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cirque du soleil Fundado por um artista de rua em 1984, o Cirque du Soleil se transformou em um dos maiores empreen- dimentos culturais do mundo Surpresa e um certo ar carrancudo são comuns a quem viveu as fases mais tradicionais do circo e hoje se depara com sua versão contempo- rânea. Também conhecido como novo circo, tem como marcas a moder- nização da música, o incremento da produção, a ousadia dos figurinos. Especialistas defendem que dança e teatro sempre fizeram parte dessa arte milenar e mundial. O consenso, no entanto, é que o circo como conhe- cemos hoje ganhou uma injeção de profissionalismo e um rigor cênico di- ferentes da tradição. Ingredientes que de forma inegável têm reinventado a arte circense e reaproximado o público do picadeiro. A atração principal do novo mundo circense, o Cirque du Soleil trouxe uma revolução estética, com uma mistura de elementos culturais mul- tiétnicos. A fonte criativa do Soleil intriga porque permite à companhia nunca repetir a si mesma. Outro desafio que vem sendo cumprido a risca é manter na trupe características como vitalidade, doçura combinados à potência expressiva, que os permite arrancar suspiros. Fundada em 1984, pelo engolidor de fogo canadense Guy Laliberté, a companhia começou com 73 funcionários, em uma época em que novos ventos criativos sopravam da Europa Oriental em direção às Américas. Aos já conhecidos do picadeiro teatro e dança se juntaram às artes plás- ticas e à música. Artistas reconhecidos pelo rigor das habilidades físicas completaram a cena. Os experimentos geraram o produto final de uma das maiores empresas de entretenimento do mundo. Com um patrimônio de US$ 1,4 bilhão, a trupe de hoje tem cerca de 3,5 mil funcionários. arte circense FOTOS: CIRQUE DU SOLEIL INC. 67

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cirque du soleilFundado por um artista de rua em 1984, o Cirque du Soleil se transformou em um dos maiores empreen-dimentos culturais do mundo

Surpresa e um certo ar carrancudo são comuns a quem viveu as fases mais tradicionais do circo e hoje se depara com sua versão contempo-rânea. Também conhecido como novo circo, tem como marcas a moder-nização da música, o incremento da produção, a ousadia dos figurinos. Especialistas defendem que dança e teatro sempre fizeram parte dessa arte milenar e mundial. O consenso, no entanto, é que o circo como conhe-cemos hoje ganhou uma injeção de profissionalismo e um rigor cênico di-ferentes da tradição. Ingredientes que de forma inegável têm reinventado a arte circense e reaproximado o público do picadeiro.

A atração principal do novo mundo circense, o Cirque du Soleil trouxe uma revolução estética, com uma mistura de elementos culturais mul-tiétnicos. A fonte criativa do Soleil intriga porque permite à companhia nunca repetir a si mesma. Outro desafio que vem sendo cumprido a risca é manter na trupe características como vitalidade, doçura combinados à potência expressiva, que os permite arrancar suspiros.

Fundada em 1984, pelo engolidor de fogo canadense Guy Laliberté, a companhia começou com 73 funcionários, em uma época em que novos ventos criativos sopravam da Europa Oriental em direção às Américas. Aos já conhecidos do picadeiro teatro e dança se juntaram às artes plás-ticas e à música. Artistas reconhecidos pelo rigor das habilidades físicas completaram a cena. Os experimentos geraram o produto final de uma das maiores empresas de entretenimento do mundo. Com um patrimônio de US$ 1,4 bilhão, a trupe de hoje tem cerca de 3,5 mil funcionários.

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Crescimento espantoso e consagração artística do Cirque du Soleil são frutos de um elemento que está em falta em muitos lugares: a criatividade. O econo-mista americano Richard Florida tem uma explicação interessante para o fenômeno solar em sua teoria das solar em sua teoria das solarclasses criativas. Intercâmbio cultural, o contato com o diverso, segundo Florida, são os combustíveis que ali-mentam a criatividade e a invenção.

Olheiros espalhados pelo mundo recrutam ginastas, músicos, atores, dançarinos, de todos os lugares. São 900 artistas de nacionalidades diversas e a cada ano essa equipe se renova com até 250 novas contratações. Em momentos de folga ou quando estão se recuperan-do de alguma lesão, os artistas são estimulados a as-sistir ao espetáculo da platéia para deslocar a visão da performance e sentir os resultados do trabalho. “As pes-soas que trabalham conosco são estimuladas a conhe-cer a realidade de cada um, a trabalhar em equipe e es-timular a atividade de criação. é uma postura singular, que prima pela liberdade e confiança nas pessoas, mas que vem ganhando força no terceiro milênio”, afirma o diretor de Ação e Responsabilidade Social, Gil Favreau.

Como resultado disso, o respeitável público deixa a lona com uma sensação de renovação da força vital. A experiência criativa é intensa do ponto de vista da uni-versalidade do espetáculo, por isso, mais que entreteni-mento, o Soleil é uma experiência, uma emoção.

O Cirque du Soleil está pela primeira vez no Brasil, com temporadas de agosto a outubro em São Paulo e em novembro no Rio de Janeiro. O gerente da Unidade de Comércio e Serviços do Sebrae Nacional, Vinicius La-ges, aproveitou a vinda da trupe ao Brasil para se reunir com representantes do Cirque. “A história desse empre-endimento cultural tem uma infinidade de lições de negócios, estratégias, habilidades, inteligência e cria-tividade para aprendermos juntos”, afirma Lages. Ele explica que a maior inovação é o olhar especial sobre a realidade social e a produção cultural. Um exemplo disso, é que cerca de 1% do faturamento do empreendi-mento é destinado a ações de responsabilidade social em todo o mundo.

O sucesso do Cirque du Solei virou estudo de casos em diversas escolas de MBA do mundo e até mesmo no Brasil. Lages, acredita que o Sebrae também pode aprender com a experiência do Guy Laliberté, um artis-

AS ORGANIZAÇÕES QUE PARTICIPAM DO CIRCO DO MUNDO BRASIL ACREDITAM QUE A CAUSA DO CIRCO SOCIAL GANHE ÂNIMO NOVO COM A VINDA DO SOLEIL AO BRASIL

ta de rua que transformou seu sonho em um dos maio-res empreendimentos de cultura e entretenimento do mundo. “O Sebrae lida com pessoas que sonham em ter seu próprio empreendimento e muitas vezes na área de cultura. Com certeza essa maneira utilizada pelo Cir-que du Soleil de treinar e de capacitar as pessoas até ul-trapassarem seus limites nos interessa muito”, explica.

Outro ponto que Lages destaca é a forma como o Cirque du Soleil faz para buscar novos talentos e criar novos espetáculos. “Eles se abrem como antenas pa-rabólicas para o mundo inteiro para recrutar novos talentos, novas idéias para seus shows. queremos ver o quanto essa experiência pode ser aproveitada pelo mundo dos pequenos negócios. quem sabe, estabele-cer um novo jeito de olhar a realidade social e a produ-ção cultural no Brasil”.

Durante a conversa, Lages também provocou o Cir-que du Soleil sobre uma possível parceria relacionada a desenvolver fornecedores para diversos produtos que o circo vende em sua butique de suvenir. São bo-necos, chapéus, fantasias e imagens, tudo relacionado ao merchandising da organização. “Hoje, o circo com-pra esses produtos da Ásia e de diversos países e eles sabem que precisam passar a se preocupar com a ori-gem dessa matéria-prima, desses produtos. Então, po-demos nos colocar como parceiros para olhar grupos que possam produzir para eles ou se tornar fornecedo-res. é uma perspectiva bem interessante. Claro que é apenas especulação para pensarmos nas possibilida-des”, explica o gerente.

Circo do MundoComo uma empresa global, o Cirque du Soleil tornou-

se a melhor vitrine para a arte circense no mundo e tem

usado essa força para promover também inclusão social, cultural e política para jovens pobres. As linguagens ar-tísticas do circo são usadas como canal de integração, expressão, promoção de cidadania e transformação so-cial. O objetivo não é revelar talentos, mas oferecer opor-tunidade de escolha, abrindo, por meio de atividades cul-turais, artísticas e esportivas, a possibilidade para que o jovem conheça suas potencialidades e limitações.

Chamado circo social, esse conceito ganhou força a par-tir de 1993, quando o Soleil e a rede Juventude do Mundo obtiveram experiências bem sucedidas em seis grandes

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OUSADIA E CRIATIVIDADE EM CIFRAS

- Faturamento em 2005: US$ 700 milhões

- Patrimônio: US$ 1,4 bilhão

- Aproximadamente 70% do lucro são investidos em pesquisa e desenvolvimento dos espetáculos

- Funcionários: cerca de 3 mil, contando com 900 artistas de 40 nacionalidades. Pelos menos 25 idiomas diferentes são falados na equipe do circo

- Desde 1984, o circo já passou 250 vezes por 100 cidades em 5 continentes

- Público estimado: 50 milhões de pessoasdesde 1984

- Só em 2006 os espetáculos do circo terão 8 milhões de espectadores

- Seis espetáculos estão em turnê permanente pelo mundo e sete espetáculos fixos

- Cada espetáculo demanda mais de 60 contêineres que levam cerca de 800 toneladas de material

- O circo tem uma equipe só para produzir os calçados usados nos espetáculos. Desde 1998, foram produzidos 4 mil pares

- O espetáculo “O” apresenta um número de nado sincronizado, em que 85 acrobatas nadam em uma piscina de 5,7 milhões de litros, construída em Las Vegas

- Cada show do circo é feito para durar pelo menos 10 anos e custa cerca de US$ 20 milhões

- Criado em 1992, o espetáculo Saltimbanco já foi visto por mais de 90 milhões de pessoas em 20 países

capitais espalhadas pelos hemisférios norte e sul. Em 1995, a ini-ciativa tomou forma para dar vida ao programa social Cirque du Monde. Hoje, o trabalho está presente no Chile, Brasil, México, Es-tados Unidos, Canadá, Camarão, Costa do Marfim, Senegal, África do Sul e Mongólia.

No Brasil, a rede composta por 22 organizações está presente em 19 cidades, já beneficiou mais de 10 mil jovens e crianças e gera cerca de 900 empregos diretos. Uma das principais ativi-dades dessa rede é a formação de educadores, que usam a arte circense para estimular um desenvolvimento integral. O foco é oferecer instrumentos para formar cidadãos independentes e conscientes, por meio da arte-educação e inclusão produtiva.

Desde 2004, o Sebrae é parceiro dessas entidades, a partir do trabalho desenvolvido pelo Sebrae/RJ, coordenado pela Gerente de Desenvolvimento Territorial Heliana Marinho. Tal iniciativa se insere nas prioridades assumidas pelo Diretor Superinten-dente Sergio Malta, que aposta em projetos de Economia da Cultura para fomentar o empreendedorismo social no Rio de Janeiro. Importante ressaltar que esta parceria tem como prin-cipais interlocutores Junior Perim, representante Internacional da Rede Circo do Mundo no Brasil e Diretor Executivo da Ong Crescer e Viver e Cléa Silveira, Diretora da FASE (Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional).

Por outro lado, Favreau afirma que a intenção do Soleil é tornar o projeto Rede Circo do Mundo cada vez mais sério, organizado e global. Para isso, está sendo preparado um congresso mundial de circo, em Montreal. “Responsabilidade social é a nova onda das em-presas no mundo. Para nós, é uma questão fundamental que, hoje, tem de ser tratado com organização para diversificar as fontes e ampliar a ajuda”, completa. O circo canadense chega a se preocupar se as roupas usadas nos espetáculos são feitas de forma ética e res-ponsável, sem nenhuma forma de abuso ou exploração.

Apesar das críticas dos circenses tradicionais e da falta de re-conhecimento do governo, as organizações que participam do Circo do Mundo Brasil acreditam que a causa do circo social ga-nhe ânimo novo com a vinda do Soleil ao país. O dramaturgo e diretor do grupo Parlapatões e do Circo Roda Brasil, Hugo Posso-lo, reafirmou em artigo recente a função social do circo e seu va-lor simbólico para a sociedade. Por isso, defende Possolo, o circo precisa de um olhar atento do poder público e da sociedade.

A proposta seria mapear a atividade e consolidar informações que ajudem a conhecer melhor as características e necessidades do circo. “A falta de dados colabora para o desprestígio de uma atividade que tem recursos próprios, dá empregos, paga impos-tos e, ainda assim, é considerada marginal”.

A Revista Sebrae Cultura e Entretenimento agradece aos dirigentes do Circo do Mundo, em especial Junior Perrin, e a gerente do projeto, no Sebrae-RJ, Heliana Marinho, por facilitarem o contato com os diretores do Cirque du Soliel, Gil Fraveau e Agathe, o que possibilitou a produção dessa matéria.