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www.mantovani.pt Pais felizes Nesta edição Integram esta edição semanal, além deste corpo principal, os seguintes cadernos: ECONOMIA REVISTA E Fundador: Francisco Pinto Balsemão 14 de janeiro de 2017 2307 €3,50 Diretor: Pedro Santos Guerreiro Diretor-Executivo: Martim Silva Diretores-Adjuntos: Nicolau Santos, João Vieira Pereira e Miguel Cadete Diretor de Arte: Marco Grieco www.expresso.pt 24h GRÁTIS HOJE VOLUME 2 Expresso Marcelo convidou chefes de Estado para funeral de Soares As cerimónias funebres levaram a negociações de última hora. Costa foi decisivo na escolha dos Jerónimos P12 Soares Revista Especial As homenagens de Clara Ferreira Alves, Miguel Sousa Tavares, Francisco Pinto Balsemão, Jorge Sampaio, Júlio Pomar, Joana Vasconcelos... Inéditos Julião Sarmento, Pedro Cabrita Reis e António produziram obras especialmente para esta edição O nosso Não perca o Expresso Diário Use o código que está na capa da Revista E para ler o Expresso Diário de segunda a sábado no seu smartphone, tablet ou computador sem pagar mais por isso. Guterres e Kerry em Paris Mais de 75 países e organiza- ções internacionais estarão representados amanhã em Paris numa conferência in- ternacional para relançar o diálogo israelo-palestiniano. Presentes, entre outros, o se- cretário-geral da ONU, Antó- nio Guterres, e o secretário de Estado dos EUA, John Kerry. Queixa para travar aterro nuclear O ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, ad- mite que a queixa contra Es- panha que apresenta para a semana em Bruxelas “não vai impedir a construção do armazém” de resíduos radio- ativos junto à central nuclear de Almaraz, mas que pode- rá bloquear a entrada em funcionamento do polémico aterro. P22 Bastonário “assustado” O bastonário da Ordem dos Médicos confessa-se “assus- tado” com o “excesso de po- lítica na Saúde”. De saída da Ordem, José Manuel Silva diz que o mal da Saúde é o subfinanciamento. P25 SONDAGEM Os melhores e os piores ministros do Governo P8 O que é o Rendimento Básico? E é para todos? E12 Diretor das Prisões: proteção de menores é branda P18 EX-ÁRBITROS CONTAM HISTÓRIAS DE VIOLÊNCIA NO FUTEBOL Contentores do lixo despejados em cima do carro, ameaças aos filhos e mensagens intimidatórias P38 O fundo de investimento imobiliário Invesfundo II, que serviu para comprar 50 hectares de terrenos em Alfragide com €74 milhões emprestados pelo BES e pelo Montepio, tem como um dos seus detentores o construtor José Guilherme. P23 José Guilherme envolvido no caso Montepio/BES Construtor civil da Amadora que deu 14 milhões a Ricardo Salgado é dono de fundo investigado pela Justiça Devia ser uma situação tran- sitória, mas a crise financei- ra, a suspensão das obras, falências e litígios levaram ao arrastar do processo. Há salas de aula, bares, canti- nas, casas de banho e até um ginásio a funcionar em contentores. P18 Quatro mil alunos continuam a ter aulas em contentores Seis escolas da Parque Escolar funcionam com monoblocos desde 2010. Obras devem terminar este ano em duas delas PS tem contas penhoradas por falta de pagamento de rendas Socialistas têm 87 imóveis, terrenos ou frações. Pagam perto de €500 mil em rendas, €0 de IMI O tribunal ordenou a penho- ra de mais de €50 mil das contas do PS, por causa de uma dívida acumulada em rendas de um prédio em Lis- boa, base da secção do Bair- ro Alto, mas abandonado há mais de 15 anos. P14 Finanças estudam solução mista para o Novo Banco Governo quer evitar nacionalização pura e estuda compra transitória para venda imediata a privados Negociações prosseguem. Governo não quer uma naci- onalização pura, para evitar riscos futuros e impactos ne- gativos nos mercados finan- ceiros, que estão a cobrar taxas de juro cada vez mais altas a Portugal. P3 Os ‘sete magníficos’ da equipa de Donald Trump Quem são os homens do Presidente, alguns dos quais já o começaram a contradizer em matéria de política externa P28 Costa quer encurralar Passos na TSU > Concertação em risco de estourar > PCP irredutível no “não” > Só mudança do PSD pode viabilizar descida da TSU > Carlos Silva ameaça: “Perdem a UGT” > Marcelo furioso > Para Passos, “a esquerda que se entenda” P4 e © Todos os direitos reservados. A cópia ou distribuição não autorizada é proibida. Ficheiro gerado para o utilizador 2084636 - [email protected] - 82.154.118.204 (14-01-17 12:21)

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Pais felizes

Nesta edição

Integram esta edição semanal, além deste corpo principal, os seguintes cadernos: ECONOMIA REVISTA E

Fundador: Francisco Pinto Balsemão 14 de janeiro de 20172307 €3,50

Diretor: Pedro Santos Guerreiro

Diretor-Executivo: Martim SilvaDiretores-Adjuntos: Nicolau Santos,João Vieira Pereira e Miguel Cadete

Diretor de Arte: Marco Grieco

www.expresso.pt

24h

GRÁTIS HOJE VOLUME 2

Expresso

Marcelo convidou chefes de Estado para funeral de Soares

As cerimónias funebres levaram a negociações de última hora. Costa foi decisivo na escolha dos Jerónimos P12

SoaresRevista Especial As homenagens de Clara Ferreira

Alves, Miguel Sousa Tavares, Francisco Pinto Balsemão, Jorge Sampaio, Júlio Pomar, Joana Vasconcelos...

Inéditos Julião Sarmento, Pedro Cabrita Reis e António produziram obras especialmente

para esta edição

O nosso

Não perca o Expresso Diário

Use o código que está na capa da Revista E para ler o Expresso Diário de segunda a sábado no seu smartphone, tablet ou computador sem pagar mais por isso.

Guterres e Kerry em ParisMais de 75 países e organiza-ções internacionais estarão representados amanhã em Paris numa conferência in-ternacional para relançar o diálogo israelo-palestiniano. Presentes, entre outros, o se-cretário-geral da ONU, Antó-nio Guterres, e o secretário de Estado dos EUA, John Kerry.

Queixa para travar aterro nuclear O ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, ad-mite que a queixa contra Es-panha que apresenta para a semana em Bruxelas “não vai impedir a construção do armazém” de resíduos radio-ativos junto à central nuclear de Almaraz, mas que pode-rá bloquear a entrada em funcionamento do polémico aterro. P22

Bastonário “assustado”O bastonário da Ordem dos Médicos confessa-se “assus-tado” com o “excesso de po-lítica na Saúde”. De saída da Ordem, José Manuel Silva diz que o mal da Saúde é o subfinanciamento. P25

SONDAGEM Os melhores e os piores ministros do Governo P8

O que é o Rendimento Básico? E é para todos? E12

Diretor das Prisões: proteção de menores é branda P18

EX-ÁRBITROS CONTAM HISTÓRIAS DE VIOLÊNCIA NO FUTEBOLContentores do lixo despejados em cima do carro, ameaças aos filhos e mensagens intimidatórias P38

O fundo de investimento imobiliário Invesfundo II, que serviu para comprar 50 hectares de terrenos em Alfragide com €74 milhões emprestados pelo BES e pelo Montepio, tem como um dos seus detentores o construtor José Guilherme. P23

José Guilherme envolvido no caso Montepio/BES

Construtor civil da Amadora que deu 14 milhões a Ricardo Salgado é dono de fundo investigado pela Justiça

Devia ser uma situação tran-sitória, mas a crise financei-ra, a suspensão das obras, falências e litígios levaram ao arrastar do processo. Há salas de aula, bares, canti-nas, casas de banho e até um ginásio a funcionar em contentores. P18

Quatro mil alunos continuam a ter aulas em contentores

Seis escolas da Parque Escolar funcionam com monoblocos desde 2010. Obras devem terminar este ano em duas delas

PS tem contas penhoradas por falta de pagamento de rendas

Socialistas têm 87 imóveis, terrenos ou frações. Pagam perto de €500 mil em rendas, €0 de IMI

O tribunal ordenou a penho-ra de mais de €50 mil das contas do PS, por causa de uma dívida acumulada em rendas de um prédio em Lis-boa, base da secção do Bair-ro Alto, mas abandonado há mais de 15 anos. P14

Finanças estudam solução mista para o Novo Banco

Governo quer evitar nacionalização pura e estuda compra transitória para venda imediata a privados

Negociações prosseguem. Governo não quer uma naci-onalização pura, para evitar riscos futuros e impactos ne-gativos nos mercados finan-ceiros, que estão a cobrar taxas de juro cada vez mais altas a Portugal. P3

Os ‘sete magníficos’ da equipa de Donald Trump

Quem são os homens do Presidente, alguns dos quais já o começaram a contradizer em matéria de política externa P28

Costa quer encurralar Passos na TSU> Concertação em risco de estourar > PCP irredutível no “não” > Só mudança do PSD pode viabilizar descida da TSU > Carlos Silva ameaça: “Perdem a UGT” > Marcelo furioso > Para Passos, “a esquerda que se entenda” P4

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Expresso, 14 de janeiro de 201702 PRIMEIRO CADERNO

Ricardo [email protected]

Descodificador por Vera Lúcia Arreigoso

Vírus da gripe mudou para piorDois anos depois, o influenza A(H3) está de volta e com diferenças, ainda por saber do que são capazes. O vírus ataca mais os idosos e há já mais mortes do que noutros invernos

1 O número de mortes pelo frio e pela gripe este inverno é maior do que em anos anteriores?

A Direção-Geral da Saúde (DGS) afirma que não há um excesso de mortalidade além do estimado, mas o mês de dezembro e a primeira semana do ano dizem o contrário. Os dados da DGS, incluindo do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito, mostram que morreram 11.745 em dezembro, o número mais elevado dos últimos dez anos. E a tendência parece para ficar. Entre 1 e 8 de janeiro, morreram por dia mais 49 pessoas (3835 na semana) do que no mesmo período de 2015.

2 O vírus da gripe está a mudar? É mais agressivo?

A atual época gripal está a ser dominada pelo subtipo A(H3) do influenza, uma variante que tipicamente é capaz de provocar sintomas mais intensos nos doentes, especialmente nos idosos. Este vírus circulou no inverno há dois anos e reapareceu com algumas mutações. Os cientistas explicam que as alterações agora identificadas tornam este A(H3) ligeiramente diferente da versão anterior, no entanto parecem não ter grande expressão na doença que provocam. A análise laboratorial não revelou, ainda, nenhum marcador ou característica genética associados a uma agressividade maior. Além disso, as mutações detetadas são semelhantes à versão contida na vacina posta no mercado europeu, não afetando a sua eficácia.

3 A vacina contra a gripe é totalmente eficaz?

O efeito protetor da vacina varia conforme os subtipos do vírus em circulação e a idade da pessoa, por exemplo, mas nunca é totalmente eficaz. A avaliação é feita no final de cada época gripal por um consórcio europeu, pelo que, para já, só há informação sobre o que é mais habitual. Estima-se que a vacina assegure cerca de 70% de proteção contra o vírus e um pouco mais na prevenção das complicações associadas à doença. Neste inverno, Portugal comprou 1,2 milhões de doses e apenas 20 mil estão ainda por administrar gratuitamente. Além deste stock, o sector privado adquiriu 100 mil vacinas, a maioria para dispensa na rede de farmácias.

4 Morre-se mais de gripe em Portugal do que nos outros países da União Europeia?

A informação mais recente divulgada pela Organização Mundial da Saúde indica que Portugal, França e Itália têm neste momento uma mortalidade, por todas as causas, um pouco acima dos restantes países da União Europeia. Admite-se que as mortes em excesso, sem grandes diferenças entre países, sejam devidas à gripe porque nestas áreas foi igualmente reportada uma atividade gripal mais intensa. Os peritos explicam que a epidemia parece estar a progredir de Sul para a Norte, com os nórdicos a reportarem também mais casos, com um expectável aumento das mortes.

Revista dedicada a Mário Soares

O percurso de Mário Soares, da luta contra a ditadura até aos últimos dias. As opiniões, as análises, os testemunhos de quem o conheceu melhor

100 páginas para ler, ver... e guardar

A Revista do Expresso esta semana é única e excecional. E é inteiramente dedicada a Mário Soares. Nela, o leitor pode encontrar textos sobre o percur-so e a obra do antigo Presidente da República falecido na última semana, que passam pelo combate à ditadura, a fundação do PS, a luta pela liberdade e pela democracia, a aposta no rumo europeu, os dez anos na Presidência da República e os combates travados nas últimas duas décadas (como as candidaturas ao Parlamento Europeu e novamente à chefia do Estado).

Mas a Revista vai mais longe. Temos obras inéditas de homena-

gem e depoimentos de alguns dos mais consagrados artistas nacionais, como Júlio Pomar, Julião Sarmento, Pedro Cabrita Reis, Joana Vasconcelos e o cartoonista António. Temos porte-fólios com algumas das mais icónicas fotografias que retratam o seu per-curso, e lembramos muitas das capas

do jornal e da revista do Expresso em que Soares foi protagonista ao longo destes últimos 44 anos.

Temos testemunhos de individua-lidades como o ex-Presidente Jorge Sampaio, Sérgio Sousa Pinto, António Valdemar e José Manuel dos Santos. E muitos textos de opinião: Pedro San-tos Guerreiro, Clara Ferreira Alves, Ricardo Costa, Miguel Sousa Tavares, Henrique Monteiro, Nicolau Santos e Francisco Pinto Balsemão.

No Caderno de Economia, também Nicolau Santos e Sandro Mendonça escrevem sobre Soares. E no Primei-ro Caderno do Expresso, além dos textos de Maria José Morgado, Daniel Oliveira, Nuno Galvão Teles, Henri-que Raposo e José Cutileiro, encontra ainda notícias sobre a forma como foi gerido, organizado e preparado ao milímetro o primeiro funeral de Esta-do do Portugal democrático. Ficamos a saber, por exemplo, como Marcelo Rebelo de Sousa se desdobrou em contactos para garantir que o rei de Espanha, Felipe VI, se deslocasse a Lisboa. Ou como os Jerónimos foram escolhidos em detrimento da Assem-bleia da República.

ALTOSGuilherme FigueiredoBastonário dos Advogados

O novo líder dos advogados por-tugueses iniciou esta semana fun-ções depois da surpreendente vitó-ria sobre Elina Fraga. E fê-lo, como se costuma dizer, com a corda to-da. Deu um conjunto de entrevis-tas a apresentar ideias e propostas, como a isenção do pagamento de quotas para os jovens advogados. Que não lhe falte energia para o resto do caminho...

João SousaTenista

O melhor tenista português de to-dos os tempos parece começar a temporada de ténis em grande for-ma, ao atingir uma final, em Auck-land, logo no primeiro torneio da época. Será este ano que vai apro-ximar-se do top 10 mundial?

E BAIXOSPedro Passos CoelhoPresidente do PSD

A crise na TSU mostra bem o que tantas vezes tem de pior a política portuguesa. O Governo e parceiros sociais decidiram fazer um acordo de concertação social que envolvia a subida do salário mínimo e a des-cida da TSU para os patrões. Este acordo foi conseguido há várias se-manas. Sobre isso, o PSD nada dis-se. Agora, ao sentir que o chão fu-gia debaixo dos pés do Governo, decidiu esticar o pezinho para pro-vocar a rasteira, anunciando que se alia a BE e PCP para votar contra a redução da Taxa Social Única — medida, aliás, contra a qual o PSD nada tinha a opor, como a declara-ção, depois desautorizada, do de-putado Adão Silva bem mostrou.

António CostaPrimeiro-ministro

Se o líder da oposição tem culpas no cartório na questão da TSU e do acordo de concertação, o primeiro--ministro e líder do PS não as tem menos. Quis fazer um brilharete e anunciar um acordo sem ter asse-guradas as condições políticas míni-mas para a sua aprovação. Primei-ro, não negociou com os partidos à sua esquerda. Depois, também não tentou puxar previamente para o seu lado os partidos da oposição. Agora não se pode queixar. O mal está feito, a culpa é sua e não adian-ta tentar sacudir a água do capote.

Carlos CarreirasCoordenador autárquico do PSD

A forma como os sociais-democra-tas (não) estão a gerir o processo de escolha dos candidatos às elei-ções autárquicas do outono é digna do melhor dos cata-ventos. E reve-ladora de uma total desorientação estratégica. Num dia tem-se candi-dato próprio em Lisboa. No dia se-guinte, o apoio a Cristas é o mais provável e avança-se para negoci-ações. Depois, volta-se à primeira forma. É assim que querem ganhar as eleições?

Martim [email protected]

A descida da TSU deu a oportunidade ao PCP, Bloco e PSD de afirmarem espaços próprios

a oposição tem toda a legitimidade para tentar provocar problemas a um Governo que assenta numa solução que deve ser tendencialmente autos-suficiente. O risco de deitar abaixo um acordo de concertação social tem de ser, naturalmente, medido pelo PSD. O partido pode ser facilmente acusado de irresponsabilidade, criticado pelas confederações patronais e pressio-nado pelo Presidente da República. Pode até, naturalmente, ser criticado por muitos militantes e dirigentes e, assim, recuar nas sondagens.

E se o PSD terá de gerir os estilhaços de uma posição pouco congruente, o PS terá de enfrentar uma situação ainda mais complexa: um acordo que não pode cumprir, parceiros sociais desiludidos e ainda o discurso de vi-tória do Bloco de Esquerda, do PCP e, sobretudo, da CGTP, que sempre se recusou a subscrever este acordo de concertação social.

Na geometria variável em que as-senta o atual Executivo minoritário, há tendências que tendem a ser mais vincadas em 2017. Uma delas é a ne-cessidade de afirmar espaços próprios e de criar dificuldades a outros. É isso que o Bloco, o PCP e o PSD estão a fazer, cada um à sua maneira.

o PCP e o Bloco sempre disseram que não aprovariam tal medida. Ou seja, a sua confirmação estaria sempre de-pendente da boa vontade do PSD, que não foi negociada.

É verdade que os sociais-democratas podem ser acusados de incongruência por votarem contra uma medida que, em traços gerais, foi uma bandeira deles no passado. No fundo, o PSD co-loca-se numa posição que baralha boa parte dos seus eleitores e apoiantes, que ouviram vezes sem conta dizer que a descida da TSU melhorava a competitividade das empresas por-tuguesas e que agora veem o partido chumbar a medida. Mas há um ponto em que o PSD tem razão e esse pon-to pode publicamente justificar tal chumbo.

Para o PSD, e para Passos Coelho em particular, a descida da TSU esteve sempre ligada à diminuição dos custos das empresas ou ao aumento de pro-dutividade. Não teve, por si só, uma ligação direta ao aumento do salário mínimo. Ser a favor da tristemente célebre descida da TSU de 2012, ou da menos famosa de 2014, e ser contra a atual descida é incongruente, mas normal em política.

O PS devia ter previsto isso, porque

minuição da TSU. Mas alguma coisa parecida deve ter passado pela cabeça dos governantes quando selaram um acordo de concertação social que, no fundo, não podiam cumprir. Para que o salário mínimo subisse, como os sindicatos pretendiam, o Executivo garantiu aos patrões uma diminuição da TSU nos salários mais baixos. Uma coisa vinha com a outra. Acontece que

Há pouco mais de um ano, quando o atual Governo assu-miu funções, houve quem no PSD e no CDS dissesse apres-

sadamente que os seus partidos iriam votar contra tudo. Ou seja, fosse qual fosse o tema, o PS teria sempre de se apoiar nos parceiros que escolheu para atravessar a legislatura. Não foi preciso esperar muito tempo para se perceber que tal posição era ilógica e incumprível, sobretudo porque pode-ria colocar os partidos mais à direita a votar contra ideias que sempre de-fenderam.

Não sei se foi a falência desta pro-messa que deu ao PS a certeza de que o PSD teria sempre de votar uma di-

TSU: lições de geometria política variável

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 PRIMEIRO CADERNO 03

Pedro Santos [email protected]

Exercício de masoquismo: reler o que se dizia. Em 2014, não daria prejuízo; em 2015, o prejuízo seria pequeno; em 2016, o Estado já só queria não

perder mais um euro; em 2017, nacionaliza-se. A venda do Novo Banco é uma paródia.

É costume dizer-se que um automóvel sai do stand e já vale menos 20%. Um banco vale menos 80%. É essa a desproporção entre o valor em bolsa do BCP e o seu valor contabilístico. Ou entre o que os investidores pagam pelas ações e o valor nos “livros”. O BCP é um espelho para o Novo Banco: desde 2011, os acionistas injetaram três mil milhões, o dinheiro evaporou-se, agora é preciso mais 1,3 mil milhões. O baixo valor do Novo Banco não é uma exceção.

É por isso que os fundos interessados no Novo Banco oferecem 750 milhões, 13% do seu valor contabilístico. Mais: pedem uma garantia do Estado até 2,5 mil milhões, antecipando o quê? Novos aumentos de capital.

O Novo Banco está cheio de créditos que não serão pagos e ativos que valem menos do que se supõe. Por isso é necessário um aumento de capital de 750 milhões este ano. Notícia com meses de antecedência: não chega. Com o tempo veremos que será necessário mais capital. Porque o Novo Banco, como a Caixa, como o BCP, partilham problemas antigos, a que o Expresso chamou “as 50 sombras do BES”, quando revelou a lista dos maiores devedores àquele banco antes da crise do GES. As sombras (empresas de construção e imobiliário, mas não só) são mais ou menos as mesmas nos três bancos.

Alguém perderá este dinheiro. Daí que a esquerda diga que, se é para perder, mais vale ficar com o banco: nacionalizar. O Governo quererá uma alternativa: comprar primeiro e vender depois. Mas, de uma forma ou de outra, o que se segue no Novo Banco é uma recapitalização e uma reestruturação. Onde é que já ouvimos isto? Na Caixa. É sempre a mesma história (incluindo esta: reestruturação quer dizer despedimentos, vendas e encerramentos).

O melhor cenário seria o NB ser vendido a um dos bancos do sistema, mas hoje isso não é possível: o BPI pode mas não quer, o BCP quer mas não pode. E é bom perceber que uma nacionalização significa que o Estado terá de injetar capital e suportar a sua reestruturação. O maior risco, no entanto, nem é esse. É ficar com todo o risco futuro. E também já vimos disso: no BPN, que ficou anos a aboborar nas mãos da Caixa, com prejuízos para o Estado que ainda perduram.

Esta paródia está ainda sem cena final, mas o que há é simples: um prejuízo que ficará maior com o tempo e que alguém vai pagar. Quem? Ena! Acertou à primeira!

As 50 sombras da banca

A vend... nacionaliz... compr... resoluç... solução para o Novo Banco terá sempre prejuízo. É preciso injetar muito mais do que os 750 milhões de euros anunciados. Os cenários são todos maus, mas um é pior: um novo BPN

Comunistas levam em fevereiro ao Parlamento o projeto de nacionalização do Novo Banco. Definitivo e chamando antigos donos a pagar fatura

A bancada do PCP vai apresentar, no próximo mês, um novo projeto de re-solução para a nacionalização do Novo Banco. João Oliveira deixou claro que a proposta “não será a repetição de um novo BPN” e que os comunistas

“não prescindem de chamar a pagar os prejuízos acumulados” aqueles que foram os principais responsáveis pela crise: “O grupo e a família Espírito Santo com o património e os ativos que ainda detêm”.

A nacionalização será definitiva e a solução encontrada é de manter na esfera pública o controlo do novo banco, definindo “o quadro de atua-ção complementar que possa vir a ter com a Caixa Geral de Depósitos”. O

assunto já foi debatido com o PS, mas não houve acordo entre os dois par-ceiros parlamentares. No entanto, os socialistas já admitiram uma naciona-lização, caso as ofertas de venda não cumpram os requisitos necessários. “A frustração da possibilidade de ven-da do banco em condições mínimas torna mais próxima a consideração da solução que nós apresentamos”, conclui o líder da bancada parlamen-tar do PCP.

PCP quer Espírito Santo a pagar nacionalizaçãoJá Jerónimo de Sousa disse ontem

à saída de um encontro no Largo do Rato que “não concordamos com a nacionalização temporária do Novo Banco” e rejeitou qualquer solução semelhante à seguida no caso BPN. “Não podem ser os portugueses a ficar com os ossos e o bife do lom-bo a ficar com o grande capital”, conclui.

Rosa Pedroso [email protected]

Negociações Nacionalização só em último recurso. Solução mista em cima da mesa

Governo tenta “operação- -relâmpago” no Novo Banco

Ângela Silva, Adriano Nobre e Pedro Santos Guerreiro

Nacionalização, só em último caso. As nego-ciações para a venda do Novo Banco pros-seguem e o Governo está a estudar uma so-lução mista, que pas-se por uma compra transitória seguida

de uma venda rápida, total ou parcial, a um grupo composto por vários in-vestidores privados. Incluindo aqueles que fizeram propostas no processo em curso, mas que exigiram no início deste mês contragarantias públicas que o Ministério das Finanças se recusa a dar.

Esta poderá ser uma solução alterna-tiva para resolver o imbróglio no Novo Banco, depois de recebidas duas pro-postas que foram consideradas inacei-táveis, por incluírem ajudas de Estado, o que Mário Centeno já recusou pública e liminarmente dar a privados. O mi-nistro das Finanças não quer arriscar impactos sobre o défice orçamental, cuja descida para um patamar inferior a 3% é uma das suas maiores vitórias, aliás usada como forma de credibilizar a imagem externa de Portugal.

Vários cenários estão ainda em aberto, incluindo a negociação das propostas que foram apresentadas ao Banco de Portugal. Mas a perspetiva

que teria a notícia de (mais) um banco resgatado pelo Estado.

O tema da intervenção do Estado no futuro do Novo Banco voltou a incendiar-se politicamente nos últimos dias. “A única solução que protege o Novo Banco e o país é a nacionalização”, defende Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda. No debate de quinta-feira na Assembleia da República sobre a instituição financeira, o deputado do PS João Galamba rejeitou as críticas do PSD e do CDS sobre o facto de os socialistas e o Governo terem aberto a porta à nacionalização do banco. E garantiu que o partido “não tem uma posição dogmática” sobre essa matéria. “O PS não tem uma posição de princípio a favor da venda ou da nacionalização”, mas apenas uma posição de princípio em relação à “salvaguarda dos interesses do Estado”, esclareceu, contestando a ideia de que o debate em torno da possível nacionalização contribua para desvalorizar o Novo Banco no atual processo de venda. “Para o PSD e para o CDS, dizer a um comprador de um banco que vendemos a qualquer preço é algo que valoriza um banco. Ora, qualquer pessoa que já tenha comprado ou vendido um bem entende que se dissermos a um comprador que não temos alternativa isso é bom para eles”.

Mais taxativo foi o Bloco de Esquerda que, pela voz de Mariana Mortágua, reiterou no debate parlamentar a

ideia de que “a nacionalização será a opção menos penalizadora para o erário público”. E “com uma vantagem inegável”: “uma vez pago, o Estado controla o seu banco e pode geri-lo ao longo do tempo”, defendeu.

“Se alguma coisa aprendemos com a crise financeira e com o caso BES, foi que só a propriedade e a gestão públicas podem fazer da concessão de crédito um serviço e não um fardo para o país. Só rompendo com aquele passado é que o Novo Banco pode ter futuro”, insistiu, argumentando que “a única solução que protege o Novo Banco e o país é a nacionalização”, mesmo que ela não esteja “isenta de dificuldades e exigências”.

Convidado pelo Expresso a pronunciar-se, Francisco Assis, do PS, não rejeita a possibilidade de uma “nacionalização temporária” do Novo Banco. Mas o eurodeputado socialista recusa alongar-se na discussão: “Quanto mais se fala pior”. O político estranha, ainda assim, a posição de João Galamba, porta-voz do PS, na medida em que a defesa da nacionalização “conflitua com a posição oficial do Governo, que ainda acredita num processo negocial”. Crítico assumido da ‘geringonça’, desde a primeira hora, Assis acaba por concluir que “toda esta confusão só reforça a minha convicção de que esta solução governativa não serve”.

[email protected]

Mário Centeno e Carlos Costa. Governo e Banco de Portugal continuam a procurar uma solução para o Novo Banco FOTO LUÍS BARRA

SISTEMA FINANCEIRO

de que os candidatos atuais desistam das garantias de Estado para cober-tura de riscos futuros é baixa. Uma alternativa que inclua a compra pelo Estado do Novo Banco, para venda quase imediata a um grupo de inves-tidores, está a ser estudada para ser apresentada inclusive aos candidatos ainda em concurso. Qualquer solução tem, no entanto, de passar o crivo das instituições europeias.

O que o Governo pretende é evitar a nacionalização pura, que teria várias consequências: o Estado teria de inje-tar capital no Novo Banco (pelo menos 750 milhões de euros só este ano), teria de suportar os custos políticos de uma reestruturação (que implicaria despedimentos) e ficaria com os riscos da carteira de crédito, que podem ge-rar mais prejuízos nos próximos anos. Mas há outro custo que o Governo quer evitar: o da deterioração da ima-gem externa. Numa altura em que os juros cobrados à dívida pública portu-guesa estão a subir para taxas acima dos 4%, o Governo está preocupado com o impacto junto dos investidores

Francisco Assis: “Toda esta confusão só reforça a minha convicção de que esta solução governativa não serve”

PEDRO SANTOS GUERREIRO ESCREVE NO EXPRESSO DIÁRIO ÀS SEGUNDAS E QUARTAS-FEIRAS

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Expresso, 14 de janeiro de 201704 PRIMEIRO CADERNO

PR empenhou-se na Concertação e quer estabilidade política. O potencial explosivo deste dossiê preocupa-o

Marcelo furioso com o líder do PSD

Marcelo Rebelo de Sousa está irritado com a decisão do PSD, que acha ter po-tencial político de alto risco. Depois de se ter empenhado no acordo de concer-tação social que levou meses a pôr de pé, o Presidente da República não per-cebe o que levou Pedro Passos Coelho a comprar neste momento esta guerra, que além de ameaçar a concertação, tem um duplo risco: o de desestabilizar ainda mais o PSD.

A decisão de Pedro Passos Coelho de não dar a mão ao Governo para salvar a baixa da TSU e o acordo de concertação social está a abanar o partido. As vozes (muito) críticas aumentam, há quem chame “criminoso” o PSD não salvar a concertação, e dentro do grupo par-lamentar houve quem alertasse para os riscos inerentes a esta decisão. Mas

Passos sob fogo: “A esquerda que se entenda”Barões do PSD acham “criminoso” não salvar a concertação. Deputados avisaram para riscos. Passos não cede: “Guerra é guerra”

Passos fica na sua: “As divisões na maio-ria não seremos nós a resolvê-las.” Foi isto que disse quando a ‘geringonça’ se pôs de pé e é com o mesmo argumento que tenciona seguir em frente.

Não vai ser fácil gerir as sequelas desta guerra dentro e fora do parti-do. Dirigentes do grupo parlamentar reconhecem que depois de o PSD ter descido a TSU em 2014 é difícil explicar porque é que não aceita defender essa descida agora. Mas Passos Coelho tem os argumentos alinhados: o contexto era completamente diferente, diz, na altura garantiram que o salário mínimo

só subiria em linha com o aumento da produtividade e não descapitalizaram a Segurança Social. Aqui, ao contrário, Passos argumenta que ao baixarem a TSU para subir o salário mínimo, não há um jogo de soma nula.

Quando se vir o decreto que o Gover-no vai aprovar, saber-se-á se é mesmo assim ou se Costa garante que a baixa da TSU será paga pelo Orçamento, precisamente para as contribuições não serem mexidas. Mas, num caso ou noutro, a guerra do PSD (também) é política e o líder está disposto a com-prá-la. “Eles que se entendam” tem sido a sua frase em privado. Sublinhan-do sempre que não foi o PSD a pedir a apreciação parlamentar da medida em causa. Sem querer assumir o papel ativo de desestabilizador da maioria, Passos Coelho mostra-se indisponível para ser o suporte de António Costa sempre que os parceiros à esquerda lhe faltarem.

“Costa não controla Jerónimo”

Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, assumiu esta guerra e foi o

primeiro a dar a cara pela decisão de alinhar com o PCP e o BE se o decreto da baixa da TSU for a votos. “Se An-tónio Costa não controla Jerónimo de Sousa, o problema é dele”, afirmou ao Expresso. “Nunca falaram connos-co e não é connosco que vão contar para resolver as divisões na maioria.”

Marco António Costa, vice de Pas-sos, reforça a ideia de descontrolo na maioria de esquerda, com que o PSD conta ir desgastando António Costa. Ao Expresso, diz que “o Governo não pode andar a fazer os acordos que quer e depois contar com o PSD para os salvar”. E acrescenta: “Imagine que no anterior Governo o PSD tinha feito um acordo de concertação social e que o CDS não o aprovava. Algu-ma vez íamos pedir ajuda ao PS?” A direção do PSD prepara-se para acusar Costa de ter “acabado com a concertação social”. Mas tem pela frente uma prova de fogo. O primei-ro-ministro vai acusá-los do mesmo. E se patrões, UGT e empresários ali-nharem, Passos não vai ter vida fácil.

Ângela [email protected]

Costa assina acordo que não pode cumprir

Ângela Silva e Rosa Pedroso Lima

António Costa não tem como evitar um problema cha-mado Taxa Social Única (TSU). Com-prometido com os parceiros sociais a baixar a taxa a partir de fevereiro,

está a ultimar um decreto-lei que, é certo e sabido, mal chegue ao Parla-mento vai ser revogado. A iniciativa parte do PCP, mas conta com o apoio do Bloco e do PSD. Não podendo com-prar uma guerra com Jerónimo nem com Catarina Martins, o plano B do primeiro-ministro passa por um ata-que direto ao seu principal adversário, Pedro Passos Coelho.

O Governo está a ultimar o decre-to-lei que permite a baixa da TSU dos empregadores em 1,25 pontos e o di-ploma seguirá rapidamente para a

Assembleia. Depois de terem surgido rumores de que haveria uma alterna-tiva jurídica (uma portaria) que con-tornasse a apreciação parlamentar, a direção do PS fez saber que isso estava fora de causa. A única solução é mes-mo um decreto, que pode sempre ser avocado pelos grupos parlamentares e sujeito a revogação.

E é essa a estratégia seguida pelo PCP. Jerónimo de Sousa deixou, ontem, claro no Largo do Rato que avançará imediatamente com “uma iniciativa legislativa para eliminação desta medida”. Aliás, os comunistas não veem “aqui um problema“, pelo contrário, antecipam uma oportuni-dade para dar um golpe na concer-tação. “A TSU não é uma decisão da concertação social, ouvido o Governo e pondo o Parlamento à margem”, disse Jerónimo, que reclama para a Assembleia e para o Executivo a tarefa de definir a política fiscal e laboral.

Perante esta intransigência dos par-ceiros de esquerda, resta a Costa des-

Choque Jerónimo foi claro: baixa da TSU é da competência do Governo e Parlamento ”não pode ficar à margem”. A concertação pode estourar

POLÍTICA CONCERTAÇÃO

Jerónimo à saída da reunião com Ana Catarina Mendes, no Largo do Rato: “Se fosse só essa a divergência com o PS estaríamos nós bem”

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 05 PRIMEIRO CADERNO

A subida dos juros da dívida portuguesa acima dos 4% é um problema português, mas re-presenta também um problema para as instituições europeias. “Do ponto de vista da coerência, era importante não ter a União Europeia a garantir que os paí-ses que cumprem as regras se-rão premiados pelos mercados e depois vermos países, como Portugal, a cumprir as regras, a ter resultados surpreendentes, como o comissário Moscovici assumiu, e depois terem os juros a subir.”

A constatação é feita pelo de-putado socialista, João Galamba, para quem não restam dúvidas que o comportamento dos juros “não tem a ver com as políticas seguidas pelo atual Governo”,

PS diz que limitações do BCE prejudicam PortugalSocialistas dizem que subida de juros “não tem a ver” com políticas do Governo, mas sim com limites às compras de ativos do BCE

mas sim com o desenho — e as suas limitações — do programa de compra de dívida por parte do Banco Central Europeu (BCE). Programa esse que, diz, coloca Portugal como “um dos países mais prejudicados” no contexto europeu.

Nomeadamente pelo facto de só 33% da dívida pública dos paí-ses ser elegível nestas operações de compra do BCE e de Portugal já estar próximo dessa quota. Isto porque aos montantes já adquiridos no atual programa, acrescem €9,5 mil milhões rela-cionados com um outro progra-ma, de 2010.

Fontes do Governo avançam ao Expresso que será por isso que o BCE não está a respeitar as quotas de compra de dívida dos países em função do que repre-sentam no capital do banco: no caso português, esse peso (não contando os países fora da zona euro) é de 2,5%, mas no último trimestre só 0,3% da dívida com-prada pelo BCE foi portuguesa.

As mesmas fontes recordam a ‘regra de ouro’ segundo a qual os juros da dívida não devem ser superiores à soma do crescimen-to real do PIB com a inflação. Neste momento, essa equação está à tangente e pode começar a ser preocupante. Ainda assim, os juros da dívida a 1 ano e a 6 meses estão negativos, pelo que o custo médio da dívida continua baixo, dizem.

João Galamba assume que Portugal “mantém fragilidades” que já tinha, mas garante que o país continuará “a fazer aqui-lo que lhe compete”. “Temos o défice mais baixo da demo-cracia, indicadores económicos em alta, desemprego a diminuir, emprego a crescer e dos maio-res saldos primários da Europa. O país tem a sua responsabili-dade, faz o que lhe compete e o resto depende do reconheci-mento dos mercados”, diz.

Adriano Nobre e Helena Pereira

[email protected]

João Silvestre e Jorge Nascimento Rodrigues

Portugal regressou aos merca-dos esta semana e, na primei-ra emissão de dívida do ano, pagou um juro de 4,227% a 10 anos. Acima da barreira dos 4%, como era esperado pelos analistas, e confirmando os si-nais que já vinham do mercado secundário — onde a dívida é negociada depois de emitida — desde o início do ano. Há mes-mo quem ache que este pode ser um ‘novo normal’ ainda que as taxas negoceiem, neste mo-mento, abaixo dos 4%. Ontem ao final da tarde, à hora de fe-cho desta edição, estavam em 3,899%. O risco da dívida por-tuguesa, ou seja o spread face à dívida alemã, está ao nível de 2014 (ver gráfico).

A questão é saber a que se deve a subida dos juros? Na ver-dade, não há uma única causa da subida do juros que já come-çou em março de 2015 quando as taxas tocaram num míni-mo histórico depois do arran-que do programa de compra de dívida pelo Banco Central Europeu. Mas o afastamento entre a taxa portuguesa — mais concretamente o spread face à dívida alemã — e as dos res-tantes países periféricos ace-lerou a partir da viragem de 2015 para 2016. O que se deveu não apenas a fatores internos — como a transferência de dívida sénior do Novo Banco para o BES ‘mau’ ou as dúvidas sobre o rating português — mas tam-bém a fatores internacionais que afetaram o mercado obri-gacionista em geral ainda que com efeitos assimétricos entre países. Foram os casos do re-ferendo do ‘Brexit’, da eleição de Donald Trump nos EUA ou, mais recentemente, a subida da inflação e as alterações na

Risco português ao nível de 2014

DÍVIDA

Estado passou barreira dos 4% na primeira emissão do ano. Portugal afasta-se dos restantes periféricos

política monetária do Banco Central Europeu (BCE).

A operação de quinta-feira é apenas uma andorinha que, sozinha, não faz a primave-ra. Desde logo porque para as contas do Estado o que conta são os juros pagos por toda a dívida emitida e aí a taxa — a chamada taxa implícita — ron-da os 3,4%. É natural que, com um agravamento das taxas em emissões futuras, este custo tenda a aumentar mas, em qualquer caso, o impacto será sempre gradual. Porém, há razões para preocupação. A taxa fixada nesta operação foi a mais elevada desde feverei-ro de 2014, quando o Estado pagou 5,1% numa operação sindicada a 10 anos, e ficou um ponto percentual acima do registado nas colocações de janeiro de 2015 e 2016. Além disso, o spread de 3,5 pontos percentuais face à taxa de mer-cado (sem risco) foi o segundo maior desde 2010. Mais eleva-do só em maio de 2013, pouco antes do final do programa de resgate, quando atingiu quatro pontos percentuais.

Além das tendências de fun-do globais, Portugal destaca--se nos periféricos do euro por

ter sido o primeiro a inverter a trajetória de mínimos histó-ricos. A trajetória de subida dos juros iniciou-se em meados de fevereiro de 2015. No caso de Espanha, Irlanda e Itália, os mínimos históricos regista-ram-se entre julho e setembro de 2016, ou seja, mais de um ano depois, uma folga signifi-cativa que permitiu a Madrid, Dublin e Roma financiarem-se a custo muito baixo na dívida de médio e longo prazo até há bem pouco tempo.

A inversão da trajetória ascendente não voltou a ter nenhuma oportunidade no segundo semestre de 2016. Primeiro, foi o stresse durante setembro e outubro relaciona-do com o risco de uma eventu-al descida do rating da dívida para ‘lixo’ pela agência DBRS, que é a única que permite aces-so ao programa de compra de dívida do BCE. Depois, surgiu a ameaça de Portugal ser o pri-meiro país a atingir os limites do programa, o que alimentou, ainda mais, a subida. O afasta-mento em relação a Espanha, Irlanda e Itália ampliou-se, mesmo, apesar da crise italia-na na banca.

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2012 13 14 15 16 17

FONTE: REUTERS

SPREAD FACE À DÍVIDA ALEMÃ A 10 ANOSEm pontos percentuais

10

5

0 Irlanda

Itália

Portugal

Espanha

No almoço que recentemente tive-ram a sós em Belém, Marcelo e Passos terão alinhado duas ideias-chave: a estabilidade política deve ser mantida, no partido e no Governo, preferen-cialmente até às legislativas. E o facto de Passos se mostrar determinado a ir a jogo contra tudo e contra todos no congresso de 2018, onde acredita chegar com fôlego para se manter na li-derança, sossegou o Presidente. Agora, Belém teme que este episódio da TSU possa virar o jogo. Por um lado, porque Costa vai querer transformar a guerra que não lhe interessa comprar com Je-rónimo de Sousa (que é quem ameaça chumbar a baixa da TSU) numa guerra com Passos Coelho; por outro, porque se o acordo de concertação cair, tam-bém é o PR que perde.

Marcelo tem feito dos apelos à con-certação uma constante. E ver este acordo que tanto trabalho deu a firmar ir por água abaixo, ainda por cima com a ajuda da direita, é um sonho mau. Pelo impacto imediato e pelo lastro que ameaça deixar. Se a concertação já está difícil, mais pode ficar. E lá se vai a descrispação... Â.S.

“PSD abre ferida difícil de sarar”Carlos Silva diz que PSD tem “uma dívida” para com a central e pede a Passos que mude de posição. Ou deixa de contar com a UGT “quando voltar ao poder”

O líder da UGT “não estava à espe-ra” da tomada de posição de Pedro Passos Coelho, que ameaçou votar contra a descida da TSU, o que pode vir a pôr em causa o acordo entre os parceiros sociais. E dispara em várias frentes. “Não esquecemos que o PSD sempre defendeu a Concerta-ção Social e que tem uma dívida para com a UGT neste campo”, disse ao Expresso.

A UGT, que assinou com o Governo PSD/CDS um acordo de Concertação Social em pleno período da troika, quer que Passos “repondere a sua po-sição” em nome da “dívida” que tem para com a UGT nesse passado re-cente. Carlos Silva lembra ainda que a central é composta — e presidida — por sindicalistas sociais-democratas que aprovaram o acordo alcançado em dezembro com o Governo de An-tónio Costa e que prevê precisamente a redução de 1,25 pontos na TSU paga pelos empregadores.

A posição assumida esta semana por Passos Coelho “criou uma situa-ção complicada aos TSD (Trabalha-dores Sociais-Democratas)”, afirma Carlos Silva, que garante, porém, que a central está “unida e coesa” entre as tendências socialista e social-de-mocrata. No entanto, as mudanças de estratégia do líder do PSD podem trazer danos colaterais. “Se o PSD mantiver este braço de ferro, temos problemas no interior da UGT”, as-sume Carlos Silva.

Para o líder sindical é claro que “a nova TSU entra em vigor quando o acordo for assinado”, o que se prevê venha a acontecer nas próximas se-manas, mas ainda sem data marcada. “O país conhece o acordo, ele existe e é este que será assinado”, diz. Carlos Silva confia que, até lá, o líder do PSD mude a sua posição (e o sentido de voto no Parlamento) para que seja respeitado o acordo de Concertação Social. Caso contrário, “abre-se uma ferida que é difícil de sarar”. E o avi-so fica dado: “Quando o PSD voltar ao poder não contará com a UGT”, ameaça.

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POLÍTICA CONCERTAÇÃO

tria, Comércio, Agricultura e Turismo terão oportunidade para debater com António Costa os passos seguintes do acordo.

O Governo está, paralelamente, a redigir o decreto com a preocupação de encontrar argumentos que possam ajudar a comprometer o PSD. O alar-gamento da baixa da TSU para as IPSS e Misericórdias (que Marco António Costa, vice de Passos começou por de-fender junto do Executivo) é um deles, a que se junta a garantia de que a que-bra de receita será suportada pelo OE, evitando uma maior descapitalização da Segurança Social.

Recorde-se que o valor da TSU atualmente em vigor foi fixado em 2014, na altura do Governo PSD/CDS. A taxa que incide sobre os patrões é de 23%, contra 11% a cargo dos traba-lhadores. O acordo cessa a partir de fevereiro e, caso não seja substituído por novo, o montante da TSU a pagar pelos empregadores subirá para os 23,75% (o valor anterior a 2014).

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locar esta guerra política para o lado da direita. Fonte socialista lembra que quem primeiro baixou a TSU dos patrões foi o Governo de Passos (em 2014) e acusa: “O PS é que imitou o PSD e agora o PSD muda de posição?!” Os socialistas desafiam cada partido “a honrar a sua história” e contam com a pressão dos patrões, da UGT (ver texto ao lado) e do próprio Presi-dente da República para fazer o resto e forçar Passos Coelho a mudar de posição.

TSU pode voltar aos 23,75%

A data para a assinatura do acordo de concertação ainda não está marcada, mas Carlos César, líder parlamentar socialista, afirmou à Lusa que “o acor-do é para ir em frente e o PSD deve assumir as suas responsabilidades”.

António Saraiva, da CIP, disse ao Expresso que aguarda “com tranqui-lidade” o desenrolar dos acontecimen-tos e será já na segunda-feira que os patrões das confederações da Indus-

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Expresso, 14 de janeiro de 201706 PRIMEIRO CADERNO

Pedro Jerónimo Professor e jornalista

“O apelo às emoções está a sobrepor-se aos factos”

Textos Adriano Nobre Fotos Lucília Monteiro

Dezanove anos depois do úl-timo congresso, os jornalistas portugueses voltam a juntar-se esta semana, em Lisboa, para discutir a profissão, os seus pro-blemas e desafios. Com a crise económica, a quebra publicitá-ria e os novos hábitos de consu-mo a alterarem radicalmente o contexto do sector, os jornalistas confrontam-se com novas rea-lidades que colocam em causa a própria profissão. Pedro Je-rónimo, jornalista, professor, investigador e um dos oradores no 4º Congresso dos Jornalistas, falou com o Expresso.

PP OPtriunfoPdaPpós-verdadePéPumPsinalPdePquePoPjornalismoPestáPperderPoPdesafioPdigital?P

R Eu não colocaria as coisas a esse nível. Não quero ser tão pessimista. Mas isso não sig-nifica que não reconheça que esse fenómeno de diluição das fronteiras entre realidade e fic-ção, verdade e mentira, tenha crescido significativamente. Isto não é propriamente uma novidade, sempre existiu, a di-ferença é que antes não ia mui-to além do domínio dos cafés, salvo seja. Atualmente, na era dos cafés 2.0, como são as redes

ENTREVISTA

sociais, tudo se comenta e par-tilha a uma escala e velocidade vertiginosas. É a cultura do like e do clickbait. E isso é um enor-me desafio para o jornalismo, que está a ir na “onda” e a per-der terreno.

PP AsPredesPsociaisPsãoPaponta-dasPcomoPimpulsionadorasPdePumPmundoPemPquePosPfactosPparecemPcadaPvezPmenosPrele-vantesPnaPformaçãoPdaPopiniãoPpública.POPjornalismoPePosPme-diaPtêmPculpasPnessaPrealidade?P

R Todos têm, mas no caso dos media noticiosos e do jornalis-mo a responsabilidade é acresci-da. Porque a sua missão é procu-rar a verdade e publicá-la. Mas será que é isso que está a acon-tecer? Será que o público con-segue destrinçar o que é fruto do jornalismo daquilo que não é? O que vemos é um constante apelo ao imediatismo, às emo-ções, que se sobrepõe aos factos. Há cada vez mais jornalismo de matilha, em que os media se seguem uns aos outros, sem confirmarem a veracidade do que o vizinho publica. A lógica do confirmar primeiro e publi-car depois tem-se invertido com demasiada frequência.

PP OsPproblemasPdoPjornalismoPresultamPmaisPdaPcrisePfinan-ceiraPdoPsectorPePdaPsucessivaP

precarizaçãoPdasPredaçõesPouPdaPincapacidadePdePadaptarPaPprofissãoPaosPnovosPmodelosPdePconsumoPdePinformação?P

R Resultam de tudo. A crise tem levado ao emagrecimento das redações, e com isso como fica o jornalismo? Menos jornalis-tas não fazem, garantidamente, mais e melhor jornalismo. Dou um exemplo: os media regio-nais. É um sector que sempre se tem debatido com dificuldades e ainda assim tem resistido. O que sucedeu nos últimos anos é que a intensidade da crise eco-nómica serviu para fazer uma triagem: uns meios fecharam, outros aí estão. E sabe quem é que mais tem resistido? Quem tem apostado no jornalismo. Ou seja, os conteúdos de qualidade ou diferenciadores.

PP UmPterçoPdosPportuguesesPconsultaPnotíciasPnasPredesPso-ciaisPePháPestudosPquePindicamPquePmaisPdeP40%PdosPleitoresPonlinePnãoPsabemPaPorigemPdasPnotíciasPquePleem.PComoPde-vemPosPmediaPlidarPcomPisto?P

R A tendência é a fixação dos utilizadores no Facebook. Até mesmo quando os meios publi-cam apenas o link para o res-petivo site, é frequente que os utilizadores coloquem gosto e partilhem ou até comentem no imediato, lendo apenas o título e

o lead. Os media e os jornalistas devem ir contra a corrente. Sei que no contexto atual isso é qua-se utópico, mas é uma necessi-dade. Para informações na hora, até já temos robôs que fazem notícias. Agora para pesquisar, aprofundar, cruzar informação ou exercer contraditório, é pre-ciso tempo. Hoje, mais do que nunca, são precisos jornalistas mais fiéis à ética e deontologia de sempre, do que às modas ou deslumbres do momento.

PP AsPredesPsociaisPtornaramPtambémPoPjornalismoPmuitoPmaisPescrutinado.PAPprazoPissoPfaráPmelhorarPoPjornalismo?P

R Oxalá que sim! Faz falta que os escrutinadores da socieda-de sejam eles próprios mais escrutinados. Desde logo por-que antes de serem jornalistas são cidadãos. Nem todos os jornalistas lidam bem com a crítica. O mesmo sucede com os políticos. Mas também en-contramos exemplos de quem lida bem com o escrutínio, de quem exerce a profissão de for-ma transparente e leal. Quantas mais pessoas se preocuparem com o que os jornalistas fazem, certamente mais próximos eles vão estar de serem melhores profissionais. E com isso ganha-rá o jornalismo e a sociedade.

[email protected]

PERFIL

Leiriense, professor e jornalista, Pedro Jerónimo iniciou na imprensa regional o seu percurso no jornalismo. Licenciado em Comunicação Social e Educação Multimédia no Politécnico de Leiria, doutorou-se em Informação e Comunicação em Plataformas Digitais (Universidades do Porto e de Aveiro). Autor do livro “Ciberjornalismo de proximidade: Redações, jornalistas e notícias online” é, aos 36 anos, professor de Multimédia e de Jornalismo no Instituto Superior Miguel Torga e investigador do CIC.Digital Porto e do Observatório do Ciberjornalismo. É um dos oradores deste sábado no 4º Congresso dos Jornalistas, que encerra amanhã.

PRÉMIO YO NO CREO EN BRUJAS

“Foi coincidência”Teixeira dos SantosEx-ministro das Finanças, garantindo que foi sua a decisão de nomear Vara e Santos Ferreira para a CGD e comentando o facto de Sócrates já os ter sugerido antes a Campos e Cunha

PRÉMIO HÁ 50% DE HIPÓTESES

“Não é provável que seja uma mulher, mas pode ser”Carlos CarreirasCoordenador autárquico do PSD, sobre o candidato a Lisboa

PRÉMIO CALMANTE NACIONAL

“Não há motivo para alarme”Marcelo Rebelo de SousaPresidente da República, sobre a subida dos juros da dívida

PRÉMIO PASSOS TROCADOS

“O PSD sobre essa matéria devia estar calado”Manuela Ferreira LeiteAntiga líder do partido, sobre a posição do PSD em relação à descida da TSU

PRÉMIO PELA PRIMEIRA VEZ EM 40 ANOS...

“Prefiro não comentar cenários”Marcelo Rebelo de SousaPresidente, sobre a polémica da TSU e da Concertação Social

Prémio até tu Campos?

“O que (a descida da TSU) traz de menos positivo é o incentivo a que os salários acabem por se esmagar à volta do salário mínimo”Correia de CamposPresidente da Concertação Social

PRÉMIO CDS A ADERIR A CAUSAS FRATURANTES

“Temos um casamento feliz com Rui Moreira”Álvaro Castello-BrancoLíder do CDS Porto, sobre o apoio formal do partido ao autarca

PRÉMIO ESPELHO MEU, ESPELHO MEU...

“Podemos admitir que hoje há mais medíocres na política do que havia”João GalambaDeputado e porta-voz do PS

Cristina Figueiredo

e Martim [email protected]

NO FIM ERA O VERBO

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 07 PRIMEIRO CADERNO

MiguelSousaTavares

que se possa saber que dívidas tem e a quem e, contrariando uma promessa eleitoral, em vez de confiar a gestão das empresas a um organismo indepen-dente, limitou-se a passá-la para dois dos filhos, com a garantia pessoal de que, enquanto estiver na Casa Branca, não terá com eles qualquer conversa sobre o andamento dos seus negócios — acredite quem quiser. Isso apenas adensa o legítimo clima de suspeição sobre a sobreposição entre a política externa do Presidente Donald Trump e os interesses da organização Trump no estrangeiro. Uma coisa impensá-vel e nunca vista. Como nunca se tinha visto um Presidente russo a declarar abertamente a sua preferência por um candidato presidencial americano e a interferir a seu favor nessa campanha. Que interesses em comum poderão jus-tificar este surpreendente namoro entre o autocrata do Kremlin e um pato-bravo da extrema-direita republicana?

Justamente, enquanto decorria a con-ferência de imprensa do Presidente-elei-to na Trump Tower, em Nova Iorque, o seu indigitado secretário de Estado, Rex Tillerson, comparecia perante a comis-são do Senado, em Washington, que fa-talmente irá confirmar a sua nomeação. Tillerson é apenas mais um entre todos os controversos e reveladores nomes do gabinete montado por Trump. Mas é talvez o mais importante, porque um ministro dos Estrangeiros no país mais

americanos para Trump, Obama e mais oito senadores e cujo conteúdo acabou divulgado por uma agência de notícias online. Diferente de outro relatório pro-duzido, esse pelos serviços secretos, e que concluiu que a Rússia esteve por trás do ataque cibernético aos e-mails do Partido Democrata, cuja revelação abalou a candidatura de Hillary Clin-ton, favorecendo a de Trump — e cuja veracidade este finalmente aceitou, com reticências. O relatório é absolutamente estarrecedor: se as informações nele contidas pudessem ser confirmadas (o que não vai acontecer) estaríamos perante o maior golpe de espionagem de todos os tempos: o Presidente ame-ricano não só teria sido eleito com a ajuda da Rússia, como depois estaria nas mãos da Rússia, tendo-se exposto a uma situação de chantagem. Mas se é difícil acreditar que Trump tenha caído na clássica armadilha das prostitutas num hotel de Moscovo (o homem não há-de ser assim tão estúpido), já é mais séria a conclusão de que homens da cam-panha de Trump se encontraram com homens de Putin, tendo deste recebido vários tipos de apoio e ajuda durante os últimos dois anos. Trump recusou-se a responder à pergunta sobre se esses encontros tinham existido e limitou-se a dizer que não tem negócios nem dívidas na Rússia.

Porém, nesta matéria, a opacidade é total. Se, nos seus incansáveis posts no Twitter, ele nega violentamente as informações constantes do relatório, recusa-se a fazer o que quer que seja para abrir o jogo dos seus interesses pri-vados. Recusa o acesso à sua declaração de impostos para que se possa saber ao certo de onde vêm os seus rendimentos; recusa-se a abrir as contas das empresas a um escrutínio independente, de modo

nal Federal julgou há 40 anos, a favor da despenalização). Enquanto juiz estadu-al no Alabama (o Estado mais racista da União), ganhou fama por tratar os ne-gros como “boys” no seu tribunal e por autorizar que os presos (85% dos quais, negros) fossem acorrentados em grupos de cinco para trabalhar nas prisões. O seu currículo racista era tão avassala-dor que foi recusado para juiz federal e agora, como candidato a ministro da Justiça, com poderes para mandar em todos os juízes, teve de começar por ju-rar ao Senado que não é nem militante nem simpatizante do Ku Klux Klan. É a América dos anos cinquenta que está de regresso!

Acrescente-se a estes dois os indigita-dos para as pastas do Tesouro e do Co-mércio (Finanças e Economia), ambos saídos da escola do crime da Goldman Sachs — o expoente máximo da tal Wall Street que o Robin Hood Trump, duran-te a campanha, jurou ir combater, sem tréguas. Ou o secretário da Defesa, cujo codename é todo um programa: o “Cão Danado”. Ou a secretária da Educação, uma tia betinha religiosa e multimi-lionária, que gastou o melhor da sua vida a injectar milhões para sabotar a escola pública no seu Estado, a favor das escolas privadas religiosas. O gabinete de Donald Trump é, de facto, escolhido à lupa: o pior do pior da América, em cada sector. E, no topo, um palhaço rico, ignorante e arrogante. Só resta uma esperança: que o Partido Republicano, apesar de tudo, vença o medo e tenha vergonha e medo dele. O impeachment, e, quanto mais depressa, melhor — para a América e para o mundo.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

Quarta-feira foi um dia politicamente frenético nos Esta-dos Unidos, em que Donald Trump, a dez dias de tomar posse, mostrou o mesmo à-vontade em que-brar todas as regras

e tradições estabelecidas, que já tivera durante a campanha eleitoral e ao longo destes dois meses de transição.

Começou por convocar uma conferên-cia de imprensa, marcada para a manhã seguinte ao discurso de despedida de Obama em Chicago, e com a clara in-tenção de desviar para si as atenções. E bem que o conseguiu! Viu-se um qua-se-Presidente a pegar-se violentamente com um repórter, arrogando-se o direito de escolher as perguntas, os jornalistas e os órgãos de informação a que respon-de, conforme critérios jornalísticos por ele estabelecidos (vêm aí quatro anos de batalha diária com a CNN, o “New York Times” e outros que venham a cair no seu índex). Viu-se um quase-Presidente que comparou a actuação dos chefes dos serviços secretos aos métodos da Alemanha nazi (adivinha-se o que vai acontecer aos chefes quando ele tomar posse: ficarão os americanos mais segu-ros com serviços secretos que só dirão ao Presidente o que ele quer ouvir?). Mas, sobretudo, viu-se um quase-Pre-sidente igual a si mesmo, sem qualquer sinal de moderação presidencial: or-dinário, mal-educado, arrogante, com tiques de ditador infantilóide.

Em cima da mesa estava o escândalo do dia: a revelação da existência de um relatório encomendado a um agente do MI6 britânico sobre as relações entre a Rússia de Putin e Donald Trump, que foi reencaminhado pelos serviços secretos

O homem é mesmo perigoso

Só resta uma esperança: o impeachment. E quanto mais depressa melhor — para a América e para o mundo

ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO

poderoso do mundo é, de facto, o núme-ro 2 do governo. Vem directamente de CEO da ExxonMobil, conduziu grandes negócios de petróleo em Moscovo, e é amigo pessoal de Putin, que o condeco-rou como amigo da Rússia. Também é sabido que o gigante petrolífero a que presidia gastou uma fortuna para tentar desacreditar as conclusões científicas de que os combustíveis fósseis são a princi-pal causa do aquecimento global — um currículo exactamente à medida das convicções de Trump de que o aqueci-mento global é uma ficção inventada pe-los chineses, de que é preciso voltar a dar força à indústria petrolífera americana e de que os EUA devem denunciar o Tratado sobre as Alterações Climáticas, assinado em Paris por Barack Obama. Perante o Senado, Tillerson reconheceu que havia alterações climáticas, mas não que elas se devessem à actividade humana; reconheceu que a invasão da Ucrânia foi ilegal, mas não que a Rússia (ou a Arábia Saudita) violassem os direi-tos humanos; mas, mais surpreendente de tudo, foi a resposta ao senador Mar-co Rubio, quando este lhe perguntou que conversas sobre a Rússia tinha tido com o Presidente-eleito: “ainda não tivemos ocasião de falar sobre isso” (a dez dias de começarem a governar). Parece uma brincadeira de garotos que decidem tomar o poder na escola e que, a seguir, não têm mais nenhuma ideia do que fazer.

Ao lado, noutra comissão do Senado, interrogava-se o indigitado Attorney General (ministro da Justiça), Jim Ses-sions. O currículo do homem também é impressionante: ele é contra a lega-lização das drogas leves, contra os ca-samentos homossexuais e até contra a despenalização do aborto (o célebre “Roe vs. Wade”, que o Supremo Tribu-

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Expresso, 14 de janeiro de 201708 PRIMEIRO CADERNO

OPERAÇÃO O NEGATIVO

Paulo Campos, ex-presidente do INEM, entregou à Polícia Judiciária o ficheiro informá-tico onde terá tirado as notas de uma reunião que manteve em 2014 com Paulo Macedo, o então ministro da Saúde e recém-nomeado presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), em que o governante teria alegadamente exigido a reintegração como diretora de Helena Lalanda e Castro, irmã de Paulo Lalanda e Castro, ex--administrador da Octapharma e um dos arguidos da Operação 0 Negativo, um inquérito-crime sobre corrupção no concurso público que veio a dar o mo-nopólio do fornecimento de plasma sanguíneo em Portugal àquela multinacional farma-cêutica. Segundo o Expresso

Imputações contra Macedo difíceis de provar

Ex-presidente do INEM entregou notas de reunião com Paulo Macedo, mas não existem indícios de pressões do ex-ministro

apurou, Campos contou à PJ o que também acabou por reve-lar numa entrevista concedida esta quinta-feira à TVI: “Foi--me dado [por Paulo Macedo] um prazo de dez dias para o fazer.”

De acordo com a versão de Paulo Campos, o não cumpri-mento da ordem do ministro teria estado na origem de um processo disciplinar de que foi alvo. Macedo negou na própria quinta-feira, em declarações ao “Correio da Manhã”, que alguma vez tenha “exercido quaisquer pressões junto do ex-presidente do INEM ou de qualquer outra pessoa para beneficiar a Octapharma, diri-gentes da empresa ou seus fa-miliares”. Tirando as notas da reunião feitas por Campos, não existe nenhum outro elemento no processo que aponte para qualquer intervenção por parte do ex-ministro. O que significa que será a palavra de um contra a palavra do outro.

A reunião em causa terá acontecido em maio de 2014. Nessa altura, Helena Lalanda e Castro, uma técnica superi-or do quadro do INEM, estava destacada na Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa, na época em que o seu presidente era Luís Cunha Ri-beiro, que também foi constitu-ído arguido na Operação 0 Ne-gativo, por suspeitas de ter sido corrompido por Paulo Lalanda e Castro depois de ter liderado o júri do concurso do plasma ganho pela Octapharma.

Na Operação Marquês, in-quérito-crime em que Paulo Lalanda e Castro é arguido, o ex-administrador da Octaphar-ma foi apanhado em escutas com José Sócrates, quando o ex-primeiro-ministro era con-sultor da multinacional far-macêutica, em que o tema de conversa era Helena Lalanda e Castro. Num desses telefo-nemas, ocorrido em julho de 2014, Sócrates relata um en-

contro que teve com um ad-ministrador do INEM em que alegadamente discutiu a possi-bilidade de a irmã do adminis-trador da Octapharma regres-sar ao instituto para um lugar de diretora de departamento.

Helena Lalanda e Castro, de acordo com um currículo publicado em “Diário da Re-pública”, entrou para o INEM em fevereiro de 2004 como responsável do departamento de formação em emergência médica, chegando a acumular durante um ano e meio com a função de técnica superior no Banco Português do Atlântico (BPA), para onde entrara em 1987. Licenciada em Econo-mia, a irmã do ex-patrão de Sócrates foi diretora desse de-partamento de formação entre 2006 e 2009 e, mais tarde, a partir de 2010.

A 7 de outubro de 2014 foi-lhe concedida uma licença sem ven-cimento por um período de três anos. A partir dessa altura, He-

lena Lalanda e Castro passou a gerir uma empresa do irmão, a Dynamicspharma. José Sócra-tes foi contratado como consul-tor pela Dynamicspharma na primavera de 2014, passando a auferir um salário de 12.500 euros por mês, que se somou a um ordenado do mesmo valor que já recebia desde o início de 2013 pela Octapharma.

Depois de ter sido interro-gado pelo Ministério Público e por um juiz do Tribunal de Instrução de Lisboa, na quarta e na quinta-feira, no âmbito da Operação 0 Negativo, Paulo Lalanda e Castro viu-lhe ser decretada a prisão domiciliária, ficando obrigado a usar pul-seira eletrónica. O ex-adminis-trador da Octapharma, que se demitiu do cargo depois de ter sido detido na Alemanha em dezembro, está indiciado por corrupção ativa e branquea-mento de capitais.

Micael [email protected]

FRASES

“Foi-me dado um prazo de dez dias” [para reintegrar Helena Lalanda e Castro]PAULO CAMPOS Ex-presidente do INEM, à TVI

“Não exerci quaisquer pressões junto do ex-presidente do INEM para beneficiar dirigentes da Octapharma ou seus familiares”PAULO MACEDO Ex-ministro da Saúde, ao “Correio da Manhã”

Cristina Figueiredo

Quais são os três ministros cuja atuação avaliou mais positiva-mente em 2016? A pergunta foi dirigida aos inquiridos do barómetro mensal da Euro-sondagem para o Expresso e SIC e as respostas trouxeram algumas surpresas. Vieira da Silva é o governante mais ci-tado — por um terço exato dos portugueses (33,3%) —, pro-vavelmente devido ao prota-gonismo que teve nas últimas semanas, enquanto negociava um acordo com patrões e UGT que permitiu o aumento do sa-lário mínimo nacional para 567 euros. O ministro do Traba-lho e Segurança Social colheu apenas os frutos do desfecho positivo da negociação, uma vez que o trabalho de campo se realizou ainda antes de esta-lar a controvérsia em torno da baixa da Taxa Social Única e de ganhar peso a possibilidade de o acordo de concertação social poder estar em causa (ver pági-nas anteriores).

No pódio dos “melhores” surge, em segundo lugar, o ministro das Finanças — que, normalmente, não costuma ser dos governantes mais “queri-dos”. A atuação de Mário Cen-

Vieira da Silva é o ministro favorito dos portugueses

SONDAGEM

O protagonismo do ministro do Trabalho no acordo para o salário mínimo rendeu-lhe frutos

teno sai beneficiada aos olhos dos portugueses que parecem valorizar o facto de o Gover-no ter conseguido cumprir as metas definidas para o défice em 2016, ao mesmo tempo que prometeu devolver o remanes-cente da sobretaxa e aumentar as pensões. Em terceiro, menos surpreendente porque é uma pasta que se sai habitualmente bem nas avaliações, os inquiri-dos referem o ministro dos Ne-gócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.

No extremo oposto, ou seja, como o avaliado mais negativa-mente pelos inquiridos, surge o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral. A medalha de prata cabe ao responsável pela Cultura, Luís Filipe Castro Mendes (em funções há menos

de um ano, quando substituiu João Soares, depois de este ter apresentado a demissão). O terceiro mais citado é o minis-tro da Educação, Tiago Bran-dão Rodrigues.

No barómetro quis-se saber também se os portugueses fi-caram satisfeitos com o acor-do entre Governo, patronato e UGT para o aumento do salário mínimo para 567 euros (medi-da que já entrou em vigor a 1 de janeiro). A esmagadora maio-ria (69%) considerou positiva a celebração do acordo, ao passo que 20,8% não o achavam ne-cessário.

No mesmo estudo de opinião, a maioria dos portugueses é favorável à nacionalização do Novo Banco... se tiver de ser. No estudo de opinião de janei-ro da Eurosondagem para o Expresso e a SIC perguntou--se o que deve o Governo fazer caso não surja uma proposta de compra lucrativa para o antigo BES. A resposta foi inequívoca: 52,5% dos inquiridos enten-dem que se deve avançar para a nacionalização, contra 28,5% que defendem que, nesse caso, o banco deveria ser liquidado. Que o assunto não é simples demonstra-o o facto de 19% não saberem o que responder.

[email protected]

Os inquiridos também aplaudem o ministro das Finanças. Que não costuma ser dos mais queridos nestes inquéritos

33,3%

-19,3%

-26,1%

-36,4%

VIEIRA DA SILVA (Ministro da Segurança Social)

TIAGO BRANDÃO RODRIGUES (Ministro da Educação)

MÁRIO CENTENO (Ministro das Finanças)

LUÍS FILIPE CASTRO MENDES (Ministro da Cultura)

AUGUSTO SANTOS SILVA (Ministro dos Neg. Estrangeiros)

MANUEL CALDEIRA CABRAL (Ministro da Economia)

27,8%

20,5%

Ministros com avaliação positiva...

... e com avaliação negativa

OUTROS 18,4

OUTROS 18,2

VER FICHA TÉCNICA NA PÁGINA 17

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 09 PRIMEIRO CADERNO

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Expresso, 14 de janeiro de 201710 PRIMEIRO CADERNO

Filho de ‘Freedom Fighter’ interessado em armamento português

Manohar Parrikar é filho de um ‘Freedom Fighter’, movimento que lutava contra o colonialismo português, e teve familiares deportados para Angola. Mais tarde chegou a minister-chief do Estado de Goa. E hoje é ministro da Defesa e... um grande amigo de Portugal. Esse passado não perturbou as relações bilaterais e, segundo a comunicação social indiana, o acordo assinado esta semana com o ministro Azeredo Lopes foi o mais importante das seis declarações. O interesse da Índia reside fundamentalmente em equipamentos de duplo uso, civil e militar como as comunicações navais e os drones. No acordo assinado, ficou expresso o convite de Modi para parcerias com a indústria de defesa portuguesa e transferência de tecnologia. “Índia e Portugal acordam na Defesa e assinam outros pactos para reforçar os laços bilaterais”, titulava o jornal “Live Mint”, subaternizando as outras áreas de cooperação.

O novo caminho para a Índia

Texto Helena Pereira enviada a Panjim, Goa

Fotos Tiago Petinga/Lusa

Razão e coração. Foi nesta dualidade que foi preparada a visita de António Costa à Índia e foi também a razão e o coração que a tornou polémica, com a morte de Mário Soares e a decisão do

primeiro-ministro de não interrom-per a viagem, suscitando dúvidas em Lisboa e também na Índia.

“Ligaram-me logo jornalistas, olhe, do ‘Times of India’, a perguntar se a viagem do primeiro-ministro iria ser cancelada. Eu até pensei que podia ser”, conta Maria de Lurdes Costa, enquanto aguardava pelo fim de uma audiência da governadora do estado de Goa, no bonito edifício frente ao mar que já foi um convento fran-ciscano, para fazer a visita guiada ao convidado especial. Trata-se de António Costa, o primeiro-ministro português que ali, em Goa, cumpria a etapa final do seu programa de seis dias a vender Portugal à Índia, a convencer os indianos que, com o ‘Brexit’, Portugal pode ser a nova porta de entrada na União Europeia.

As raízes goesas, que mais nenhum

chefe de Governo na Europa tem, foram um forte trunfo de Costa num gigantesco país que cresce 8% ao ano. Não só o primeiro-ministro Narendra Modi não o largou durante os primei-ros quatro dias, mais virados para a parte empresarial, como Costa apelou ao sentimento, repetindo o quanto se orgulhava de ter recebido o prémio do Pravasi Bharatiya Divas, a diáspo-ra indiana, o que significava voltar à terra do pai, as boas recordações que tinha do “cheiro dos cigarros Viddis” ou do “sabor do sarapatel”. O babush voltou a ser babush em Goa, rece-beu o fato tradicional do estado de Karnataka, foi recebido por centenas de pessoas que falam português em Panjim, ouviu um grupo de crianças cantar o hino da seleção portuguesa de futebol em Margão frente à casa onde o pai viveu, teve direito a banda no bairro das Fontainhas. “Da última vez que aqui vim, este bairro estava mais degradado. Agora está muito bonito”, elogiava o primeiro-ministro enquanto recebia desejos de “saúde e felicidade” e ouvia “viva Portugal”. Foi uma festa, parecia campanha elei-toral, o Modi que se cuide, comenta-vam os jornalistas indianos perante tal acolhimento.

À chegada a Goa, Costa hesitava entre exteriorizar demasiado a ale-gria — Portugal estava em luto pela morte de Mário Soares — ou manter

o ar fleumático. Para os portugueses, a 11.600 km de distância, a hora dos afetos que fazia sentido não era a de Costa mas, sim, a de Soares. O gabi-nete do primeiro-ministro sabia disso e resolveu então fazer alterações à agenda para que os momentos mais informais passassem para quinta-fei-ra, dia em que Portugal já tinha ter-minado o luto de três dias, decretado pelo próprio Governo. E foi assim que houve rua pela primeira vez na visita.

O primeiro-ministro emocionou-se, abraçou familiares, quase todas as pessoas que o interpelavam falavam em português. “Nunca um goês che-gou tão longe”, incentivavam. “Há limites para a desumanização do pri-meiro-ministro”, diria, confessando

estar feliz, o homem que dois dias antes justificara o não regresso apres-sado a Lisboa com um “o primeiro--ministro faz o que deve fazer” mas o “amigo gostaria de ter estado na homenagem” a Soares.

Costa não queria desperdiçar a oportunidade preparada há meses para encontros ao mais alto nível po-lítico na Índia e com empresários. Tal como reconheceu, foi um abrir de portas destrancadas em 1974 mas que nunca foram verdadeiramente abertas. E, além da parte afetiva, le-vava uma lista de argumentos mais racionais: Portugal nunca sairá da União Europeia, acolhe bem os indi-anos que ali vivem, vai atribuir vistos aos jovens empreendedores indianos. “Tudo ajuda a crescer”, reconheceria perante uma plateia de empresários em Nova Deli.

Daí também que, consciente que Mário Soares poderia morrer en-quanto estivesse fora, a sua decisão ponderada em Lisboa antes de partir foi a de que não poderia interromper a parte mais protocolar da viagem. Modi tinha-lhe atribuído estatuto de visita de Estado, a que nem a primei-ra-ministra britânica, Theresa May, teve direito em novembro, e iria dar (como deu) ao longo de quatro dias a bênção perante as principais em-presas do país. Costa levava na mala, por isso, uma gravata preta e usou-a

Afetos Costa foi o primeiro chefe de Governo português na Índia e foi recebido como o filho que regressa a casa

AS RAÍZES GOESAS, QUE MAIS NENHUM PM NA EUROPA TEM, FORAM UM FORTE TRUNFO DE COSTA NUM PAÍS QUE CRESCE 8% AO ANO

VIAGEM DE ESTAD O

a partir de então — foi o único, os outros ministros (Defesa, Cultura ou Economia) não foram tão precavidos.

Durante os seis dias de viagem num país onde ainda existem muitas bar-reiras protecionistas, a maior parte do tempo foi dedicada a contactos em-presariais em Nova Deli, Bangalore e Ahmedabad e o Governo português assinou seis acordos de cooperação nas áreas de Defesa, recursos mari-nhos, energias renováveis, tecnologi-as de informação, agricultura e vistos.

Com Modi, estabeleceu uma relação estreita e até lhe ofereceu uma T-shirt de Cristiano Ronaldo. “Não és um estranho para a Índia, nem a Índia é desconhecida para ti”, disse-lhe o primeiro-ministro pessoalmente e também na conta oficial de Twitter.

Mas Costa, que foi assim o primeiro chefe de Governo português a visitar Goa desde 1961, não quis ao mes-mo tempo alimentar quaisquer sau-dosismos, não deu muito espaço às conversas das pessoas que o interpe-laram lembrando os tempos em que se aprendia português como língua principal. Preferia olhar para o futu-ro. “A história aconteceu, está acon-tecida, preserve-se o património”, disse, na cerimónia de atribuição a título póstumo de uma medalha de mérito cultural ao historiador Paulo Varela Gomes.

[email protected]

Momentos da visita de Estado de cinco dias à Índia: António Costa com crianças no Bairro das Fontainhas, em Goa; com o primeiro-ministro indiano, em Nova Deli; com a tia e as primas, à porta da casa da família, em Margão; em Bangalore, vestido com o traje típico do Estado de Karnataka

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 11 PRIMEIRO CADERNO

É o primeiro resultado concreto da viagem de Costa à Índia e pode resultar na criação de 200 postos de trabalho

O primeiro negócio: farmacêutica constrói fábrica

Para mostrar que a visita teve frutos, o Governo deverá anun-ciar em breve um investimento grande de uma farmacêutica indiana em Portugal que está interessada em construir de raiz uma fábrica (previsivel-mente na zona Centro do país) para produção destinada uni-camente à exportação para o mercado europeu e mais tarde África, confirmou o Expresso. Os valores deverão ser eleva-dos, uma vez que se trata de um investimento em várias fa-ses que poderá levar à criação

até de 200 postos de trabalho.Esta aposta em Portugal de-

ve-se a trabalhos discretos e contactos entre o Governo por-tuguês e empresários indianos que duram há vários meses, mas terá o significado especi-al de poder vir a ser a primei-ra anunciada depois da visita de Estado de António Costa à Índia. Poderá tratar-se da Ca-dila-Pharma, cujo CEO, Rajiv Modi, participou na reunião que o primeiro-ministro por-tuguês teve esta semana em Bangalore com uma série de empresários.

O maior cliente da Cadila são os EUA e, por sinal, esta sema-na, na primeira conferência de imprensa que deu depois de ter ganho as eleições presidenciais,

Donald Trump assestou bate-rias contra as farmacêuticas estrangeiras, avisando: “Temos de recuperar a nossa indústria farmacêutica novamente.” Se assim for, é natural que as em-presas que estão muito depen-dentes dos EUA comecem a explorar outros mercados.

A confirmar-se, este investi-mento em Portugal sucede ao

INVESTIMENTO

recente anúncio de compra da farmacêutica Generis por uma empresa indiana, a Aurobin-do Pharma, por 135 milhões de euros. A grande diferença é que agora será um investimen-to de raiz e não a compra de uma empresa ou unidades que já existem.

Tal como António Costa refe-riu na visita à Índia, as relações comerciais entre os dois países que se conhecem há 500 anos são “incipientes” e a vontade do Governo é mudar isso rapi-damente. No ano passado, as exportações de Portugal para a Índia não ultrapassaram os 75,8 milhões de euros, sendo que o valor que Portugal importa da-quele país é 5,6 vezes superior a estas exportações. H.P.

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“A Índia olha para Portugal como porta para a Europa”

Helena Pereira

O ministro da Economia acompanhou António Costa na viagem à Índia e revelou-se otimista quanto ao futuro das relações entre os dois países.

P Quais as oportunidades mais realistas para Portugal na Índia?

R Várias, algumas até em que já está a haver concretização, como na indústria farmacêuti-ca. Já houve um investimento [compra da Generis] que re-sultou de contactos prévios a esta visita e de encontros que houve com empresários indi-anos em Portugal. Há outra empresa que vai entrar com um investimento de raiz e que vai ter várias fases, vai ser mui-to importante. Vai produzir em mercado português para o mercado europeu e possivel-mente África. É interessante porque é uma empresa que quer produzir em Portugal apenas para exportação. Mas há também a área da Defesa, dos componentes automóveis. Na área do turismo, houve in-teresse por parte de agências imobiliárias de luxo e houve uma proposta concreta para pacotes turísticos para a cres-cente classe média. Fizemos ainda um protocolo para a for-mação de jovens indianos nas nossas escolas de turismo. Na área das startups, vamos ter o visto para profissionais alta-mente qualificados. Para tudo isto, foi importante o contacto muito forte com o primeiro--ministro indiano que acompa-nhou António Costa em Nova Deli, Bangalore e Gujarat.

P Este novo apoio político pode ajudar a novos negócios?

R O apoio do Governo é vis-to pelos empresários indianos como um sinal de confiança em Portugal. E a Índia está a olhar para a forma como cons-truiu a sua relação com a Eu-ropa e a pensar em diversificar os pontos de entrada na UE. O PM português ter sido re-

cebido como foi por todas as autoridades, passou de uma forma muito clara na Índia e com destaque muito grande nos jornais. Esta ponte que po-demos ser para os países afri-canos e a América do Sul e esta porta de entrada na Europa é interessante. A presença de António Costa na convenção da diáspora também foi mui-to importante porque estavam ali muitos CEO indianos de grandes empresas dos EUA ou do Reino Unido e eles per-ceberam que Portugal acolhe bem os indianos, fez com que a mensagem passasse para lá das fronteiras da Índia.

P O eventual cancelamento da visita, na sequência da morte de Mário Soares, seria mal in-terpretado pelas autoridades indianas?

R Não quero entrar nesse gé-nero de polémica. Havia de facto uma agenda já prepara-da com o primeiro-ministro da Índia e um conjunto de empre-sários que era complicado can-celar. Fizeram-se opções. Teria de se cancelar a viagem quase toda. Mas foi difícil para todos nós. Todos gostaríamos de ter estado presentes para uma úl-tima homenagem ao doutor Mário Soares.

P Ainda pode vir a recolher frutos deste investimento po-lítico na Índia no seu mandato?

R Trabalho para fazer o me-lhor possível. Se esse trabalho se traduzir num investimento em 2018, 2019 ou a seguir, não me motiva menos. Demorámos demasiado tempo a começar a trabalhar [com a Índia] e as primeiras concretizações são importantes porque vão dar o exemplo. A Índia é um país de grandes oportunidades.

P A Índia pode ajudar Portugal a ultrapassar a meta dos 1,5% do PIB em 2017?

R Portugal teve em 2016 in-vestimentos de muitos países, como a Tailândia, China ou Es-panha. O que é importante é trabalhar estes investimentos. Com a Índia poderá haver efei-tos já em 2017, porque tem o desejo de concretização rápida o que é entusiasmante.

P Como avalia a forma como os indianos olham para Portu-gal? A questão colonial ainda é falada?

R O entendimento que têm so-bre Portugal é que é um país aberto e que acolhe bem a comunidade indiana. Senti o reconhecimento disso numa al-tura em que se anda a construir muros e a pôr barreiras e a ques-tionar o movimento de pessoas.

[email protected]

Caldeira Cabral Ministro da Economia

ENTREVISTA

“ERA COMPLICADO CANCELAR A AGENDA COM O PM INDIANO E COM OS EMPRESÁRIOS. MAS FOI UMA DECISÃO DIFÍCIL”

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Expresso, 14 de janeiro de 201712 PRIMEIRO CADERNO

Durão e Portas ausentes

Durão Barroso e Paulo Portas não marcaram presença no funeral de Soares. O ex-primeiro-ministro e ex-comissário europeu está a viver em Londres, onde tinha compromissos já assumidos para os dias das cerimónias fúnebres do ex-Presidente da República. Mas, segundo disse ao Expresso fonte do seu gabinete, explicou o motivo da ausência nas mensagens pessoais de condolências que enviou a João Soares (e, através dele, à família) e ao primeiro-ministro António Costa (e, através dele, ao PS).Paulo Portas, ex-líder do CDS e ex-ministro, também não compareceu, por alegados impedimentos pessoais. Num caso e no outro, trata-se de dois políticos que mantiveram relações frontais mas tensas com o ex-Presidente da República. Barroso protagonizou duros ataques a Mário Soares durante o cavaquismo, quando o confronto político entre o então PR e o Governo de Cavaco, que Durão integrou, roçou o conflito institucional. E Paulo Portas, apoiante de Freitas do Amaral contra Soares nas presidenciais de 1986 e muito crítico do ex-PR quando dirigiu “O Independente”, nunca foi próximo de Soares. Alberto João Jardim, histórico ex-presidente do governo da Madeira, também não compareceu. Â.S.

Texto Ângela Silva Fotos José Carlos

Carvalho

Quando Mário Soa-res foi internado a 13 de dezembro, o que havia sobre funerais de ex-Presidentes da República era um estudo no âmbito do protocolo de Estado que Marcelo Rebelo

de Sousa tinha encomendado em abril. Marcelo foi sensível à necessidade de se começar a definir o que seria um funeral de ex-chefes de Estado, até porque outro estudo, encomendado por Cavaco Silva, era sobre funerais de Presidentes em funções. Mas os documentos existentes eram genéricos e perante o estado crítico de Soares as campainhas tocaram. Era preciso começar a decidir pormenores.

Uma primeira reunião ocorreu pou-cos dias após o internamento do ex--chefe de Estado, com José Manuel dos Santos, histórico colaborador de Soares, em nome da família, ao lado de representantes dos três órgãos de soberania, do protocolo de Estado, da Câmara de Lisboa e das forças de segurança. A primeira decisão esta-

Atribulações do 1º funeral de Estado pós-25 de Abril

MÁRIO SOARES

Na ausência de um modelo, houve ideias para todos os gostos. Marcelo pôs-se ao telefone para trazer reis e Presidentes. O protocolo tremeu

va fechada — Soares teria um funeral de Estado (o último tinha sido o de Salazar). E o Governo faria na altura própria o decreto necessário para o efeito. Faltava escolher o local onde iriam decorrer as cerimónias fúnebres que, não sendo Mário Soares católico, não teriam a solenidade das cerimónias religiosas mas não deviam ficar em desigualdade de circunstâncias. Teria de ser um local forte e solene. E surgi-ram duas hipóteses: a Assembleia da República e o Mosteiro dos Jerónimos.

A escolha não foi simples nem imedia-ta. A Assembleia parecia o local óbvio para um republicano laico, ex-deputa-do e histórico defensor da democracia representativa. E chegou a haver um primeiro guião para o local. José Ma-nuel dos Santos esteve lá e conta que até idealizou convidar Rui Veloso para can-tar o rock da liberdade — “Para nós, só há a liberdade. Dizer sim ou dizer não” — que foi hino na primeira campanha presidencial de Soares. Mas surgiram problemas. O Salão Nobre era pequeno, o Senado, mesmo com ecrãs, não ofe-recia condições ideais, a circulação de carros era difícil, e não tendo Ramalho Eanes nem Cavaco Silva sido deputados alguém achou melhor caminhar para uma solução mais geral.

O primeiro-ministro sempre preferiu os Jerónimos, que, tendo um cariz me-nos político, tinham, no caso de Soares, a chama da adesão de Portugal à CEE. No dia 23, num almoço com Marcelo Rebelo de Sousa e Ferro Rodrigues, António Costa convence-os de que a melhor solução são os Jerónimos e a decisão ficou fechada, deixando para trás o Museu dos Coches, a Cordoaria Nacional, e os Palácios de Belém ou da Ajuda, que chegaram a entrar nas inúmeras conversas preparatórias.

Escolhido o Mosteiro, nada foi fácil. Entre o Natal e o Ano Novo choveu copiosamente e sendo os claustros a céu aberto temeu-se o pior. Estudou-se uma cobertura amovível e foram feitas prospeções de mercado, mas demorava dias. No fundo, não havia uma solução

boa ou evidente e essa é a primeira conclusão a tirar: falta um decreto a definir de vez as regras sobre funerais de Estado e um local adequado.

O percurso que o cortejo fúnebre faria pela cidade foi traçado nas cinco reuniões (e inúmeros telefonemas) que marcaram estes dias. Houve visitas preparatórias aos diversos locais (só ao cemitério dos Prazeres foram três). E, no sábado, quando Mário Soares morreu, foi (quase) só acelerar. Uma reunião de cinco horas acertou os por-menores e Marcelo, com António Cos-ta e o ministro dos Negócios Estran-geiros fora do país, pôs-se ao telefone a mover diligências para assegurar presenças internacionais. Falou com o rei de Espanha, que lhe telefonou a dizer que queria enviar uma represen-tação adequada. Marcelo não hesitou: sugeriu-lhe que viesse ele próprio (se o

Presidente do Brasil vinha era bom ter uma alta entidade europeia). Depois, ligou ao rei de Marrocos, que enviou o irmão, e ao Presidente de Cabo Ver-de (era preciso que os PALOP não se ficassem pelo Brasil). O PS tratou da família socialista.

Marcelo recebeu todos em Belém e o protocolo, assoberbado e a viver uma estreia, não chegou a tudo. À hora do almoço, antes das cerimónias começa-rem, Belém teve de improvisar croque-tes. Foi preciso convencer o pároco dos Jerónimos a deixar que a igreja fosse local de passagem das altas entidades que, por razões de segurança, não de-viam misturar-se com o povo. A sala de credenciação dos jornalistas foi mon-tada na sacristia. E, minutos antes de tudo começar, ninguém sabia dos auri-culares para as cabinas de tradução. Os tradutores vieram de emergência do PS. E para as longas horas do velório, ninguém tinha previsto nem catering nem casas de banho para a família. Na sessão solene, entre autarcas e artistas, fartaram-se de entrar não-convidados. E, no fim da sessão, havia entidades estrangeiras à porta dos Jerónimos (Schulz que o diga) sem transporte. As bandeiras nacionais não escaparam. Inspirados no funeral de Reagan, pu-seram uma cinta à volta das bandeiras que cobriam a urna, para não voarem. Mas, sendo compridas, uma rasgou-se. A substituta vinha errada (os castelos não tinham porta).

Nas ruas, o povo não esmagou. Res-ponsáveis pela organização reconhe-cem que o percurso foi muito exten-so: sete quilómetros. Mas destacam o imparável desfile de pessoas que se quiseram despedir de Soares. Marcelo Rebelo de Sousa esteve lá e fez contas: 12 pessoas por minuto, 720 por hora, 7200 em 10 horas. Órgãos de sobera-nia e família, articulados, gostaram do que viram. Quem viu muito de perto diz que “não se imagina o grau de im-proviso e da graça de Deus”.

com Cristina [email protected]

Antes dos Jerónimos, pensaram na AR. Rui Veloso podia cantar o rock da liberdade. Costa foi decisivo na escolha final

Marcelo foi aos Jerónimos e ficou impressionado com a fila constante no adeus a Mário Soares. O PR fez contas: “12 pessoas por minuto, 720 por hora, 7200 em 10 horas”

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 13 PRIMEIRO CADERNO

Nem banho de multidão, nem subida de audiências

A morte de Soares originou 15 mil notícias e 230 horas de emissão. Mas o público não ligou. As críticas choveram na internet

Ao longo de quatro dias de emis-sões e de diretos em todos os meios de informação foram pro-duzidas 15 mil notícias e emitidas 230 horas de rádio e televisão sobre a morte de Mário Soares. Apesar disso, da produção de in-formação a um ritmo de 2,6 no-tícias por minuto, os barómetros das audiências não mexeram. A despedida do antigo Presidente da República e fundador do PS não teve o impacto mediático esperado e só mesmo a CMTV li-derou as tabelas. Nem por acaso, preferiu substituir a cobertura das exéquias pela reportagem do regresso a casa de uma mulher vítima de violência doméstica e pela cobertura da viagem da equipa do Benfica a Guimarães.

Sinais dos tempos, ou do desgaste da imagem de Mário Soares, o certo é que, também nas ruas, a passagem do cortejo fúnebre não provocou qualquer banho de multidão. Nas redes sociais, pelo contrário, multi-plicavam-se os posts de críticas abertas à carreira política do an-tigo Presidente e à forma como decorreram as cerimónias do fu-neral de Estado. “Foram quase patéticos os apelos do Governo e da comunicação social para que multidões acorressem às ruas para acompanhar o funeral de Mário Soares. Mas as ruas não se encheram”, dizia um in-ternauta. Comparavam-se com outros funerais, de Sá Carneiro a Amália, passando por Eusébio ou Álvaro Cunhal para mostrar a desvantagem da despedida de Soares. “Chegou o momento de o mundo oficial — governantes, meios de comunicação e altas fi-guras do Estado retirarem uma lição: o mundo imaginário em que vivem é como um estádio de futebol, onde as equipas estão em campo, os jornalistas insis-tem nas suas estridências publi-citárias, mas as bancadas estão praticamente vazias”, concluía o mesmo internauta.

Energúmenos?

A chuva de críticas nas redes sociais foi imediata, como tudo o que se passa no mundo da internet. Ao ponto de o comen-tador Miguel Sousa Tavares vir rapidamente a público denun-ciar os “energúmenos” que zurziam online sobre o antigo Presidente português, e a quem recomendava a leitura do que na imprensa estrangeira foi surgindo sobre Mário Soares.

Algumas vozes mais exaltadas clamavam contra “o tal que en-terrou duas vezes Portugal no FMI em 1977 e 1983 como pri-meiro-ministro”, que “recebeu 1,33 milhões de euros do Estado“ ou que “apanhado a 199 km/hora num carro registado em nome da Direção-Geral do Tesouro e das Finanças em deslocação pessoal respondeu: ‘O Estado vai pagar a multa’”. O tom habitual-mente cortês com que se tratam os mortos não passou pelas redes sociais. “O crime fez sempre par-te da índole deste infame socio-pata desprovido de consciência moral”, dizia um blogue.

A direita atirou-se à desco-lonização e ao caso do fax de Macau. Mas, da esquerda, tam-bém surgiram vozes amargas contra Soares. Os comunistas não esquecem e o histórico diri-gente Carlos Costa foi dos mais rápidos a puxar do teclado para denunciar os “vergonhosos no-ticiários, reportagens e home-nagens a Mário Soares”. “Para já fico-me a rir, e como é meu e mau hábito, vou fumar um ci-garro”, conclui.

Na mesma linha, o blogue “odiario.info”, dirigido por Mi-guel Urbano Rodrigues, veio logo sublinhar como “os elogios fúnebres não podem reescrever a história”, lembrando que de toda a longa vida política de Má-rio Soares “há um facto que para o nosso povo e o nosso país é mais relevante do que qualquer outro. Se o 25 de Abril de 1974 constitui o mais importante acontecimento da nossa histó-ria até hoje, Mário Soares deve ser recordado como um dos seus mais destacados e encarniçados

adversários”. “O seu lugar na história é, no fundamental, o de alguém que combateu tenaz-mente pela liquidação da espe-rança de abril. De alguém cuja ação abriu caminho e deu início às políticas que conduziram Por-tugal à penosa situação atual”, conclui o editorial online.

Voto de pesar à medida

A posição oficial comunista foi mais suave, mas nem por isso menos clara. João Oliveira, o lí-der parlamentar do PCP subiu à bancada para a sessão solene de homenagem a Mário Soares, assumindo que “seria hipocrisia política esconder“ as divergênci-as que marcaram as relações en-tre os comunistas e o fundador do PS. “O PCP divergiu profun-damente de Mário Soares pelo papel destacado que este assu-miu no combate ao rumo eman-cipador da Revolução de Abril e a muitas das suas conquistas, incluindo a soberania nacional”. “Ninguém se surpreenderá hoje que não partilhemos o elogio daquilo que marcou as nossas divergências”, disse.

Margarida Botelho, do comité central do PCP, voltou na última edição do “Avante!” ao tema, considerando que a morte de Mário Soares deu azo a uma “operação que pretende fixar uma determinada versão da his-tória e reescrever factos da his-tória recente, como o processo revolucionário iniciado a 25 de Abril, a descolonização — atri-buindo a Soares uma coerência que efetivamente não teve — ou a adesão de Portugal à então CEE, com consequências pro-fundamente negativas”, escreve. “É verdade que Mário Soares comprometeu o desenvolvi-mento do rumo progressista da Revolução de Abril”, conclui a dirigente comunista.

A tensão entre PCP e Soares era sobejamente conhecida e, na hora de elaborar o texto do voto de pesar a submeter à votação parlamentar, o presidente da As-sembleia da República redobrou os cuidados. Ferro Rodrigues redigiu um voto que pudesse ser aceite pela bancada comunista. E conseguiu. O voto de pesar reuniu a unanimidade de depu-tados. A bancada comunista só se destacou por não ter batido palmas no final da votação. Em 2005, foi o PCP a redigir o voto de pesar sobre a morte de Álvaro Cunhal. PSD, CDS e o deputado socialista Ricardo Gonçalves só votaram o texto mínimo, a parte das exclusivas condolências à família e ao partido. Tudo o resto só lhes mereceu a abstenção.

Rosa Pedroso [email protected]

O armão com a urna de Mário Soares percorreu 7,5 km, com pouco público FOTO LUÍS BARRA

O voto de pesar foi rescrito para não ferir suscetibilidades no PCP. Comunistas votaram, mas não aplaudiram. Na altura de Cunhal, PSD, CDS e um deputado do PS abstiveram-se

Atribulações do 1º funeral de Estado pós-25 de Abril

MÁRIO SOARES

Os claustros dos Jerónimos funcionaram, porque não choveu. Mas ponderou-se uma cobertura

amovível. Marcelo trouxe o rei de Espanha. E ofereceu croquetes

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Expresso, 14 de janeiro de 201714 PRIMEIRO CADERNO

PATRIMÓNIO SO CIALISTA

Raquel Albuquerque e Rosa Pedroso Lima

O tribunal ordenou a penhora de mais de €50 mil das contas do Partido Socialis-ta em novembro do ano passado. Em causa está uma dí-vida acumulada em rendas de um prédio

na Rua de São Marçal (bem perto da Assembleia da República) que servia de base da secção do Bairro Alto do PS. Servia, mas “há mais de 15 anos que está abandonada”, diz António Masoni, um dos proprietários, que se queixa do “estado de degradação” em que se encontra o edifício, das sucessi-vas falhas de pagamento por parte do PS e da recusa em devolver o imóvel aos seus donos.

O prédio, de rés do chão e 1º andar, foi alugado no verão quente de 1975

Proprietário Socialistas têm 87 imóveis, terrenos ou frações. Mesmo assim pagam perto de meio milhão de euros em rendas. E têm processos por falta de pagamento

PS é o segundo maior proprietário entre os partidos. Mas a maioria do património é modesta

Contas do PS penhoradas por rendas em atraso

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GRANDE CONFERÊNCIA

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20 JAN 2017

Entrada livreinstitutoeuropeu.euInscrições: [email protected]

Organização

Salão Nobre da Reitoria da Universidade de LisboaInstituto Europeu | IDEFF | CIDEEFF

9:15Sessão de AberturaAntónio Cruz SerraEduardo Paz Ferreira9:30TrumpeconomicsJoão CravinhoCarlos Rodrigues Clotilde Celorico Palma Sandro Mendonça Maria Paula Fontoura Marco Capitão FerreiraNazaré Costa Cabral 11:30Uma nova época para as relações internacionais?Francisco Seixas da CostaSandra Monteiro Carlos Gaspar Cátia Miriam Costa Rui Cardoso

14:30Uma nova era de equilíbrios geoestratégicosNuno Severiano Teixeira General Luís AraújoAlmirante Melo GomesGeneral Carlos BrancoAna Santos Pinto

16:30Os anos TrumpIsabel MoreiraRicardo Paes MamedePedro Adão e SilvaPedro MagalhãesAntónio Carlos dos SantosInês Ferreira LeiteEduardo Paz Ferreira

Apoio

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 PRIMEIRO CADERNO 15

PATRIMÓNIO SO CIALISTA

e, até há bem pouco tempo, a renda pouco ultrapassava os €90 mensais. Em 2013, com a mudança da lei do arrendamento, os proprietários no-tificaram os socialistas para um au-mento da prestação mensal que, de acordo com a nova legislação (que, curiosamente o PS aprovou no par-lamento) passaria a ser de €1539,39. Estávamos em março de 2013 e o PS respondeu com uma contraproposta de uma renda de €1390, a pagar a partir de maio. O senhorio aceitou. Mas nunca essa quantia foi depo-sitada, continuando os socialistas a pagar religiosamente a renda de cerca de €90. E nada mais.

No final do ano passado, o senhorio recorreu a tribunal e alegou, entre outras coisas, o facto de o PS estar longe de ser um partido indigente, sem meios económicos para saldar as suas dívidas. Entre os vários docu-mentos apensos ao processo consta uma vasta lista de imóveis que o par-tido tem declarados junto do tribunal Constitucional. Ao todo, assume o PS, o partido é proprietário de 87 imóveis, terrenos ou frações. “Com um valor contabilístico de €6.944.980”, diz fonte oficial. O partido “não dispõe de nenhum imóvel de rendimento”, mas mesmo assim tem uma receita anual “inferior a €1500” de rendas de “partes de imóveis já habitados aquando da aquisição pelo PS” e onde permanecem inquilinos.

Com este quadro patrimonial, a jus-tiça deu razão ao senhorio e, desde novembro que mais de €50 mil foram retirados das contas dos socialistas e estão “à guarda do agente de execu-ção” até decisão final do processo que segue agora para a fase de devolução do prédio ao seus proprietários.

Senhorio e inquilino

O vasto património imobiliário do PS torna os socialistas o segundo maior proprietário dos partidos com assen-to parlamentar, logo a seguir ao PCP. No entanto, os imóveis não são sufici-entes para a atividade que o partido desenvolve e o PS “tem também 188 instalações arrendadas, onde funcio-nam muitas das suas sedes regionais ou locais”, diz fonte oficial do PS. “Em 2015 isso significou um encargo de €413.138,50, valor esse que se

calcula não terá sido muito diferente no exercício de 2016”, confirma a mesma fonte.

Nas contas apresentadas ao Tribunal Constitucional em 2012 (o ano com os dados oficiais mais recentes), o PS de-clarou aproximadamente 7,1 milhões em património imobiliário — €5,3 mi-lhões em edifícios e €1,8 milhões em terrenos, na sua maioria associados aos edifícios declarados. O património distribui-se por todo o país e todos os imóveis declarados à Entidade das Contas estão identificados como sec-ções ou federações do partido. Mas os valores são muito variáveis. Há casos como a secção no Laranjeiro, em Al-mada, com um valor que o partido aponta para €8 mil (o registo predial aponta para um valor patrimonial de €105 mil) ou a de Ermesinde a que o partido atribui um valor de €5 mil nos documentos entregues à Entidade das Contas e que no registo predial é apon-tado para €44 mil.

Segundo os dados do registo predial, há 14 imóveis com valor patrimonial acima de €100 mil, do qual se destaca a sede nacional, no Largo do Rato, o mais valioso do património imobiliário socialista. Vale €1,7 milhões, começou a ser adquirido em 1991 e, ao longo dos anos os socialistas foram adquirindo

várias parcelas do imenso palacete que domina o largo no centro de Lisboa. O segundo imóvel mais valioso do espólio do PS é o edifício da federação do Por-to, um prédio de quatro andares, cave e logradouro, comprado também em 1991 e avaliado em €924 mil.

As compras de património imobiliá-rio não pararam nos anos 90 e já em 2007, o PS comprou dois andares no centro do Funchal, na Rua da Alfân-dega, cujo valor ascende a €822 mil. E, em, 2015, comprou quatro frações do Edifício Aviz, na Avenida Fontes Perei-ra de Melo, em Lisboa, com um valor patrimonial de €367 mil. Explica o PS, que os andares foram adquiridos para neles “funcionar a FAUL — Federação da Área Urbana de Lisboa do Partido Socialista, o que de facto acontece”.

Sem condições de habitabilidade

A lista é vasta, mas o certo é que a grande maioria dos edifícios que o PS detém é modesta e, sobretudo, em degradado estado de conservação. Em Aveiro, por exemplo, os socialis-tas compraram, em 2004, uma pe-quena casa de “rés do chão, andar e sótão, destinado a quartel da Guarda Fiscal”, conforme consta do registo predial. Avaliada em €348 mil, está situada numa das zonas mais nobres da cidade, frente a um braço da ria de Aveiro. Mas, na verdade, o prédio caiu e está entaipado à espera de melhores dias. Outro exemplo é o da correnteza de quatro casas que o partido detém numa rua da Cova da Piedade e onde se instalou a secção de Almada do PS. Compradas em 1983, foram sofrendo o desgaste do tempo e, apesar de continuarem a ser usadas, o registo predial não tem dúvidas: “Prédios não licenciados, em condições muito deficientes de habitabilidade”, afirma.

Os exemplos sucedem-se com imó-veis de valor patrimonial abaixo de €5 mil. Em Elvas, o PS tem duas casas re-gistadas também como tendo “condi-ções muito deficientes de habitabilida-de”, o mesmo se repetindo no Sabugal ou em Manique do Intendente, onde o partido tem umas “arrecadações e arrumos, sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independen-te”, cujo valor se limita aos €2770.

[email protected]

EM 2004, O PS COMPROU UMA PEQUENA CASA EM AVEIRO DESTINADA A QUARTEL DA GUARDA FISCAL. ESTÁ AVALIADA EM €348 MIL MAS, ENTRETANTO, RUIU

Os únicos casos de imobiliário sem atividade partidária são as “partes de imóveis” já habitadas quando o PS os comprou

Socialistas isentos de IMI sobre património de €7 milhões

Os 87 imóveis, terrenos e fra-ções de que os socialistas são proprietários “estão afetos à atividade partidária” e, por isso, isentos do pagamento de IMI. O benefício fiscal atribuí-do por lei aos partidos políticos permite que o PS não tenha liquidado IMI no último ano sobre o seu património esti-mado em €7 milhões, segundo confirmou ao Expresso fonte oficial do partido.

“Os imóveis de que o PS é proprietário são destinados e estão afetos à atividade parti-dária”, assegura o partido. Em causa está a sede nacional, a Juventude Socialista, as fede-rações distritais, as concelhias e as várias secções locais dis-tribuídas por todo o país, de Bragança a Silves. Da lista de património fazem parte terre-nos, “a aguardar alienação”, depois de terem sido demolidos os edifícios que se localizavam nesses espaços, como é o caso da Rua Barbosa de Magalhães em Aveiro.

As únicas exceções à utiliza-ção partidária “são partes de imóveis” que já eram habitados quando o PS os comprou, re-presentando uma receita anual “inferior a €1500”. Esse valor é agora mais baixo do que o apresentado ao Tribunal Cons-titucional nas contas anuais do partido em 2012 (o ano com os dados oficiais mais recentes). Nesse ano, o PS recebeu um total de €5.826,64 em rendas,

segundo a informação consul-tada pelo Expresso.

Nas contas de 2012 apresen-tadas ao TC, os socialistas de-clararam então €7,1 milhões em património, somando o va-lor de 80 imóveis. Ao comparar a lista de património entregue junto do TC com a que o par-tido apresentou à Autoridade Tributária, a Entidade das Con-tas e Financiamentos Políticos (ECFP) concluiu que alguns imóveis não constam na lista da AT, segundo o relatório final.

Um exemplo é a secção de Rio Tinto, no Porto, sobre a qual existe uma ação em tribunal, “interposta pelos herdeiros do antigo proprietário do imóvel”, com quem o partido celebrou um contrato promessa há 20 anos. “Trata-se de uma ação de reivindicação do direito de pro-priedade”, lê-se no documen-to. Outro caso é o da secção de Silves, cuja utilização decorre de um “acordo de cavalheiros” com cerca de 100 pessoas. O partido não tem documentação sobre o imóvel e aguarda que sejam recolhidas as assinatu-ras de todos numa procuração para regularizar a situação e saber-se “qual a parte do imóvel que caberá ao partido”. Porém, “não tem sido possível”.

A isenção de IMI dos edi-fícios com fins partidários é um dos benefícios fiscais dos partidos, ao abrigo da lei de financiamento. O fim desta isenção esteve em discussão no Parlamento no final do ano passado, mas acabou por ser chumbada com os votos contra do PS e PCP, os votos favorá-veis do BE e CDS e a abstenção do PSD. R.A. e R.P.L.

1 Cova da Piedade. O PS tem quatro casas na mesma rua, mas sem condições de habita-bilidade. Mesmo assim é lá que está instalada a secção de Almada e o valor patrimonial

atribuído é de €94 mil; 2 Rato. O palácio é a joia da coroa do partido e vale €1,7 milhões; 3 Praça das Flores, Lisboa. Há mais de 15 anos que o PS não usa as instalações que alugou

para a secção do Bairro Alto. Um diferendo com o senhorio já levou à penhora de contas do partido; 4 Aveiro. O prédio comprado em 2004 no centro da

cidade acabou por ruir, mas mesmo assim está avaliado em €348 mil; 5 Porto. É o segundo imóvel mais caro dos socialistas onde atual-

mente funciona a federação distrital. Tem um valor patrimonial de €924 mil

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Expresso, 14 de janeiro de 201716 PRIMEIRO CADERNO

“Com ou sem cartão sempre fui do PS”A última entrevista de Guilherme Pinto, presidente da Câmara de Matosinhos, dois dias antes da morte, ao Expresso

Natural de Matosinhos, filho de uma família humilde, licen-ciou-se em Direito, em Coim-bra, foi professor e advogado, mas não hesitou em responder que ser autarca foi o que mais gostou de fazer: “Trabalhar próximo da população, planear e executar obras e práticas que ajudassem a melhorar a vida das pessoas, foi de longe o que mais me realizou”, lembrou. Bem-humorado e lutador até ao fim, confidenciou que teve uma vida cheia, “sem lamentos

quando tiver de me despedir”.Eleito presidente da Câmara

de Matosinhos em 2005, cum-priu dois mandatos apoiado pelo PS, o seu partido desde os tempos da Juventude Socialis-ta, o último como independen-te, em protesto contra a opo-sição da concelhia local à sua recandidatura. “Um grande erro”, frisou, sem vontade de remexer no passado, até por-que acreditava que o futuro de Matosinhos ficará “bem asse-gurado” com a ex-vereadora

e deputada Luísa Salgueiro, escolhida para candidata pela distrital do PS e pelo movimen-to independente, de novo à re-velia da concelhia.

Questionado por que razão é crónico o dramatismo das autárquicas em Matosinhos, respondeu de pronto: “Por-que existe uma minoria local muito ruidosa, ampliada pela comunicação social. É só ruído de fundo eleitoral...”, desva-lorizou. Não acreditava que o outrora senhor de Matosinhos

“Aceitei [voltar ao PS] por António Costa, num sinal de inteiro apoio ao homem que devolveu o otimismo ao país e acabou com a crispação dos portugueses”

Isabel Paulo

É sexta-feira. Os ponteiros do relógio aproximam-se do meio--dia. Está prestes a começar uma entrevista que, feita de perguntas e respostas como qualquer outra, acabará por não ser uma entrevista como todas as outras. Jornalista e entrevistado não o sabem, mas aquela será a última vez que estarão frente a frente. Gui-lherme Pinto, presidente da Câmara Municipal de Matosi-nhos, recebeu-nos na luminosa sala do seu apartamento dois dias antes de morrer. Prome-tera esta conversa no dia em que renunciara ao cargo de presidente, a 2 de janeiro e quis manter a palavra dada.

Estava deitado numa cama hospitalar, fragilizado, com notórias dificuldades em falar, mas lúcido. Propusemos adiar a entrevista para um outro dia mas, consciente ou não da pro-ximidade do fim, manteve-se firme. “Estou bem. Pode come-çar quando quiser.” Estava sere-no. Ansioso por proceder a um ciclo de inaugurações e lança-mento de obras no concelho até ao dia que definira como limite para a sua presença à frente da autarquia, 1 de fevereiro.

O diálogo tinha um ponto de partida óbvio. O anúncio da renúncia, umas das decisões “mais difíceis” da sua vida. Saía por ter o discernimento que os seus problemas de saúde tornavam impossível gerir a autarquia como fazia questão de o fazer: por inteiro e em de-dicação absoluta. “A decisão foi inteiramente minha, não por conselho médico. Nunca gos-tei de meios termos”, afirmou, confiante que a autarquia fica bem entregue a Eduardo Pi-nheiro até ao final do mandato.

(Narciso Miranda) venha a concorrer como independen-te, apesar de ter anunciado essa intenção: “Foi um grande presidente, mas o seu tempo passou. Ele sabe isso.”

O regresso ao PS

Dois dias após a renúncia, re-gressou à militância do partido, recuperando o número 10.575, com ficha assinada pelo líder distrital, Manuel Pizarro, e pelo secretário-geral, António Costa. À pergunta se o retorno formal à família socialista era para si essencial, respondeu que não: “Com ou sem cartão sempre fui socialista. Aceitei por António Costa, num sinal de inteiro apoio ao homem e ao político que devolveu o oti-mismo ao país e acabou com a crispação dos portugueses.”

Acreditou e continuava a acreditar na ‘geringonça’, “um nome feliz e ternurento” para um acordo que, defendia, “foi um desafio para o país e um sinal de maturidade demo-crática, mérito principal do primeiro-ministro”. Outra das suas últimas mensagens foi a de que os partidos “não podem ficar fechados a velhas formas de governar”, advogando que as candidaturas independen-tes, mais do que um fenómeno contra os partidos, são “uma maneira inovadora de fazer política de proximidade”, sem obedecer “a lógicas de apa-relhos partidários ou aprisio-namento de votos”. Defendia, por isso, que o PS não devia “fazer prova de vida no Porto” indo a jogo contra Rui Morei-ra, quando “a solução é boa para a cidade”.

Contactada pelo Expresso, a família autorizou a publicação

póstuma da [email protected]

Professor e advogado, foi como autarca, a “ajudar a melhorar a vida das pessoas”, que se realizou FOTO LUCILIA MONTEIRO

A realização de eleições pri-márias abertas a simpatizan-tes para escolher todos os candidatos do PS a cargos políticos não vai avançar este ano. O assunto está a ser dis-cutido no âmbito de um gru-po de trabalho criado após o último congresso socialista — com o objetivo de estudar a revisão dos estatutos do parti-do — mas é ponto assente que esse processo já não irá abran-ger a escolha de nenhuma dos candidatos do PS às eleições autárquicas que se realizarão no outono.

A convicção é avançada pelo promotor da moção que, no último congresso do PS, pro-pôs uma revisão dos estatutos do partido que incluía, entre outras matérias, a realização de primárias para escolher não apenas o secretário-geral do PS mas também os candi-datos a deputados, a presiden-tes de câmara, ao Parlamento Europeu ou a presidentes dos Governos regionais da Madei-ra e Açores. A ideia de Daniel Adrião — o militante e ex-can-

Socialistas adiam decisão sobre primárias

PS

Grupo para discutir alterações aos estatutos só reuniu três vezes. Primárias para autarcas não avançam este ano

didato à presidência da JS que defrontou António Costa no último congresso — era que o processo de revisão estatu-tária fosse acelerado ainda em 2016 para contemplar já a escolha dos candidatos às autárquicas deste ano, mas o dossiê não avançou: desde o Congresso do PS, em junho, o grupo de trabalho criado por proposta de António Cos-ta reuniu apenas três vezes. E nesses encontros, Adrião e o seu movimento avistou-se apenas com um dos quatro membros que a direção do PS nomeou para integrar este grupo, o secretário nacional para a Organização Hugo Pi-res.

“Teria havido tempo para que se realizassem primárias para a escolha dos candidatos às autárquicas se a alteração de estatutos ocorresse logo na sequência do Congresso.

Mas entretanto todas as se-manas fomos ouvindo nomes de candidatos já escolhidos para as autárquicas”, constata Adrião. Por isso antecipa que na reunião da Comissão Políti-ca do PS agendada para a pró-xima segunda-feira — que terá como um dos pontos de ordem o processo das autárquicas — o assunto das primárias “não será sequer abordado”.

Ao Expresso, no entanto, Hugo Pires recusa a ideia de que o grupo de trabalho para a revisão dos estatutos do PS esteja esvaziado ou que exis-ta a intenção de abandonar o alargamento das primárias. “É um assunto que precisa de ser discutido com profundidade”, contextualiza. E, defendendo que seria sempre difícil que o processo avançasse a tempo das autárquicas de 2017, ga-rante que o tema “continuará a ser debatido” no PS.

Resistências no aparelho?

As primárias têm sido um tema recorrente no PS e an-tes mesmo da eleição de An-tónio Costa, em 2014, para o cargo de secretário-geral do PS através deste método, o seu antecessor, António José Seguro, tinha aberto a porta,

em 2012, à possível realização de primárias para autarquias no caso de haver mais do que um interessado em disputar o cargo. Ao Expresso, António Galamba, ex-deputado do PS e apoiante de António José Se-guro também critica o impasse na revisão dos estatutos de for-ma a agilizar este alargamento das primárias: “No fundo, está a acontecer no PS o mesmo que aconteceu no Governo: Costa está a fechar o partido e todo o poder de decisão em sua volta”, acusa.

Em 2014, o atual presiden-te da Federação Distrital do Porto do PS, Manuel Pizarro, também se mostrou favorável a que o partido aproveitasse “a nova liderança do PS e a forma como ela foi alcançada, com uma gigantesca participação popular” para alargar o âmbi-to da realização de primárias socialistas a autarquias com mais de 100 mil habitantes. Nomeadamente para a esco-lha de candidato socialista à Câmara Municipal do Porto. O processo acabaria por não avançar — o PS decidiu entre-tanto apoiar a recandidatura do independente Rui Moreira ao cargo de Presidente da Câ-mara Municipal do Porto — mas Manuel Pizarro mantém a ideia de que “é importante que os partidos introduzam mecanismos de promoção de uma maior participação dos cidadãos nas decisões”. Nes-se sentido, diz, “a realização de primárias para a escolha dos candidatos a certos cargos parece-me uma medida ade-

Assembleia de voto nas primárias de setembro de 2014 de que resultou a demissão de Seguro da liderança do PS e a sua substituição por Costa FOTO MARCOS BORGA

Apesar de entender que “é mínimo” o espaço de mano-bra para que exista acordo um acordo sobre primárias no grupo de trabalho para a revisão de estatutos do PS Adrião garante que não de-sistirá de lutar pela pretensão incluída na moção que levou ao último congresso socialis-ta. “O atual líder foi escolhido num processo de primárias que correu muitíssimo bem, com a participação de 180 mil eleitores, a esmagadora maio-ria dos quais simpatizantes do PS e não militantes. Por isso não compreendemos como é que este processo pode ser descontinuado. Ele tem de ser retomado”, insiste.

Adriano Nobrecom Isabel Paulo

[email protected]

“Teria havido tempo” para os candidatos autárquicos serem escolhidos através de primárias. A direção do PS não quis, acusa Daniel Adrião

quada”. E recorda, aliás, que “os atuais Estatutos do PS não impedem a sua realização”.

Não impedem mas, segundo Daniel Adrião, condicionam. Porque a atual formulação dos estatutos remete a decisão da realização, ou não, de primá-rias para “a esfera das comis-sões políticas concelhias”. Ora, “se essas mesmas conce-lhias têm o poder de escolha dos candidatos, não querem abdicar desse poder”, conclui. Pizarro admite essa resistên-cia das estruturas locais, mas defende que isso também pode resultar da constatação de que “as primárias impõem uma logística complexa, morosa e cara”. “É preciso encontrar um quadro de regulação, de-signadamente junto da CNPD, que facilite o processo”, diz.

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 17 PRIMEIRO CADERNO

FICHA TÉCNICAESTUDO DE OPINIÃO EFETUADO PELA EUROSONDAGEM S.A. PARA O EXPRESSO E SIC, DE 5 A 11 DE JANEIRO DE 2017. ENTREVISTAS TELEFÓNICAS, REALIZADAS POR ENTREVISTADORES SELECIONADOS E SUPERVISIONADOS. O UNIVERSO É A POPULAÇÃO COM 18 ANOS OU MAIS, RESIDENTE EM PORTUGAL CONTINENTAL E HABITANDO LARES COM TELEFONE DA REDE FIXA. A AMOSTRA FOI ESTRATIFICADA POR REGIÃO: NORTE (20%) — A.M. DO PORTO (14,7%); CENTRO (28,7%) — A.M. DE LISBOA (26,6%) E SUL (10%), NUM TOTAL DE 1010 ENTREVISTAS VALIDADAS. FORAM EFETUADAS 1221 TENTATIVAS DE ENTREVISTAS E, DESTAS, 211 (17,3%) NÃO ACEITARAM COLABORAR NESTE ESTUDO. A ESCOLHA DO LAR FOI ALEATÓRIA NAS LISTAS TELEFÓNICAS E O ENTREVISTADO, EM CADA AGREGADO FAMILIAR, O ELEMENTO QUE FEZ ANOS HÁ MENOS TEMPO, E DESTA FORMA RESULTOU, EM TERMOS DE SEXO: FEMININO — 52,5%; MASCULINO — 47,5%; E NO QUE CONCERNE À FAIXA ETÁRIA DOS 18 AOS 30 ANOS — 16,7%; DOS 31 AOS 59 — 51,5%; COM 60 ANOS OU MAIS — 31,8%. O ERRO MÁXIMO DA AMOSTRA É DE 3,07%, PARA UM GRAU DE PROBABILIDADE DE 95%. UM EXEMPLAR DESTE ESTUDO DE OPINIÃO ESTÁ DEPOSITADO NA ENTIDADE REGULADORA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL.

RESULTADOS GLOBAIS: PS 29,9%; PSD 24,1%; BE 7,6%; CDU 6,2%; CDS 5,6%; PAN 1,3%; OUTROS 5,5%; NS/NR 19,8%

INTENÇÃO DE VOTO

PSD

30%

-0,7 ponto percentualEM RELAÇÃO

À ÚLTIMA SONDAGEM

=EM RELAÇÃO

À ÚLTIMA SONDAGEM

PS

37,3%

CDU

7,8%CDS

6,9%PAN 1,6%

+0,4 pts +0,1 pts +0,1 pts +0,1 pts

=BE

9,5%OUTRO PARTIDO BRANCO/NULO

6,9%

VARIAÇÃO EM RELAÇÃO AO ÚLTIMO BARÓMETRO

POPULARIDADE

ASSUNÇÃO CRISTASA LÍDER DO CDS/PPSALDO

+10,2 PONTOS

POSITIVA 33,2%NEGATIVA 23%

VARIAÇÃO -0,2 pontos

CATARINA MARTINS COORDENADORA DO BESALDO

+7,3 PONTOS

POSITIVA 30,1%NEGATIVA 22,8%

VARIAÇÃO -1,5 pontos

JERÓNIMO DE SOUSA LÍDER DA CDUSALDO

+9,4 PONTOS

POSITIVA 33,7%NEGATIVA 24,3%

VARIAÇÃO -0,9 pontos

PASSOS COELHO LÍDER DO PSDSALDO

+11,5 PONTOS

POSITIVA 36,5%NEGATIVA 25%

VARIAÇÃO -3,1 pontos

ANTÓNIO COSTA PRIMEIRO-MINISTRO E LÍDER DO PSSALDO

+30,7 PONTOS

POSITIVA 46,3%NEGATIVA 15,6%

VARIAÇÃO -1,2 pontos

MARCELO REBELO DE SOUSA PRESIDENTE DA REPÚBLICA

SALDO

+56,9 PONTOS

POSITIVA 70%NEGATIVA 13,1%

VARIAÇÃO +0,1 pontos

Gente

SONDAGEM

Pela primeira vez desde que é primeiro-ministro, António Costa perde popularidade. No primeiro barómetro de 2017 da Eurosondagem para o Expres-so e a SIC, o chefe do Governo sofre uma erosão ligeira (-1,2%) na avaliação da sua atuação. Será coincidência que este fac-to se registe na mesma semana em que o chefe do Executivo foi criticado por alguns por não ter interrompido a viagem de Estado à Índia para estar presente no funeral de Mário Soares? Fica a dúvida, sendo certo que ‘trambolhão’ (-3,1%) na popularidade sofre Pedro Passos Coelho — e este não saiu do país. Todos os líderes, aliás, perdem pontos positivos. Só o Presidente da República, que tinha descido nos dois baróme-tros anteriores, volta a subir na consideração nacional.

Igualmente digno de nota é o facto de, após oito meses con-secutivos sempre a conquistar intenções de voto, o PS baixar 0,7%. Ainda assim, mantém-se à frente de PSD e CDS.

Cristina [email protected]

Costa perde popularidade pela primeira vezÉ uma estreia para o PM, que tinha vindo sempre a subir na avaliação dos portugueses. O PS, desta vez, também cai

Os claustros... Nas cerimónias fúnebres de Mário Soares, houve quem, nos Jerónimos, tivesse a ideia (fúnebre) de imaginar o que seria se acontecesse um acidente nos claustros do Mosteiro, onde se sentaram todas as individuali-dades nacionais e internacionais. Da esquerda à direita, do Parla-mento ao Governo, de deputados a autarcas, do atual a ex-Chefes de Estado, estava lá (quase) tudo. Foi o que levou um dos presentes a pensar: “Se há aqui uma bom-ba, morre a classe política toda”.

... e o otimista Mas não seria assim. António Costa, o primei-ro-ministro que Marcelo Rebelo de Sousa já classificou de “oti-mista irritante” não estava nos Jerónimos. De visita à Índia, Costa só apareceu nos claustros em vídeo. E acabou por fazer o discurso mais longo da sessão. Isto de ser presente-ausente não é para pessimistas.

Abram alas para o Nodi Na comitiva portuguesa que acom-panhou António Costa na sua viagem de Estado à Índia, entre sábado e quinta-feira, o primei-ro-ministro indiano, Narendra Modi, começou rapidamente a ser tratado por Nodi, a personagem infantil de barrete vermelho. A moda foi tão contagiante que hou-ve um discurso, no Gurajat, em que o próprio primeiro-ministro disse “Nodi” em vez de “Modi”. Nas referências seguintes do dis-curso, já não se voltaria a enganar. Mas a piada continuou e cada vez que se aguardava pela chegada do primeiro-ministro indiano, lá havia alguém que cantarolava: “Abram alas para o Nodi.”

A inspiração Numa altura em que estão na moda os oradores motivacionais, a Índia mostrou como está muito à frente. Na conferência sobre startups em Bangalore, a apresentadora que introduzia os diferentes interveni-entes era espantosa. Não poupava elogios, esmerava-se nas descri-ções ou até (porventura) inven-tava atributos. A apresentação de Costa, então, captou todas as atenções, pois o primeiro-minis-tro português é o homem que “foi sempre um exemplo” e “sempre inspirou os outros a fazer mais, a saber mais, a aprender mais”.

A rose is a rose Os jornais in-dianos também mostraram o seu entusiasmo. O “Indian Times” ti-tulava “A son of the east who rose in the west” (“Um filho do Oriente que cresceu no Ocidente”). Será que queriam um trocadilho (rose) com o símbolo do PS (rosa)?

Feira de gado II É inesquecí-vel o comentário do ministro dos Negócios Estrangeiros quando

quis dar os parabéns ao colega da Segurança Social por ter conse-guido o acordo de concertação. As negociações foram difíceis e agradar a trabalhadores e patrões num Governo suportado pelo BE e pelo PCP, não é pêra doce. A pro-va chegou agora. Os comunistas, que ficaram de fora a ver, querem dar cabo da parte do acordo que agradou ao patronato — a baixa da TSU — e todo o acordo treme. Augusto Santos Silva, que elogiou Vieira da Silva por ter levado “a feira de gado” a bom porto, vai ter que reequacionar a tese. Continu-ando em registo rural, o que esta semana se passou é simples: hou-ve quem entregasse os animais. E agora, Augusto?

Banca à mesa Quinta-feira, numa mesa do restaurante Coe-lho da Rocha, falava-se de banca. Nuno Fernandes Tomás, ex-ad-ministrador da Caixa Geral de Depósitos, e Faria de Oliveira, presidente da Associação Portu-guesa de Bancos, almoçavam a sós. Clima ameno mas conversa

intensa. Com a Caixa em hold, o Novo Banco à beira de ser nacio-nalizado e os juros da dívida por-tuguesa a subirem, Gente arrisca que o desfecho do repasto exigiu um digestivo.

O Presidente e os jornalistas Pensará o leitor que lhe vamos fa-lar sobre a já célebre conferência de imprensa que o Presidente eleito dos EUA deu esta semana e onde maltratou verbalmente vários jornalistas presentes na sala. Mas não, Gente refere-se mesmo ao Presidente da Repú-blica Portuguesa, que esteve pre-sente na abertura dos trabalhos do Congresso dos Jornalistas, esta quinta-feira, em Lisboa. Dis-se Marcelo, ele próprio jornalista nos longínquos idos de 70, que “sem jornalismo estável, forte e independente não há democracia sólida e de qualidade”. Minutos antes tinha estado ao telefone com, nem mais, Donald Trump. Terá sido a conversa com o ame-ricano a inspirar-lhe o parágrafo?

Um homem para Lisboa O folhetim da escolha do candida-to do PSD à Câmara de Lisboa continua a conta-gotas. Esta se-mana, o coordenador autárquico do partido, Carlos Carreiras, afir-mou aos media que a escolha do partido “não é provável que seja mulher”. Tirando a forma mais ou menos airosa de dizer que o apoio a Assunção Cristas estará cada vez mais longe, ainda não foi desta que Carreiras contribuiu para esclarecer o enigma. Se não é José Eduardo Martins, se não é Passos Coelho, se não é Santana Lopes, se não é Carlos Barbosa e se não é uma mulher, por junto só ficámos a saber que deverá ser... um homem! Quem? Aguarde pe-las cenas dos próximos capítulos.

Regresso ao passado Numa semana atípica para a política portuguesa — em compreensível stand by até quarta-feira devido ao luto oficial pela morte de Má-rio Soares —, voltaram a ver-se rostos há muito desaparecidos dos ecrãs e das páginas dos jor-

OBSESSÃO

6MAGREBINOS FINTARAM A SEGURANÇA DO AEROPORTO DE LISBOA NOS ÚLTIMOS MESES E FUGIRAM DURANTE A ESCALA

UM JEITÃO Não houve praticamente um sítio a que Costa tenha ido em que não houvesse um cartaz com a sua cara. Em Goa, era mes-mo em português: “Seja bem-vindo”. Nos outros sítios, em inglês. E não eram só cartazes afixados nas rotundas. Havia também uma carrinha com a cara de Costa a circular pela cidade. Ainda se pensou que era só uma, que aparecia nos locais estratégicos. Mas não, eram várias! Dariam “um jeitão” nas campanhas em Portugal, comenta-va-se na comitiva FOTO D.R

Moda indiana...

nais. Foi o caso, entre outros, de José Sócrates (que não pôde dei-xar de ir aos Jerónimos e falar para as TV). Mas também do seu ex-ministro das Finanças, Teixei-ra dos Santos, chamado a prestar declarações no âmbito da Co-missão de Inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos. E até da sua ex-ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, cujo extenso artigo de opinião sobre Soares abria inusitadamente a edição de quarta-feira do “Diário de Notícias”.

E mais um Gente deu de caras com mais um ex-ministro da era socrática, nesta semana de re-gressos: Mário Lino, o célebre ministro das Obras Públicas que disse “jamé” ao aeroporto na margem sul (e, pelos vistos, com uma certeza profética), foi visto na sexta-feira, dia 6, no auditório da Fundação Calouste Gulbenki-an. Assistia, deleitado, à projeção do filme “As Duas Torres”, o se-gundo da trilogia “O Senhor dos Anéis”, com execução da banda sonora pelo Coro e Orquestra Gulbenkian. Uma autêntica ex-periência para os sentidos, de que o antigo governante — assinante de temporada na fundação — é assumido adicto.

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Expresso, 14 de janeiro de 201718 PRIMEIRO CADERNO

É tudo uma questão de logística judicial. De um lado, os centros educativos de menores em su-blotação, 56 vagas, 72% de ocu-pação. Entre os seis equipamen-tos existentes a nível nacional, o do Mondego, em Cavadouce (Guarda), está a menos de meio gás, com 13 jovens onde cabem 34. De outro lado, as prisões dos adultos a abarrotar, 2560 reclu-sos para lá da lotação, 108,2% de ocupação. Entre os 12.600 presos há cada vez mais idosos, 758 acima dos 60 anos, uma de-zena já passou os 80. “Aflige-me cada vez mais ver os velhotes nos meios das alas prisionais, cheios de doenças e de proble-mas de mobilidade. O número está a subir, não só em Portugal como nas prisões europeias, e a solução para os tirar de lá surgiu naturalmente com a reestrutu-ração da rede dos centros edu-cativos”, explica o diretor-geral da DGRSP, Celso Manata.

Até ao fim de março deverá sair a portaria que extingue o Centro Educativo do Monde-go. Os menores atualmente em internamento na Guarda — ne-nhum é dali, são de Lisboa e do Porto — serão transferidos para os equipamentos da sua zona de residência. Segue-se a portaria de criação da Estabelecimento Prisional do Mondego, de regi-me comum e baixa complexi-dade, com lotação para cerca de 50 reclusos, para onde serão transferidos não só os mais ido-sos mas também condenados em regime aberto (com circula-ção mais livre na cadeia ou até a trabalhar no exterior). “É uma quinta. Os do regime livre po-derão inclusivamente tratar dos idosos”, equaciona Manata.

Meninas a Norte

Em matéria de centros educa-tivos, fecha o da Guarda mas reabre o de Santa Clara, em Vila do Conde, encerrado desde 2014. Regressará ao ativo com 24 lugares, e alas para rapazes e raparigas. “Vai permitir resolver um problema: atualmente só há unidades femininas em Lisboa. Assim regressam as vagas a Nor-te”, adianta o diretor.

Em matéria de encerramentos e aberturas, o plano para 2017 não tem mais nada previsto. Só obras. Com os 31 milhões de eu-ros de contas em atraso saldados no fim de 2017 e um orçamento de investimento quase cinco ve-zes superior ao de 2016 — apesar de não estar integralmente dis-ponível —, Celso Manata espera arrancar em breve com obras urgentes nas prisões de Lisboa e Ponta Delgada. “Infelizmente não depende só de mim. Quem faz as obras grandes é o IGFEJ [Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça]. É preciso esperar”, explica o pro-curador. Tal como espera saber quando terá de abandonar o seu gabinete no Palácio do Tourel. O edifício histórico foi vendi-do à Estamo e está no mercado imobiliário. “Às vezes aparecem lá com clientes. Sou um diretor--geral homeless”, graceja. R.M.

Prisão para idosos abre na Guarda

Centro Educativo vai ser transformado em cadeia de baixa segurança para reclusos mais velhos e de regime aberto

NÚMEROS

142jovens, entre os 12 e os 20 anos (os crimes foram cometidos quando tinham até 16 anos) cumpriam medida de internamento em centro educativo a 5 de dezembro de 2016

2117participações em 2015 à GNR e à PSP de atos de criminalidade juvenil e 6069 de criminalidade grupal. A PGR abriu 6074 inquéritos tutelares educativos

Tribunais são “demasiado brandos” com delinquentes

Texto Raquel Moleiro e Christiana Martins

Foto Ana baião

Em cinco anos, foi-se do oitenta ao oito. O siste-ma tutelar de menores com centros educativos em sobrelotação, e até listas de espera para alojar os jovens delin-quentes condenados a medidas de interna-

mento, já não existe. Atualmente a rede acumula vagas em todo o país: 11 no Porto, 21 na Guarda, 7 em Coimbra e 17 em Lisboa. Os gráficos da Dire-ção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) mostram uma linha a pique nas “prisões sub-16”, inclinada numa descida de 54% entre os 471 jovens internados em 2012 e os 142 no início de dezembro de 2016.

A causa do decréscimo não é tão clara quanto os números, nem é única, considera o diretor-geral da DGRSP. Celso Manata acredita que na génese está “uma intervenção muito branda” da proteção de menores. “As pessoas que estão nas comissões de proteção, nas instituições com miúdos acolhidos no âmbito de processos de proteção, estão a ser complacentes, são dema-siado brandas, não estão a participar todos os crimes. Estão a aturar coisas a mais. Os miúdos chegam-nos numa fase muito adiantada, porque não lhes são aplicadas as medidas certas na altura certa. Os crimes agravaram-se muito, os percursos que trazem são cada vez mais complicados”, explica o magistrado, que tem em elaboração programas de intervenção direciona-dos a jovens com problemas de violên-cia e de agressão sexual.

Pela primeira vez nos últimos cinco anos, os menores que cumprem atu-almente medida de internamento pra-ticaram mais crimes contra pessoas

do que crimes contra o património. Ou seja, há mais jovens detidos por ameaça, coação, ofensa à integridade física voluntária simples e grave, abusos sexuais, violação, rapto, sequestro e tomada de reféns. Os furtos, os roubos e a extorsão foram remetidos para segun-do lugar. “Onde é que andam os outros? Não deixaram de existir. Eu acho que eles estão na proteção”, acrescenta.

Em 2015, cerca de 1300 menores foram retirados às famílias por apre-sentarem comportamentos de risco e foram sinalizadas à Comissão Na-cional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens 5643 novas situações de “crianças e jovens com comportamentos que afetam o seu bem-estar sem que os pais se oponham de forma adequada”, como indisciplina, bullying, consumo de droga e de álcool, quase o dobro das registadas em 2011.

Na semana passada, mais um caso chegou ao sistema tutelar de menores. Um vídeo, em Almada, mostra três menores a agredir outro, no chão, com pontapés, murros. Têm todos 15 anos e o seu futuro poderá passar agora pelo internamento educativo. O DIAP já enviou o processo para o tribunal de menores. Mas ficou com um caso. Atrás do telemóvel, a filmar, estava uma rapariga, a mais velha gru-po, mais de 16 anos e por isso já será julgada pela justiça dos adultos. Será ouvida em breve.

O novo mapa e a nova lei

Celso Manata aponta mais fatores para a descida de menores nos centros educativos do Ministério da Justiça. O mapa judiciário criado em 2012 — e entretanto alterado este mês de janei-ro — é um deles. “Saiu muita gente que estava nos tribunais de família e entra-ram pessoas novas que ainda não têm a sensibilidade toda para estes proces-sos. Pode ser uma explicação”, avança

o procurador, que durante 11 anos foi coordenador do Tribunal de Família e Menores em Lisboa. “Estou a ver a cara de um juiz com o qual nunca há internamento. Nem que o miúdo faça a coisa mais grave. Não quero colocar o ónus todo em cima dos magistrados, não tenho indicadores objetivos para isso, mas tenho essa sensibilidade, não vou mentir”, defende.

As medidas mais brandas também podem ser explicadas pela nova lei tutelar de menores, de 2013. O diplo-ma permite, por exemplo, o agrava-mento inicial da pena durante a sua execução. “O juiz pode começar por determinar uma medida mais leve. Se o menor não cumprir, se é admo-estado e continua a não querer saber, então o juiz pode só aí decidir o inter-namento. Se cumprir nunca chega a

ser internado”, detalha o diretor-geral.É desse diploma que sai uma medi-

da que Manata quer ver aplicada no primeiro semestre de 2017: as casas de autonomia. A primeira residência fica em Lisboa e deverá ser articulada com a Santa Casa da Misericórdia. O provedor, Santana Lopes, já deu luz verde. Só falta a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, aprovar a re-gulamentação.

Violência mais violenta

Para aqui irão jovens que já cumpri-ram pelo menos metade da medida de internamento, nunca espécie de liberdade condicional supervisionada e com obrigações, como frequência da escola, formação ou emprego. “É um teste, uma saída mais progressiva para a liberdade que vamos começar a apli-car aos miúdos sem estrutura familiar que, infelizmente, são a maioria”, diz o magistrado. Os que têm uma casa fun-cional podem beneficiar aí do regime de supervisão intensiva.

Lá fora, quem trabalha com ado-lescentes problemáticos também não traça diagnósticos positivos. “A vio-lência está mais violenta, mais grave, mais banalizada, cruel e extremada. É cada vez mais uma forma de re-lacionamento perturbado entre os jovens, de uma desumanização preo-cupante”, garante Augusto Carreira, diretor do serviço de Pedopsiquiatria do Centro Hospitalar de Lisboa Cen-tral. O grosso das suas consultas são perturbações de comportamento e “as graves disfunções familiares” uma presença constante. O psiquiatra Rui Abrunhosa Gonçalves, que há largos anos trabalha em prisões, concorda. “Tantas vezes os problemas começam em famílias desestruturadas, onde a violência já está presente.” É aí que se deve trabalhar, diz. “Não sou grande defensor dos modelos mais punitivos.”

[email protected]

Serviços prisionais vão arrancar com casas de pré-liberdade para jovens que cometeram crimes

Violência Jovens em centros educativos diminuíram 54% em cinco anos. Celso Manata, diretor dos Serviços Prisionais, defende mais internamentos e critica Proteção de Menores e juízes

SO CIEDADE JUSTIÇA

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 19 PRIMEIRO CADERNO

A CARTA

“Tive a oportunidade de observar um número que estimo de 20 militares deitados numa tenda”

“O corpo de Hugo Abreu foi isolado por uma tenda, mas guardado e diria mesmo velado por militares do corpo de instrutores”

“Sem prejuízo da continuação do 127º curso de Comandos, cancelei toda a instrução prevista em horário do dia seguinte, resultando assim no encerramento definitivo da Prova Zero”

“Encontrei rostos de profunda consternação, alguma estupefação pelo número elevado de indisponíveis para um primeiro dia da Prova Zero e o moral em baixo pelo óbito ocorrido”Faria MenezesComandante das Forças Terrestres

Texto Hugo Franco Fotos Tiago Miranda

Na manhã de segunda-feira, um dia depois da morte do furriel Hugo Abreu com um “golpe de calor”, as tempera-turas continuavam elevadas no Campo de Tiro de Alcochete. Depois das 11h, após o início de uma marcha com mochila às costas, vários recrutas foram parar à enfermaria. “Revela-vam sinais de exaustão”, de-clarou o capitão médico João Aniceto à procuradora Cândi-da Vilar, titular do inquérito às duas mortes no curso 127 dos Comandos.

A Prova Zero, que costuma ter a duração de três dias, tinha sido cancelada na madrugada anterior pelo comandante das Forças Terrestres, tenente-ge-neral Faria Menezes. Mas os responsáveis do curso decidi-ram manter os exercícios con-siderados mais leves. O médico já tinha anunciado aos instruto-res do curso que estavam “em tolerância zero” para que não se repetissem os incidentes de domingo, que levaram à morte de Abreu e à assistência médica de 22 instruendos.

Só que também na segunda--feira cinco instruendos acaba-ram por ser transferidos para os cuidados intensivos do Hospital das Forças Armadas (HFAR). Nenhum tinha feito parte das duas dezenas de militares as-sistidos em simultâneo no dia anterior na enfermaria dos Co-mandos. Revelaram pela primei-ra vez sinais de “desidratação e rabdomiólise [destruição dos tecidos musculares]”, de acordo com o médico João Aniceto.

O Expresso sabe que deste pequeno grupo houve dois, Di-mitri Mitrik e Ricardo Godinho, que acabaram por ficar inter-nados durante quatro dias nos cuidados intensivos do HFAR,

enquanto os outros três foram vigiados pelos médicos militares durante as 24 horas seguintes, tendo alta na terça-feira. À tar-de, dois militares que já tinham sido assistidos no domingo em Alcochete deram também en-trada no hospital militar.

Apesar das ordens superio-res, os comandos mantiveram duas das provas que estavam já programadas no calendário da Prova Zero, a que o Expresso teve acesso: Ginástica Educa-tiva e Técnicas de Combate 1 (exercícios de progressão no terreno). Já outras, como Téc-nicas de Combate 2 (uma das provas mais violentas do cur-so), foram anuladas.

O Ministério Público e a PJ Militar, que investigam o caso, estão agora a apurar se hou-ve a prática de um crime por parte dos responsáveis da for-mação das tropas especiais do Exército. “Pode estar em cau-sa insubordinação por desobe-diência, previsto no Código de Justiça Militar”, garante uma fonte da investigação.

Questionado pelo Expresso por que razão não foram can-

celadas todas as atividades fí-sicas depois de ordens superi-ores para cancelar as provas de segunda-feira, o gabinete de relações públicas do Exército prefere não comentar, argu-mentando que “a questão foca assunto ainda em investigação”.

A carta do general

No final de dezembro, o co-mandante das Forças Terres-tres, tenente-general Faria Menezes, enviou uma carta para Cândida Vilar, depois de se ter recusado a testemunhar presencialmente, como tinha proposto a procuradora. No documento, a que o Expresso teve acesso, Faria Menezes garante ter mandado suspen-der todas as atividades físicas do curso para o dia seguin-te à morte de Hugo Abreu, a primeira vítima mortal no Campo de Tiro de Alcochete.

“Sem prejuízo da continuação do 127º curso de Comandos, decisão a avaliar posterior-mente pelo Comando do Exér-cito, cancelei toda a instrução prevista em horário do dia seguinte, resultando assim no encerramento definitivo da Prova Zero”, escreve o general na carta de cinco páginas.

Faria Menezes, que super-visiona o desempenho destas tropas especiais do Exército, diz ter recebido a notícia da morte de Hugo Abreu por volta das 22h30 de 4 de se-tembro [45 minutos depois de ter sido declarado o óbito do militar de 20 anos]. Uma hora depois estava no Campo de Tiro de Alcochete, onde se chegou a cruzar com a ambu-lância que transportava Dy-lan Silva, o outro jovem solda-do que veio a morrer poucos dias depois no Hospital Curry Cabral, em Lisboa.

O Curso 127 dos Comandos iniciou-se em setembro com 67 instruendos e terminou em novembro apenas com 23. Morreram dois e 26 desistiram. Os restantes foram afastados

Comandos internados na manhã em que Prova Zero estava proibida

EXÉRCITO

Dois recrutas ficaram quatro dias hospitalizados, já depois de ordens para parar a prova

“Nessa madrugada, encon-trei rostos de profunda conster-nação pelo acontecido, alguma estupefação pelo número ele-vado de indisponíveis para um primeiro dia da Prova Zero e o moral em baixo pelo óbito ocorrido”, lembra o general.

Foi nessa altura que liderou uma reunião de emergência em Alcochete onde também participaram outros oficiais como o coronel Dores Moreira (comandante do Regimento de Comandos), o tenente-coronel Maia (diretor da Prova Zero que foi constituído arguido no caso), o capitão Monteiro (comandante da companhia da formação) e o segundo mé-dico do curso, o capitão João Aniceto. “O desgaste físico e psicológico dos instruendos e instrutores”, “o empenhamen-to quase exclusivo da equipa sanitária para com todos os indisponíveis” bem como “as

previsões meteorológicas para o dia seguinte que se afigura-vam muito desfavoráveis”, fo-ram alguns argumentos usados pelos general para abortar a Prova Zero do curso 127 dos Comandos.

Mas o médico João Aniceto revelou uma versão um pouco diferente do que se terá passa-do na reunião de emergência daquela madrugada: “O gene-ral questionou os oficiais sobre se consideravam a hipótese de suspender o curso”, contou ao DIAP de Lisboa. Em resposta, o médico considerou que “não existiam condições clínicas para prosseguirem as provas, face às condições climatéricas adversas”. E disse saber que “acabaram por considerar que o curso deveria continuar”.

Por contraponto, Faria Menezes garante, na mesma carta, que nessa reunião “não houve lugar a qualquer con-cordância” da sua parte já que, argumenta, “nada foi propos-to, nem a Prova Zero pros-seguiu”. E conclui: “Foram naturalmente ouvidos os pre-sentes cujos pareceres foram consensuais e conduziram à já mencionada decisão de cance-lar a Prova Zero e regressar no dia seguinte a quartéis (Regi-mento de Comandos).”

Um dos advogados do pro-cesso, que pediu anonimato, garante que “não houve deso-bediência” ao comandante das Forças Terrestres, lembrando que os responsáveis da prova concordaram que alguns exer-cícios mais leves “não fariam mal a ninguém”. Além disso, “não faria sentido levantar o bivaque na noite da morte de Hugo Abreu”. Em vez disso, ao final da manhã os instruendos desmontaram as infraestrutu-ras do curso e regressaram ao Regimento dos Comandos na Carregueira.

[email protected]

NÚMERO

7militares do curso 127 dos Comandos foram indiciados em novembro pelo Ministério Público por crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física. No total, foram ouvidas mais de 80 testemunhas no processo. Paralelamente, o Exército constituiu três arguidos na investigação interna

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Expresso, 14 de janeiro de 201720 PRIMEIRO CADERNO

Seis anos depois 4 mil alunos ainda têm aulas em contentores

Texto Isabel Leiria Fotos Tiago Miranda

O presente que se ar-rasta desde 2010 e o futuro que ainda ninguém sabe quan-do acontecerá estão separados por tapu-mes que cercam o re-duzido espaço a que ficaram confinados os

mil alunos da Escola Secundária João de Barros, em Corroios, Seixal.

De um lado estão os futuros novos edi-fícios, ainda em forma de esqueleto de tijolos, cimento e ferro e a cobertura do futuro espaço desportivo que agora não têm. Está tudo parado há tanto tem-po que deu tempo para crescer ervas, árvores e mato. Do outro estão os 22 monoblocos — o nome técnico dado aos contentores que têm feito a vez de salas de aulas, casas de banho, balneários, bar, cantina e até ginásio, nas escolas intervencionadas pela Parque Escolar e sempre que foi necessário acomodar alunos e professores noutros espaços.

Para quem acaba de chegar à escola

João de Barros, a primeira sensação de perplexidade acontece quando se entra nos deteriorados edifícios de alvenaria construídos nos anos 80, que já deviam ter ido abaixo, mas que continuam a ter de servir por mais algum tempo. Apesar do frio dentro das salas, das paredes pi-cadas até ao reboco quando foram feitos os testes de sustentabilidade, dos revesti-mentos de cortiça carcomidos, dos cabos que passam por janelas e atravessam o espaço, dos telheiros de fibrocimento, que são ainda assim as poucas estruturas que permitem aos alunos abrigarem-se da chuva, dos graffiti feitos nas paredes, não pelos alunos, mas pelos engenheiros, com indicações (Pilar 1; VP4; C1) para a obra que não avançou.

As condições são más para todos. A biblioteca, os serviços administrativos, o espaço dos professores foram todos im-provisados nas antigas salas de aula. “A única vantagem é que devo ser o diretor com o maior gabinete do país”, ironiza António Carvalho.

Mas a segunda sensação de estranhe-za é ainda maior quando se avistam os primeiros contentores. Olha-se para a frente e é como se se estivesse a entrar numa espécie de bairro clandestino

dos anos 70/80, com prefabricados en-costados uns aos outros, telheiros de chapa e plástico e um caminho estreito, com menos de 2,5 metros de largura a separar as duas fileiras de monoblocos. Em dois deles ficam as casas de banho, iguais às unidades que se instalam por uns dias nos festivais de música. Se-guem-se as salas de aula, com pouco mais de 7 metros de comprimento e 6 de largura. O barulho lá de dentro facilmente passa cá para fora e para a sala do lado. As janelas com grades e

estores descaídos dão ao cenário um ar ainda mais estranho.

Sobem-se umas escadas e há mais monoblocos, assentes sobre a fileira de baixo. Há reforços de metal que foram colocados para que em dias de chuva a água não caia no piso inferior. E é por estes espaços exíguos que circulam dia-riamente os quase mil alunos da escola.

Suspensão, litígios, falências

“Todas as 44 turmas passam pelos mo-noblocos. Mas as salas de aula têm as condições mínimas de funcionamento. Iluminação, ar condicionado, proje-tores”, relativiza o diretor, ainda que lamentando o arrastar da situação.

Uma realidade que deveria ser transi-tória — 18 meses era o tempo previsto para a renovação da escola — entra ago-ra no sétimo ano. Ou seja, há alunos que fizeram todo o percurso entre o 7º e o 12º nestas condições, entre 2010 e 2016.

Mas nem é das salas de aulas que os estudantes mais se queixam. “Até acho que têm mais condições”, diz Gonçalo, referindo-se aos ares condicionados que tornam a temperatura bem mais agra-dável do que no edifício antigo. “Alguns

estão um bocado podres”, lembra João. Mas o pior, diz, é o “bar dos alunos que é minúsculo” e o facto de o espaço da escola estar “reduzido a metade”.

A suspensão de 34 obras da Parque Escolar, decretada pelo anterior Go-verno, no final de 2011, e todas as vicis-situdes que a acompanharam — crise financeira, falência de empreiteiros, litígios, revisão de projetos para baixar os custos do mais ambicioso programa de requalificação do parque escolar, lan-çado por José Sócrates — levaram a que a situação dos contentores se arrastasse até hoje, ainda que com dimensões dife-rentes, em seis escolas do país, afetando cerca de quatro mil alunos.

A escassos quilómetros da João de Barros, na Secundária do Monte da Caparica (Almada), o cenário repete-se. Na “aldeia de cima”, como é conhecida a zona dos 26 contentores onde funcio-nam aulas, bar e cantina, os sinais de deterioração por uma utilização diária de 600 alunos são evidentes.

É com desencanto que Isabel Santos, diretora do agrupamento, abre a janela de uma das salas do edifício antigo e aponta para as novas e modernas ins-talações, azuis e amarelo-torrado, tam-

Na Secundária João de Barros, em Corroios, todos os alunos

têm aulas nos monoblocos. Os espaços de circulação

são estreitos, a chuva entra e as condições vão-se

deteriorando. Um cenário semelhante ao da Secundária do

Monte da Caparica (foto em baixo e à esquerda)

Parque Escolar 3ª fase de modernização das escolas secundárias arrancou em 2010. Veio a crise e a suspensão de obras. Seis continuam com monoblocos

EDUCAÇÃO

OS PREFABRICADOS SUCEDEM-SE, SEPARADOS POR UM CORREDOR EXÍGUO. NUM FUNCIONA O WC, IGUAL AO DOS FESTIVAIS DE MÚSICA

bém já rodeadas de mato, que se veem metros mais à frente. “Mais três meses e ficava tudo pronto”. A suspensão das intervenções e a falência da construtora levaram a que o processo quase voltasse à estaca zero.

Nos casos da secundária do Monte da Caparica e da João de Barros os proce-dimentos de novas contratações “estão em curso”, informa a Parque Escolar, adiantando que as obras “deverão re-começar no presente ano letivo”. O mesmo em relação à António Arroio

“É CONSTRANGEDOR TRABALHAR NESTAS CONDIÇÕES. E ENTRETANTO SÃO PAGOS €15 MIL POR MÊS PELOS CONTENTORES”

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 21 PRIMEIRO CADERNO

Dos três liceus históricos que mais têm chamado a atenção para a deterioração dos seus edifícios centenários e classificados como “monumentos de interesse pú-blico” — Alexandre Herculano (Porto), José Falcão (Coimbra) e Camões (Lisboa) — apenas este último já garantiu a intervenção. Será a Parque Escolar a conduzir o processo que está agora em fase de adjudicação do projeto, infor-ma a empresa, acrescentando à lista de futuras obras o Conserva-tório Nacional de Lisboa e a Esco-la Básica do Parque das Nações.

Nas outros dois liceus, o senti-mento é de incompreensão e in-dignação. “Fala-se de assimetrias entre interior e litoral, mas ela existem agora dentro da mesma cidade. Em Coimbra requalifica-ram três secundárias, todas mais recentes. Nós ficámos para a fase 4 do programa da Parque Esco-lar, que entretanto foi por água abaixo. E agora não constamos de nenhum plano de intervenção. A Educação devia ser igualdade de oportunidades, mas os alunos estão a ser tratados de forma di-ferente”, lamenta o diretor, Paulo Ferreira.

Falta de aquecimento, bolor, ra-chas, infiltrações, estuque a cair, são alguns dos sinais visíveis da deterioração do edifício de 1836. “Num dia é um cano que rebenta, um azulejo que se parte, a casa de banho que entope”, descreve.

Na Secundária Alexandre Her-culano, os problemas não são diferentes. E a ausência de infor-mação em relação a uma eventual intervenção também não, lamen-ta o diretor, Manuel Lima. “Con-gratulamo-nos com todas as obras de beneficiação de escolas que houve. Mas não aceitamos ficar à margem e que os nossos alunos sejam relegados para segundo e terceiro lugar.” No caso deste edifício de 1921 já se encerraram espaços sem condições mínimas de segurança. Há infiltrações, caixilharias apodrecidas e o frio é “desmesurado”. “Os alunos têm de estar nas salas de casaco, luva numa das mãos e alguns até trazem mantas de casa”, garante Manuel Lima.

Com a Parque Escolar a funcio-nar em serviços mínimos, o Go-verno aposta na ajuda dos fundos comunitários do Portugal 2020 e nos municípios, para a requa-lificação das escolas. Até 2020 avançam 500 intervenções, no valor de €320 milhões.

Uma delas será na Escola Básica do 1º ciclo (EB1) de São Bernar-do, em Aveiro, onde há nove anos que os monoblocos, entretanto comprados pela autarquia, servem de sala de aulas para 200 alunos. O presidente da câmara, Ribau Esteves, lamenta uma situação que descreve como “inaceitável e inacreditável” e garante que a colocou como “prioridade número um” quando chegou à Câmara, em 2013. “Não foi possível arrancar mais cedo devido a burocracias e dificuldades financeiras”, justifica. Agora espera que as obras, que contam com 60% dinheiro comu-nitário, arranquem no verão.

Mas há mais casos de instala-ções provisórias que se arrastam no tempo, como o da EB1 de Cas-conha em Coimbra, com duas sa-las a funcionar em contentores há seis anos. I.L. e Carla Tomás

Os liceus esquecidos e as obras que aí vêm

Até 2020 e com a ajuda da UE avançam mais 500 intervenções. Há escolas primárias também a funcionar em contentores

PARQUE ESCOLAR

165Desde o início do Programa de Modernização das Escolas com Ensino Secundário, lançado em 2007, foram concluídas as intervenções em 165 estabelecimentos. O projeto inicial previa a requalificação de 332 escolas até 2015, com um investimento total de 2,4 mil milhões de euros. A derrapagem de custos e a crise financeira fizeram baixar muito a fasquia

11milhões de euros é o valor total de adjudicação do aluguer de monoblocos nas escolas intervencionadas até agora e que vai continuar a subir. A Parque Escolar (PE) garante que o custo foi imputado aos empreiteiros sempre que estes foram responsáveis por atrasos de obra. Mas não conseguiu dizer em tempo útil que parte foi suportada pelas empresas

1,5 mil milhões de euros era o passivo da PE em 2014 (último relatório disponível), dos quais €1,1 mil milhões são dívida

Seis anos depois 4 mil alunos ainda têm aulas em contentores

estão um bocado podres”, lembra João. Mas o pior, diz, é o “bar dos alunos que é minúsculo” e o facto de o espaço da escola estar “reduzido a metade”.

A suspensão de 34 obras da Parque Escolar, decretada pelo anterior Go-verno, no final de 2011, e todas as vicis-situdes que a acompanharam — crise financeira, falência de empreiteiros, litígios, revisão de projetos para baixar os custos do mais ambicioso programa de requalificação do parque escolar, lan-çado por José Sócrates — levaram a que a situação dos contentores se arrastasse até hoje, ainda que com dimensões dife-rentes, em seis escolas do país, afetando cerca de quatro mil alunos.

A escassos quilómetros da João de Barros, na Secundária do Monte da Caparica (Almada), o cenário repete-se. Na “aldeia de cima”, como é conhecida a zona dos 26 contentores onde funcio-nam aulas, bar e cantina, os sinais de deterioração por uma utilização diária de 600 alunos são evidentes.

É com desencanto que Isabel Santos, diretora do agrupamento, abre a janela de uma das salas do edifício antigo e aponta para as novas e modernas ins-talações, azuis e amarelo-torrado, tam-

Na Secundária João de Barros, em Corroios, todos os alunos

têm aulas nos monoblocos. Os espaços de circulação

são estreitos, a chuva entra e as condições vão-se

deteriorando. Um cenário semelhante ao da Secundária do

Monte da Caparica (foto em baixo e à esquerda)

Parque Escolar 3ª fase de modernização das escolas secundárias arrancou em 2010. Veio a crise e a suspensão de obras. Seis continuam com monoblocos

EDUCAÇÃO

bém já rodeadas de mato, que se veem metros mais à frente. “Mais três meses e ficava tudo pronto”. A suspensão das intervenções e a falência da construtora levaram a que o processo quase voltasse à estaca zero.

Nos casos da secundária do Monte da Caparica e da João de Barros os proce-dimentos de novas contratações “estão em curso”, informa a Parque Escolar, adiantando que as obras “deverão re-começar no presente ano letivo”. O mesmo em relação à António Arroio

(Lisboa) e à Gago Coutinho (Alverca) que, apesar de não terem monoblocos, também têm obras por finalizar.

Milhões de euros em contentores

“Não é assim que se devia tratar a Educa-ção em Portugal”, desabafa a diretora do Monte da Caparica, cansada de esperar por uma solução. “É constrangedor tra-balhar nestas condições. Entretanto são pagos 15 mil euros por mês pelo aluguer dos monoblocos”, critica. O mesmo na escola de Corroios, a que se juntam €5 mil mensais pelo aluguer de instalações desportivas a um clube vizinho.

Na verdade, por causa do arrastar do processo, o recurso ao aluguer de pre-fabricados também teve de ser prolon-gado. A partir dos contratos publicados no portal Base e somando os valores de adjudicação desde 2009, a fatura ascende aos €11 milhões. A Parque Es-colar esclarece, no entanto, que este valor diz respeito à adjudicação e não necessariamente ao valor executado e que inclui todas as 173 escolas do pro-grama de modernização. E ainda que os custos foram imputados ao empreiteiros quando foram eles os responsáveis pelo

atraso, embora não adiante em quantos casos isso sucedeu.

Entre as que continuam a ter serviços instalados em monoblocos estão ainda as secundárias de Padrão da Légua e de Ponte de Lima (obras em curso e retirada prevista este ano), a de Amarante (aulas em três contentores, sem ginásio e pro-jeto em revisão) e a Quinta do Marquês (Oeiras). Júlia Tainha, diretora desta se-cundária, diz prontamente: “Estou muito aborrecida. Há sete anos que estamos em obras”. No caso desta escola ficou a tercei-ra fase da intervenção por concluir. A sala de convívio (a escola tem 1100 alunos), o bar e até uma espécie de sala de ginástica improvisada e balneários funcionam em contentores. “À volta fazem uma espécie de pseudoatletismo. Para fazer uma fute-bolada não têm espaço”, descreve.

Já as outras salas de aula funcionam nas novas instalações, mas também me-recem críticas: “Foram dimensionadas para 24 alunos, quando temos turmas de 28 e 30”. Quanto tempo mais a situação vai arrastar-se, Júlia Tainha não sabe dizer. “Em setembro perguntámos à Par-que Escolar, em carta registada, a ver se nos respondia. Não nos disseram nada”.

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“É CONSTRANGEDOR TRABALHAR NESTAS CONDIÇÕES. E ENTRETANTO SÃO PAGOS €15 MIL POR MÊS PELOS CONTENTORES”

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Expresso, 14 de janeiro de 201722 PRIMEIRO CADERNO

PORTUGAL ESPANHA

Portalegre

Barragem

de Cedillo

Barragem

de Alcântara

50 40 30

607080

90100

110120

130140

150 km

Barragem

de Torrejón Barragem

de Almaraz,

Arrocampo

Castelo Branco

RIO TEJO

Cáceres

RAIO DE 30 KM

A Proteção Civil espanhola definiu um Plano de Emergência

Nuclear Exterior para um raio de 30 quilómetros em redor

da central de Almaraz. Na “zona de maior risco de contami-

nação” haverá controlo de entradas e saídas, as pessoas de-

vem ficar confinadas às suas casas ou outros edifícios, isolar

janelas e portas e ingerir profilaticamente comprimidos de

iodo. A evacuação da população também é equacionadaEm caso de um acidente na central

nuclear de Almaraz pode haver fuga de

material radioativo para a atmosfera

ou para o rio Tejo, cuja água serve para

refrigerar os dois reatores. A evolução

da nuvem radioativa depende da

natureza do acidente, das condições

operacionais da central e das con-

dições meteorológicas

FRONTEIRA PORTUGUESA

Partículas radioativas podem ser transportadas pelo vento

e pela água do Tejo. Com vento a soprar para oeste a uma

velocidade de 9 metros por segundo, a nuvem radioativa

pode levar três horas a percorrer 100 quilómetros e entrar

em território português. As pessoas são aconselhadas a

ficar em casa para evitar a exposição ou inalação do ar

contaminado, devem evitar o consumo de água e vegetais

que possam ter sido expostos à nuvem radioativa

CENTRAL NUCLEAR

DE ALMARAZ

REALIDADE EUROPEIA

^^ Há^186^reatores^nucleares^na^Europa^(sete^em^Espanha)^e^15^em^construção.^França^mandou^fechar^cinco^dos^seus^reatores^por^razões^de^segurança

^^ Vários^países^europeus^têm^feito^queixas^a^Bruxelas^por^vizinhos^projetarem^novas^centrais^e^aterros^nucleares^e^quererem^prolongar^licenças^de^velhas^centrais^junto^às^suas^fronteiras.^Um^dos^casos^opõe^Alemanha,^Holanda^e^Luxemburgo^contra^a^Bélgica^por^ter^renovado^dois^reatores^que^deviam^ter^fechado^em^2015

^^ Bruxelas^argumenta^que^“os^Estados-membros^são^livres^de^decidir^que^soluções^energéticas^põem^em^prática”,^mas^têm^“sempre^de^aplicar^os^mais^altos^padrões^de^segurança^e^de^gestão^de^resíduos”

^^ Após^o^acidente^nuclear^de^Fukushima^(em^2011,^Japão),^a^Comissão^Europeia^mandou^elaborar^o^relatório^“Nuclear^Illustrative^Programme”,^que^prevê^a^necessidade^de^fechar^várias^centrais^europeias^por^não^cumprirem^diretivas^de^segurança.^Para^que^cumpram^as^novas^regras^é^necessário^um^investimento^de^mais^de^250^mil^milhões^de^euros

O QUE DIZ A AUTORIDADE DE PROTEÇÃO CIVIL

SIMULACRO DE ACIDENTEO^último^exercício^ocorreu^em^maio^de^2016^(RadiEx)^e^juntou^cerca^de^40^técnicos^e^operacionais^de^10^entidades^em^redor^de^uma^mesa.^Simularam^um^acidente^na^central^nuclear^de^Almaraz,^testando^“a^componente^de^apoio^à^decisão^em^emergências^radiológicas”^em^Portugal.^Concluíram^ser^“baixa^a^probabilidade^de^ocorrência”

MEDIDAS EQUACIONADASPassam^pela^interdição^preventiva^de^atividade^agrícola,^pecuária^e^pesca,^monitorização^e^controlo^de^géneros^alimentícios^e^da^água^provenientes^do^local^do^acidente^nuclear.^Não^se^preveem^limitações^à^mobilidade^de^pessoas.^ANPC^ativaria^a^Comissão^Nacional^para^as^Emergências^Radiológicas^e^os^dispositivos^operacionais^e^planos^de^emergência

BARRAGENS NO TEJOFechar^as^comportas^das^barragens^de^Alcântara^ou^Cedillo^para^controlar^uma^eventual^contaminação^do^rio^“depende^do^grau^de^contaminação”.^A^decisão^será^tomada^pelas^autoridades^espanholas^em^articulação^com^as^portuguesas

Texto Carla Tomás Infografia Jaime Figueiredo

O ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, admite que a queixa contra Espanha, que tenciona apresentar em Bru-xelas na próxima semana, “não vai impedir a construção do ar-mazém” de resíduos radioati-vos junto à central nuclear de Almaraz. Porém, está convicto de que o recurso à Comissão Europeia poderá bloquear a entrada em funcionamento do polémico aterro, prevista para daqui a 12 ou 15 meses.

A queixa — prometida desde setembro e que ambientalistas e deputados dizem pecar por tardia — vai ser reformulada de modo a “identificar os incum-primentos da diretiva comuni-tária, que em casos como este obriga à avaliação de impacte ambiental transfronteiriço”. Desta “pedra de toque”, Matos Fernandes diz não abrir mão.

Na reunião de quinta-feira, em Madrid, o Executivo espa-nhol apenas ‘ofereceu’ uma “maior partilha de informa-ção” sobre assuntos que afetem Portugal (já que neste processo nunca notificou oficialmente Portugal) sem nunca admitir estar em falta com a avaliação de impactes ambientais que ex-travasem as fronteiras do país. Espanha considera que a obri-gação comunitária de avaliação de impactos transfronteiriços não faz sentido para a constru-ção de “piscinas” — como lhes chamaram os responsáveis es-panhóis — a 100 quilómetros de Portugal, como se estas fossem inócuas. Contudo, este aterro

Queixa na UE visa travar ativação do aterro

ALMARAZ

Ministro admite que queixa não impede construção do armazém de resíduos radioativos, mas pode bloquear o seu funcionamento

servirá, a partir de 2018, para armazenar resíduos de urânio utilizado na central nuclear, junto ao rio Tejo — o que, no en-tender do ministro português , “é potenciador de riscos”.

Futuro de Almaraz ficou por discutir

Matos Fernandes admite que este projeto indicia a intenção de prolongamento da vida da central nuclear mais próxima de Portugal, mas o assunto “não esteve em cima da mesa” no encontro de Madrid. Os interlocutores espanhóis — a ministra do Ambiente Isabel Garcia Terejina e o ministro da Energia Álvaro Nadal — argu-mentaram que o Governo es-panhol “ainda não tomou uma decisão” sobre a renovação da licença da central e só a tomará “dentro de um ano”. Contudo, em lado nenhum da declara-ção de impacte ambiental do aterro de Almaraz é referido que este servirá para a fase de desmantelamento da central. E o diretor do complexo nuclear, José Maria Quirós — que tem como acionistas a Iberdrola, Endesa e Gás Fenosa — anun-ciou em março de 2016 estar a trabalhar na renovação da licença da central “para lá dos 50 ou 60 anos”.

A confirmar-se, “Portugal deixa muito claro que é desejá-vel uma avaliação de impactes ambientais transfronteiriços”, sublinha Matos Fernandes, sem fazer referência ao man-dato do Parlamento português para que o Governo pressione o Executivo Espanhol a fechar esta central. Diplomatica-

mente, assume que “é preciso respeitar as opções políticas energéticas de cada país”, ga-rantindo contudo que é “contra o nuclear no nosso país”.

Paradoxalmente, o titular da pasta do Ambiente continua a defender que “não há razões para temer esta central por ra-zões de segurança”. Ao longo dos últimos meses, Matos Fer-nandes tem desvalorizado os alertas de movimentos ecolo-gistas para as sucessivas falhas de segurança na vizinha central nuclear. E parece desconhecer a ata da inspeção realizada em maio pelos técnicos do Con-selho de Segurança Nuclear, divulgada pelo “El Diário.es”.

No documento, a que o Ex-presso teve acesso, os inspeto-res detetaram “um incumpri-mento consciente, voluntário, repetitivo e programado” das instruções de segurança contra incêndios. Nele são relatadas fugas de óleo, matérias com-bustíveis em cima de cabos de segurança, peças com defor-mações, beatas de cigarros no interior do edifício e a falsifica-ção de documentos de gestão de medidas contra incêndios na central de Almaraz. Com base nesta denúncia, o Bloco de Esquerda já questionou o ministro do Ambiente sobre estas informações e o que pre-tende fazer junto das autorida-des espanholas. Mas ainda não obteve resposta.

António Eloy, do Movimento Ibérico Antinuclear, sublinha que o relatório em causa vem mais uma vez alertar para “a bomba relógio” que é Almaraz e lembra que “já se registaram 70 incidentes em 35 anos, três

dos quais de grau 1”. Eloy acusa o ministro Matos Fernandes de “andar a fazer-se de tonto” ao ignorar esta realidade.

A inexistência de um plano de emergência específico para reagir na contingência de um acidente nuclear em Almaraz é outro dos pontos negros evi-denciados por ambientalistas, técnicos de proteção civil e partidos políticos. A Autorida-de Nacional de Proteção Civil admite que não há um plano específico, mas garante que o Plano Nacional de Emergência, aprovado em 2013, “contempla riscos radiológicos e uma dire-tiva que operacionaliza todo o dispositivo e a hierarquia de resposta”.

O bloquista Jorge Costa es-tranha que se “reconheça o risco, mas na prática não se tenha operacionalizado qual-quer plano específico para enfrentar um acidente”. Na mesma linha, André Silva, do PAN, acusa as autoridades na-cionais de “terem apenas pla-nos vagos, o que revela como sucessivos Governos têm posto em segundo plano a proteção dos ecossistemas, da natureza e da saúde pública”. E o depu-tado social-democrata Manuel Frexes defende que “a central nuclear de Almaraz deve aju-dar a financiar um plano de emergência nuclear deste lado da fronteira, permitindo a for-mação de pessoas e a compra de equipamento”. Por seu lado, o ecologista António Eloy opta pelo sarcasmo: “Deve haver um plano de emergência como o de Chernobil, que estava fechado no cofre da central”.

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 23 PRIMEIRO CADERNO

MAU NEGÓCIO

74milhões de euros foram emprestados pelo Montepio e pelo BES entre 2005 e 2015 ao Invesfundo II. Cada um dos bancos emprestou 37,5 milhões de euros

60milhões de euros é o valor da última avaliação feita aos ativos do fundo: isto é, dos terrenos que estão a ser urbanizados na Amadora. Em 2015 foram declarados mais de 20 milhões de euros em perdas potenciais para o Montepio e para o BES

Micael Pereira

Um fundo de investimento imo-biliário fechado que serviu para comprar 50 hectares de terre-nos nas traseiras do hipermer-cado Continente de Alfragide tem como um dos donos José Guilherme, o construtor civil da Amadora que ficou conhe-cido por ter oferecido 13,8 mi-lhões de dólares ao banqueiro Ricardo Salgado, ex-presidente do BES e antigo líder do Grupo Espírito Santo (GES).

O Invesfundo II é gerido desde o início por uma soci-edade do GES, a Gesfimo, e recebeu entre 2005 e 2015 um total de €74 milhões em empréstimos do Montepio e do BES, em partes iguais, e é um dos dossiês que estará a ser investigado pelo Depar-tamento Central de Investi-gação e Ação Penal (DCIAP) num novo inquérito-crime. António Tomás Correia, ex--presidente do Montepio, já foi constituído arguido nesse pro-cesso, juntamente com Jorge Silvério, um engenheiro civil e construtor da Amadora que foi nomeado responsável pela gestão do projeto imobiliário nos terrenos das traseiras do Continente de Alfragide — e conhecidos como Marconi Par-que. Em causa, segundo um comunicado da Procuradoria--Geral da República divulgado na semana passada, estão “fac-tos suscetíveis de integrarem a prática de crimes de burla qua-lificada, abuso de confiança, branqueamento, fraude fiscal e, eventualmente, corrupção”.

Construtor José Guilherme é dono de fundo suspeito

JUSTIÇA

Empresário que deu €14 milhões a Ricardo Salgado está por trás de fundo imobiliário fechado financiado pelo Montepio e pelo BES e sob investigação pelo Ministério Público

José Guilherme não está entre os arguidos.

Em 2015, o fundo teve de de-clarar mais de €20 milhões em imparidades (perdas potenci-ais) e em novembro passado era colocada a hipótese de ter de ser liquidado, o que, a acon-tecer, implicará perdas para o Montepio e para o BES, já que as únicas garantias dadas para os empréstimos são os própri-os terrenos.

A detenção de unidades de participação do Invesfundo II por José Guilherme foi avança-da ao Expresso por uma fonte ligada ao processo de urbani-zação do Marconi Parque e confirmada por Luís Emílio Borges Rodrigues, um advoga-do que foi gerente de uma em-presa, a Casalapa, que vendeu ao fundo de investimento um lote de terreno contíguo à área de loteamento. “José Guilher-me participou, inclusive, em duas reuniões que nós tivemos de negociação de venda desse lote de terreno”, recorda o ad-vogado e gestor.

Contactada pelo Expresso, a CMVM sublinhou que a titu-laridade de unidades de par-ticipação de fundos de inves-timento imobiliário fechados é “uma informação sigilosa”. Por outro lado, Gabriela Ro-drigues Martins, advogada de José Guilherme, disse não es-tar em condições de confirmar essa informação, adiantando que o construtor civil conti-nua em Angola, onde reside oficialmente.

Nas respostas que enviou por escrito em 2015 à comis-são parlamentar de inquéri-

to do BES, o construtor civil da Amadora admitia dívidas de €121 milhões ao banco que foi presidido por Ricardo Sal-gado. Confrontado com os 13,8 milhões de dólares que deu ao banqueiro — em várias tranches e através de offsho-res, entre 2009 e 2011 —, José Guilherme nada disse sobre o assunto, depois de o banquei-ro se ter referido a isso como se tratando de “uma liberali-dade” — isto é, um presente. Em setembro de 2014, quando foi ouvido pela comissão de in-quérito, Salgado referiu-se ao construtor da Amadora como um “amigo de longa data”, a quem aconselhou investir em Angola. E daí, o presente. Foi isso que o banqueiro também disse quando foi interrogado como arguido no processo ‘Monte Branco’.

Valores não batem certo

O projeto de loteamento do Marconi Parque foi desenhado em 1996, quando os terrenos ainda pertenciam ao fundo de pensões da Rádio Marconi, e foi aprovado em dezembro de 2000 pelo então presidente da Câmara Municipal da Ama-dora, Joaquim Raposo. Em dezembro de 2005 o fundo de pensões vendeu os 50 hec-tares da área de loteamento ao Invesfundo II, constituído de propósito para fechar o negócio e investir na sua ur-banização. Apesar de o alvará de loteamento ter caducado em junho de 2005, sem que as obras de urbanização tivessem sido feitas, os terrenos foram

comprados na mesma por 41 milhões de euros. O fundo de investimento viria a obter a renovação do alvará em 2007, aprovada mais uma vez por Jo-aquim Raposo.

Os contornos do negócio acabaram por envolver um incidente que levou o Inves-fundo II a ter de adquirir no início de 2009 um terreno de 2,7 hectares detido pela em-presa Casalapa e que se situ-ava no limite sul do Marconi Parque. No relatório anual de 2009 entregue pelo fundo à CMVM é explicado que esse terreno “foi incluído no lote-amento pela entidade lotea-dora, o fundo de pensões da Rádio Marconi, à revelia da respetiva proprietária, a Casa-lapa — Sociedade de Constru-ções, Lda., sem ter, portanto, legitimidade para tal”.

O documento refere que “foi outorgada a escritura de compra e venda do terreno do prédio rústico, com a área aproximada de 2,7 hectares, pelo preço de oito milhões de euros”. Analisando a sequência dos relatórios anuais, percebe--se que o financiamento obtido no Montepio e no BES subiu de €41 para €49 milhões entre 2007 e 2009. No entanto, o valor que consta da escritura do terreno, realizada a 30 de janeiro de 2009, e a que o Ex-presso teve acesso esta sema-na, é de €4 milhões e não de 8.

De qualquer forma, a crer no valor mencionado na escritu-ra, de €4 milhões, o preço por metro quadrado pago à Casa-lapa (€148/m2) é quase o dobro do que tinha sido pago por 50

hectares ao fundo de pensões da Rádio Marconi (€82/m2). Uma fonte que acompanhou o processo descreve esse preço como “exorbitante” — e “quan-do o que está em causa é um terreno inclinado, sem inte-resse, e que não estava incluído no plano”.

O relatório anual de 2009 entregue pelo fundo detido por José Guilherme à CMVM apre-sentava uma justificação para a necessidade de comprar esse lote extra: “As reclamações desta proprietária do terreno apresentadas na Câmara Mu-nicipal da Amadora punham em risco a operação de lotea-mento pelo que o Invesfundo II, depois de confirmar, medi-ante análise documental rigo-rosa, que estas reclamações tinham fundamento e que a Câmara não encontrava via de solucionar a questão, viu-se na contingência de negociar a compra desse terreno.”

Na consulta que o Expresso fez ao processo de loteamento no Departamento de Adminis-tração Urbanística da Câmara Municipal da Amadora, não consta qualquer referência ao terreno da Casalapa. Pelo menos nos documentos que estão disponíveis. Os serviços da câmara admitiram que al-guns dos 32 volumes desapa-receram. Incluindo duas pastas relativas precisamente ao perí-odo em que o lote foi comprado — e que foram consultadas pela última vez no final de 2014.

Ligações ao GES

No histórico da conservatória do registo comercial da Ama-dora, a Casalapa surge como uma empresa criada em 1992 e tendo 91% do seu capital social controlado por duas offshores, a Moreton Investments Limi-ted e a Kalar Investments Limi-ted. A 28 de outubro de 2008, três meses antes da venda dos 2,7 hectares ao Invesfundo II, a empresa nomeou dois no-vos gerentes: o advogado Luís Borges Rodrigues e o também advogado Rui Barreira. Am-bos tinham sido administrado-res da ESGER, a empresa do Grupo Espírito Santo que foi apanhada na ‘Operação Fura-cão’ por oferecer soluções de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Borges Rodrigues garante que isso é uma mera coincidência e que quer ele quer o seu colega Rui Barreira desvincularam-se de qualquer relação com o Grupo Espírito Santo em 2005. “Trabalhei na área de imobiliário do GES mas nessa altura já não tinha qual-quer ligação ao grupo.”

Borges Rodrigues revela que as duas offshores donas da Ca-salapa, a Moreton e a Kalar, tinham como beneficiário final Joaquim Francisco Nunes dos Santos, um empresário “que optou por essa solução para proteger o seu património”, por causa de um diferendo com o Estado. “O terreno foi com-prado por uma outra empresa dele, a Jofrasa, em 1978, ao pai de Francisco Canas, o Zé das Medalhas.” E em 1993 passou a ser detido através da Casalapa. O advogado diz ainda que espe-rou algum tempo para colocar o problema do terreno à Câ-mara da Amadora. “A ideia foi aproveitarmos a oportunidade certa para podermos negociar numa posição de força.” O anti-go gerente da Casalapa adianta que a primeira reclamação foi apresentada à autarquia em 2007. Mas isso não consta, pelo que o Expresso verificou, no processo de loteamento. Bor-ges Rodrigues assegura ain-da que o valor pago foi de €4 milhões — e não oito — e nega que o negócio tenha envolvido o pagamento de comissões a terceiros. “Isso não aconteceu.”

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Marconi Parque, com 50 hectares, nas traseiras do hipermercado Continente de Alfragide, na Amadora FOTO NUNO BOTELHO

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Expresso, 14 de janeiro de 201724 PRIMEIRO CADERNO

O diretor da escola de dança do Conservatório acedeu a fa-lar com o Expresso para escla-recer o que considera serem calúnias de uma minoria. Só aceitou falar na presença da advogada.

PP EstáPaPserPfeitaPalgumaPinves-tigaçãoPdePâmbitoPfinanceiroPàPEDCN?

R Desconheço completamente qualquer investigação financei-ra à escola.

PP OndePsãoPcontabilizadasPasPpropinasPdosPalunosPestrangei-ros?

R A receita dos alunos estran-geiros está contabilizada no or-çamento privativo por compen-sação de receita da escola. Mas vem junta com outras, porque a escola tem outras receitas.

PP QuaisPsãoPasPprincipaisPrecei-tasPdaPEDCN?PEPasPreceitasPditasPprivativasP correspondemP aPquanto?

R A escola organiza cursos livres, tem apoios de mece-nato, há pequenas receitas de merchandising e do aluguer de estúdios e há o dinheiro do Or-çamento do Estado. As receitas privativas correspondem a cer-ca de 40% do total.

PP NasPcontasPdaPescolaPháPrefe-rênciaPaPumPgrandePescritórioPdePadvogados,PoPmesmoPquePoPdefendePnoPdiferendoPcomPoPMinistério.PÉPparaPaPsuaPasses-soriaPjurídica?

R São processos da escola que estavam pendentes. É evidente que a minha assessoria jurídica sou eu que pago.

PP OPprofessorPrussoPmantém--sePnaPescola?

R Fiz a minha obrigação de, após as queixas dos alunos, instaurar um processo discipli-nar. A decisão não foi a do seu afastamento e é óbvio que ele continua lá.

PP ExisteP mauP ambienteP naPEDCN?

R O ambiente é bom e a maior parte dos alunos e professo-res está empenhada no projeto educativo. Da última vez que fui eleito, foi por unanimidade.

PP EntãoPaPquePsePdevemPosPpro-blemasPcomPprofessoresPePalu-nos?

R É preciso dimensionar. É normal que as pessoas pensem de maneira diferente, mas não que se tente caluniar. Existe má vontade por parte de algumas pessoas.

PP MasPporquePoPMinistérioPdaPEducaçãoPdecidiuPatuar?

R Terá de perguntar ao Minis-tério.

PP VaiP candidatar-seP aP novoPmandato?

R Sim, tenho intenções. O meu trabalho foi extremamente po-sitivo: a EDCN era completa-mente desconhecida e foi co-locada no mapa, com alunos a ganharem prémios em concur-sos internacionais, é procurada por alunos estrangeiros e o nú-mero total de alunos aumentou 60%. Não é devido à opinião de duas ou três pessoas que vou deixar de me preocupar com o interesse dos alunos.

Pedro Carneiro Diretor da EDCN

“O meu trabalho foi positivo”

Christiana Martins

O Ministério da Educação alargou a questões de na-tureza financeira o âmbito do processo de inquérito em curso sobre o funcionamento da Escola de Dança do Con-servatório Nacional (EDCN). Tudo começou com a substi-tuição de um professor mas, desde então, os problemas não param de aumentar: o diretor está impedido de en-trar nas instalações e, depois de ter recebido uma denúncia de um bailarino, ex-aluno, o Governo decidiu perceber o que se passa na única escola pública a formar bailarinos profissionais em Portugal. Perante a falta de um diretor e de informação sobre a situ-ação da escola, alguns pais, funcionários e docentes já terão pedido uma reunião do Conselho Geral.

Pedro Soares Carneiro, dire-tor da EDCN desde 2009, foi afastado pela tutela e encon-tra-se em litígio judicial com o Ministério da Educação. É também arguido num proces-so-crime que está a ser inves-tigado no DIAP de Lisboa. A Inspeção-Geral de Educação e Ciência começou a investigar a escola em 2015, quando Mar-cos Pinheiro, professor há 28 anos da EDCN, viu a estrutura curricular e a denominação da sua disciplina alteradas, ten-do sido substituído por outro docente e, por isso, apresen-tou uma queixa ao Ministé-rio. Pedro Carneiro foi então advertido de que não poderia

Ministério da Educação investiga contas de Escola de Dança

ENSINO

Diretor Pedro Carneiro foi afastado e é alvoPdePumPinquérito-crimePnoPDIAPPdePLisboa. Dúvidas nas contas da escola estão a ser alvo de uma investigação da Inspeção do Ensino

recorrer a novos docentes sem-pre que tivesse recursos huma-nos disponíveis, mas manteve a decisão. Como resultado, a Direção-Geral dos Estabele-cimentos Escolares propôs a sua suspensão de funções por 80 dias e a cessação da comis-são de serviço, e desde o fim de 2016 que a EDCN está a ser gerida pelo vice-diretor.

Neste momento, a decisão está pendente nos tribunais: o diretor apresentou uma provi-dência cautelar para impedir o cumprimento da pena proposta pelo ME. A tutela invocou o interesse público para o man-ter afastado das instalações da escola. O que não chegou a ser assumido pela direção in-terina, segundo garantiram ao Expresso vários pais e profes-sores. “Não foi divulgada ne-nhuma nota a explicar o que se passa nem fomos formalmente informados do afastamento do diretor”, garante ao Expresso Paula Neves, presidente da As-sociação de Pais da EDCN.

Em março cessa o mandato da atual direção e deverão ser escolhidos novos responsáveis. Pedro Carneiro garante que vai recandidatar-se (ver texto nes-ta página). No entanto, o ME recorda que “o pessoal docente e não docente a quem tenha sido aplicada pena disciplinar superior a multa não pode ser eleito ou designado para os ór-gãos e estruturas de gestão e administração das escolas du-rante o cumprimento da pena e nos quatro anos posteriores ao seu cumprimento”.

Para complicar a situação, a lei obriga a que apenas possa

dirigir um estabelecimento de ensino quem tiver formação especializada na área da gestão escolar e só na ausência de can-didatos com esta especialização poderão ser aceites outros, des-de que possuam pelo menos um mandato completo na direção de escolas públicas. Desta for-ma, a possibilidade de surgi-rem novos nomes para liderar a EDCN fica muito limitada. O que também preocupa os pais dos alunos. “A escola tem boa reputação e é importante ser gerida por alguém da área ar-tística”, sublinha Paula Neves.

DinheirosPemPdúvida

No relatório da conta de gerên-cia do ano de 2015, a que o Ex-presso teve acesso, na página relativa ao “orçamento privati-vo” da escola surge, sem outras discriminações, na alínea “re-ceitas diversas compensadas

no ano de 2014”, o montante de 116.463,49 euros. Inquirido sobre esta verba, Pedro Carnei-ro respondeu que são relativas às propinas dos alunos estran-geiros.

Neste ano letivo inscreveram--se na EDCN 30 estrangeiros — cinco dos quais italianos no ensino básico e 25 no secundá-rio, a maioria de origem asiáti-ca. Os alunos da União Euro-peia pagam anualmente 3500 euros, os demais, cinco mil. E, instado a clarificar o enquadra-mento legal e a certificação re-cebida por estes estudantes no âmbito do ensino público em Portugal, o Ministério respon-deu apenas que “estes aspetos serão também analisados no âmbito do processo de inquéri-to em curso”.

Nenhum dos professores ou pais ouvidos pelo Expresso dis-se conhecer o regime destes estudantes, cuja presença está, contudo, prevista no regula-mento da escola. “Este assunto é um buraco negro”, diz a pre-sidente da associação de pais.

BaterPcomPcano,PPriscarPcomPaPunha

Um dos momentos mais di-fíceis da escola foi vivido em 2015, quando foi aberto um processo disciplinar com vista ao despedimento de Mikhail Zaviolov, um dos professores de referência da EDCN. Russo e responsável pela preparação de técnica clássica de alguns dos alunos que conquistaram pré-mios internacionais para a es-cola, o professor Misha, como é conhecido no conservatório, foi

Há um ano, dois estudantes japoneses ensaiavam

no conservatório FOTO LUÍS BARRA

punido por agredir fisicamente vários alunos.

Na nota de culpa do processo disciplinar são vários os exem-plos do método de ensino “ex-plicado pelo próprio professor como ‘memória da dor’”. Desde bater com as mãos “em todas as partes do corpo [dos alunos], com exceção da cabeça”, ou uti-lizar “um objeto (tubo de PVC ou cabo de vassoura) para bater na zona lombar e pernas, pro-vocando dor e deixando marcas no corpo, com a intenção de associar movimentos à dor e à parte do corpo que necessitava de exercício”.

Para corrigir a postura de uma aluna, Misha ter-lhe-á batido com as mãos nas costas e, sobre a marca vermelha que ficava na pele, escrito “com uma unha, o nome próprio da aluna”. A nota fala ainda na utilização de um “discurso desmotivador e desmoralizante” e numa “rotina de castigos, através de flexões”. Castigos aplicados muitas vezes “aos colegas do prevaricador e não ao aluno que não tinha cum-prido o solicitado pelo professor ou cometido um erro”. A Di-reção-Geral da Administração Escolar aplicou uma multa, com pena suspensa por um ano, e o professor continua na escola.

Apesar da situação, o diretor em exercício, Pedro Mateus, recusa a existência de mau am-biente: “Não corresponde, de todo, à verdade. Existe um cli-ma saudável, sendo que alunos e professores estão empenha-dos no sucesso das aprendiza-gens e reveem-se no projeto educativo da EDCN.”

[email protected]

PASSOS EM FALSO

^ Regime legal dos alunos estrangeiros levanta dúvidas

^ Contas da escola levantaram dúvidas ao Ministério

^ Professor de Dança foi castigado por agressão a alunos

^ Diretor foi afastado e está impedido de entrar no conservatório mas quer recandidatar-se

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 25 PRIMEIRO CADERNO

CANDIDATOS À ORDEM

ÁLVARO BELEZADiretor do Serviço de Sangue do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, quer transformar a Ordem dos Médicos na principal entidade reguladora do sector no país e dar aos médicos a liderança inequívoca do sistema de Saúde. Desde logo, assegurando o pagamento condigno do Estado

JOÃO FRANÇA GOUVEIAInternista de formação e a exercer no sector privado em Lisboa, tem como objetivo criar a especialidade de medicina de emergência para dotar as Urgências hospitalares de equipas médicas exclusivas

JORGE TORGALProfessor catedrático da Nova Medical School na área da saúde pública, pretende desenvolver o SNS e as carreiras médicas. Por exemplo, valorizando a qualidade do trabalho e não apenas a carga horária

MIGUEL GUIMARÃESUrologista no Hospital de São João, no Porto, concorre em defesa dos doentes e da qualidade da medicina e da Saúde em Portugal. Afirma que é preciso distinguir a inovação da propaganda

“Há excesso de política e de dogmas na Saúde. É assustador”

Texto Vera Lúcia Arreigoso

Foto Luís Barra

Voz de protesto nos últimos seis anos contra o prognósti-co reservado para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), José Manuel Silva está de saída da Ordem dos Médicos (OM), com eleições na próxima quinta-fei-ra. Especialista em medicina interna, pousa a caneta para voltar a segurar no estetoscó-pio com a certeza de um diag-nóstico: “A Saúde está pior, por falta de financiamento.”

PP PorquePnãoPvoltaPaPserPcandi-datoPaPbastonário?P

R Cumpri o meu ciclo, seis anos é muito tempo na vida de um médico e vejo muito mal quem tudo faz para estar mui-tos anos no mesmo cargo. Os doentes começaram a recorrer à OM para comunicarem as suas queixas, a sentirem que lhes podia dar voz e saio satis-feito com essa mudança.

PP VaiPvoltarPaPserPmédico?P R Vou, mas primeiro preciso de

fazer uma reciclagem. Tenho o meu local de trabalho na Facul-dade de Medicina de Coimbra e nos hospitais da Universidade, gosto do que fazia e vou gostar de o retomar a 100%.

PP DizPquePumPmédicoPdePquali-dadePnuncaPéPcaro.P

R Os médicos costumavam sair aos 70 anos e passaram a sair aos 60 ou antes. Perdeu-se uma década de trabalho e temos mais de 1500 que emigraram definitivamente. É preciso re-tribuir de forma adequada a responsabilidade e a duração da formação médica porque nenhuma outra profissão tem este nível de responsabilidade.

PP OsPincentivosPanunciadosPpeloPministroPdaPSaúdePaindaPnãoPPsãoPsuficientes?PP

R É uma clara melhoria, mas falta o essencial. Todos os mi-nistros da Saúde reconhecem que o vencimento dos médicos é muito baixo. Isto era com-pensado com o pagamento das horas extraordinárias, uma for-ma de os médicos trabalharem mais em benefício dos doentes e das instituições, e permitia re-solver os problemas do interior do país, das Urgências e da falta de horas de trabalho no SNS.

PP JáPfoiPpublicadaPaPlegislaçãoPparaPpagarPmaisPpeloPtrabalhoPextraordinário.P

R Sim, mas ainda não se perce-beu bem se avança.

PP AsPOrdensPdaPSaúdePuniram--sePePexigemPmaisP€1,2PmilhõesPparaPoPSNS.PPorquêPsóPagora?P

R Todas as Ordens têm consci-ência de que o financiamento é insuficiente. O documento ser-viu para dizer publicamente, até ao Presidente da República, que precisamos de um financiamen-to da despesa pública em Saúde, pelo menos igual à média dos países da OCDE, porque sem esse reforço não conseguiremos resolver os problemas do SNS.

PP APdívidaPaPfornecedoresPcres-ceuP15%.POsPgovernosPmudamPmasPoPsubfinanciamentoPnão?P

R O anterior governo tinha um

cariz não favorável ao SNS e uma situação financeira difícil que levou a cortes acentuados. E agora temos uma maioria favorável, mas que está a fazer prevalecer a reposição de direi-tos individuais sobre os direitos coletivos. Os reforços orçamen-tais são para a reposição das 35 horas e vencimentos e não para a melhoria dos cuidados.

PP OP ministroP daP SaúdeP temPsidoPmuitoPconsensual.PEstáPagoraP aP perderP oP estadoP dePgraça?P

R Não. Este é talvez o Ministé-rio da Saúde mais competente de sempre, mas sem financia-mento não se fazem milagres. Não vale a pena insistir que melhorando a gestão e comba-tendo a fraude e o desperdício vamos resolver os problemas basilares do SNS. Faltam os ovos e é impossível a qualquer ministro fazer omeletes.

PP QualPéPaPfalhaPmaisPgrave?PPP

R Todas são graves.

PP OPacessoPaosPexames?PP R É verdade. Os hospitais têm

uma capacidade que deve ser aproveitada e a partir daí con-tratualizar-se com o privado. Não vejo razões para que estas situações não sejam resolvidas, exceto não haver financiamen-to. É mais fácil dar a desculpa de que não há médicos...

PP EPconcordaPcomPaPgestãoPpri-vadaPdePhospitaisPpúblicos?P

R Não tenho nenhuma reserva ideológica quanto à prestação privada de cuidados de saúde, mas em todo o mundo aumen-ta os custos, reduz a qualidade e obriga a um sistema sofistica-díssimo de controlo para defen-der os cidadãos. Não percebo como é que o Estado faz uma avaliação sobre um modelo de prestação de cuidados que depois não é pública. É inacei-tável porque esconder informa-ção não é honesto.

PP ComPumPGovernoPmaisPàPes-querdaPseriaPexpectávelPmaisPcríticaPàsPparcerias?P

R Em Saúde as decisões não devem ser politicamente inqui-nadas. Devem ser técnicas por-que os cidadãos querem cuida-dos de qualidade. São precisos estudos que efetivamente ava-liam os resultados.

PP NasPUrgênciasPdizia-sePquePoPproblemaPeraPaPfaltaPdePmé-dicosPdePfamíliaPePagoraPquePháPmais,PosPserviçosPestãoPaindaPmaisPcheios...

R Se os doentes vão à Urgência não é para fazer turismo e se

José Manuel Silva Bastonário da Ordem dos Médicos

esperam seis horas não é para conviver, é porque não têm res-posta noutro lado. Os centros de saúde deviam estar abertos até às 22 horas e ao sábado e não apenas em horário laboral, para reformados e desempre-gados. E falta criar-se a cultura de ligar para o centro de saúde.

PP AsP pessoasP ligamP paraP aPSaúdeP24,PoPserviçoPquePdizPquePdevePacabar.PP

R Em 2015 evitaram uma con-sulta de dez em dez em dias por médico de família e os pedia-tras dizem que as ‘febrículas e ranhocas’ vão todas parar à Ur-gência depois de ligarem para a linha. Mais importante do que ligar é ter uma mensagem no boletim de saúde infantil a di-zer que a febre é um processo natural. Os cuidados de saúde primários têm hoje capacidade de absorver o que é a Saúde 24.

PP ExpulsouPalgumPmédico?P R Sim, três. A OM tem sido

mais rigorosa do que os tribu-nais, que têm de estabelecer um nexo de causalidade entre uma prática e as consequên-cias e nem sempre é possível. A Ordem avalia se as boas prá-ticas foram respeitadas e tem o dever de penalizar o médico independentemente do nexo de causalidade.

PP POPmédicoPdosPComandosPvaiPserPpenalizado?P

R Ainda não temos informação sobre o que se passou efetiva-mente. O que sabemos infor-malmente é que, se calhar, não existiam as condições minima-mente necessárias.

ENTREVISTA

PP EPoPmédicoPnãoPdeviaPterPditoPquePnãoPhaviaPcondições?P

R Se calhar disse... Se calhar, as condições existentes eram, apesar de tudo, melhores do que no passado, mas não sufi-cientes. Os inquéritos que va-mos fazer que vão apurar isso.

PP ConviveuPcomPtrêsPministrosPdaPSaúde.PQuePparticularidadePguardaPdePcadaPum?P

R Com Ana Jorge foram pou-cos meses, mas recordo-a como competente, afável e ge-nuinamente preocupada com o SNS. Paulo Macedo ocupou a pasta num período extraor-dinariamente difícil e tinha uma conceção da Saúde mais liberal mas com quem se podia dialogar. Nunca teve a ‘mão na massa’ e faltava-lhe o conheci-mento intrínseco da Saúde.

PP CoisaPquePsobraPaoPministroPAdalbertoPCamposPFernandes.PP

R Sim. É uma pessoa que pro-cura resolver os problemas con-

“MAISPIMPORTANTEPDOPQUEPLIGARPPARAPAPSAÚDEP24,PÉPTERPUMAPMENSAGEMPNOPBOLETIMPINFANTILPPAPDIZERPPQUEPAPFEBREPPÉPNATURAL”P

NESTEPMOMENTO,P“FALTAMPOVOSPPEPÉPPIMPOSSÍVELPPAPQUALQUERPMINISTROPP[DAPSAÚDE]PFAZERPOMELETES”

cretos, desde que não tenham impacto orçamental (risos). Claro que há questões que influ-enciam: um governo minoritá-rio cultiva sempre mais, até por obrigação, o diálogo, e um go-verno de maioria absoluta tem uma postura mais autoritária.

PP APexperiênciaPdePbastonárioPfê-loPmudarPconvicções?P

R Fez-me confirmar que há um excesso de política e de dogmas na Saúde. É profundamente assustador porque a política é determinada pelos interes-ses dos que se digladiam pelo poder em seu benefício e não do país nem das pessoas. Há poucas decisões técnicas.

PP BarrigasPdePaluguer,Peutaná-sia,PmudançaPdePsexo...PforamPdecididosPsemPbasePtécnica?P

R Gostaria que o financiamen-to do SNS fosse fraturante para ser abordado rapidamente na Assembleia da República. A mudança de sexo é uma deci-são política tecnicamente mal fundamentada. Ninguém se autodetermina no seu género. As pessoas sentem-se intrinse-camente no seu género e o sen-timento deve ser respeitado.

PP OPSNSPdevePassegurarPasPci-rurgias?P

R Desde que haja diagnóstico. Como é natural, não se opera ninguém sem um diagnóstico.

PP Identifica-sePcomPalgunsPdosPquatroPcandidatos?

R Sou neutral, mas o meu voto já foi posto no correio, no início da semana.

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Expresso, 14 de janeiro de 201726 PRIMEIRO CADERNO

Justiçade PerdiçãoMaria José Morgado

O Portugal moderno WhatsApp talvez ainda não tenha sido capaz de enfrentar o seu passado

fascista. A história da ditadura resume-se quase sempre a uma caricatura dominada pela figu-ra diabolizada de um Salazar implacável. Quem foi preso político do regime salazarista tem a obrigação de desmontar

os seus métodos e encontrar o fio condutor das brutalidades — afinal de contas, a desmonta-gem da essência do pensamen-to único destinado a esmagar e a destruir tudo, como volta sempre a acontecer no turbi-lhão da história.

O tribunal plenário é um bom motivo de reflexão sobre a dita-dura e a relação com os direitos

fundamentais. Fotografia per-feita de uma máquina de esma-gamento da liberdade individu-al e do domínio pelo medo.

Tudo com a cobertura de um Código de Processo Penal moldável e de juízes-serven-tuários. O réu era trazido pela PIDE, com um mandado de captura por crimes contra a segurança do Estado. Eram em geral intelectuais da oposição, militantes revolucionários, jo-vens estudantes maoistas ou opositores ativos e afins. Os crimes contra a segurança do Estado consistiam na partici-pação ou organização de ma-nifestações, reuniões contra o fascismo, contra a guerra colonial, a favor da revolução proletária (que ingenuidade), manifestações (tempos de uto-pia), publicações ou criações

artísticas fora da doutrina ofi-cial. Gravíssimas atividades contra o Estado.

A instrução do processo de-corria sob tortura do sono até se obter a confissão-denúncia do preso, ou o desfalecimento físico. As denúncias dos res-tantes camaradas feitas pelo réu eram muito cobiçadas, atento o efeito desmoraliza-dor e aniquilador produzido. Quem denunciava os camara-das ficava com a honra quei-mada, uma enorme vantagem para a polícia política.

A chamada “culpa formada” não era mais do que uma acu-sação — pronúncia dada por um juiz copiada do relatório da PIDE. Os relatórios che-gavam ao ponto de propor a pena de prisão concreta que era imposta ao perigoso de-linquente. A posse de comu-nicados contra a ditadura, de literatura marxista-leninista ou literatura mais arejada, era uma agravante.

O julgamento era uma farsa completa. O tribunal compos-to por juízes com currículo de subserviência e cobardia. Os depoimentos dos agentes da PIDE eram as provas princi-pais. Não era fácil enfrentar esta montagem.

Mário Soares foi um dos raros advogados capazes de enfrentarem corajosa e or-

gulhosamente esta máquina de intimidação. Teve aí um papel histórico primordial ao desmontar os métodos da tortura e da fraude de uma falsa justiça feita de medo, de pura intimidação. Destemido e generoso, fê-lo com prazer e nunca levou um tostão pelo seu trabalho. O que tem o con-dão de nos chamar agora a atenção para o perigo das idei-as e sistemas utópicos, para a responsabilidade das pessoas e para o valor da coragem.

Hoje, o efeito da memória de luta contra os sistemas to-talitários, fanáticos, islâmicos, amplia-se infinitamente. A mi-nha família deve a Mário Soa-res esse eterno agradecimento público especial, em nome dos que podem e dos que já não podem falar.

O tribunal plenário

“O tribunal plenário é um bom motivo de reflexão sobre a ditadura”

A CIRURGIA

INDICAÇÃO A técnica para reduzir a circulação de sangue (embolização) nas artérias da próstata é indicada para tratar os casos em que há um aumento benigno do volume (hiperplasia benigna). A doença pode afetar 70% dos homens com mais de 65 anos e provocar a obstrução das vias urinárias

COMO SE FAZ

^ Anestesia local

^ Introdução de cateter com 1,5 mm de diâmetro na virilha

^ Canalização do cateter para as artérias da próstata com a ajuda de raios-X digital

^ Injeção de partículas embolizantes do tamanho de grãos de areia nas artérias prostáticas para entupir os ramos que fazem a respetiva irrigação

^ Repetição do procedimento do outro lado, levando à interrupção da circulação do sangue na próstata e à progressiva redução do seu tamanho

^ Retirada do cateter, normalmente ao fim de 20 minutos, e pressionado o local da incisão durante cinco minutos, com posterior colocação de penso rápido

^ O doente pode levantar-se duas horas após a intervenção

QUANTO CUSTA O procedimento tem o valor de 4450 euros e o médico responsável garante ter acordo com várias seguradoras

Vera Lúcia Arreigoso

Mais de mil doentes, a maioria estrangeiros, foram operados à próstata em Portugal com uma técnica que os urologis-tas garantem não estar testa-da cientificamente. O médico responsável pelo procedimento opera num hospital privado no centro de Lisboa desde 2009 e está a ser alvo de processos pela Ordem dos Médicos (OM).

Gustavsson tem 66 anos, é sueco e esta quinta-feira sub-meteu-se à contestada cirurgia. Com uma hiperplasia benigna da próstata, um tumor não ma-ligno, teria de esperar três me-ses para ter acesso a tratamento na Suécia. Um clínico brasileiro amigo sugeriu-lhe o médico em Lisboa e o economista veio.

“Fui à unidade local de saúde, onde todos trataram bem de mim”, conta. O problema exigia, no entanto, a intervenção de um urologista e uma cirurgia. E foi reencaminhado para o hospi-tal. “Fui tratado — entretanto desenvolvera uma infeção — e

Ordem dos Médicos investiga técnica cirúrgica experimental

SAÚDE

Procedimento para doença da próstata custa €4450 e é feito no privado há oito anos. Doentes vêm de todo o mundo

informado que teria de ser ope-rado, fazer uma prostatectomia clássica”, explica. Além das se-quelas possíveis, incontinência e impotência como as mais fre-quentes, a intervenção não po-deria ser para breve. “Teria de esperar três meses e decidi pro-curar outra solução.” Se nada fizesse, continuaria algaliado por mais 90 dias. A viagem até Lisboa foi muito mais rápida.

Ir a outro país para ser ope-rado não o assustou. “Tinha de ser, porque na Suécia há mui-tos problemas no sistema de Saúde. Os médicos de família estão sempre a mudar, nunca temos o mesmo clínico, e na Urgência é preciso esperar oito a dez horas.”

Gustavsson foi operado na quinta-feira na unidade hospi-talar privada no centro da ca-pital onde está a ser utilizada a técnica sob suspeita da OM. “Foi com anestesia local, demo-rou 20 minutos, não tive dores e sinto-me perfeito, apenas um pouco cansado”, contou ontem de manhã. “É um tratamento fabuloso e que devia ser divul-

gado.” Teve alta ainda ontem e passou por Lisboa antes de regressar a casa.

A contestada intervenção foi criada pelo médico João Mar-tins Pisco para tratar casos de aumento benigno da prósta-ta. “O meu irmão morreu em 2007, com 64 anos, depois de ter sido operado no Pulido Va-lente, onde eu trabalhava. Ficou incontinente após a operação, teve de tomar medicação para aumentar o tónus (para a ure-tra contrair mais e reter a urina na bexiga) e acabou por ter um enfarte. Decidi inventar uma nova técnica, que utilizo desde 2009”, explica o médico, radio-logista de intervenção.

O procedimento (ver caixa), de embolização das artérias prostáticas, “é muito simples”, garante. “Com a operação comum há anestesia geral, a barriga é aberta para reduzir a próstata e a uretra é alargada e com a minha técnica só é preci-sa anestesia local e um cateter para introduzir partículas que vão entupir as artérias da prós-tata, levando à sua diminuição

e fazendo o doente melhorar”, descreve. Os urologistas criti-cam, afirmando que a interven-ção não foi submetida ao escru-tínio científico.

Dois processos arquivados

O médico já foi alvo de dois processos pela OM, um deles chegou a tribunal, e está sob in-quérito para eventual processo disciplinar. Além da prática clí-nica está também em causa a deontologia e a ética da sua atu-ação. “Qualquer técnica tem que ser validada e objeto de estudo, o que não aconteceu até agora”, afirma o presidente da Associ-ação Portuguesa de Urologia, Arnaldo Figueiredo.

O especialista explica que o Colégio de Urologia da OM já emitiu um parecer técnico sobre a ausência de evidência científi-ca da técnica de Martins Pisco e “está a ser concluído um parecer ético”. Fonte da OM adiantou ao Expresso que “sob suspeita está o facto de a intervenção ser apresentada como já tendo sido testada, sem informar os doen-

O médico João Martins Pisco e um doente sueco que operou esta semana

FOTO TIAGO MIRANDA

tes que estão a ser alvo de uma experiência”.

O radiologista garante que os doentes sabem ao que vêm. “Digo sempre que é um proces-so experimental do qual tenho bons resultados, porque não há complicações graves como na prostatectomia (90% com impotência e mais de 50% com incontinência) e que em 10% a 15% dos casos não há me-lhoras, mas também ninguém fica pior.” João Martins Pisco revela que “os dois processos da OM foram arquivados” e justifica as críticas como “a animosidade de quem percebe que a técnica é boa”.

O procedimento custa perto de 4500 euros e já foi realiza-do em 1161 doentes de mais de 80 nacionalidades e formados dezenas de médicos estrangei-ros, que vêm a Lisboa aprender com o médico português. “Os urologistas portugueses são os únicos a nível mundial que não aceitam a técnica. Sou reconhe-cido em todo o mundo, exceto em Portugal.”

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 27 PRIMEIRO CADERNO

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Expresso, 14 de janeiro de 201728 PRIMEIRO CADERNO

Na sua primeira conferência de imprensa, na quarta-feira, Donald Trump reagiu às acusações de escân-dalo sexual durante uma viagem a Moscovo em 2013 (que, filmado, se tornaria instrumento de chantagem) atacando os media. Primeiro, a cadeia CNN, que não divulgou o conteúdo do relatório, mas falou no facto de o senador republicano John McCain ter enviado essa informação para o FBI. Trump recusou perguntas des-

Elites alimentam primeiros focos de resistência Ataques aos media e reações de universidades, igrejas e municípios. “Anti Trump belt” de NY a Hollywood?

ta estação. Já o Buzfeed, que não é propriamente um meio de referência, dedica-se a fazer na internet o que a campanha de Trump fez durante meses: divulgar boatos, quando não mentiras completas e absurdas...

O Presidente-eleito ainda nem che-gou à Casa Branca e já está a colecio-nar inimigos de estimação, além dos media e dos serviços secretos que, de resto, nunca é prudente indispor, pelo menos ao mesmo tempo. Foi o caso do discurso da atriz Meryl Streep na entrega dos Globos de Ouro. Apelou às elites culturais para se mobiliza-rem contra desvios autoritários da futura administração e à defesa de

“estrangeiros e visitantes, dois dos grupos mais desrespeitados na socie-dade americana”.

Longe da Califórnia, onde a cerimó-nia se realizou, no norte do estado de Nova Iorque, 2500 professores e alu-nos aplaudiram de pé estas palavras, durante um protesto na Universidade de Cornell, uma das oito instituições da Ivy League. Os manifestantes, que há mais de um mês fizeram circular uma petição pedindo que Cornell se junte a outras universidades e se de-clare refúgio para alunos sem estatuto de residência nos EUA, pretendiam uma decisão antes da tomada de posse do novo Presidente, dia 20.

Há quatro anos o Governo atribuiu a 740 mil crianças e adolescentes am-nistia temporária, após o Presidente Barack Obama ter assinado o despa-cho executivo Deferred Action for Childhood Arrivals (DACA). Porém, durante a campanha presidencial, Trump assegurou que irá “cancelar todos os despachos executivos incons-titucionais de Obama” nos primeiros 100 dias de governação. O DACA ga-rante a todos aqueles que cheguem aos EUA com menos de 16 anos, a hipótese de, legalmente, poderem arranjar trabalho. Era uma solução provisória até à reforma do sistema de imigração que nunca aconteceu.

Os presidentes das câmaras de Chi-cago, Nova Iorque, Nova Orleães, Sea-ttle e São Francisco garantiram que as suas cidades permanecerão como zonas livres para ilegais. A polícia está proibida de pedir documentos relacio-nados com o estatuto de residência ou fazer denúncias às autoridades fe-derais. Igrejas e sinagogas juntam-se. A United Methodist Church, em Fila-délfia, acolheu Javier Flores e os seus três filhos há dois meses. O mexicano de 40 anos foi várias vezes deportado, após entrar nos EUA em 1997. Em de-clarações ao Expresso, o pastor Robin Hynicka disse: “As portas da Igreja estão abertas”. R.L.

Rex Tillerson64 anos Secretário de Estado (ministro dos Negócios Estrangeiros). Texano conservador, foi CEO da petrolífera ExxonMobil em 2006/16, onde desenvolveu relações com empresários russos. Putin tem-no elogiado, mas depois da audição de quarta-feira no Congresso o líder russo poderá mudar de ideias.

Jeff Sessions70 anos Procurador-geral (equivalente a ministro da Justiça), foi senador e representante do estado sulista do Alabama e tem um passado ensombrado por acusações de racismo. Na década de 80 afirmou sobre a organização supremacista branca Klu Klux Klan: “KKK is OK”.

Michael Flynn58 anos Conselheiro de Segurança Nacional. Chefiou a secreta militar durante a Administração Obama, entre julho de 2012 e agosto de 2014. Depois tornou-se crítico do Presidente, acusando-o de fraquejar no Médio Oriente. No passado mês de agosto, disse que o Islão é um “cancro”.

Reince Priebus44 anos Chefe de Gabinete. Liderou o Comité Nacional Republicano e conseguiu manter o Partido unido à volta do candidato presidencial, mesmo depois das revelações sobre as polémicas “conversas de balneário”, em que Donald Trump reconheceu que gostava de agarrar mulheres pelos genitais.

Steve Bannon63 anos Estratego-chefe da Casa Branca e antigo CEO da Breitbart News, publicação digital que, nas palavras do próprio, serviu de plataforma para o movimento racista, xenófobo e antissemita Alt-Right.

Os “7 magníficos” de Trump

Ricardo Lourenço Correspondente nos EUA

A um canto do res-taurante La Chi-ne, no rés do chão do hotel Waldorf Astoria, em Nova Iorque, dois indi-víduos cochicham à meia-luz sobre a vitória de Trump.

Um é Wu Xiaohui, presidente da se-guradora Angbang, avaliada em 300 mil milhões de dólares, proprietária do Astoria e ansiosa por comprar mais prédios na “Big Apple”.

O outro é Jared Kushner, empre-sário do imobiliário que propõe que se comece por recuperar o número 666 da 5ª Avenida, a joia da coroa da sua família. Marido de Ivanka Trump, filha do Presidente-eleito, “é o genro que todo o pai quer, trabalhador, edu-cado, refinado e com ambição que nunca mais acaba”, diz, ao Expresso,

David Cordish, CEO da empresa Cor-dish Companies e amigo de Trump.

A refeição terminou, segundo duas testemunhas citadas pela rádio públi-ca americana (NPR, sigla em inglês), com Xiaohui, um homem com fortes ligações ao poder político chinês, a pedir um encontro com o futuro chefe de Estado. O CEO estava impaciente, pois os seus desejos de investimento nos EUA foram refreados pela Admi-nistração Obama por razões de segu-rança nacional.

Não se sabe se Xiaohui conseguiu a audiência mas Jared foi nomeado conselheiro sénior da Casa Branca. A oposição disse que isso violava a le-gislação antinepotismo, além de con-dicionar a governação, dada a rede de negócios das famílias Trump e Kush-ner com empresários estrangeiros.

Manobra de diversão?

A ligação à Rússia tem criado muita polémica. Na quarta-feira, duran-te as audiências de confirmação no

Congresso, Rex Tillerson, antigo CEO da ExxonMobil e possível se-cretário de Estado, discordou de um senador que acusou Vladimir Putin de ser criminoso de guerra. “São pa-lavras fortes”, disse o texano que, em 2013, recebera do Presidente russo a medalha da Ordem da Amizade. A acusação de ligações perigosas entre a futura administração americana e

Moscovo tinha ressoado horas antes.Um relatório de um ex-espião britâ-

nico, encomendado por rivais conser-vadores de Trump durante as primá-rias, posteriormente financiado pelos democratas, sugere que o Kremlin terá informações comprometedoras sobre o magnata nova-iorquino. A novela envolve prostitutas, subornos mascarados de negócios imobiliários e coordenação entre serviços secretos russos e a campanha republicana con-tra Hillary Clinton.

A informação não foi verificada de forma independente, tendo apenas sido incluída no apêndice do rela-tório dos serviços secretos sobre os ciberataques russos contra os EUA, entregue há uma semana a Obama e Trump.

Ao Expresso, o antigo diretor da CIA Michael Hayden explica que, embora a metodologia pareça típica do FSB (antigo KGB), que costuma recolher informação sobre adversários para os chantagear, o documento “não tem um pingo de credibilidade” uma vez que foi “elaborado por gente deplo-rável e num contexto de chicana po-lítica”

Jerry Crawford, advogado e dire-tor regional de campanha de Hillary Clinton, alerta para o risco de “es-peculação”. “Por alguma razão não quisemos saber daquilo”, diz-nos. “Neste momento estão a ser ouvidos no Congresso os futuros membros da Administração, que incluem um amigo do Ku Klux Klan, um aliado de Putin, com uma equipa da Casa Bran-ca dominada por gente islamofóbica, xenófoba e por um genro que nunca devia lá estar porque o Governo não é um negócio de família. Será que nos estão a atirar areia para os olhos com esta história colorida?”

Durante as audiências no Congres-so, o senador democrata Ben Cardin perguntou a Rex Tillerson o que faria

em relação à Rússia, na sequência dos ciberataques aos EUA. “Moscovo agiu porque os EUA se tornaram macios”, disse o ex-CEO da ExxonMobil.

Cardin quis saber que teria Tillerson feito no lugar de Obama. “Reconheço que a invasão da Crimeia nos apanhou de surpresa mas a resposta foi errada. Devíamos ter aconselhado a Ucrânia a mobilizar todas as forças para o leste e fornecido armamento defensivo, assim como informações militares e meios aéreos americanos ou da NATO para fazer vigilância”.

Tillerson afasta-se de Putin

O senador ouviu com deleite. “Estou satisfeito, por contrariar a posição de Trump sobre a NATO. Ouvi-lo dizer que estará ao lado dos estados bálti-cos e da Polónia contra uma eventual aventura russa é importante”.

Na quinta-feira, noutra audiência, o general James Mattis seguiu a mesma linha de raciocínio. Designado para comandar o Pentágono, o veterano que tem a alcunha de “Cão Raivoso” não teve papas na língua: “A história não é um colete de forças, mas é um bom guia para a vida. Desde Ialta, tentámos várias vezes uma relação positiva com a Rússia, mas com pouco sucesso. Putin quer destruir a NATO. Temos de dar passos firmes económi-cos e militares para nos defendermos, porque a ordem mundial está no pior momento desde a II Guerra Mundial”.

Kushner, Tillerson e Mattis foram os homens do Presidente no centro da tempestade política desta semana, de tal forma que quase faziam esquecer os outros quatro: Jeff Sessions, Rein-ce Priebus, Steve Bannon e Michael Flynn. Terça-feira, Jeff Sessions, es-colhido para procurador-geral, foi interrompido por manifestantes que lhe chamaram racista.

Senador do Alabama, fora vetado

Agitação Uma semana explosiva com guerras com os media e perfume de guerra fria, durante a qual os homens do Presidente já estiveram na ribalta

INTERNACIONAL EUA

UM ANEXO DE UM RELATÓRIO DAS SECRETAS DIVULGADO PELO BUZFEED FALA EM CHANTAGEM DO KREMLIN SOBRE DONALD TRUMP

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 29 PRIMEIRO CADERNO

Guerra e PazMiguel [email protected]

Há duas coisas que estão em transição em Washington. A primeira é a relação entre os decisores civis na Casa Bran-

ca, Conselho Nacional de Segurança e Departamento de Estado com o Pentágono.

Como Robert Gates e Leon Pane-tta tornaram claro nos seus livros “Duty. Memoirs of a Secretary at War e Worthy Fights”. “A Memoir of Leadership in War and Peace”, as administrações de Barack Obama optaram por controlar minuciosa-mente as ações militares a partir da ala oeste da Casa Branca. O papel dos líderes dos ramos militares du-rante os últimos oito anos foi sobre-tudo o de aconselhar os decisores políticos.

Obama nunca confiou no Pentágo-no. Os generais, por seu lado, tiveram sempre dificuldade em compreender quais eram as orientações políticas ao mais alto nível. As intromissões políticas na cadeia de comando mi-litar por parte de funcionários civis sem a experiência no caos, violência e incerteza que sempre acompanha-ram a guerra agravaram o problema. O resultado foram tensões e incom-preensões mútuas.

Donald Trump e os seus apoian-tes têm um modelo diferente para a relação entre os civis e os militares. A função da Casa Branca e do seu Conselho Nacional de Segurança

será definir uma estratégia nacional e dar orientações políticas gerais aos militares. Ao Pentágono caberá encontrar a melhor maneira de exe-cutar estas opções.

Porém, quais serão elas? Um olhar para os jornais, televisões e redes so-ciais diz-nos que a maioria das pes-soas vê agora Washington como o centro da instabilidade internacional. Uma parte das emoções e incerte-zas que sentimos está claramente associada ao temperamento do novo Presidente dos EUA. Porém, há algo de mais profundo a acontecer no país.

A verdade é que o processo de re-tração estratégica de Washington começou com Barack Obama. Um dos grandes equívocos dos líderes e das sociedades europeias foi pensar que ele e a sua administração esta-vam interessados em ver os EUA continuar a agir em termos externos de forma intervencionista e progres-sista. Contudo, como tivemos opor-tunidade de ver nos últimos anos, Obama fez questão de limitar as in-tervenções de Washington.

É provável que Donald Trump e a

sua administração continuem este processo. No intenso debate entre “realistas” e “expansionistas” em Washington e na sociedade norte--americana, Trump está claramente do lado dos primeiros.

Porquê? Sobretudo por represen-tar uma corrente de pensamento que defende que a evolução da tec-nologia e da globalização e as suas consequências geopolíticas exigem que os EUA adotem uma grande estratégia nacional diferente da que foi tradicional durante décadas.

Como aconteceu tantas vezes no passado, Trump chega à Casa Bran-ca como uma frase — “Make Ame-rica Great Again” — e uma série de ideias vagas do que quer fazer. A sua missão mais importante será tentar negociar a nível interno e externo os entendimentos que tornarão pos-sível a concretização de uma parte do que tem em mente. Todo este processo será confuso e algo incerto.

Apesar destas incertezas, não nos devemos iludir em relação ao que é verdadeiramente essencial para Portugal: o tempo da 1-800-Ameri-ca, ou seja, dos EUA que resolviam ou geriam todos os problemas mais importantes do mundo está a acabar.

Washington representa um país que vai concentrar a sua atenção e recursos a nível interno e desenvol-ver uma nova estratégia para defen-der os seus interesses e valores.

1-800-USA

Como já aconteceu, Trump chega à Casa Branca com uma frase grandiosa e ideias vagas

Jared Kushner36 anos Conselheiro sénior da Casa Branca e empresário do ramo imobiliário e da comunicação social. Genro de Donald Trump, possui uma vasta rede de interesses privados, o que, tal como no caso de Tillerson, levanta questões sobre um eventual conflito de interesses.

James Mattis66 anos Secretário de Defesa e general de quatro estrelas. Tem três alcunhas: Caos, Monge Guerreiro e Cão Raivoso, sendo esta a mais conhecida e criada depois de este veterano do Pentágono ter liderado as forças britânicas e americanas na batalha de Fallujah, Iraque, em 2004.

INTERNACIONAL EUA

para juiz federal nos anos 80 depois de ter dito que o “KKK (Ku Klux Klan) é OK”. Além disso, tratava por “boy” funcionários negros da procuradoria do Alabama, termo antigo aplicado aos escravos.

Mais de 1400 peritos em Direito Constitucional explicaram em carta enviada ao Congresso as razões pelas quais Sessions não deveria chefiar a Justiça americana. Cerca de 100 organizações de direitos civis fizeram o mesmo.

Reince Priebus, o chefe de gabinete que servirá de ponte com o Partido Republicano, Steve Bannon, a emi-nência parda da Casa Branca com liga-ções ao movimento de extrema-direita Alt-Right, e o general Michael Flynn, conselheiro de Segurança Nacional, não precisaram de ir a Capitol Hill, visto que as nomeações para a Casa Branca não necessitam de confirma-ção do Senado. Por agora, evitaram o turbilhão.

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Expresso, 14 de janeiro de 201730 PRIMEIRO CADERNO

MAURITÂNIA

MARROC.

SARA OCIDENTAL

MALI

SENEGALBURKINA

FASOBAMAKO

OUAGADOUGOU

GUINÉ- -CONACRIGUINÉ-BISSAU

COSTA DO

MARFIMSERRA LEOA

Gao

Tombuctu

Nampala

RIO NíGER

A GRANDE CORRIDAÀ MILITARIZAÇÃODO SAHEL

PRINCIPAIS GRUPOS JIADISTAS DA REGIÃO

ARGÉLIA | 16-19 JANEIRO 2013

Um comando com ligações à Al-Qaeda, liderado por Mokhtar Belmokhtar, faz centenas de reféns no complexo de exploração de gás de Tigantourine, perto de In Amenas (leste), junto à fronteira com a Líbia. Após a intervenção das forças especiais argelinas, morreram 67 pessoas (pelo menos 37 eram estrangeiros)

MALI | 20 NOVEMBRO 2015

Militantes islamitas fazem 170 reféns (e matam 20) após tomarem o hotel Radisson Blu, em Bamako. O ataque foi uma ação conjunta do grupo Al-Mourabitoun e da AQMI

MALI | 25 DEZEMBRO 2016

Homens numa pick-up raptam a sexagenária Sophie Petronin, na cidade de Gao. O sequestro não foi reivindicado. A francesa estava no Mali, a trabalhar para a Aide Gao, organização que trabalha na área da subnutrição infantil

MALI | 29 NOVEMBRO 2016

Jiadistas do grupo Al-Mourabitoun atacaram os aeroportos de Gao, protegido pela ONU e por forças francesas, e de Tombuctu: no primeiro com recurso a um veículo armadilhado, no segundo disparando foguetes

AL-QAEDA NO MAGREBE ISLÂMICO (AQMI)

FORMAÇÃO 2007

OBJETIVO INSTAURAÇÃO DE

UM CALIFADO REGIDO PELA LEI

ISLÂMICA (“SHARIA”)

PAÍSES ONDE ATUA ARGÉLIA, MALI,

MAURITÂNIA, TUNÍSIA, LÍBIA, NÍGER,

BURKINA FASO, COSTA DO MARFIM

+ INFO ANTES DE DECLARAR

LEALDADE À AL-QAEDA, ERA

DESIGNADO GRUPO SALAFITA PARA

A PRÉDICA E O COMBATE, UMA

DISSIDÊNCIA DO GRUPO ISLÂMICO

ARMADO ARGELINO (GIA)

BOKO HARAM

FORMAÇÃO 2002

OBJETIVO COMBATE AO GOVERNO

E INSTAURAÇÃO DE UM ESTADO

ISLAMITA NO NORTE DA NIGÉRIA

PAÍSES ONDE ATUA NIGÉRIA (NORTE),

CAMARÕES (NORTE), NÍGER, CHADE,

BENIM

+ INFO “BOKO HARAM”, EXPRESSÃO

COMPOSTA POR UMA PALAVRA

HAUSA E OUTRA ÁRABE, É

FREQUENTEMENTE TRADUZIDA POR

“EDUCAÇÃO OCIDENTAL É PROIBIDA”.

EM MARÇO DE 2015, O GRUPO

ANUNCIOU A SUA OBEDIÊNCIA

AO AUTODENOMINADO ESTADO

ISLÂMICO (DAESH)

AL-MOURABITOUN

FORMAÇÃO 2013

OBJETIVO INSTAURAÇÃO DE UM

CALIFADO REGIDO PELA “SHARIA”,

COMO A AQMI

PAÍSES ONDE ATUA ARGÉLIA,

BURKINA FASO, COSTA DO MARFIM,

LÍBIA, MALI, NÍGER

+ INFO TRADUZIDO DO ÁRABE, O

NOME DO GRUPO SIGNIFICA “OS

ALMORÁVIDAS”. DEIXOU DE EXISTIR

COMO GRUPO INDEPENDENTE EM

DEZEMBRO DE 2015, QUANDO SE

TORNOU UM BRAÇO DA AQMI. É

LIDERADO PELO ARGELINO MOKHTAR

BELMOKHTAR, CONHECIDO POR “O

ZAROLHO”

MINUSMAMISSÃO DAS NAÇÕES

UNIDAS DE ESTABILIZAÇÃO

MULTIDIMENSIONAL

INTEGRADA NO MALI

DATA INSTITUÍDA EM ABRIL DE 2013

EFETIVOSNúmeros de 31 de agosto de 2016

15.209 MILITARES E POLÍCIAS

1 ETIÓPIA 8326

2 ÍNDIA 7471

3 PAQUISTÃO 7161

4 BANGLADESH 6772

5 RUANDA 6146

6 NEPAL 5131

7 SENEGAL 3617

8 BURKINA FASO 3036

9 GANA 2972

10 EGITO 2889

UNIÃO EUROPEIANúmeros de 31 de agosto de 2016

5549 EFETIVOS

^ CONTINGENTE EUROPEU MAIS

NUMEROSO: ITÁLIA (1114)

^ DOS 28 ESTADOS-MEMBROS, APENAS

DOIS NÃO ENVIARAM EFETIVOS:

LUXEMBURGO E MALTA

PORTUGALNúmeros de janeiro de 2017

68 MILITARES

FORÇA AÉREA 60

EXÉRCITO (INTEGRADOS NO DESTACAMENTO AÉREO) 6

MILITARES NO ESTADO-MAIOR DA FORÇA MULTINACIONAL 2

SEDE

BAMAKO (MALI)

ATAQUE

ATAQUE

ATAQUE

ATAQUE

INTERVENÇÕES MILITARES NO MALI LIDERADAS PELA FRANÇA

OPERAÇÃO SERVAL DE 11 DE JANEIRO DE 2013 A 1 DE AGOSTO DE 2014

OPERAÇÃO BARKHANE EM CURSO DESDE 1 DE AGOSTO DE 2014. ESTENDEU-SE TAMBÉM AO

NÍGER, CHADE, MAURITÂNIA E BURKINA FASO

MALI | 19 JULHO 2016

Combatentes do grupo Ansar Dine atacam uma base militar maliana em Nampala, matando 17 soldados. O ataque é seguido por outros assaltos do mesmo grupo a postos militares em Mopti. Desde então, ataques jiadistas contra soldados e polícias do Mali, capacetes azuis da ONU e forças francesas tornaram-se frequentes

ATAQUE

Terroristas, urânio, drones e bases

Texto Rui Cardoso Infografia Sofia Miguel Rosa

Nos mapas de princí-pios do século XIX a faixa do continen-te africano entre o deserto do Sara e o Corno de África era quase toda repre-sentada a branco. Não estava cartogra-

fada e muito menos controlada pelas potências europeias.

O que não quer dizer que fosse um espaço vazio. Mesmo os desertos mais inóspitos como o Teneré eram percor-ridos por caravanas que asseguravam o intercâmbio comercial entre dife-rentes reinos. Transportavam entre outras coisas o mais precioso dos pro-dutos que funcionava também como moeda: o sal. Cidades como Gao e Tombuctu (atual Mali), Agadez (Ní-ger) ou Tamanrasset (Argélia) eram entrepostos para as caravanas que cruzavam este mar de areia.

A colonização europeia acabou por chegar, sobretudo através dos france-ses. As aventuras dos exploradores, a guerrilha com os tuaregues e outros nómadas do deserto, o desbravar das

rotas transarianas, tudo isto alimen-tou o imaginário europeu, entre figu-ras reais como o monge Charles de Foucauld (assassinado em Tamanras-set) e imaginárias como o herói anóni-mo da Legião Francesa imortalizado no filme “Beau Geste”.

Essa mesma colonização e a desco-lonização que se lhe seguiu tiraram algum do romantismo oitocentista ao deserto, atravessado por estradas, oleodutos, gasodutos e minas (nomea-damente de urânio). Os tuaregues foram sedentarizados, passando de reis do deserto a choferes de camião. Nalguns casos a imposição pela força

da sedentarização fez deflagrar con-flitos entre poder central e nómadas, como no Mali e Níger a partir de 1991.

De resto, a transição de uma África do Norte, berbere, árabe e muçulma-na para uma África maioritariamente negra, cristã e animista faz-se justa-mente no Sahel. E os conflitos entre pastores nómadas e agricultores, pelo acesso à água e à terra fértil são tão velhos como a humanidade.

Dois séculos depois, o Sahel arris-ca-se a voltar a ser um buraco negro, quando não um jiadistão, uma vez que diversos grupos armados de inspira-ção islamita radical se começaram a implantar por aqui. Uns datam da guerra civil na Argélia (1992/02), en-tre governo militar e fundamentalistas que haviam vencido as eleições. Ou-tros da implosão da Líbia de Kadhafi após a sublevação contra o ditador apoiada por franceses, britânicos, ita-lianos e americanos (2011). Outros emergiram ao sabor das circunstân-cias locais no Mali, Mauritânia e Níger.

No Mali a situação degradou-se, ao ponto de uma coligação de fundamen-talistas e independentistas tuaregues ter conseguido em meia dúzia de se-manas conquistar metade do país em fins de 2012. Perdida a hegemonia tua-regue, a rebelião no Mali ganhou co-

Ameaça O Sahel está a transformar-se numa frente importante da luta antijiadista. E também num ponto de fricção entre americanos e russos

ÁFRICA

O SAHEL ARRISCA-SE A SER UM “JIADISTÃO”, TAL É A PROLIFERAÇÃO DE GRUPOS EXTREMISTAS NESTA ZONA DE ÁFRICA

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 31 PRIMEIRO CADERNO

ARGÉLIALÍBIA

CHADE

NÍGER

NIGÉRIA

NIAMEI

N’DJAMENA

ABUJA C AMARÕES

SUDÃO

S A H E L

Kidal

Tigantourine

Zinder

Chibok

Diffa

Aguelal-Arlit

Agadez

Abalak

Dirku

Madama

Garoua

LAGO CHADE

NIGÉRIA | 14–15 ABRIL 2014

Durante a noite, 276 alunas são raptadas de uma escola secundária da cidade nigeriana de Chibok, por combatentes do Boko Haram. Ao longo dos anos, dezenas de raparigas conseguiriam fugir. O sequestro deu origem à campanha internacional “Bring Back Our Girls”

NÍGER | 15 OUTUBRO 2016

Homens armados irrompem na casa de Jeff Woodke, 55 anos, que trabalhava na área da ajuda humanitária, fugindo na direção da fronteira com o Mali. O sequestro, o primeiro de um norte-americano no Sahel, não foi reivindicado. Na região, os raptos são uma forma lucrativa de financiamento dos grupos jiadistas

MOV. PARA A UNID. E JIHAD NA ÁFRICA OCID. (MUJAO)

FORMAÇÃO 2011

OBJETIVO ALARGAMENTO DA JIHAD

À ÁFRICA OCIDENTAL

PAÍSES ONDE ATUA ARGÉLIA, MALI,

NÍGER

+ INFO NASCEU DE UMA CISÃO DA

AQMI. EM AGOSTO DE 2013, UMA

FAÇÃO FUNDIU-SE COM A BRIGADA

DOS HOMENS MASCARADOS MASKED

MEN BRIGADE DANDO ORIGEM AOS

AL-MOURABITOUN. OUTRA FAÇÃO

CONTINUOU A ATUAR DE FORMA

INDEPENDENTE

ANSAR DINE

FORMAÇÃO 2012

OBJETIVO LITERALMENTE

“DEFENSORES DA RELIGIÃO”,

PROFESSAM O SALAFISMO JIADISTA

E OPÕEM-SE AO ISLÃO MODERADO

PAÍSES ONDE ATUA MALI, SENEGAL,

MAURITÂNIA

+ INFO O GRUPO É LIDERADO POR

IYAD AG GHALY, UM IMPORTANTE

LÍDER TUAREGUE DURANTE A

REBELIÃO DE 1990-96. O SEU PRIMO

HAMADA AG HAMA É COMANDANTE

NA AQMI

ANSAR AL-SHARIAH

FORMAÇÃO 2012

OBJETIVO APLICAÇÃO DA LEI

ISLÂMICA EM TODO O TERRITÓRIO

LÍBIO

PAÍSES ONDE ATUA LÍBIA

+ INFO FORMOU-SE DURANTE

A GUERRA DA LÍBIA E GANHOU

IMPORTÂNCIA APÓS A EXECUÇÃO

DE MUAMMAR KADHAFI. ATUA

SOBRETUDO EM BENGASI E

NOUTRAS CIDADES DO LESTE DO

PAÍS

NÍGER | 17 OUTUBRO 2016

Jiadistas atacam, sem sucesso, a prisão de alta segurança Koutoukalé, perto de Niamey, com o intuito de libertar companheiros ali detidos. Naquela prisão estão presos militantes da Al-Qaeda, Boko Haram e de outros grupos ativos nomeadamente na Líbia

BURKINA FASO | 15 JAN. 2016

Homens armados atacam o restaurante Cappucino e os hotéis Splendid e YIBI, no centro de Ouagadougou, provocando 30 mortos, entre os quais dois deputados suíços. O ataque foi reivindicado pela AQMI e pelo grupo Al-Mourabitoun

EUTM — MISSÃO DE TREINO DA UE

BASES MILITARESFRANCESAS

BASES MILITARESALEMÃS

BASES MILITARESAMERICANAS

ZONA DE EXPLORAÇÃO

DE URÂNIO

800 KM

N

ATAQUE ATAQUE

ATAQUE

ATAQUE

ZONAS DE EXPLORAÇÃO DE GÁSE PETRÓLEO

RIOS, LAGOS E ZONAS PANTANOSAS

BASES DE DRONES NORTE-AMERICANAS

EM CONSTRUÇÃO

O QUE ELES DIZEM

“O argumento da estabilidade também serviu para o Ocidente apoiar ditadores como Kadhafi, Assad ou Saddam com os resultados que se sabem”LAURENT BIGOT Ex-diplomata francês

“A intervenção militar francesa pode fazer mais mal do que bem, por apoiar governos [Mali e Níger] que estão na origem dos problemas do Sahel”NATHANIEL POWELL Especialista em história militar francesa

“Putin está pronto a apoiar o reequipamento do exército do Mali”MIKHAIL BOGDANOV Ministro-adjunto dos Negócios Estrangeiros

res negras, com diversos grupos, como a filial local da Al-Qaeda (AQMI), o Mujao ou o Ansar Dine a quererem implantar um regime à talibã.

O que, tal como no Afeganistão (e depois no Iraque e na Síria com o Daesh), passou pela vandalização das marcas civilizacionais anteriores, mui-to em especial na milenar cidade de Tombuctu, onde campas de homens santos do Islão (vistos pelos funda-mentalistas como apóstatas), mes-quitas e a rica biblioteca quinhentista sofreram danos consideráveis.

Contra-ataque francês no Mali

A intervenção de forças militares fran-cesas em janeiro de 2013 (Operação Serval) permitiu recuperar todo o ter-ritório conquistado por estes grupos, pôs fim à capacidade de estes pode-rem travar uma guerra convencional (artilharia, colunas de viaturas, gran-des concentrações de tropas) mas não eliminou a possibilidade de guerrilha, atentados, raptos, etc.

Entretanto, despontava nova amea-ça, a possibilidade de convergência entre os grupos a operar no Sara e os ultrassanguinários jiadistas do Boko Haram que depois de atuarem no nor-te da Nigéria têm tentado expandir-se

para o Chade, Níger e Camarões. Isto enquanto a nova marca Daesh come-ça a seduzir alguns grupos locais em detrimento da “velha” Al-Qaeda. Até porque perante as derrotas na Líbia, Síria e Iraque esta pode ser a nova zona de recuo do grupo.

É como se o velho Sara tivesse sido parasitado pelos novos tempos. As rotas das caravanas continuam mas o que por lá agora circula são armas e droga. E também reféns, já que os movimentos migratórios de afri-canos à procura de melhor vida na Europa, permitem a traficantes e jia- distas atividades altamente lucrati-

ÁFRICA

vas, desde a extorsão à escravização.Os raptos de estrangeiros (funcioná-

rios da ONU, ONG, empresas petrolí-feras, etc.) perpetuam um negócio tão velho como o deserto: os sequestros e resgates. Continuam, muitas vezes a ser os tuaregues quem rapta ociden-tais mas para os revender aos grupos jiadistas, sempre desejosos de ganhar dinheiro ou fazer chicana com reféns.

As pérolas do deserto, os oásis onde as caravanas se faziam e desfaziam, voltaram a ser cidades fortificadas, ameaçadas por ataques vindos do meio das areias, sendo guarnecidos, não pela Legião Estrangeira dos ro-mances de aventuras, mas por contin-gentes de soldados dos mais diversos países ao serviço da ONU. França e EUA têm as suas próprias estraté-gias e aproveitaram a ameaça jiadista para multiplicar bases, do Atlântico ao Corno de África. Incluem armas combinadas: aviões de ataque ao solo, helicópteros de combate e transporte, unidades de forças especiais, veículos 4x4 e drones com a dupla missão de vigilância e ataque com mísseis.

Na ausência de uma doutrina e de uma prática consistente de contrain-surreição as forças da ONU arriscam--se a ser um imane que atrai atentados e emboscadas. Por outro lado, os con-

UMA DELEGAÇÃO RUSSA VISITOU O MALI PROPONDO OS SERVIÇOS MILITARES DE MOSCOVO PARA COMBATER A JIHAD NO NORTE DO PAÍS

flitos no Mali e no Níger têm raízes fundas que relevam de antagonismos entre nómadas e sedentários e guer-ras ancestrais pelo acesso à água e à terra, agravadas pela desertificação e pela mudança climática.

Apostar no apoio militar a ditado-res e regimes corruptos tem histori-camente dado maus resultados pois estes, nem são eficazes a conter o fundamentalismo nem a promover o desenvolvimento e o progresso social. Pelo contrário, agravam desigualda-des e reprimem, gerando ódios das quais se podem vir a alimentar os gru-pos terroristas.

Para complicar, vêm aí os russos. Uma delegação chefiada por Mikhail Bogdanov, enviado especial de Putin para o Médio Oriente e África des-locou-se a 12 de outubro a Bamako, capital do Mali, para se avistar com o ministro dos Negócios Estrangei-ros, Abdoulaye Diop. Ao Presidente Ibrahim Boubacar Keita (descontente com a lentidão com que os alemães estão a reconstruir o seu exército) apresentou como cartão de visita o trabalho feito na Síria. Os russos não parecem ter nem material nem fami-liaridade com este teatro de opera-ções. Mas têm vontade de lá estar…

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Expresso, 14 de janeiro de 201732 PRIMEIRO CADERNO

BREVES

Esquerda francesa sem chama

FRANÇA O primeiro dos três debates das primárias da esquerda francesa, na quinta-feira à noite, foi marcado pela tentativa dos sete candidatos em não acentuarem a imagem de divisão da esquerda, que pode conduzir os socialis-tas a uma catástrofe elei-toral nas presidenciais de abril e maio deste ano. A esquerda vai apresentar-se profundamente dividida na corrida para o Eliseu e corre o sério risco de per-der para François Fillon e Marine Le Pen.

EMILY HOBHOUSE ENFRENTOU O PODER IMPERIAL BRITÂNICO E DENUNCIOU CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO NA ÁFRICA DO SUL

Tanques dos EUA chegam ao Báltico

POLÓNIA Mais de três mil soldados e veículos diver-sos, incluindo blindados, vindos dos Estados Unidos começaram a chegar na quinta-feira à Polónia, don-de parte seguirá para o Bál-tico. É a concretização do anúncio de Barack Obama de dar garantias práticas de proteção aos aliados da NATO na Europa oriental, face à postura agressiva da Rússia. Trata-se do maior destacamento de forças dos EUA para a Europa desde o final da Guerra Fria. Reino Unido e Alemanha também estão a enviar tropas, blin-dados e aviões.

3anos de pena suspensa para a jornalista húngara Petra Laszlo, filmada em 2015 a pontapear e rasteirar refugiados que tentavam fugir à polícia próximo da fronteira com a Sérvia. Condenada na quinta- -feira por vandalismo, a arguida vai recorrer.

“A CHINA TEM DE PARAR A CONSTRUÇÃO DAS ILHAS”Rex Tillerson O escolhido de Trump para chefiar a diplomacia norte-americana comparou, na quarta-feira, a construção de ilhas artificiais no Mar do Sul da China à “anexação da Crimeia pela Rússia” e avisou a China de que o acesso desta às ilhas “não será permitido” na Administração Trump. Em reação a estas declarações, os media estatais chineses dizem que os EUA arriscam uma “guerra em larga escala” com a China.

“Em vez de cortar até mais não, gaste-se em ensino e saúde”

Texto Pedro Cordeiro Foto Tiago Miranda

Em Lisboa para o funeral de Mário Soares, o presidente do Parlamento Europeu (PE) fa-lou da Europa e da Alemanha, onde rumará a tempo das legis-lativas deste outono.

P Após uma longa passagem pela política europeia, vai dedi-car-se ao seu país. Apetece-lhe concorrer a chanceler?

R O meu partido [SPD, social--democrata] divulgará o seu candidato no fim de janeiro. Hoje alguns colegas estão a discutir as linhas mestras da campanha. Nas próximas duas semanas iremos debater o con-teúdo e as personalidades.

P Preocupa-o o estado da Eu-ropa e dos seus valores?

R Está em mau estado. Há de-sigualdades que ameaçam cada vez mais a coerência desta união de países e nações. Ora, a UE é uma grande proeza: países em cooperação transfronteiriça, com instituições comuns, em vez de andarem à guerra. Desis-tir seria um erro de proporções históricas. A Alemanha é o país da UE com mais habitantes e o mais rico. Tem especial respon-sabilidade, é uma das razões por que vou para Berlim.

P Quão diferente deve ser o próximo Governo alemão?

R A Europa precisa de estabi-lidade. Temos de convencer os cidadãos de que é possível mu-dar, não com populismo, mas com ação concreta. Enquanto sobreviver é um desafio para muitas famílias, mesmo com dois salários, várias multina-cionais não pagam impostos na Europa. Não é aceitável. Faz falta uma política fiscal euro-peia que combata a fuga aos

impostos e a especulação, e um controlo comum do sector bancário. Muitos não se sentem respeitados. Repare, passamos os dias a falar de milhões. Para a maioria dos cidadãos, um milhão é um valor gigantesco. Temos de discutir o que faz sentido para 99% das pessoas: milhares e não milhões.

P Hoje quem parece ter esse discurso mais próximo do povo são os demagogos e os popu-listas.

R É verdade. Pessoas normais que perdem o emprego vão, de-pois, votar no bilionário que se arroga em defensor dos seus in-teresses. Isso deve ser um sinal de alarme, sobretudo para os partidos da social-democracia.

P Este ano há eleições cruciais na França, Holanda e Alema-nha. Preocupa-o a ascensão de forças xenófobas?

R A estratégia desses partidos é criar medo e, depois, dar-lhe res-posta. É a direita mais extrema, um perigo para a democracia. Mas olhemos para os números. Se [o demagogo] Wilders tem, na Holanda, 25% de intenções de voto, é porque 75% estão contra ele. O mesmo acontece

com Marine Le Pen, mesmo que passe à segunda volta das pre-sidenciais, e com a Alternativa para a Alemanha. Mobilizemos essa gente contra eles.

P Muita dessa gente não vota, como se viu no referendo britâ-nico sobre a saída da UE.

R Se outrora o aumento na participação eleitoral favorecia a esquerda, hoje são as forças populistas quem seduz os abs-tencionistas, desiludidos e mar-ginalizados que acreditam que aqueles políticos estão mesmo interessados neles. Na verdade, dedicam-se a arranjar bodes expiatórios: hoje os muçulma-nos, amanhã os homossexuais, depois os desempregados, a se-guir os capitalistas. Nunca têm uma solução concreta. Ora, o cidadão comum precisa da proteção de um Estado forte. Em vez de se olhar só para a despesa e cortar até mais não, olhe-se para a receita e invista--se na educação, na saúde, no apoio aos mais velhos. Para tal, é preciso um sistema fiscal eu-ropeu. Tudo está ligado e não se resolvem problemas coleti-vos renacionalizando poderes, como quer a retórica populista.

P Vai ser mais difícil adotar po-líticas comuns com tantos na-cionalistas a ganharem votos?

R Não acredito que Le Pen ven-ça, mas ela e outros influen-ciam o ambiente político. As forças democráticas têm de se unir na procura de soluções concretas para as preocupa-ções quotidianas do cidadão.

P O eixo esquerda-direita está a dar lugar a um eixo abertura--fechamento?

R A questão é: em que socie-dade queremos viver? Quere-mos regressar aos anos 50 ou até aos 20 e 30? O futuro da Europa passará pelo discurso

Martin Schulz Presidente do Parlamento Europeu

do ódio, do antissemitismo, do racismo? Penso que não.

P Muitas das questões que alimentam esse discurso vão continuar a existir: refugiados, desigualdade, fraco crescimen-to...

R A crise dos refugiados mos-tra que a globalização, mais do que um debate académico, é a vida real de todos nós. No primeiro mandato no PE fa-lei de controlo das fronteiras externas, sistema legal de imi-gração e asilo com distribuição por países com base em pontos. Se pegar nos meus discursos de há 20 anos e lhes mudar a data, continuam válidos. Va-mos cooperar ou aceitamos que [o primeiro-ministro hún-garo] Viktor Orbán diga que os refugiados são um problema alemão? Criámos critérios para distribuir as pessoas: PIB per capita, desemprego médio nos últimos cinco anos e refugiados existentes no país. A Hungria teria de receber 1920, a Ale-manha um milhão. E diz Orbán que isto é a ditadura de Bruxe-las! Um milhão de pessoas dis-tribuído por um bloco de mais de 500 milhões de habitantes não é problema.

EUROPA

P Porque é que há castigo quando um país viola os limites do défice e não quando viola os valores europeus?

R Em Bruxelas, a questão é se se violam regras. O Governo húngaro defende valores que não os europeus, mas não vio-la regras. Tem opiniões dife-rentes e valores diferentes dos meus, mas tem uma maioria de dois terços, legítima, que já lhe permitiu rever a Constituição. Logo, a insistência de Bruxelas nas regras não serve. Temos de combater o discurso e os valo-res de gente como Orbán, que é um dos líderes mais inteligen-tes da direita europeia.

P Que opinião tem do atual e inédito Governo português?

R Como ainda sou presiden-te do PE, não posso comentar governos nacionais. Mas sou amigo próximo de António Costa e apoio-o como primei-ro-ministro. Também tive uma colaboração construtiva com Passos Coelho.

P Como é estar em Lisboa para a despedida de Mário Soares?

R Fomos colegas no PE e já o conhecia antes. Além disso, sou um social-democrata alemão. O PS nasceu em Bad Münste-reifel, no meu círculo eleitoral. Soares foi um de vários diri-gentes inspirados pelo nosso Willy Brandt, como Felipe em Espanha ou Papandreu na Gré-cia. Era um homem difícil, com um estilo combativo. Defen-dia as suas ideias, se preciso contra a maioria. E tornou-se uma figura histórica. O 25 de Abril foi um ponto de viragem na minha própria vida. A mi-nha geração recorda nomes es-quecidos como Rosa Coutinho, Costa Gomes, Vasco Gonçalves, Otelo... mas o nosso herói era Mário Soares.

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“A UE É UMA GRANDE PROEZA: PAÍSES EM COOPERAÇÃO, COM INSTITUIÇÕES COMUNS, EM VEZ DE ANDAREM À GUERRA”

“PASSAMOS A VIDA A FALAR DE MILHÕES. TEMOS DE DISCUTIR O QUE FAZ SENTIDO PARA 99% DAS PESSOAS: MILHARES E NÃO MILHÕES”

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 33 PRIMEIRO CADERNO

MÉXICO

Pelo menos seis pessoas mor-reram e 1500 foram presas na sequência dos protestos contra o aumento de mais de 20% dos combustíveis no México aplica-do a 1 de janeiro. Em 20 dos 32 estados do país mais de mil lo-jas foram saqueadas, estradas cortadas e estações de serviço vandalizadas num protesto que pôs o país a ferro e fogo desde o início do ano.

As críticas ao fim dos com-bustíveis subsidiados decre-tado pelo Presidente Enrique Peña Nieto choveram de todos os quadrantes. Oposição, pa-tronato, sindicatos, economis-tas e até mesmo a conferência episcopal apelaram a que Peña Nieto travasse os aumentos. Pedidos que não tiveram qual-quer resultado junto do Presi-dente que conhece o nível mais baixo de popularidade devido aos maus resultados da econo-mia, aos sucessivos escândalos de corrupção, à falta de segu-rança e às falhas na luta contra cartéis de droga com milhares de pessoas desaparecidas e as-sassinadas.

Gasolina a 78 cêntimos

Além disso, o efeito Trump está a afetar a economia do país e a dar dores de cabeça ao Presi-dente. A par da fuga de inves-timentos do sector automóvel, o discurso de Donald Trump e a insistência na construção de um muro na fronteira com o México esta quarta-feira em-purrou o peso mexicano para o nível mais baixo de sempre: 22,03 pesos contra um dólar.

A 1 de janeiro o preço da gasolina premium aumentou

Subida da gasolina ateia crise política

Encurralado entre o efeito Trump e o abrandamento da economia, Presidente mexicano aumenta combustíveis em 20%

20,41% para 18 pesos (€0,78) o que coloca o preço do galão de combustível (3,8 litros) qua-se ao nível do salário mínimo diário de 80 pesos atualmente em vigor. Isto num país em que mais de metade da população (52%) vive abaixo do limiar de pobreza. O gasóleo aumentou em média 16,5%. E mais au-mentos estão previstos para 4 e 11 de fevereiro e, a partir de dia 18, o preço será fixado pelo mercado, de forma a refletir as flutuações da cotação do crude no mercado internacional.

Fim do monopólio estatal

A reforma do mercado ener-gético e o fim do monopólio da petrolífera estatal Pemex estava previsto apenas para 2018, mas foi antecipada por Peña Nieto para minimizar o desgaste na campanha para as presidenciais do próximo ano. Na terça-feira, Peña Ni-eto veio a terreiro defender a sua dama numa reunião com a Confederação de Trabalha-dores do México e o Conselho de Coordenação Empresarial e os ministros das Finanças, Economia e Trabalho.

De fora ficaram a União Nacional dos Trabalhadores, que convocou novos protestos para 31 de janeiro, e a pode-rosa Confederação Patronal Mexicana, que recusa também o plano. “Ou aumentávamos a gasolina, ou cortávamos nos programas sociais”, afirmou o Presidente, explicando que a dependência face à gasolina importada dos EUA (mais de 50%), a alta do dólar e a depre-ciação das receitas internas a isso o obrigavam. E anunciou um pacto social para evitar uma escalada de preços dos bens essenciais.

Helder C. [email protected]

Raúl Castro inaugurou 2017 com nova demonstração de for-ça nas ruas, ciente de que tem pela frente um ano crucial: o último em que vai presidir ao Governo e ao Conselho de Es-tado, antes de escolher a quem entrega o comando executivo, em fevereiro de 2018. Será o primeiro ano da sua vida sem a larga sombra do irmão Fidel.

Uma réplica do iate “Gran-ma”, símbolo histórico da Revolução cubana, ‘navegou’ pelas ruas de Havana durante o desfile militar e a “marcha do povo combatente”. Raúl quis deixar bem claro a Do-nald Trump qual é a sua aposta de fundo para os próximos 14 meses: mais e mais revolução, apesar da crise económica im-portada da Venezuela. O im-previsível Presidente eleito dos Estados Unidos acentuou as piscadelas de olho aos oposi-tores do regime cubano e aos exilados de Miami. “Sabemos o que temos de fazer e vamos fazê-lo”, afirmou, enigmático, ao regressar à Florida.

É um ano fundamental para o futuro da revolução. “O tempo passa, embora em Cuba tudo pareça imóvel”, escreveu num editorial, em dezembro, a in-fluente revista católica “Con-vivencia”. No mesmo tabuleiro geoestratégico movem-se no-vas peças e Raúl, de 85 anos, não tem tempo a perder. O pa-norama é ideal para reformas profundas, ainda que o Presi-dente cubano tenha prometido, diante das cinzas do líder histó-rico, apenas mais socialismo.

A histórica viagem de Oba-ma, o Congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC) e os

Raúl Castro prepara sucessão para início de 2018

CUBA

O Presidente quer controlar a transição no poder e mostrar ao mundo que a morte de Fidel não amoleceu o regime

ritos fúnebres de Fidel confir-maram o obscuro burocrata ci-vil Miguel Díaz-Canel, primeiro vice-presidente, como máxi-mo aspirante à presidência do Conselho de Ministros. Uma das pequenas mudanças que Raúl prepara é uma reforma constitucional para separar a presidência do Governo da do Conselho. Ele próprio ficaria à frente do PCC e das Forças Armadas, para supervisionar o seu escolhido, com os fiéis da Sierra Maestra e o seu filho Alejandro, czar dos serviços de espionagem e contraespiona-gem, como contrapeso militar.

Díaz-Canel exerceria uma es-pécie de poder executivo tele-comandado. O vice-presidente já participou, na terça-feira, na tomada de posse de Daniel Or-tega na Nicarágua, país aliado de Havana. “Terá de partilhar o poder, porque o pilar do regime são os militares e não os appa-ratchiks, como acontecia nos países socialistas europeus”, resume o historiador cubano Álvaro Alba.

O controlo político contrasta com a crise económica: a ilha encerrou o ano em recessão (-0,9% no PIB, previsão de -2% para 2017), segundo o econo-mista Omar Everleny Pérez, que concorda com peritos mundiais: Cuba “deve fazer grandes mudanças na econo-mia”. À debilidade congénita soma-se a quebra nas exporta-ções e o “efeito Maduro”: a cri-se venezuelana terá reduzido os 125 mil barris de petróleo diários enviados para a ilha.

Repressão bate recordes

“A situação económica é hor-rível e Raúl sabe que a única coisa que funciona é o trabalho por conta própria [iniciativa privada]”, assegura a econo-mista opositora Martha Beatriz Roque. As “novas formas de gestão não estatal”, na defini-ção do Governo, totalizam mais de meio milhão de empreende-dores, com assalariados pró-prios, numa ilha de 11 milhões de habitantes.

Raúl terminou 2016 a ba-ter recordes negativos: mais repressão, fugas e até filmes censurados, como fazia Fidel. O Observatório Cubano dos Di-reitos Humanos (OCDH) do-cumentou 9351 detidos em 11 meses: 5383 mulheres e 3968 homens. Mulheres como as Damas de Branco ou Joanna Columbié, ativista da organiza-ção Somos Todos. Columbié, de Santiago de Cuba, dirige a Aca-demia 1010, nascida em 2016 para criar líderes para o futuro. Provocou a ira do regime, que só reconhece a União de Juven-tudes Comunistas (UJC).

“O recrudescimento da re-pressão é crucial: uma mescla de nervosismo dos dirigentes devido à sucessão e torpeza dos mecanismos de controlo social”, garante o politólogo cubano Armando Chaguaceda. A irrupção de Trump também estimulou a fuga para norte de jovens, temerosos perante os rumores de revogação da Lei de Ajuste Cubano, que tanto os favorece. No último ano, mais de 50 mil chegaram aos EUA.

Foi um ano péssimo para as liberdades, no qual foi censu-rado o filme “Santa y Andrés” por “uso irresponsável dos símbolos pátrios e referências inaceitáveis a Fidel”. Uma fi-gura abordada na obra é o poe-ta Virgilio Piñera, perseguido por ser homossexual e votado ao ostracismo por Fidel. As ja-nelas de Raúl abriram-se para Piñera em 2012, tendo chega-do a haver representações em Havana da sua peça de teatro “Dois velhos pânicos”. Uma das frases mais emblemáticas desse texto parece quase uma mensagem para o Raúl de 2017: “Os mortos não temem as con-sequências.”

Daniel Lozano Correspondente em Caracas

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Díaz-Canel, à esquerda, é o mais bem posicionado para suceder a Raúl Castro FOTO GETTY IMAGES

INVERNO RIGOROSO En-rolados em cobertores, re-fugiados enfrentam a vaga de frio que atinge a Europa, como acontece na situação retratada, em Belgrado, na Sérvia. Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) dizem que mais de 7500 homens, mulheres e crianças pernoi-tam em campos ou abrigos improvisados, em tendas sobrelotadas e sem prote-ção contra as baixas tem-peraturas que chegaram a -20o C. “Ninguém, fugido à guerra, à tortura e à vio-lência extrema deveria ser deixado ao relento”, afir-mou o porta-voz dos MSF, Clement Perrin, visando as autoridades gregas. O Alto Comissariado para os Refugiados da ONU distri-buiu cobertores térmicos, combustível e aquecedores elétricos, num esforço de-sesperado para humanizar a vida destas pessoas. A si-tuação dos requerentes de asilo na Grécia é “acima de tudo” da responsabilidade das autoridades gregas, diz a Comissão Europeia, en-quanto as agências de aju-da humanitária pedem ao Governo grego que trans-fira os refugiados das ilhas para o continente, pondo termo às situações de so-brelotação. FOTO SRDJAN STE-

VANOVIC/GETTY IMAGES

Fugir da guerra para morrer de frio

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Expresso, 14 de janeiro de 2017PRIMEIRO CADERNO34

Editorial&Opinião

Pedro Adão e [email protected]

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ESTATUTO EDITORIAL DISPONÍVEL EMwww.impresa.pt/Lei78/2015

Rodrigo Gonçalves

Uma das principais características dos grandes líderes é a capacidade de se antecipar à mudança, promovendo--a e procurando liderá-la. Foi o que

Santana Lopes fez em 2001 quando, contra todas as sondagens e sem coligação com o CDS de Paulo Portas, antecipou a mudança, promoveu-a e venceu a CML a João Soares.

Compete aos líderes, por forma a acelerar o processo de mudança e evolução, romper a inércia do politicamente correto, enfren-tando os poderes instituídos, quando estes são prejudiciais. Aqui temos o exemplo de Sá Carneiro que em 1975, no II Congresso do PPD, exigiu o apoio para a revisão do pacto MFA/Partidos, da rápida conclusão da Constituição e do rigoroso apartidarismo das Forças Armadas. A sua coragem levou-o à reeleição no PPD.

Não aceitar o risco é condenar-se ao fra-casso e permitir que outros assumam esse

risco, ocupando o espaço deixado em aberto. Um exemplo disso foi o avanço de Marcelo Rebelo de Sousa às presidenciais depois de perceber que os seus possíveis adversários da “direita” (Santana Lopes e Rui Rio) he-sitavam em avançar. Sem o apoio de Passos Coelho, Marcelo assumiu o risco, ocupou o espaço e venceu.

Lançou-se o repto a Passos Coelho para ser candidato a Lisboa com o argumento que já tinha ganho duas vezes neste conce-lho, nas legislativas de 2011 e de 2015, desta vez com cerca de 40% dos votos e contra o próprio António Costa.

Ao assumir este risco, Passos Coelho an-tecipa a mudança, promove-a e lidera-a. Para quem, como eu, acredita que o líder do PSD tem condições para ganhar a CML, será a garantia de que ficará na liderança por muitos anos.

No entanto, todos os seus opositores, de forma mais ou menos declarada, defendem, que é um erro Passos Coelho avançar para uma candidatura à capital. Porquê? Já ima-

ginaram se Passos Coelho ganha? Este é o pior cenário para os seus opositores internos e externos. Ganhando Lisboa quem poderá pôr em causa a sua liderança? Ninguém.

Esta alternativa é vista como a “tábua de salvação” com que os opositores do líder do PSD não contavam e tem de ser interpretada como o risco necessário de um verdadeiro líder.

Porém, tudo tem o reverso da medalha e este é um partido onde o líder dedica mais tempo às metas de longo prazo (legislativas), despreocupando-se com objetivos de curto prazo (autárquicas), afastando-se do contac-to com o trabalho de base dos autarcas e das estruturas locais. O PSD não pode hibernar até 2019, anulando o trabalho dos seus au-tarcas que são a alma do partido.

Quando um líder não cuida da motivação dos seus, terá um eleitorado pouco entusias-mado, com um baixo nível de compromisso e isso, nos dias de hoje, pode ser fatal. Porém a fatalidade não é um mal inevitável. Basta para isso correr riscos e ganhar.

Vice-presidente do PSD de Lisboa defende que o líder vá a votos nas autárquicas

E se Passos Coelho ganha Lisboa?

Nuno Pinto

Reuniu-se pela quarta vez o Conselho da Diáspora Portuguesa (CDP) que congrega personalidades de origem portuguesa espalhadas pelo mundo

e com atividade em diversas áreas, com o objetivo principal de estabelecer uma rede que promova Portugal no estrangeiro.

O princípio é válido e está a ter impacto, uma vez que destas redes compostas por individualidades com poder de decisão em empresas, universidades e instituições internacionais resultam sempre benefícios socioeconómicos.

Mas o verdadeiro potencial do CDP não reside em promover Portugal nestas altas esferas no estrangeiro.

O país precisa, isso sim, da ajuda do CDP para o melhorar.

O capital humano dos portugueses emi-grados é elevado e é reconhecido que este potencial muitas vezes não se concretiza quando os mesmos exercem as suas ativi-dades em Portugal, onde há barreiras cultu-rais, sociais, económicas e institucionais sig-nificativas. O CDP é um fórum privilegiado para que estas personalidades contribuam de forma estruturada para que o país e as suas instituições superem estas barreiras.

Portugal goza de certa popularidade in-ternacional, devido ao turismo, a alguns (poucos) sectores económicos e um pouco também devido ao peso político que os ca-sos de António Guterres ou Durão Barroso representam, ainda que não haja nenhum indício de que ambos tenham sido escolhi-dos pelas qualidades da sua portugalidade.

Seria também muito ingénuo pensar que algum dos conselheiros do CDP ou qual-quer outro português tenha sido contrata-do ou selecionado no estrangeiro pela sua portugalidade, como por vezes aparenta ser o discurso vigente. Os portugueses são competentes como o são, por exemplo, os austríacos, os uruguaios, os cabo-verdia-nos, os coreanos ou qualquer outro naci-onal. O que pode distinguir a atratividade do trabalhador português são as suas cada vez mais elevadas competências para o seu baixo custo laboral, algo válido para muitas outras nacionalidades.

A exposição mediática do CDP indica um marcado espírito de autovalorização da dita portugalidade. Compreende-se que o Presidente da República ou o Governo passem essa mensagem, mas o CDP deve ter um discurso objetivo e distanciado de uma glorificação muitas vezes paroquial da dita portugalidade.

É preciso que o CDP se debruce efetiva-

mente sobre a capacitação institucional e económica em Portugal para que o país su-pere os seus atrasos estruturais. Há muitas formas de o fazer.

O CDP deve ser transparente, que ainda não é. A sua página web não tem nenhu-ma publicação formal ou tomada de po-sição, nem se conhecem os seus métodos de trabalho, apenas notícias sobre coisas positivas de Portugal e dos conselheiros. Deve contribuir com opinião estruturada baseada em factos e dados. O CDP pode dedicar-se por exemplo à coordenação de livros brancos sectoriais e à promoção de uma interação com agentes dos países de acolhimento dos conselheiros nesses sectores. Tem ainda de ser inclusivo. Há muitos portugueses emigrados que dese-jam e podem contribuir de forma útil e não condicionada nas mais diversas áreas com ideias e experiência, e o CDP é um fórum ideal para fazer esse networking.

O país precisa do enorme potencial dos seus emigrados (cujo fluxo de saída se man-tém em picos históricos), sobretudo ao nível da renovação de mentalidades e práticas or-ganizacionais, de governança e de liderança nos sectores privado e público, e o CDP pode ser um dos agentes dessa mudança se reo-rientar os seus objetivos e explicitar os seus métodos, sendo mais inclusivo.

Professor universitário quer os emigrantes a ajudar a melhorar Portugal

O verdadeiro potencial do Conselho da Diáspora Portuguesa

Assistimos ao cortejo fúnebre de um modelo de negócio que não foi ainda substituído. O que surpreende é que, apesar do contexto, ainda vá sendo feito bom jornalismo

No momento mais baixo de uma conferência de imprensa abjeta, um jornalista da CNN co-

loca uma pergunta pertinente a Trump: “Pode garantir que ninguém da sua campanha teve contactos com a Rússia?”. O Presidente-eleito não respon-deu, aproveitando para repetir que CNN é sinónimo de “notíci-

terço tem vínculo precário), enquanto os horários de tra-balho ultrapassam em muito as 40 horas, sem remuneração extraordinária.

Sublinho a questão laboral porque espelha o fim do negó-cio dos media como o conhece-mos. As redações estão depau-peradas e enfraquecidas na sua autonomia face às administra-ções. Os conteúdos gratuitos e a realidade sem intermediação propagada pelas redes sociais destruíram um negócio velho, mas o que surgiu de novo não oferece os alicerces nos quais assentam as democracias li-berais: informação rigorosa, prudente e factual. Estamos a assistir ao cortejo fúnebre de um modelo de negócio que não foi ainda substituído. O que surpreende é que, apesar do contexto, ainda vá sendo feito bom jornalismo.

Sem modelo de negócio vi-ável, o jornalismo tem cedido a duas tentações: as notícias foram-se transformando em conteúdos opinativos e o ci-

nismo com que a realidade é encarada vestiu-se de engra-çadismo. Hoje é difícil distin-guir opinião (necessariamente subjetiva e marcada ideologi-camente) da informação. Da mesma forma que a busca in-cessante de clicks/audiências empurra os media para uma deriva sensacionalista, baseada em trocadilhos que têm tanto de fácil como de falacioso. Se a isto acrescentarmos os novos meios não regulados, temos o caldo cultural propício a um debate público pós-factual e a uma competição que suspende a deontologia.

É conhecido o dilema de Tho-mas Jefferson, se tivermos de “escolher entre um Governo sem jornais ou jornais sem Governo, não devemos hesitar em escolher a última solução”. Curiosamente, a segunda parte da citação tende a ser ocultada: “Todos os homens devem rece-ber jornais e ser capazes de os ler”. Como sempre, uma socie-dade pluralista depende de um escrutínio crítico do que se lê.

Para onde vai o jornalismo?

as falsas”. Até aqui, apenas mais um exemplo de como o anor-mal se tornou o novo normal. O pior foi o que veio a seguir. Os camaradas do repórter da CNN, em lugar de repetirem a ques-tão de Jim Acosta até obterem uma resposta, prosseguiram a conferência de imprensa. Mais tarde, a pergunta acabou por ser colocada por uma repórter da ABC. O mal ao jornalismo estava feito.

O episódio parece-me exem-plar de como os próximos anos serão uma prova de vida para o jornalismo e para o pluralismo. Portugal não é exceção.

Como mostra o estudo do CIES-IUL preparado para o Congresso dos Jornalistas, es-tamos perante uma profissão cujas condições laborais se degradaram. Apesar de terem qualificações académicas cin-co vezes superiores à média nacional, os salários dos jor-nalistas são baixos (a maioria recebe menos de 1000 euros e 22% menos de 700), a preca-riedade tem aumentado (um

Editorial Ao morrer Mário Soares, morreu uma figura central do Portugal contemporâneo. Que o seu legado permaneça

Adeus, sr. PresidenteEsta semana morreu aquela que terá sido provavelmente a figura mais importante em Portugal no último meio século. Primeiro no combate à ditadura e na defesa da liberdade, depois na luta por uma democracia e na defesa do caminho europeu de Portugal. Mário Soares foi Presidente da República dez anos, foi primeiro-ministro por três vezes (em tempos de enormes dificuldades e desafios, fundou o Partido Socialista, foi deputado e eurodeputado. E foi, sobretudo, um enorme lutador e defensor de grandes causas. Era um homem e como homem viveu carregado de imperfeições, idiossincrasias, defeitos e contradições. Mas, se olharmos para trás, é da mais elementar justiça reconhecer o essencial: Soares teve razão quando tinha de a ter. Nos grandes momentos ele foi protagonista e foi protagonista no lado certo da História. No combate ao Estado Novo que dominou o país 48 anos com mão de ferro. Na defesa das liberdades, da democracia e na luta por um sistema democrático parlamentar, pleno.

Na recusa de derivas autoritárias no pós-25 de Abril. Na insistência no caminho europeu de Portugal e na plena adesão à comunidade europeia. Hoje, em pleno século XXI, estas parecem ideias tão banais como o ar que respiramos e tão

consensuais como a mais consensual das ideias. Mas nem sempre foi assim. Chegar lá deu muito trabalho e foi preciso travar muitas batalhas. Soares combateu-as todas. E por isso merece inteiramente o seu lugar na História de Portugal. Todos nós nalgum momento estivemos com ele. E não é pela presença mais ou menos significativa de populares nas ruas de Lisboa nos dias das cerimónias fúnebres que o seu papel, marca e importância na nossa história recente, pode sequer ser beliscado um milímetro que seja. Que o seu legado permaneça.Por tudo o que aqui foi dito, nesta edição damos grande destaque à vida e obra de Mário Soares, com uma Revista do Expresso com 100 páginas inteiramente dedicadas ao seu percurso. Ao ler os textos lá incluídos, todos encontraremos seguramente motivos para divergir do que Soares fez e disse algures ao longo da sua vida. Mas todos encontraremos também motivos de concordância, apreço e reconhecimento pelo seu percurso. Boas leituras.

Soares travou todas as batalhas decisivas. E merece inteiramente o seu lugar na História de Portugal

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 PRIMEIRO CADERNO 35

Editorial&Opinião

Daniel [email protected]

Henrique [email protected]

António Gonçalves Ferreira

A reforma da floresta propos-ta pelo Governo de António Costa será o princípio do fim da floresta portuguesa.

Em vez de duas florestas, determi-nadas pelas características edáficas e climáticas e pela estrutura fundiária, como a Estratégia Nacional para as Florestas apontou, passaremos a ter 300 florestas, tantas quantos os con-celhos portugueses.

A floresta passará a ser olhada à escala administrativa, ignorando a escala da paisagem da qual decorre a sua ecologia e que condiciona op-ções produtivas, de ordenamento e de gestão. A sua resistência a fenómenos extremos e a sua capacidade de resis-tência ficará comprometida.

A reforma de 2016 não seguirá o bom karma dos anos “6”, que ditaram em 1996 a Lei de Bases da Política Florestal, aprovada por unanimidade, e em 2006 a Estratégia Nacional para as Florestas. Antes fará recordar a trágica reforma agrária que no PREC colocou a nossa agricultura décadas atrasada relativamente aos nossos

parceiros europeus. Um trabalho de gerações, que

florestou Portugal e o tornou mais verde, ficará exposto ao populismo local, que não pode ser juiz em causa própria.

A reforma pode ser substancial-mente melhorada se acolher os re-sultados do fórum da Ordem dos En-genheiros que, após uma discussão profunda e uma auscultação abran-gente apontou para:> Implementação de um programa de educação e sensibilização flores-tal, riscos dos fogos e sua prevenção — a negligência é a principal causa dos incêndios; > Criação de incentivos fiscais para estimular o emparcelamento flores-tal e evitar o fracionamento da pro-priedade — aumentando a dimensão média da propriedade florestal, vital para a sua rentabilidade;> Criação da figura fiscal do mode-lo de provisões para investimento florestal para os sujeitos passivos de IRC e de IRS, garantindo fundos privados para investir na floresta; > Apoio efetivo ao funcionamen-to das ZIF, reconhecendo-as como veículo privilegiado de soluções de

defesa da floresta e de gestão agru-pada ao nível territorial; > Liberdade nas opções de produ-ção, dentro das regras de ordena-mento e de defesa da floresta, acom-panhada de uma fiscalização efetiva do território — fugindo de soluções proibicionistas que penalizam quem quer estar dentro da lei e não evitam a ilegalidade;> Criação de uma estrutura dedica-da à defesa da floresta, integrando a prevenção e o apoio ao combate — se estas duas vertentes não se articu-larem e não colaborarem, nada vai mudar nos incêndios florestais.

A floresta portuguesa defende-se e reforça-se com melhor ordenamento, com mais rentabilidade, com mo-nitorização e fiscalização efetiva do território, com coordenação entre prevenção e o combate, a incêndios e a pragas e doenças, e com uma ade-quada alocação de fundos de apoio ao investimento...

Sobre isto, quase nada vemos na pretensa Reforma da Floresta. Espe-ramos que as vozes da floresta sejam ouvidas e que 2017 possa ser antes o ano do início do fim dos problemas da floresta portuguesa.

Presidente da Unac — União da Floresta Mediterrânica ataca estratégia do Governo

2017, o ano do princípio do fim da floresta portuguesa

Nuno Galvão Teles

Para a Isabel

Ao contrário de tantos, nunca tive um “herói” de banda desenhada na infância e adolescência. O meu “herói” foi e será sempre Mário Soares.

Apercebi-me do 25 de Abril quando, nessa tarde no aeroporto, sentado em cima de um tanque, ouvi meu pai dizer: “Nunca te esqueças deste dia, o dia mais feliz da minha vida”. Algo sério se devia

ter passado para tanto alvoroço e alegria, que até dava para faltar às aulas...

Depois, na posição privilegiada de vizinho do andar de cima, fui assistindo à vertiginosa passagem da revolução e da instauração da democracia pelo nosso prédio. Embora miúdo, vivia fascinado com o ritmo diário dos aconteci-mentos, tanto em casa, com o meu pai e as suas reuniões conspiratórias dos GIS, como no elevador, nas escadas, na janela ou na porta, com as entradas e saídas das mais diversas personagens da casa do dr. Soares.

Cedo me tornei socialista, do PS, fascinado por aquele vizinho regressado do estrangeiro, que fomos buscar ao comboio e vimos sair no Re-nault encarnado do colégio. Finalmente, tinha-se fechado o puzzle: era o pai da Isabel e do João, o marido da Maria de Jesus.

Nos anos seguintes, tornei--me uma lapa da família Soares. Com a conivência carinhosa de to-dos, especialmente da Olinda e do senhor Silva, fugia para o terceiro andar para tentar estar o mais perto possível da História. Tanto que já ti-nha a sensação de que ninguém dava por mim, que era mais um elemen-to da decoração. Por vezes, quando me via, o dr. Soares, dizia, rindo-se ao apresentar-me a alguém importante: “Este é o Nuno, filho do José Manuel Galvão Teles, que foi do PS antes do pai”, com o meu pai entre o orgulhoso e o danado.

Enquanto se preparavam as primeiras eleições, as constituintes, chateava tudo e todos pela injustiça de não me deixarem votar. Com o meu pai, membro da Comis-são encarregada da redação da primeira Lei Eleitoral, discutia o critério da maioridade, aqueles longínquos 18 anos que eram porta de entrada para o que todos aparentemente queriam fazer: votar. Num desses dias, o dr. Soares confortou-me dizendo que iria ter tempo para votar muitas vezes. Entretanto, podia ajudar na campa-nha do PS. Quando me perguntou o que queria fazer revelou-se um espírito narcísico até então desconhecido: “Tiram-me uma fotografia e fazemos um grande cartaz com a minha cara e, por baixo, ‘Se eu pudesse votava

PS’”. Durante anos, a família Soares adorava contar a história, refilando com os homens do marketing, pois aquele é que teria sido um grande slogan e cartaz.

Fui crescendo, sempre ao lado da política, e sempre fas-cinado por aquela figura única e insubstituível. Partilhava o enorme fascínio e admiração que a Isabel — minha querida amiga — tinha pelo pai. Pela sua coragem, determinação, cultura e visão histórica do futuro.

Sem surpresas, vi-me envolvido na candidatura de Mário Soares à Presidência da República. Foram meses inesque-cíveis de companheirismo e emoção. Momentos que não se apagarão: a saída a correr do Saldanha para a Marinha Grande com a Isabel e a intensidade do comício nessa noite em Coimbra; a noite das eleições e a leitura que o Mário fez ao meu pai do discurso mais bonito de derrota que alguma vez ouvi; e a ida final do Campo Grande, no carro atrás do do Soares, até à sede do Saldanha. Durante todo este tem-po, e até há dois ou três anos quando falei como dr. Soares pela última vez ao telefone, aprendi a apreciar a sorte que a vida me tinha dado. Testemunhar de tão perto — e sempre pela mão amiga da Isabel — alguns momentos inesquecí-veis do percurso desse “senhor” do mundo chamado Mário Soares. Poucos contribuíram tanto para o destino coletivo da nação e para defesa dos valores da civilização ocidental.

Tinha ainda um instinto raro para antecipar os ven-tos da História. Recordo-me que

andei anos intrigado com o que quis dizer num almoço no Vau, a sua casa no Algarve, em 2002, sobre o que ele antecipava como

a explosão da globalização: “Não sentes que isto não pode dar certo? Há um lado aqui de uma aparente harmonia, sem regras e nenhum controlo, que um dia vai dar uma grande bronca”.

Já muito se disse sobre ele, mas para mim o Mário — como, com atre-vimento, gostava de o chamar — era único, na sua dimensão política e hu-mana. Não pelo seu instinto feroz ou a sua coragem inabalável; não pelas suas convicções profundas e o seu amor por Portugal e as suas gentes;

não por ser um homem intrinsecamente livre e apaixonado pela liberdade sob todas as suas formas; não por apreciar os seus próprios defeitos e reconhecer a ironia e o gozo da “traquinice”; não por ser profundamente civilizado e gostar de tudo na vida que pudesse dar prazer; não — com as dificuldades da sua especial natureza e estatuto — pelo incondicional amor à sua família; nem mesmo pela sua vasta cultura e conhecimento da história dos povos que tão importante foi em determinados eventos para a definição correta da sua ação no processo revolucionário.

Era único, absolutamente genuíno e autêntico, em qual-quer situação, com quem quer que fosse. Nele nada soava a falso. Foi sempre o que quis ser: um amante da vida e um infatigável combatente pela liberdade. Detestava a vulga-ridade e tinha a grandeza dos eleitos. Foi e será sempre o meu herói.

Advogado dedica a Isabel Soares o adeus ao vizinho do terceiro andar

O meu “Super Mário”

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Caro retornado, tenho respeito pela sua dor e sinto pela sua história uma volúpia literária assinalável. Contra a narrativa

cunhalista e soarista, já é tempo de co-locar a sua epopeia no centro da nossa história coletiva. Mas, antes de tudo, gostava que compreendesse que a des-colonização não foi um crime, mas uma tragédia. Soares tem sido o bode expiatório de uma situação trágica. A África portuguesa estava destinada à implosão, até porque existia um abis-mo entre os portugueses europeus e os portugueses africanos. Para compre-ender este ponto, gostava de lhe apre-sentar o meu pai. Ele era o próximo da linha. Depois dos irmãos mais velhos, era o próximo a embarcar para uma guerra que dizia tanto à minha família como a guerra da Indochina. Sem o 25 de Abril, o meu pai teria sido obrigado a combater numa selva que lhe era tão familiar como o delta do Mekong.

O Ultramar era cada vez mais uma exigência do Estado que a nação detes-tava. O Estado Novo não era ilegítimo aos olhos das pessoas por causa da pobreza. Isso é uma falácia cunhalista e soarista. Crescíamos a 10%, salários e reformas subiam todos os anos, os por-tugueses nunca tinham vivido tão bem. O Estado Novo era cada vez mais ilegí-timo porque nos forçava a uma guerra sem sentido. Ou seja, o meu caro ami-go tem de perceber que “nem mais um soldado para África” não era um chavão da esquerda, era o sentimento genuíno da população. Soares só deu forma política a este desejo popular, totalmente partilhado pelo meu pai, que queria um modo de vida europeu e não a cruzada africana. Era o efeito da europeização do país, que começou muito antes do “Europa connosco” de Soares. A EFTA, a CEE (1972), a emigração, a televisão, a urbanização, a industrialização: todos estes fatores orientaram os olhos dos portugueses para nordeste, não para sul. O meu pai não queria chaimites e G3, queria uma Grundig a cores; nessa televisão, teve o único contacto com a guerra da sua vida: os filmes americanos que se passam no delta do Mekong.

A guerra custou-nos cerca de 8000 mortos. Se olharmos para o rácio en-tre o número de baixas e o total da população, o Ultramar foi mais pesado para a população portuguesa do que o Vietname para a população americana. É um luto que está por fazer. Tal como o seu, diga-se. Mas repare numa coisa, caro amigo: a sua dor africana não pode ser superior à dor das famílias portuguesas que viram os seus filhos morrer numa guerra incompreensível. Porque é que o meu pai tinha de dar a vida por uma terra que não sentía-mos como nossa? Porque é que a dor do meu padrinho, que veio de Angola com as cicatrizes psicológicas da guer-ra, é inferior à dor dos retornados? E sabe qual pode ser o bode expiatório de veteranos de guerra como o meu padrinho? Os retornados. Portanto, convém ter empatia pelos outros, pelos portugueses que viveram África de forma diferente da nossa. Caso con-trário, passaremos mais quarenta anos a cozinhar ressentimentos. Quer isto dizer que temos de nos calar perante o comportamento criminoso de boa parte dos militares portugueses que estavam interessados em dar Angola aos aliados do PCP e URSS? Não. Mas isso já é outra conversa.

O meu pai, Soares e África

Nas redes sociais divulgam-se como factos mentiras compro-vadas. Truncam-se notícias e citações. Partilham-se mitos e

espalha-se a intoxicação. Vimos isso na última semana, a propósito de Mário Soares. Que tinha dito para as tropas dispararem sobre os brancos quando, na verdade, aceitou, depois de grande insistência de uma jornalista alemã, que se manteria a ordem perante tentativas desesperadas de repetir a Rodésia em Angola. Que disse que se devia atirar os colonos aos tubarões. Que pisara a bandeira nacional. Só que nada disto foi inventado nas redes sociais. É lama com mais de quatro décadas. Não se lhe dava o nome pomposo de “pós-verdade”, mas a mentira não nasceu no Facebook e não foi inventada por Trump. É tão antiga como o ódio.

O ódio a Soares tem origem nos seus três principais derrotados: os saudosis-tas do Estado Novo, os chamados ‘re-tornados’ e os comunistas. Quanto aos poucos salazaristas que sobram, Soares tem de partilhar o ódio com uma longa lista de ‘abrilistas’. Já em relação aos ‘retornados’, o ressentimento passa de pais para filhos. Os mais moderados di-zem que a descolonização devia ter sido diferente. Só que Soares não se limitou a interpretar, com a quase totalidade dos atores políticos de então, a vontade da esmagadora maioria dos portugueses. Fez a única coisa que ainda podia ser feita. Totalmente sozinhos no mundo, 13 anos depois de uma solução negociada e pacífica ter sido possível, com um vazio de poder na metrópole e um cansaço insuportável na frente de combate, não havia espaço para uma descolonização exemplar, se isso alguma vez existiu. Uma transição mais longa, em pleno conflito armado com os movimentos de libertação, implicaria mais tempo de guerra. E a mesma guerra que fez cair a ditadura faria cair a democracia. Compreendo o brutal sofrimento pes-soal de muitos atores involuntários do fim do império, mas terão de procurar os culpados em 1961. Já a resistência do ódio dos comunistas, não envolvendo qualquer drama humano, é um pouco mais difícil de compreender. Recuso que se façam paralelos entre meio século de ditadura e um ano e meio de agitação política. Até acredito que a nossa demo-cracia não seria tão forte se liberdades e direitos não tivessem sido conquistados na rua, em 74 e 75. Mas no momento em que a revolução entrou em plano inclinado e Vasco Gonçalves começou a falar da necessidade de um governo forte, por ter uma “base de apoio res-trita”, ficou claro que ou teríamos um confronto civil armado para resgatar a democracia ou uma ‘pinochada’ para repor a ordem. Homens como Mário Soares e Melo Antunes garantiram que não se perdia o fundamental de abril e que o PCP não era expulso pela direita revanchista do jogo democrático.

Critico em Soares algumas das opções que tomou em 1983 e a sua benevolên-cia com comportamentos eticamente reprováveis, comum nos tempos em que se fez homem de Estado. Compreendo a sua escolha europeia, que garantiu a consolidação da democracia, a abertura do país ao exterior e os meios finan-ceiros para o desenvolvimento econó-mico e social, mas lamento que não se tenha apercebido a tempo de como a União se estava a transformar, a partir de Maastricht e do euro, no oposto do que sempre defendera. Mas a Soares devo, antes de tudo, o amor e o ódio que alimentou em tantos. Porque resultam das escolhas que fez e que mudaram radicalmente o país. Para melhor.

O ódio

HENRIQUE RAPOSO ESCREVE NO EXPRESSO DIÁRIO DE SEGUNDA A SEXTA-FEIRA

DANIEL OLIVEIRA ESCREVE NO EXPRESSO DIÁRIO DE SEGUNDA A SEXTA-FEIRA

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Expresso, 14 de janeiro de 2017PRIMEIRO CADERNO36

A CARTA DA SEMANA

In Memoriam Cartas

Os originais das cartas não devem ter mais de 150 palavras, reservando-se a Redação o direito de as condensar. Os autores devem identificar-se indicando o nº do B.I., a morada e o nº do telefone. Não devolvemos documentos que nos sejam remetidos. As cartas também podem ser publicadas na edição online.

Para contacto:fax nº (+351) 214 435 319ou [email protected]

OBITUÁRIO

1924-2017 Sem ele a mudança de regime teria sido sangrenta, porventura incompleta e muito menos livre

Mário SoaresJosé Cutileiro

Mário Alberto Nobre Lopes Soares, filho de político da 1ª República, após esta, anti-salaza-

rista, pedagogo, autor de atlas geográfico e padre reduzido ao estado laical, que morreu no pas-sado sábado no Hospital da Cruz Vermelha em Lisboa onde fora internado de urgência a 13 de De-zembro, mais de um ano depois de no mesmo hospital se ter ex-tinto sua mulher, Maria de Jesus, geralmente conhecida por Maria Barroso, actriz, declamadora e companheira de luta política em toda a vida de ambos, primeiro contra o fascismo do dr. Salazar que lhe custou a ele prisões, de-gredo e exílio (e a ela embates com a polícia política e proibição de representar, além de manter sozinha, em bom funcionamen-to, colégio lisboeta com internato e externato e garantir a boa edu-cação da filha e do filho), depois contra o comunismo do dr. Álva-ro Cunhal que, de súcia com uma parte do Movimento das For-ças Armadas, muito activa logo desde o 25 de Abril, foi tentando estabelecer as bases para uma eventual instalação de regime soviético em Portugal, atingindo o confronto com os apoiantes da democracia parlamentar de tradição europeia ocidental — de que Mário Soares, se tornara o chefe — grande intensidade no Verão de 1975 mas que, à medida que independências iam sendo dadas às antigas colónias, foi aproximando militares extremis-tas dos seus camaradas modera-dos no seio do MFA, ao ponto de a 25 de Novembro de 1975 (dias depois da última indepen-dência, a de Angola) tentativa de golpe militar enquadrada pelos comunistas ter sido rapidamente neutralizada, estes e a esquerda antieuropeia e terceiro-mundista postos fora do arco da governa-ção e a democracia parlamentar com que vivemos desde então conseguir finalmente começar a enraizar-se em paz.

A seguir vieram eleições que os socialistas de Mário Soares ganharam sem maioria abso-luta, governando a seguir a elas em coligação; mais eleições,

igualmente livres e limpas se foram seguindo e a alternância democrática tem-se mantido até agora. Vale a pena lembrar que a Primeira República, entre a monarquia dos Braganças e o Estado Novo de Salazar, durou 16 anos; o regime desencadeado a 25 de Abril de 1974 e consti-tucionalizado dois anos depois continua sem falta de vigor apa-rente passadas mais de quatro décadas, durante as quais Mário Soares passou por governos e oposições, sendo mais de uma vez primeiro-ministro, cumprin-do dois mandatos como Presi-dente da República. Não houve, desde antes dele nem depois, ninguém que tivesse vivido essa magistratura unipessoal com tanta naturalidade e inteligência, não só habituando as pessoas ao regime mas também ajudando as duas grandes causas — a liber-dade e a Europa — pelas quais se batia (talvez haja mesmo conta-giado muitos de nós, de pendor macambúzio, com o seu gosto alegre da liberdade). Quando primeiro-ministro, em 1976, foi a Bruxelas dizer que queríamos aderir às Comunidades Europei-as; fê-lo não só para melhorar a economia do país mas também, e sobretudo, para garantir a per-

manência da democracia. Sem-pre corajoso, quando achava que as coisas não iam bem manifesta-va-se — até em tentativa, tardia e vã, de voltar a Belém.

De origens republicanas e ag-nósticas, formado em filosofia e em direito, bon vivant mas ca-paz de sacrifício, da juventude ao exílio fora ganhando galões de combatente contra o regime, pri-meiro juntamente com os comu-nistas, depois claramente sepa-rado deles nas eleições-fantoche que o regime permitia. Voltou do exílio em Paris em Abril de 1974 para ocupar o lugar que lhe cabia de chefe antifascista. E entre 1 de Maio de 1974 e 25 de Novembro de 1975, com visão estratégica certeira e coragem exemplar ga-nhou credenciais anticomunistas combatendo pela liberdade e ga-nhando esse combate.Sem ele a mudança de regime teria sido sangrenta, porventura incompleta e muito menos livre. Não houve, na segunda metade do século XX, português a quem os seus compatriotas ficassem a dever tanto.

José Cutileiro escreve de acordo com a antiga ortografia

Daniel Serrão1928-2017 Médico e professor, especializou-se em ética da vida e bioética. Concluiu o curso de Medicina com 17 valores e doutorou-se com 19. Durante a guerra colonial prestou serviço em Luanda, no Hospital Militar, tendo saído do exército com a patente de major. Voltou a Portugal e foi saneado da Universidade depois do 25 de Abril e reintegrado mais tarde por decisão do Conselho da Revolução. Profundamente católico, defendeu intransigentemente os direitos do embrião contra

a interrupção voluntária da gravidez: “Destruir um feto em desenvolvimento não é um ato médico, porque a gravidez não é uma doença. Nenhum médico o pode praticar em circunstância alguma.” Conservador, era contra a clonagem e a eutanásia, mas também um defensor dos cuidados paliativos, que considerava uma verdadeira especialidade médica. Foi conselheiro do Papa João Paulo II e membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida pela Academia das Ciências. Montou e dirigiu um laboratório de Anatomia Patológica, ganhou inúmeros prémios e distinções, e a Ordem dos Médicos disse que era “um príncipe” no elogio público depois da sua morte. Em 2014, foi atropelado numa passadeira em Paranhos, no Porto, e nunca recuperou totalmente. Dia 8, de problemas respiratórios.

> Guilherme Pinto (1959-2017), político socialista, foi presiden-te da Câmara de Matosinhos durante 11 anos, tendo concor-rido contra o próprio partido nas últimas eleições, que ven-ceu. Saiu da Câmara já doente e só então se refiliou no PS. Dia 8, de cancro. > Roman Herzog (1934-2017), político alemão, foi Presidente da República em 1994. Defendeu a obrigatorie-dade de se lembrar sempre o Holocausto nazi. Dia 10, de cau-sas não reveladas. > Ali Akbar Rafsanjani (1934-2017), político iraniano, foi Presidente do país entre 1989 e 1997. Era repre-sentante da ala moderada e per-deu as eleições de 2005 contra Mahmoud Ahmadinejad, da ala dura. Dia 8, de causas não reveladas. > Zygmunt Bauman (1925-2017), filósofo polaco, de-finiu o conceito da “Modernida-de Líquida”, em que criticava o facto de ser mais importante nas sociedades atuais parecer feliz, do que efetivamente sê-lo. Dia 9, de causas naturais.

Lindo gesto, Isabel Soares

Revivendo as imagens televi-sionadas das cerimónias fú-nebres de Mário Soares, há um momento que jamais es-quecerei pelo seu significado: nos velhos claustros dos Jeró-nimos, Isabel Soares, emocio-nada num gesto patriótico, a beijar suavemente a bandeira nacional entregue por Marce-lo. Uma imagem para juntar a outras no meu baú de factos antigos.Jorge Morais, Porto

A ditadura e as independências

É costume homenagear as pessoas após a sua morte. Há, no entanto, dois sectores da nossa sociedade que nun-ca apreciaram a obra do fa-lecido. São evidentemente os saudosistas da ditadura e os africanos de origem europeia, denominados erradamente de “retornados” que deixaram as colónias como verdadeiros “refugiados”. Os primeiros não podiam estar de acordo com a ação corajosa de um au-têntico democrata. Os segun-dos, obrigados a deixar as ter-ras onde nasceram, atribuem as independências unicamente ao dr. Mário Soares. Ora, um dos motivos do 25 de Abril foi a questão colonial e as inde-pendências eram inevitáveis — só pecaram por tardias. Se a grande maioria de descen-dentes europeus foi obrigada a abandonar as suas terras, as razões foram as guerras civis e a guerra colonial. As únicas independências que em África correram relativamente bem foram nas colónias onde não houve guerra. Dr. Mário Soa-res deu-nos durante toda a sua vida lições de democracia e ajudou a concretizar a paz em todos os territórios sob admi-nistração portuguesa.Raul Fernandes, Porches

Eixos cartesianos

Todos nós (ou quase) concorda-mos em que falar-se de esquer-da e de direita, hoje, não faz grande sentido. Talvez porque foi impercetível a rotação de 90 graus que sofreu o eixo das abcissas, passando a ocupar o lugar do eixo das ordenadas. Agora, as coordenadas direto-ras evoluem para cima e para baixo, entre o rico e o pobre, o poder financeiro e a servi-dão. Os partidos da esquerda foram arrastados para a parte inferior do novo eixo, e os da direita reposicionaram-se no sector oposto, mas arrastando consigo muitos incautos. Entre estes, pequenos empresários e outros da classe média baixa que, tradicionais simpatizan-tes dessas bandas partidárias, não se deram conta da “nova ordem” que os atirou para o caixote dos não-poderosos.

O papel revolucionário nor-malmente atribuído à esquer-da foi apropriado pela antiga direita, que está na outra me-tade, a de cima. E é esta “nova

direita” que quer mudar todo o modus vivendi que conhece-mos, nela não cabendo, por exemplo, a democracia-cris-tã que, em cooperação com a social-democracia, partici-pou na construção do Estado social e do projeto europeu (União Europeia é outra coi-sa). Os doutrinadores oficiais que se deixem de esquerdas e direitas (o neoliberalismo não é de direita, muito me-nos de esquerda) e passem a chamar os bois pelos nomes: os “de cima” e os “de baixo”, subentendendo-se que estes últimos é que terão de pagar, a bem ou a mal, as faturas que os primeiros lhes forem apre-sentando.José A. Rodrigues, Vila Nova de Gaia

Não ao determinismo

Os meus anos de licenciatura foram marcados por chavões cuja comunicação social fez eco diariamente, como ‘troi-ka’, ‘austeridade’ ou ‘bom alu-no’ e, também, pelo Governo PSD-CDS, assim como a In-glaterra punk é associada aos primeiros anos de Thatcher.

É ainda precoce avaliar os méritos do atual Governo e da ‘geringonça’ que o susten-ta. Também é verdade que há alguns indicadores preocu-pantes. A subida dos juros, o insuficiente crescimento económico ou a CGD, o BCP e o Novo Banco, por exemplo. No entanto, o ambiente polí-tico atual é muito contagiante (a Marcelo, o devemos, mais do que ninguém), sobretudo para muitos jovens portugue-ses que durante quatro anos suportaram uma lengalenga pessimista e de vassalagem incondicional a certos players político-financeiros estrangei-ros.

Guterres, o Euro e o turismo ajudam, mas alivia não mais ouvir fatalismos e supostas inevitabilidades por quem nos governa. Decidir o nosso futu-ro, como o fez Soares, huma-nista, não tecnocrata.Tomás Mourão-Ferreira, Lisboa

O povo não aguenta mais impostos

Com o aumento dos impostos indiretos, a célebre palavra de ordem ”O custo de vida aumen-ta, o povo não aguenta” volta a estar na moda. Mais de dois milhões de portugueses vivem em privação material. Com a dívida pública a aumentar 38 milhões de euros/dia, onde é que vamos parar! A reestrutu-ração da dívida está em cima de todas as mesas. Espero que o Governo não meta colher, faca e garfo no Fundo de Estabiliza-ção Financeira da Segurança Social. Com a taxa de juro das Obrigações do Tesouro portu-guesas a 10 anos a passar os 4% vem-me à memória o ditado que “de Espanha nem bom ven-to nem bom casamento”. Na pátria de Lorca os juros para o mesmo prazo estão nos 2%!Ademar Costa, Póvoa de Varzim

Má gestão dos dinheiros públicos

Os portugueses estão afogados em impostos e, não obstante terem sido pesadíssimos nos anos transatos, serão agrava-dos no presente ano de 2017, ao mesmo tempo que notícias anunciam que o défice conti-nuará a manter-se, gerando aumentos da dívida pública, sem que haja governante que se atreva a garantir que vai ser eliminado o crónico hábito do Estado de não pagar em prazos aceitáveis os bens e serviços que lhe são disponibilizados.

Sabemos que qualquer políti-co preferirá projetos que deem lugar a uma placa com o seu nome em vez de viabilizar obras de ampliação, mas a escassez de recursos financeiros públicos, a elevadíssima carga fiscal que penaliza os portugueses e uma gestão inteligente dos dinhei-ros dos contribuintes impõem uma inversão nos hábitos dos governantes e demais responsá-veis pelas tesourarias públicas, levando-os a elaborar orçamen-tos que privilegiem execuções úteis e económicas que assegu-rem o bom funcionamento da coisa pública ao menor custo.

Permitam-me que diga, since-ramente, não esperar ver esta minha proposta ser seguida, não porque não seria acolhida por um qualquer empresário que arriscasse os seus capitais próprios, mas porque ela é pouco geradora de situações de grandes projetos económicos e financeiros e, consequentemen-te, pouco amiga dos que vivem na margem dos concursos pú-blicos de elevada envergadura.A. Álvaro de Sousa, Valongo

Jornalismo hoje

O trabalho de jornalista é muito importante e insubstituível na sociedade atual. Eventualmen-te ainda mais que em tempos recentes. Porque o jornalismo agora tem a companhia avas-saladora e, para muitos, reve-rencial, das redes sociais. Um poder que muitos tomam como adquirido e absoluto. E os cui-dados na separação do trigo do joio são quase nenhuns. A misturada é tão grande que a importância e o poder do jor-nalismo deviam ser ainda mais respeitados e acarinhados. É o jornalista que pode e deve fazer o trabalho honesto, imparcial e rigoroso. Creio que a sociedade quer um jornalismo vivo, forte e ativo, mas é bem capaz de ain-da não se ter dado conta disso. Para um jornalismo mais forte amanhã.José Manuel Pina, Lisboa

Com a resolução do BES foi criado um banco mau onde ficaram os ativos

tóxicos. E o Novo Banco onde ficou o resto. E foram injetados 4,9 mil milhões de euros para recapitalizar o Novo Banco. Menos de dois anos depois, o Novo Banco vai ser vendido por 750 milhões de euros e o comprador ainda vai in-jetar outro tanto e criar outro banco mau para os ativos tóxicos (mas pede uma garantia do Estado de 2 mil milhões de euros...).

Entretanto, desde a sua criação em agosto de 2014, o Novo Banco tem apre-sentado resultados trimes-trais negativos superiores a 250 milhões de euros. Al-guém me consegue expli-car isto? Não há ninguém que seja responsabilizado? E depois queixamo-nos de que a nossa dívida pública não para de crescer. Pois não: BPN, BPP, BES, Banif e agora o Novo Banco e a CGD. E no final são sem-pre os mesmos que pagam tudo isto.Jorge Corte-Real, Aveiro

Novo Banco

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Expresso, 14 de janeiro de 2017 37 PRIMEIRO CADERNO

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Expresso, 14 de janeiro de 201738 PRIMEIRO CADERNO

Árbitro de futebol: profissão de riscoTexto Lídia Paralta Gomes

Ilustração Paulo Buchinho

Telefonemas, insul-tos na rua, no su-permercado, e-mails intimidatórios: bem--vindos ao dia a dia de um árbitro por-tuguês. Se o final de 2016 foi quente, o início de 2017 colo-

cou tudo a ferver, com as polémicas ar-bitragens do Moreirense-FC Porto e V. Setúbal-Sporting para a Taça da Liga, numa semana que culminou com as alegadas ameaças a Artur Soares Dias por parte de elementos dos Super Dra-gões, antes do P. Ferreira-FC Porto.

Nada disto é novo ou sequer uma surpresa. Nos últimos anos multipli-cam-se os casos de árbitros ameaça-dos ou intimidados. Há um ano, vários membros dos Super Dragões dirigi-ram-se ao restaurante do pai de Jorge Ferreira, em Fafe, dias depois de uma contestada exibição do juiz num P. Ferreira-Benfica. No final de 2013 e início de 2014, dois talhos propriedade de Manuel Mota, em Braga e Guima-rães, foram vandalizados. O incidente mais grave e mediático aconteceu em agosto de 2011, quando Pedro Proença foi agredido no shopping Colombo, em Lisboa, por um adepto do Benfica.

Nem todos os casos de intimidação chegam ao conhecimento público, até porque já fazem parte das rotinas dos árbitros. “Fui ameaçado de morte ve-zes sem conta, por SMS, telefonemas. Chegaram a tocar a campainha de minha casa às 4 da manhã. Riscaram--me o carro e um dia viraram-lhe um contentor do lixo em cima. Sempre adeptos dos clubes grandes”, conta Duarte Gomes, que deixou a arbitra-gem há um ano, após 19 no 1º escalão. Estas nem sequer foram as situações mais complicadas para o antigo juiz, que tal como muitos outros colegas viu os seus dados pessoais expostos na internet em 2012. “Tive uma ame-aça muito concreta através de e-mail, à qual a polícia deu importância, de alguém que sabia as rotinas da minha filha na creche, nomeadamente mora-

da e horários. Na altura, a minha filha tinha apenas 2 anos...” A intervenção das autoridades acabou por evitar que o árbitro fosse obrigado a mudar a filha de escola, mas os meses seguin-tes foram de cuidados redobrados: “Passámos a ter muita atenção aos horários para a levar e buscar e íamos levá-la dentro da sala. Já viu o que isso interfere com a privacidade e com a vida pessoal de um cidadão?”

O madeirense Marco Ferreira é ou-tro dos antigos árbitros que admite ter sido ameaçado: “Recebi ameaças através de mails, redes sociais e até mesmo por carta, para a minha mo-rada.” O juiz, que abandonou a ar-bitragem em 2015, diz que este tipo de incidentes “acontecem sobretudo após nomeações para os jogos dos chamados três grandes”, criticando o facto de a intimidação ser já algo considerado “normal e recorrente” até pelas próprias autoridades: “Mui-tas vezes presenciam essas ameaças dentro do próprio recinto desportivo e não tomam qualquer medida.” Outro madeirense, Elmano Santos, deixou a arbitragem há cinco anos e ainda re-cebe telefonemas anónimos. “Recebo chamadas de pessoas que me dizem para me portar bem no fim de sema-na!”, diz o antigo juiz. O insólito da situação faz com que Elmano Santos não leve demasiado a sério as ameaças, ainda que a situação seja incómoda. “Aquilo que tenho feito sempre que os números estão identificados — há quem nem sequer tenha cuidado com

isso... — é dar conhecimento às entida-des policiais”, explica. Elmano Santos diz nunca ter sentido “a segurança em perigo” ao longo da carreira, mas que era normal ser abordado e insultado na rua por desconhecidos. “Mas os árbitros têm de estar preparados para isso”, reconhece.

Preparado é o nome do meio de Pe-dro Henriques. O militar de 51 anos, que largou o apito em 2010, diz nunca ter tido de lidar com “situações mui-to graves”, até porque decidiu desde cedo antecipar qualquer hipótese de conflito. “Quando tinha um jogo com um dos grandes fazia todo um pla-neamento para a semana seguinte, para o caso das coisas não correrem bem”, começa por contar o antigo juiz, hoje comentador: “Um dos sítios onde somos mais vezes abordados é nas estações de serviço. Então, o que eu fazia era atestar o carro para du-rante 4 ou 5 dias não precisar de ir a uma bomba da gasolina. Ninguém me via num café, a jantar fora. Não ia ao

supermercado, pedia a alguém para fazer as compras por mim ou para ir buscar a minha filha ao infantário.”

Duarte Gomes sublinha que “os ár-bitros sempre tiveram bom senso” na hora de avaliar situações de perigo. “Ninguém me via numa discoteca num sábado à noite se no domingo tivesse um jogo decisivo. Evitava também cen-tros comerciais com muita gente nos dias antes dos jogos, principalmente se a nomeação tivesse sido polémica ou se o momento do clube não fosse bom”, explica. Já Elmano Santos deixou de ir a estádios, como adepto. “Durante 10 anos não o fiz, por uma questão de segurança, para evitar situações pou-co agradáveis. Aos poucos comecei a voltar, mas ainda sou reconhecido e às vezes ainda sobra para mim”, conta o antigo juiz do Funchal, que numa das situações em que foi incomodado atra-vés de chamadas anónimas foi “obri-gado” a encontrar uma solução mais criativa: “Disse à pessoa que estava a ser chateado porque tinha o mesmo

nome do árbitro Elmano Santos, mas que não tinha nada a ver com ele e que inclusivamente não gostava nada dele. Chamei-me nomes, até! Acabaram por me pedir desculpa.” Para grandes ma-les, grandes remédios.

Adeptos são os menos culpados

Entre os três juízes há a certeza que as polémicas com as arbitragens são cíclicas e, por isso, a situação atual não os surpreende. “Isto arrasta-se há anos. Acontece sempre por esta altura, perto do fim da 1ª volta, com o objetivo con-creto de pressionar os árbitros”, refere Elmano Santos. Duarte Gomes vê a crítica como normal, até ao ponto em que se coloca em causa a “privacidade e integridade física” dos árbitros: “É ne-cessário fazer uma reflexão sobre o que levou a isto, com os todos os agentes. Os clubes, os próprios árbitros — que devem refletir sobre os seus erros — e a imprensa, que por questões comerciais e de audiências dá voz a quem muitas

Ameaças Intimidação e insultos não são de hoje e fazem parte da rotina dos juízes portugueses. Tudo piora antes dos jogos com os três grandes

DESPORTO ARBITRAGEM

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17ª jornadaBenfica

xBoavista

FC Portox

Moreirense

D. Chavesx

Sporting

Feirensex

V. Guimar.14 jan., 16h 15 jan., 18h 14 jan., 18h15 14 jan., 20h30

1º1-0 1-0 1-1 0-1

2º3-0 2-0 1-2 1-2

3º2-0 1-0 0-1 1-1

4º 3-1 3-0 1-2 1-2

5º3-1 2-0 0-1 0-1

6º2-0 3-0 0-1 1-2

7º2-0 1-0 1-2 0-1

8º2-0 1-0 1-2 0-1

9º2-0 2-0 1-2 1-2

10º2-0 0-1 0-3 1-2

11º3-0 2-0 1-1 1-2

121 pontosNunes Liberato

158 pontosLuís Pedro Nunes

157 pontosMário Zambujal

147 pontosDaniel Oliveira

142 pontosManuel Serrão

171 pontosHenrique Raposo

149 pontosFrancisco J. Viegas

136 pontosManuela F. Leite

146 pontosJoana Amaral Dias

142 pontosRita Redshoes

114 pontosRui Oliveira Costa

Expresso, 14 de janeiro de 2017 39 PRIMEIRO CADERNO

PALPITES

TÉNIS

A história não tem nenhum Pedro que é pastor, mas tem um Novak que é tenista e, claro, um lobo fa-minto. “É tudo muito mais fácil para o lobo que está a subir a mon-tanha, porque está mais esfomeado do que o lobo que já está no topo. Quer dizer, acredito que todos os que estão a lutar todas as semanas para chegar a número um estão desejosos de chegar lá, por isso não posso relaxar. Tenho de continuar a jogar bem no resto da época e a trabalhar o dobro para conseguir continuar no topo da montanha”.

A fábula de Djokovic, contada pelo próprio há um ano, quando o número um mundial conquistou o Open da Austrália, tem a sua gra-ça porque assume agora contor-nos irónicos. É que o lobo faminto de então é hoje o lobo no topo da montanha — e vice-versa. Isto é: Djokovic venceu Andy Murray na final australiana e, depois, em Ro-land Garros, mas não se conseguiu aguentar mais tempo na montanha — “não treinou tanto como devia e sabe-o”, disse Boris Becker depois de deixar de ser seu treinador. Foi Murray a ganhar em Wimbledon (contra Raonic), antes de Djokovic perder nos EUA (contra Wawrin-ka), e, no final do ano, foi novamen-te o britânico a derrotar o sérvio, nas finais ATP, confirmando o lugar cativo no topo: número um mundial — pela primeira vez, aos 29 anos.

É certo que Andy Murray apro-veitou as ausências de Roger Fede-rer (agora 17º) e Rafael Nadal (9º) para se estrear como líder mundial do ténis, mas não é todos os dias que se ultrapassa Novak Djoko-vic — que já venceu seis vezes na Austrália, ao contrário de Murray, que nunca saiu de lá vencedor. “Di-ria que o meu grande adversário é Novak, porque o desempenho dele lá foi incrível nos últimos anos. Ga-nhou-me em quatro finais e acredi-to que podemos ter mais um gran-de jogo”, disse Murray, antevendo o Open, onde se vai estrear contra

Andy e o lobo. Uma fábula de Djokovic

O Open da Austrália começa na segunda-feira e abre a época dos Grand Slams — e do que pode ser uma nova era, com Novak Djokovic fora do trono

o ucraniano Ilya Marchenko, 93º do mundo.

Cuidado, é uma alcateia

Além de Djokovic, haverá outros lobos atrás do lugar de Murray. No mesmo lado do quadro do britâni-co estará um Federer renovado, que regressa à competição a sério depois de seis meses parado. “Es-tou muito bem. Tirei este tempo a pensar no longo prazo, porque ainda quero jogar mais dois ou três anos”, disse o suíço, de 35 anos, que continua a ser recordista de tempo passado na montanha — 302 sema-nas (já para não falar dos 17 Grand Slams em 88 títulos).

O outro regressado (esfomeado?) é Nadal, que vai defrontar Florian Mayer. Com o cabelo curto e um novo treinador (Carlos Moyà), o es-panhol de 30 anos quer esquecer um 2016 de lesões. “Se não acredi-tasse que é possível voltar ao topo nos próximos onze meses nem es-tava aqui. Estaria em casa a pescar”, gracejou. Ainda assim, já lá vão dois anos desde que Nadal conquistou um Grand Slam (em Roland Garros) e, nos dez seguintes, nunca mais conseguiu passar dos quartos de final. Outro lobo que não tem os números do lado dele é Nick Kyrgios (14º), o jovem australiano amado/odiado pelos disparates que prota-goniza e que já terminou a suspen-são que lhe foi imposta por perder pontos de propósito. O tenista da casa vai defrontar Gastão Elias (81º), que se estreia no quadro principal. O outro português presente é João Sousa, que vai defrontar o austra-liano Jordan Thompson depois de um belo torneio em Auckland, onde chegou à final.

Quanto ao ex-líder da alcateia, irá ter uma estreia dura, com Fernan-do Verdasco. Mas a motivação de início de época de Djokovic é alta: “Não vejo os últimos meses como um falhanço. Não é a minha forma de pensar — que falhei, que caí. Sinto que todas as experiências são uma bênção. E, quando entro em campo, não penso em mais nada sem ser vencer.” Não é uma fábula, mas é uma boa filosofia.

Mariana [email protected]

CRONOLOGIA

^^ No^dia^5,^e^na^sequência^^das^polémicas^arbitragens^^nos^jogos^do^FC^Porto^^e^Sporting^na^Taça^da^Liga,^^dois^membros^da^claque^^Super^Dragões^terão^^alegadamente^ameaçado^^Artur^Soares^Dias^à^entrada^^do^centro^de^treinos^de^árbitros^^da^Maia,^depois^da^nomeação^^do^juiz^da^Associação^^do^Porto^para^o^jogo^Paços^^de^Ferreira-FC^Porto,^para^^o^campeonato

^^ Vinte^e^quatro^horas^depois^^do^incidente^com^Artur^Soares^Dias,^José^Fontelas^Gomes,^presidente^^do^Conselho^de^Arbitragem^da^FPF,^reuniu-se^com^a^PSP,^que^garantiu^^a^adoção^de^novas^medidas^^de^segurança^de^acordo^“com^^a^situação^geral^e^situação^^concreta^de^cada^árbitro^e^equipa^de^arbitragem”

^^ Na^última^quarta-feira,^^o^Conselho^de^Arbitragem^(CA)^promoveu^uma^reunião^^de^trabalho^com^29^dos^35^emblemas^das^ligas^profissionais^(seis^faltaram),^com^o^objetivo^^de^serenar^a^tensão^^e^a^onda^de^críticas^dos^clubes,^^bem^como^discutir^sugestões^^para^diminuir^os^erros^de^arbitragem.^^Na^reunião^discutiram-se^alguns^lances^polémicos^das^últimas^semanas,^nomeadamente^^do^Benfica-Sporting,^de^11^de^dezembro,^com^o^CA^a^defender^^as^decisões^do^árbitro^Jorge^Sousa

^^ Da^reunião^saiu^também^^o^compromisso^do^Conselho^^de^Arbitragem^para^que^^os^resultados^dos^relatórios^^dos^árbitros^passem^a^estar^disponíveis^para^consulta^^por^parte^dos^clubes

Árbitro de futebol: profissão de riscoAmeaças Intimidação e insultos não são de hoje e fazem parte da rotina dos juízes portugueses. Tudo piora antes dos jogos com os três grandes

DESPORTO ARBITRAGEM

vezes faz um aproveitamento sangui-nário dos temas da arbitragem.”

Pedro Henriques saúda os esforços do Conselho de Arbitragem para reu-nir com autoridades e clubes (“terão um efeito dissuasor”), mas lembra que as ações “não pode ser reativa” e que as reuniões “deveriam ser periódicas” e não apenas quando a tensão cres-ce. “Os clubes só se importam com a arbitragem quando há um penálti mal assinalado, depois esquecem”, diz o militar. Duarte Gomes segue pelo mesmo diapasão. “Receio que amanhã já se comece a assobiar para o lado. E qualquer dia há um ato tresloucado”, alerta, falando de um caso recente no Chipre, onde um árbitro descobriu um artefacto explosivo no carro.

Duarte Gomes culpa as declarações acaloradas dos dirigentes desportivos e de alguns comentadores na comuni-cação social pelo clima de tensão que se vive. Os adeptos acabam por ser os menos culpados. “O adepto é o elo mais fraco. Coloca as suas frustrações

no futebol e vai beber o ódio a decla-rações injuriosas que vê no Facebook, na televisão e na rádio”, sublinha. “As pessoas têm de compreender que o erro faz parte. Não me falem em erros anedóticos de árbitros, porque os joga-dores também os fazem”, diz ainda o antigo árbitro: “As pessoas acham que um árbitro erra e passa impune. Não, na semana seguinte não arbitra e no final do ano pode ser despromovido, com os problemas desportivos e finan-ceiros que isso acarreta.” Pedro Hen-riques lembra que o árbitro é sempre “o agente mais penalizado” no futebol: “Costumo dizer que um árbitro recebe ‘à peça’. Se eu cometo um erro, não sou nomeado e, por isso, não recebo. Cheguei a ser suspenso 40 dias numa altura em que decidi falar para defen-der a minha honra. Qual é o jogador que falha um golo ou o treinador que erra uma substituição que fica 40 dias sem receber?”

Ainda assim, os árbitros não querem sacudir responsabilidades. O atual qua-dro de árbitros da 1ª divisão levanta algumas questões. “É um quadro muito heterogéneo: por um lado temos árbi-tros muito experientes, cuja imagem está algo desgastada nos clubes e opi-nião pública e por outro temos juízes muito jovens, que precisam de encon-trar o seu espaço de formação”, lembra Elmano Santos, que frisa, no entanto, que “os clubes não têm paciência na hora de dar tempo aos árbitros para crescerem”.

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Sábado14 de janeirode 2017

1401

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Gelo “Ganhei (perdi) meu dia./ E baixa a coisa fria/ também chamada noite, e o frio ao frio/ em bruma se entrelaçam, num suspiro”, escreveu Carlos Drum-mond de Andrade. Céu limpo.

Guilherme Pinto, a última entrevista Sexta-feira passa-da, dois dias antes de morrer, Guilherme Pinto concedeu uma entrevista ao Expresso, no seu apartamento em Matosinhos. Apesar de muito fragilizado, o autarca de 57 anos fez questão de honrar a palavra dada a 2 de janeiro, dia em que renunciou à presidência da Câmara por ra-zões de saúde. Hoje, a distrital do PS presta-lhe homenagem, em Matosinhos, na presença de Augusto Santos Silva. P16

Costa e PS caem Pela primei-ra vez desde que é primeiro-mi-nistro, António Costa perde po-pularidade (-1,2%). No primeiro barómetro de 2017 da Euroson-dagem para o Expresso e a SIC, o PS também baixa 0,7%. P17

Comandos hospitalizados O chefe do Exército mandou cancelar as provas físicas de-pois da morte do primeiro ins-truendo. Responsáveis do curso ordenaram “exercícios leves” que resultaram na hospitaliza-ção de cinco soldados. O MP investiga a desobediência. P19

Operação à próstata sob investigação O médico res-ponsável por um novo procedi-mento cirúrgico para tratar a próstata está a ser alvo de pro-cessos pela Ordem dos Médicos. Os especialistas garantem que a técnica, praticada numa uni-dade privada de Lisboa, não foi testada cientificamente e que os doentes não sabem que são alvo de uma experiência. P26

Graça Morais na Funda-ção Champalimaud A ar-tista portuguesa vai ter uma grande exposição em Lisboa, que inaugurará em março, com mais de uma centena de obras, entre as quais dois inédi-tos. A curadoria está entregue a Paulo Teixeira Pinto.

“O Último Combate” de So-ares reeditado Entre o verão de 2005 e janeiro de 2006, Fi-lipe Santos Costa acompanhou a última campanha eleitoral de Mário Soares para a Presidên-cia da República. O jornalista do Expresso escreveu o livro “A Última Campanha”, que agora é reeditado com o título “O Úl-timo Combate”.

AEP contra fundos no Novo Banco A Associação Empresa-rial de Portugal está contra uma solução de curto prazo, como fundos de investimento, e de-fende uma saída que promova “acionistas verdadeiramente es-tratégicos” e preserve o nível de financiamento da economia real.

SIM, a aceleradora de startups da ImpresaAs inscrições terminam a 30 de janeiro

O SIM (Startups na Impresa para Media) é um programa de aceleração de startups na área dos media e que dará acesso a formação, investidores, mentores da área do mercado digital e dos media e acesso a publicidade digital para divulgação do produto criado. As empresas que forem aceites no programa de aceleração lançado pela Impresa e pela Microsoft terão também acesso gratuito a um espaço de coworking durante seis meses. O prazo para inscrições termina a 30 de janeiro. As empresas interessadas podem inscrever-se em sim.impresa.pt

DAKAR... DESCAFEINADO A edição deste ano do Dakar está a ser marcada pelas condições meteorológicas adversas, com as fortes chuvas que esta semana atingiram a Argentina a obrigarem a organização a reduzir ou mesmo a cancelar várias etapas. Um “Dakar descafeinado”, como tão bem o definiu o motard espanhol Joan Barreda, colega de equipa de Paulo Gonçalves na Honda. O piloto de Esposende é o único português dentro do top 10 da prova que termina hoje em Buenos Aires. FOTO RICARDO MORAES / REUTERS

Dakar termina hoje

Curadoria foi entregue ao artista de rua Vhils, que disponibilizará 300 obras do seu espólio pessoal

O Museu de Arte Pública de Cascais, com abertura pre-vista para o 1º semestre deste ano, irá ocupar um espaço de 1200 metros quadrados na Marina de Cascais, sob um cubo transparente que ali se encontra há muito. Aí ficarão trabalhos em papel, tela ou pequenas esculturas. Porém, o museu estender-se-á, na sua versão de exteriores, a todo o Bairro dos Museus, fazendo da rua o seu habitat natural e ocupando as paredes de vá-rios edifícios. Na abertura já estarão presentes 25 obras comissariadas por Vhils espe-cialmente para esta ocasião.

Museu de Arte Pública de Cascais fica na Marina

Há novas tabelas de retenção na fonte, mas os acertos podem resvalar para fevereiro

Mudança nas tabelas do IRS

As tabelas de retenção na fonte de IRS de 2017 foram atualiza-das em 0,8%, enquanto as tabe-las da sobretaxa foram revistas em 1,305%, porque não foram alteradas em 2016.

Em relação às tabelas gerais pouco irá mudar para a genera-lidade dos contribuintes. Esta mexida serve para acomodar eventuais aumentos salariais em função da inflação, que re-sultariam em menos rendimen-to disponível para quem subis-se no patamar dos descontos. Ou seja, os trabalhadores que forem aumentados abaixo de 0,8% não irão sentir impacto na carteira.

Há quem possa sair benefi-ciado. Por exemplo, um sol-teiro sem filhos vai começar a fazer retenção na fonte a partir dos 615 euros de venci-mento mensal bruto, quando em 2016 tinha descontos a partir dos 610 euros.

O alívio na carteira virá, sim, via sobretaxa. A novas tabelas refletem as mudan-ças do Orçamento do Estado para 2017: o segundo esca-lão deixa de pagar sobretaxa no início do ano (o primeiro escalão já estava isento) e os restantes contribuintes vão reter menos, até acabar este tributo (varia em função do rendimento).

Os acertos podem resvalar para fevereiro, caso os venci-mentos e pensões de janeiro já tenham sido processados.

Embaixador do Iraque paga esta 2ª feiraNegociações arrastaram--se durante cinco meses e o acordo vai ser formalizado esta semana. Processo judicial fica aberto

“Conseguimos mais do que al-guma vez conseguiríamos em tribunal”, diz Santana-Maia Le-onardo, advogado de Rúben Ca-vaco, que chegou ontem, sexta--feira, a um acordo extrajudicial com o embaixador do Iraque, pai dos jovens que confessaram ter agredido o rapaz. Sem que-rer revelar o montante do acor-do, não é 100 mil euros, mas nunca aceitaria menos de 35”

— o advogado diz que o dinheiro será depositado “esta segunda--feira” e que o embaixador Saad Ridha também já pagou “todas as despesas hospitalares” no va-lor de 12.500 euros. O acordo foi igualmente confirmado pela advogada Dina Fouto, ressal-vando que este “está ainda a ser finalizado”.

O ministro dos Negócios Es-trangeiros disse à Lusa que o acordo constitui “um passo para a reparação da vítima”, mas ga-rantiu que o processo continua a nível penal. Nos últimos me-ses, Augusto Santos Silva fez diversos ultimatos à diplomacia de Bagdade no sentido de ser

levantada a imunidade diplo-mática aos irmãos gémeos. Du-rante a última semana, o caso esteve nas mãos da Procura-doria-Geral da República, que tem estado a analisar as dúvidas jurídicas suscitadas pelo Iraque. No pior dos cenários, os gémeos Haider e Rhida Ali poderiam ser considerados personae non gratae e expulsos de Portugal. Só serão julgados se o Iraque aceitar levantar a imunidade. O crime de agressão é público e não pode haver desistência da vítima, ainda que, como neste caso, se considere totalmente ressarcida. Mas também não há processos sem arguidos.

HENRIQUE MONTEIRO ESCREVE NO EXPRESSO DIÁRIO DE SEGUNDA A SEXTA-FEIRA

É comum baralharmos preço e custo, mas há um sector onde se explica muito bem essa diferença. Na saúde, que é um

bem que não tem preço, mas tem infelizmente um custo cada vez maior.

Realmente não há nada que socialmente não tenha preço e custo. Obviamente, todas ou quase todas as coisas que têm preço e custo transportam, igualmente, benefícios. É o caso da Saúde, uma vez mais. O SNS tem benefícios que não podem ser medidos apenas pelo custo que têm, justamente porque o preço é sempre maior do que o custo a pagar. Apesar de se dever ter em conta o custo dos atos médicos e a sua relevância concreta, salvar uma vida não tem preço. O mesmo raciocínio colocamos para os bombeiros necessários para proteger vidas durante um incêndio, ou os meios de que a Marinha necessita para resgatar as vítimas de um naufrágio.

Este arrazoado é para me conduzir à seguinte questão: devemos colocar um preço à liberdade? A pergunta parece estúpida, mas passamos a vida a fazê-lo. Se há mais ataques terroristas, diminuímos a nossa liberdade trocando-a por segurança. Vivemos hoje, na Europa e nos EUA, como viviam os israelitas há 30 anos (e que na altura nos parecia impensável). Não nos deslocamos sem tirar o cinto, o casaco, os sapatos e esvaziar os bolsos; admitimos estar fichados, ter as impressões digitais nos sistemas, sermos vigiados nas ruas. Um dia vem a fatura, porque as faturas chegam sempre.

Em nome de variadíssimas coisas, a começar pelo terrorismo, abdicámos de viver como queremos. Vamos vivendo como nos deixam. Qualquer ato público é um suplício de vigilância e controlo.

Por vezes, talvez tenha uma costela anarquista que me impele a tal, penso em como seria o mundo se, pura e simplesmente, não ligássemos às ameaças e às barbaridades cometidas por fanáticos. Se voltássemos à liberdade pura e simples sem as normas de segurança que, cada vez mais, nos controlam e vigiam. Haveria um custo a pagar, sem dúvida, mas seria esse custo menor do que o preço que pagamos em falta de liberdade (além dos custos associados à segurança)?

Sinceramente, não tenho resposta. Apenas me lembrei deste dilema ao recordar ver Mário Soares nadar para longe da praia enquanto os seus seguranças lhe berravam que voltasse.

E ele seguia em frente, porque a liberdade, para ele, não tinha preço.

O preço e o custo da liberdade

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