classificaÇÕes de solos residuais do …geomuseu.ist.utl.pt/og2009/documentos...

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CLASSIFICAÇÕES DE SOLOS RESIDUAIS DO GRANITO DO PORTO COM BASE EM ENSAIOS SPT, CPT(U), DMT E CH: NOVAS TENDÊNCIAS CLASSIFICATIONS OF GRANITIC RESIDUAL SOILS FROM PORTO BASED ON SPT, CPTU, DMT AND CH TESTS: NEW TRENDS Viana da Fonseca, António, FEUP, Porto, Portugal, [email protected] Costa Esteves, Elisabete, ISEP, FEUP, Porto, Portugal, [email protected] Ferreira, Cristiana, FEUP, Porto, Portugal, [email protected] RESUMO Neste trabalho serão descritos os princípios que regem as classificações de solos sedimentares e sua aplicabilidade aos solos residuais e, em especial, aos do granito do Porto. Das classificações que integram parâmetros mecânicos retirados de ensaios in situ, as de Robertson (1990) e Eslami e Fellenius (1997), a partir de ensaios CPT(U) e a de Marchetti (1980), com base em ensaios DMT, são particularmente ajustadas para uma boa definição da classe em termos comportamentais. Nesta análise também se dará ênfase à potencialidade de novos critérios de classificações, baseados em razões entre parâmetros mecânicos dinâmicos (G 0 ) e de resistência última (q c-CPT e N 60-SPT ), na identificação de marcas de cimentação e de reserva de resistência. Assim mesmo, serão descritos os seus fundamentos (Schnaid et al., 2004) e a aplicabilidade destas novas tendências de classificação ao maciço do campo experimental ISC’2-FEUP. ABSTRACT In the present work, the principles governing the classifications of sedimentary soils are described and their application to residual soils, especially those from Porto granite is discussed. Among the classifications which make use of mechanical parameters derived from in situ tests, those of Robertson (1990) and Eslami & Fellenius (1997) using CPTU results and Marchetti (1985) based on DMT, are particularly adequate for a good definition of the soil’s class in behavioural terms. In this analysis, emphasis will also be given to the potentialities of new classification criteria, based on ratios between elastic (G 0 ) and ultimate strength (q c-CPT and N 60- SPT ) parameters, for the identification of cementation features and reserve of strength. For this purpose, their underlying theory (Schnaid et al., 2004) is detailed and these new classification trends are applied to the characterization of the ISC’2-FEUP experimental site. 1. INTRODUÇÃO A presente comunicação surge no contexto de um projecto de investigação em curso, financiado por empresas da especialidade e integrado num “exercício internacional de previsão de comportamento de estacas com base em ensaios de caracterização” e enquadrado na “2 nd International Conference on Site Characterization” (www.fe.up.pt/isc-2 ), realizada na FEUP, em Setembro de 2004. Desenvolveu-se um campo experimental, situado dentro dos limites da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, conforme ilustrado na Figura 1a. A identificação dos complexos geológicos que afloram no local encontra-se sumariamente descrita na legenda. Para um melhor conhecimento das características geotécnicas do local, foi conduzido um grande

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CLASSIFICAÇÕES DE SOLOS RESIDUAIS DO GRANITO DO PORTO COM BASE EM ENSAIOS SPT, CPT(U), DMT E CH: NOVAS TENDÊNCIAS

CLASSIFICATIONS OF GRANITIC RESIDUAL SOILS FROM PORTO

BASED ON SPT, CPTU, DMT AND CH TESTS: NEW TRENDS

Viana da Fonseca, António, FEUP, Porto, Portugal, [email protected] Costa Esteves, Elisabete, ISEP, FEUP, Porto, Portugal, [email protected] Ferreira, Cristiana, FEUP, Porto, Portugal, [email protected] RESUMO Neste trabalho serão descritos os princípios que regem as classificações de solos sedimentares e sua aplicabilidade aos solos residuais e, em especial, aos do granito do Porto. Das classificações que integram parâmetros mecânicos retirados de ensaios in situ, as de Robertson (1990) e Eslami e Fellenius (1997), a partir de ensaios CPT(U) e a de Marchetti (1980), com base em ensaios DMT, são particularmente ajustadas para uma boa definição da classe em termos comportamentais. Nesta análise também se dará ênfase à potencialidade de novos critérios de classificações, baseados em razões entre parâmetros mecânicos dinâmicos (G0) e de resistência última (qc-CPT e N60-SPT), na identificação de marcas de cimentação e de reserva de resistência. Assim mesmo, serão descritos os seus fundamentos (Schnaid et al., 2004) e a aplicabilidade destas novas tendências de classificação ao maciço do campo experimental ISC’2-FEUP. ABSTRACT In the present work, the principles governing the classifications of sedimentary soils are described and their application to residual soils, especially those from Porto granite is discussed. Among the classifications which make use of mechanical parameters derived from in situ tests, those of Robertson (1990) and Eslami & Fellenius (1997) using CPTU results and Marchetti (1985) based on DMT, are particularly adequate for a good definition of the soil’s class in behavioural terms. In this analysis, emphasis will also be given to the potentialities of new classification criteria, based on ratios between elastic (G0) and ultimate strength (qc-CPT and N60-

SPT) parameters, for the identification of cementation features and reserve of strength. For this purpose, their underlying theory (Schnaid et al., 2004) is detailed and these new classification trends are applied to the characterization of the ISC’2-FEUP experimental site. 1. INTRODUÇÃO A presente comunicação surge no contexto de um projecto de investigação em curso, financiado por empresas da especialidade e integrado num “exercício internacional de previsão de comportamento de estacas com base em ensaios de caracterização” e enquadrado na “2nd International Conference on Site Characterization” (www.fe.up.pt/isc-2), realizada na FEUP, em Setembro de 2004. Desenvolveu-se um campo experimental, situado dentro dos limites da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, conforme ilustrado na Figura 1a. A identificação dos complexos geológicos que afloram no local encontra-se sumariamente descrita na legenda. Para um melhor conhecimento das características geotécnicas do local, foi conduzido um grande

número de ensaios in situ, nomeadamente 5 sondagens com amostragem contínua, sendo em quatro delas realizados ensaios SPT alternados de 1,5 metros em 1,5 metros; 9 CPT(U); 9 DMT; 3 PMT; e, diversos tipos de ensaios geofísicos (CH, DH, SASW, CSWS, etc.). Das amostras indeformadas de boa qualidade, recolhidas em amostradores duplos com bisel cortante optimizado e liners de PVC (Ferreira et al., 2004 [1]), foram realizados 6 ensaios triaxiais CK0D, 4 em compressão com medição de velocidades de ondas sísmicas S e P com recurso a bender-extender elements (Viana da Fonseca e Ferreira, 2002 [2]) e 2 em extensão com medição local das deformações, 2 ensaios em coluna ressonante e um ensaio edométrico. Posteriormente foram executadas um total de 14 estacas, sendo dez moldadas de 600mm de diâmetro com recurso a tubo moldador metálico recuperado, sendo duas mais curtas, de 6 metros de comprimento, as E0 e E9, e oito com 22m úteis (E1 a E8), duas de 600mm de diâmetro com recurso à técnica do trado contínuo (T1 e T2) e duas pré-fabricadas cravadas com secção de 350mm×350mm (C1 e C2), sendo estas últimas duas tipologias de 6 metros de comprimento. Em seguida foram realizados 6 ensaios estáticos, sendo três deles verticais e três horizontais. Na Figura 1b é apresentada a planta do Campo Experimental (CEFEUP) com a localização relativa das estacas e dos ensaios realizados in situ.

0 100m

N

G1

G2

FEUP

campo experimental

Legenda: a - aluviões (actual e holocénico) X - Rochas metamórficas com xistosidade vertical (micaxistos e metagrauvaques) G - Rochas ígneas (rochas graníticas de duas micas)

G1: granito de grão médio ou de médio a fino - Granito do Porto

G2: granito de grão médio ou de médio a fino, por vezes muito orientado - Granito do Porto

- Domínios de mais intensa caulinização

DMT6

CPT2

DMT3

DMT8

CPT3

31 2

4.00

E4

2.20

DMT5

CPT4

PMT1DMT4 E0

CPT6

4.00

D

C

E9

S5+SPTE1 E2

E3CPT8

4.00

2.00

B

2.00

E6E5

CPT5S4+SPT PMT2

C1

DMT9CPT9

T1

A

1.75T2

C2

E7 E8

2.00

DMT7CPT7

2.00

vala

par

a en

saio

s sí

smic

os

PMT3

S3+SPT

P S2

S1+SPT

DMT2

DMT1

CPT1

LEGENDA :

ESTACASE - Moldada de 0.60mT - Trado Contínuo de 0.60mC - Cravada de 0.35x0.35m

PROSPECÇÃOS - Sondagem com Recolha de AmostrasA - Amostra IndeformadaSPT; CPT; DMT; PMT; DPSH; SP

a) b) Figura 1 – Campo Experimental: a) Caracterização geológica sobre o Mapa Geológico do Porto;

b) Planta com a localização relativa das estacas e dos ensaios realizados in situ (adaptado de Viana da Fonseca et al., 2004 [3])

Da vasta colecção de ensaios de prospecção mecânica e geofísica, foram seleccionados alguns resultados para o estudo presente, de avaliação da aplicabilidade das classificações convencionais, sobretudo os resultados dos CPT(U) e DMT, mas também os dos ensaios SPT e geofísicos entre furos (CH) e ao longo do furo (DH). Na Figura 2 apresentam-se resumidamente alguns desses resultados em profundidade, designadamente em termos dos parâmetros N60

(SPT), qt (CPT), Id (DMT) e G0 (CH e DH). Como já referido, foram realizados nove CPT(U), dos quais cinco (CPT1, CPT2, CPT3, CPT4 e CPT6) foram efectuados antes e quatro (CPT5, CPT7, CPT8 e CPT9) após a execução das estacas. Para a classificação do solo em profundidade com base nos ensaios CPT(U), optou-se por utilizar os dados dos ensaios CPT2, CPT3, CPT5 e CPT8 uma vez que são os ensaios localizados o mais próximo das estacas ensaiadas verticalmente (T1, C1 e E9). Paralelamente, foram realizados nove DMT localizados o mais próximo possível dos CPT(U), tendo sido realizados cinco ensaios (DMT1, DMT2, DMT3, DMT4, e DMT5) antes e quatro (DMT6, DMT7, DMT8 e DMT9) após a realização das estacas.

0 10 20 30 40 50 60

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

18

19

20

21

N60 (SPT)

prof

undi

dade

(m

)

N(S1+SPT)

N(S3+SPT)

N(S4+SPT)

N(S5+SPT)

-1.0

0.0

1.0

2.0

3.0

4.0

5.0

6.0

7.0

8.0

9.0

10.0

0.0 2.5 5.0 7.5 10.0 12.5 15.0

qt (MPa)

prof

undi

dade

(m

)

CPT1 CPT2 CPT3CPT4 CPT6 CPT5CPT7 CPT8 CPT9

0.0

1.0

2.0

3.0

4.0

5.0

6.0

7.0

8.0

9.0

10.0

0.1 1.0 10.0

Id

DM T1 DM T2 DM T3DM T4 DM T5 DM T6DM T7 DM T8 DM T9

argila silte areia0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

0 50 100 150 200 250 300

N60

prof

undi

dade

(m

)

0 10 20 30 40 50 60

G0 (MPa)

CH: S2-S1CH: S3-S1CH: S3-S2

CH: medDH: S3N60 med

a) b) c) d) Figura 2 – Alguns resultados dos ensaios realizados no campo experimental da FEUP: a) SPT;

b) CPT(U); c) DMT; d) geofísicos (CH e DH) 2. CLASSIFICAÇÃO DO SOLO COM BASE EM ENSAIOS MECÂNICOS 2.1 Classificação de Robertson (1990) com base em ensaios CPT(U) Robertson (1990) [4] apresentou um gráfico para classificação de solos que relaciona a resistência do cone normalizada, qcnrm, com a razão de atrito normalizada, Rfnrm. Na Figura 3, os resultados dos quatro ensaios em estudo (CPT2, CPT3, CPT5 e CPT8) são enquadrados no gráfico proposto, sendo apresentada na Figura 4 a classificação do solo em profundidade daí decorrente.

Legenda: 1 - solo fino sensível; 2 - material orgânico; 3 - argila a argila siltosa; 4 - silte argiloso a argila siltosa; 5 - areia siltosa a silte arenoso; 6 - areia limpa a areia siltosa; 7 - areia com cascalho a areia; 8 - areia a areia argilosa muito rija 9 - solo fino muito rijo (cimentado)

Figura 3 – Classificação do solo em profundidade segundo Robertson (1990): CPT2; CPT3; CPT5 e CPT8 (Costa Esteves, 2005 [5])

a) b) c) d) Figura 4 – Perfis geotécnicos de classificação do solo em profundidade segundo Robertson

(1990) (Costa Esteves, 2005): a) CPT2; b) CPT3; c) CPT5; d) CPT8 Os resultados reflectem uma classificação com uma dispersão considerável, quer em termos de cada ensaio, quer também em profundidade. No entanto, a tendência geral permite identificar estes materiais como cimentados, com uma distribuição granulométrica entre as areias argilosas e as argilas siltosas. 2.2 Classificação de Eslami e Fellenius (1997) com base em ensaios CPT(U) Eslami e Fellenius (1997) [6] propuseram outra classificação baseada nos resultados dos ensaios CPT, sobretudo vocacionada para o dimensionamento de estacas, mas também aplicável a outros projectos geotécnicos. Esta classificação é apresentada na Figura 5 para os ensaios CPT(U) em estudo.

0.1

1

10

100

1 10 100 1000

fs (kPa)

qc (MPa)

CPT2

CPT3

CPT5

CPT8

1

54b

3

4a

2

Legenda: 1- argilas muito moles e/ou solos sensíveis e/ou colapsíveis; 2 – argila e/ou silte; 3 – silte argiloso e/ou argila siltosa; 4a – silte arenoso; 4b – areia siltosa; 5 – areia e cascalho arenoso.

Figura 5 – CPT2: a) classificação do solo em profundidade segundo Eslami e Fellenius (1997); b) perfil geotécnico (Costa Esteves, 2005).

Analisando os resultados de cada ensaio individualmente em profundidade, é possível gerar os perfis geotécnicos de classificação do solo segundo esta proposta, como se ilustra na Figura 6.

5,36

5,10

4,52

3,42

2,28

4a4b4a4b

34a

34a

34a

5,48

5,20

4,70

3,54

2,38

0,00

3

5,70

4a

0,200,00

34b

4a

3

4a

3

4a

6,12

4,52

4,14

3,16

2,70

3

4a

3

4a5

1,48

0,24

1,22

0,84

0,00 0,00

2,26

3,96

5,32

6,38

4,46

0,16

2,44

4,24

4b3

4a3

4a

34a

3

4a

a) b) c) d) Figura 6 – Perfis geotécnicos de classificação do solo em profundidade segundo Eslami e

Fellenius (1997) (Costa Esteves, 2005): a) CPT2; b) CPT3; c) CPT5; d) CPT8 Esta classificação apresenta, tal como a anterior, bastante variabilidade, confirmando a heterogeneidade típica destes maciços, estabelecendo classes que vão desde as areias siltosas às argilas siltosas. 2.3 Análise comparativa de classificações do solo A título exemplificativo, foram estudados e comparados os resultados das classificações do solo em profundidade segundo Robertson (1990) e Eslami e Fellenius (1997) com a classificação de Marchetti (1980) [7] baseada no índice dilatométrico Id, cujos perfis em profundidade se ilustram na Figura 7. Da observação da figura, é possível constatar discrepâncias significativas, que se evidenciam na incidência de matrizes argilosas nas duas classificações baseadas no

CPT(U) que não prevalecem na classificação de Marchetti. A análise comparativa destas classificações com as curvas granulométricas obtidas em laboratório para as amostras recolhidas a várias profundidades, apresentadas na Figura 8, é igualmente divergente, sobretudo em termos da percentagem de material fino.

0,00

0,62

2,28

3,12

4,52

5,14

5,70

6,32

2,34

5,32

5,82

8

9

9

4

5

3

3

4

4

4

0,00

2,26

3,96

5,32

6,38

4,46

0,16

2,44

4,24

4b3

4a3

4a

34a

3

4a

0.0

1.0

2.0

3.0

4.0

5.0

6.0

7.0

8.0

0.1 1.0 10.0

Id

prof

undi

dade

(m

)

DMT6 DMT8

argila silte areia

a) b) c)

Figura 7 – Perfis de classificação geotécnica segundo: a) Robertson (1990); b) Eslami e Fellenius (1997); c) Marchetti (1980)

Peneiros Série ASTM (mm) 4,

760

2,00

0

0,84

1

0,25

0

0,18

0

0,10

5

0,07

4

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

0,001 0,01 0,1 1 10

Dimensão das partículas (mm)

% p

assa

dos

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

% r

etid

os S2/1 + S2/2[3.20-3.80m]

S2/3 + S2/4[4.00-4.70m]

S2/5 [5.50-6.10m]

S2/6 [7.00-7.60m]

ARGILA CASCALHOSILTE AREIA

FINO FINOMÉDIO MÉDIOGROSSO GROSSO

0.002 0.006 0.02 0.06 0.2 0.6 2.0 mm Figura 8 – Curva granulométrica de algumas das amostras recolhidas no CEFEUP e ensaiadas

no Laboratório de Geotecnia da FEUP (Viana da Fonseca et al., 2004) Assim, pode concluir-se que estas classificações, particularmente as decorrentes do ensaio CPTU, são claramente desajustadas, se vistas à luz da distribuição granulométrica, demonstrando a especificidade destes solos residuais e a necessidade urgente de adaptação das formulações e propostas convencionais, desenvolvidas para solos sedimentares, a estes materiais. Na vertente da avaliação do grau de cimentação, tem-se, porém, uma boa imagem do tipo de maciço.

3. NOVAS TENDÊNCIAS DE CLASSIFICAÇÃO DO SOLO COM BASE EM ENSAIOS MECÂNICOS E GEOFÍSICOS

Como referem Schnaid et al.(2004) [8], estas classificações do solo por via de resultados CPTU são indirectas e baseiam-se em ábacos empíricos desenvolvidos para a interpretação estratigráfica, pelo que as medições de u2 não deverão ser consideradas sempre úteis, no sentido de utilizáveis para efeitos de classificação, especialmente no caso da caracterização de solos “não convencionais”, como no caso presente de solos residuais do granito. Assim, estes autores sugerem a utilização de um parâmetro de um ensaio mecânico simples, como os ensaios de penetração mais comuns (qc ou N60) e a sua comparação com o módulo de distorção máximo, G0. A razão G0/qc fornece uma medida da razão entre a rigidez elástica e a resistência última, sendo de esperar que esta aumente com a idade geológica no caso dos solos sedimentares (com reflexo nos imbricamentos secundários nas areias, por exemplo) e (ou) com a cimentação (no caso dos solos residuais) dos solos em análise, uma vez que estes aspectos afectam muito mais o valor de G0 que o de qc. Esta razão deve ser adimensionalizada para que possa ter aplicação mais universal, pelo que - na linha de muitas outras propostas de normalização - se sugere que se faça a representação em função do parâmetro de estado:

v

a

a

cc

ppq

qσ ′⎟⎟

⎞⎜⎜⎝

⎛=1 (1)

designando-se por qc1 a resistência de ponta normalizada e representando pa a pressão atmosférica. A partir do conhecimento dos perfis em profundidade de qc e G0, é possível definir esta razão, que pode ser utilizada directamente para a avaliação dos efeitos da história de tensões, grau de cimentação, entre outros, para um dado perfil, como reconheceram num outro contexto Eslaamizaad & Robertson (1996) [9]. Os dados de ensaios CPT provenientes de campos experimentais distintos em solos residuais (e de areia Monterey artificialmente cimentada) foram compilados num gráfico, que se apresenta na Figura 9, onde estão também incluídos os resultados do CEFEUP. As variações observadas de G0 com qc podem ser expressas através de um limite superior e inferior, onde o limite superior do material não cimentado se assume como o limite inferior para o material cimentado. Schnaid et al. (2004) propôs os seguintes limites para identificação destes grupos, que se podem traduzir nas expressões:

⎪⎪

⎪⎪

′=

⎩⎨⎧′=

′=

cimentado não material :inferior limite

cimentado não material : superiorlimite

cimentado material :inferior limite

cimentado material : superiorlimite

pqG

pqG

pqG

avc

avc

avc

30

30

30

110

280

800

σ

σ

σ

(2)

Para o campo experimental em estudo, ilustrado na figura, esta relação é expressa por: pqG avc

30 450 σ ′= (3)

Figura 9 – Relação entre G0 e qc para solos residuais (Viana da Fonseca et al., 2005 [10],

adaptado de Schnaid et al., 2004) Uma análise similar pode ser feita com os resultados dos SPT para a avaliação da presença de estrutura no solo e a sua variação em profundidade. Esta é apresentada na Figura 10, onde os resultados do presente solo são enquadrados com os de diversos campos experimentais em solos residuais.

Figura 10 – Relações entre G0 e (N1)60 para solos residuais (Viana da Fonseca et al., 2005,

adaptado de Schnaid et al., 2004) Verifica-se que as ligações interparticulares e a estrutura do solo assumem um papel importante no comportamento dos solos residuais, uma vez que os valores de rigidez normalizada (G0/N60) nestes são consideravelmente mais elevados que os de solos incoerentes. A rigidez normalizada a partir dos ensaios SPT pode ser definida pela seguinte expressão:

10

100

1000

1 10 100(N1)60

Razã

o (G

0/pa

)/N60

CEFEUP

1

10

100

1000

10 100 1000qc1

G0/qc

CEFEUP

( )

vo

aa pN

NpG

σα

′= 60

60

0 ou ( ) ( )601

60

0 NN

pG a α= (4)

onde α é uma constante adimensional que depende do grau de cimentação e idade do solo, bem como da compressibilidade e sucção. Tal como para a relação com o CPT, a variação de G0 com o N60 pode ser expressa pelos seguintes limites superiores e inferiores propostos por (Schnaid et al., 2004):

⎪⎪⎪

⎪⎪⎪

′=

′=

′=

cimentado não material :inferior limite

cimentado não material : superiorlimite

cimentado material :inferior limite

cimentado material : superiorlimite

pNG

pNG

pNG

av

av

av

3 2600

3 2600

3 2600

200

450

1200

σ

σ

σ

(5)

Os resultados do presente campo experimental permitiram obter a seguinte relação: pNG av

3 2600 550 σ ′= (6)

É interessante salientar a constatação de que, neste caso particular, a razão de cimentação traduzida pelo rácio G0/qc1 parece ser mais sensível do que a expressa por G0/N60. Este facto deverá ser confirmado no futuro, procurando-se razões mais fundamentadas que podem ter assento no efeito da “sucção” que, neste caso, não foi convenientemente tratada. Estas novas tendências de classificação baseadas nas relações entre o módulo de distorção máximo obtido em ensaios geofísicos e os parâmetros N60 e qc dos ensaios mecânicos mais correntes revela-se uma importante contribuição na caracterização de solos “não tradicionais”, uma vez que as razões G0/N60 e G0/qc permitem distinguir claramente o seu comportamento do dos solos incoerentes. 4. CONCLUSÕES Neste trabalho procurou apresentar-se os princípios que regem as classificações de solos sedimentares e sua aplicabilidade aos solos residuais e, particularmente, aos do granito do Porto. Das classificações que integram parâmetros mecânicos retirados de ensaios in situ, as de Robertson (1990) e Eslami e Fellenius (1997), a partir de ensaios CPTU (ou CPT) e a de Marchetti (1985), com base em ensaios DMT, são ajustadas para uma boa definição da classe em termos comportamentais, em particular na vertente estrutural. Este é, naturalmente, o principal objectivo destas abordagens (mais do que uma indexação física que as metodologias clássicas seguem), das quais se pretende inferir, com alguma objectividade, as tendências esperadas para as respostas mecânicas (mais ou menos rígidas, mais ou menos diferidas no tempo, mais ou menos resistentes). Nesta análise, deu-se maior ênfase à marca de cimentação e de reserva de resistência que estas classificações baseadas em parâmetros mecânicos conferem. Por isso, são também relevadas novas tendências de classificação, baseadas nas razões entre a rigidez elástica (G0, valor deduzido das velocidades das ondas de corte, VS, medidas em ensaios geofísicos) e a resistência última (traduzida pelo qc-CPT e N60-SPT), as quais permitem traduzir mais fielmente o grau de estrutura destes solos residuais.

5. AGRADECIMENTOS Muito especiais e gerais às empresas que permitiram este trabalho (Mota-Engil, SA - Direcções de “Geotecnia” e de “Fundações Especiais”, Teixeira Duarte, SA, Sopecate, SA, e Tecnasol FGE, SA) e particulares ao Eng. Ricardo de Andrade e ao Eng. Nuno Cruz (antes no CICCOPN, hoje na Mota-Engil), e também um reconhecimento à FEUP, à Reitoria da Universidade do Porto e à A. M. Mesquita & Filhos. O trabalho foi possível graças ao empenho e bom profissionalismo do pessoal do Laboratório de Geotecnia da FEUP. Este trabalho integra-se na actividade de investigação do CEC da FEUP, centro da Fundação para a Ciência e Tecnologia do MCES. 6. REFERÊNCIAS [1] FERREIRA, C.; MENDONÇA, A.A.; VIANA DA FONSECA, A. (2004). Avaliação da

Qualidade de Amostragem em Campos Experimentais de Solos Residuais de Granito do Porto. Actas do 9º Congresso Nacional de Geotecnia - 2º Congresso Luso-Brasileiro de Geotecnia, Aveiro, Portugal. SPG, Lisboa. Vol. 1, pp. 27-38.

[2] VIANA DA FONSECA, A.; FERREIRA, C. (2002). Aplicação da técnica de bender elements para avaliação da qualidade de amostragem em solos residuais. Actas do XII COBRAMSEG, Vol.1, ABMS, São Paulo, Brasil, pp.187-199.

[3] VIANA DA FONSECA, A.; COSTA, E.; SANTOS, J. A. (2004). Ensaios de carga verticais em estacas executadas em solo residual do granito. Actas do SEFE V (Seminário de Engenharia de Fundações Especiais e Geotecnia). São Paulo, Brasil.

[4] ROBERTSON, P.K. (1990). Soil classification using the cone penetration test. Canadian Geotechnical Journal, Vol. 27, pp. 151-158.

[5] COSTA ESTEVES, E. (2005). Ensaios e Análise de Resposta de Estacas em Solo Residual do Granito Sob Acções Verticais. Dissertação apresentada à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto para obtenção do grau de Mestre em Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica. FEUP, Porto.

[6] ESLAMI, A.; FELLENIUS, B.H. (1997), Pile Capacity by Direct CPT and CPTU Methods Applied to 102 Case Histories. Canadian Geotechnical Journal Vol. 34, pp. 886-904.

[7] MARCHETTI, S. (1980). In situ tests by flat dilatometer. Journal of the Geotechnical Engineering Division, ASCE. Vol. 106, GT3, pp. 299-321.

[8] SCHNAID, F.; FAHEY, M.; LEHANE, B. (2004). In situ test characterisation of unusual geomaterial. Keynote Lecture. Geotechnical & Geophysical Site Characterization. (Edited by A. Viana da Fonseca & P.W.Mayne). Vol.1, pp. 49-74. Millpress, Rotterdam.

[9] ESLAAMIZAAD, S.; ROBERTSON, P.K. (1996). A framework for in-situ determination of sand compressibility. 49th Canadian Geotechnical Conference; St John's Newfoundland.

[10] VIANA DA FONSECA, A.; CARVALHO, J.; FERREIRA, C.; SANTOS, J. A.; ALMEIDA, F.; PEREIRA, E.; FELICIANO, J.; GRADE, J.; OLIVEIRA, A. (2005). Characterization of a profile of residual soil from granite combining geological, geophysical and mechanical testing techniques. Geotechnical & Geological Engineering, Kluwer-Springer (em impressão).