civilização egipcia

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Professor Tyrone Andrade de Mello A civilização egípcia O que é uma civilização? Qual a importância do Rio Nilo para o desenvolvimento da agricultura no Egito? Que fatores contribuíram para a desagregação das comunidades primitivas e para a formação da monarquia egípcia? Como era a estrutura egípcia? Quais as características da religião e sua importância na manutenção do Estado? Quais são os principais deuses egípcios? Quem eram os escribas? Por que saber ler e escrever era uma atividade valorizada? E hoje? Qual é a importância de saber ler e escrever? Qual é a explicação divina para a origem dos faraós? Qual é a explicação histórica para o aparecimento dos faraós no Egito? O que são ideogramas ou fonogramas? Sabe fazer seu próprio ideograma? Escrever uma mensagem cifrada? O que é uma civilização? No final da Pré-história foi marcado pelo surgimento das primeiras cidades. Isso foi possível, entre outros fatores, pelo domínio de técnicas agrícolas, como o arado de tração animal e a irrigação. Essas inovações geraram um aumento da produção de alimentos. Mas nem tudo o que se produzia era consumido. O que “sobrava” era armazenado como estoque para o futuro ou era trocado por outros produtos. Essa sobra é o que hoje chamamos de excedentes e foi muito importante para o desenvolvimento do comércio.

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Page 1: Civilização egipcia

Professor Tyrone Andrade de Mello

A civilização egípcia

O que é uma civilização? Qual a importância do Rio Nilo para o desenvolvimento da agricultura

no Egito? Que fatores contribuíram para a desagregação das comunidades primitivas e para a

formação da monarquia egípcia? Como era a estrutura egípcia? Quais as características da religião

e sua importância na manutenção do Estado? Quais são os principais deuses egípcios? Quem eram

os escribas? Por que saber ler e escrever era uma atividade valorizada? E hoje? Qual é a

importância de saber ler e escrever? Qual é a explicação divina para a origem dos faraós? Qual é a

explicação histórica para o aparecimento dos faraós no Egito? O que são ideogramas ou

fonogramas? Sabe fazer seu próprio ideograma? Escrever uma mensagem cifrada?

O que é uma civilização?

No final da Pré-história foi marcado pelo surgimento das primeiras cidades. Isso foi possível, entre

outros fatores, pelo domínio de técnicas agrícolas, como o arado de tração animal e a irrigação.

Essas inovações geraram um aumento da produção de alimentos. Mas nem tudo o que se produzia

era consumido. O que “sobrava” era armazenado como estoque para o futuro ou era trocado por

outros produtos. Essa sobra é o que hoje chamamos de excedentes e foi muito importante para o

desenvolvimento do comércio.

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Além disso, com o aperfeiçoamento das atividades agrícolas, uma parte da população passou a se

dedicar também ao comércio, outros ao artesanato, e outros (geralmente proprietários de terras e

grupos ligados a cultos religiosos) a chefiar as sociedades.

O aumento da produção agrícola provocou o crescimento da população e o aumento das cidades,

tornando necessária a construção de muralhas, pontes e sistemas de irrigação. Essas obras exigiam

organização e muito trabalho. Às vezes levavam o tempo de várias gerações para serem

construídas. Para executá-las era necessário um grupo de pessoas que coordenasse as atividades.

Liderado por um governante (geralmente um rei), esse grupo deu origem ao Estado.

Nas cidades, algumas pessoas que não tinham a necessidade de trabalhar para sua própria

subsistência começaram a se dedicar à investigação da natureza. As atividades intelectuais se

desenvolveram, dando origem aos primeiros filósofos, astrônomos, matemáticos etc.

Essas cidades deram origem às normas de organização social de enorme riqueza e complexidade.

A esse tipo de organização social chamamos civilização. Aliás, a palavra civilização vem do latim

civis, que quer dizer cidade.

Além de designar determinada forma de organização social e cultural, o termo civilização também

deriva do verbo “civilizar”, que significa educar alguém de maneira a torná-lo apto a conviver com

as outras pessoas dentro dos modelos de conduta de uma sociedade.

As culturas criadas pelas primeiras civilizações causam admiração nas pessoas até os dias atuais.

Mas o processo de dominação de uma cultura sobre a outra muitas vezes usou o ato de “civilizar”

o outro como justificativa para a imposição violenta da cultura dominante, o que resultou em

intolerância,desrespeito às diferenças culturais e em guerras.

A origem da civilização egípcia

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“O Egito é uma dádiva do Nilo.” A frase é de Heródoto, historiador da Grécia Antiga, e mostra a

importância que esse rio teve na formação do povo egípcia. Suas águas cortam o nordeste da África

(uma região desértica), tornando o solo por onde passa bastante fértil.

No entanto, o rio, sozinho, não criou civilização alguma. Foram os homens e as mulheres

estabelecidos às suas margens que criaram uma cultura e uma maneira de se organizar

totalmente novas. Isso ocorreu tanto no norte, onde se destaca o delta, uma espécie de triângulo

próximo ao mar na desembocadura do rio, como no vale que acompanha o Nilo por mais de 1000

km.

Estudos arqueológicos revelam que antes de 5000 a.C. Grupos humanos já habitavam a região do

vale do Rio Nilo, numa faixa de 6 km de extensão de cada lado do rio. Acredita-se que o clima e a

vegetação da região eram bem diferentes do que se conhece atualmente. Áreas que hoje fazem

parte de desertos eram verdes e abrigavam diversos animais (elefantes, girafas, avestruzes,

antílopes etc). Isso atraiu grupos humanos desde a época paleolítica.

Aos poucos, com o crescimento da população, já na fase neolítica, as pessoas passaram a cultivar

trigo, cevada e a criar gado. Organizaram-se, assim, as primeiras comunidades agrícolas em torno

do Nilo, chamadas NOMOS. Essas aldeias eram autônomas, ou seja, eram independentes umas das

outras.

A grande concentração de NOMOS às margens do Nilo e o crescimento da população fez com

que houvesse um aumento na produção agrícola. Mas como plantar sem ser naquelas áreas que o

Nilo inundava e fertilizava naturalmente?

Esse desafio levou cada comunidade a buscar soluções. A principal delas foi a IRRIGAÇÃO, que,

aliada ao aperfeiçoamento de técnicas agrícolas, ajudou a resolver o problema da alimentação.

Uma hipótese sobre o surgimento do Estado no Egito

Por volta de 3500 a.C., os vários NOMOS, antes independentes, foram reunidos e passaram a ter

uma liderança única. Essa foi uma das primeiras formas de organização do Estado que se

conhece. Essa reunião de NOMOS deu origem a dois reinos: o Baixo Egito, no norte, formado

pelos NOMOS da região do delta, e o Alto Egito, localizado ao sul.

A união de diversos NOMOS possivelmente ocorreu em decorrência do crescimento democráfico

e de disputas pelo domínio de terras. Com o aumento da população e da produção de excedentes ,

começaram a surgir alguns problemas: quem iria supervisionar a construção de diques e

fortificações e administrar serviços públicos? Diante disso alguns grupos começaram a disputar

essas novas funções que antes não existiam.

Para solucionar os sucessivos conflitos, que duraram muitos séculos, instituiu-se o

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reconhecimento de uma “autoridade superior”. Assim, um grupo prevaleceu sobre os demais e

passou a determinar as regras a serem seguidas por todos.

A união entre os 2 reinos só foi alcançada por volta de 3200 a.C. A primeira sede do poder

centralizado foi a cidade de Tínis, que mais tarde foi transferida para Mênfis. A autoridade máxima

reconhecida era o rei ou faraó. Ele tinha a função de manter a unidade, a ordem e a continuidade

do Estado egípcio.

Ao que parece,coube a um chefe do Alto Egito chamado Narmer ou Menés, não se sabe ao certo,

realizar a façanha de reunir os dois reinos. Assim, foi criado um Estado forte, que impunha a ordem

sobre os 42 NOMOS, cujos chefes (os nomarcas) tornaram-se representantes locais do faraó.

O controle dos diques e da irrigação das terras pelo Rio Nilo continuou sendo feito pelos NOMOS,

transformados em províncias subordinadas ao governo central. O surgimento do Estado egípcio

fez parte de um longo processo que levou mais de 2000 anos para se completar.

Nesse tempo, as antigas comunidades agrícolas autônomas se tornaram províncias do faraó, com

uma organização complexa e dividida em grupos, tendo cada grupo uma posição definida na

sociedade.

A divisão social e a economia no Egito Antigo

Na sociedade egípcia, as posições mais privilegiadas na pirâmide social eram ocupadas pelo faraó e

por sua família. A seguir vinham os sacerdotes, os funcionários do Estado (burocratas e militares) e

os nobres, muitos deles descendentes das famílias dirigentes dos NOMOS.

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Os sacerdotes

Os sacerdotes chegaram a formar o grupo mais rico e influente do Egito. Além de interpretarem

os desejos dos deuses e cuidarem dos cultos, eles recebiam tributos e tinham isenção de impostos.

Isso fazia as riquezas dos templos crescerem continuamente.

Os escribas

Entre os burocratas vale destacar a função dos escribas. Além de supervisionar a administração,

eram responsáveis pelos registros por escritos do reino, que serviam principalmente para o controle

dos impostos e dos estoques de alimentos.

Os camponeses

Na base da sociedade egípcia estavam os camponeses. Também conhecidos como FELÁS, eles

eram obrigados ao pagamentos de tributos, a trabalhos forçados e estavam sujeitos a castigos

impostos por funcionários do Estado.

Os escravos

Havia também os escravos que trabalhavam nas minas e pedreiras estatais, nas terras reais e nos

templos. Em geral, eram prisioneiros de guerra e não constituíam um grupo numeroso, exceto

durante alguns períodos.

No Egito Antigo, a agricultura (cultivo do trigo, da cevada, do algodão, do papiro e do linho) foi a

prática mais importante. Os egípcios dedicavam-se também à criação de animais, como cabras,

carneiros e gansos. Praticavam a pesca e ocupavam-se da atividade artesanal. Desenvolveram,

ainda, a produção de tecidos, vidros e navios. Vale registrar também a atividade comercial, tanto

dentro do Egito como com o exterior, muito controlado pelo Estado.

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Religião, ciência e arte

A religião foi muito importante no Egito Antigo, a começar por sua interferência direta no poder (o

faraó era um rei-deus). A religião egípcia caracterizava-se pelo POLITEÍSMO, ou seja, pela crença

em vários deuses (poly=vários), representados em formas humanas e animal. Quando os NOMOS

eram independentes, cada um deles tinham seus próprios cultos e divindades. Com a unificação

política. Alguns desses cultos foram impostos pelos faraós a toda a população. Foi o que aconteceu

com o culto dos deuses Amon-Rá (o Sol), Osíris (a fertilidade), Ísis, Hórus, e também Anúbis e

Ápis. Ainda assim, ao longo da história egípcia as divindades locais dos antigos NOMOS foram

preservadas.

Os egípcios acreditavam que, após a morte, a alma era enviada ao reino dos mortos. Depois seria

julgada no tribunal de Osíris e, tempos depois, voltaria ao mesmo corpo para uma nova vida.

Para o corpo se conservar e poder voltar a abrigar a alma a técnica de mumificação dos cadáveres,

conhecimento controlado pelos sacerdotes, foi aperfeiçoada.

A mumificação, prática que, em razão de seu alto custo, era destinada apenas para os mortos das

famílias mais ricas, permitiu aos egípcios desenvolver o conhecimento da anatomia humana. Isso

favoreceu o avanço da MEDICINA e o surgimento de especialistas em várias áreas, fraturas,

doenças de estômagos e do coração. Os egípcios chegaram até a realizar cirurgias cranianas com

sucesso.

O Egito também presenciou um notável desenvolvimento da Astronomia e da Engenharia. A

primeira auxiliava na determinação das épocas de plantio e de colheitas, o que permitiu a

elaboração de um calendário solar composto de 12 meses, cada mês com 30 dias. Já a Engenharia

evoluiu por meio da execução de obras públicas. A MATEMÁTICA,por sua vez, progrediu com o

sistema tributário. Vale lembrar, porém, que tais conhecimentos, produzidos e transmitidos

principalmente entre os sacerdotes, não eram acessíveis à maioria da população.

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Arte e escrita

Esquema interior da Grande Pirâmide de Alnitak (Quéops)

Foram encontrados muitos vestígios da arte produzida pelos egípcios: esculturas, pinturas,

tumbas, templos etc. Esses últimos eram caracterizados por sua monumentalidade e sofisticação.

As pirâmides, com suas várias câmaras, são apenas uma pequena mostra do que os egípcios eram

capazes de fazer.

A grandiosidade das construções arquitetônicas, assim como as esculturas, que retratavam o faraó

e os membros de sua família, exprimiam a dimensão do poderio faraônico. A pintura caracterizava-

se pelo uso das cores nos objetos de usos funerários e cotidianos e pela representação humana.

No Egito Antigo, desenvolveram-se três tipos de escrita: a hieroglífica (sagrada), hierática (para

documentos) e a demótica (popular).

A decifração das escritas do Egito Antigo só se deu muitos séculos depois da conquista persa. Em

1799,um soldado do general francês Napoleão Bonaparte encontrou na região de Roseta, no Egito,

uma pedra com inscrições feitas em diferentes tipos de escritas. Coube ao estudioso francês Jean

François Champollion decifrá-las. A partir daí, iniciaram-se estudos cada vez mais aprofundados

sobre o Egito Antigo.

No século XX ganhou o impulso o desenvolvimento da egiptologia e dos estudos da Antiguidade

em geral. Ao trazer à tona dados e informações sobre os impérios antigos, o então governante

francês Napoleão Bonaparte buscava firmar seu prestígio e fortalecer seu próprio poder.

Os períodos da história egípcia

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O Estado foi considerado um elemento tão marcante na vida do povo egípcio que muitos estudiosos

dessa civilização estabeleceram as divisões da história do Egito Antigo em torno das diferentes

dinastias que se sucederam no governo.

De forma simplificada, a História da antiga civilização egípcia foi dividida da seguinte maneira:

O Antigo Império (3200 a.C. - 2000 a.C.)

O Médio Império (2000 a.C. - 1580 a.C.)

O Novo Império (1580 a.C.-525 a.C.)

Existem 26 dinastias que se sucederam no poder durante quase 3 mil anos: desde a unificação do

Egito e o estabelecimento do poder dos faraós, por volta de 3200 a.C., até sua conquista pelos

persas, em 525 a.C.

O Antigo Império

Os faraós exerciam um rígido controle econômico, social e político por todo o reino, além de

promover a expansão do território para oeste, sul e nordeste. Desta forma, conseguiram consolidar

seu poder sobre todo o Egito Antigo.

Por volta do ano 2200 a.C., as cheias do Nilo diminuíram e isso trouxe sérias consequências para a

agricultura. A fome atingia camponeses e escravos, e a mortalidade era alta. Essa situação

contrastava com a riqueza dos burocratas, gerando revolta na população e conflitos entre monarcas.

Desgostosos com a situação, os nomarcas procuraram aumentar seus poderes locais para controlar

a crise. Para isso, colocaram-se acima do poder central do faraó. Foi uma época de divisão e

enfraquecimento político, o que favoreceu as invasões de povos asiáticos na região do delta do

Nilo.

O Médio Antigo

Perto de 2000 a.C., nomarcas da região de Tebas, no Alto Egito, expulsaram os invasores asiáticos e

retomaram o processo de unificação das várias províncias. Restabeleceram o poder centralizador e

a consequente unidade do Império.

Os faraós recuperaram sistemas de irrigação e áreas de plantio e anexaram novos territórios ao

império com campanhas militares vitoriosas ao sul.

Dois séculos mais tarde, por volta de 1800 a.C., começou uma nova onda de invasões de povos

vindos da Ásia, principalmente hicsos (simplificação de Hek Khasut, em egípcio, que significa

“governantes dos estrangeiros”). Eles estabeleceram seu domínio em boa parte da região, mas não

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conseguiram submeter permanentemente Tebas, ao sul, que resistiu a sua conquista.

A dominação dos hicsos despertou forte sentimento de resistência. Os egípcios se uniram e, em

1580 a.C., sob o comando do faraó Amósis I, conseguiram expulsar os invasores. Assim, a unidade

territorial foi restabelecida e Tebas retomou a posição de capital do Egito.

O Novo Império

Nesse período, as conquistas militares ampliaram as fronteiras do império. Ganhou impulso a

atuação dos comerciantes, que exerciam atividades dentro do Egito e com a Ásia, inclusive tráfico

de escravos.

Destaca-se, ainda, o aperfeiçoamento da irrigação no século XIV a.C. Com o uso de um mecanismo

de elevação de água baseado no contrapeso, conhecido no Egito atual como shaduf.

O poderio e o esplendor alcançado nesse período podiam ser notados também nas construções,

exibidos nos templos de Karnac e Luxor, dedicado ao deus Amon.

Um destaque final cabe ao governo de Necao II (610 a.C. 595 a.C.). Além de intensificar o

comércio com a Ásia, ele também financiou a expedição do fenício Hamon. O navegador realizou

uma viagem singular para aquela época: partiu para o Mar Vermelho e, em três anos, contornou a

costa africana, retornando ao Egito pelo Mar Mediterrâneo.

Depois de Necao, surgiram divergências e disputas políticas entre a nobreza, os burocratas, os

militares e os sacerdotes. Somadas às rebeliões dos camponeses, revoltados contra as condições a

que estavam sujeitas, essas rivalidades determinaram o enfraquecimento do império. As invasões

tornaram-se frequentes e bem-sucedidas até que, em 525 a.C., os persas, comandados pelo rei

Cambises, destronaram a 26ª Dinastia e conquistaram o Egito, transformando-o em um a província

do Império Persa.