectados.

Mas a ext irpação total da excludência não é possível, uma vez que

somos seres egó icos. Podemos, entretanto, atenuá-la pela educação diár ia da

atenção. Esta, quando empenhada em se manter sensível a múlt ip las

indicações, so fre uma alteração no sent ido de reagir ao estranho com auto-

quest ionamento. Por outro lado, quando fixada em apenas alguns indicadores,

Page 75: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

cai num círculo mecânico de repet ições e fracassos. A fixação dificult a o

despertar.

O número de indicadores existentes no mundo onír ico de cada um de

nós é muito grande, senão infinito. A consciência pode assimilá-los a part ir

da análise vígil dos sonhos. Nas anotações, são ident ificáveis sit uações

t ipicamente onír icas não reconhecidas no momento em que se processaram.

Ao relermos nossas anotações ou simplesmente nos lembrarmos do que

sonhamos, podemos buscar ind icadores negligenciados e que poder iam ter

sido aproveitados como agentes de reconhecimento. A ass imilação

progressiva dos agentes torna a consciência mais sensível à realidade onír ica

e a leva a reagir com o discernimento ante quaisquer acontecimentos intra-

onír icos que desafiem a dinâmica vígil usual.

Bas icamente, tudo o que for diferente do rot ineiro é motivo para auto-

indagação e para observação cuidadosa. O que for ‘imprópr io’ ao momento,

ainda que não impossíve l, deve ser tomado como lembrete para se por

cuidado na atenção do meio circundante.

Se nos acostumamos durante o dia a reagir ao inusitado com

quest ionamento sobre sua natureza, faremos o mesmo à no ite.

São elementos diferenciadores: cenas que se alt eram bruscamente,

cenas que pertencem a momentos passados, temas onír icos recorrentes e

acontecimentos raros e/ou impossíveis para a realidade fís ica.

Em sínt ese, o que precisamos buscar é o pouco comum para este modo

de realidade em que vivemos: o raro, o inusit ado, o difíc il, e não apenas o

impossível.

O reconhecimento do sonho é facilitado quando ver ificamos se a

realidade que presenc iamos no agora nos fornece, entre outros, os seguintes

elementos: combustão ou movimento espontâneos de objetos, aviões que

caem do céu, mortos que falam ou se movem, fantasmas, partes do corpo que

caem ou apodrecem, sexo com uma pessoa inacessível e int ensamente

dese jada, at ividades incomuns para a nossa própr ia vida ou de alguém

conhecido, paisagens que não correspondem ao lugar ao qual pertencem etc.

Se os ident ificarmos no agora, a possibilidade de estarmos sonhando é muito

alta ou abso luta

Page 76: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Quando o leque da consciência se expande ao máximo, abarca o maior

número possível de acontecimentos raros, ou seja, de t raços onír icos t ípicos.

Ao fazê- lo, as chances de acordar dentro de um sonho se ampliam.

Ao ver ificarmos se estamos sonhando devemos procurar a resposta na

situação presente. Ela contém os dados que nos informam a respeito do modo

de realidade com o qual estamos em contato.

Um grande impecilho ao despertar desse modo especia l de consciência

é a incapacidade de crermos que podemos estar em um sonho aqui e agora.

Tal incapacidade der iva da crença de que não há outros mundos além do

tridimensional. Há pessoas que chegam a se perguntar se estão sonhando em

plena no ite e, não obstante, não conseguem aceitar tal possibilidade nem

mesmo quando estão diante dela. Em tais casos, chegamos a observar o

mundo onír ico mas não somos capazes de reconhecê-lo, sendo vit imados por

nosso próprio cet icismo. Ao nos depararmos com cenas nít idas e alt amente

numinosas, somos incapazes de aceitar tal possibilidade e não despertamos

para a realidade interna.

Referências:

Este art igo não possui referênc ias.

Page 77: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

A síntese de indicadores de realidades opostas na observação das

cenas circundantesPor Cleber Monteiro Muniz em 19/05/01

A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o s a fo nt e e o a u to r

T ex t o r e g i st r a d o.

No discernimento, o conhecimento dos t raços t ípicos do mundo físico é

tão importante quanto o conhecimento das caracter íst icas peculiares ao

mundo onír ico.

O poder de ident ificação do mundo em que estamos resulta da

consciência do que é exclusivo a cada uma das dimensões exist encia is. A

observação diár ia da realidade c ircundante com a int enção de reconhecê-la

não deve se pautar apenas por marcas que assina lem sonhos.

A presença de indicadores do mundo t ridimens ional aliada à ausência

de indicadores do mundo onír ico nos dá a certeza de que não estamos

sonhando e vice-versa.

A cont inuidade espaço-temporal dos acontecimentos é um indicador de

que não estamos fora do mundo físico. Nos sonhos, as cenas dão saltos no

tempo e no espaço, não apresentando cont inuidade. A pessoa que dialoga

conosco em um instante pode não ser a mesma no instante seguinte. A casa

dentro da qual estamos em um momento pode ser outra quando dela saímos.

No mundo fís ico, pelo menos durante estados usuais de consc iência, o

desenro lar dos fatos é percebido como sequencial no tempo e no espaço. Não

podemos salt ar subit amente de um país a outro, de uma cidade a outra, de um

local a outro sem atravessar as porções de espaço que os separam. Também

não podemos subverter as leis temporais, vivenc iando o dia durante a no ite,

ret rocedendo à infânc ia ou nos vendo com a fis ionomia que t ínhamos há vint e

ou t rinta anos atrás.

A cont inuidade espaço-temporal é o agente da estabilidade (ausência de

ruptura) percebida nos acontecimentos t ridimensionais. A subversão a esse

pr incípio causar ia certamente espanto neste mundo. O mundo dos sonhos,

entretanto, rompe muit as vezes com a mesma e o ego não reage a isso com

estranhamento em situações comuns.

Page 78: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Do explicado decorre a necessidade de educarmos a atenção vígil no

sent ido de ut ilizar a estabilidade e a cont inu idade das cenas como um cr it ér io

de reconhecimento da realidade exper imentada no agora.

O ato de observar a cena circundante durante o dia visando discernir

exige que sejamos sensíveis à cont inuidade que caracter iza o mundo fís ico e,

simultaneamente, aos t raços t ípicos da realidade fantást ica. A sínt ese dos

dois modos de recept ividade or igina o estado conscient ivo adequado à

obtenção da lucidez intra-onír ica.

A ident ificação com uma das duas modalidades de sina is int errompe a

síntese de fluxos de atenção e nos leva à confusão, não permit indo que a

auto-indagação seja real.

Há uma diferença entre a auto-indagação real e a simulada. Na

verdadeira existe dúvida e não apenas o cumprimento de um costume. A

consciência chega a um estado em que de fato não sabe se está no mundo

fís ico.

O mesmo não sucede com a indagação simulada, a qual é mecânica.

Nela, o sent imento de insegurança a respeito da dimensão em que estamos

não existe e, como consequência, não ansiamos verdadeiramente por

descobr ir. Isso é agravado pela possibilidade de auto-engano: a consciência,

em certos casos, acredita que está duvidando sem o estar. Por defic iência na

auto-observação, o cet icismo e sent imento de segurança, inconscientes, a

fazem acreditar que está atuando em modo t ridimens ional.

Referências:

Este art igo não possui referênc ias.

Page 79: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

A ampliação do sentido de realidade que nos permite superar o

ceticismo unilateralCleber Monteiro Muniz em 27 de maio de 2002

A capacidade de não sermos vit imados pelo impacto realíst ico das

imagens onír icas, o qual nos leva sempre a confundí-las com imagens

exter iores, se desenvo lve lentamente à medida em que exper ienciamos os

pr imeiros sonhos lúcidos e a concretude da matér ia ideoplást ica que compõe

os elementos internos contatados.

Antes das pr imeiras exper iências onír icas conscientes, é difíc il

conceber e ace itar como onír icas imagens com forte impacto realíst ico e que

emanam a sensação de concretude. A consc iência que nunca at ingiu um

estado onír ico consc iente não exper ienciou a realidade t ranscendente e, por

extensão, ainda não comprovou o caráter mater ial do mundo inter ior, não

possuindo a necessár ia base percept iva diferencia l que lhe permita captar o

contraste entre os modos externo e interno de mater ialidade.

Se, durante o sonho e em tal estado usual de indiferenciação, nos

indagamos se estamos sonhando, simplesmente somos vit imados pela

numinosidade das sensações de concretude que nos levam sempre a conceber

como real e mater ial aquilo que é exclusivamente t ridimens ional e fís ico.

Duvidaremos, equivocadamente, da possibilidade de estarmos inser idos na

eternidade. Cairemos em um cet icismo equivocado e unilateral. Diremos:

"Não! Tais cenas concretas e nít idas que ve jo são fís icas po is têm todas as

caracter íst icas do mundo ‘mater ia l’. Posso palpar estes objetos que são

só lidos e, portanto, a única possibilidade ‘ lógica e coerente’é que eu esteja

mesmo ‘acordado’, isto é, no mundo fís ico". A numinosidade nos vit ima e

nos lança a uma relação de ido latr ia com o mundo exter ior, ainda que nos

creiamos ateus e mater ialistas.

Não basta, portanto, indagar superfic ialmente. Temos que dar à

pergunta uma base que corresponda à visão de mundo em que o mater ial

possa também ser considerado onír ico.

A trava para reconhecer o sonho durante seu processamento é um

equívoco, em geral semiconsciente ou subconsciente, na concepção de

Page 80: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

realidade. A idéia de real como sinônimo exclusivo do exter ior condiciona as

percepções sem que o percebamos e, como resultado, quedamos inconscientes

durante as viagens à dimensão extra-víg il: via jamos para o outro mundo sem

nos darmos conta.

O caminho para inverter o indesejável condicionamento é at ingir a

capacidade de mirarmos as cenas exter iores aceitando verdadeiramente a

possibilidade de que pertençam a um sonho, a despeito de serem reais,

concretas e nít idas. Ao observarmos a realidade, seja deste lado ou do lado de

lá, temos que nos permit ir ser at ingidos profundamente pe la dúvida real: o

que vemos são cenas físicas ou onír icas? Caso contrár io, os testes de

realidade serão inúteis.

O cet icismo unilateral e a ausência de testes de rea lidade são os

pr incipais fatores que nos impedem de despertar a consciência na dimensão

onír ica parale la.

Ao testarmos e observarmos a realidade circundante, todo cuidado em

não concluirmos apressadamente que estamos no mundo fís ico é pouco. A

dúvida deve se aprofundar, indo muito além das pr imeiras impressões, o que

implica em não aceit ar aquilo que a realidade nos sugere à pr imeira vista: a

idéia de que estamos sob forma t ridimensional. Mesmo que tal nos seja

suger ido fortemente por muitas evidências, ainda assim temos que duvidar e

ir além, buscando mais detalhes e informações que possam nos revelar se

estamos ou não dentro de um sonho.

Para a consciência egó ica, adormecida, extrovert ida e condicionada

pelo cet icismo unilateral, a realidade onírica sempre assume uma aparênc ia

fís ica que a engana. É como diferenciar duas salas idênt icas ou dois irmãos

gêmeos: temos que ser profundos e detalhistas, indo além das aparências e até

mesmo duvidando das evidências. Aqu i, ser profundo significa: duvidar da

aparência por mais tempo, exigir mais evidências antes de concluir e nunca

fechar possibilidades concluindo definit ivamente. Se vemos um amigo

falecido vivo e alegre, atentemos para esta incoerência e não nos deixemos

enganar pela vivacidade do seu olhar, a temperatura do seu corpo, a

mobilidade e normalidade vital que apresenta po is, a despeito de tudo isso,

ele pode ser uma imagem onír ica. O amigo contatado naquele presente

Page 81: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

indubitável pode ser o duplo psíquico da pessoa falecida intro jetada por nós.

Podemos estar sonhando naquele momento.

A educação conscient iva aqui exp licada conduz à sínt ese entre o

mater ialismo e o espir itualismo, duas tendências normalmente opostas.

Corresponde ao cet icismo levado a fundo e à capacidade de duvidar

bilateralmente. Nada tem a ver com o ateísmo e nem tampouco com as

crenças religiosas. Leva à invest igação de uma realidade natural que parece

ser sobrenatural por ult rapassar as concepções usuais de mundo.

Referências:

Este art igo não possui referênc ias.

Page 82: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Transcendendo a preocupação com a concretudePor Cleber Monteiro Muniz em 14 de maio de 2001.

Atu a l i za d o e m 2 6 d e a br i l d e 2 0 0 2 .

A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o s a fo nt e e o a u to r . T e xt o r e gi s t r a d o.

Resumo:

Não seremos capazes de reconhecer o sonh o no ins tante exato em que se processa dent ro de nós se

cons iderarmos sua exis tência i lusória , vaga e não-concre ta . A lucidez in t ra-oní r i ca exige que o

tomemos como rea l idade para lela à vígi l .

.

A elevada numinosidade das cenas onír icas dão a elas um realismo que

se equipara ao do mundo fís ico. Nit idez nas percepções, intensidade de

sent imentos e impactante so lidez dos objetos são fatores que fascinam a

consciência ainda imatura para o contato direto com a matér ia onír ica.

O discernimento advém quando aprendemos a ace itar o mundo onír ico

tal como é. Quando mantemos, ainda que na sombra, a idéia de que as cenas

dos sonhos são "vo láteis" em si mesmas e não em relação à forma densa de

exist ir, não as reconhecemos quando nos são apresentadas. Ao tentarmos

observá- las e reconhecê- las tendo por base sua vo lat ilidade, as tomamos por

fís icas uma vez que a observação está condicionada por um pressuposto fa lso.

Tentar reconhecer o sonho "in loco" tendo por base sua pouca

concretude é desprezar sua numinos idade e tomá-lo como algo que não é: um

mundo que aparece ao explorador como vago e de existência ilusór ia. Essa é

uma abordagem equivocada que resulta na cont inuidade do adormecimento da

consciência e reforça a incapacidade de dist inção entre os mundos onír ico e

fís ico.

O "conhecer com" de Edinger (1999), a simultaneidade entre objeto

conhecido e sujeito de conhec imento (pp. 49-50) não é at ingido em sonhos

pela consciência condic ionada por um pressuposto equivocado e que dele é

incapaz de se libertar.

O problema está na influência inconsciente ou semi-consciente da

equivocada concepção do onír ico. Podemos crer que compreendemos a

relat ividade da concretude e seu efeito numinoso mas, ao mesmo tempo,

cont inuarmos ut ilizando cr itér ios equivocados para diferenc iação sem que nos

apercebamos disso.

Page 83: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

A alt a plast icidade da matér ia que compõe os elementos dos sonhos não

implica em sua abstrat ilidade. Por mais plást ica e mutáveis que sejam as

cenas, no momento em que se configuram no universo imaginal apresentam

so lidez. Se, em uma exper iência onír ica consciente, batermos com o pé em

uma rocha, podemos sent ir o choque da colisão com a mesma intensidade que

sent ir íamos se o fizéssemos no mundo fís ico.

O so lo em que pisamos, o corpo que apalpamos e o inimigo com quem

lutamos em sonho são só lidos naquele instante. O vento que sent imos no

rosto, a chuva que nos encharca e o pássaro que voa no céu são concretos

naquele mo mento para o sonhador. É o vivo poder da numinosidade, que

engana as almas ingênuas e as vit ima com a inflação por arquét ipos.

A lucidez intra-onír ica é o reconhecimento da situação em que estamos

enquanto o corpo dorme. Advém da faculdade de enxergarmos o mundo dos

sonhos como é, numinoso e concreto, e não como o extrovert ido homem

ocidental moderno supõe normalmente: vago e ilusór io.

Quando em sonho e durante a educação vígil da atenção, a auto-

indagação a respeito de onde estamos precisa ser acompanhada pela

observação consciente da realidade circundante sem a contaminação pela

idéia de que um mundo de objetos só lidos é fís ico. A observação correta não

se pauta pela concepção de que a so lidez é exclusividade da modalidade

tridimensional de exist ir.

O ato de testar o teor da realidade circundante por meio da observação

exige que partamos do pressuposto de que, caso est ivéssemos em um sonhos,

estar íamos em um mundo idênt ico ao exterior no que se refere ao impacto

realíst ico das imagens, concretude ino lvidável dos objetos e nit idez de

percepções e sensações.

O reconhecimento do estado onír ico exige que dispensemos a

concretude como meio de ident ificação do teor da realidade observada. A

observação correta recebe as imagens circundantes sem reações racionais e

permit e que seu teor onír ico ou fís ico se revele espontaneamente através dos

acontecimentos presenciados no níve l imediato.

É preciso esclarecer, quando afirmamos que o mundo dos sonhos é

concreto, que o estamos fazendo levando em consideração a relat ividade

matér ia-energia. É claro que, de um ponto de vista exclus ivamente

Page 84: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

t ridimensional, suas cenas são abstratas. Mas do ponto de vista da realidade

intra-onír ica imediata, isto é, do ego que as vivenc ia e saboreia sem o

intermédio da recordação posterior, é concreto.

Durante o sono o ego se desliga, em grande parte, do corpo fís ico e das

exopercepções. Passa a ser, então, energia quase pura. As imagens do

inconsciente com as quais estabelece contato são igualmente energét icas,

tendo a mesma natureza psíquica. Devido a essa afinidade vibraciona l,

consciência e imagens onír icas assumem uma configuração reciprocamente

só lida. Daí a tangibilidade das imagens internas no sonho.

Sobre a percepção da materialidade dos sonhos(em 25 de abr i l de 2002)

Ao tentamos discernir se estamos ou não sonhando, temos que fazê-lo

part indo do princípio de que o mundo onírico é tão mater ial quanto o físico.

Quando, dentro de um sonho, observamos a realidade c ircundante e nos

quest ionamos a respeito de estarmos ou não em uma dimensão paralela, a

mater ialidade dos objetos que vemos nos engana, nos leva a acreditar que

vemos cenas fís icas.

A educação ocidental nos inculcou a idéia errônea de que o espír ito se

opõe à matér ia e de que a alma se opõe ao corpo. A idéia de que o espír ito e a

alma se jam imater iais condicionam nossa percepção e nos impedem de

despertar no interno.

Nos condicionamos a sempre duvidar da possibilidade de estarmos em

uma dimensão paralela. Quando estamos em sonho e nos depararmos com a

concretude da realidade onír ica, somos enganados por sua mater ia lidade e

acredit amos estar sob forma fís ica.

A concepção de que o interno é imater ial, abstrato e ilusór io impede a

aceit ação de que as cenas vistas sejam "astrais" (no dizer dos ocult istas). Ao

concebermos, ainda que inconscientemente, as cenas onír icas como

imater iais, nos tornamos incapazes de reconhecê-las quando nos são

apresentadas.

Page 85: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

O mundo dos sonhos é tão mater ial quanto o mundo fís ico, embora o

seja sob outra forma. Para despertar, é importante concebê-lo como realmente

é.

O discernimento não dá resultado quando é realizado sob uma base

falsa. A idéia de um mundo inter ior ("onírico" para a ciência ou "astral" para

os ocult istas) abstrato é uma base falsa para o discernimento.

A observação fundada sobre uma base verdade ira revela o teor da

realidade circundante. A quinta dimensão concebida como universo concreto,

mater ial e para lelo é a base verdadeira po is corresponde à realidade dos

fatos.

Esta dimensão existencia l em que vivemos, a fís ica, não é "a dimensão

por excelência". É apenas uma das muitas existentes. A crença de que outros

universos sejam menos reais e concretos tem a mancha do mater ialismo cét ico

unilateral que aborta as viagens inter iores.

O fato de atuarmos conscientemente no universo físico não significa

que este seja o único universo mater ial existente. Os mundos da quarta,

quinta e sexta dimensões são reais e feitos de matér ia. A idéia de que são

abstratos provém da alucinação mater ia lista e gera um condic ionamento

psíquico que obstrui a passagem interdimens ional à consciência.

Há que se inverter a usual concepção de realidade e radica lizar esta

inversão até o final sem medo da loucura. A loucura não vit ima quem at iva e

desperta a consciência. Conseguimos a inversão ao aplicarmos durante o dia

um exercício ensinado por Tho ley que cons iste em observar o mundo físico,

com todo o seu impacto realíst ico de concretude, como se fosse um sonho. Se

formos capazes de sent ir em profundidade os sabor emocional desta

observação, quebraremos a crença mater ialist a arraigada em nossa mente.

Referência bibliográfica:

EDINGER, Edward F. A Criação da Consciência: O Mito de Jung para o

Homem Moderno. (The Creat ion o f Consciousness: Jung’s Myth for

Modern Man). Trad. de Vera Ribeiro. Nona edição. São Paulo, Cult r ix,

1999.

Page 86: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Parte V

A paralisia do sono

Page 87: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

A paralisia do sono e o sonho lúcidoPor Cleber Monteiro Muniz em 28 de fevereiro de 2002

Algumas pessoas relatam que, às vezes, sofrem uma paralis ia corporalao se deitarem para dormir. Afirmam que, deitadas, perdem os movimentos ea capacidade de falar, ficando com o corpo pesado e "duro", preso à cama.Então, dizem, ouvem vozes, escutam passos, vêem estranhas cenas ou pessoase se desesperam.

Como nossa cultura não é, infelizmente, amadurecida no campo onír icoe nem tampouco para o contato com o mundo do inconsc iente, não somospreparados para exper iências desta natureza. Como result ado, não sabemos oque fazer quando caimos na paralisia do sono, sendo tomados pelo medo.

Alguns exper imentam intenso terror, supondo que estão enlouquecendoou prestes a morrer. Outros, superst iciosos, crêem que o "Diabo" os perseguee até que os sufoca.

O medo se deve ao desconhecimento. Na verdade, a paralis ia do sonocorresponde a um estado não usual de consciência no qual at ingimoslucidamente o limiar entre a vig ília e o sonho. Em outras palavras: nossaconsciência se encontra em um ponto limítrofe entre o mundo vígil e o mundoonír ico.

Obviamente, não estou me refer indo à narco lepsia ou a estadospatológicos similares, nos quais a pessoa desfalece mantendo a consciênciaem situações arr iscadas como durante o trabalho ou no t rânsito. Refiro-meapenas à paralis ia que algumas vezes enfrentamos durantes estados derelaxamento profundo, logo após nos deitarmos à no ite ou acordarmos pelamanhã.

Não devemos confundir a paralis ia do sono, que é ino fensiva, comnarco lepsia, que é um distúrbio.

É importante diferenciar o patológico do inócuo. A inofensiva paralis iaanalisada aqui surge quando nos acomodamos para relaxar, meditar, dormirou "t irar um cochilo". Ocorre em situações facilitadoras do sono, podendoaparecer na fase inic ial ou final deste. Não se impõe contra a nossa vontadeem situações inadequadas ou de r isco, como durante o ato de dir igir outrabalhar.

Esse estado limítrofe nos oferece a oportunidade de exper imentar umtipo especial de sonho: o sonho lúcido. Se, ao invés de nos de ixarmos tomarpelo medo, soubermos aproveit ar a situação de imobilidade para t rabalharcom a imaginação, adentraremos conscientemente ao nosso mundo dossonhos.

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Durante a paralisia do sono, estamos às portas do nosso universoonír ico. Em tal fase, podemos reverter o processo letárgico ou dar-llhecont inuidade. Se nos aterror izarmos ante a impossibilidade de movimentos eas percepções alt eradas, o reverteremos. Se nos mant ivermos t ranquilos epermit irmos que o processo natural do sono tenha cont inuidade, teremos aexper iência fantást ica do sonho lúcido. É uma exper iência cobiçada pormuitos.

Nos sonhos normais, nunca percebemos que estamos sonhando. Sempreacredit amos estar acordados: fugimos dos per igos, nos preocupamos emreso lver os problemas com os quais nos deparamos, tememos as reações daspessoas e animais com os quais estamos sonhando etc.

No sonho lúcido, esta falta de discernimento não existe. O sonhadorcompreende que está sonhando e age de acordo com esta compreensão.

Durante a fase intermediár ia entre sono e vig ília, começamos a terpercepções alteradas, os pr imeiros contatos imediatos com o mundofantást ico. Os nossos pensamentos adquirem alto grau de nit idez e podem servistos e ouvidos como se pertencessem ao mundo exter ior. As vozes, sons,imagens e toques que percebemos são imag inais, isto é, são formas mentais.Não obstante, seu impacto realíst ico e nit idez (numinosidade) são intensos eespantam as pessoas que ainda não estão familiar izadas com isso. Nossosmedos, desejos, anelos, frustrações etc. se corporificam em imagens mentaiscujas formas apresentam afinidade com o teor dos sent imentos que asgeraram.

Aqueles que almejam a exper iência do sonho lúcido procuram induzir aparalisia do sono por meio do relaxamento consciente. Ao at ingí-la, salt ampara o outro lado de suas existências.

Caso tenhamos int eresse em aproveit ar a paralisia corporal paraobtermos uma exper iência onír ica consciente, podemos nos valer de umprocedimento muito simples: uma vez at ingida a imobilidade, projetamos umaimagem mental qualquer que nos agrade procurando vivenciá-la lucidamente,ou seja, nos empenhamos em interagir com a mesma sem perder a recordaçãode que é mental e onír ica. Então, logo nos vemos dentro de um sonho lúcido.

Poder íamos dizer, em outros termos, que co laboramos consc ientementecom o processo natural do sono-sonho ao invés de detê-lo pelo medo. Após oestado de paralis ia corporal vem o estado de sonho propriamente dito. Sevivenciarmos lucidamente as imagens mentais que se formam nesta faseinic ial do sonho, logo as mesmas se apresentam ante nossa consciência comose fossem tr idimensionais.

Fui procurado certa vez por um rapaz que era frequentemente jogado naimobilidade contra a sua vontade. Havia apelado para méd icos, sacerdotes eorações para reso lver o "problema". Não obteve sucesso algum. A paralis iapersist ia contra todos os seus esforços e os de sua mãe em supr imí-la.

Page 89: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

O jovem estava muito preocupado. Havia s ido educado na religiãocr istã e acreditava que as t revas fossem povoadas por ent idades infernais.Temia o ataque de algum demônio na escur idão da no ite. Sua mãe estava, naépoca, tentando contatar um exorcista.

Imaginemos por um instante seu desespero: paralisado na cama noescuro, ouvindo vozes est ranhas com int enso impacto realíst ico e, ainda porcima, sent indo-se prestes a ser atacado por um demônio sem poder mover-seou fugir.

Instruí o rapaz a respeito da paralis ia e indiquei-lhe alguns textos paraleitura. Fizemos juntos uma análise de suas crenças relig iosas, do teor daspercepções alteradas que exper imentava, da natureza dos sonhos, do mundodo inconsciente e do que a paralisia significava em outras culturas diferentesdaquela em que ele vivia. Ele logo ficou t ranquilizado e feliz. Começou aaproveitar situação de imobilidade para ter sonhos lúcidos e, ho je, chega a selamentar quando não a at inge. O "problema" se t ransformou em algodese jável ao encontrar seu sent ido e seu curso.

A paralisia do sono perde seu caráter terrificante quando permit imoscumpra sua função propiciadora de exper iências t ranscendentes.

Muitas vezes, a paralis ia do sono é denominada "pesadelo", o que nemsempre é correto. Um pesadelo é um sonho horr ível, com monstros,assassinatos, torturas, sangue, cadáveres etc. A paralis ia é a imobilidade docorpo, a incapacidade de mover-se e de se levantar. É acompanhada poralucinações e, às vezes, por uma pseudo-asfixia.

A pessoa corretamente instruída a respeito das etapas de instalação dosestados onír icos pode reagir com naturalidade ante a imobilidade corporal,sem desespero. Fo i esse o caso de um afe içoado aos sonhos lúcidos queestudou comigo.

O rapaz estava deitado e profundamente relaxado. De repente, sent iuque não podia se mover ou falar :

"Eu tentava falar mas a voz não saía. Tentava levantar mas nãoconseguia. Eu vi que já estava começando a dormir."

Havia at ingido paralis ia e algumas percepções alt eradas o assaltaram:

"Ouvi o som de passos de alguém subindo pela escada. A pessoachegou e abriu a porta sem virar a chave. Pensei: 'Eu tranquei a porta.Como a pessoa conseguiu abrir?'

Depois eu ouvi, na sala, o som de um riacho, de água.. . . 'Riachodentro da minha sala? Que absurdo! Já são as cenas do sonho.. . ' "

Em seguida, vo luntár ia e conscientemente, o estudante se imagina empé, diante da porta. A imagem onír ica da porta e de sua pessoa em pé seconcret izam ante sua consciência. Ele está lá, frente à porta, vivenciando acena com o mesmo impacto realíst ico que ter ia se pertencesse ao mundo

Page 90: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

vígil. Não obstante, sabia que seu corpo dormia e que exper imentava umestado de realidade incomum:

"Como sabia que estava dormindo, concluí que só podia estar dentrode um sonho e resolvi aproveitar para brincar.

Abri a porta e saí. Ao invés de descer a escada e ir para a rua, parafora, eu fui para o quintal. No quintal, sabendo que estava em um sonho,tentei f lutuar. Não consegui.

Tentei mais uma vez, não consegui de novo. Eu estava eufórico pelasensação de poder voar então resolvi me acalmar.

Tentei, com toda a calma e lentidão, f lutuar levemente e bem baixo.Consegui!

Flutuei até a laje da minha casa. Olhei ao redor. Tudo estava igual.Olhei o céu: tinha nuvens e, mesmo assim, era um sonho! Eu sabia que estavadormindo.

Então, agora conf iante, corri e dei um grande salto do alto da laje,sem medo. Comecei a subir com uma velocidade enorme!.

Um vento bem real começou a soprar contra o meu rosto, que nemquando a gente anda de carro rápido e põe a cara pra fora.

O vento começou a f icar cada vez mais forte e eu me assustei. Entãoacordei."

Neste caso, a paralis ia possuía um significado especial para osonhador, que a via como um indicador de que o estado onír ico seaproximava. Era o sinal de que iniciar ia uma viagem através da no ite, de quea hora de passear pelo mundo inter ior havia chegado.

Além do mundo usual da vigília há um outro mundo: o dos sonhos. Éum mundo que pertence à dimensão do inconsciente, sendo const ituído porimaginações espontâneas, anelos, desejos, recordações, t raumas.. . Na fase daparalisia, estamos às portas desse estado de realidade incomum. As culturasant igas, pr imit ivas e orientais desenvo lveram, ao longo da história, métodospara co locar a consciência em contato direto e seguro com esse mundomister ioso.

O mundo dos sonhos é real à sua própr ia mane ira. Infelizmente, nós,ocidentais modernos, somos ainda muito atrasados nesse campo. Prefer imosevitar a espinhosa questão relacionada com a concretude da psique a encarara crua realidade do mundo onír ico.

Page 91: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Sugestões bibliográficas:

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GREEN, Celia. Lucid dreaming. London: Hamish Hamilton, 1968.

GREEN, Celia and McCREERY, Char les. Lucid dreaming: The paradox ofconsciousness during sleep. London, New York: Rout ledge, 1994.

HARARI, Keith & WEINTRAUB, Pamela. Sonhos Lúcidos em 30 Dias: OPrograma do Sono Criativo (Lucid Dreams in 30 Days). Trad. de MarliBerg. Rio de Janeiro: Ediouro, 1993.

JUNG, Car l Gustav. Memórias, Sonhos, Ref lexões . (Memories, Dreams,Reflect ions). Trad. de Dora Ferreira da Silva. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1963.

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MUNIZ, Cleber Monteiro. "A Experiência Onírica Consciente: Viagens daConsciência ao Mundo dos Sonhos" . Monografia de curso deespecialização (Pont ifícia Universidade Católica - COGEAE). São Paulo:2001.

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SANFORD, J. A. Os Sonhos e a Cura da Alma (Dreams and Healing). Trad.de José Wilson de Andrade. Terceira ed ição. São Paulo: Paulus, 1988.

SPARROW, Gregory Scott . . "Lucid Dream: Dawning of the Clear Light" .Virginia Beach: A.R.E. Press, 1976.

Page 92: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

A superação da paralisia corporal por meio da imaginação

conscientePor Cleber Monteiro Muniz em 06 de abr il de 2001.

Revisto e a tual izado em 14 de janeiro e 15 de agosto de 2002.A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o o a u t or

T ex t o r e g i st r a d o. Nã o o pla gi e pa ra nã o so f r er a s p e na l ida d e s d a l e i .

Há casos em que o corpo físico apresenta uma paralis ia quando nos

deitamos para dormir ou durante o relaxamento profundo. É um fenômeno que

pode ser induzido vo luntar iamente mas que também ocorre espontaneamente

com pessoas que nunca ouviram fa lar em adentrar conscientemente ao sono.

Nesse últ imo caso, a paralisia é mot ivo de medo e angúst ia.

Muitas pessoas, logo após se deit arem, se descobrem presas à cama,

incapazes do menor movimento. Embora estejam sadias, ficam como se

est ivessem mortas: tentam fa lar, levantar-se e mover-se mas não conseguem.

Se sentem aterrorizadas e algumas vezes caem no mais horr ível desespero,

acredit ando que estão sofrendo uma catalepsia pato lógica e irreversível,

suposição que na maior ia das vezes não é correta.

Por desconhecer a natureza do fenômeno exper imentado, o não-inic iado

em exper iências onír icas conscientes tece ju lgamentos equivocados sobre a

paralisia do sono. Supõe que está morrendo, que está enlouquecendo, que está

doente ou, se for superst icioso, pode acreditar que está sendo vít ima de uma

ent idade demoníaca ou que isso é um sinal maléfico indicador de mau-

presságio, etc. A falsa sensação de sufocamento ou asfixia que acompanha a

imobilidade corporal contribui ainda mais para intensificar o terror.

O que os desconhecedores da exper iência onír ica consciente

consideram um problema terr ível é uma dádiva para os aspirantes à mesma,

uma oportunidade valiosa e desejável. Alguns ansiam tanto por ela que a

afugentam.

O medo é injust ificado. A fase de imobilidade corresponde à etapa de

transição entre a vigília e o sono. É uma catalepsia leve, reversíve l,

temporár ia, natural e ino fens iva que corresponde ao pr imeiro umbral para a

dimensão inter ior desconhecida, um crepúsculo entre a luz e a sombra, como

disse Don Juan (Castaneda):

Page 93: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

"O crepúsculo é a fresta entre os mundos" (p. 93)

A etapa crepuscular da viagem da consciênc ia ao inconsciente nos

presenteia com a oportunidade de carregarmos a lucidez vígil para dentro do

mundo onír ico.

Uma dificuldade do iniciante é ult rapassar a paralis ia. Preso à cama, o

aspirante fica um bom tempo estancado: não prossegue a viagem e não

retorna. A so lução encontrada por alguns é abandonar a prát ica e entregar-se

ao sonho usual. Outros se desesperam para retornar ao mundo vígil e até

t ransformam o estado alterado de consciênc ia num problema emocional grave.

Por meio da imaginação consc iente, também chamada imaginação at iva,

podemos superar essa etapa e prosseguir o t rabalho.

Se construirmos, por meio da concentração, uma cena mental em plena

letargia e imobilidade do corpo e a vivenciarmos como vivenciar íamos uma

cena deste mundo, porém sem perder a recordação de que pertence a uma

realidade psíqu ica e paralela, penetraremos conscientemente no mundo

interno. A cena construída se t ransforma em cena onír ica enquanto o corpo

adormece mais e mais pro fundamente. Prosseguindo com a prát ica de

imaginação, chegaremos à fase em que a cena não é mais a que cr iamos

vo luntar iamente. A part ir de então as cenas são numinosas, nít idas, densas e

se processam e se moldam por si mesmas.

A estratégia para t ranscender a fase da paralisia é, portanto,

simplesmente imaginar um sonho e vivê- lo como tal lucidamente, aguardando

os resultados.

Durante a paralisia, nosso fluxo de atenção ainda está muito vo ltado

para o corpo fís ico e isso nos leva a sent í-lo como se fosse a essência do que

somos. Precisamos, em tais momentos, entrar em afinidade com o mundo

psiquíco e desligar os sent idos externos. Para tanto, basta não ter medo,

esquecer o corpo paralisado e imaginar uma cena qualquer (preferenc ialmente

bonita para que não tenhamos um pesadelo). Esta cena imaginada será o

sonho lúcido inicia l, dentro do qual poderemos então viajar com pleno

discernimento.

Enquanto a cena onír ica é e laborada, precisamos ter o cuidado de não

esquecermos de que estamos em contato com imagens inter iores. Caso nos

Page 94: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

esqueçamos disso, perderemos o discernimento e passaremos a sonhar de

modo usual, acreditando estar em contato com o mundo exter ior ou fís ico.

A paralisia do sono é natural. Ao adormecer, o corpo precisa ser

desat ivado. Todas as funções ficam muito reduzidas. Os movimentos são

desacelerados, inclus ive os diafragmát icos, cuja redução proporciona a falsa

sensação de asfixia e, às vezes, a de que temos "alguém do além" sentado

sobre nosso tórax. Os únicos movimentos que conservam desenvo ltura

semelhante à víg il são os das pálpebras. Sob alguns aspectos, o sono é

semelhante a um estado de quase-morte. Apresenta defunção parcial e é a

inofensiva e leve simulação de um "coma" que pode ser aproveit ada para que

nos acostumemos a abandonar o corpo temporar iamente, ou seja, esquecer

que ele existe e nos concentrarmos mais no universo imagina l. Uma vez bem

guardado e seguro, o corpo pode perfeitamente ser deixado de lado sem

nenhum problema. Não há nisso nada de míst ico ou perigoso. O que há de

míst ico em diminuir os movimentos de braços, pernas ou cabeça no sono? É

uma função humana natural. Todos sabem que o corpo diminui os movimentos

ao dormir. Entretanto, nem todos presenciam conscientemente a diminuição

em si própr ios. Também não há mist icismo no ato de tomarmos consciência

de que estamos sonhando, pois isso não é nada mais do que percebermos que

estamos imaginando cenas, que adentramos ao mundo inter ior.

Muitas percepções alt eradas acompanham a paralis ia do sono. Podemos

sent ir formigamento, arrepios ou algo que se assemelha à passagem de uma

corrente elét rica pelo corpo. Algumas pessoas escutam sons e vêem imagens

int er iores como se fossem fís icas, com a mesma nit idez. Também pode

ocorrer uma interpenetração de percepções: sons ou imagens do mundo

exter ior real que se mesclam aos produzidos em nossa imaginação.

Quando a letargia penetra no campo de consciência de quem está

adormecendo, é percebida como incapacidade de movimentos. Aquele que se

percebe paralisado na cama, t ransportou a consc iência vígil a um nível de

adormecimento corporal mais pro fundo do que usualmente é t ransportada.

Pode, a part ir daí, exper imentar conscientemente a vida no mundo dos sonhos

e até mesmo at ingir lucidamente um nível t ranspessoal, sendo e sent indo-se

temporar iamente como parte da natureza (r io, águia, rocha, lobo, árvore. . .) ou

vivenciando o papel de heró is mít icos e entes arquet ípicos.

Page 95: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Em todo caso, se ainda assim quisermos deter a paralis ia e evit ar

exper iência tão agradável, teremos que reat ivar novamente as funções vígeis,

o que não se consegue subit amente. Será preciso reat ivar o corpo fís ico por

meio das funções que permanecem controláveis durante a paralis ia.

Deveremos começar movendo os olhos, emit indo gemidos (os únicos sons que

conseguimos emit ir nesses momentos) agudos, movimentando os dedos e

respirando com intensidade crescente. É preciso ter paciência po is a máquina

orgânica em sono profundo é como um computador que demora muito para ser

ligado. Podemos ainda nos valer de outro procedimento adicional: dormir

com alguém por perto. Pedimos à pessoa que nos acorde assim que ouvir

nossos gemidos e perceber nossa inquietação. Então retornamos ou nos

entregamos ao sonho usual. Entretanto, o sonho lúcido é muito mais

int eressante. Não é à toa que é cult ivado nas culturas indígenas e orientais

desde tempos imemoriais.

A dinâmica da paralisia

Inconscientemente, acreditamos sempre ser uma simples forma fís ica.

A associação equivocada que estabelecemos entre o Ser sua forma

tridimensional de expressão é o maior responsável pela paralis ia do sono. Por

não compreendermos que o corpo fís ico é apenas um veícu lo de expressão

exter ior da psique, resulta inconcebível para nós a idéia de que possamos ser

"alma".

Como os acontecimentos onír icos são governados pelos fluxos de libido

(formas de pensar e sent ir), a crença de que somos o corpo exter ior de carne e

ossos atua como um poderoso agente condic ionante dos acontecimentos. A

exper iência de nos levantarmos da cama, seja com o corpo físico ou com o

corpo onír ico, é sabotada pela idé ia inconsciente de que somos o nosso

próprio veículo de expressão exter ior. Ident ificados com a "matér ia", ou

melhor, com idéia equ ivocada de matér ia que nossa cultura extrovert ida nos

inculcou desde a infância, tentamos arrastar o corpo físico adormecido no ato

de levantar. É claro que ele não responderá à tentat iva po is está desat ivado.

O resultado é a sensação de paralis ia.

Page 96: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Tentamos levantar o corpo fís ico e o onír ico simult aneamente porque

nos ident ificamos com este últ imo. E o fazemos porque apenas somos capazes

de conceber a realidade em termos de percepção exter ior. Erroneamente,

acredit amos que apenas as co isas externas são verdadeiras e que os objetos e

acontecimentos psíquicos são inexistentes, falsos e abstratos. O pior é que

nem sequer compreendemos tal equívoco que, não reconhecido e não

admit ido, fica causando dano por via subliminar. Não adianta fazer de conta

que o problema não existe po is ele cont inuará lá, causando seus pre juízos. A

letargia do corpo fís ico faz com ele não obedeça ao nosso comando

inconsciente de se levantar.

Os acontecimentos nos sonhos resultam de uma combinação dos

infinitos fluxos de libido. Nossos medos, amores, paixões, angúst ias,

terrores, aversões e, o que é mais importante no caso que ora t ratamos, nossas

crenças se combinam e dão forma às cenas que se desenro larão. Na cr iação

das cenas, quase sempre prevalecem as forças do inconsciente: sent imentos e

pensamentos de vár ios t ipos que temos mas que não sabemos que temos e nem

sequer admit imos. Nos sonhos, esses elementos tomam forma e interagem

entre si, gerando um autênt ico mundo, infinito e com leis própr ias. Eis a

razão pela qual a crença de que somos apenas a matér ia densa se concret iza

na etapa preambular ao sonho, que é a fase t ransitór ia entre estar acordado e

adormecido.

Algumas vezes, entretanto, exper imentamos uma saída incipiente do

corpo fís ico, uma "quase-saída", proporcional à nossa pequena capacidade de

verdadeiramente nos sent irmos alma. Embora seja incipiente, é uma

capacidade que pode muito bem ser aproveitada para superarmos a paralisia.

Quando est ivermos presos à cama, incapazes de sair dela para qua lquer

co isa, temos que procurar nos sent ir vaporosos e sut is. Mantendo esse estado

de sent imento, tentemos a saída. Para facilitar e garant ir a inda mais o êxito,

podemos, ao mesmo tempo, tentar visualizar-nos no próprio ato de nos

erguermos saindo do leito , tomando a cena visualizada como se fosse real

porém sem perder o discernimento de que é imagina l, onír ica. Se a cena for

sent ida intensamente e o mais lucidamente possível, se concret izará

psiquicamente e em seguida nos veremos dentro de um sonho, completamente

conscientes.

Page 97: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

É imprescindíve l que esqueçamos o veículo fís ico completamente e

focalizemos totalmente nossa atenção nas imagens onír icas à nossa vo lta. A

simples recordação do corpo faz a exper iência ret roceder à etapa

int ermediár ia da paralis ia.

Passos para indução de sonho lúcido a partir da paralisia

Podemos obter sonhos lúc idos a part ir da paralis ia. Para tanto, baste

seguirmos os seguintes passos quando est ivermos paralisados:

1. Perca o medo.

2. Procure sent ir que este acontecimento (você paralisado na cama) já é o

pr incípio de um sonho. Sinta e perceba as co isas como tal.

3. Considere tudo o que você percebe, escuta ou vê neste estado de paralisia

como sendo onír ico, ainda que sejam exatamente as mesmas co isas que você

percebeu há pouco, quando acordado.

4. Sinta e conclua, por meio da vontade, que está livre para se movimentar

em forma sut il. Não duvide.

5. Tente movimentar onir icamente um braço ou uma perna de forma lenta,

relaxada mas alerta. Se você conseguir, já estará no sonho lúcido. Não é

necessár io levantar e mover o corpo todo mas pode-se fazê-lo caso se queira.

6. Se cont inuar paralisado, comece a prestar mais atenção nos sons ao redor.

Alguns serão sons do mundo externo real e outros já serão sons onír icos mas

ouça-os considerando, para todos os efeitos, que todos já são onír icos. Preste

atenção naqueles sons que se intensificam.

7. Deixe os sons aumentarem por si sós até se incorporarem totalmente em

sua percepção consciente.

8. Tente movimentar-se novamente na cama. Se t iver êxito terá adentrado ao

sonho. Caso contrár io, aprofunde mais ainda o relaxamento muscular (se você

está paralisado, é porque já está profundamente relaxado) e tente

movimentar-se muito, mas muiiiiito lentamente mesmo! Faça-o da forma mais

alerta, consciente e lúcida que puder. Este últ imo procedimento deverá

desprendê- lo do corpo fís ico.

Page 98: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Estes procedimentos visam desfocar a atenção do sonhador de seu

corpo fís ico de modo a liberá- lo para o sonhar sem as t ravas da ident ificação

com a paralis ia.

Referência bibliográfica:

CASTANEDA, Car los. A Erva do Diabo: as exper iências indígenas com

plantas alucinógenas reveladas por Don Juan. (The Teachings o f Don

Juan, 1968). Trad. de Luzia Machado da Costa. 12ª edição. Record.

Page 99: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Parte VI

Experiências espirituais e sonhos lúcidos

Page 100: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

A viagem consciente ao mundo onírico como experiência

religiosaPor Cleber Monteiro Muniz

A divulgação l ivre deste ar t igo é autor izada desde que ci tados a fon te e o autor .

Texto r egist r ado. Não o plagie para não sofrer as penal idades da lei .

Há um substrato comum às exper iências psíquicas conscientes obt idas

na meditação, nos sonhos lúcidos e nos vár ios estados de quase-morte. Em

todas elas o corpo fís ico desfalece e perde os sent idos enquanto a consciência

concebe o mundo em que se move como não-fís ico. Essas exper iências tocam

o limite extremo da ciência, be irando o que em seu atual estágio de

desenvo lvimento é incognoscíve l.

A idéia da sobrevivência da alma em outro mundo após a morte do

corpo, comum a muitas religiões, é reforçada por exper iências desse t ipo.

Aqui encontramos mais uma ut ilidade para os sonhos lúcidos.

As pessoas que se desenvo lveram no campo da exper iência

transcendental parecem sent ir menos medo da morte após esse

desenvo lvimento do que antes dele. A morte passa a ser vista como uma

viagem litera l a outro mundo, o que parece dar ao processo de destruição do

corpo fís ico um caráter mais aceitáve l e uma maior naturalidade.

Grande parte das exper iências psíquicas cujo conteúdo imagét ico

abrange anjos, demônios, deuses, céus e infernos são obt idas em momentos

em que o corpo desfalece.

O desfalecimento temporár io do corpo associado à consciência de que

se está em contato com imagens não-físicas proporciona uma modalidade de

exper iência que adentra ao terreno religioso.

Ao discernirmos que as imagens contatadas são onír icas, o risco de

inflação por um arquét ipo parece ser diminu ído. Se o sonhador vê a figura de

Jesus Cr isto, por exemplo, e compreende que é onír ica, seu poder de

desconfiar do caráter divino da mesma parece ser maior. Tal capacidade de

desconfiança com relação ao caráter literal das imagens não ocorreria se a

pessoa, tendo o discernimento de estar no mundo onír ico, não se desse conta

de que suas imagens são simbólicas. A consciência de que se está em um

sonho não é suficiente para evitar a inflação. A recordação de que o mundo é

Page 101: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

simbólico e de que seus componentes possuem um caráter fantást ico são

imprescindíveis para evitar a loucura. Aquele que não compreender como se

dá a realidade onír ica estará per igosamente exposto às influências per igosas

dos arquét ipos, sejam eles celest iais ou infernais. Do mundo onír ico provém

criaturas de tormento, demônios int er iores conhecidos pelas religiões:

"Os monstros do inferno são os pesadelos do cristianismo e (. . .) nunca

o pincel ou o cinzel teriam produzido tais fealdades se não tivessem sido

vistas em sonho." (Lévi, p. 397)

Os conteúdos encontrados em exper iências religiosas são muitas vezes

oriundos de sonhos nos quais há maior ou menor lucidez do que se passa.

As exper iências onír icas conscientes parecem assina lar uma etapa da

evo lução da consciência mais elevada do que a das exper iências usuais, nas

quais tudo está indiferenciado e não sabemos o que é externo e o que é

int erno. Porém e la possui seus r iscos. A mera noção de onde se está não é

tudo. Além de sabermos a dimensão em que estamos, é preciso manter a

compreensão de que o mundo onír ico é fantást ico e simbólico po is, do

contrár io, caimos no erro de certos pseudo-ocult istas que tomaram o outro

mundo como realidade lit eral e foram enganados. A lucidez no sonho pode

at ingir um grau que permit a ao sonhador ter a certeza de estar sonhando ou

apenas disso desconfiar sem, no entanto, se recordar de que não está em um

mundo de significados litera is. Uma vez que se tenha certeza disso, por outro

lado, o poder de se explorar esse mundo conscientemente irá var iar muito

pois há vár ios graus de consciência desperta. Em uma etapa muito elevada, os

sonhos são t ranscendidos e a pessoa vive na dimensão desconhecida em

intensificada vig ília.

Nessa dimensão desconhecida, o reino mister ioso das nossas viagens

noturnas, estão os entes fantást icos, os seres mito lógicos que este mundo

fingiu esquecer. Em sua vast idão ecoa a voz de Deus através dos séculos, se

perdendo na no ite infinita dos tempos. Esse mundo é o portal por onde se

revelam os anjos e os demônios e por onde se ascende aos céus ou se é

precipitado ao inferno.

Das pro fundezas desse abismo emergem as legiões do bem e do mal que

subjugam os homens e o anjo da morte que os arrebata no momento final,

cujo nome é Abadon segundo as teogonias ant igas.

Page 102: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Nessa realidade paralela e fantást ica, podemos contatar seres

arquet ípicos, mito lógicos e histór icos. Transcendemos a barreira do tempo e

do espaço e mergulhamos no oculto. Cruzamos os vales sombrios e os mares

da serenidade e do desespero até vermos a aurora br ilhante dos tempos

obscuros. Suas mensagens são enviadas na linguagem do arco-ír is: elas falam

em silêncio e para sempre!

Referência bibliográfica:

LÉVI, Eliphas. "Dogma e Ritual de Alta Magia" . Trad. de Rosabis

Camayasar. São Paulo, Pensamento.

Page 103: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

As experiências oníricas conscientes como meio adicional de

investigação dos conteúdos ctônicos 1

Por Cleber Monteiro Muniz em 04/03/01

A divulgação l ivre deste ar t igo é autor izada desde que ci tado o autor

Texto r egist r ado. Não o plagie para não sofrer as penal idades da lei .

Por nos permit irem a t ransposição do limiar das zonas obscuras

carregando conosco uma centelha luminosa, os sonhos lúcidos podem ser um

instrumento adicional de invest igação do mundo psíquico subterrâneo.

Como instrumento de cognição extraído de exper iências humanas por

muito tempo margina lizadas e a ser submet ido ao aperfeiçoamento cient ífico,

esse t ipo de sonho tem muito a oferecer. Para aqueles que o exper imentaram,

ele é a prova de uma extensão sut il do ser.

Os sonhos lúcidos e exper iências semelhantes nas quais há perda dos

sent idos externos, como a meditação e as exper iências de quase-morte,

situam-se no limite impreciso entre a exper iência cient ífica e a religiosa. Eles

podem ajudar a aumentar a zona de int ersecção entre ambas, permindo que a

ciência t ranscenda o tabu de não penetrar no domínio do usualmente

considerado incognoscíve l.

Métodos funcionais de invest igação não podem ser descartados

simplesmente por não se encaixarem em moldes egó icos arbit rár ios. Além da

reconstrução constante dos métodos, é preciso que haja uma reconstrução

constante dos parâmetros cient íficos de realidade. Do contrár io a essência de

certos fenômenos não será acompanhada e compreendida por se estar

submet ido a formas mentais obso letas. Os sonhos lúcidos não são acessíve is a

todos mas apenas àqueles que se tornam sensíve is, vo luntár ia ou

invo luntar iamente, à realidade fantást ica.

As viagens onír icas conscientes não são um meio alternat ivo de

invest igação da psique mas sim ad icional. Como não se antagonizam com os

métodos usuais, podem ser acrescentadas a eles.

Uma consciência desperta e sincera na busca do si mesmo explora o

universo onír ico à no ite com mais efic iênc ia e menos r iscos do que uma

1 Referente às profundezas (do psiquismo inconsciente)

Page 104: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

consciência adormecida. Além disso, é mais recept iva aos conteúdos

contatados por compreender que são onír icos e que, portanto, não ameaçam

os capr ichos egó icos que porventura existam. A compreensão de que se está

em sonho fornece a possibilidade de experimentar situações impossíve is para

o mundo "real", revelando significados que de outra forma permanecer iam na

escur idão.

Na verdade, os sonhos sempre compensam as carências da vida

consciente e, quando são lúcidos, essas compensações entram no campo

vis ível, sendo assimiladas na vida. Incursões conscientes às remotas paragens

de nós mesmos, às vast idões inter iores, são acompanhadas por natural e

espontânea assimilação do que se passa em nossas pro fundidades.

A prát ica da imaginação at iva, método usado para contato com

conteúdos ctônicos, é, em seu aspecto mais pro fundo, o iníc io de uma

exper iência t ranscendente de caráter onír ico. Um sonho lúcido é uma prát ica

de imaginação at iva levada a níveis muito distantes e na qual a consciência se

mantém coesa, desperta e desprendida do adormecido corpo fís ico, totalmente

focada na introspecção.

A psique inconsciente contém informações que t ranscendem os limit es

do tempo e do espaço e encerra segredos que podem auxiliar a modalidade

vígil de existênc ia. Aqui reside, precisamente, a importância maior de se

despertar a consciência onír ica: a possibilidade de se aprender a consultar o

inconsciente diretamente.

Durante os sonhos usuais, a consciência adentra às zonas inconscientes

sem a compreensão de que o está fazendo. Embora possa, sob tal condição,

t razer ao universo vígil informações sobre o que se oculta nos t ransfundos do

mundo inter ior, a consciência onír ica perde oportunidades maiores de

ampliação e aprofundamento do auto-conhecimento por estar adormecida. Ao

empreender as jornadas em modo desperto, se verá diante de novas

possibilidades de interação e contato.

O universo inter ior é infinito. Há nele regiões ctônicas ainda

inexploradas e que podem ocultar surpresas. É claro que, estando intra-

onir icamente despertos, teremos a chance de invest igarmos o que há em nós

com mais prudência do que se est ivermos inconscientes.

Page 105: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Quando via jamos através do mundo onír ico em estado de lucidez, o

estamos ass imilando de modo natural.

Referências:

Este art igo não possui referênc ias.

Page 106: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Sonhos lúcidos e meditaçãoPor Cleber Monteiro Muniz

Re v i st o e a tu a l i za d o e m 7 d e f e v er e i r o d e 2 0 0 2 e 1 0 d e ju n h o d e 2 0 0 6 .

A di vu l ga çã o l i vr e d e s t e a r t i g o é a u t or i za da d e sd e qu e c i t a d o s a fo nt e e o a u to r

T ex t o r e g i st r a d o. Nã o o pla gi e pa ra nã o so f r er a s p e na l ida d e s d a l e i .

Um paralelo entre os estados meditativo e onírico consciente

Podemos t raçar um parale lo entre os estados onír icos conscientes e os

estados conscient ivos alcançados na meditação por meio das técnicas de

relaxamento e concentração desenvo lvidas nas culturas ant igas e orientais.

Na meditação há repouso do mesmo modo que nos sonhos lúcidos.

Entretanto, o repouso e relaxamento no primeiro caso são muito profundos,

super iores aos do sono usual. De acordo com o pediatra e acupuntur ista

Norvan Mant inho Leit e (em Morais, 2001, p. 74, grifo meu), idealizador da

sala de meditação do Hospital do Servidor Paulistano, a medit ação

proporciona um descanso maior do que o que desfrutamos à no ite em

situações comuns:

"Um homem dormindo consome seis vezes mais oxigênio do que

meditando.(. . .) Os batimentos cardíacos diminuem e aumentam no cérebro as

ondas alfa e teta, associadas ao relaxamento."

O consumo de oxigênio e o ritmo cardíaco so frem diminu ições que

ult rapassam os níve is do sono comum. Morais ( idem) afirma que um homem

que medita tem um repouso mais pro fundo do que quando dorme:

"Os benef ícios da meditação começam pelo repouso corporal, que

durante o período de concentração é superior ao do sono." (gr ifo meu)

Ver ifica-se, assim, que a medit ação vai além do sono usual que se

refere ao repouso do corpo físico, ao descanso. Não há meditação sem esse

repouso. O corpo precisa adormecer na prát ica. Por essa razão não vejo

problema em categorizá- la como um supersono, altamente reparador. Logo,

sendo o repouso da meditação um sono mais pro fundo, entendo que as

exper iências que se tem durante essa prát ica podem ser qualificadas como

onír icas, uma vez que as temos enquanto o corpo físico dorme.

O momento presente é o objeto da atenção na meditação. Segundo o

diretor da clínica de redução do estresse do Centro Médico de Massachuset ts,

Page 107: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Jon Kabat Zinn, durante sua prát ica, a pessoa toma consciência do que se

passa no agora ao invés de permit ir que os pensamentos fiquem presos ao

ontem ou ao amanhã:

"A mente agitada está sempre f ixada no passado ou no futuro ao passo

que meditar é concentrar-se no presente." (em Morais, 2001, p. 74 )

À medida em que o repouso corporal at inge níveis progressivamente

mais pro fundos, a lucidez do que se passa no agora se torna maior. Ao

conectar-se com o presente, a consciência se torna desperta e se dá conta da

realidade imediata na qual está inser ida. Alcançar esse estado part icular de

lucidez durante a med itação é exper imentar uma forma de sono profundo do

corpo fís ico no qual há uma aguda vivência consciente do presente

vivenciado. E esse presente, no caso do repouso corporal ter at ingido a

profundidade do sono, é onír ico, ou seja, é a realidade do agora que está se

dando dentro de um sonho. Sendo a meditação uma modalidade

transcendental e pro funda de sono fís ico, suas visões podem ser qualificadas

como sonhos lúcidos po is neles há uma percepção direta do momento

imediato, requisito indispensável para se compreender que não se está no

mundo externo. A chave para adquir ir a lucidez e a compreensão de que se

está fora do mundo fís ico é a atenção sobre a realidade que está se

processando concretamente neste instante. Kornfie ld (1995, p. 160) considera

que "penetrar no momento presente é a primeira entrada nos domínios

espirituais pois estes não estão nem no passado e nem no futuro. O passado é

mera lembrança e o futuro pura imaginação. O presente fornece a porta de

entrada em todos os reinos da consciência que estão além das nossas

atividades cotidianas normais. Estar aqui exige uma f ixação da mente, uma

concentração e uma atenção. É a velha frase dos cassinos de Las Vegas:

‘Você tem de estar presente para ganhar.’ Você tem que estar no cassino

assim como deve estar presente na sua prática de meditação." (gr ifo meu)

Similarmente, o reconhecimento do teor onír ico de uma exper iência é

feito dentro do próprio sonho, nos instantes exatos em que ele está ocorrendo

em nosso mundo inter ior e não fora dele, em outros momentos. Há um

presente vígil e um presente onír ico, o qual é vivido e reconhecido durante o

sonho lúcido. O reconhecimento ocorre quando estamos conscientemente

Page 108: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

presentes à cena exper imentada ao mesmo tempo em que o corpo fís ico

repousa profundamente no leito (ou na sala de meditação).

A compreensão de que t ranspomos a fronteira da vigília advém a nós

quando nossa consciência capta no agora onír ico fatores denunciadores de sua

natureza extra- física: conteúdos imagét icos que assumem formas exclusivas

dessa dimensão da existência e que não poderiam ocorrer no mundo exter ior.

O estado de alta lucidez a liado ao profundo repouso é at ributo t ípico da

meditação. Porém, com menor intensidade, os encontramos também nos

sonhos lúcidos. A exper iência ind ica que os dois estados não usuais de

consciência apresentam uma mesma natureza mas diferem na profundidade. O

sonho lúcido corresponde a um estágio de lucidez anter ior ao da medit ação e

a ele conduz quando ult rapassamos seu ápice de desenvo lvimento, seu limite.

Vivências semelhantes podem ser obt idas nos do is casos como, por exemplo,

t ransformar-se em animal ou em p lanta, viajar ao passado ou ao futuro,

part icipar de contos mito lógicos ou t ransformar-se em entes arquet ípicos etc.

A atenção distensional cont ínua indutora de sonhos lúcidos

A concentração, elemento básico nas prát icas de med itação, é um

poderoso agente indutor de sonhos lúcidos.

A meditação e a concentração são exper iências humanas que podem ser

compreendidas e explicadas sem mist icismo, dentro das termino logias e

teorias psico lógicas academicamente aceitas.

Usual e equivocadamente, concebe-se a concentração como um ato de

esforço. Parece-me que o refer ido erro possui ra ízes linguíst icas.

Em nossa língua portuguesa e em línguas a ela aparentadas, o termo

"concentração" é ut ilizado para designar um conjunto de elementos

fortemente compactados e que se mantém coesos sob grande tensão. Não é

este o sent ido que lhe atr ibuímos neste art igo.

Aqui, a palavra concentração tem um significado diferente e até oposto.

Trata-se do fluxo de atenção focado sobre um objeto de modo cont ínuo e

tranquilo. É uma observação distensional, ou seja, relaxada.

A atenção distensional cont ínua, usualmente denominada

"concentração" é uma modalidade de observação cuidadosamente educada.

Não há sent ido em concebermos uma atenção tensa na fase preliminar

da meditação pois a mesma estar ia cheia de ansiedade e sabotar ia o exercício.

Page 109: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

A etapa da concentração é uma cont inuidade à etapa do relaxamento

neuromuscular. Deve, portanto, aprofundá-lo aumentando a paz e a

t ranquilidade.

O descanso será apro fundado na etapa da concentração se houver

entrega. A entrega requer ausência de medo.

É comum sermos assalt ados pelo susto ou por outras reações egó icas

sabotadoras quando a concentração se apro funda e temos as pr imeiras

percepções alteradas. Então o processo em curso é revert ido subit amente.

Um dos mot ivos das súbit as reações sabotadoras são as idéias absurdas

e concepções prévias, or iundas do estudo teórico, que cr iamos sobre o que

ser ia esta exper iência. Tendemos a confrontar a vivênc ia objet iva e crua das

percepções não usuais sob concentração profunda com os conceitos absurdos

que cr iamos, ou seja, reag imos mentalmente contra a exper iência, tentando

analisá- la ao invés de deixarmos que flua espontaneamente.

Há uma diferença radical entre receber o novo tal como nos chega e

confrontá- lo absurdamente com conceitos estabelecidos a priori .

A observação recept iva ao novo sob qualquer aspecto que este se revele

a nós (mantendo, no entanto, a fidelidade ao alvo esco lhido) proporciona um

descondicionamento com relação a uma meta atencional única dentro do

objeto eleito . Em outras palavras: não devemos adotar uma observação

estát ica, focada apenas sobre um ponto do processo observado. O objeto

selecionado já é o ponto único esco lhido. Todas as var iações e detalhes que

revelar precisam ser aco lhidos.

Uma consciência em observação t ranquila recebe o objeto observado tal

como chega, sem resist ir- lhe ou tentar impor-lhe capr ichos egó icos, pessoais.

Uma vez relaxados, passamos a observar o objeto que esco lhemos para

ser alvo da atenção distensional cont ínua (concentração). Este alvo pode ser

uma imagem mental internalizada a part ir de um objeto exter ior, um som

mentalmente emit ido ou as próprias sensações corporais decorrentes do sono.

Alguns relig iosos ut ilizam inst int ivamente as orações como alvo de sua

concentração para obter estados vis ionár ios.

Qualquer que seja o alvo, precisa ser recebido pela consc iência sem

nenhum medo ou preconceito por parte desta.

Page 110: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

A part ir do momento em que a atenção é focada, o objeto observado

apresenta t ransformações que precisam ser acompanhadas em estado de

lucidez crescente.

Ante as t ransformações do objeto de atenção, a consciência pouco

educada tende a reagir com medo ou com a tentat iva de conceituar e encaixar

o que vê dentro dos princípios lógicos que conhece ou das suposições que

cr iou sobre o que ser ia uma exper iência meditat iva. São reações egó icas

sabotadoras do exper imento.

Durante a observação, precisamos esquecer toda a exper iência e

pr incípios lógicos do passado. Se não o fizermos, o fluxo atencional livre

sobre as imagens que começam a se processar de modo autônomo será

int errompido.

A única restr ição que se impõe durante a atenção distens ional cont ínua

é a de nos atermos a apenas um alvo (daí o nome "concentração").

O importante é prolongar a atenção cont ínua, a despeito de todas as

mudanças que o objeto sofrer. As fases de alt eração no objeto são as fases em

que a atenção está fragilizada.

A atenção que cessa quando objeto se t ransforma ao invés de atravessar

o ponto de t ransformação para ver o que se revela não é cont ínua, é

descont ínua.

Normalmente, somos capazes de focar a atenção sobre um alvo apenas

por breves instantes e logo a perdemos. Quando nos educamos, adquir imos o

poder de prolongar a observação por longos per íodos e de modo relaxado.

A concentração é um modo de estudo. Elegemos um alvo e o

observamos, conhecendo-o progressivamente e sem reações int electuais.

Trata-se de percepção pura e direta do objeto, sem inferências ou

evas ivas. É um ato de render-se à realidade apresentada pelo fato estudado.

À medida em que penetramos mais e mais no objeto, vamos extraindo

da psique inconsciente informações sobre o mesmo.

Em nenhum momento esta observação é um ato de esforço. Ao

contrár io, é distensional po is nos entregamos àqu ilo que nos chega ao invés

de resist irmos ou nos esforçarmos para tentar controlar a forma como se

apresenta.

Page 111: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Para at ingirmos um estado onír ico consciente podemos nos valer da

concentração sobre uma imagem mental, que servirá como pontapé inic ial do

sonho lúcido, ou apenas observarmos todas as percepções e sensações

corporais relacionadas ao sono.

Se acompanharmos lucidamente a instalação do sono, logo nos

descobr imos paralisados na cama e dormindo.

Não rejeitamos ou analisamos nada que provenha do objeto. Não

obstante, deixamos de lado tudo o mais que não esteja relacionado a ele.

Todos os pensamentos, recordações, possibilidades etc. são

abandonados para prestarmos atenção apenas no alvo esco lhido e acompanhá-

lo. Teremos então um só pensamento que apresentará t ransformações e não

vár ios pensamentos dist intos e desconexos.

Durante o dia, devemos t reinar a atenção distensional cont ínua

observando o nosso próprio comportamento a todo instante. A capac idade de

observarmos aquilo que estamos fazendo concretamente aqui e agora precisa

ser apr imorada até o infinito e sem preguiça.

O treino diár io da atenção livre, recept iva e relaxada educa a

observação para o momento noturno de indução do sonho lúcido.

Nem mesmo o desejo por manter-se concentrado deve perturbar a

t ranquilidade po is a ansiedade pelo êxito interrompe os processos psíquicos

observados.

A lucidez se apro funda à medida em que o relaxamento se acentua.

A concepção corrente de observação concentrada é equivocada porque a

associa, por via inconsciente, à tensão dos olhos e do entrecenho, bem como

a uma expectat iva ans iosa. Causa muito dano.

Vit imados por esta idéia equivocada, muitos se esforçam durante os

treinos de concentração a ponto de adquir irem dores de cabeça, tonturas e

náuseas. O resultado é a frustração.

Na atenção cont ínua distensional há ausênc ia de expectat iva específica

com relação ao objeto observado e, ao mesmo tempo, fidelidade total ao

mesmo po is não o abandonamos para nos concentrar em outros alvos.

A entrega ao ato de apenas nos darmos conta mais e mais daquilo que o

objeto nos revela faz com que penetremos gradat ivamente na imagem

psíquica que temos do mesmo. Deste modo, at ingimos facetas imagét icas que

Page 112: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

antes jaziam na escur idão do inconsciente. Toda imagem int erna

correspondente a um objeto externo possui um lado desconhecido e infinito.

O medo de nos desviarmos do alvo e perdermos a concentração origina

relutância em nos entregarmos corajosamente à viagem e a int errompe.

A síntese entre a ausência de restr ição ao que provém do objeto e a

restr ição total ao que não provém do objeto produz a recept ividade adequada.

O nosso comportamento diár io é o meio de aperfeiçoarmos a atenção

cont ínua distensionante em estado de recept ividade plena. Para tanto, basta

que observemos aquilo que estamos fazendo aqui e agora.

O que importa é descobr ir ou perceber os infinitos detalhes do nosso

próprio comportamento, acompanhando-o cont ínua e conscientemente mas

sem nos prendermos a nada que descobr imos.

Interessa-nos enxergar mais e mais o desconhec ido e simultaneamente

esquecer mais e mais aquilo que vamos enxergando para que possamos

enxergar outras coisas novas sobre o objeto.

Mas não enxergaremos nada se ficarmos pensando, pensando.. . Há uma

diferença radical entre inventar pensamentos sobre o objeto estudado e

enxergar o que o objeto em si nos revela. O objeto pode ser um pensamento

único eleito ou o nosso próprio comportamento.

Não devemos esperar que o objeto estudado permaneça estát ico. A

imagem mental observada t ransforma-se cont inuamente.

O campo abrangido pela consciência precisa so frer uma limpeza

cont ínua dos resíduos mnemônicos. Resíduos mnemônicos são as escór ias

mentais inúteis relacionadas ao passado e ao futuro: aquilo que vivemos,

viver íamos, poder íamos ter vivido, viveremos.. .

A consciência que observa é totalmente silenciosa, mesmo quando o

objeto observado emite sons externos ou internos. O observador não é

tagarela.

A capacidade de observar é a maior preciosidade da psique. Sem ela

nada ser íamos. Toda a discip lina para o desenvo lvimento da psique se pauta

na observação lúcida.

Page 113: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Esclarecendo confusões comuns

Concentração

Alguns novatos podem ficar em dúvida a respeito do seguinte: "devo

concentrar o pensamento ou a atenção?" Respondo-lhes: concentrem a

atenção e o pensamento simult aneamente po is não é possíve l manter a

atenção focada sobre a lgo se est ivermos pensando em outra coisa. Quando

concentramos a atenção, o pensamento é simult aneamente vinculado àquilo

que está sendo observado. Na concentração correta, a atenção estará focada

de forma pro longada sobre um único objeto ou alvo. Entretanto, ao mesmo

tempo em que est ivermos sensor ialmente vinculados ao objeto, teceremos

imaginações conscientes e vo luntár ias po is a percepção inexiste sem a função

imaginat iva. O pensamento concentrado é voluntar iamente dir igido e pode ser

definido como uma imaginação consciente. Os múlt iplos pensamentos que

provocam dispersão, desatenção, dist ração e adormecimento da consciência

são imaginações mecânicas, invo luntár ias e automát icas, meros

func ionalismos invo luntár ios da mente autônoma. Na concentração,

abandonamos as múlt ip las imaginações mecânicas para nos atermos ao

pensamento único da imag inação consciente.

Uma vez que atenção esteja concentrada, não é necessár io fazer esforço

adicional para que o pensamento a acompanhe po is a focalização atencional

em si já implica em minimização e seleção da at ividade mental. A at ividade

mental autônoma e descr it er iosa impede a fixação da atenção por absorver a

consciência e arrastá- la para vár ios e diferentes objetos inint erruptamente.

O objeto da concentração pode ser externo (fís ico) ou interno

( imaginal). Se o objeto da concentração for externo como, por exemplo, uma

planta, estaremos vinculados ao mesmo através das exopercepções. Se for

int erno, isto é, imagina l (se est iver "dentro da mente") como, por exemplo,

um mantram, imagem ou cena mentalizados, estaremos vinculados ao mesmo

endopercept ivamente. Em ambos os casos, o objeto chegará até nós por via

sensor ial externa e/ou interna.

À medida em que o relaxamento e a concentração no objeto exter ior

fís ico se apro fundarem, começaremos a perceber imaginat ivamente sua

Page 114: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

contraparte inter ior. O que importa é enxergá-lo com clareza endopercept iva

crescente para exerc itar e desenvo lver a clar ividência posit iva.

Sendo o objeto externo, focalizaremos sobre ele a atenção por meio do

olhar ou da audição e ut ilizaremos a imaginação consciente para

complementar o alcance limit ado dos sent idos fís icos. Isso é feito tentando-se

visualizá- lo por dentro, por fora, de outros ângulos e tentando-se enxergar de

que está const ituído etc. buscando at ingir seu númen, isto é, captar toda

informação que o mesmo possa conter sobre si própr io.

Mantenha-se mais e mais desperto, lúcido, alerta e consciente,

silenciando mais e mais sua mente à medida em que a concentração se

prolonga e apro funda. Vá diminuindo os pensamentos e adentrando ao seu

objeto. Deixe que seu corpo adormeça enquanto você, isto é, sua consciência,

se torna mais e mais desperto.

A sensação de leveza, frescor e bem estar caracter íst ica dos pr imeiros

minutos da prát ica indica se devemos ou não cont inuá-la. Se desaparecerem,

significa que é momento de interrompê- la para tentar novamente mais tarde.

O aumento do tempo é gradat ivo e se consegue somente ao longo dos anos.

Uma vez que estejamos profundamente concentrados, ainda teremos o

pensamento único da imag inação consciente e não teremos at ingido o silêncio

total da mente. O pensamento restante pode ser descartado ou silenciado por

meio da vontade, simplesmente abandonando-o ou silenciando-o. Se o

descartarmos, entraremos na próxima etapa: a meditação.

Meditação

Na meditação, separamos completamente nossa parte silenc iosa e alerta

da parte falante, agitada e dist raída. Nossa essência ou alma corresponde à

porção psíquica capaz de se manter silenciosa e atenta. Nossa mente

corresponde à parte falante, tagarela, barulhenta e agit ada. A mente deve ser

entendida como sinônimo do ego e a essênc ia como o sinônimo de alma, ou

do que tenhamos de a lma em nós. Não podemos confundí-los porque a

indist inção resulta em fracasso. Aquele que não diferencia sua essência de

seu ego não pode liberá- la por não saber o que deve ser liberado e o que deve

ser abandonado. Temos que abandonar o corpo, os afetos e a mente. Os

Page 115: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

sent idos físicos, os pensamentos, as preocupações, as dores, as coceiras, a

impaciência por movimentos e tudo o mais que nos prender a este mundo de

ilusões devem ser deixados para t rás. Ficaremos então despidos, somente com

nossa essência pura, livre e desperta.

Para ter uma idéia do que ser ia a sua essência consciente, realize o

seguinte exper imento:

1. Interrompa seus pensamentos neste momento, paralise sua mente,

simplesmente faça-o por meio da vontade;

2. Preste atenção no que se passa aqui e agora, incluindo os sons da realidade

exter ior.

Pois bem, você exper imentou de forma rápida e superfic ial o que são a

essênc ia e a consciência desperta da mesma. Agora imagine a felic idade que

ser ia saboreada se este estado fosse aprofundado até níve is distantes e fosse

permanente!

Sono

Outra confusão que assalt a os prat icantes de meditação é a respeito da

necess idade de adormecer ou não. Li mais de uma publicação sobre o assunto

nas qua is os autores recomendam aos prat icantes que não durmam, que lutem

contra o sono etc. Estão errados. Sem o sono não se torna possível adentrar

aos níve is mais pro fundos da mente para silenciá-los porque os mesmos se

encontram em outras dimensões. A autênt ica meditação é um estado de

relaxamento, serenidade, letargia corporal, consciência e alerta super iores

aos ver ificados no simples sonho lúc ido. Forçosamente, você terá que

adentrar à dimensão dos sonhos para dar cont inuidade ao t rabalho de aquietar

a mente e intensificar o alerta natural. Portanto, o sono é um aliado e não

algo a ser evit ado como afirmam os desconhecedores. Ainda assim, nossa

meta não é dormir mas sim ficarmos mais e mais despertos, alertas e calmos.

Se pr ior izarmos o sono ao invés de pr ior izarmos a consciência desperta,

dormiremos em estado de consciência comum e perderemos a prát ica.

À medida em que o relaxamento e o sono se apoderam do corpo fís ico,

podem surgir as seguintes alt erações perceptuais:

perda da noção de tempo

Page 116: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

perda de noção de espaço;

perda de noção da posição em que o corpo se encontra;

sensação de que o mundo ou o corpo fís ico está girando;

visões com os o lhos fechados;

audição de sons internos;

sensação de formigamento ou de choque elétr ico através do

corpo fís ico;

sensação de flutuar;

sensação de que o corpo está inflando.

Estas alterações perceptuais são ind ícios de que a prát ica está dando

resultados mas não devem nos entusiasmar e nem tampouco serem

transformadas em metas po is a meta está muito além: aprofundar, apro fundar

e aprofundar a concentração, a lucidez, a consciência, o silêncio e o alerta

natural enquanto o corpo fís ico adormece e é esquecido.

A diferença entre a mente e a consciência

Não podemos confundir a mente com a consciência como têm

confundido os psicó logos, filó so fos da mente e neurocient istas. Muitos deles

consideram que a consciência é algo mental e até intelectual porém estão

errados. Há uma diferença clara e facilmente ver ificável entre ambos. Se os

confundirmos, a meditação fracassa.

A mente é a matér ia, substânc ia ou energia psíquica que compõe os

pensamentos. As imagens mentais, pensamentos e imaginações são

const ituídas por matér ia mental e, em seu conjunto, const ituem isso que

chamamos de mente. Aqueles sons e imagens que percebemos dentro da

cabeça, em nosso inter ior, são de teor mental. A mente é o principa l at ributo

psíquico do ego ou forma de manifestação assumida pelo mesmo. O ego

raciocina. O int electo é uma forma de expressão educada e t reinada da mente.

A cognição mental ocorre pelos raciocínios. Os raciocínios são conjuntos de

pensamentos encadeados coerentemente. Os pensamentos são imagens

mentais. Tanto os raciocínios lógicos como os raciocínios ilógicos ou

absurdos são mentais.

Page 117: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

A consciência é outra coisa completamente dist inta. É um atr ibuto

psíquico da essência, vincula-se à seidade. Pode ser at ivada ou desperta pela

vontade. É facilmente diferenc iável dos mecânicos processos mentais. Não se

define pelos raciocínios, pela lógica ou pelos pensamentos. Expressa-se no

silêncio da mente. É o "dar-se conta". É a atenção e o perceber silenciosos. O

campo de consciência é o campo de atenção.

Para que a consciência se exercite e desenvo lva, temos que silenciar a

mente. Silenciar a mente é não pensar. Na meditação buscamos o não

pensamento para liberação de nossa essência-consciência.

A liberação da essência-consciência não é possível se a mente for vista

como parte do Ser. Se considerarmos a mente como algo pertencente à nossa

essênc ia, não conseguiremos escapar de la. A mente não é alma. Ident ificar-se

com a mente ou com os pensamentos é um equívoco que impede o avanço da

meditação.

Músicas "que ficam na cabeça"

Múlt iplas formas mentais at rapalham a concentração. As músicas que

algumas vezes se repetem por horas ou dias em nossa cabeça são formas

mentais. Formas mentais são representações int ernas de elementos externos

acessados pelos sent idos. Podem ser representações visuais, como o rosto de

uma pessoa, ou sonoras, como uma música. Não há diferenças entre formas

mentais, pensamentos e imaginações mecânicas.

Quando ouvimos uma música em relação à qual não somos indiferentes,

cr iamos uma representação mental da mesma. Esta representação mental se

repete na mente e "escutamos" a música que toca sem parar ainda que

tentemos silenciá- la. A música se arraiga em nosso pensamento e não

conseguimos arrancá- la. A afastamos de nós mas ela sempre vo lta. A

ins istência se deve a um elemento psíquico (um "eu" ou um ego) que a

aprecia ou a detesta. O ego que se ident ificou com a canção quer mantê-la e

para isso a reproduz mentalmente, desfrutando do prazer de ouví-la e

sat isfazendo-se. Algo análogo se dá quando gostamos ou odiamos muito um

acontecimento e o ficamos recordando. A recordação incessante e

invo luntár ia é devida à existência de um elemento psíquico afet ivamente

Page 118: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

vinculado ao objeto e que mantém a recordação para nutr ir-se e permanecer

vivo. Em outras palavras: nós, inconscientemente, não queremos esquecer o

acontecimento ou a música.

O elemento psíquico que a reproduz pode sent ir at ração ou aversão pela

canção, ou seja, músicas que odiamos também podem se enraizar na mente.

As formas mentais musicais prendem, tendenciam e adormecem a

consciência. São um obstáculo à concentração e à medit ação. Não permitem a

concentração do pensamento e nem da atenção. Invadem o campo de

consciência e inter ferem no curso da imaginação consciente. Sempre que

tentamos nos concentrar lá estão elas, at rapalhando.

Silenciamos tais canções inconvenientes quando estudamos,

descobr imos e compreendemos os egos que se ocultam por t rás das mesmas e

são responsáveis por suas reproduções. Cada música possui um ego ou

conjunto de detalhes afet ivos que, na maior ia das vezes, nos são

inconscientes. Por meio da auto-reflexão temos que nos perguntar e

descobr ir: "Por que esta canção se repete? O que ela signif ica para mim?

Como a vejo? Que sentimentos tenho por ela? Que sentimentos ela evoca em

mim? O que me atrai nela: a melodia, os instrumentos ou a letra? etc. etc.

etc." E assim sucessivamente. O que importa é compreender a parte de nós

que está presa a esta forma mental. Para compreendê-la, temos que descobr ir

detalhes e mais detalhes, sem excluir ou dar preferênc ia a nenhum. A

descoberta dos múlt iplos detalhes configura espontaneamente uma teia de

informações sobre o defeito psíquico que está causando o problema. Esta teia

ou rede é a compreensão. A compreensão somente virá se estudarmos o

processo psíquico que provoca o distúrbio. O estudo será possível por meio

da observação e da auto-reflexão a respeito do que se passa dentro de nós em

relação àquela música. Auto-reflexão é a reflexão que realizamos so lit ár ios,

conosco mesmos. Para que haja auto-reflexão, se faz necessár ia a auto-

indagação e a resposta sincera. Nós mesmos nos perguntamos e buscamos a

resposta sincera, fiel à realidade. Se não houver resposta, não devemos for jar

uma resposta art ific ial po is o que interessa é descobr ir a realidade que nos

está oculta e uma resposta art ificia l falseará o estudo.

As formas mentais insistentes devem ser abordadas como objetos

desconhecidos a serem pesquisados e entendidos. Somente são eliminadas

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quando pedimos, após compreendê- las, ao nosso Real Ser para que as

disso lva definit ivamente.

Uma vez compreend ida e silenciada a forma mental insistente, podemos

prosseguir com nossa concentração rumo à medit ação.

Os procedimentos para transportar a consciência aos mundos interiores

Parte I(Mensagem publ icada no fórum do INTERPSI da PUC-SP em 22 de dezembro de

2001)

Chegamos agora à parte mais interessante desses estudos e, talvez, ao

final: os procedimentos para que comprovemos a realidade dos universos

paralelos. Creio já ter dito tudo o que eu precisava nesta lista.

Como não gostamos de t ransfer ir o ônus da prova para terceiros,

precisamos detalhar ao máximo as possibilidades exper ienciais dos sonhos.

Temos que comprovar por nós mesmos que há algo mais além da forma

tosca de exist ir.

Uma co isa é provar por si e para si mesmo que existem outros mundos.

Outra coisa é provar para o outro.

Quando o outro se interessa, podemos ensiná-lo a ver ificar por si. Mas

quando o outro não se interessa ou está empenhado em não aceitar, então

nada há a fazer. O cét ico unilateral está condenado à ignorância po is t rava

seu própr io passo. Embora viva, como todas as pessoas, na dimensão onír ica,

está decidido a não enxergá- la cara a cara e a não enfrentá-la cruamente.

A comprovação de que existem dimensões parale las é possíve l quando

despertamos dentro de um sonho e o invest igamos in loco com a mesma

consciência cr ít ica que ut ilizamos durante a vigília . Então constatamos que

estamos ante um modo de realidade dist into do usualmente conhecido mas

nem por isso menos válido.

Uma vez lúc idos, podemos tocar e palpar os objetos internos para

conhecê- los.

À medida em que nos desenvo lvemos mais e mais, aprendemos a nos

deslocar com desenvo ltura sob esse modo de existência.

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O ato de dormir é chave para que comprovemos a existência das

dimensões paralelas.

Ao dormir, adentramos ao mundo onír ico. Se educarmos adequadamente

a atenção, podemos adentrar às zonas obscuras carregando a mesma

consciência que atua durante a vigília, ou seja, esta consciência que

ut ilizamos agora para fazer nossos julgamentos.

Todos atuamos simultaneamente em vár ios níveis existenciais. O

grande problema não é entrar nas dimensões paralelas mas sim levar conosco

a consciência e t razer a recordação.

Há muitos procedimentos para isso. Em primeiro lugar, temos que

aprender a nos perguntar constantemente se estamos ou não sonhando.

Durante o dia, em estado vígil, temos que nos acostumar a observar

constantemente as cenas do mundo exter ior para ver ificar se as mesmas são

onír icas ou não. Ao nos acostumarmos a fazer isso, repet iremos tal

procedimento durante as horas do sono.

Em geral, quando sonhamos, acreditamos estar acordados. Tendemos

sempre a confundir a realidade onír ica com a realidade fís ica.

Quando informamos as pessoas que dormem do fato de que estão

sonhando, elas dific ilmente conseguem ace itar isso. Estão condicionadas a

crer que a única realidade possíve l é a t ridimens ional.

Assim, uma pr imeira necessidade é a de descondicionar a consciência,

levando-a a ser capaz de realmente se perguntar se está em contato com uma

realidade externa ou interna. Enquanto não formos capazes de duvidar da

crença de que todas as imagens nít idas e concretas que percebemos são

sempre t r idimensionais, a lucidez no interior de um mundo paralelo será

impossível.

Adic ionalmente, também devemos procurar adormecer pro fundamente

relaxados e lúcidos, permit indo que o corpo desfaleça sem perda da

consciência. Em outras palavras:temos que acompanhar conscientemente o

processo de adormecimento do corpo.

A concentração é imprescindíve l. Temos que ter uma imagem interna

(um pensamento) que sirva como objeto de atenção para que possamos

mergulhar nela e nos perder completamente. Temos que nos entregar à

concentração.

Page 121: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Se prestarmos atenção a essa imagem e acompanharmos seu curso

natural, iniciamos a viagem. Gradat ivamente adentramos ao reino dos sonhos

levando conosco a consciência.

A isso podemos acrescentar a técnica da comunicação audit iva. O

sonhador precisa receber, at ravés de um fono de ouvido, a mensagem de que

está sonhando. Podemos gravar uma fita ou dizer em micro fone: "Isto é um

sonho, observe a realidade que te cerca". Não devemos usar um vo lume

muito alto ou o pobre sonhador levará um susto e acordará.

Além disso, convém estudar um pouco a respeito do que é a realidade

onír ica para que o inconsciente não nos pregue peças.

Após algumas semanas de contato consciente com o mundo imagina l

noturno, nossa consciência estará bem descondicionada e se acostumará a

duvidar com naturalidade do caráter fís ico da realidade que a cerca.

É claro que a pessoa não ficará louca. Ela não se condicionará no pólo

oposto, que ser ia o de sempre acreditar que toda realidade é onír ica. O que

acontece é que passará a observar cr it icamente os acontecimentos externos,

com a real cur iosidade de conhecer se são t ridimensiona is ou não.

A consciência intra-onir icamente desperta nos fornece muitas

possibilidades de exploração exper imental. Espero que os senhores as

aproveitem.

Uma possibilidade ser ia a de testarmos a visão remota solic itando ao

sonhador que tente acessar alguma imagem int erna sobre algo que desconhece

(e que possa ser acessado por nós). Em segu ida podemos fazer a ver ificação

para avaliar o grau de correspondência entre a imagem onír ica e sua

correspondente t rid imensional.

Outra possibilidade é a de pedirmos para que do is ou mais sonhadores

tentem se comunicar por via onír ica, estando estes separados e sem

comunicação prévia a respeito do conteúdo a ser sonhado. Em seguida,

podemos comparar qualitat ivamente os relatos.

Outra possibilidade é a de pedirmos para que o sonhador faça um

esforço no sent ido de penetrar na atmosfera t ridimensional. Entretanto, isso é

muito difíc il de se conseguir po is seu corpo onír ico possui uma frequência

vibracional muito distante daquela que seria necessár ia para se tornar vis íve l.

Page 122: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Mas talvez se possa fazê- lo po is no mundo dos sonhos a vontade, os desejos e

a imaginação são os maiores determinantes dos acontecimentos.

Estas são algumas das muit as possibilidades exper imentais que temos

que explorar exaust ivamente, se é que realmente queremos ser invest igadores

nesse campo.

Os procedimentos para transportar a consciência aos mundos interiores

Parte II : A concentração(M e n sa g e m pu bl i ca da n o fóru m do INT ER PS I da P UC -SP em 2 3 d e d e z e mb r o d e 2 0 0 1 )

Perdoem por escrever ainda um pouco mais. Como a comprovação é a

mais importante das nossas questões, sinto que faltou detalhar algo.

Um elemento chave para se t ransportar a consciência ao mundo

paralelo é a concentração. Temos que desenvo lvê-la. Há técnicas para isso.

Uma vez bem acomodados e relaxados, podemos esco lher uma imagem

interna e a ela nos entregarmos. Essa imagem pode ser a de algo que não sai

de nossa cabeça, de algo que temos medo, algo que nos desperte muito

int eresse ou um objeto externo que tenhamos selecionado.

No caso de um objeto externo, temos que fit á-lo por alguns instantes

até que sua imagem fique gravada em nossa mente. Então o esquecemos e

trabalhamos apenas com a representação mental que teremos.

Uma vez de posse da imagem, precisamos esquadr inhá-la e explorá-la

por meio da observação. Precisamos visual izar os detalhes dessa imagem e

enxergar as t ransformações espontâneas pelas quais vai passando sem tentar

controlá- las.

Temos que ser recept ivos àquilo que a imagem nos t raz, não for jando

pseudo-revelações de acordo com nossos capr ichos egó icos.

Como toda imagem mental possui uma contraparte inconsciente,

podemos extrair da mesma informações que estavam cont idas no fundo da

psique. Muitas dessas informações adentraram por canais subliminares.

O discernimento de que estamos em contato com uma imagem psíquica

e não com um objeto t ridimensional precisa ser preservado.

Page 123: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

À medida em que os conteúdos ctônicos do objeto imagét ico vão se

revelando, adentramos ao mundo inter ior. Se nos permit irmos adormecer,

produz-se um sonho lúcido.

É importante que nos mantenhamos seguindo sempre o mesmo curso,

não correndo atrás de outras imagens que surgem e que nada têm a ver com o

objeto.

Esse procedimento at iva, aperfeiçoa e refina as endopercepções. A

endovisão, que os esotéricos chamam de "clarividência" , refina-se . Uma

"clarividência" é uma vidência clara, isto é, uma visão nít ida. O objeto desta

visão é interno.

Também surgem endopercepções audit ivas, que os esotér icos

denonimam "clariaudiência" , e de outros t ipos .

Se o nosso objeto imagét ico for uma moeda, por exemplo, chegará o

momento em que a veremos com os olhos fechados como se estes est ivessem

abertos. Poderemos ouví- la t ilintar ao cair e correr sobre o solo. Porém tudo

será interno. Outras pessoas não ouvirão o som e nem verão a moeda.

Temos que esquecer o corpo, abandoná- lo. Então logo nos

descobr iremos exist indo sob outro modo de realidade, paralelo a este.

A "clarividência" é a percepção consciente recept iva ao que reve la um

objeto imagét ico. Ambos são uma só co isa com do is nomes diferentes. Alguns

esotéricos não gostam muito que se diga isso mas é verdade. Os objetos e os

mundos percebidos pela clar ividência são imaginais.

Algumas vezes, revelações obt idas por este procedimento apresentam

correspondências com traços da realidade exter ior que desconhecíamos:

podemos descobr ir algo novo sobre um objeto interno e, depois, ver ificarmos

que externamente a mesma caracter íst ica exist ia.

A clar ividência não se apresenta sempre sob a forma de visão remota de

elementos t ridimensionais. Em alguns casos surge como visão exclusiva de

outras dimensões.

Se a pessoa for superst iciosa e com tendências ao fanat ismo, acredit ará

que essa informação lhe chegou por via sobrenatural. Poderá so frer uma

inflação egó ica e a invasão por um arquét ipo.

Não há, entretanto, nada de sobrenatural nesses casos. A cognição se

processa também fora do campo abrangido pela consciência vígil usual. A

Page 124: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

pessoa simplesmente acessou em sua ps ique algo que já sabia mas que não

havia percebido.

Essa prát ica fo i denominada por Jung de "imaginação ativa" . E le

refinou muito suas endopercepções, como vemos em "Memórias, Sonhos e

Ref lexões". Contatou entes do seu mundo imaginal frente a frente e com eles

dialogou. Os enxergou com r iqueza de detalhes. Alguns ignorantes o

consideram psicót ico por causa dos seus relatos. Não sabem o que dizem.

Há uma diferença entre um estado patológico e este que estamos

analisando. Campbell diz que o espir itualista aprende a nadar no mar do

inconsciente enquanto que o louco nele se afoga.

Alguns relig iosos realizam inst int ivamente este exercíc io. Se entregam

a r itos e orações, neles se perdendo. Atingem estados alterados nos quais

obtêm visões de outros mundos e de seres celest iais e infernais.

Quando retornam ao estado usual de consciênc ia, descrevem o que

exper imentaram ut ilizando o arcabouço linguíst ico do grupo social que os

ampara. Nesta hora se expõem à r id icular ização por parte de algum ignorante

que se presuma de esperto e seja incapaz de entendê-los.

O abismo linguíst ico e cultural associado à incompreensão por parte de

alguns que se pretendem estudiosos aumenta a distância entre o acadêmico e

o extra-acadêmico.

Engana-se quem acredita que a concentração é um ato de esforço. Ela é

uma atenção plena e sem esforço dir igida sobre um objeto.

Não silenciamos os múlt iplos pensamentos pelo esforço bruto e sim

pela atenção dir igida e recept iva.

Temos que tomar cuidado com a tendência em reagir contra as

pr imeiras imagens eidét icas que surgem durante o exercíc io aqui indicado. Se

não mant ivermos a serenidade, interromperemos a percepção consciente do

fluxo cênico.

Page 125: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

Os procedimentos para transportar a consciência aos mundos interiores

Parte III: A concentração (continuação)(M e n sa g e m pu bl i ca da n o fóru m do INT ER PS I da P UC -SP em 3 1 d e d e z e mb r o d e 2 0 0 1 )

A concentração é uma focalização atenciona l plena e cont ínua sobre um

processo. A part ir do momento em que nos esforçamos para tanto, o único

que conseguimos é uma dor de cabeça.

Quando estamos acompanhando o desenrolar de um processo, externo

ou interno, e não desviamos nossa atenção, estamos nele concentrados. Então

o receberemos em nossa consciência e sua natureza nos será revelada.

Quando nos esforçamos para manter a atenção focada, o resultado

imediato, ou quase, é o surgimento de múlt iplos pensamentos que nos

fascinam e dist raem. Cr ia-se um conflito entre nossa consc iência e a mente, a

qual elabora autonomamente seus pensamentos e emana inúmeras imagens. O

resultado é o fracasso na tentat iva de concentração.

Por alguma razão que ainda não entendo, os estudantes sempre caem

nesse erro. Há algo que sempre os leva a associar concentração com esforço.

Tensionam o entrecenho, apertam os olhos, adquirem dores de cabeça e, ao

cabo de algum tempo, desistem.

Suspeito que a raiz dessa confusão esteja na linguagem. Nos

acostumamos a entender que a palavra "concentração" significa algo

compactado intensamente, sob a influência de um esforço extremo e

gigantesco. Então, quando alguém a usa, imediatamente pensamos em uma

tensão.

Em alguns casos, que nada têm a ver com o que tratamos, tal forma de

empregar a palavra está correta. No caso da concentração que visa nos

conduzir à med itação, no entanto, está errado.

Esta concentração à qual me refiro é uma observação dir ig ida. A

observação não é um ato de esforço mas, ao contrário, de recept ividade.

Não é necessár io esforço para sermos recept ivos. O ato de ser recept ivo

é o ato de enxergar algo que antes não se enxergava. É uma at itude

psico lógica de entrega.

Em virtude do desconhecimento prát ico, é sempre propagada a idéia de

que concentrar-se é segurar um pensamento pela vontade, repelindo os demais

Page 126: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

pelo esforço. A exper iência mostra que o máximo que se consegue com isso é

a frustração.

Concentrar-se é acompanhar um acontecimento, seguir o seu curso com

a máxima lucidez para conhecê- lo sem tentar controlá-lo. Esse acontecimento

pode ser uma imagem mental, caso em que se dirá que a pessoa tem apenas

um pensamento. Mas isso não quer dizer que o pensamento fo i mant ido pela

força dos desejos de se concentrar mas sim que fo i mant ido no campo da

consciência inint erruptamente por um certo tempo graças à atenção natural

que sobre o mesmo se co locou.

Espero ter ajudado e desejo boa sorte em suas prát icas.

Referências bibliográficas

KORNFIELD, Jack. Obstáculos e vicissitudes da prát ica espir it ual . In GROF,

Stanislav & GROF, Cr ist ina (orgs.): Emergência Espir itua l: Cr ise e

Transformação Espir itual (Spir itual Emergency: When Personal

Transformat ion Becomes a Cr isis). Trad. De Adail Ubirajara Sobral. São

Paulo, Cult r ix, 1995.

MORAIS, Jomar. O poder da mente vazia. Super interessante. São Paulo. Ano

15. Número 1: 72-76. Janeiro de 2001.

Page 127: Cleber Monteiro Muniz - Os Sonhos Lúcidos - Viagens Conscientes da Alma ao Outro Mundo

127

Parte VII

Orientações práticas adicionais

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Reflexões e conselhos úteis relacionados com o trabalho de ativar a

consciência dentro dos sonhos e/ou durante a vigíliaPor Cleber Monteiro Muniz

21/02/02 O que fazer ao estarmos lúcidos sob forma onírica

Ao nos descobr irmos lúcidos dentro de um sonho, temos que procurar

desenvo lver t rês capacidades: 1) a de evitar o regresso invo luntár io ao estado

vígil; 2) a de adquir ir o poder de flutuar e voar; 3) a de nos deslocarmos através

do tempo e do espaço instantanemente através da concentração do pensamento.

As t rês habilidades acima requerem serenidade pro funda. A perturbação

emocional as sabota.

Dentro do sonhos, é fundamental que nenhuma emoção nos deixe ag itados.

Para evitar o regresso súbito e invo luntár io, temos que esquecer

totalmente que temos um corpo adormecido na cama. Nenhuma dúvida ou

vacilação com relação à estabilidade da permanência no sonho deve nos assaltar.

O simples fato de cogitarmos a possibilidade de regresso ou com ela nos

preocuparmos, pode nos t razer de vo lta contra a vontade. Qualquer emoção

intensa também poderá fazê- lo.

Para flutuar, temos que nos concentrar com muita calma tentando fazê-lo

lentamente. Em seguida podemos exercitar o vôo, aumentando aos poucos a

velocidade, sem nenhuma exalt ação emocional.

Para nos deslocarmos no tempo ou no espaço pulando momentos ou

lugares intermediár ios, temos que nos concentrar calmamente na época ou no

local em que pretendemos estar. O simples ato de pensar nos t ransportará. Se

ficarmos ansiosos, acordaremos.

No mundo dos sonhos tudo é definido pelos fluxos conscientes e

inconscientes de pensamentos e sent imentos.

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07/11/01 O discernimento desde os primeiros instantes do trabalho

A natureza psíquica do fluxo cênico em nossa mente precisa ser

reconhecida desde o instante em que nos acomodamos para dormir.

Não temos que ficar esperando que os sina is letárgicos apareçam para

então iniciarmos o reconhecimento. Caso o façamos, perderemos o

discernimento e ficará difíc il recuperá- lo.

Quando fechamos os olhos, as imagens menta is que surgem já podem ser

t ratadas e reconhecidas como onír icas, uma vez que o são em um estágio

embrionár io. É por isso que a imaginação concentrada induz ao sonho lúcido :

elas permitem o contato da consciência com imagens int er iores mantendo o

discernimento do seu teor desde os instantes inicia is da prát ica.

As imagens surgem na tela de nossa mente durante os momentos de

dist ração e as imagens onír icas são as mesmas. A diferença está apenas na

percepção que temos delas. Quando estamos dormindo, se tornam espessas e

realíst icas porque as percepções externas cessam. De modo que aprender a estar

lúcido entre elas é aprender a estar lúcido dentro de um sonho pois são sonhos

em estado incipiente.

As imagens que indicam o iníc io de um estado onír ico são móveis,

autônomas e, em geral, de t ipo visual. Se fecharmos os o lhos e relaxarmos, logo

surgirão algumas. A chave está em conseguir acompanhá-las conscientemente,

apenas permit indo que se desenvo lvam. Durante todo o tempo, temos que manter

o discernimento de que são alucinatór ias e não exter iores.

Se acompanharmos esse movimento, as cenas visualizadas vão se tornando

progressivamente compactas até que, por fim, chegamos ao sonho pro fundo em

estado de lucidez.

A imagem cujo desenvo lvimento deve ser acompanhado por você

conscientemente e sem perda do discernimento de que é interna pode ser

esco lhida porque lhe chama a atenção, ou capturada de repente na tela da sua

mente. Algumas vezes nos flagramos perdidos em imagens de alto teor eidét ico-

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numinoso mas, infelizmente, sem nenhum discernimento. Temos que nos

descobr ir dentro de tais imagens mas sem espantá-las ou interrompê-las pelas

reações do ego.

Assim que as percebemos, temos que ident ificar seu teor para dar-lhe

cont inuidade ou ela desaparecerá. Essa cont inuidade, se acompanhada pelo

discernimento, nos conduzirá ao sonho lúcido.

Se isso lhe parecer difíc il, então apenas esco lha uma imagem que lhe

chame a atenção (que você goste) e a acompanhe mantendo a lucidez. Para que a

imagem o absorva ela tem que ser interessante e agradável. Desenvo lva-a sem se

desviar dela e vá embora, mergulhando e desaparecendo sem medo.

28/10/01 Por que certos grupos misticóides atrapalham

Sei de vár ios casos de pessoas que perderam ou atrofiaram a capacidade

de ter sonhos lúcidos por se associarem a grupos mist icó ides, esoter icó ides ou

gnost icó ides. Essas pessoas, antes de se entregarem ao fanat ismo, facilmente

despertavam dentro dos sonhos ou acompanhavam lucidamente seu processo de

instalação desde o momento em que se deitavam. Entretanto, a part ir do

momento em que começaram a se ident ificar com linhas doent ias de pensamento,

perderam essa faculdade natural.

Isso ocorre porque tais grupos têm o vício de cr iar uma aura de mistér io

em torno da exper iência onír ica.

Muitas dessas pessoas apresentam distúrbios psíquicos. Quando sonham

com uma figura histórica ou um ente quer ido falecido, por exemplo, acreditam

que contataram a mesma pessoa que viveu no passado. Tais doentes mentais não

compreendem que estão em contato com imagens int er iores e cometem o erro de

lit eralizar os símbo los.

Normalmente, esses grupos de enfermos chamam os sonhos lúcidos de

"viagem astral" ou "desdobramento astral". Seus líderes sempre possuem um

arzinho de mistér io e dão a entender aos discípulos, por uma via semi-

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inconsciente, que são grandes onironautas lúcidos que podem bisbilhotar a

int imidade das pessoas. Assim, os pobres canditados a ocult istas ficam

atemorizados.

As personalidades mais influentes nesses meios às vezes dizem aos seus

pobres discípulos que se relatarem para alguém que t iveram um sonho lúcido

nunca mais os terão. Isso é falso po is muitas pessoas se submetem a

exper imentos cient íficos e relatam os sonhos lúcidos que t iveram repet idas

vezes.

Nesses círculos cr ia-se a idéia de que o sonho lúcido é sobrenatural e

proporciona poderes sobre-humanos. Todos ficam obsecados pela exper iência e

ninguém consegue resultado. Trata-se de um inteligente e altamente efet ivo

estratagema sabotador.

Quanto mais confer irmos um caráter sobrenatural ao sonho lúcido, tanto

mais o mist ificaremos. Quanto mais o mist ificarmos, mais ansiosamente o

cobiçaremos. Quanto mais o cobiçarmos, por crermos que nos t ransformaremos

em entes divinos, menos os alcançaremos ou, se os alcançarmos, isso terá

efeitos patológicos.

A verdadeira viagem astral é muito boa e importante, jamais deve ser

condenada. O problema está apenas em usá-la como pretexto e ponto de apoio

para o fanat ismo. Há muitos grupos espir itualistas verdadeiros e sér ios que não

devem ser incluídos entre os char latães que denuncio aqui e que prejudicam as

pessoas.

28/10/2001 As reações egóicas ante as primeiras percepções alteradas

A part ir do momento em que nos acomodamos para dormir, imediatamente

se iniciam alterações sensor iais t ípicas do sono. O grau de nit idez das

endopercepções vai progressivamente se int ensificando. Podemos nos perceber

inflando, em posições que não correspondem ao nosso posicionamento na cama,

submet idos à passagem de uma corrente elét r ica dos pés à cabeça, ouvindo

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nit idamente sons dentro de nossa cabeça ou vendo imagens internas como se

fossem externas.

Devido à ignorância reinante em nossa cultura a respeito da

fenomenologia onír ica, cr iamos ao longo da nossa vida mecanismos egó icos

sabotadores dos sinais que antecedem as entradas conscientes ao sonho.

Quando alguns dos interessantes sinais endopercept ivos indicadores de

inserção no mundo onír ico são abrangidos pelo campo da consciência, esta

imediatamente reage redirecionando seu fluxo para o mundo externo. Essa

reação mecânica sabota a prát ica.

O estado que temos que at ingir é o de permit ir que as alterações

percept ivas pross igam mesmo dentro do campo da consciência. Essa é uma

tarefa difíc il po is tendemos sempre aos extremos: ou as alterações apresentam

um movimento progressivo inconsciente ou então um movimento regressivo

consciente. O que precisamos é de um movimento das alterações percept ivas que

seja ao mesmo tempo progressivo e consciente.

Para alcançarmos o movimento progressivo consciente temos que deixar o

ego "amarrado". Caso contrár io, este reagirá contra o fluxo de imagens com

medo ou cet icismo arbit rár io (para diferenc iar de um cet icismo lúcido),

impedindo sua progressão no nível consciente da psique. De acordo com os

nossos propósitos, nada adianta uma progressão eidét ica de imagens restr ita ao

campo do inconsciente. Isso apenas nos conduz ao sonho usual. O que buscamos

é um estado não usual de lucidez intra-onír ica.

22/10/2001 Observação livre e lúcida do fluxo de imagens internas

As imagens int ernas, eidét icas e numinosas, nos arrastam para o mundo

onír ico à medida em que atraem a consciênc ia e a desligam dos funcionamentos

exopercept ivos.

Um dos grandes problemas em se adentrar conscientemente ao sonho

consiste na dificuldade de observarmos o movimento livre das imagens internas

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à medida em que o sono se aprofunda. Tendemos a ser absorvidos por essas

imagens, perdendo o discernimento, ou a reagirmos contra elas, impedindo seu

livre fluxo.

Se formos capazes de observar sua formação mantendo a compreensão de

que são inter iores e, ao mesmo tempo, deixando-as livres para assumirem por si

mesmas suas formas, seremos capazes de adentrar conscientemente ao mundo

dos sonhos.

Por isso, ao deitar, não fique fazendo esforço para ter um sonho lúcido.

Apenas esco lha uma imagem que lhe atraia e a acompanhe sem tentar submetê-la

ao controle do seu ego. O ego é muito capr ichoso e sempre quer que as co isas

andem como lhe agrada.

A imagem a ser acompanhada em estado de lucidez pode ser proveniente

do primeiro pensamento que passar pela sua cabeça. O importante é que lhe

atraia.

Geralmente essas imagens são "espert inhas" po is fluem apenas quando

estamos de costas para elas e, quando as encaramos de frente, cessam. Reso lva

isso da seguinte maneira: quando est iver dist raído e a imagem começar a se

movimentar aborde-a com a int enção prévia de "empurrá-la" para que cont inue.

Em outras palavras: quando você se flagrar dist raído e sem perceber a imagem,

que estará se processando de modo autônomo sem ser vist a por você, inicie a

observação dando cont inuidade à tendência prévia, ou seja, ao movimento do

objeto observado ( já que tenderá a se congelar e desaparecer em seguida).

Esse é um meio de manter o fluxo imagét ico intacto e ao mesmo tempo

observá- lo até que se configure uma cena onír ica com alto impacto realíst ico.

Temos que ser abso lutamente recept ivos a essas imagens. O ego sempre

tende a reag ir às mesmas confrontando-as com sua lógica ao invés de se abr ir à

lógica que t razem. Ante a nova lógica, sente medo. São reações que

int errompem subitamente a observação consciente do fluxo cênico interno.

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Em últ ima instância, tudo se resume a aprender a observar o imprevisto

sem medo e com recept ividade total, abr indo-nos à lógica que se revela ao invés

de tentar relacioná- la ou compará- la à lógica conhecida.

O que interessa é o desconhecido, o novo.

14/10/2001 O que fazer quando estamos paralisados na cama e sentimos que

o experimento está estancado (paralisia do sono)

Nesses casos, imagine uma cena e passe a vivê-la como se fosse

fis icamente real mas sem perder o discernimento de que é psíquica.

Se isso não funcionar, há outra alternat iva: preste atenção nos sons

ambientes. Durante a paralis ia, as percepções audit ivas são as pr imeiras a

manifestar um caráter onír ico. Pode ser que você ouça amigos seus, parentes ou

estranhos falando, cr ianças br incando ou chorando, cães lat indo etc. Muitos

desses sons já serão internos, ou seja, você os estará ouvindo com nit idez mas as

pessoas que est iverem acordadas no mundo exter ior não. Nesse ponto principia

uma exper iência onír ica consciente mais pro funda.

Se você considerar que, apesar de sua paralis ia, você já está dentro de um

sonho e olhar todos os objetos como tal, poderá se desprender mais facilmente,

ainda que esteja em um estado intermediário. Ao invés de tentar levantar com

todo o corpo, você pode simplesmente tentar mover os braços ou a cabeça até

que os sinta livres da paralis ia. Então poderá se levantar com todo o "corpo" de

sonho. Faça "de conta", quando est iver paralisado, que você já está dentro de um

sonho e que até mesmo a paralis ia é uma parte desse sonho. Mantenha a

consciência e desfrute. Você poderá ter até mesmo uma OBE.

Também costuma dar resultado o simples ato de relaxar mais

profundamente e, ao mesmo tempo, levantar da cama muito lentamente, mas

muito lentamente mesmo! Se você tentar levantar rapidamente, não conseguirá e

cont inuará paralisado. Quanto mais ansioso e apressado por levantar-se, mais

paralisado fica o aspirante a onironauta. A paralis ia se relaciona com a

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discrepância entre a velocidade com que realmente podemos nos levantar da

cama e a velocidade com que queremos nos levantar.