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CLARICE

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Trabalho de conclusão de curso de Comunicação Visual Design da UFRJ, realizado por Natasha de Abreu, com orientação de Julie Pires, entregue em setembro de 2013.O projeto consiste na elaboração de uma tipografia (com caracteres alternativos) inspirada na obra de Clarice Lispector, visando trazer interpretações das temáticas da literatura da autora ao desenho de tipos. O debate sobre forma versus conteúdo no design tipográfico vem à tona neste projeto, que se distancia da visão neutra em relação à forma tipográfica e que apresenta as fontes como interfaces graficamente relacionadas com conteúdo textual que disponibilizam. O objetivo da criação desta fonte e suas aplicações é gerar um significante visual, por meio da tipografia e do design, sob influência das temáticas abordadas nos textos de Clarice Lispector.

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CLARICE

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROCentro de Letras e Artes | CLAEscola de Belas Artes | EBADepartamento de Comunicação Visual | BAV

Trabalho de Conclusão do Curso de Comunicação Visual Design

Realizado por

Natasha de Abreu Pinheiro e SouzaDRE: 108085186

Orientado por

Julie Pires

Entregue em setembro de 2013

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Agradecimentos

Agradeço à orientadora Julie pelo tempo e dedicação a este projeto, pelo qual se mostrou envolvida antes mesmo do período de execução. Seu comprometimen-to e interesse foram essenciais para a elaboração deste trabalho, e o cuidado demonstrado sempre me deixou muito feliz e agradecida.

Agradeço à professora Nair de Paula pelos comentários feitos na pré ban-ca, que me guiaram para novos caminhos em relação ao que já havia sido traçado.

Um muito obrigado também à minha amiga querida Elisa Kalume, que sempre compartilhou a paixão literária comigo, e que disponibilizou sua biblioteca clariciana para a feitura do projeto.

Agradeço à minha família, aos amigos e colegas designers pelo apoio e in-centivo dados para a elaboração deste projeto. Ter o suporte de vocês e suas opiniões me levaram a um resultado mais interessante e criativo.

Obrigada ao corpos docentes da UFRJ e UERJ, que foram muito importantes à minha formação e que contribuiram significamente para a aquisição de conheci-mento e cultura durante estes anos acadêmicos.

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Sumário

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Resumo1. Introdução

10 2. Discussão conceitual

10 2.1 Temáticas

2.1.1 Neutro

2.1.2 Fragmentos e detalhes

2.1.3 Forma

2.1.4 Contraste

18 3. Realização da fonte

18 3.1Classificaçãotipográfica

22 3.2 Panorama de fontes contemporâneas

26 3.3 Fontes experimentais

26 3.4 As duas faces de Clarice

28 3.5 Anatomia dos tipos

44 3.6 Ajustes gerais

46 4. Aplicações

50 5. Metodologia

50 5.1Pesquisabibliográfica

52 5.2 Coletânea de dados

54 5.3 Desenho da fonte

64 6. Conclusão

66 7.Referênciasbibliográficas

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Resumo

Oprojeto consite na elaboração de uma tipografia (com caracteres alternativos) inspirada na obra de Clarice Lispector, visando trazer interpretações das temá-ticas da literatura da autora ao desenho de tipos. O debate sobre forma versus conteúdo no design tipográfico vem à tona neste projeto, que se distancia da visão neutra em relação à forma tipográfica e que apresenta as fontes como interfaces graficamente relacionadas com conteúdo textual que disponibilizam. As aplicações gráficas escolhidas para apresentar a fonte são uma impressa e outra digital - um cartaz/folder com citações e fatos ocorridos na vida da autora e imagens-citações para figurarem em uma rede social. O objetivo da criação desta fonte e suas aplicações é gerar um significante visual, por meio da tipo-grafia e do design, sob influência das temáticas abordadas nos textos de Clarice Lispector.

The project consists in the elaboration of a typography with alternative cha-racters inspired by the work of Clarice Lispector, aiming to bring the themes of the auhtor`s literature to the type design. The discussion about form versus content in typographic design comes to the fore in this project, which the re-sults are far from the neutral view in typographic form and presents the fonts as graphic interfaces related with the textual content they make available. Gra-phic applications chosen to present the fonts are printed and digital - A folded poster with quotes and events in the life of the author and images-quotes for inclusion in a social network. The objective of the criation of this typography and design is to generate a significant visual through typography and design, under the influence of the subjects in the writings of Clarice Lispector.

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1. INTRODUÇÃO

1BRINGHURST,Robert.ElementosdoEstiloTipográfico.SãoPaulo:CosacNaify,2005,p.23.2Clarice Mistério é uma fonte de caracteres alternativos. Foi criada assim para facilitar seu uso, não sendo necessário a utilização do painel de glifos. A escrita de um título, por exemplo, se torna bem mais prática com estes caracteres disponíveis como fonte.3A taça de cristal ou a impressão deve ser invisível foi o ensaio mais conhecido de Beatrice Warde, historiadora de tipologia e crítica da indústria de artes gráficas.

No primeiro livro sobre tipografia que obtive contato, Elementos do Estilo Tipográ-fico de Robert Bringhurst, li uma frase na introdução que repercutiu em mim: “A tipografia existe para honrar seu conteúdo”.1 A minha interpretação dessa frase foi ligada diretamente à literatura e me indaguei por que não fazer uma tipografia que possuísse relação com o conteúdo, que obtivesse uma forma relacioanda à literatura que carrega. Esse questionamento foi o ponto de partida para a realização desse trabalho de conclusão de curso, em que a criação tipográfica tem sua inspiração na literatura de Clarice Lispector, uma autora de reconhecimento mundial e que possui um grande número de leitores até hoje.

A escolha de qual obra abordar se deu pelas intrigantes temáticas da escritora que possui uma literatura muito plástica. Como leitora, percebo que seus contos possuem características imagéticas que incitam a criação de formas gráficas. A seleção pela obra de Clarice, depois de um amplo estudo de análise de sua litera-tura, se mostrou relevante à elaboração de uma tipografia.

O uso das tipografias Clarice e Clarice Mistério2 como interfaces da obra da es-critora possibilita a interpretação e visualização de sua literatura não exclusiva-mente pelo seu conteúdo, mas pelas sensações que as letras provocam no leitor através de suas formas. As fontes buscam um apoio visual coerente ao conteúdo que apresentam, estando em oposição à ideia de neutralidade tipográfica, de-fendida por Beatrice Warde como a maneira ideal de revelar um texto.3 Sendo assim, o intuito das tipografias Clarice e Clarice Mistério é provocar no leitor sensações da obra pela forma, contribuindo para uma imersão sensorial ainda maior na literatura lispectoriana.

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A escolha de qual obra abordar se deu pelas intrigantes temá-ticas da escritora que possui uma literatura muito plástica. Como leitora, percebo que seus contos possuem características imagéticas que incitam a criação de formas gráficas.

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2. DISCUSSÃO CONCEITUAL

As temáticas presentes nas obras de Clarice Lispector foram divididas nesta monografia em quatro grupos, de acordo com a relação que os temas possuem entre si.4 Os grupos são: Neutro, Fragmentos e detalhes, Forma e Contraste.

2.1.1 NeutroO primeiro grupo, “Neutro”, aborda sobre uma das temáticas mais fulcrais da obra clariciana: o inominável, aquilo que é neutro, desconhecido, indetermi-nado – o “it” tantas vezes presente como signo do inefável. Este “it”, palavra utilizada por Clarice em suas obras, se encontra em muitos momentos como conceito moldável e em permanente transformação. Esta ideia é abordada na maioria das ocasiões em relação ao desconhecimento de si próprio:

“Quero antes afiançar que essa moça não se conhece senão através de ir vivendo à toa. Se tivesse a tolice de se perguntar ‘quem sou eu?’ cairia esta-telada e em cheio no chão. É que ‘quem sou eu?’ provoca ansiedade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.” (A Hora da Estrela, pp. 30-31)

O “it” se torna presente no questionamento sobre as coisas do mundo, entre elas acontecimentos banais, comportamentos e Deus.

“A transcendência em mim é o “it” vivo e mole e tem o pensamento que uma ostra tem. Será que a ostra quando arrancada de sua raiz sente ansiedade? Fica inquieta na sua vida sem olhos. Eu costumava pingar limão em cima da ostra viva e via com horror e fascínio ela contorcer-se toda. E eu estava comendo o it vivo. O it vivo é o Deus.” (Água Viva)

O neutro também é abordado em relação a preceitos, formas ditadas pela so-ciedade como impróprias ou incorretas, e que Clarice estabelecerá uma visão

4Temáticas retiradas do livro Clarice Lispector – Figuras da Escrita, de Carlos Mendes de Sousa, o qual realizou este estudo em sua tese de doutorado. Além de crítico de literatura em Portugal, é também professor na Universidade em Minho e codiretor da revista de poesia Relâmpago.

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– Deus me ajude, quando faz mal, Joana?– Quando a gente rouba e tem medo. Eu não estou nem contente nem triste.”

(Perto do coração selvagem, pp. 49-50)

2.1.2 Fragmentos e detalhesA literatura lispectoriana é muito característica por sua fragmentação, não apenas visível pelos curtos períodos, mas pela estrutura dos romances e contos e pela presença de banalidades. Nos romances, a fragmentação se dá pela divisão da narrativa: a histó-ria pode ser divida em várias narrativas, podendo ser lida como vários contos dentro de um romance. Esta característica também se dá pelo trabalho de junção de frações de textos em algumas obras. Clarice tinha o costume de tomar notas em vários locais e depois juntar estes escritos em um livro. Água viva é um exemplo de obra feita por prática de colagem e que foi originário um manuscrito não publicado: “Atrás do pensamento: monólogo com a vida”, que mais tarde veio a se chamar “Objeto gritante”.

A fragmentação presente por detalhes é observa-da pela visão microscópica da autora sobre fatos corriqueiros. Trivialidades, situações domésticas, banalidades se transformam em momentos significan-tes, aqueles responsáveis pela epifania em sua obra, surpreendendo o personagem e, muito provavelmen-te, nós leitores também. O conto “Amor” presente no livro Laços de família possui uma cena memorável: a observação do cego mascando chicletes por Ana. Essa cena, que se torna ponto central no conto, vem

2.1 Temáticas

neutra sobre o fato. Ela não distingue algo entre bom ou ruim, entre triste e alegre; os dualismos estão presentes na obra tendo os dois conceitos o mesmo peso sobre aquilo que está em julgamento. Uma passagem que possui esta neutralidade na abstenção de julgamento está no livro Perto do coração selva-gem, em um diálogo entre Joana e sua tia, no qual a protagonista do romance assume o roubo de um livro e não condena sua própria atitude - na verdade não julga o roubo positiva nem negativamente; se mantém na neutralidade:

“No momento em que a tia foi pagar a compra, Joana tirou o livro e meteu-o cuidadosamente entre os outros, embaixo do braço. A tia empalideceu.

(...)

– Não se assuste tia.– mas uma menina ainda... Você sabe o que fez?– Sei...– Sabe... sabe a palavra...?– Eu roubei o livro, não é isso?– Mas, Deus me valha! Eu já nem sei o que faça, pois ela ainda confessa!– A senhora me obrigou a confessar.– Você acha que se pode... que se pode roubar? – Bem... Talvez não.– Por que então...?– Eu posso.– Você?! – gritou a tia.– Sim, roubei porque quis. Só roubarei quando quiser. Não faz mal nenhum.

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a desencadear um pensamento profundo da perso-nagem, o qual vai se estender por todo o restante da narrativa.

“Foi então que olhou para o homem parado no ponto. A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham avançadas. Era um cego. (...) olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mastigava goma na escuridão. (...) O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás pra sempre. Mas o mal estava feito. (...) o que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais abafa-do, tudo tinha ganho uma força e vozes mais altas.” (Amor, laços de família, pp. 21-23)

2.1.3 FormaA plasticidade é trabalhada na literatura da autora através do geometrismo e abstracionismo. Clarice descreve personagens e pensamentos através de linhas, círculos, espirais e traços. Para ela, as formas geométricas revelavam sensações e ideias, por isso descrevia situações e comportamentos através dessas formas.

“A qualidade de seu pensamento era apenas um movimento circular.” (O lustre, p. 174)

“Autor – Ângela é uma curva em interminável sinuosa espiral. Eu sou reto, escrevo triangularmente e piramidalmente. Mas o que está dentro da pirâ-

mide – o segredo intocável o perigoso e inviolável – esse é Ângela. O que Ângela escreve pode ser lido em voz alta: suas palavras são voluptuosas e dão prazer físico. Eu sou geométrico. Ângela é espiral de finesse. Ela é intuitiva, eu sou lógico.” (Um sopro de vida, p. 46)

O abstrato e o figurativo são outras imagens utiliza-das como representação de realidades da autora. Ela descrevia personagens como abstratos e também acreditava que o abstrato nada mais era que um figu-rativo de objeto/tema abordado em questão.

“Tanto em pintura como em música e literatura, tantas vezes o que chamam de abstrato me parece apenas o figurativo de uma realidade mais delicada e mais difícil, menos visível a olho nu. (Para não esquecer, p. 49)

“E agora apago-me de novo e volto para essas duas pessoas que por força das circunstâncias eram seres meio abstratos” (A hora da estrela, p. 74)

“Minha história é de uma escuridão tranquila, de raiz adormecida na sua força, de odor que não tem perfume. E em nada disso existe o abstrato. É o figu-rativo do inominável.” (Água viva, p. 86)

O ovo é outra figura presente na obra clariciana; um dos temas mais enigmáticos e recorrentes de sua literatura, entrando também dentro do tema Neutro pelo mistério que o mesmo carrega em todos os contos em que aparece, em especial em “O ovo e a

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galinha”. A autora chegara a declarar, no congresso de bruxaria de Bagotá em 1975, que o conto em questão era um mistério para ela mesma.

O ovo simboliza questões como a origem das coisas, o não entendimento de pessoas/circunstâncias e o mistério como dito anteriormente. A questão da ori-gem representada como ovo vai também para uma indagação de sua própria forma: o oval é algo que não se pode dizer onde se iniciou, não há um ponto de origem, um princípio. É uma circularidade sem fim (A importância deste elemento também é tratada no item 2.1.4.2 Profundidade × Superficialismo, dentro do 2.1.4 Contraste).

“De manhã na cozinha sobre a mesa vejo o ovo (...) E me faz sorrir no meu mistério.” (O ovo e a galinha, Clarice na cabeceira, pp. 91-101)

“Você é perfeito, ovo. Você é branco. – A você dedico o começo. A você dedico a primeira vez.” (O ovo e a galinha, Clarice na cabeceira, p. 92)

A visão obliqua é outra forma que se verifica na obra como meio de enxergar melhor a realidade, da possibilidade de ter um entendimento maior daquilo que não se compreende. A visão acontece quando o que é visto não é observado diretamente, quando o olhar é de lado, indireto ou com olhos semicerrados, ou mesmo no entrefechar deles. Muitas vezes se tem também o bloqueio total do olhar, a escuridão ou cegueira, caminhos pelos quais também se obtém a

visão/realização dos fatos. (A cegueira e escuridão serão analisados no próximo grupo temático).

“... como se estivesse esculpindo, para examiná-los de longe com delicadeza de míope – um olhar de lado. Os próprios objetos agora só podiam ser vistos de viés; um olhar de frente os veria vesgos.” (A cida-de sitiada, p. 54)

“Se abrisse os olhos enxergaria cada pedra, acabaria com o mistério. Mas entrefechava-os e parecia-lhe que o bonde corria mais e que se tornava mais forte o vento salgado e fresco do nascer do dia” (Perto do coração selvagem, p. 44)

2.1.4 ContrasteO contraste é evidente como temática se tratando de dialéticas. As mais presentes na literatura clariciana são:

2.1.4.1 Amplificação × ReduçãoEste encontro é muito visível na relação existente entre os personagens e o mundo. Os indivíduos têm sua dependência emocional ao universo realçada pela vastidão do céu, extensão do mar e da grandio-sidade da lua – a noite é o significante da amplitude para os personagens em relação a pequenez de seu corpos e alma.

Esta relação de amplificação e redução fica exposta em Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, quando Lóri convive com sua redução frente à gran-diosidade do mundo: a sua parada frente ao mar e

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seu mergulho, levando à sua amplificação depois de estar dentro dele. A relação caminha para o iguali-tarismo, fazendo com que Lóri e o mar estejam em completa sintonia:

“Era uma noite muito bonita: parecia com o mun-do. (...) Ela estava só. Com a eternidade à sua frente e atrás dela. O humano e só.

(...)

Aí estava o mar, a mais ininteligível das existências não humanas. E ali estava a mulher, de pé, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fi-zera um dia uma pergunta sobre si mesmo, torna-se o mais ininteligível dos seres onde circulava sangue. Ela e o mar. Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões.

(...)

O caminho lento aumenta sua coragem secreta – e de repente ela se deixa cobrir pela primeira onda! O sal, o iodo, tudo líquido deixam-na por uns instantes cega, toda escorrendo – espantada de pé, fertilizada.

(...)

Com a concha das mãos e com a altivez dos que nunca darão explicação nem a eles mesmos: com a concha das mãos cheias de água, bebe-a em goles grandes, bons para a saúde de um corpo.

E era isso o que estava lhe faltando: o mar por den-tro como o líquido espesso de um homem.Agora ela está toda igual a si mesma. (p. 74-80)

2.1.4.2 Profundidade × SuperficialismoA profundidade se encontra nos questionamentos e pensamentos filosóficos a respeito de momentos de superficialismo, como narrativas domésticas e banali-dades cotidianas.

Em Laços de Família, a galinha, animal desejado apenas como alimento para o almoço, desprovido de importância para a família e de constatação dele pró-prio como ser, tem seu devir no desenrolar do conto Uma galinha. Completamente insignificante, Clarice descreve o animal de maneira sarcástica e crítica:

“Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.” (p. 31)

Mas sua visão e destino mudam temporariamente quando ela põe um ovo e passam a vê-la como heroína e integrante da família. A objetificação da galinha é o tema por trás deste conto, em que o ovo – tão importante na obra da escritora – vem a ser o salvador da sua geradora, conferindo uma visão questionadora sobre o animal:

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“– Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! Ela quer o nosso bem!

(...)

Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta ao colégio, jogava a pasta longe sem inter-romper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: ‘E dizer que a obriguei a correr naquele estado!’ A galinha tornara-se a rainha da casa.” (p. 32)

2.1.4.3 Interior × ExteriorO conflito entre a essência do ser e imagens externas carregadas pelos personagens é evidente na obra lispectoriana. A máscara, muitas vezes figurada como maquiagem, esconde a identidade real do persona-gem – uma máscara porém de fácil remoção, poden-do o personagem ser revelado a qualquer momento. Esta exposição nunca é feita de modo contrariado, a decisão de se expor vem sempre do personagem em questão, como Aurélia em Ele me bebeu de Clarice na Cabeceira, que sempre era maquiada por seu amigo Serjoca antes de sair para algum local.

“Então, enquanto era maquilada, pensou: Serjoca está me tirando o rosto.

A impressão era de que ele apagava os seus traços: vazia, uma cara só de carne. Carne morena.

(...)

Chegou em casa, tomou um longo banho de imer-são com espuma, ficou pensando: daqui a pouco ele me tira o corpo também. O que fazer para recu-perar o que fora seu? A sua individualidade?

(...)

Foi ao espelho. Olhou-se profundamente. Mas ela não era mais nada.

– Então – então de súbito deu uma bruta bofetada no lado esquerdo do rosto. Para se acordar. Ficou parada olhando-se. E, como se não bastasse, deu mais duas bofetadas na cara. Para encontrar-se.E realmente aconteceu.

No espelho viu enfim um rosto humano, triste, delicado. Ela era Aurélia Nascimento. Acabara de nascer. Nas-ci-men-to.” (p. 74-75)

2.1.4.4 Multiplicidade × UnidadeA multiplicidade se dá através do fragmentarismo presente na literatura da escritora. Um romance, estabelecido como unidade, se encontra estilhaçado por pedaços que podem ser arrancados e contituidos como contos. A literatura clariciana pode ser cortada a vontade, já que o que prevalece são os detalhes, as visões microscópicas sobre aquilo que se narra. Esta multiplicidade também pode ser entendida em relação a prática de colagem da autora, que retoma com frequência fragmentos publicados em outros lu-gares para serem incorporados em um novo conjun-to. A obra, assim, se torna múltipla, já que é formada

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por diferentes publicações ou escritos anteriores. O livro em que se tem isso em maior evidência é Água viva, a qual é composta pela reunião de frações de Objeto gritante.

2.1.4.5 Ocultismo × VisibilidadeEssa dialética é compreendida pela cegueira e visão dos fatos, substantivos relacionados na perspectiva clariciana, como expresso em A maçã no escuro:

“Agora nada dizia e no escuro nada via. Mas ser cego é ter visão contínua. Seria talvez a mensagem.”

A cegueira aparece como um modo de sentir, ver e entender as questões e sensações do mundo. Esse entendimento se dá pelo realce dos outros sentidos devido à ausência da visão, pois estando cego se pode sentir mais e ter uma percepção mais intensa do mundo. O entendimento não é lógico, e sim referente ao sentir, à sensação obtida.

“Sei que me horrorizarei como uma pessoa que fos-se cega e enfim abrisse os olhos e enxergasse – mas enxergasse o quê? Um triângulo mudo e incom-preensível. Poderia essa pessoa não se considerar mais cega só por estar vendo um triângulo incom-preensível?” (A paixão segundo G.H., p. 25)

2.1.4.6 Inteligência (intelecto) × Sensibilidade (intuição)A sensibilidade esteve muito relacionada à obra da autora através do universo feminino abordado por ela, pela intensa presença de sensações descritas e

visões interiores de seus personagens. Este sentimen-talismo esteve associado por críticos como poesia, mas Clarice sempre negou ser poética, como na entrevista concedida a O Pasquim em junho de 1974:

Olga Savary – Você já escreveu poesia, Clarice?C. – Não.O. S. – Nem tentou?C. – Nunca.Sérgio Augusto – Nem quando adolescente?O.S – Porque o teu texto é muito poético.C. – Mas não sou poética.

Há uma prevalência da intuição e sensibilidade nos contos e romances da escritora, e ela costuma equi-librar essa profusão de sentidos com sua tentativa de entendimento através da palavra escrita. A inteligên-cia se observa no ato de escrever, a experiência de apreender a realidade e traduzir o que não consegue ser expresso. Há uma luta nas sensações percebidas e na compreensão delas através da escrita, modo de racionalizar o vivenciado.

O racionalismo também é visto no romance Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, quando Lóri ouve de Ulisses: “Não posso perguntar quem sou sem ficar perdido” e reage fazendo uma lista de coisas que poderia fazer, na tentativa de mostrar para si mesma que não estava igualmente perdida:

“Sentou-se diante do papel vazio e escreveu: comer – olhar as frutas da feira – ver cara de gente (...) ter escolha – adormecer – mas de amor não falarei.

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Depois dessa lista ela continuava a não saber quem ela era, mas sabia o número indefinido de coisas que podia fazer.” (p. 132)

Também a personagem Laura do conto A imitação da rosa planeja sua vida, tentando ordenar o caótico através da listagem, métodos de resolução ligado à escrita.

“Arrumar a casa antes que a empregada saísse de folga para que, uma vez Maria na rua, ela não preci-sasse fazer mais nada, senão 1º) calmamente vestir-se; 2º) esperar Armando já pronta; 3º) o terceiro o que era? Pois é. Era isso mesmo o que faria.” (Laços de Família, p. 35)

2.1.4.7 Escuridão × ClaridadeA claridade é vista como o nascimento da escrita na escuridão. Não há claridade material, apenas meta-fórica. A luz vem do pensamento do escritor ao estar em atividade durante a noite, período de criação co-mum à Clarice, que escrevia na madrugada, segundo a entrevista de O Globo, de 24 de abril de 1976:

– Qual seu método?– Vou tomando notas. Às vezes acordo no meio da noite, anoto uma frase e volto para a cama. Sou capaz de escrever no escuro, num cinema, meu caderninho sempre na bolsa.

Em Água Viva, a claridade é precedida por uma escu-ridão gradativa, que se rompe pelo nascimento: a luz.

“Sou um coração batendo no mundo.Você que me lê que me ajude a nascer.Espere: está ficando escuro. Mais. Mais escuro.O instante é um escuro total. Continua.Espere: começo a vislumbrar uma coisa. Uma forma luminescente. Barriga leitosa com umbigo? Espe-re – pois sairei desta escuridão onde tenho medo, escuridão e êxtase. Sou o coração da treva.

O problema é que na janela de meu quarto há um defeito na cortina. Ela não corre e não se fecha por-tanto. Então a lua cheia entra toda e vem fosfores-cer de silêncios o quarto: é horrível.

Agora as trevas vão se dissipando. Nasci.”

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3. REALIZAÇÃO DA FONTE

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Clarice foi criada com propósito de ser uma fonte display5 com inspiração na ca-tegoria “Didone” do modelo de Maximilian Vox, tipógrafo e historiador francês que criou na década de 50 uma classificação de tipografias em nove grupos. A classificação Didone – nome que derivou da junção de Bodoni e Didot, tipografias mais famosas desse grupo – teve seu período de maior produção entre 1700 e 1800. Os tipos didone refletem as ideias do Romantismo. As letras possuem eixo vertical, larguras uniformes, estrutura mecanizada6 e ele-vado contraste entre hastes grossas e traços finos.

A escolha por essa categoria se deu pelas semelhanças que esse estilo possui com as características da obra da escritora. Lispector aborda muitas situações em sua literatura nas quais fica evidente o alto contraste nas personalidades de seus personagens e nas cenas que são descritas. Muitos personagens têm carac-terísticas completamente distintas entre si, como no romance Perto do Coração Selvagem, em que a protagonista Joana entra em conflito constantemente com sua tia por terem modos de pensar antagônicos.

Além disso, Clarice possuía uma elaboração de suas obras muito mecânica e fragmentária, feita a partir de junção de suas anotações em um mesmo datilos-crito. Sua literatura é composta por colagens, processos racionais de reunião de frações textuais. Este fato remete à mecanização, à fácil fragmentação da fonte (padronização das unidades) e ao fator matemático do estilo didone. Sua escrita também se dava muitas vezes diretamente na máquina de escrever, o que levou também a considerar o estilo moderno (didone) adequado à fonte produzida – o processo mecânico/matemático se dava na produção literária (conteúdo) e no modo como era escrito (forma).

5Segundo Kate Clair e Cynthia Busic-Snyder, em Manual de Tipografia (2009), display é um tipo acima de corpo 14, bem como estilo de tipos decorativos geralmente utilizado para compor textos para títulos. A legibilidade nesta categoria é menos importante que o impacto visual. 6As fontes didone, segundo Ellen Lupton em Pensar com tipos, “foram a porta de entrada para uma visão da tipografia desvinculada da caligrafia”. A tipografia passa a ter uma estrutura mais mecâniza-da, padronizada, diferindo das linhas fluidas traçadas pela pena.

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Esta folha é do fac-símile do “Manuale tipográfico” de Giambattista Bodoni, datado de 1788, impresso por Giovanni Mardersteig na Officina Bodoni, Verona, em 1968.

3.1 Classificação tipográfica

Outro fato que levou à escolha deste estilo foi a estrutura matemática da categoria didone, que pode ser visualizada na obra da Clarice em suas menções diretas às formas geométricas como representações de pensamentos e sensações. Círculos, ovais, linhas são comumente aplicados como adjetivos e advér-bios para descrever pessoas e modos de agir. A ne-cessidade de causar espanto no leitor também foi um fato importante na decisão pela display. Uma fonte de texto didone representaria por si só muito bem a obra da escritora, porém seria esperada e nada sur-preendente. Clarice faz com que seus leitores tenham surpresas constantes em suas leituras. Sua obra não é previsível. A imprevisibilidade tem potencial muito maior ao ser trabalhada em uma fonte display, em que as amarras são menores e a liberdade de cons-trução proporciona uma atividade mais criativa.

A display se caracteriza também pelo uso em corpos grandes e pela preocupação maior com o impacto vi-sual do que com a legibilidade. Clarice Mistério veio com este propósito, de ser uma fonte a ser utilizada em corpos grandes, nos quais sua forma ficasse em evidência para o visualizador. A questão da obra da escritora ser surpreendente e de possibilitar ao leitor uma visão clara da caracterização visual de seus personagens, mesmo sem minuciosas descrições, fez com que estes caracteres alternativos dispusessem de partes omitidas e reveladas. Eles visam causar no leitor uma contemplação total de sua forma, mesmo que não esteja ali presente por completo. Clarice fazia isto com seus personagens; deixava algumas poucas características para descrevê-los, mas essas eram suficientes para que seus leitores fizessem um traçado bem delineado de suas personalidades.

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3. REALIZAÇÃO DA FONTE

Uma pesquisa foi realizada em relação ao cenário atual de produção de fontes no estilo didone e display, categoria adotada para Clarice. Verificou-se que os designers de tipos contemporâneos dão menos ênfase à legibilidade e mais à experimentação. A tipografia aparece como um meio de se comunicar através de uma expressão pessoal e indo no caminho contrário à ideia de tipografia invisível. Nestes casos, fica claro que não se deseja que a tipografia seja uma interface neutra, em que o leitor entre em contato (observe), leia somente o conteúdo textual da mensagem. O propósito é que o desenho da letra seja notado.

Compass TRF (2009) é uma família criada por Ramiz Guseynov e que, apesar da sua construção mecanizada, o seu eixo vertical e suas serifas retas proporcionam uma aparência neoclássica, atingindo um equilíbrio entre o racional e a ornamenta-ção. Enquanto a versão regular é uma romana simples com elementos curvilíneos, a versão alternativa é uma coleção não usual de letras ecléticas com capitulares floreadas que vão para o campo decorativo.

Valentina (2012), de Pedro Arilla, é uma didone clássica que segue alguns dos câno-nes propostos por Bodoni no séc. XVIII, porém incorpora muitas características das punções espanholas antigas. É uma fonte completa de 457 glifos, nos quais 125 são alternativas para caixa-baixa e 46 são ligaturas.

Port (2013) criada por João Oliveira é uma didone experimental com um quê moder-nista, inspirada nas tão bem pensadas formas de Bodoni e Didot e na exuberância e elegância da caligrafia. Port foi feita para ser aplicada em corpos grandes e possui centenas de caracteres alternativos, proporcionando uma liberdade ao usuário de trabalhar suas necessidades criativas.

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À esquerda: Compass TRF, Ramiz Guseynov, 2009. À direita: Valentina, Pedro Arilla, 2012.

3.2 Panorama de fontes contemporâneas

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Port, João Oliveira, 2013.

3. REALIZAÇÃO DA FONTE

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3. REALIZAÇÃO DA FONTE

Em uma pesquisa sobre fontes experimentais, observou-se que a liberdade na criação é definidora no design desta categoria, os limites são abandonados e resultados se tornam inesperados. Designers como David Carson e Jonathan Barnbrook7 fogem do design invisível, misturam letras serifadas com bastonadas, utilizam diferentes pesos para caracteres de uma mesma fonte, ou seja, subvertem a ideia que o design tipográfico é algo “intocável”. A experimentação leva o tipo ao questionamento do que afinal seria legível - a noção de le-gibilidade pode ser entendida como dependente de seu conteúdo, visto que se a mensagem interessa o leitor, a fonte, mesmo com aspecto mais decorativo ou não usual, possibilitará a sua leitura.

7Barnbrook e Marcus Leis Allion abordam sobre legibilidade em uma entrevista no final do livro Como criar em tipografia. Jonathan questio-na a legibilidade como um conceito amarrado. Para o designer, pessoas podem ter feito “algumas coisas que talvez não fossem tão legíveis quanto você gostaria, mas a mensagem ainda assim atingiu seu público. Há inúmeras maneiras de se fazer uma leitura, em diferentes tipos de design”. Em um momento posterior, diz: “Tire essas noções de legibilidade científica da sua cabeça! Algumas pessoas acham que um texto é completamente ilegível, quando ele não as interessa. Se a mensagem não estiver acessível a um determinado público, ele não a lerá”.

Cartaz criado por David Carson para a Pepsi. À direita, exemplo de aplicação da fonte Drone (1997) de Jonathan Barnnbrook.

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3. REALIZAÇÃO DA FONTE

Clarice começou a ser desenhada visando, em um primeiro momento, ter apenas uma única versão. O processo de feitura começou pelo desenho de uma didone regular, que serviria de base para a construção dos caracteres alternativos. Foram definidas uma altura “x” em relação à linha de base, limites para as linhas de ascendentes, descendentes e versais para a fonte, tendo como base as proporções criadas por Bodoni. As hastes possuem as mesmas medidas de Bodoni, porém a altura “x” é menor e as serifas são mais curtas e finas em Clari-ce, proporcionando um contraste maior entre elas, pois o contraste necessitava ser o maior possível sem que a fonte tivesse perda em sua legibilidade ou que parecesse rígida demais. A obra de Clarice é forte, intensa, porém demonstra certa sensibilidade, logo a fonte deveria transmitir essa intensidade sem aparên-cia grosseira.

Dois norteadores para o desenho de Clarice foram o ovo e o oblíquo. Era evi-dente que essas características deveriam estar presentes na fonte, e cada um teve sua destaque alcançado na fonte. O Ovo foi trabalhado nos bojos e nos olhos abertos e fechados, remetendo à questão de origem e mistério que o ovo adquire na obra da escritora. A obliquidade foi inserida através das serifas em gancho, fazendo referência aos tipos em itálico do estilo didone, que pos-suem hastes com este tipo de remate. Esta característica não pôde ser aplicada diretamente no desenho da fonte (eixo oblíquo), pois em teste realizado ob-servou-se que mudava o eixo da mesma que deveria ser vertical, deixando-a com aspecto estranho, criando a sensação de ondulação indesejada à palavra escrita. Como solução, o desenho das itálicas de Bodoni foi estudado e as serifas em gancho se mostraram um bom caminho para remeter ao oblíquo, de maneira não óbvia, modo como Clarice conduz sua narrativa.

Com a Clarice finalizada, os caracteres alternativos, reunidos em Clarice Misté-rio, começaram a nascer. Sua forma em outline em conjunto com partes preen-chidas fazem referência ao contraste, ponto fulcral na literatura de Lispector, e também à caracterização dos personagens de modo parcialmente velado.

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Clarice e Clarice MistérioFontes opentype Clarice e Clarice Mistério postas em proximidade para visualização de semelhanças e diferenças em relação aos seus desenhos.

3.4 As duas versões de Clarice

A versão Clarice foi concluída juntamente com a Clarice Mistério, provendo ao usuário ou leitor uma am-plificação da experiência imagética relativa à interpretação da obra clariciana. Com estas duas versões, a interface da obra da escritora pode ser melhor trabalhada, constituindo de possibilidades mais amplas de uso, dependendo do propósito desejado.

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3. REALIZAÇÃO DA FONTE

8Karen Cheng é designer gráfico e professora no programa de comunicação visual na Universidade de Washington, Seattle. No livro, Karen discute questões de estrutura, compensação óptica e legibilidade no design de fontes.

Os caracteres de Clarice foram elaborados seguindo quatro princípios: altura-x pequena – equivalente a 60% da versal; contraste elevado – serifas possuem 1/32 da altura-x; hastes terminadas com serifas em gancho e formas arredon-dadas com olhos ovais. As letras foram divididas em grupos de acordo com suas similaridades, seguindo a categorização feita por Karen Cheng8, autora do livro Designing Type, já que muitas letras têm seus desenhos derivados de outras. A primeira etapa constituiu na feitura da letra principal de cada grupo, a qual teria as características principais de base para os outros caracteres.

3.4.1 Caixa-baixa – ClariceAs letras em caixa-baixa podem ser divididas em oito grupos com característi-cas similares, segundo Karen Cheng: Formas redondas, formas redondas-aqua-dradadas, formas redondas-diagonais, formas verticais, formas verticais com gancho, formas ramificadas, formas diagonais e fomas diagonais-aquadradadas.

3.4.1.1 Formas redondasAs letras presentes neste grupo são: “o”, “c” e “e”. A letra “o” tem a forma base para construção desta seção. Este caractere ultrapassa as guias de base e topo da altura-x, para que possa aparentar o mesmo tamanho das outras letras que possuem altura-x exata. Seu olho é em formato oval, uma referência ao ovo da galinha tão abordado na obra de Lispector.

O “e”, para não parecer que tem menos cor que o “o”, tem sua largura estrei-tada. Seu olho é simétrico, a barra é horizontal e se encontra levemente acima da metade de sua altura-x para que a legibilidade e o olho fiquem maiores. As caldas do “c” e do “e” possuem a espessura da barra do “e” e, no caso do “c”, ela ultrapassa a guia em que o terminal superior se encontra, enquanto no “e”, ela termina antes dessa guia. Isto ocorre para que haja um equilíbrio na fonte. O terminal do “c” é circular, uma predominante nas didones, já que este formato ajuda a balancear o alto contraste desta categoria.

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letras circulares possuem altura maior que as letras de base reta

“e” mais estreito que o “o” para obter mais cor

o terminal circular garante o contrapeso necessário para o equilíbrio da forma

3.5 Anatomia dos tipos

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3.4.1.2 Formas redondas-aquadradadasInserem-se neste grupo os caracteres “d”, “q”, “b” e “p”. Os bojos são formados por metade da letra “o” com ligações curvilíneas às hastes. As serifas em todos os casos são retas, formando um ângulo de 90° com a haste, estando no “b” e “d” unilaterais e no “p” e “q” bilaterais.

bojo feito a partir da metade da letra “o”

serifa bilateral

serifa unilateral

3. REALIZAÇÃO DA FONTE

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3.4.1.3 Formas redondas-diagonaisOs caracteres “a” e “s” compõem esta categoria. O “a” é uma letra bem estreita, mais que o “n”, e possui um desenho em que o bojo conversa com o arco por seus formatos semelhantes. O bojo possui 56% da altura-x e o arco é mais estreito em relação ao bojo, para dar mais estabilidade à letra. O arco possui um terminal circular que ajuda a preencher o espaço aberto entre o bojo e o arco. A haste termina com uma calda em gancho, como todas as hastes da fonte. O “s” é uma versão redimensionada da letra em caixa-alta, porém seu terminal é diferenciado. O terminal é o mesmo da letra “a” espelhado.

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arco menor que o bojo

altura do bojo = 65%da altura-x

3.5 Anatomia dos tipos

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3.4.1.4 Formas verticaisSó duas letras compõem este grupo: “i” e “l”. O “i” é formado pela haste do “b” com sua altura reduzida e seu ponto possui diâmetro um pouco maior que a largura da haste por questões de compensação. O “l” possui um desenho dife-renciado das formas comumente encontradas nas didones – seu desenho remete um pouco à caligrafia cursiva através de seu laço superior, proporcionando um elemento inesperado à fonte. No “l” fica clara a representação do contraste da obra de Lispector em formatos racionais e emocionais – o forte padrão e formas mecanizadas da didone ao lado do movimen-to mais solto da caligrafia.

3.4.1.5 Formas verticais com ganchoO “f”, “t” e “j” integram esta categoria. O “j” nada mais é que uma versão do “i” com uma descendente – o laço utilizado na letra “l”. O “f” é formado a partir do desenho do “j” invertido, tendo a mesma abertura de seu arco ampliado, com uma barra assimétrica que corta a haste localizada em 57% da sua altura e um terminal circular.

A haste do “t” possui um terminal em calda diferente das outras letras, mais aberto, para haver um balanço com a largura da barra. A haste ultrapassa a altura-x, possuindo 75% da altura das ascendentes.

ponto mais largo que a haste

“t” possui 75% da altura da versal

3. REALIZAÇÃO DA FONTE

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3.4.1.6 Formas ramificadasAs formas ramificadas são aquelas que possuem ombros ou orelha, como as letras “n”, “h”, “m”, “u” e “r”. O “n” é formado por duas verticais ligadas por um arco. Para alcançar a cor do “o”, o “n” é mais estreito, para que a concentração de cor aumente. O arco começa com a espessura da serifa, alcançando a largura da haste já no ombro. O “h” possui a mesma forma do “n” com uma ascendente. O “u” é formado pelo “n” invertido com as terminações variadas: a serifa em gancho e a serifa comum são alternadas de local. O “m” é formado por dois “n” seguidos e o “r” tem sua construção em cima do “n” (a orelha encostaria no lado esquerdo da haste da letra “n” se estivessem sobrepostas). O arco é um pouco menor na altura em relação ao arco do “n”, contrariando o que vem sendo feito nas didones, já que comparado a serifa reta, parecia estar alto demais se a mesma curvatura do “n” fosse adotada. O terminal é o mesmo utilizado na letra c, do mesmo tamanho, porém saindo do arco de posições diferentes.

terminal do “r” encosta na haste do “n”

mesmo terminal com ângulos de ligamento diferentes

3.5 Anatomia dos tipos

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3.4.1.7 Formas diagonaisParticipam deste grupo o “v”, “w”, “y” e “x”. O v é a forma base para todas as letras deste grupo. O “w” é feito por dois “v” condensados e o “y” é feito do “v” acrescido de uma calda descendente. Tanto o “v” e o “w” são versões menores de suas correspondentes em caixa-alta, com as serifas que nas letras versais estão ausentes. O “y” possui um terminal para dar mais peso à linha fina de sua descendente e o “x” possui suas serifas em mesmo local em que se encontram as do “v”, porém os ângulos dos seus traços diferem.

3.4.1.8 Formas diagonais-aquadradadas Esta categoria é composta de apenas dois caracteres, o “k” e o “z”. O “k” possui uma haste em que saem um braço e uma perna com formas arredondas, conferindo graciosidade à sua forma. O terminal redondo no braço acrescenta peso ao traço fino e a serifa em gancho na perna segue o estilo adotado em toda a fonte. O “z” é uma versão menor de sua correspondente em CA, com serifa e terminal diferentes – o terminal é circular e a serifa é arredondada, dialogando com os remates circulares utilizados em toda a fonte em CB.

3. REALIZAÇÃO DA FONTE

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3.4.2 Caracteres alternativos – Clarice MistérioTodos os caracteres desta versão foram feitos em cima dos desenhos Clarice, retirando algumas partes de sua forma sem que a percepção da letra fosse prejudicada. Nesta versão o contraste é direcionador da criação. Através da observação da silhueta das letras, a omissão de suas partes foi pensada de modo a transparecer sempre uma forma continuada, sem interrupções. Cheios e vazios compõem esses caracteres alternativos de caráter expressivo, indicada para ser utilizada em corpos grandes – 20pt no mínimo em impressos e 30pt no meio digital – e de preferência em títulos ou palavras isoladas.

abcdefghijklm nopqrstuvwxyzabcdefghijklm nopqrstuvwxyz

3.5 Anatomia dos tipos

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3.4.3 Caixa-altaAs letras em caixa-alta podem ser divididas em cinco grupos com características similares, segundo Karen Cheng: formas redondas, formas redondas-aquadra-dadas, formas quadradas, formas diagonais e fomas diagonais-aquadradadas.

3.4.3.1 Formas RedondasAs letras que fazem parte desse grupo são: “O”, “Q”, “C”, “G” e “S”. A letra “O” possui eixo vertical e um contraste exagerado, a lateral esquerda tem relação de 6:1 de espessura com todo o resto. Seu olho é uma oval com sua parte superior leve-mente mais estreita que a inferior. Suas partes supe-rior e inferior ultrapassam as guias de altura “x”, para que ao lado de letras que possuem altura-x exata, possam dar a ilusão que são do mesmo tamanho.

O “Q” foi criado a partir do “O” com uma calda. A calda foi pensada de forma bem curvilínea, tanto em seu início quanto no final, e em tamanho reduzido, para não interferir muito nas letras adjacentes. Para aproveitar o espaço extenso do olho do “O”, a calda sai de seu lado esquerdo inferior, ultrapassando uma parte dele. Toda a calda possui a espessura de uma serifa e finaliza com um terminal circular pela ques-tão de peso a ser contrabalanceado.

O “C” é um corte do “O” com o acréscimo de um terminal circular e do levantamento da sua parte direita inferior para formar uma calda. O “G” vem da forma do “C” com a garganta adicionada (em que sua altura não ultrapassa o meio da letra, ajudando

na legibilidade) e um terminal circular maior para contrabalancear a espessura do arco e da haste.

O “S” é formado por duas elipses uma acima da outra, sendo a superior levemente mais estreita que a infe-rior. Para sair do padrão, a letra não possui serifa em baixo, e em cima, é finalizada pelo terminal circular.

relação de 6:1 de espessura do lado esquerdo com o direito

3. REALIZAÇÃO DA FONTE

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Q formado pelo O com acréscimo de uma calda

G feito através do C com adição de uma garganta e aumento do terminal

3.5 Anatomia dos tipos

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3.4.3.2 Formas Redondas-aquadradadasAs letras que compõem este grupo são “B”, “P”, “R”, “D”, “J” e “U”. O “B” foi criado com base na letra “D”, tendo sua metade inferior 58% da altura da versal. A metade superior é mais estreita que a infe-rior, estando em uma única espessura, enquanto a de baixo começa por um terminal circular e termina com um traço, tendo uma transição entre as duas formas muito sutil.

O “R” deriva da forma do “B”. Seu bojo é maior que o desta letra, possuindo 55% da altura da versal. Em relação ao “P”, seu bojo é menor por causa da perna, que preenche seu espaço inferior, tirando a neces-sidade do bojo maior. Sua perna possui uma largura um pouco menor que a haste e é finalizada com a serifa em gancho.

O “P” possui o maior bojo do grupo para ajudar a preencher o espaço vazia na parte inferior da letra e dar a sensação que é mais robusto.

A letra “D” é criada a partir do “E” e do “O”. A haste é a mesma do “E” e o “O” define sua curvatura, porém com alguns ajustes – seu olho é mais fechado para alcançar com mais suavidade a haste.

O “J” é feito com base na letra “I”. Sua haste é a mesma com uma parte inferior suprimida para fazer a ligação com a calda e terminal circular, que propor-ciona um equilíbrio em relação à haste e mantém o alto contraste relativo ao estilo didone.

A última versal da categoria, o “U”, possui largura similar ao “V” e sua sinuosidade é similar à parte inferior do “S”.

Cintura localizada em 58% da altura da versal

R derivado do P, com bojo menor por causa da perna

3. REALIZAÇÃO DA FONTE

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U possui largura do H e quase a mesma curvatura do S

3.5 Anatomia dos tipos

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3.4.3.3 Formas quadradasEste grupo é formado pelos caracteres “E”, “F”, “L”, “H”, “I” e “T”. A letra “E” é responsável por vários aspectos de uma fonte: sua proporção, centro visual, largura da haste e barras. O braço central é curto e está um pouco acima do centro matemático – ele será o mesmo a ser utilizado em todas as letras que possuem esta carac-terística. O “F” possui o mesmo desenho do “E” com seu braço inferior retirado. A letra “L” também tem seu desenho baseado no “E”, porém é mais estreita que esta letra e possui um terminal circular em seu braço. O “H” possui o braço do “L” como segunda haste de sua forma, com o terminal se encontrando na parte supe-rior e sua primeira haste tem é igual a do “L”. O caractere “I” é uma haste acrescida de serifas em seu topo e base e o “T” possui uma serifa apenas no lado direito da barra superior, provocando um desenho inesperado, remetendo a imprevisibilidade da obra da autora.

E e F possuem a mesma estrutura com braço central curto em formato de vírgula

I e T são formados pela mesma haste com barras de diferentes tamanhos

3. REALIZAÇÃO DA FONTE

L possui terminal identico ao H

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3.4.3.4 Formas DiagonaisOs caracteres que formas este grupo são o “V”, “A”, “W” e “X”. As letras “V” e “A” são basicamente as mesmas espelhadas, porém o “V” é mais largo que o “A”. A letra “A” possui a barra central do “E” e o “V” possui terminal circular na sua extremidade direita.

O “W” é composto por dois “V” condensados, tendo o primeiro uma parte omitida de sua extremidade direita. A letra “X” é formada por duas hastes diago-nais que se cruzam, uma com a espessura de serifa e outra com a de uma haste normal. Seu centro é vi-sual, se fosse considerado o centro matemático para o desenho, conferiria à parte superior muito peso. A base deste caractere também é mais larga que a parte superior (desconsiderando a serifa), um padrão de desenho desta letra.

X possui centro visual óptico e não matemático para garantir equilíbrio da forma

W formado por dois V condensados

3.5 Anatomia dos tipos

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3.4.3.5 Formas diagonais-aquadradadasOs caracteres “M”, “N”, “K”, “Z” e “Y” fazem parte deste grupo. O “M” é formado por um “V” com duas pernas de suporte e é considerado o caractere mais largo da família, mais do que o “O”. Sua haste direita possui uma serifa em sua base, dialogando com as outras versais que possuem uma serifa unilateral em seus desenhos. A letra “N” é uma letra simples, formada por duas hastes com uma diagonal que as une. Esta diagonal divide o espaço negativo em dois, sendo o superior menor que o inferior, caso contrário a letra pareceria desbalanceada.

triângulo superior

triângulo superior

Triângulo superior do “N” é menorque o triângulo inferior

3. REALIZAÇÃO DA FONTE

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M possui desenho do V acrescido com duas pernas

Z possui braço superior mais estreito que o inferior

O “K” possui uma junção dupla do braço com a haste e perna, o que garante um espaço negativo menor à direita da letra. O braço possui espessura fina e a perna é grossa para suportar o peso dele. A letra “Z” é formada por uma diagonal grossa ligada a duas horizontais finas, sendo a superior iniciada com uma serifa. A sua parte superior é mais condensada que a inferior pois a base mais larga estabiliza a letra. O “Y” é um “V” menor com uma haste vertical. O braço direito é finalizado por uma serifa que guia o olhar do leitor para a próxima letra.

3.5 Anatomia dos tipos

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3. REALIZAÇÃO DA FONTE

A tipografia se consolida através das palavras e as letras não podem ser analizadas separadamente. A har-monia entre os caracteres só pode ser percebida se palavras forem escritas, para que se possa observar se os desenhos dos tipos estão coerentes, se o kerning está bem empregado, como se comporta a tipografia em diferentes corpos de texto etc.

Com este pensamento, depois da tipografia ter sido gerada em otf, testes foram realizados com palavras referentes ao mundo clariciano. Ovo, galinha, noite, mistério: substantivos relativos às temáticas de Lispector foram escritos com a fonte Clarice e Clarice Mistério para observar como os caracteres se relacionavam entre si e como as palavras se diferenciavam das principais famílias da categoria didone: Bauer Bodoni e Didot.

Com estes testes foi possível observar que algumas letras tinham que ter um trabalho de kerning mais apura-do, considerando o espaço negativo formado entre elas.

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Letras de Clarice Mistério formando um título de sua obra. A observação das letras e a relação entre elas fica muito mais evidente na formação de palavras.

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3.6 Ajustes gerais

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CLARICE galinha ovo mistério

DIDOT

BAUER BODONI

galinha ovo mistério

galinha ovo mistério

Clarice em comparação com as fontes Didot e Bauer Bodoni.

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4. APLICAÇÕES

9Descrição feita por Philip B. Meggs em História do Design Gráfico, pp. 164-167.

As aplicações escolhidas para abrigarem a tipografia projetada são um cartaz/folder impresso e imagens com citações de obras de Clarice Lispector para figurarem em uma página do facebook. A escolha por estes materiais se deu pela abrangência de conteúdo relativa à escritora, o que além de proporcionar à fonte seu uso como interface de conteúdo referente à Lispector, um dos pro-pósitos da tipografia, também possibilita uma divulgação de material com fonte confiável, visto que muitos textos publicados na rede são atribuídos à autora erroneamente.

O design gráfico do projeto a ser aplicado no cartaz e nas imagens das citações foi baseado no estilo adotado por Giambattista Bodoni em seu Manual Tipográ-fico e no visual de Clarice Lispector.

O Manual de Bodoni rejeitou o trabalho decorativo presente no estilo roco-có, trazendo pureza e eficiência através de seu design arejado, com margens generosas e ausência de ornamentos. Os tipos foram trabalhados de maneira a serem vistos e apreciados – os títulos são grandes e o espacejamento entre letras e linhas é feito de modo a atingir uma harmonia no projeto como um todo. As cores presentes no manual são exclusivamente o branco, preto e vermelho – cores que conferem elegância ao projeto, um dos quatro ideais de design para Bodoni: distinção, bom gosto charme e regularidade.9

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Essas características são encontradas no design gráfico adotado para as aplicações impressa e digital. Os títulos e anos são bem valorizados através de seus corpos amplos e em cor vermelha, que confere des-taque ao elemento presente no cartaz. Os caracteres possuem evidência também por estarem presentes em textos breves e em corpos que possibilitam uma boa visualização de suas formas.

As imagens coletadas de Clarice Lispector demons-tram o estilo da autora, que sempre apresentava elegância e a paleta cromática adotada no projeto (branco/preto/vermelho). Clarice costumava se vestir com peças sofisticadas, dando destaque ao seu visual com algum elemento específico, como um batom vermelho aplicado aos lábios, um relógio mais visto-so ou um colar.

Essas características se relacionam com a proposta do projeto, que contemplam um visual sofisticado e com realce em pequenos detalhes. A cor vermelha, além de presente no vestuário da autora, também se encontra em sua obra literária. Muitas passagens possuem o vermelho como uma cor representante de mudança no rumo da história ou como intensi-ficador de personalidade do personagens. Em Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, Lóri transfere um pouco de sua intensidade de viver aos alunos, quando decide comprar para eles peças de roupas vermelhas:

“Não havia aprendizagem de coisa nova: era só a redescoberta. E chovia muito esse inverno. Então

usou a outra mesada do pai e procurou — com que prazer andava pelas lojas procurando até achar — e procurou e comprou para todos os alunos e alunas de sua classe, guarda-chuvas vermelhos e meias de lã vermelhas.

Era assim que ela afogueava o mundo.”

A cor também se encontra nas peças de roupa da personagem e em objetos pessoais, o que reflete seu destaque frente ao ordinário.

“Ela nem precisava pensar no que ia vestir, tanto já sabia: iria com a saia xadrez de lã e o suéter vermelho que também para si comprara, quando comprara o das crianças. De seu próprio guarda-chuva vermelho não ia precisar, já que Ulisses a apanharia à porta de casa. O que era uma pena. O seu guarda-chuva vermelho quando aberto parecia um pássaro escarlate de asas transparentes abertas. Então resolveu que sairia de casa quinze minutos antes da uma, para esperá-lo de guarda-chuva vermelho aberto.

E assim encontrou-a ele e olhou-a com admiração: ela estava extravagante e bela.”

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4. APLICAÇÕES

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5. METODOLOGIA

Oprojeto se baseou em uma bibliografia constituída por textos de autoria de Clarice Lispector, sobre esta autora e acerca do design tipográfico. Quanto à Clarice, a bibliografia estudada contém livros de sua autoria e livros escritos por críticos e estudiosos literários referentes à sua obra e vida. O começo da leitura se deu sobre Clarice enquanto pessoa, através de sua biografia (Ben-jamin Moser) e fotobiografia (Nádia Gotlib). Os livros ajudaram a entender aspectos de sua personalidade e história, os quais foram influenciadores rele-vantes para sua obra, dado que a mesma era muito autobiográfica. Segundo Benjamin Moser, Clarice tinha o costume de narrar fatos por ela vivenciados e suas indagações, desejos e inquietações através de seus personagens, e isso tornou-se muito evidente depois dessas leituras em concomitância com seus romances e contos. Em Clarice, (biografia), Benjamin afirma:

“O retrato mais completo dessa menina esperta e endiabrada pode ser en-contrado em seu primeiro romance, Perto do coração selvagem, que publicou aos 23 anos. Como muitas das criaturas ficcionais de Clarice, a personagem principal, Joana, guarda uma notável semelhança com sua criadora: as mes-mas circunstâncias familiares, a mesma personalidade obstinada, a mesma resistência às convenções.” (p. 91)

Os livros de autoria de Clarice foram escolhidos a partir do modo como a sua literatura provoca imagens e sensações ao leitor, havendo a preocupação de misturar romances e contos, já que esses dois gêneros possuem diferenças de abordagem temática e de caracterização de personagens – uma maneira de se observar em aspecto mais amplo possível as qualidades de suas obras literárias.

Clarice Lispector Figuras da Escrita foi de suma importância para a feitura deste projeto final de graduação. O livro, escrito por Carlos Mendes de Sousa, faz uma análise da obra de Lispector e aborda as temáticas e suas aparições de forma aprofundada e organizada. O livro abrange todo tipo de escrito vindo dela: romances, contos, crônicas, cartas e entrevistas, fornecendo além do amplo conteúdo, uma interpretação baseada em teoria filosófica e psicanalíti-ca. Pode-se dizer que foi o livro de maior importância para a realização deste

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Clarice Lispector: Figuras da Escrita, de Carlos Mendes de Sousa, publicado pelo Instituto Moreira Salles em 2011.

5.1 Pesquisa bibliográfica

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grafia Clarice. Os textos ajudaram a fundamentar o porquê da adoção do partido contrário a este, que na tipografia em questão não favoreceria um resultado surpreendente e rico em expressão.

projeto, sendo essencial em todas as abordagens e transfigurações das características estudadas para o desenho de tipos.

Quanto ao design, os livros selecionados abordam sobre tipografia, história do design gráfico e ensaios sobre esta disciplina. Os livros estudados sobre tipografia revelaram teorias e métodos para a criação de tipos, oferecendo foco em anatomia das letras, nomenclatura e o processo de construção das mes-mas através de padrões e de características essenciais para reconhecimento da forma.

O livro História do Design Gráfico possibilitou a visão de um panorama de criação tipográfica desde Gutemberg. Ter o conhecimento sobre a produção tipográfica histórica possibilitou conhecer qual pen-samento guiava os tipógrafos, especialmente os dos séculos XVIII e XIX, períodos nos quais se teve uma criação extensa no estilo didone.

Os ensaios lidos sobre indagações a respeito do de-sign gráfico foram importantes para o estabelecimen-to de um caminho a nortear a feitura do projeto. Os textos abordavam muito o debate sobre a tipografia invisível x visível, tornando-se eficazes para a cons-trução de uma reflexão sobre a tipografia expressio-nista, partido escolhido para a elaboração da Clarice Mistério, que objetiva não passar despercebida pelo leitor e carregar características da obra clariciana. A ideia do tipo invisível defendida, por exemplo, por Beatrice Warde em A Taça de Cristal ou A Impressão deve ser invisível, é completamente rejeitada na tipo-

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5. METODOLOGIA

Após as leituras dos conteúdos acima comentados, a reunião de informações e citações começou a ser realizada. A primeira etapa foi selecionar quais características da obra da autora seriam as mais proveitosas para o projeto. Fez-se uma seleção das temáticas mais plásticas e que se relacionavam bem com o estilo moderno adotado para a família tipográfica. Após esta escolha, os temas foram agrupados de acordo com a relação que possuem entre si, re-sultando em quatro grupos: neutro, fragmentos e detalhes, forma e contraste.

Tendo os grupos definidos, as citações começaram a ser distribuídas segun-do as características que descrevem cada categoria. Elas foram retiradas das próprias obras de Clarice Lispector e do livro de Carlos Mendes de Sousa. Uma parte das citações também foi separada para ter presença no cartaz e nas imagens que fazem divulgação de trechos da obra da autora, seguindo o critério pessoal de identificação com o material.

Também para o cartaz, partes da cronologia da escritora (presente no site da revista Veja) foi transcrita no cartaz. Informações biográficas e imagens do livro Clarice – Fotobiografia foram utilizadas para as citações, muitas delas vindas de cartas trocadas com suas irmãs e com escritores, amigos pessoais de Clarice.

Pesquisa imagética de fontes didone contemporâneas e de referências visuais para aplicações

A pesquisa do cenário atual tipográfico restrito ao estilo didone se deu através de portfólios online e de sites de busca por imagem. O behance e pinterest foram os mais utilizados na busca por referências visuais. O behance possui um domínio relacionado apenas a trabalhos de tipografia (http://www.typo-graphyserved.com) e o site possibilita a pesquisa por palavras-chave, facilitando a visualização do conteúdo desejado referente ao estilo moderno adotado. O pinterest é uma rede social de compartilhamento de imagens. O site permite a criação de álbuns separados por temas, o que facilitou a pesquisa por produção tipográfica e editorial através de álbuns de usuários e a organização do conteúdo achado em um perfil.

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5.2 Coletánea de dados

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Pesquisa de fontes didone na rede social Pinterest.

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Experimentações para o desenho da letra “d” em caixa-baixa. Desenhos feitos em papel vegetal.

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5. METODOLOGIA

Os desenhos da tipografia Clarice começaram através de esboços em papel vegetal. A princípio, a maneira como se deu o desenho foi bem experimental: as ideias que iam surgindo eram colocadas no papel, sem analisar muito se seriam funcionais ou se cabiam ao estilo desejado. A ideia foi soltar a mão e deixar que as formas viessem as mais espontâneas possíveis. Cada letra era desenhada várias vezes, formando desenhos similares com pequenas alterações.

A imagem do ovo já estava determinada a entrar na fonte desde o início do projeto e seu desenho surgiu em um primeiro momento em ângulo oblíquo, acompanhando as serifas que também eram inclinadas em mesmo ângulo. O resultado obtido não foi satisfatório, visto que essa obliquidade tirou o eixo ver-tical que a fonte deveria ter devido ao estilo didone e também à ondulação que causou (devido às serifas) nas imagens produzidas pelas palavras. Essas serifas inclinadas produziram um efeito de “zig-zag” nas palavras e isso foi prejudicial tanto esteticamente quanto funcionalmente em relação ao incômodo que poderia causar ao leitor.

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5.3 Desenho da fonte

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Caractere “o” desenhado primeiramente com o ovo (olho) inclinado e com forma muito contrastante e letra “i” com serifas inclinadas.

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Outro elemento pensado e descartado foi a espiral adotada como terminal circular em alguns caracteres. Ela foi raciocinada como um modo de fugir do cír-culo comum, já que este é previsível no desenho de uma didone, porém não se relacionou com o dese-nho dos outros caracteres, que eram mais moderados e também porque a espiral conferia certa infantilida-de à fonte. Portanto, o elemento foi descartado.

Caractere “c” com terminal em espiral

O ovo, neste momento já no eixo vertical, tinha sua for-ma um pouco contrastante na parte superior em relação com a inferior, formando um ângulo fechado demais. Para suavizar a forma do ovo e a tornar mais natural, a mesma foi alargada e o olho assim deixou de ser incô-modo ao ser visto. O ovo sempre aparece nos bojos e olhos dos caracteres, inscrito em formas circulares.

As serifas, antes inclinadas, passaram a ser retas ou verticais em forma de arco. Estas formas fazem refe-rência direta às letras itálicas, nas quais as termina-ções são arqueadas e as serifas que iniciam as letras horizontais. O oblíquo se tornou então presente através destes detalhes, que não possuem a forma oblíqua aparente, mas fazem menção a ela pela pre-sença destas formas que pertencem ao itálico.

Com o desenho de Clarice concluído, as letras de Clarice Mistério começaram a ser esboçadas. A ideia da continuidade e de cheios e vazios foi um caminho adotado e que se mostrou muito interessante à fonte, visto que o contraste, temática tão presente na literatura da escritora, se tornou ainda mais evidenciado. A omissão de seções das letras também corroborou para o mistério, à forma parcialmente velada, àquilo que não é completamen-te exposto, visão adotada pela escritora em muitos períodos.

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5. METODOLOGIA

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Desenhos referentes à versão Clarice Mistério.

5.3 Desenho da fonte

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Estudos referentes aos caracteres “w” e “g” da Clarice Mistério.

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A partir do momento em que as letras foram finalizadas pelo desenho em grafite, as mesmas foram vetoriza-das no software Illustrator, tendo sua forma refinada e padronizada (altura-x, larguras, espessuras etc). Após a conclusão dos vetores, os mesmos foram enviados para o fontlab, software de criação de tipos, para que pudessem ser gerados em opentype.

5. METODOLOGIA

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A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z

a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z

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CAIXA-ALTA

CAIXA-BAIXA

5.3 Desenho da fonte

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0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 ¹ ² ³ ¼ ½ ¾

á à â ã ä å ç é è ê ë í ì ï ñ ó ò ô õ ö š ú ù û ü ý ÿ ž

5. METODOLOGIA

NUMERAIS

ACENTOS - CAIXA-BAIXA

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Á À Â Ä Ã Å Ç É È Ê Ë Í Ì Î Ï Ñ Ó Ò Ô Ö Õ Ú Ù Û Ü Ý Ÿ Ž

a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z á à â

ACENTOS - CAIXA-ALTA

CARACTERES ALTERNATIVOS

5.3 Desenho da fonte

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SINAIS, SÍMBOLOS E LIGATURAS

5. METODOLOGIA

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5.3 Desenho da fonte

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6. CONCLUSÃO

Nesta etapa final do desenvolvimento, acreditamos que o projeto obteve um resultado coerente com a proposta de uma fonte com inspiração na obra de Clarice Lispector. O desenho do tipo foi fundamentado, tendo esta mono-grafia as explicações das ideias e execuções que propiciaram o término da tipografia e suas aplicações. Todas as ideias que guiaram este trabalho de conclusão de curso possuem embasamento na bibliografia citada no final deste escrito, que possibilitou o estudo e aprofundamento do mundo clari-ciano e do design tipográfico.

O projeto foi integralmente documentado, possuindo todos os processos realizados desde a concepção do conceito à elaboração de desenhos e finalização dos mesmos. Essas documentações do processo podem servir como uma breve orientação para iniciantes em design de tipos. Os procedi-mentos relatados mostram também que o projeto foi idealizado e executado com coerência, mantendo o resultado prático alinhado à teoria de design de tipografia e às características desejáveis quanto à obra de Lispector.

As características da obra da autora foram organizadas e agrupadas, sendo interpretadas no desenho da fonte. O resultado possui influência nesses atributos, sendo alguns de fácil observação e outros nem tanto pela apresen-tação mais velada, já que a obra de Clarice muitas vezes deixava aspectos insinuados, não totalmente expostos. Mesmo com essas propriedades não expostas explicitamente, o conjunto transmite o conteúdo desejado.

A fonte possui uma anatomia diferenciada nos caracteres alternativos em caixa-baixa, presentes como letras regulares na versão Clarice Mistério. Estes caracteres possuem um desenho mais intrigante e incomum, possuindo uma forma mais criativa e expressiva em relação a aos caracteres de Clarice. Eles são indicados para usos em corpos maiores que 20pt quando aplicados em impressos e 30 pt em arquivos digitais, para ter uma melhor leitura e visu-alização das letras. Seu uso não é indicado em textos longos ou em corpos pequenos, pois sua anatomia mistura linhas e formas preenchidas, sendo a leitura mais fácil em corpos grandes.

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As características da obra da autora foram organiza-das e agrupadas, sendo interpretadas no desenho da fonte. O resultado possui influência nesses atributos, sendo alguns de fácil observação e outros nem tanto pela apresentação mais velada, já que a obra de Clarice muitas vezes deixava aspectos insinuados, não totalmente expostos.

Apesar de Clarice e Clerice Mistério surgirem de uma inspiração provocada pelo universo de Clarice Lispector, seu uso pode ser estendido a textos de naureza diversa. As fontes, criadas como uma ponte entre o universo formal da tipografia e as sensações presentes nos textos da escritora, provocam interesse também por sua forma não usual, podendo ser apro-priadas para soluções gráficas em se deseje transmitir elegância, feminilidade e mistério, estando relaciona-das ou não à Clarice.

Percebeu-se também que é possível um desdobra-mento das fontes, contendo pesos variados de uma mesma família, como bold, semibold, itálico, negri-to etc. O período de um semestre para a elaboração do projeto se mostrou curto para a criação de uma família tipográfica completa, porém o caminho de criação da tipografia em vários pesos é viável pela categoria em que as fontes se inserem.

Uma metodologia sobre criação de tipos com base em interpretações de expressões artísticas (litera-tura, música, artes plásticas etc) também seria um desdobramento possível desta monografia. Por mais que neste projeto, os tipos estejam ligados somente à literatura, o processo de coletânea de dados, estudos e construção de relações poderia ser utilizado em relação a qualquer campo artístico, servindo como guia para outras pessoas que desejem criar um traba-lho interpretativo em que relacione design e arte.

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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIERUT, Michael, HELFAND, Jessica, HELLER, Steven e POYNOR, Rick. Textos Clássicos do Design Gráfico. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.BOMENY, Maria Helena Werneck. Os Manuais de Desenho da Escrita. São Paulo: Ateliê Editorial, 2010.BRINGHURST, Robert. Elementos do Estilo Tipográfico. São Paulo: Cosac Naify, 2005.CHENG, Karen. Designing Type. New Haven: Yale University Press, 2005.CLAIR, Kate e BUSIC-SNYDER, Cynthia. Manual de Tipografia: a história, as técnicas e a arte. Porto Alegre: Bookman, 2009.DESIGN MUSEUM. Como criar em Tipografia. Tradução Elisa Nazarian. -- Belo Horizonte: Editora Gutenberg, 2011.GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Record, 2004.GOTLIB, Nádia Battella. Clarice Fotobiografia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.HARRIS, David. A Arte da Caligrafia: um guia prático, histórico e técnico. São Paulo: Ambientes & Costumes Editora Ltda., 2009.HELLER, Steven and TALARICO, Lita. Typography Sketchbooks. New York: Princeton Architectural Press, 2011.LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.LISPECTOR, Clarice. Organização de Teresa Montero. Clarice na Cabeceira. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.LISPECTOR, Clarice. Perto do Coração Selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.LUPTON, Ellen. Pensar com tipos: guia para designers, escritores, editores e estudantes. São Paulo: Cosac Naify, 2006.MEGGS, Philip B. História do design gráfico. São Paulo: Cosac Naify, 2009.MOSER, Benjamin. Clarice, uma biografia. São Paulo: Cosac Naify, 2009.NUNES, Benedito. A narração desarvorada. In: Cadernos de Literatura Brasileira, n. 17 /18. São Paulo: Instituto Moreira Sales, 2004, p. 292-301.SAMARA, Timothy. GRID: Construção e Desconstrução. São Paulo: Cosac Naify, 2007.SOUSA, Carlos Mendes de. Clarice Lispector: Figuras da Escrita. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2011.http://vejabrasil.abril.com.br/especial/rio-de-janeiro/clarice-lispector/index.html

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