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Além da cidade: história, etnografia, urbanismo e comunicação Clara Luiza Miranda 1 A formação material e imaterial da esfera pública global conduz a reavaliação da cidade como produto da manufatura. A logística e as tecnologias da informação e da comunicação permitem processos de intervenção territorial, que extrapolam o espaço físico tangível. Estas promovem diversas situações de reconhecimento e de abordagem. A análise dos conseqüentes impactos espaciais-temporais e dos dados macro-sociais duros, que descorporificam os lugares, conduz a investigação e a descrição de dispositivos sócio-culturais locais de ação e reação em tais processos. Além da adesão ao viés de pesquisa etnográfico, são solicitados novos paradigmas que compreendam as mediações simbólicas e sociais da metapolis. A comunicação se alia às disciplinas que estudam a cidade, a fim de examinar criticamente a complexidade relacional entre as novas tecnologias e os tecidos sociais e urbanos. Palavras-chave: Cidade . Metapolis . Interdisciplinaridade Abstratct The material and immaterial formation of the global public sphere drives the revaluation of the city as product of the manufacture. The logistics and the technologies of the information and of the communication they allow processes of territorial intervention, that extrapolate the tangible 1 Programas de Pós Graduação em Artes e Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal do Espírito Santo. Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUCSP

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Alm da cidade: histria, etnografia, urbanismo e comunicao

Alm da cidade: histria, etnografia, urbanismo e comunicaoClara Luiza Miranda

A formao material e imaterial da esfera pblica global conduz a reavaliao da cidade como produto da manufatura. A logstica e as tecnologias da informao e da comunicao permitem processos de interveno territorial, que extrapolam o espao fsico tangvel. Estas promovem diversas situaes de reconhecimento e de abordagem. A anlise dos conseqentes impactos espaciais-temporais e dos dados macro-sociais duros, que descorporificam os lugares, conduz a investigao e a descrio de dispositivos scio-culturais locais de ao e reao em tais processos. Alm da adeso ao vis de pesquisa etnogrfico, so solicitados novos paradigmas que compreendam as mediaes simblicas e sociais da metapolis. A comunicao se alia s disciplinas que estudam a cidade, a fim de examinar criticamente a complexidade relacional entre as novas tecnologias e os tecidos sociais e urbanos.

Palavras-chave: Cidade . Metapolis . Interdisciplinaridade

Abstratct

The material and immaterial formation of the global public sphere drives the revaluation of the city as product of the manufacture. The logistics and the technologies of the information and of the communication they allow processes of territorial intervention, that extrapolate the tangible physical space. These promote several recognition situations and of approach. The analysis of the consequent impacts space-storms and of the hard macro-social data, that dematerialize the places, it drives the investigation and the description of devices partner-cultural action places and reaction in such processes. Besides the adhesion diagonally of research etnographic, they are requested new paradigms to understand the symbolic and social mediations of the metapolis. The communication forms an alliance with the disciplines that study the city, in order to examine the complexity relational critically between the new technologies and the social and urban fabrics.

Da cidade ao territrio, do limite ao longeOnde estamos ns? (...) Que, se os planos e desenhos regulavam os nossos lugares habituais, as nossas redes os prolongam sem qualquer limite? Michel Serres, 1994.

Com o advento da sociedade da informao, a cidade moderna de morfologia compacta e desenho urbanstico catalogado no vocabulrio acadmico e tcnico, est sendo substituda por situaes territoriais urbanas novas e cada vez mais complexas. Estas resultam de dinmicas produtivas e comunicativas, que intensificam a eficcia do agenciamento do controle apartado fisicamente na cidade, de modo que os problemas urbanos ultrapassam aos da localizao, tendo em vista as incidncias locais de problemas transitrios e globais. A separao entre o controle social da produo e os contextos locais se d mediante novas formas de desterritorializao e de extra-localidalidade, por meio de abstraes que fundamentam as relaes sociais, com seus signos desterritorializados e novos dispositivos scio-tcnicos. Estes mecanismos asseguram as conquistas de mercado por tomada de controle, suplantando a colonizao ou o domnio territorial estrito.A distncia no o meio predominante de ordenao do mundo global, em face conquista do espao com o tempo, visando facilitar as comunicaes e superar as restries de espao (GRAHAN, 1996). Os mecanismos que proporcionam tais operaes so: o aumento da mobilidade, o tempo real, a ubiqidade e a co-presena ou glocalizao, com os quais a distncia reduzida ao mnimo ou abolida. Estes efetuam uma compresso espao-tempo que corrobora na superao das restries fsico-espaciais e geogrficos. A distncia como um problema de organizao social neste contexto, corresponde a maximizao das condies de interaes entre cidades atravs das redes mundiais.

Pierre Veltz (2000) e Ignacio Ramonet (1999) levantaram a hiptese de que com a economia globalizada advm um arquiplago mundial que concentra as principais potencialidades tecnolgicas mundiais, a potncia financeira, o poder simblico e da mdia. A cartografia do arquiplago reala a concreta ciso entre cidades e sua hinterlndia ou mesmo intracidade, implementando a seleo e a incluso diferenciada nos processos de territorializao de riqueza ou mesmo na hierarquia entre coordenao e operao nas cadeias produtivas. A configurao territorial do arquiplago descontnua, articulada em escalas intermitentes, materializada por espaos de acessibilidade controlada, que transformam a extraterritorialidade global em isolamento corpreo em relao localidade daqueles que necessitam de encaixe territorial.

A idia do arquiplago um pouco diversa, mas no totalmente controversa, da definio de metpolis (conceito de Franois Ascher), que se baseia no princpio comunicacional relacional regente do mundo contemporneo, que produz um novo tipo de territorialidade geourbana, com alto grau de complexidade e diversidade infra-estrutural e cognitiva, disseminando uma natureza mltipla de acontecimentos e espaos interrelacionados. A metpolis um territrio urbano que ultrapassa a estrutura tradicional da cidade, mediante o processamento e a combinao de informaes simultneas (tanto localizadas quanto deslocadas no espao). um territrio produzido por meio de superposies e interaes entre cidades e espaos urbanos. Este aspecto relacional configura um territrio multimdia, pois, se recorrem a multimeios como forma de comunicao, informao e formao. Nestes territrios, os lugares desdobram-se em espaos de diferentes naturezas.

A metpolis converte-se em um hiperterritrio onde no h mais um fora para circunscrever lugares (HARDT, 2000), uma vez que, todo o planeta est sob a jurisdio do mercado, da regulamentao externa, dos circuitos de segurana telemticos. Os processos de gerao de subjetividade manifestos em comunicao com outros processos ticos e estticos tambm contribuem para embaralhar os limites entre interior e exterior e entre pblico e privado.Em todo caso, as formas de cidade densa, espraiada e a urbanizao extensiva do campo so submetidas ao descentramento ou ao policentrismo e fragmentao territorial, desordenando limites territoriais, e, sobretudo, o sentido da distino entre centro e periferia, que se torna produtiva. Por causa da interao entre produo e comunicao mesmo a periferia no possui apenas a funo de fonte de recursos. H uma hierarquia na posio dos lugares nas cadeias produtivas globalizadas, que concerne ao nvel de desenvolvimento de suas matrizes organizacionais, tcnicas e sociais, mas lugares de consumo, da circulao e de produo esto relacionados em rede mundial. A intensificao dos fluxos da matria-energia, da populao, da alimentao e do urbano gera descodificaes que tendem a escapar para a periferia, acarretando um descolamento do centro com suas ilhas de prosperidade, formando espaos intersticiais nas cidades, desenvolvendo desequilbrio das capacidades de uso e/ou de significao. Isso pode suceder tanto nas metrpoles, em pequenas cidades quanto nos subrbios.

A indistino de limites interior-exterior e centro-periferia expressa que a inexistncia de um fora na circunscrio dos lugares submete as implicaes fsicas dos lugares multiplicidade de espaos virtuais. A indeterminao e a multiplicao concomitantes de espaos desestruturam a estrutura urbana e desreferencializam os processos de sociabilidade Na impossibilidade de circunscrio, o territrio urbano esfacelado, corrompido. Onde no h a arquitetura da centralidade, estruturando os cores, surgem as dificuldades de nomear as coisas, a confuso de nomes, arruinando a semntica, e ainda, concorrendo para ampliar as dificuldades sintticas do urbanismo na interveno do espao. Por isso, a necessidade de construo de conceitos no apenas uma operao epstemolgica, mas igualmente um projeto ontolgico, pois, uma atividade que combina inteligncia, comunicao e operacionalidade (NEGRI & HARDT, 2002). Registram-se, todavia, a criao indiscriminada de inmeros neologismos para batizar os espaos emergentes da produo flexvel, s vezes situao e palavra no se correspondem, outras vezes a situaes semelhantes so atribudas designaes diversas. Entre esses neologismos esto os termos: metpolis, hiperterritrio, cidade difusa, cidade espraiada, urbanizao extensiva, exurbia, rurubia. O gegrafo Joan Vicente Ruf (2003) diz que entender e relacionar estes neologismos pode aclarar a ocorrncia dessas situaes, inclusive, conhecer melhor os novos territrios e tambm os velhos. Ruf confirma que o ps-fordismo (produo flexvel) est na base da crise, da renovao das formas urbanas e das relaes scio-espaciais. As novas designaes dos territrios emergentes pressupem o desaparecimento de modelos de urbanizao preexistentes, o esvaziamento do espao pblico, a diversidade de estticas e a irrupo da fico, mas, na verdade, configuram estruturas urbanas e sociabilidades diferentes, desmanchando, vampirizando, assumindo ou enterrando as cidades tradicionais, diz Rufi.No estgio inicial da globalizao e com o esgotamento do urbanismo moderno foi incentivada uma terapia da recordao com o resgate de modelos culturais urbanos pr-modernos, a difuso de programas de reconstruo da comunidade como unidade social local. Determinados discursos sobre a memria e a histria, por um perodo, ocuparam o lugar das utopias renegadas tanto como projeo do futuro quanto como modelos utpicos histricos formais. A definio da globalizao e o amortecimento do debate entre moderno e ps-moderno apontaram outros lugares de realizao histrica que se colocam como tendncias e alternativas no consolidadas. Neste momento, devido incertezas dos sistemas, impactos das temporalidades urgentes, transitrias e fugazes e necessidade de adequao a situaes em constante transformao instituram-se dinmicas produtivas e comunicativas, que prescindem do planejamento, substitudo pela programao. Isso implica em recurso a modelos precrios ou dinmicos que no colocam a durao ou permanncia como metas, o contexto fsico e histrico pode ser eventualmente desconsiderado. Por outro lado, os graves problemas da sustentabilidade das decises de interveno implicam na coerncia das aes e na considerao de um tempo mais dilatado e cclico. A tcnica urbanstica, respondendo as dinmicas scio-econmicas e culturais, se colocou continuamente como um permanente campo experimental. Por isso, sempre em qualquer medida do tempo que se queira considerar, parece ser sempre imprescindvel a continua reformulao dos mecanismos de planejamento urbanstico, como diz Pedro Silva (2001).

Novas situaes de reconhecimento e de abordagemA perplexidade dos arquitetos diante do quadro da unidade perdida das cidades tradicionais, assenta-se no fato de que qualquer tentativa de reunificao parece anti-histrica, tal como ponderou Marina Waisman. Se a crise da cidade tradicional uma conseqncia fsica da fragmentao social e econmica, certamente, no vai ser com a pureza formal que [se pode] reverter essa tendncia, visando reunificao fsica da cidade (WAISMAN, 1995). H quem comemore a nova situao da liberao dos modelos tradicionais e da camisa de fora da identidade o caso do arquiteto Rem Koolhaas (2004). Franoise Choay (1996), por sua vez, diz que se deve admitir sem sentimentalismo o desaparecimento da cidade tradicional, e, alm disso, interrogar-se sobre a no-cidade e sobre a natureza da urbanizao das sociedades avanadas.

Segundo Frederic Jameson (2001), a globalizao um conceito comunicacional, que alternadamente mascara e transmite significados culturais e econmicos. Jameson adverte que sempre possvel encontrar outras dimenses tais como o conceito de uma nova cultura mundial, atravs do postulado da ampliao das redes; e o econmico, ligado a viabilizao da produo flexvel pelas novas tecnologias da informao e da comunicao.

A padronizao de mercados que acontece em paralelo ao aumento da explorao das diferenas dos locais mostra que a globalizao carrega contedos ambguos, que se enredam nos torvelinhos das novas formas de rotao da informao.

A compreenso das tendncias da globalizao solicita o enfrentamento dos nmeros e outros dados duros, macro-sociais que descorporificam os lugares no mapa, por isso mesmo, implica, em contrapartida, na investigao das descries scio-culturais, que captam processos especficos do lugar e as possibilidades de ao em tais processos (CANCLINI, 2003).

O novo espao pblico global imaterial e virtual solicita a reavaliao da cidade e da arquitetura, como produto da manufatura, com seu decorrente impacto slido, visual, ttil de realidade, do qual provm o sentido da objetividade do mundo, como parte da condio humana de acordo com a definio de Hannah Arendt (1995). As novas tecnologias da informao e da comunicao e a logstica, permitem processos complexos de interveno territorial, que no se restringem mais apenas ao espao fsico fixos. As condies globais esto progressivamente hbridas e multifacetadas, superpem flutuaes e mutaes, acumulando camadas (extratos) de realidade e de informaes. Estas possibilidades se chocam com a condio de objeto da manufatura, compreendido como localizao e posio sensvel. As conseqncias urbanas de tais processos sintetizam diversas situaes de reconhecimento e de abordagem.As informaes que circulam em bytes sobrepem-se antiga rede fsica industrial, suporte do movimento e da comunicao do urbanismo moderno e ps-moderno. Mesmo assim, a formao das redes das novas tecnologias da informao e da comunicao, reproduz-se principalmente atravs de centros locais e regionais, que so os motores das conexes e da interdependncia do sistema inteiro. Os espaos intensivos da superposio das redes infra-estruturais e das capacitaes ocorrem nas cidades, sobretudo nas cidades mundiais. Por sua vez, a produo flexvel estendida inclui a circulao, portos, aeroportos, depsitos de produtos, campos de operao urbanos, suburbanos e rurais. As redes estendem-se por zonas cada vez mais remotas, alm da estrutura metropolitana que domina a cena contempornea. Por isso, a histrica oposio entre cidade e campo tem sido colocada em cheque pela urbanizao extensiva, que diz respeito no apenas pela converso do espao rural em espao da produo flexvel, como tambm pelo alcance das altas tecnologias de controle do agro-negcio. Estas tecnologias rompem com as caractersticas definidoras da atividade industrial, comrcio e de servios.

A globalizao, que produz foras simultaneamente dispersas e concentradas, produz mecanismos de regulao e de coordenao dessa diversidade. A organizao espacial resultante depende menos da distncia do que da estratgia de coordenao e de manobra (logstica), a finalidade dominar o espao de qualquer ponto. No necessrio controlar estritamente o espao pelo qual se visa propagao e deslocamento.

Apesar da prioridade dos vetores reticulados mveis que interconectam as localidades ou regies, estas no so prescindveis na globalizao. Os espaos dos fluxos e os espaos dos lugares no so excludentes, operam simultaneamente para produzir situaes espaciais e sociais complexas.

Entre as fontes dos recursos e os locais do consumo, unidos pela ubiqidade do mercado, aparecem espaos liminares, que se constrem como cidades de passagem ou pontes. Estas se constituem dispositivos que interligam fisicamente ou logicamente em rede os vrios sistemas ou partes de um sistema. Estes lugares funcionam como zonas de encontro entre elementos globais e locais, espaos de negociao, de coexistncia e de transformao. Em oposio caracterstica espectral da cidade contempornea e de seus habitantes, caracterizada por Paul Virilio, os locais que se colocam como zonas de liminaridade, so potencialmente regies livres e experimentais da cultura, nas quais se podem introduzir novos elementos e novas regras combinatrias e de atuao. A essncia a sua multidimensionalidade e a polifonia de seus smbolos (Turner apud Lie, 2002). H, alm destes, os locais desterritorializados chamados de espaos intersticiais ou residuais, a parte dos fluxos densos comunicacionais. Milton Santos diz que a fora dos pobres seu tempo lento. Para Antonio Negri a pobreza no to somente misria, mas, o desejo, a busca de inmeras coisas. A abertura ao possvel, a mestiagem, a migrao, a navegao modificam o mundo. Por isso, se considera o nomadismo e a miscigenao figuras de virtude e as primeiras prticas ticas globais (NEGRI & HARDT, 2002).Como os espaos so criados por prticas sociais, possvel a identificao dos seus agenciamentos. Expresses de arquiteturas reticulares assimtricas os lugares dependem da posio relativa s redes mundiais, ligadas s segmentaes e hierarquias de poder. No h garantias de que o espao de fluxos permita a livre circulao, multiplicam-se senhas e protocolos de acesso nas redes informacionais. Deste modo, justifica-se a importncia de entender como se modula o global nas localidades, especialmente nas zonas de liminaridade, nos espaos de multiculturalidade das cidades e at mesmo na segmentao de pblicos miditicos. Como chegar globalizao significa, para a maioria, aumentar o intercmbio com os outros mais ou menos prximos, ela serve para aumentar nossa compreenso sobre suas vidas (CANCLINI, 2003).

Para poder reconhecer as diversas camadas que configuram o territrio cultural, preciso uma adequada imerso nos mbitos dos discursos, das subjetividades coletivas que compartilham espaos de contato e significao. Clifford Geertz (1978) salienta que o papel da etnografia, como uma prtica antropolgica de campo, que se torna relevante no levantamento, na seleo de informaes e no mapeamento de campos. O etngrafo um especialista na interpretao de fenmenos culturais, capaz de traduzir a complexidade da cultura e de reconhecer seus traos mais importantes, seus focos e ns de densidade.

A tarefa do etngrafo comea pelo reconhecimento de que no so as relaes econmicas da produo que determinam as transformaes urbanas, e principalmente, na considerao da alteridade (COSTA, 1998). O etngrafo maneja prticas e mtodos de anlise que apreendem teias de significao que se estabelecem sob comunicaes simblicas, sob a lgica do senso comum e do verossmil. Aspectos do comportamento, formas de ocupao e apropriao do espao tornam-se material para a anlise da cultura que envolve determinado objeto. Na verdade, o material apresenta-se como um meio para interpretar a cultura, sendo preciso ver atravs dele. As tcnicas de estudo etnogrficas tem sido um recurso de abordagem da cidade e da arte, manifestaes constituintes da cultura. Xavier Costa (1998) aproxima a etnografia do campo da arquitetura e urbanismo, propondo que o arquiteto etngrafo desapegue-se dos programas ideolgicos modernos ou ps-modernos, de seus impulsos colonialistas e de seu confinamento do escritrio, apresentando-se disposto para interpretar a complexidade cultural contempornea como fenmeno sem precedentes. No campo da arte, a etnografia tomada como paradigma de refletividade formal de um autoconsciente leitor da cultura, entendida como texto no qual a projeo tanto textualista quanto esteticista. Hal Foster (1996) menciona que entre as atraes que o mtodo etnogrfico oferece aos artistas, destacam-se sua reputao de cincia da alteridade; ter a cultura como objeto este considerado campo de referncia ampliado de diversas foras do chamado ps-modernismo; considerada contextual compartilhada entre muitas prticas e pensada interdisplinarmente. A etnografia penetra no campo da arte atravs da compluso pelos mapeamentos dos artistas conceituais e performticos e sua explorao das condies espaciais de percepo e do corpo como sede dos sentidos.Aqui os estudos da fenomenologia e do ps-estruturalismo, mesmo antitticos, ao criticarem as limitaes dos mtodos restritos percepo visual indicam alternativas de se pensar e expressar o contato corpreo imediato e renovado com o mundo e seus afetos.

Este estudo aborda a infra-estrutura territorial e a comunicao social como sistemas afins, e entende que a comunicao est entre as disciplinas que estudam a cidade, assim como outras escalas territoriais, tais como a geografia, sociologia, histria e urbanismo (MOMPART, 1998). Pois, as situaes urbanas contemporneas, sobretudo as impactadas pela globalizao, devem ser desdobradas em tramas multidimensionais. Os aspectos particulares: a espacialidade local, a morfologia e a histria no devem ser abordadas sob o prisma do objeto isolado: A referncia a escalas mais amplas indispensvel (BRISSAC PEIXOTO, 2002).

Josep Mompart destaca os paradigmas que entendem a cidade a partir dos meios tcnico-metodolgicos da comunicao para interpretar o mundo urbano: Pierre Levy, William Mitchell, Stephen Graham; deste aspecto destaca-se a interao comunicativa entre elementos e redes materiais e imateriais. Os paradigmas que observam a urbe ou territrio como um sistema ou rede de comunicao: Fernand Braudel, Milton Santos, Paul Virilio, Saskia Sassen, Deleuze e Guattari, Manuel Castells, Franois Ascher. Compreender o territrio desde um ponto de vista da comunicao, implica em encarar a complexidade com que se entranham as tecnologias da informao e comunicao nos tecidos sociais e urbanos (MOMPART, 1998).

As mudanas da sociedade de comunicao de massas para a sociedade da informao ocorrem principalmente, a partir de implicaes dos processos de transformao dos prprios processos urbanos, dos quais so produtoras e reprodutoras. As novas tecnologias da informao e comunicao justificam-se, sobretudo, na esfera pblica (ampliada e complexificada por elas), sendo mediaes na construo simblica e social da realidade.

As novas tecnologias da informao e da comunicao possibilitaram a transformao das formas de produo e organizao social, intensificaram as comutaes globais. O territrio uma mdia destes processos. Mas as inovaes no se limitam s tecnologias, s estruturas (hardware) ou programao (software), relacionam-se, sobretudo, as potencialidades operativas dessas tecnologias (wetware), o que confirma o papel produtivo do consumo. A rede o meio que atualiza a virtualidade produtiva constituda pela sociedade (COCCO, GALVO & SILVA, 2003). Entretanto, novamente, o territrio que assegura a combinao de diversas formas de comutao e interao, a estrutura fsica se interrelaciona aos sistemas de comunicao. E esta uma dimenso que apenas comea a ser explorada.

No processo de produo flexvel, o local moldado por influncias sociais, distanciadas espacialmente, sua estrutura contm dados e determinaes intangveis e alheias. O territrio incorpora a tendncia de separao entre a estrutura fsica da cidade e os processos scio-culturais da urbanizao. Este processo de padronizao tem como contrapartida, um outro de mesma fora, pois a globalizao seletiva no espao mundial; requer contedos culturais especficos e o uso das diferenas um fator incorporado pela competitividade do mercado mundial. Para o qual o espao local torna-se um modo de subjetivao, sobretudo para instalaes de escritrios ou sedes de corporaes, o turismo e eventos espetaculares.

Ao se admitir que o territrio um fato da comunicao, pode-se falar da busca do sistema de manifestao da produo do espao e das transformaes operadas por seus mltiplos usos.

GEERTZ, Cliffort. A interpretao das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

GAUSA, Manuel; GUALLART, Vicente; WILLY, Muller; MORALES, Jos; PORRAS, Fernando; SORIANA, Frederico. Diccionario Metpolis de arquitectura avanzada. Barcelona: Editora Actar, 2000.

Programas de Ps Graduao em Artes e Ps Graduao em Arquitetura e Urbanismo. Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal do Esprito Santo. Doutora em Comunicao e Semitica pela PUCSP

O plano corresponde ao momento tcnico de uma atividade, que pressupe o domnio de um campo institucional, que dispe objetos e sistematiza enunciaes. O projeto visa o momento da realizao. Programa uma concretizao provisria de objetivos; uma figura fragmentria e provisria de projeto. Os programas passam, o projeto permanece (CASTORIADIS, 1986).