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Artigo Original CIRURGIA DE CARÓTIDA EXPERIÊNCIA ACUMULADA DE 168 PACIENTES Paulo Eduardo Giannini Braga' Wolfgang G. W. Zom" Bonno van Bellen oo , Cento e sessenta e oito pacientes foram submeti- dos a 178 endarterectomias de artéria carótida interna num período de 12 anos . A cirurgia foi indicada em de- corrência de acidente vascular cerebral insquêmico transitório em 65,7%, estenose hemodinamicamente significativa sem manifestações clínicas em 31.4 % e em situações clínicas neurológicas não-Iateralizantes em 2,8% dos casos. O sintoma mais freqüente foi a paresia (42,3%). Setenta e dois por cento dos pacien- tes apresentavam coronariopatia associada, 55,3% ti- nham doença arteriosclerótica de membros inferiores e 66,1% eram diabéticos. Cinco pacientes morreram (2, 97%) em decorrên- cia de complicações neurológicas conseqüentes à ci- rurgia. Dois deles tinham pressão de coto de carótida de 20mmHg, dois outros de 40mmHg e outro de 50mmHg. Somente em um caso, com pressão de coto de carótida de 40mmHg, foi passado um "shunt" pa- ra manutenção de fluxo carotídeo . Outros três pacientes sofreram acidente vascular cerebral isquêmico definitivo, todos com pressão de coto de 50mmHg . Houve lesão de nervos periféricos em 13 pacien- tes (7,3%), sendo que em todos os casos houve reso- lução expontânea e total do problema . A endarterectomia de carótida é procedimento se- guro como tratamento profilático de eventos isquêmi- cos cerebrais e deve ser considerada como opção pre- ferencial em casos selecionados e desde que haja ade- quada padronização da equipe cirúrgica. Unitermos: arteriosclerose obliterante isquemia cerebral transitõria cirurgia Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Vascular Periférica e Angiologia do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo. 00 000 10 Especialista em Cirurgia Vascular pela AMB. Assistente do Serviço. Especialista em Cirurgia Vascular pela AMB. Especialista em Cirurgia Vascular pela AMB. Doutor em Medicina pela FMUSP Docente Livre em Moléstias Vasculares Periféricas pela UNICAMP Responsável pelo Serviço. INTRODUÇÃO Durante as últimas quatro décadas diversos aspectos da endarterectomia carotídea vêm sendo amplamente dis- cutidos. Indubitavelmente, muitas questões foram equa- cio nadas com a experiência adquirida. A despeito da sedi- mentação de algumas bases e princípios, persistem contro- vérsias que vêm mantendo a objetivação dos trabalhos mais recentemente eleborados. O propósito deste levantamento é o estabelecimento da avaliação crítica dos nossos resultados, abordando as- pectos próprios da população do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, entidade particularmente volta- da para o tratamento de afecções cardiológicas. Natural- mente os dados obtidos e aqui reportados não nos permi- tem definir questões mas tão-somente abordá-Ias e estabe- lecer correlações com dados já firmados em literatura. POPULAÇÃO ESTUDADA Num período de 12 anos (1976 a 1988), 168 pacientes foram submetidos a um total de 178 endarterectomias ca- rotídeas. Cento e cinqüenta e sete pacientes eram do sexo masculino (93.5%) e li do sexo feminino (6,5%). A faixa etária variou entre 38 e 73 anos (x = 57 anos). Foi realiza- da cirurgia bilateral em 10 pacientes (5,9%), sendo 7 de se- xo masculino (4,2%) e 3 do sexo feminino (1,8%). A indicação da cirurgia foi decorrente de eventos is- quêmicos cerebrais transitórios em 117 intervenções (65,7%), profilaxia em 56 (31,4%) e em 5 por acidente vascular cerebral não transitório (2,8%). Os sintomas dos pacientes que tiveram ataque isquê- mico transitório foram paresia em 42 ,3%; parestesia em 20,2%; desvio de rima bucal em 21 %; fenômenos mistos em 16,1 %; dislalia em 11 ,3% ; amaurose fugaz em 8,3%; ataxia em 3%; e queda sem desmaio (drop attack) em 1,8%. Quanto às afecções associadas, em 121 pacientes (72,0%) havia insuficiência coronariana. Em 93 (55,3%), aterosclerose dos membros inferiores. Cento e onze pa- cientes (66,1 %) eram hipertensos e 97 (57,7%) eram dia- béticos. Havia associação de diabetes e insuficiência coro- nariana em 40% dos casos, sendo que o binômio hiperten- são/insuficiência coronariana foi observado em 67% dos pacientes. A ausculta das carótidas demonstrou sopro em 35,9% das artérias submetidas à cirurgia por ataque isquê- mico cerebral transitório, em 40% das operadas por aci- dente vescular cerebral e em 60,7% das carótidas endarte- rectomizadas por indicação de natureza profilática. CIRURGIAS E RESULTADOS Foram 'operadas 105 artérias do lado direito (61,2%) e 69 do lado esquerdo (38 ,7%). Houve necessidade de fi- xação distai da placa de ateroma em 40 ,4% dos casos, sen- do que em 86% este procedimento foi praticado nas inter- venções de natureza profilática. Em função de dificuldades para o fechamento da arte- riotomia longitudinal praticada nas artérias endarterecto- mizadas foi necessária a aplicação de remendo em dois ca- sos (1,1 %), sabendo-se que até a presente época este pro- CIR. V ASC. ANG. 6(2): 10, 13 , 1990

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Artigo Original

CIRURGIA DE CARÓTIDA EXPERIÊNCIA ACUMULADA DE 168 PACIENTES

Paulo Eduardo Giannini Braga' Wolfgang G. W. Zom" Bonno van Bellen oo ,

Cento e sessenta e oito pacientes foram submeti­dos a 178 endarterectomias de artéria carótida interna num período de 12 anos . A cirurgia foi indicada em de­corrência de acidente vascular cerebral insquêmico transitório em 65,7%, estenose hemodinamicamente significativa sem manifestações clínicas em 31.4 % e em situações clínicas neurológicas não-Iateralizantes em 2,8% dos casos. O sintoma mais freqüente foi a paresia (42,3%). Setenta e dois por cento dos pacien­tes apresentavam coronariopatia associada, 55,3% ti­nham doença arteriosclerótica de membros inferiores e 66,1% eram diabéticos.

Cinco pacientes morreram (2,97%) em decorrên­cia de complicações neurológicas conseqüentes à ci ­rurgia. Dois deles tinham pressão de coto de carótida de 20mmHg, dois outros de 40mmHg e outro de 50mmHg. Somente em um caso, com pressão de coto de carótida de 40mmHg, foi passado um "shunt" pa­ra manutenção de fluxo carotídeo .

Outros três pacientes sofreram acidente vascular cerebral isquêmico definitivo, todos com pressão de coto de 50mmHg.

Houve lesão de nervos periféricos em 13 pacien­tes (7,3%), sendo que em todos os casos houve reso­lução expontânea e total do problema .

A endarterectomia de carótida é procedimento se­guro como tratamento profilático de eventos isquêmi­cos cerebrais e deve ser considerada como opção pre­ferencial em casos selecionados e desde que haja ade­quada padronização da equipe cirúrgica.

Unitermos: arteriosclerose obliterante isquemia cerebral transitõria cirurgia

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Vascular Periférica e Angiologia do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo.

00

000

10

Especialista em Cirurgia Vascular pela AMB. Assistente do Serviço. Especialista em Cirurgia Vascular pela AMB. Especialista em Cirurgia Vascular pela AMB. Doutor em Medicina pela FMUSP Docente Livre em Moléstias Vasculares Periféricas pela UNICAMP Responsável pelo Serviço.

INTRODUÇÃO

Durante as últimas quatro décadas diversos aspectos da endarterectomia carotídea vêm sendo amplamente dis­cutidos. Indubitavelmente, muitas questões foram equa­cio nadas com a experiência adquirida. A despeito da sedi­mentação de algumas bases e princípios, persistem contro­vérsias que vêm mantendo a objetivação dos trabalhos mais recentemente eleborados.

O propósito deste levantamento é o estabelecimento da avaliação crítica dos nossos resultados, abordando as­pectos próprios da população do Hospital da Beneficiência Portuguesa de São Paulo, entidade particularmente volta­da para o tratamento de afecções cardiológicas. Natural­mente os dados obtidos e aqui reportados não nos permi­tem definir questões mas tão-somente abordá-Ias e estabe­lecer correlações com dados já firmados em literatura.

POPULAÇÃO ESTUDADA

Num período de 12 anos (1976 a 1988), 168 pacientes foram submetidos a um total de 178 endarterectomias ca­rotídeas. Cento e cinqüenta e sete pacientes eram do sexo masculino (93.5%) e li do sexo feminino (6,5%). A faixa etária variou entre 38 e 73 anos (x = 57 anos). Foi realiza­da cirurgia bilateral em 10 pacientes (5,9%), sendo 7 de se­xo masculino (4,2%) e 3 do sexo feminino (1,8%).

A indicação da cirurgia foi decorrente de eventos is­quêmicos cerebrais transitórios em 117 intervenções (65,7%), profilaxia em 56 (31,4%) e em 5 por acidente vascular cerebral não transitório (2,8%).

Os sintomas dos pacientes que tiveram ataque isquê­mico transitório foram paresia em 42,3%; parestesia em 20,2%; desvio de rima bucal em 21 %; fenômenos mistos em 16,1 %; dislalia em 11 ,3%; amaurose fugaz em 8,3%; ataxia em 3%; e queda sem desmaio (drop attack) em 1,8%.

Quanto às afecções associadas, em 121 pacientes (72,0%) havia insuficiência coronariana. Em 93 (55,3%), aterosclerose dos membros inferiores. Cento e onze pa­cientes (66,1 %) eram hipertensos e 97 (57,7%) eram dia­béticos. Havia associação de diabetes e insuficiência coro­nariana em 40% dos casos, sendo que o binômio hiperten­são/insuficiência coronariana foi observado em 67% dos pacientes.

A ausculta das carótidas demonstrou sopro em 35,9% das artérias submetidas à cirurgia por ataque isquê­mico cerebral transitório, em 40% das operadas por aci­dente vescular cerebral e em 60,7% das carótidas endarte­rectomizadas por indicação de natureza profilática.

CIRURGIAS E RESULTADOS

Foram 'operadas 105 artérias do lado direito (61,2%) e 69 do lado esquerdo (38,7%). Houve necessidade de fi­xação distai da placa de ateroma em 40,4% dos casos, sen­do que em 86% este procedimento foi praticado nas inter­venções de natureza profilática.

Em função de dificuldades para o fechamento da arte­riotomia longitudinal praticada nas artérias endarterecto­mizadas foi necessária a aplicação de remendo em dois ca­sos (1,1 %), sabendo-se que até a presente época este pro-

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Paulo Eduardo Giannini Braga e cals.

cedimento não é rotineiro na equipe. Em todas as intervenções foi medida a pressão de co­

to da carótida ocluída cirurgicamente. A pressão foi me­nor ou igual a 20 mmHg em 6,70/0 dos casos. 30 mmHg em 9,0%, 40 mmHg em 14,6%, 50 mmHg em 30,3% e igualou acima de 60 rnrnHg em 39,3% dos casos. Foi Qas­sado "shunt" externo em três casos tendo em vista as bai­xas pressões obtidas, embora em um destes a pressão fosse igual a 40 mmHg.

Houve cinco óbitos (2,97 % dos pacientes e 2,81 % das cirurgias) sendo que em todos o evento esteve associa­do a A VC. Ao se correlacionar os óbitos com a medida da pressão de carótida ocluída, verificou-se que dois dos 12 pacientes com pressão de carótida ocluída abaixo de 20 mmHg obituaram com AVC (16,6%). Na faixa dos 40 rnrnHg o evento ocorreu em dois dos 26 pacientes (7,7%) e na faixa dos 50 mmHg houve um óbito por A VC dentre os 54 pacientes (1,8%). Nestes cinco casos de êxito letal; o quadro' neurológico estabeleceu-se durante a cirurgia em dois pacientes e na fase pós-operatória em três pacientes. Foi realizada passagem de shunt em um dos pacientes que apresentou pressão de coto na faixa de 40 mmHg. Esse ca­so evoluiu para o AVC no segundo dia de pós-operatório, com óbito subseqüente. Os casos letais apresentaram tam­bém como denominador comum a hipertensão arterial (80%). A Tabela 1 relaciona os aventos letais, a pressão de carótida e outros eventos mórbidos que se associaram.

pressão de causa da patologias carótida morte associadas e que ocluída contribuiram para o

óbito 20mmHg AVe 20 mmHg Ave 40 mmHg Ave 40 mmHg Ave hipotensão, angina,

50mmHg AVe pneumonia úlcera hermorrágica

TABELA 1: Associação de eventos que participaram no óbito dos cinco pacien­tes que evoluiram com êxito letal.

Na série estudada. 84% dos pacientes apresentavam lesãocontra-lateraI'a artéria operada,mas não se observou correlação entre a importância hemodinâmica destas lesões e as pressões de coto carotideo.

Quanto a morbidade, ocorreram três acidentes vascu­lares cerebrais, além dos que levaram ao óbito (1,7%), sete ataques isquêmicos cerebrais transitórios (3,9%), 13 lesões de nervos periféricos (7,3%) e sete hematomas cervicais (3,9%). Seis desses hematomas ocorreram em hipertensos o que corresponde a 6,3% de toda população de hiperten­sos desta casuística. Em três casos houve necessidade de se realizar revisão de hemostasia por não haver resolução com compressão local.

DISCUSSÃO

Apesar do elevado número de lesões contra-laterais em relação à artéria carótida operada houve, nesta casuísc

tica, pequeno número de cirurgias bilaterais. Apesar de al­guns autores praticarem a intervenção sobre a carótida contra-lateral pelo fato de tão somente apresentarem lesões irregulares, sem ulceração ou estenoses significati­vas 12, o maior consenso está em não se praticar interven-

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Cirurgia de Carótida.

ção cirúrgica sobre artérias carótidas assintomáticas a não ser que haja estenose de alto risco de trombose9,12,13.

Na nossa casuística, a indicação de operação para am­bas as carótidas, sempre realizada em duas etapas, ocorreu em pacientes com manifestações clínicas ou naqueles por­tadores de lesões maiores de 70%, tendo em vista a profi­laxia de A VC. Quanto às lesões não operadas, a falta de seguimento a longo prazo não nos permite estabelecer conceito próprio sobre sua evolução do ponto de vista fi­siopatológico.

As indicações cirúrgicas em pacientes portadores de ataque isquêmico cerebral transitório (65,7%) ocorreram em indivíduos que apresentaram, em sua maioria, um só evento, ou naqueles em que ocorreu manifestação isquê­mica neurológica mesmo estando sob efeito de droga anti­agregante plaquetária. Em 2,8% dos casos a indicação ocorreu em acidente vascular em evolução onde, além do quadro neurológico estabelecido, sobrevieram outros sur­tos de embolização.

Nos casos em que a intervenção foi de natureza profi­lática, obedeceu-se a dois critérios básicos para indicação

, da cirurgia. O primeiro era a presença de sopro em evolu­ção caracterizado por semiologia não-invasiva periódica (oculopletismografia e fonoangiografia) . O segundo crité­rio era a presença de estenose com significado hemodinâ­mico, maior que 70%, em candidato a revascularização de miocárdio ou cirurgia vascular em território aorto-ilíaco. Quanto a esse aspecto, a literatura é também controver­sa6, 7,11,17, mas parece haver tendência a proceder à res­tauração da carótida antes da operação de maior porte particularmente em pacientes que já apresentaram sinto­mas de insuficiência cérebro-vascular extra-craniana.

Em nosso estudo observamos expressiva incidência de manifestações paréticas (42,3%) em pacientes portado­res de ataques isquêmicos cerebrais transitórios, seguida pela de sintomas de parestesia (20,2%), o que não raras ve­zes gera dúvidas quanto ao diagnóstico diferencial para o facultativo que nos encaminha os pacientes.

A associação com insuficência coronariana e hiper­tensão arterial foi significativa nessa série, o que coincide com os registros da literatura11 , 14, A coexistência de arte­riopatia periférica é também importante, justificando a necessidade de varredura diagnóstica da ateromatose ca­rotídea nos pacientes com essas afecções7.

A ausência de sopro cervical não significa ausência de lesão carotídea, uma vez que esse ruído adventício foi en­contrado em menos da metade dos nossos pacientes.

Quanto à técnica cirúrgica, a fixação da placa distaI, em função de sua progressão pela carótida interna, foi rea­lizada em 40,4% das intervenções, sendo em 86% das ci­rurgias com indicação profilática. Esse fato possivelmente decorreu da maior extensão das lesões que ocorrem neste grupo de pacientes. Isto pode fazer supor que possa haver distribuição ateromatosa diferente nos indivíduos porta­dores de lesões microembolizantes em relação àqueles que são portadores de lesões predominantemente estenosan­teso Não houve necessidade de proceder-se à exploração alta da carótida interna como sugerido em algumas even­tualidades 18.

Além desse aspecto, deve ser ressaltado que do total de oito acidentes cerebrais ocorridos, sete ocorreram em pacientes que tinham indicação profilática de cirurgia, o

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Paulo Eduardo Giannini Braga e cols.

que contribui fortemente para considerar a indicação des­sa cirurgia com extremo critério.

Em somente dois casos foi utilizado remendo em de­corrência da redução do calibre da artéria pela sutura pri­mária. Apesar da discussão sobre a recidiva da lesão mui­tas vezes gerar dúvidas sobre a recorrência real ou doença residual, estudos sugerem que a colocação de remendo di· minui a incidência de re-estenoses, quaisquer que sejam suas naturezas3. Paralelamente deve-se levar em conta a elevada incidência de lesões remanescentes pós­endarterectomia sugerindo-se controle per-operatório com I?uplex ou angiografia!, 4. A falta de seguimento de nos­sos doentes, no entanto, não nos permite melhor juízo so· bre essa questão.

A rotina estabelecida em nosso Serviço para o contro­le da perfusão cerebral durante o clampeamento da caróti­da baseia-se no método da medida da pressão do coto da artéria ocluída8 pelo qual se avalia a competência da cir­culação colateral, embora não monitorize alterações regio­nais de fluxo. Não realizamos qualquer medida de prote­ção cerebral durante a cirurgia.

Observamos pressões acima de 50 mmHg em 69,6% dos casos operados. Não houve correlação entre o valor da pressão e a existência de lesões estenosantes contra­laterais com significado hemodinâmico. Houve três aci­dentes cerebrais isquêmicos em pacientes com pressão de coto abaixo de 20 mmHg, dois dos quais evoluiram para o óbito. Um morreu no intra-operatório e outro no segundo dia pós-operatório. O terceiro desses casos estabeleceu-se durante a intervenção mas não evoluiu para o êxito letal. Os demais cinco eventos cerebrais ocorreram com pressões de 40 a 50 mmHg, três dos quais morreram. Em apenas um dos casos estabeleceu-se déficit neurológico no per-operatório. Em um dos casos nos quais o A VC se ins­talou tardiamente, havia sido passado "shunt". Possivel­mente ocorreu lesão endotelial em segmento distaI, levan­do a quadro cerebral progressivo que sugeriu evolução do material trombótico e o estabelecimento de infarto exten­so como ficou demonstrado em tomografia computadori­zada.

Esses dados, apesar do valor estatístico restrito, suge­rem que pressões de coto abaixo de 20 mmHg possam ser indicativos da necessidade do uso de "shunt".

Observa-se que o denominador comum dos óbitos dessa casuística foi o evento cerebral isquêmico como, ocorreu isoladamente em três casos e em outro associado a pneumonia e insuficiência coronariana e no quinto a he­morragia digestiva maciça (Tabela 2).

Evento Pressão Período de Hipertensão eausa mortis cerebral de coto instalação

AVe 40 pós-op presente ABe (shuntado)

AVe 40 pós-op presente pneumonia + AVe

Ave 50 intra-op presente hemorragia GI AVe 20 pós-op presente AVe Ave 20 intra-op ausente AVe Ave 50 intra-op ausente AVe 50 pós-op ausente AVe 50 pós-op ausente

TABELA 2: Eventos associados ao lIcidente vascular cerebral isquêmico ocorri­do em cinco pacientes que faleceram e outros três que não evoluíram para o êxi­to letal.

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Cirurgia çje Carótida.

A existência de fragmentos remanescentes da placa de ateroma pode justificar a ocorrência de acidentes neu­rológicos no período pós-operatório, mas deve-se também considerar que quatro dos pacientes que obituaram (80%) eram hipertensos. Apesar de não ter havido registro ine­quívoco, aberrações tensionais no pós-operatório imediato podem ter desencadeado os eventos mórbidos ocorridos!6.

As lesões de nervos cranianos são reportados com freqüência variável. Podem ocorrer em até 27% dos casos quando a avaliação é realizada mais detalhadamente com o auxílio de métodos subisidiários lO. Normalmente estas lesões tendem a restabelecer-se em 1,4 a 3,4 meses5 e, mui­to embora não tenhamos seguimento adequado a longo prazo, nenhum dos 13 pacientes que apresentaram sinto­mas decorrentes de lesão nervosa periférica retornou com persistência da queixa_ Neste levantamento restrospecti­vo, não nos foi possível caracterizar o nervo mais freqüen­temente afetado.

Quanto aos hematomas cervicais, em 85 ,7% dos ca­sos os pacientes estavam hipertensos, mas representam so­mente 6,3% da população de pacientes com alterações tensionais prévias. Os mecanismos de desencadeamento do pico hipertensivo no pós-operatório apresentam teorias diversas, como a lesão do nervo carotídeo, secreção de iso­renina cerebral e outras (2.16%). Acredita-se que a causa mais comum seja a existência de hipertensão prévia, agra­vada por hidratação excessiva !6, fato que não ficou ca­racterizado em nossa casuística. A adequada monitoriza­ção da pressão no pós-operatório pode evitar não só a for­mação de hematomas como o próprio estabelecimento de evento mórbido neurológico.

CONCLUSÃO

O resultado da endarterectomia da carótida depende dos critérios de indicaçao cirúrgica e do desempenho téc­nico da equipe operatória. A indicação cirúrgica para ata­ques isquêmicos transitórios, muitas vezes controversa fa­ce aos resultados do tratamento conservador, passa a ga­nhar preferência quando os índices de mortalidade­morbidade mostram cifras menores que em relação aos in­divíduos tratados clinicamente.

A eficácia dos anti-agregantes plaquetários depende de sua própria atuação, da adequação posológica indivi­dual e de seu uso constante, o que em nosso meio não é observado na maioria dos pacientes. Alia-se a esses aspec­tos a possibilidade do antiagregante poder gerar uma he­morragia intra-placa, considerada como uma das causas da microembolização ou trombose de carótida. Assim, sendo, pode-se perfeitamente optar pelo procedimento ci­rúrgico quando o risco se situa abaixo dos 10%.

As demais indicações para cirurgia permanecem polê­micas e nossos resultados não nos permitem equacionar e discutir a questão.

Obviamente há uma série de outros fatores a serem considerados como os próprios registros demonstram em relação às doenças associadas, particularmente a insufi­ciência coronariana. O binômio carotídeo-coronariano de­ve ser apreciado e a afecção cardiológica amplamente es­tudada no sentido de determinar-se a opção cirúrgica ini­cial, a fim de se minimizar os riscos. Esse aspecto talvez mereça reavaliação com o uso de técnicas anestésicas

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Paulo Eduardo Giannini Braga e cols.

loco-regionais. A qualidade técnica deve ser apurada para evitar rees­

tenoses, lesão de nervos periféricos e deslocamento de fragmentos de placa por manipulação menos meticulosa. A secção ou trauma do nervo de Herng pode gerar distúr­bios de pressão devendo ser evitada pelo cirurgião. A hi­pertensão deve ser rigorosamente controlada no pós­operatório, uma vez que seu descontrole pode gerar even­tos locais e neurológicos de gravidade variável.

A partir desses resultados consideramos que a endar­terectomia de carótida é procedimento perfeitamente pa­Qronizado e aceitável para o tratamento da placa micro­embolizante ou estenosante dessa artéria.

SUMMARY

One hundred and sixty-eight patients underwent 178 carotid endarterectomies in a 12 year period. Sur­gery was indicated because of transient ischemic at­tacks in 65,7%, assymptomatic significant stenosis in 31,4% and in 2,8% in cases with no lateralizing neu­rologic symptoms. The most frequent symptom was paresis which occured in 42,3%. Seventy two per­cent of the patients had associated coronary artery di­sease, 55,3% atherosc\erosis of the lower limbs and 66,1% were diabetic.

Five patients died (2,97%) due to neurologic rela­ted events. Two of these patients had a stump pressu­re of 20mmHg, other two had a stump pressure of 40mmHg and the fifth had a stump pressure of 50mmHg. Only in one patient, with a carotid stump pressure of 40mmHg, a shunt was used.

Another three patients had a permanent ischemic event, ali of them with a stump pressure of 50mmHg.

Peripheral nerves were injured in 13 patients (7,3%) but in ali cases no sequelae persisted.

Carotid endarterectomy is a safe procedure as prophylactic surgery for central nervous ischemic events and should be considered as the procedure of choice in selected cases.

Uniterms: Atherosclerosis Transient cerebral ischemia Surgery

REFERÊNCIAS BmUOGRÁFICAS

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CIR. VASC. ANG. 6(2): 10, 13, 1990

Cirurgia de Carótida.

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