classes sociais e desigualdade · com o lugar ocupado na estrutura social e revelam a existência...

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PROFº NEY JANSEN. SOCIOLOGIA MESTRE EM SOCIOLOGIA POLÍTICA PELA UFSC. BACHAREL E LICENCIADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS PELA PUC-SP. CLASSES SOCIAIS E DESIGUALDADE

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PROFº NEY JANSEN.

SOCIOLOGIA

MESTRE EM SOCIOLOGIA POLÍTICA

PELA UFSC.

BACHAREL E LICENCIADO EM

CIÊNCIAS SOCIAIS PELA PUC-SP.

CLASSES SOCIAIS E DESIGUALDADE

DEFININDO DESIGUALDADE SOCIAL

Quando falamos em desigualdade isso significa que

determinadas posições sociais podem ser econômicas, sociais

ou políticas, conferem vantagens ou desvantagens de acordo

com o lugar ocupado na estrutura social e revelam a existência

de desigualdades com base em atributos sociais.

É possível identificar diversos atributos com base nos quais

pessoas e grupos se organizam em posições ou estratos sociais:

a classe social, o fato de ser homem ou mulher, a ocupação, a

renda, a etnia/raça/cor

Dados globais de concentração de renda

O ano de 2010 foi também aquele no qual o banco Credit Suisse publicou o seu primeiro

Global Wealth Report (Relatório da Riqueza Global).

Naquele ano, os 50% mais pobres dos 4,44 bilhões de adultos possuíam pouco menos de 2%

dos ativos mundiais estimados em 194,5 trilhões de dólares, “embora a riqueza esteja

crescendo rapidamente para alguns membros deste segmento”, acrescentava esperançosamente

o relatório. Os 10% superiores possuíam 83% da riqueza mundial e o centésimo superior,

43%. A riqueza média equivalia a 43,8 mil dólares líquidos. Era preciso possuir 4 mil para

deixar de pertencer aos 50% mais pobres, 72 mil para chegar aos 10% mais ricos e 588 mil

para o centésimo superior.

Cinco anos depois, o relatório de 2015, publicado em 13 de outubro, mostra que a

concentração de renda mundial alcançou níveis tão críticos quanto o do mundo

industrializado antes da Primeira Guerra Mundial. Apesar do relativo otimismo de 2010, a

metade mais pobre dos 4,8 bilhões de adultos ficou ainda mais depauperada: agora possui

menos de 1% da riqueza planetária estimada em 250,1 trilhões de dólares, enquanto o

décimo mais alto controla quase 90% (87,7%, para ser exato) e o centésimo no topo, exatos

50%.

Fonte: A desigualdade social chega a níveis alarmantes. Carta Capital. 05/01/2016.

http://www.cartacapital.com.br/revista/873/no-mundo-de-os-miseraveis-5584.html

COMO DEFINIR O CONCEITO DE

CLASSE SOCIAL?

Classe social não é um conceito pacífico na ciências sociais e humanas em geral.

Destacaremos aqui alguns pontos de convergência e divergência do conceito de classe.

Nas ciências biológicas classe está associada à uma classificação (identificação) de seres vivos, por exemplo, de plantas ou animais.

E nas ciências sociais e humanas?

Em termos sociológicos gerais classe é uma categoria

social que nos ajuda a apreender de que forma

diferenças no acesso às condições de vida (renda,

habitação, saneamento, alimentação, saúde, educação,

trabalho) geram desigualdades entre pessoas e grupos,

na medida em que situam pessoas e grupos em

posições desiguais na hierarquia social, de tal modo

que geralmente os mais favorecidos encontram-se no

topo, e os menos privilegiados estão mais próximos da

base.

Portanto, pensar classe social envolve diferenças,

desigualdades e posições desiguais numa hierarquia

social

Economistas tendem a basear suas análises em dados sobre renda individual

(per capita) e familiar. Ex: “classes” A, B, C, D, E...alta, média, baixa...

Porém, o critério renda não é utilizado como sinônimo de classe em

algumas análises sociológicas.

Na tradição sociológica herdada, sobretudo, das teorias de Marx e Weber, os

esquemas de classe contemporâneos são construídos com base na estrutura

ocupacional, isto é, de acordo com as posições ocupacionais de indivíduos

dentro de unidades produtivas e mercados de trabalho.

Em Marx, a apropriação privada dos meios de produção é o fundamento da existência das classes. Uma classe é um grupo de pessoas que se encontram em uma relação comum com os meios de produção – os meios pelos quais elas extraem o seu sustento-. Aqueles (a classe) que trabalha/produz a riqueza social e aqueles que se apropriam da riqueza social produzida por outros é o fundamento da existência de classes sociais para Marx.

Tal distinção (de classes) não é natural, é histórica (socialmente construída). Em resumo: classe social para Marx é uma relação social de exploração do trabalho social.

Weber, por sua vez, trabalha com a noção de posição de classe. A posição de classe é determinada pela “situação de mercado”, que depende, também, da posse de bens, do nível de educação e do grau de habilidade técnica.

Para Weber, as desigualdades sociais se originam de fatores mais complexos do que a posse ou não dos meios de produção. A posição de mercado, as qualificações, titulações, grau de escolaridade, diplomas e habilidades adquiridas modificam sensivelmente as oportunidades e as possibilidades de ascensão social dos indivíduos.

Outro aspecto significativo das classes é o fato de elas estarem associadas a diferentes status adquiridos, isto é, a uma distribuição desigual da honra e do prestígio social.

O contexto histórico e social do capitalismo industrial

contemporâneo caracteriza-se pelo aumento da divisão do

trabalho e pela crescente complexificação da estrutura

ocupacional.

A ocupação é um dos fatores mais críticos na determinação do

posicionamento social, das oportunidades de vida e do nível de

conforto material dos indivíduos.

Por essa razão, cientistas sociais têm usado extensivamente a

ocupação como um indicador da classe social, por acreditarem

que indivíduos da mesma ocupação tendem a vivenciar

níveis semelhantes de vantagem ou desvantagem social, a

manter estilos de vida comparáveis e a partilhar oportunidades

de vida igualmente semelhantes.

No Brasil, nos últimos anos, tem sido corrente a afirmação do

crescimento de uma “nova classe média”, de uma “ascensão da

classe D e E para a classe C”, etc.

Tal visão seria corroborada pelo aumento do poder de consumo de

parcelas significativas da população brasileira vinculadas a políticas

de governo nos últimos anos (2003 em diante) como:

Valorização do salário mínimo,

Políticas de crédito facilitada,

Incorporação de segmentos antes excluídos do consumo de massa e de

bens e serviços antes restritos a determinados segmentos da sociedade.

Geração de emprego e renda

Políticas de redução da pobreza extrema via políticas assistenciais

O Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade acaba de publicar um trabalho mostrando que o número de pobres tem caído de maneira consistente no país nos últimos anos. O levantamento indica que de 2006 para cá o número de pobres no Brasil caiu de 33% para 23% na população. Isso significa 19 milhões a menos de pessoas na linha da pobreza.

A pesquisadora responsável pelo trabalho, Sônia Rocha, afirma que não foram apenas as políticas de transferência de renda que influenciaram aqui. Mas é perceptível que o dinheiro faz diferença na renda dos mais pobres. Atualmente, segundo o estudo, entre as famílias mais pobres, a transferência de renda é responsável, em média, por 18% de tudo o que entra na casa.

Mas e a acomodação? Talvez esse pessoal desista de trabalhar, diz um outro argumento. A Folha de S.Paulo achou, esses dias, beneficiários do programa no interior do Nordeste que não queriam carteira assinada para não perder o benefício. Tratava-se de trabalho temporário e mal pago, numa situação pontual, mas o jornal preferiu o caminho fácil de dizer que essa era a prova de que o programa “dificulta a formalização do trabalho no campo”. Os números oficiais são de que 2 milhões de beneficiários devolveram o cartão por terem conseguido emprego ou melhorado de renda. E 77% dos beneficiários trabalham. [...]

O resumo da ópera é que programas de renda mínima, em primeiro lugar, funcionam, sim, para dar melhores condições de vida da pobreza. Segundo, não há nenhum prova de que, como regra, as pessoas se acomodam por receber R$ 120 do governo (o que seria, inclusive, difícil de se imaginar, a não ser que a teoria venha de alguém que não tenha a mínima ideia de como seria viver com tão pouco).

.

Trecho do

artigo:

Segundo estudo da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE)

da Presidência da República, na última década 35 milhões de

brasileiros passaram a integrar a classe média no Brasil.

Em 2002, 38% da população pertencia a essa classe;

atualmente, estima-se que 53% da população brasileira faz parte

da classe média, que totaliza 104 milhões de pessoas. Do

restante da população, 20% estão na classe alta e 27% na baixa.

A SAE considera como famílias de classe média, aqueles que

tem renda per capita entre R$ 291 e R$ 1019 por mês. De

acordo com esse critério, quem vive com mais de R$ 1019

pertence a classe alta.

(Sociologia em Movimento. Moderna. São Paulo. p. 251. Fonte: SAE/PR 2012).

O conceito de classe e suas subdivisões (extremamente

pobre, pobre, vulnerável, baixa classe média, média

classe média, alta classe média, baixa classe alta, alta

classe alta) baseadas no indicador “renda” são subjetivas e

relativas.

Por exemplo, na citação, a “classe média” é definida por

quem tem renda per capita entre R$ 291 e R$ 1019 por

mês e a “classe alta” seria quem receberia mais de R$

1019 por mês.

Tais números podem ser questionados a partir do critério

utilizado por este ou aquele pesquisador ou Instituto

governamental.

Outra observação a fazer é que a apresentação das

distinções de classe baseada em diversas

subdivisões (extremamente pobre, pobre,

vulnerável, baixa classe média, média classe média,

alta classe média, baixa classe alta, alta classe

alta) poderia levar a se desconsiderar outros

elementos como a concentração de renda (ver

próxima tabela) de AQUILES (2011).

O pesquisador da Unicamp, Márcio Pochmann, em seu

livro “Nova Classe Média?” (2012) questiona uso do termo.

Segundo Márcio Pochmann:

“Seja, pelo nível de rendimento, seja pelo tipo de ocupação,

seja pelo perfil e atributos pessoais, o grosso da população

emergente não se encaixa em critérios sérios e objetivos que

possam ser claramente identificados como classe média.

Associam-se sim, às características das classes populares

que, por elevar o rendimento, ampliam imediatamente o

padrão de consumo. Não há nesse sentido, qualquer

novidade, pois se trata de um fenômeno comum, uma vez que

o trabalhador não poupa, mas gasta tudo o que ganha”.

(POCHMANN, Márcio. Nova Classe Média? O trabalho na base da pirâmide social

brasileira. Boitempo Editorial. São Paulo. 2012. p.10).

Diversos sociólogos consideram que o critério de classe exposto a

partir do elemento renda é insuficiente para se definir classe.

A abordagem marxista de considerar a posição dos trabalhadores

numa determinada estrutura de produção (ou modo de produção)

e na relação do conjunto de indivíduos em relação com a posse ou

não dos meios de produção passa ao largo da abordagem de classe

baseada apenas no elemento renda.

Na abordagem weberiana a posição de classe de uma indivíduo

por sua vez não estaria baseada na posse ou não dos meios de

produção mas numa determinada posição de mercado, sendo esta

definida por sua vez pela mobilidade social que, certamente está

ligada ao elemento renda, porém depende também, da posse de

bens, do nível de educação e do grau de habilidade técnica.

Pobreza:

condição de nascença,

desgraça, destino?

A pobreza é a expressão

mais visível das

desigualdades sociais.

Mas como a pobreza e a

desigualdade foram

entendidas no decorrer

da história das

sociedades?

Definição de Aristóteles sobre desigualdade:

Não é apenas necessário, mas também vantajoso que haja mando por um lado e obediência por outro; e todos os seres, desde o primeiro instante do nascimento, são, por assim dizer, marcados pela natureza, uns para comandar, outros para obedecer. (...)

(...) A natureza, por assim dizer, imprimiu a liberdade e a servidão até nos hábitos corporais. Vemos corpos robustos talhados especialmente para carregar fardos e outros usos igualmente necessários; outros, pelo contrário, mais disciplinados, mas também mais esguios e incapazes de tais trabalhos, são bons apenas para a vida política, isto é, para os exercícios da paz e da guerra. (...) Não pretendemos agora estabelecer nada além que, pelas leis da natureza, há homens feitos para a liberdade e outros para a servidão (...)”.

(Aristóteles, A Política. Martins Fontes, São Paulo: 1998. pp. 12, 13, 14).

Na antiguidade grega

Na Idade Média, a pobreza era

considerada uma condição de

nascença.

Havia uma visão positiva dessa

condição, pois esta despertava a

compaixão e a caridade.

Na concepção da católica

medieval, os ricos tinham

obrigação moral de ajudar os

pobres. A pobreza é interpretada

como uma desgraça decorrente

das guerras ou de adversidades

como doenças ou deformidades

físicas.

A partir do século XVI, na Inglaterra, com o aumento da produção e do comércio, a pobreza e a miséria passaram a ser interpretadas como resultado da preguiça e da indolência.

Tais interpretações tinham por objetivo fazer que o povo se submetesse às condições de trabalho vigentes (contexto das leis sanguinárias)

Pobreza

fruto da

preguiça?

O primeiro que, cercando um terreno se lembrou e dizer: “Isso

me pertence” e, encontrou criaturas suficientemente simples

para acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.

Quantos crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores teria

poupado ao gênero humano aqueles que, retirando as estacas

ou entulhando o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes:

“Guardai-vos de escutar esse impostor! Estais perdidos se vos

esqueceis de que os frutos a todos pertencem e a terra não é de

ninguém!”.

Rousseau, JJ. Discurso sobre a Origem e o fundamento da desigualdade entre os homens.

Cultrix, São Paulo: 1965. pp 46-47.

No final do século XVIII, com o

fortalecimento do liberalismo,

outra justificativa para a pobreza

foi formulada as pessoas eram

responsáveis pelo próprio destino

e ninguém era obrigado a dar

trabalho ou assistência aos mais

pobres.

Dizia-se que era necessário

manter o medo à fome para que

os trabalhadores realizassem bem

suas tarefas.

Pobreza é

um estímulo?

Para o economista e demógrafo

britânico Thomas Malthus, a

população crescia mais que os

meios de subsistência.

Com base nas ideias de

Malthus, dizia-se que a

assistência social aos pobres

era repudiável, pois os

estimulava a ter mais filhos, o

que aumentava a miséria.

Thomas Malthus

(1776-1834):

teoria da

população

Em meados do século XIX, difundiu-se entre setores da

burguesia a ideia de que os trabalhadores eram perigosos:

poderiam não só transmitir doenças, já que viviam em

condições precárias de higiene, mas também se rebelar,

organizar-se e fazer revoluções, questionando os privilégios das

classes que detinham riqueza e poder.

No Brasil, as classes perigosas eram associadas as pobres, aos

favelados, aos negros, como pessoas potencialmente criminosas

(“higienismo social” no século XX)

Século XIX: a associação perversa entre pobreza e as classes perigosas

Movimentos sociais, políticos e intelectuais que pregavam alguma forma “justiça social” em reação as desigualdades:

textos filosóficos e religiosos (textos bíblicos, al corão, etc);

na Antiguidade encontramos referências críticas ao “uso e abuso das riquezas”, questionamentos contra a concentração de terras (irmãos Graco em Roma);

lutas sociais contra a escravização na Antiguidade ou na época colonial,

movimentos “heréticos” de camponeses na Idade Média contra a nobreza e o Vaticano (séculos XI a XVI);

nas teses iluministas do século XVIII (como a do filósofo francês Jean Jacques Rousseau (1712-1778) que dizia toda desigualdade baseia-se na noção de propriedade) e no liberalismo político;

no nascente movimento operário no século XVIII, XIX (cartismo, niveladores, sindicalismo) e depois nas teses socialistas (comunistas, anarquistas) nos século XIX e XX

Nas lutas feministas, por igualdade de gênero, diversidade sexual e igualdade racial (século XIX e XX)

AQUILES, Affonso Cardoso. O Trabalho no Setor de Telecomunicações do Brasil: Tendências Gerais e Empresa-Espelho. Dissertação de mestrado, UFPEL, 2011.

ARISTÓTELES. A Política. Martins Fontes, São Paulo: 1998.

BEER, Max. História do socialismo e das lutas sociais. Expressão Popular. São Paulo: 2006.

CARTA CAPITAL. A desigualdade social chega a níveis alarmantes. 05/01/2016.

http://www.cartacapital.com.br/revista/873/no-mundo-de-os-miseraveis-5584.html

GAZETA DO POVO. O Bolsa Família deixou de ser a Geni. Rogério Galindo. 22/05/2010.

PIMENTA, Melissa de Mattos. Diferença e Desigualdade In Sociologia. Coleção Explorando o Ensino. Vol. 15. MEC. Brasília: 2010.

POCHMANN, Márcio. Nova Classe Média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira. Boitempo Editorial. São Paulo. 2012

ROUSSEAU, JJ. Discurso sobre a Origem e o fundamento da desigualdade entre os homens. Cultrix, São Paulo: 1965.

SILVA, Afrânio et all. Sociologia em Movimento. Moderna. São Paulo. p. 251. Fonte: SAE/PR 2012.

TOMAZZI, Nelson D. Sociologia para o ensino médio. Saraiva. São Paulo: 2010.

Fontes