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Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
76 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
NA CADEcircNCIA DA VOZ NA DANCcedilA CIRCULAR
A PERFORMANCE DO GRUPO BALANCcedilO DA ROSEIRA28
Marline Arauacutejo Santos (UNEB)
marlinearaujohotmailcom
RESUMO
Neste trabalho procura-se apresentar a performance do grupo Balanccedilo da Rosei-
ra grupo de cantigas de roda composto por mulheres do municiacutepio de Quixabeira
regiatildeo noroeste da Bahia e que compotildee o Territoacuterio de Identidade da Bacia do Jacuiacute-
pe a 300 km da capital Salvador Pontuando os conceitos de performance apresenta-
dos por Paul Zumthor e Richard Schechner a partir das apresentaccedilotildees do grupo que
traz em seu repertoacuterio canccedilotildees aprendidas nas quebras comunitaacuterias de licuri bem
como produccedilotildees atuais compostas para datas comemorativas no municiacutepio e eventos
para os quais o grupo eacute convidado Destacando que a preparaccedilatildeo para a performance
acontece a partir da escolha do local onde iratildeo se apresentar seguida de outros ele-
mentos como a indumentaacuteria que seraacute utilizada as cantigas que seratildeo escolhidas
quem faraacute a primeira e a segunda voz jaacute que cantam aos pares o cuidado para natildeo
desafinar como entraratildeo no espaccedilo onde iratildeo se apresentar o lugar de cada uma na
roda tudo devidamente combinado e ensaiado para a apresentaccedilatildeo A atuaccedilatildeo nos en-
saios eacute fundamental para a composiccedilatildeo do cenaacuterio performancial e cada decisatildeo cole-
tivamente tomada satildeo passos para o aacutepice que eacute a apresentaccedilatildeo puacuteblica A caracteriacutes-
tica transformadora da performance se percebe nos ajustes feitos pelo Balanccedilo da Ro-
seira a cada apresentaccedilatildeo nenhuma performance eacute repetida e cada performance eacute
transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca Danccedila acompanhada de can-
to fazem o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas apresentaccedilotildees do grupo
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de uma accedilatildeo integrada
totalizando a significaccedilatildeo da poeacutetica oral
Palavras-chave Performance Poesia oral
Cantigas de roda Quixabeira Balanccedilo da Roseira
1 Consideraccedilotildees iniciais
Quixabeira municiacutepio do interior baiano com pouco mais de
10000 habitantes de acordo com o censo 2015 (IBGE) situado na regi-
atildeo noroeste do estado a cerca de 300 km de Salvador com clima semiaacute-
rido e vegetaccedilatildeo caracteriacutestica da caatinga O nome do municiacutepio vem de
um dos espeacutecimes vegetais de grande importacircncia no sertatildeo nordestino
por suas muacuteltiplas utilidades eacute uma aacutervore que tem propriedades medici-
28 Este estudo faz parte do projeto de pesquisa Cantando rodas contando histoacuterias identidade e cultura popular em Quixabeira desenvolvido no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Estudos de Liacuten-gua e Linguagens (PPGEL) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
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nais sua madeira eacute resistente e muito utilizada para construccedilatildeo de moacute-
veis suas folhas servem de alimentaccedilatildeo para as criaccedilotildees e a terra agrave sua
volta serve de adubo A sideroxylon obtusifolium tambeacutem conhecida
como quixabeira ou quixaba pode chegar a 15 metros de altura armada
de espinhos e produz um pequeno fruto negro adocicado Aleacutem da aacutervore
que nomeia o municiacutepio haacute outro espeacutecime importante na histoacuteria local
o licurizeiro abundante na regiatildeo a extraccedilatildeo do licuri ainda gera renda
agraves famiacutelias locais
A quebra do licuri era como tantas outras atividades no campo
acompanhada dos cantos de trabalho utilizados como forma de abrandar
o esforccedilo feito na atividade braccedilal cadenciando o bater das pedras Em
algumas ocasiotildees um ritual conhecido por muitos como ldquorobaacute licurirdquo
Semelhante ao ldquoboi roubadordquo descrito por Sandro Santana em Muacutesica e
Ancestralidade na Quixabeira era organizado em segredo quando um
membro da comunidade estava com o trabalho por fazer ou se encontrava
enfermo ldquoEacute uma forma de se solidarizar diante de um momento difiacutecil
com alegria e diversatildeordquo (SANTANA 2012 p 59-60) Na madrugada o
grupo arregimentado para auxiliar o vizinho chega soltando foguetes e
entoando os cantos especiacuteficos para a ocasiatildeo Ao ouvir os fogos de arti-
fiacutecio e o canto o dono da casa saiacutea para providenciar comida para o mu-
tiratildeo A quebra de licuri seguia acompanhada dos cantos de trabalho que
ditavam o ritmo da atividade naquela noite e ao final virava festa com
cantigas de roda samba e batuques
A tarefa aacuterdua de quebrar licuri exige o uso de uma ferramenta na-
tural a pedra Todo trabalhador rural que apoacutes a colheita e secagem do
licuri inicia a tarefa de quebraacute-lo precisa cuidadosamente buscar as pe-
dras necessaacuterias uma para servir de suporte para o fruto natildeo escorregar
ou afundar no chatildeo outra para quebrar o coco essa sempre a mesma
guardada ateacute o uacuteltimo dia de trabalho Se engana quem pensa que qual-
quer pedra resolve a questatildeo a pedra de apoio natildeo pode ter sua superfiacutecie
plana pois o licuri pode escorregar nem muito cocircncava para natildeo dificul-
tar o alcance da pedra de bater Pedras escolhidas na expressatildeo local a
de botar e a de bater inicia-se a tarefa
O grupo Balanccedilo da Roseira tem seu iniacutecio como a escolha das
pedras para a quebra do licuri O grupo que hoje reuacutene dez mulheres teve
suas integrantes escolhidas principalmente pela habilidade de cantar A
coordenadora do grupo Edinalva Brito coordenadora pedagoacutegica e pro-
fessora da rede municipal e coordenadora da Pastoral da Crianccedila marca
o iniacutecio do grupo em junho de 1998 Segundo entrevista realizada em
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2016 ela afirma que jaacute existia na cidade vaacuterias pessoas homens e mulhe-
res que conheciam as cantigas de roda utilizadas como canto de trabalho
fosse nas quebras de licuri debulhas de milho e feijatildeo etc Nos festejos
do municiacutepio ou em comemoraccedilotildees particulares ao estarem reunidos
aqueles que conheciam as cantigas formavam ali a roda sem organizaccedilatildeo
preacutevia e cantavam Edinalva entatildeo convidou as pessoas que ela sabia que
cantavam rodas e sugeriu a formaccedilatildeo do grupo para uma apresentaccedilatildeo no
aniversaacuterio da cidade Cerca de 20 mulheres aceitaram o convite e o gru-
po se apresentou como Mulheres da Roda mantendo esse nome ateacute o ano
de 2015
Hoje o canto do Balanccedilo da Roseira natildeo mais estaacute diretamente
vinculado agrave atividade agriacutecola O canto que no passado dessas mulheres
aliviava a dureza da tarefa retirado desse cenaacuterio hoje eacute luacutedico e per-
meado de elementos performanciais O lugar das cantigas de roda eacute alte-
rado o que antes natildeo exigia nenhum elemento aleacutem do trabalho para
acontecer agora eacute colocado como performance e elemento da cultura po-
pular local Produtoras de uma cultura popular conhecedoras dos seus
espaccedilos e de uma linguagem musical particular o que cantam eacute resultado
do conhecimento que as legitima o desejo de cantar de se fazer ouvir de
sentir a vida pulsar atraveacutes do canto eacute mais forte que qualquer entrave
Hoje se natildeo houver eventos puacuteblicos programados para que o
grupo se apresente elas se reuacutenem nas casas de amigos e vizinhos pelo
prazer do canto Essa motivaccedilatildeo eacute todo e parte na constituiccedilatildeo da cultura
que as identifica e que as transforma com a convicccedilatildeo de que o que fa-
zem eacute importante senatildeo para o todo ndash a sociedade quixabeirense ndash o eacute
para a parte ndash suas vidas suas histoacuterias Com esse pensamento eacute que mu-
daram o nome do grupo Mulheres da Roda era pouco para quem vecirc nas
quadras que entoam no ciacuterculo que formam na parceria das vozes e da
danccedila a vida fazer sentido
2 Arrumando a cantoria do ensaio agrave encenaccedilatildeo
Palavra tambeacutem eacute coisa ndash coisa volaacutetil que eu
pego no ar com a boca quando falo Eu a concretizo
(Lispector 2008 p 72)
A epiacutegrafe diz respeito a uma voz para aleacutem do corpo que a pro-
nuncia abstrata separada de um corpo sua manifestaccedilatildeo em linguagem
a voz que ultrapassa essa palavra coisa sua concretizaccedilatildeo E na atuaccedilatildeo
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do grupo Balanccedilo da Roseira a concretizaccedilatildeo da palavra coisa se daacute na
performance que as mulheres elaboram Richard Schechner encontra sete
funccedilotildees para a performance ldquoentreter fazer alguma coisa que eacute bela
marcar ou mudar a identidade fazer ou estimular uma comunidade cu-
rar ensinar persuadir ou convencer lidar com o sagrado e com o demo-
niacuteacordquo (SCHECHNER 2003 p 10) e reitera que nenhuma performance
exerceraacute todas essas funccedilotildees embora existam performances que datildeo ecircnfa-
se a mais de uma
Se pensarmos no grupo Balanccedilo da Roseira podemos observar
atraveacutes das performances do grupo e das entrevistas concedidas por cada
integrante que uma das funccedilotildees que elas identificam em unanimidade eacute o
entretenimento Elas veem a atividade no grupo como uma forma de re-
lembrar a juventude e cantam por divertimento lazer Mas natildeo se encerra
no ato de entreter eacute tambeacutem fazer algo belo percebem beleza e encan-
tamento no canto na danccedila na roda aleacutem de compreender a atuaccedilatildeo do
grupo enquanto marca de uma identidade local Fazendo uso ainda da te-
oria de Richard Schechner quando reitera as muitas maneiras de enten-
der a performance como um conceito vantajoso por possibilitar a investi-
gaccedilatildeo dos comportamentos performativos em continuidade e considerar a
fluidez das performances da vida cotidiana bem como da construccedilatildeo de
identidades
Rituais brincadeiras e jogos e os papeacuteis da vida cotidiana satildeo performan-
ces pois satildeo convenccedilotildees contexto uso e tradiccedilatildeo ou como queira chamar Natildeo se pode determinar o que eacute uma performance sem se referir agraves circunstacircncias
culturais especiacuteficos Natildeo haacute nada inerente a uma accedilatildeo em si que a faccedila uma
performance ou desqualifique-a de ser uma performance A partir da observa-ccedilatildeo do tipo de teoria da performance que estou propondo cada accedilatildeo eacute uma
performance Mas a partir da observaccedilatildeo da praacutetica cultural algumas accedilotildees se-
ratildeo consideradas performances e outras natildeo e isso vai variar de cultura para cultura de um periacuteodo histoacuterico a outro periacuteodo histoacuterico29 (SCHECHNER
2013 p 38 traduccedilatildeo nossa)
Nessa variaccedilatildeo do que eacute ou natildeo considerado performance com as
mudanccedilas a cada periacuteodo histoacuterico e de uma cultura a outra Paul Zum-
thor distingue quatro situaccedilotildees performanciais ldquode acordo com o momen-
29 Rituals play and games and the roles of everyday life are performances because convention context usage and tradition say so One cannot determine what ldquoisrdquo a performance without referring to specific cultural circumstances There is nothing inherent in an action in itself that makes it a performance or disqualifies it from being a performance From the vantage of the kind of performance theory I am propounding every action is a performance But from the vantage of cultural practice some actions will be deemed performances and other not and this will vary from culture to culture historical period to historical period (SCHECHNER 2013 p 38)
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to em que o canto se insererdquo convencional natural histoacuterico ou livre Na
denominaccedilatildeo convencional o tempo eacute intermitente de acontecimentos
ritualizados Exemplo disso eacute a ligaccedilatildeo da performance do grupo Balanccedilo
da Roseira agrave celebraccedilatildeo de uma festa religiosa especiacutefica o canto de
abertura nas apresentaccedilotildees tem a base meloacutedica no canto da Folia de
Reis festa catoacutelica ligada agrave comemoraccedilatildeo do Natal com data fixada em
6 de janeiro assim como o uso da danccedila do pau de fitas cuja popularida-
de se deu tambeacutem atraveacutes das festas de reis E no grupo eacute utilizada para
homenagear o evento ou seu organizador
No tempo ritual se articulam na praacutetica da maioria das religiotildees as per-
formances da poesia lituacutergica Em paiacuteses de tradiccedilatildeo cristatilde se encontram inuacute-meros cacircnticos cuja utilizaccedilatildeo constitui entre noacutes uma das uacuteltimas tradiccedilotildees
poeacuteticas orais quase puras [] O laccedilo ritual se distende agraves vezes mas conota
como uma marca original performances jaacute banalizadas (ZUMTHOR 2010 p 168)
Outra situaccedilatildeo performancial se daacute no tempo natural o tempo
ldquodas estaccedilotildees dos dias das horasrdquo tempo que para o autor propicia a
poesia pois estaacute ancorado no que eacute vivido tal qual as quebras comunitaacute-
rias do licuri no periacuteodo de sua colheita determinada por esse tempo na-
tural no periacuteodo em que os licurizeiros frutificam Em entrevista a coor-
denadora do grupo declara que ldquotendo safra sempre tinha festardquo Era
quando acontecia agrave noite o licuri roubado ndash a comunidade se reunia e
chegava de surpresa na casa de algum vizinho para ajudar a quebrar o li-
curi colhido Chegavam cantando ldquoDona da casa bem que eu lhe dizia
que essa surpresa eu vinha fazer um dia E eu dizendo vocecirc pode acredi-
taacute que hoje noacuteis vadeia ateacute o sol raiaacuterdquo O trabalho era embalado pelo can-
to e ao final a roda era feita para festejar
[] o canto acompanhando o trabalho orientado para seguir esses ciclos []
A noite caacutelida de misteacuterios eacute um tempo forte que a maioria das civilizaccedilotildees considera sensiacutevel agrave voz humana seja interditando seu uso seja fazendo da
noite o tempo privilegiado ou ateacute exclusivo de certas performances []
(ZUMTHOR 2010 p 169)
No tempo livre nada liga a performance ao que eacute vivido o canto
eacute o que lhe resta e o desejo de cantar natildeo mais se manteacutem atrelado ao
canto do trabalho ou agrave uma comemoraccedilatildeo religiosa O conceito de Paul
Zumthor eacute que embora o tempo seja sentido em toda performance em
virtude da proacutepria natureza da comunicaccedilatildeo oral na performance ritual
essa regra constitui os sentidos do poema enquanto na performance de
tempo livre esse efeito se dilui
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O laccedilo que ata a performance ao fato vivido se afrouxa facilmente Resta a maravilha do canto A alegria ou a tristeza provocada pelo acontecimento ou
pelo humor por seu turno talvez suscitem mais um puro desejo de cantar do
que o gosto por uma canccedilatildeo em particular pouco importa o texto apenas im-porta a melodia a relaccedilatildeo ldquohistoacutericardquo eacute rompida o tempo eacute abolido (ZUMN-
THOR 2010 p 170)
Constata-se atraveacutes das entrevistas realizadas que esse eacute um sen-
timento recorrente nas mulheres que integram o grupo o desejo de can-
tar sem predileccedilotildees pelo que eacute cantado ou pela situaccedilatildeo que agraves conduz
ao canto o som meloacutedico da voz eacute o mais importante a despeito da poe-
sia que acompanha esse canto ldquoCantar pra gente eacute tudordquo segredam-me
ldquose a gente natildeo cantar a gente entristecerdquo
A performance vocal se liga ao texto e ao corpo que emana essa
voz em primeiro tom ndash a chamada primeira voz ndash aguda e nasalada
acompanhada de um tom abaixo uma voz um pouco mais grave a se-
gunda voz agrave semelhanccedila dos repentistas e seu canto de improviso Por
esse motivo a coordenadora do grupo afirma que para ldquocantar rodardquo
natildeo basta querer cantar eacute preciso ldquosaberrdquo cantar um ldquodomrdquo que para
ela natildeo eacute algo disponiacutevel a todos Paul Zumthor corrobora a informaccedilatildeo
natildeo no sentido de um dom gratuito mas na qualidade do saber-fazer
ldquoem outros termos performance implica competecircncia Mas o que eacute aqui
competecircncia Agrave primeira vista aparece como savoir-faire Na perfor-
mance eu diria que ela eacute o saber-serrdquo (ZUMTHOR 2014 p 34)
Com o grupo Balanccedilo da Roseira esse ldquosaber-serrdquo envolve pri-
mordialmente o canto e um canto ritual com caracteriacutesticas e atuaccedilotildees
especiacuteficas Ao organizarem as apresentaccedilotildees a escolha das duplas de
canto se datildeo de acordo com a afinidade entre as integrantes do grupo
bem como a afinaccedilatildeo entre as vozes de cada dupla e isso pode variar a
cada apresentaccedilatildeo pois consideram que ldquotem vozes que natildeo se datildeo muito
bemrdquo Como anteriormente descrito as duplas se datildeo em variaccedilotildees no
tom de voz sopranos e contraltos embora todas afirmem ser capazes de
cantar em qualquer um dos tons tudo depende da dupla que eacute escolhida
para a apresentaccedilatildeo Assim se a inteacuterprete escolhida para dar iniacutecio ao
canto em sua maioria uma voz soprano a primeira voz mais aguda o fi-
zer em um tom baixo ou seja no tom do contralto a segunda voz sua
parceira de canto faraacute o tom necessaacuterio para a harmonia das vozes
Do ponto de vista dessa configuraccedilatildeo de canto nota-se que a ldquoafi-
naccedilatildeordquo que eacute desejada pelo grupo eacute condutor tambeacutem de significados
que extrapolam o lugar da linguagem dita dando lugar agraves possibilidades
interpretativas das formas poeacuteticas
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O canto depende mais da arte musical que das gramaacuteticas ele se coloca por essa razatildeo entre as manifestaccedilotildees de uma praacutetica significante privilegiada
a menos inapta sem duacutevida para tocar em noacutes o cordatildeo umbilical do sujeito
onde se articula nos poderes naturais a simbologia de uma cultura No dito a presenccedila fiacutesica do locutor se atenua mais ou menos tendendo a se diluir nas
circunstacircncias No canto ela se afirma reivindicando a totalidade de seu espa-
ccedilo Por isso a maior parte das performances poeacuteticas em todas as civiliza-ccedilotildees sempre foram cantadas (ZUMTHOR 2010 p 200)
Tal qual Ceciacutelia Meireles que canta ldquoporque o instante existerdquo as
mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira cantam pelo instante pelo prazer
pela crenccedila naquilo que continuam a fazer A noccedilatildeo de performance atre-
lada agrave ideia de competecircncia Paul Zumthor define como o saber-ser ldquoum
saber que implica e comanda uma presenccedila e uma condutardquo (ZUM-
THOR 2014 p 34) Eacute por ele fundamentada atraveacutes dos quatro traccedilos da
performance apresentados por Dell Hymes em Breakthrough into Per-
formance performance eacute reconhecimento ldquofaz passar algo que eu reco-
nheccedilo da virtualidade agrave atualidaderdquo a performance estaacute sempre situada
em um contexto que eacute tempo cultural e situacional algo que ldquoultrapassa
o curso comum dos acontecimentosrdquo haacute trecircs tipos de atividades no grupo
cultural de cada homem o comportamento a conduta e a performance a
performance modifica o que se conhece sobre o conhecimento que ela
transmite ldquocada performance nova coloca tudo em causa A forma se
percebe em performance mas a cada performance ela se transmudardquo
(ZUMTHOR 2014 p 36)
A caracteriacutestica transformadora da performance se percebe nos
ajustes feitos pelo Balanccedilo da Roseira A cada apresentaccedilatildeo as partici-
pantes se adaptam entre elas e ao ambiente onde iratildeo se apresentar
Quando das apresentaccedilotildees via raacutedio natildeo havia performance visual ape-
nas a voz o canto a danccedila natildeo era necessaacuteria Nas apresentaccedilotildees em ins-
tituiccedilotildees educacionais em um auditoacuterio ou palco ou ainda em competi-
ccedilotildees entre os grupos de roda elas se apresentam para serem vistas e ou-
vidas sem a interaccedilatildeo do puacuteblico Haacute nessas apresentaccedilotildees mais teatrali-
dade (jaacute aconteceram apresentaccedilotildees em que as quebras de licuri foram
simuladas durante o canto) Ocorrem ainda as apresentaccedilotildees em praccedilas
puacuteblicas quando o puacuteblico interage participando do canto e da danccedila
com o grupo Nenhuma performance assim eacute repetida e cada performan-
ce eacute transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca
[] no uso mais geral performance se refere de modo imediato a um aconte-cimento oral e gestual [] qualquer que seja a maneira pela qual somos leva-
dos a remanejar (ou a espremer para extrair substacircncia) a noccedilatildeo de performan-
ce encontraremos sempre um elemento irredutiacutevel a ideia da presenccedila de um
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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe
enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-
dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-
necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento
empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)
ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR
2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo
do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees
satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-
da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A
roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao
se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda
determina o ritmo das cantigas
ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo
(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a
entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-
das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo
ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-
tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-
formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela
formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute
para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-
satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de
duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais
portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)
No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-
na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-
tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-
to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-
-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano
como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do
autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-
senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho
adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da
manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-
des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-
paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-
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curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que
vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-
NA 2002 p 23)
A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira
leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-
beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem
como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance
das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um
dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os
inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-
do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-
dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-
crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da
concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o
efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)
Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas
inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de
cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-
da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como
os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica
quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute
como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial
lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo
salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-
gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-
vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)
No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos
que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que
usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos
em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-
odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras
do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes
orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p
59)
Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)
Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)
Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)
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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho
a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-
do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de
forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-
da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto
energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-
ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)
Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-
ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com
aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do
sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral
posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-
festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo
ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma
poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)
O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute
apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-
o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um
nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-
chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela
interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p
218)
A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do
Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-
lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas
quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-
nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a
poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou
de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)
A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-
ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-
riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-
tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos
testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando
uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-
THOR 2010 p 221)
Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam
uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da
poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma
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86 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o
discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a
circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto
que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam
danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares
elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo
formado
A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria
eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de
casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-
do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p
226)
A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul
Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado
manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-
nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas
apresentaccedilotildees do grupo
Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em
fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-
go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode
ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-
cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-
do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)
Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os
acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e
se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a
relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado
amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-
buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira
evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-
lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma
camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes
dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-
tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo
da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre
a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-
propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes
e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro
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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-
lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas
uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)
Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo
cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos
de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-
ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental
para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse
elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-
sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)
Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no
encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-
zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo
virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)
Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-
mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-
trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por
muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-
cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-
do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner
(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-
ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso
especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-
duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo
beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus
elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)
Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-
po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-
formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-
chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-
tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-
rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar
sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um
pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais
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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-
duccedilatildeo nossa)
Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica
para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo
pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas
as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER
2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-
rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica
postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais
performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados
A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-
ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves
necessidades sentidas
Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm
fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-
dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)
Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-
da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma
das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-
do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma
comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se
assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo
especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao
espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se
daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-
tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-
30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)
31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)
32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs
Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)
33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)
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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-
mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-
tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo
As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-
cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas
apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-
cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para
ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos
realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute
ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-
tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar
Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo
e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-
cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua
participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da
poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR
2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas
tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance
A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-
criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-
res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria
e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-
mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte
que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)
As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes
do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que
conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e
diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-
cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo
esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo
Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem
refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-
mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor
e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute
mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-
formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo
eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)
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Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
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A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
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SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
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nais sua madeira eacute resistente e muito utilizada para construccedilatildeo de moacute-
veis suas folhas servem de alimentaccedilatildeo para as criaccedilotildees e a terra agrave sua
volta serve de adubo A sideroxylon obtusifolium tambeacutem conhecida
como quixabeira ou quixaba pode chegar a 15 metros de altura armada
de espinhos e produz um pequeno fruto negro adocicado Aleacutem da aacutervore
que nomeia o municiacutepio haacute outro espeacutecime importante na histoacuteria local
o licurizeiro abundante na regiatildeo a extraccedilatildeo do licuri ainda gera renda
agraves famiacutelias locais
A quebra do licuri era como tantas outras atividades no campo
acompanhada dos cantos de trabalho utilizados como forma de abrandar
o esforccedilo feito na atividade braccedilal cadenciando o bater das pedras Em
algumas ocasiotildees um ritual conhecido por muitos como ldquorobaacute licurirdquo
Semelhante ao ldquoboi roubadordquo descrito por Sandro Santana em Muacutesica e
Ancestralidade na Quixabeira era organizado em segredo quando um
membro da comunidade estava com o trabalho por fazer ou se encontrava
enfermo ldquoEacute uma forma de se solidarizar diante de um momento difiacutecil
com alegria e diversatildeordquo (SANTANA 2012 p 59-60) Na madrugada o
grupo arregimentado para auxiliar o vizinho chega soltando foguetes e
entoando os cantos especiacuteficos para a ocasiatildeo Ao ouvir os fogos de arti-
fiacutecio e o canto o dono da casa saiacutea para providenciar comida para o mu-
tiratildeo A quebra de licuri seguia acompanhada dos cantos de trabalho que
ditavam o ritmo da atividade naquela noite e ao final virava festa com
cantigas de roda samba e batuques
A tarefa aacuterdua de quebrar licuri exige o uso de uma ferramenta na-
tural a pedra Todo trabalhador rural que apoacutes a colheita e secagem do
licuri inicia a tarefa de quebraacute-lo precisa cuidadosamente buscar as pe-
dras necessaacuterias uma para servir de suporte para o fruto natildeo escorregar
ou afundar no chatildeo outra para quebrar o coco essa sempre a mesma
guardada ateacute o uacuteltimo dia de trabalho Se engana quem pensa que qual-
quer pedra resolve a questatildeo a pedra de apoio natildeo pode ter sua superfiacutecie
plana pois o licuri pode escorregar nem muito cocircncava para natildeo dificul-
tar o alcance da pedra de bater Pedras escolhidas na expressatildeo local a
de botar e a de bater inicia-se a tarefa
O grupo Balanccedilo da Roseira tem seu iniacutecio como a escolha das
pedras para a quebra do licuri O grupo que hoje reuacutene dez mulheres teve
suas integrantes escolhidas principalmente pela habilidade de cantar A
coordenadora do grupo Edinalva Brito coordenadora pedagoacutegica e pro-
fessora da rede municipal e coordenadora da Pastoral da Crianccedila marca
o iniacutecio do grupo em junho de 1998 Segundo entrevista realizada em
Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
78 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
2016 ela afirma que jaacute existia na cidade vaacuterias pessoas homens e mulhe-
res que conheciam as cantigas de roda utilizadas como canto de trabalho
fosse nas quebras de licuri debulhas de milho e feijatildeo etc Nos festejos
do municiacutepio ou em comemoraccedilotildees particulares ao estarem reunidos
aqueles que conheciam as cantigas formavam ali a roda sem organizaccedilatildeo
preacutevia e cantavam Edinalva entatildeo convidou as pessoas que ela sabia que
cantavam rodas e sugeriu a formaccedilatildeo do grupo para uma apresentaccedilatildeo no
aniversaacuterio da cidade Cerca de 20 mulheres aceitaram o convite e o gru-
po se apresentou como Mulheres da Roda mantendo esse nome ateacute o ano
de 2015
Hoje o canto do Balanccedilo da Roseira natildeo mais estaacute diretamente
vinculado agrave atividade agriacutecola O canto que no passado dessas mulheres
aliviava a dureza da tarefa retirado desse cenaacuterio hoje eacute luacutedico e per-
meado de elementos performanciais O lugar das cantigas de roda eacute alte-
rado o que antes natildeo exigia nenhum elemento aleacutem do trabalho para
acontecer agora eacute colocado como performance e elemento da cultura po-
pular local Produtoras de uma cultura popular conhecedoras dos seus
espaccedilos e de uma linguagem musical particular o que cantam eacute resultado
do conhecimento que as legitima o desejo de cantar de se fazer ouvir de
sentir a vida pulsar atraveacutes do canto eacute mais forte que qualquer entrave
Hoje se natildeo houver eventos puacuteblicos programados para que o
grupo se apresente elas se reuacutenem nas casas de amigos e vizinhos pelo
prazer do canto Essa motivaccedilatildeo eacute todo e parte na constituiccedilatildeo da cultura
que as identifica e que as transforma com a convicccedilatildeo de que o que fa-
zem eacute importante senatildeo para o todo ndash a sociedade quixabeirense ndash o eacute
para a parte ndash suas vidas suas histoacuterias Com esse pensamento eacute que mu-
daram o nome do grupo Mulheres da Roda era pouco para quem vecirc nas
quadras que entoam no ciacuterculo que formam na parceria das vozes e da
danccedila a vida fazer sentido
2 Arrumando a cantoria do ensaio agrave encenaccedilatildeo
Palavra tambeacutem eacute coisa ndash coisa volaacutetil que eu
pego no ar com a boca quando falo Eu a concretizo
(Lispector 2008 p 72)
A epiacutegrafe diz respeito a uma voz para aleacutem do corpo que a pro-
nuncia abstrata separada de um corpo sua manifestaccedilatildeo em linguagem
a voz que ultrapassa essa palavra coisa sua concretizaccedilatildeo E na atuaccedilatildeo
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do grupo Balanccedilo da Roseira a concretizaccedilatildeo da palavra coisa se daacute na
performance que as mulheres elaboram Richard Schechner encontra sete
funccedilotildees para a performance ldquoentreter fazer alguma coisa que eacute bela
marcar ou mudar a identidade fazer ou estimular uma comunidade cu-
rar ensinar persuadir ou convencer lidar com o sagrado e com o demo-
niacuteacordquo (SCHECHNER 2003 p 10) e reitera que nenhuma performance
exerceraacute todas essas funccedilotildees embora existam performances que datildeo ecircnfa-
se a mais de uma
Se pensarmos no grupo Balanccedilo da Roseira podemos observar
atraveacutes das performances do grupo e das entrevistas concedidas por cada
integrante que uma das funccedilotildees que elas identificam em unanimidade eacute o
entretenimento Elas veem a atividade no grupo como uma forma de re-
lembrar a juventude e cantam por divertimento lazer Mas natildeo se encerra
no ato de entreter eacute tambeacutem fazer algo belo percebem beleza e encan-
tamento no canto na danccedila na roda aleacutem de compreender a atuaccedilatildeo do
grupo enquanto marca de uma identidade local Fazendo uso ainda da te-
oria de Richard Schechner quando reitera as muitas maneiras de enten-
der a performance como um conceito vantajoso por possibilitar a investi-
gaccedilatildeo dos comportamentos performativos em continuidade e considerar a
fluidez das performances da vida cotidiana bem como da construccedilatildeo de
identidades
Rituais brincadeiras e jogos e os papeacuteis da vida cotidiana satildeo performan-
ces pois satildeo convenccedilotildees contexto uso e tradiccedilatildeo ou como queira chamar Natildeo se pode determinar o que eacute uma performance sem se referir agraves circunstacircncias
culturais especiacuteficos Natildeo haacute nada inerente a uma accedilatildeo em si que a faccedila uma
performance ou desqualifique-a de ser uma performance A partir da observa-ccedilatildeo do tipo de teoria da performance que estou propondo cada accedilatildeo eacute uma
performance Mas a partir da observaccedilatildeo da praacutetica cultural algumas accedilotildees se-
ratildeo consideradas performances e outras natildeo e isso vai variar de cultura para cultura de um periacuteodo histoacuterico a outro periacuteodo histoacuterico29 (SCHECHNER
2013 p 38 traduccedilatildeo nossa)
Nessa variaccedilatildeo do que eacute ou natildeo considerado performance com as
mudanccedilas a cada periacuteodo histoacuterico e de uma cultura a outra Paul Zum-
thor distingue quatro situaccedilotildees performanciais ldquode acordo com o momen-
29 Rituals play and games and the roles of everyday life are performances because convention context usage and tradition say so One cannot determine what ldquoisrdquo a performance without referring to specific cultural circumstances There is nothing inherent in an action in itself that makes it a performance or disqualifies it from being a performance From the vantage of the kind of performance theory I am propounding every action is a performance But from the vantage of cultural practice some actions will be deemed performances and other not and this will vary from culture to culture historical period to historical period (SCHECHNER 2013 p 38)
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to em que o canto se insererdquo convencional natural histoacuterico ou livre Na
denominaccedilatildeo convencional o tempo eacute intermitente de acontecimentos
ritualizados Exemplo disso eacute a ligaccedilatildeo da performance do grupo Balanccedilo
da Roseira agrave celebraccedilatildeo de uma festa religiosa especiacutefica o canto de
abertura nas apresentaccedilotildees tem a base meloacutedica no canto da Folia de
Reis festa catoacutelica ligada agrave comemoraccedilatildeo do Natal com data fixada em
6 de janeiro assim como o uso da danccedila do pau de fitas cuja popularida-
de se deu tambeacutem atraveacutes das festas de reis E no grupo eacute utilizada para
homenagear o evento ou seu organizador
No tempo ritual se articulam na praacutetica da maioria das religiotildees as per-
formances da poesia lituacutergica Em paiacuteses de tradiccedilatildeo cristatilde se encontram inuacute-meros cacircnticos cuja utilizaccedilatildeo constitui entre noacutes uma das uacuteltimas tradiccedilotildees
poeacuteticas orais quase puras [] O laccedilo ritual se distende agraves vezes mas conota
como uma marca original performances jaacute banalizadas (ZUMTHOR 2010 p 168)
Outra situaccedilatildeo performancial se daacute no tempo natural o tempo
ldquodas estaccedilotildees dos dias das horasrdquo tempo que para o autor propicia a
poesia pois estaacute ancorado no que eacute vivido tal qual as quebras comunitaacute-
rias do licuri no periacuteodo de sua colheita determinada por esse tempo na-
tural no periacuteodo em que os licurizeiros frutificam Em entrevista a coor-
denadora do grupo declara que ldquotendo safra sempre tinha festardquo Era
quando acontecia agrave noite o licuri roubado ndash a comunidade se reunia e
chegava de surpresa na casa de algum vizinho para ajudar a quebrar o li-
curi colhido Chegavam cantando ldquoDona da casa bem que eu lhe dizia
que essa surpresa eu vinha fazer um dia E eu dizendo vocecirc pode acredi-
taacute que hoje noacuteis vadeia ateacute o sol raiaacuterdquo O trabalho era embalado pelo can-
to e ao final a roda era feita para festejar
[] o canto acompanhando o trabalho orientado para seguir esses ciclos []
A noite caacutelida de misteacuterios eacute um tempo forte que a maioria das civilizaccedilotildees considera sensiacutevel agrave voz humana seja interditando seu uso seja fazendo da
noite o tempo privilegiado ou ateacute exclusivo de certas performances []
(ZUMTHOR 2010 p 169)
No tempo livre nada liga a performance ao que eacute vivido o canto
eacute o que lhe resta e o desejo de cantar natildeo mais se manteacutem atrelado ao
canto do trabalho ou agrave uma comemoraccedilatildeo religiosa O conceito de Paul
Zumthor eacute que embora o tempo seja sentido em toda performance em
virtude da proacutepria natureza da comunicaccedilatildeo oral na performance ritual
essa regra constitui os sentidos do poema enquanto na performance de
tempo livre esse efeito se dilui
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O laccedilo que ata a performance ao fato vivido se afrouxa facilmente Resta a maravilha do canto A alegria ou a tristeza provocada pelo acontecimento ou
pelo humor por seu turno talvez suscitem mais um puro desejo de cantar do
que o gosto por uma canccedilatildeo em particular pouco importa o texto apenas im-porta a melodia a relaccedilatildeo ldquohistoacutericardquo eacute rompida o tempo eacute abolido (ZUMN-
THOR 2010 p 170)
Constata-se atraveacutes das entrevistas realizadas que esse eacute um sen-
timento recorrente nas mulheres que integram o grupo o desejo de can-
tar sem predileccedilotildees pelo que eacute cantado ou pela situaccedilatildeo que agraves conduz
ao canto o som meloacutedico da voz eacute o mais importante a despeito da poe-
sia que acompanha esse canto ldquoCantar pra gente eacute tudordquo segredam-me
ldquose a gente natildeo cantar a gente entristecerdquo
A performance vocal se liga ao texto e ao corpo que emana essa
voz em primeiro tom ndash a chamada primeira voz ndash aguda e nasalada
acompanhada de um tom abaixo uma voz um pouco mais grave a se-
gunda voz agrave semelhanccedila dos repentistas e seu canto de improviso Por
esse motivo a coordenadora do grupo afirma que para ldquocantar rodardquo
natildeo basta querer cantar eacute preciso ldquosaberrdquo cantar um ldquodomrdquo que para
ela natildeo eacute algo disponiacutevel a todos Paul Zumthor corrobora a informaccedilatildeo
natildeo no sentido de um dom gratuito mas na qualidade do saber-fazer
ldquoem outros termos performance implica competecircncia Mas o que eacute aqui
competecircncia Agrave primeira vista aparece como savoir-faire Na perfor-
mance eu diria que ela eacute o saber-serrdquo (ZUMTHOR 2014 p 34)
Com o grupo Balanccedilo da Roseira esse ldquosaber-serrdquo envolve pri-
mordialmente o canto e um canto ritual com caracteriacutesticas e atuaccedilotildees
especiacuteficas Ao organizarem as apresentaccedilotildees a escolha das duplas de
canto se datildeo de acordo com a afinidade entre as integrantes do grupo
bem como a afinaccedilatildeo entre as vozes de cada dupla e isso pode variar a
cada apresentaccedilatildeo pois consideram que ldquotem vozes que natildeo se datildeo muito
bemrdquo Como anteriormente descrito as duplas se datildeo em variaccedilotildees no
tom de voz sopranos e contraltos embora todas afirmem ser capazes de
cantar em qualquer um dos tons tudo depende da dupla que eacute escolhida
para a apresentaccedilatildeo Assim se a inteacuterprete escolhida para dar iniacutecio ao
canto em sua maioria uma voz soprano a primeira voz mais aguda o fi-
zer em um tom baixo ou seja no tom do contralto a segunda voz sua
parceira de canto faraacute o tom necessaacuterio para a harmonia das vozes
Do ponto de vista dessa configuraccedilatildeo de canto nota-se que a ldquoafi-
naccedilatildeordquo que eacute desejada pelo grupo eacute condutor tambeacutem de significados
que extrapolam o lugar da linguagem dita dando lugar agraves possibilidades
interpretativas das formas poeacuteticas
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O canto depende mais da arte musical que das gramaacuteticas ele se coloca por essa razatildeo entre as manifestaccedilotildees de uma praacutetica significante privilegiada
a menos inapta sem duacutevida para tocar em noacutes o cordatildeo umbilical do sujeito
onde se articula nos poderes naturais a simbologia de uma cultura No dito a presenccedila fiacutesica do locutor se atenua mais ou menos tendendo a se diluir nas
circunstacircncias No canto ela se afirma reivindicando a totalidade de seu espa-
ccedilo Por isso a maior parte das performances poeacuteticas em todas as civiliza-ccedilotildees sempre foram cantadas (ZUMTHOR 2010 p 200)
Tal qual Ceciacutelia Meireles que canta ldquoporque o instante existerdquo as
mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira cantam pelo instante pelo prazer
pela crenccedila naquilo que continuam a fazer A noccedilatildeo de performance atre-
lada agrave ideia de competecircncia Paul Zumthor define como o saber-ser ldquoum
saber que implica e comanda uma presenccedila e uma condutardquo (ZUM-
THOR 2014 p 34) Eacute por ele fundamentada atraveacutes dos quatro traccedilos da
performance apresentados por Dell Hymes em Breakthrough into Per-
formance performance eacute reconhecimento ldquofaz passar algo que eu reco-
nheccedilo da virtualidade agrave atualidaderdquo a performance estaacute sempre situada
em um contexto que eacute tempo cultural e situacional algo que ldquoultrapassa
o curso comum dos acontecimentosrdquo haacute trecircs tipos de atividades no grupo
cultural de cada homem o comportamento a conduta e a performance a
performance modifica o que se conhece sobre o conhecimento que ela
transmite ldquocada performance nova coloca tudo em causa A forma se
percebe em performance mas a cada performance ela se transmudardquo
(ZUMTHOR 2014 p 36)
A caracteriacutestica transformadora da performance se percebe nos
ajustes feitos pelo Balanccedilo da Roseira A cada apresentaccedilatildeo as partici-
pantes se adaptam entre elas e ao ambiente onde iratildeo se apresentar
Quando das apresentaccedilotildees via raacutedio natildeo havia performance visual ape-
nas a voz o canto a danccedila natildeo era necessaacuteria Nas apresentaccedilotildees em ins-
tituiccedilotildees educacionais em um auditoacuterio ou palco ou ainda em competi-
ccedilotildees entre os grupos de roda elas se apresentam para serem vistas e ou-
vidas sem a interaccedilatildeo do puacuteblico Haacute nessas apresentaccedilotildees mais teatrali-
dade (jaacute aconteceram apresentaccedilotildees em que as quebras de licuri foram
simuladas durante o canto) Ocorrem ainda as apresentaccedilotildees em praccedilas
puacuteblicas quando o puacuteblico interage participando do canto e da danccedila
com o grupo Nenhuma performance assim eacute repetida e cada performan-
ce eacute transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca
[] no uso mais geral performance se refere de modo imediato a um aconte-cimento oral e gestual [] qualquer que seja a maneira pela qual somos leva-
dos a remanejar (ou a espremer para extrair substacircncia) a noccedilatildeo de performan-
ce encontraremos sempre um elemento irredutiacutevel a ideia da presenccedila de um
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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe
enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-
dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-
necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento
empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)
ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR
2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo
do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees
satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-
da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A
roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao
se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda
determina o ritmo das cantigas
ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo
(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a
entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-
das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo
ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-
tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-
formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela
formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute
para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-
satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de
duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais
portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)
No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-
na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-
tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-
to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-
-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano
como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do
autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-
senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho
adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da
manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-
des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-
paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-
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curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que
vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-
NA 2002 p 23)
A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira
leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-
beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem
como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance
das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um
dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os
inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-
do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-
dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-
crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da
concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o
efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)
Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas
inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de
cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-
da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como
os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica
quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute
como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial
lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo
salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-
gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-
vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)
No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos
que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que
usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos
em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-
odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras
do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes
orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p
59)
Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)
Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)
Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)
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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho
a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-
do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de
forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-
da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto
energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-
ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)
Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-
ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com
aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do
sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral
posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-
festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo
ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma
poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)
O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute
apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-
o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um
nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-
chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela
interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p
218)
A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do
Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-
lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas
quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-
nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a
poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou
de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)
A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-
ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-
riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-
tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos
testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando
uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-
THOR 2010 p 221)
Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam
uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da
poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma
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cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o
discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a
circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto
que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam
danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares
elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo
formado
A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria
eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de
casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-
do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p
226)
A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul
Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado
manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-
nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas
apresentaccedilotildees do grupo
Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em
fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-
go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode
ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-
cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-
do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)
Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os
acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e
se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a
relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado
amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-
buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira
evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-
lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma
camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes
dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-
tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo
da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre
a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-
propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes
e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro
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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-
lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas
uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)
Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo
cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos
de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-
ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental
para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse
elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-
sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)
Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no
encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-
zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo
virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)
Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-
mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-
trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por
muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-
cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-
do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner
(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-
ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso
especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-
duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo
beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus
elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)
Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-
po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-
formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-
chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-
tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-
rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar
sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um
pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais
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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-
duccedilatildeo nossa)
Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica
para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo
pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas
as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER
2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-
rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica
postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais
performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados
A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-
ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves
necessidades sentidas
Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm
fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-
dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)
Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-
da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma
das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-
do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma
comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se
assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo
especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao
espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se
daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-
tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-
30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)
31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)
32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs
Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)
33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)
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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-
mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-
tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo
As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-
cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas
apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-
cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para
ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos
realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute
ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-
tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar
Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo
e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-
cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua
participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da
poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR
2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas
tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance
A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-
criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-
res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria
e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-
mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte
que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)
As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes
do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que
conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e
diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-
cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo
esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo
Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem
refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-
mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor
e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute
mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-
formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo
eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)
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Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
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SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
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78 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
2016 ela afirma que jaacute existia na cidade vaacuterias pessoas homens e mulhe-
res que conheciam as cantigas de roda utilizadas como canto de trabalho
fosse nas quebras de licuri debulhas de milho e feijatildeo etc Nos festejos
do municiacutepio ou em comemoraccedilotildees particulares ao estarem reunidos
aqueles que conheciam as cantigas formavam ali a roda sem organizaccedilatildeo
preacutevia e cantavam Edinalva entatildeo convidou as pessoas que ela sabia que
cantavam rodas e sugeriu a formaccedilatildeo do grupo para uma apresentaccedilatildeo no
aniversaacuterio da cidade Cerca de 20 mulheres aceitaram o convite e o gru-
po se apresentou como Mulheres da Roda mantendo esse nome ateacute o ano
de 2015
Hoje o canto do Balanccedilo da Roseira natildeo mais estaacute diretamente
vinculado agrave atividade agriacutecola O canto que no passado dessas mulheres
aliviava a dureza da tarefa retirado desse cenaacuterio hoje eacute luacutedico e per-
meado de elementos performanciais O lugar das cantigas de roda eacute alte-
rado o que antes natildeo exigia nenhum elemento aleacutem do trabalho para
acontecer agora eacute colocado como performance e elemento da cultura po-
pular local Produtoras de uma cultura popular conhecedoras dos seus
espaccedilos e de uma linguagem musical particular o que cantam eacute resultado
do conhecimento que as legitima o desejo de cantar de se fazer ouvir de
sentir a vida pulsar atraveacutes do canto eacute mais forte que qualquer entrave
Hoje se natildeo houver eventos puacuteblicos programados para que o
grupo se apresente elas se reuacutenem nas casas de amigos e vizinhos pelo
prazer do canto Essa motivaccedilatildeo eacute todo e parte na constituiccedilatildeo da cultura
que as identifica e que as transforma com a convicccedilatildeo de que o que fa-
zem eacute importante senatildeo para o todo ndash a sociedade quixabeirense ndash o eacute
para a parte ndash suas vidas suas histoacuterias Com esse pensamento eacute que mu-
daram o nome do grupo Mulheres da Roda era pouco para quem vecirc nas
quadras que entoam no ciacuterculo que formam na parceria das vozes e da
danccedila a vida fazer sentido
2 Arrumando a cantoria do ensaio agrave encenaccedilatildeo
Palavra tambeacutem eacute coisa ndash coisa volaacutetil que eu
pego no ar com a boca quando falo Eu a concretizo
(Lispector 2008 p 72)
A epiacutegrafe diz respeito a uma voz para aleacutem do corpo que a pro-
nuncia abstrata separada de um corpo sua manifestaccedilatildeo em linguagem
a voz que ultrapassa essa palavra coisa sua concretizaccedilatildeo E na atuaccedilatildeo
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do grupo Balanccedilo da Roseira a concretizaccedilatildeo da palavra coisa se daacute na
performance que as mulheres elaboram Richard Schechner encontra sete
funccedilotildees para a performance ldquoentreter fazer alguma coisa que eacute bela
marcar ou mudar a identidade fazer ou estimular uma comunidade cu-
rar ensinar persuadir ou convencer lidar com o sagrado e com o demo-
niacuteacordquo (SCHECHNER 2003 p 10) e reitera que nenhuma performance
exerceraacute todas essas funccedilotildees embora existam performances que datildeo ecircnfa-
se a mais de uma
Se pensarmos no grupo Balanccedilo da Roseira podemos observar
atraveacutes das performances do grupo e das entrevistas concedidas por cada
integrante que uma das funccedilotildees que elas identificam em unanimidade eacute o
entretenimento Elas veem a atividade no grupo como uma forma de re-
lembrar a juventude e cantam por divertimento lazer Mas natildeo se encerra
no ato de entreter eacute tambeacutem fazer algo belo percebem beleza e encan-
tamento no canto na danccedila na roda aleacutem de compreender a atuaccedilatildeo do
grupo enquanto marca de uma identidade local Fazendo uso ainda da te-
oria de Richard Schechner quando reitera as muitas maneiras de enten-
der a performance como um conceito vantajoso por possibilitar a investi-
gaccedilatildeo dos comportamentos performativos em continuidade e considerar a
fluidez das performances da vida cotidiana bem como da construccedilatildeo de
identidades
Rituais brincadeiras e jogos e os papeacuteis da vida cotidiana satildeo performan-
ces pois satildeo convenccedilotildees contexto uso e tradiccedilatildeo ou como queira chamar Natildeo se pode determinar o que eacute uma performance sem se referir agraves circunstacircncias
culturais especiacuteficos Natildeo haacute nada inerente a uma accedilatildeo em si que a faccedila uma
performance ou desqualifique-a de ser uma performance A partir da observa-ccedilatildeo do tipo de teoria da performance que estou propondo cada accedilatildeo eacute uma
performance Mas a partir da observaccedilatildeo da praacutetica cultural algumas accedilotildees se-
ratildeo consideradas performances e outras natildeo e isso vai variar de cultura para cultura de um periacuteodo histoacuterico a outro periacuteodo histoacuterico29 (SCHECHNER
2013 p 38 traduccedilatildeo nossa)
Nessa variaccedilatildeo do que eacute ou natildeo considerado performance com as
mudanccedilas a cada periacuteodo histoacuterico e de uma cultura a outra Paul Zum-
thor distingue quatro situaccedilotildees performanciais ldquode acordo com o momen-
29 Rituals play and games and the roles of everyday life are performances because convention context usage and tradition say so One cannot determine what ldquoisrdquo a performance without referring to specific cultural circumstances There is nothing inherent in an action in itself that makes it a performance or disqualifies it from being a performance From the vantage of the kind of performance theory I am propounding every action is a performance But from the vantage of cultural practice some actions will be deemed performances and other not and this will vary from culture to culture historical period to historical period (SCHECHNER 2013 p 38)
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to em que o canto se insererdquo convencional natural histoacuterico ou livre Na
denominaccedilatildeo convencional o tempo eacute intermitente de acontecimentos
ritualizados Exemplo disso eacute a ligaccedilatildeo da performance do grupo Balanccedilo
da Roseira agrave celebraccedilatildeo de uma festa religiosa especiacutefica o canto de
abertura nas apresentaccedilotildees tem a base meloacutedica no canto da Folia de
Reis festa catoacutelica ligada agrave comemoraccedilatildeo do Natal com data fixada em
6 de janeiro assim como o uso da danccedila do pau de fitas cuja popularida-
de se deu tambeacutem atraveacutes das festas de reis E no grupo eacute utilizada para
homenagear o evento ou seu organizador
No tempo ritual se articulam na praacutetica da maioria das religiotildees as per-
formances da poesia lituacutergica Em paiacuteses de tradiccedilatildeo cristatilde se encontram inuacute-meros cacircnticos cuja utilizaccedilatildeo constitui entre noacutes uma das uacuteltimas tradiccedilotildees
poeacuteticas orais quase puras [] O laccedilo ritual se distende agraves vezes mas conota
como uma marca original performances jaacute banalizadas (ZUMTHOR 2010 p 168)
Outra situaccedilatildeo performancial se daacute no tempo natural o tempo
ldquodas estaccedilotildees dos dias das horasrdquo tempo que para o autor propicia a
poesia pois estaacute ancorado no que eacute vivido tal qual as quebras comunitaacute-
rias do licuri no periacuteodo de sua colheita determinada por esse tempo na-
tural no periacuteodo em que os licurizeiros frutificam Em entrevista a coor-
denadora do grupo declara que ldquotendo safra sempre tinha festardquo Era
quando acontecia agrave noite o licuri roubado ndash a comunidade se reunia e
chegava de surpresa na casa de algum vizinho para ajudar a quebrar o li-
curi colhido Chegavam cantando ldquoDona da casa bem que eu lhe dizia
que essa surpresa eu vinha fazer um dia E eu dizendo vocecirc pode acredi-
taacute que hoje noacuteis vadeia ateacute o sol raiaacuterdquo O trabalho era embalado pelo can-
to e ao final a roda era feita para festejar
[] o canto acompanhando o trabalho orientado para seguir esses ciclos []
A noite caacutelida de misteacuterios eacute um tempo forte que a maioria das civilizaccedilotildees considera sensiacutevel agrave voz humana seja interditando seu uso seja fazendo da
noite o tempo privilegiado ou ateacute exclusivo de certas performances []
(ZUMTHOR 2010 p 169)
No tempo livre nada liga a performance ao que eacute vivido o canto
eacute o que lhe resta e o desejo de cantar natildeo mais se manteacutem atrelado ao
canto do trabalho ou agrave uma comemoraccedilatildeo religiosa O conceito de Paul
Zumthor eacute que embora o tempo seja sentido em toda performance em
virtude da proacutepria natureza da comunicaccedilatildeo oral na performance ritual
essa regra constitui os sentidos do poema enquanto na performance de
tempo livre esse efeito se dilui
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O laccedilo que ata a performance ao fato vivido se afrouxa facilmente Resta a maravilha do canto A alegria ou a tristeza provocada pelo acontecimento ou
pelo humor por seu turno talvez suscitem mais um puro desejo de cantar do
que o gosto por uma canccedilatildeo em particular pouco importa o texto apenas im-porta a melodia a relaccedilatildeo ldquohistoacutericardquo eacute rompida o tempo eacute abolido (ZUMN-
THOR 2010 p 170)
Constata-se atraveacutes das entrevistas realizadas que esse eacute um sen-
timento recorrente nas mulheres que integram o grupo o desejo de can-
tar sem predileccedilotildees pelo que eacute cantado ou pela situaccedilatildeo que agraves conduz
ao canto o som meloacutedico da voz eacute o mais importante a despeito da poe-
sia que acompanha esse canto ldquoCantar pra gente eacute tudordquo segredam-me
ldquose a gente natildeo cantar a gente entristecerdquo
A performance vocal se liga ao texto e ao corpo que emana essa
voz em primeiro tom ndash a chamada primeira voz ndash aguda e nasalada
acompanhada de um tom abaixo uma voz um pouco mais grave a se-
gunda voz agrave semelhanccedila dos repentistas e seu canto de improviso Por
esse motivo a coordenadora do grupo afirma que para ldquocantar rodardquo
natildeo basta querer cantar eacute preciso ldquosaberrdquo cantar um ldquodomrdquo que para
ela natildeo eacute algo disponiacutevel a todos Paul Zumthor corrobora a informaccedilatildeo
natildeo no sentido de um dom gratuito mas na qualidade do saber-fazer
ldquoem outros termos performance implica competecircncia Mas o que eacute aqui
competecircncia Agrave primeira vista aparece como savoir-faire Na perfor-
mance eu diria que ela eacute o saber-serrdquo (ZUMTHOR 2014 p 34)
Com o grupo Balanccedilo da Roseira esse ldquosaber-serrdquo envolve pri-
mordialmente o canto e um canto ritual com caracteriacutesticas e atuaccedilotildees
especiacuteficas Ao organizarem as apresentaccedilotildees a escolha das duplas de
canto se datildeo de acordo com a afinidade entre as integrantes do grupo
bem como a afinaccedilatildeo entre as vozes de cada dupla e isso pode variar a
cada apresentaccedilatildeo pois consideram que ldquotem vozes que natildeo se datildeo muito
bemrdquo Como anteriormente descrito as duplas se datildeo em variaccedilotildees no
tom de voz sopranos e contraltos embora todas afirmem ser capazes de
cantar em qualquer um dos tons tudo depende da dupla que eacute escolhida
para a apresentaccedilatildeo Assim se a inteacuterprete escolhida para dar iniacutecio ao
canto em sua maioria uma voz soprano a primeira voz mais aguda o fi-
zer em um tom baixo ou seja no tom do contralto a segunda voz sua
parceira de canto faraacute o tom necessaacuterio para a harmonia das vozes
Do ponto de vista dessa configuraccedilatildeo de canto nota-se que a ldquoafi-
naccedilatildeordquo que eacute desejada pelo grupo eacute condutor tambeacutem de significados
que extrapolam o lugar da linguagem dita dando lugar agraves possibilidades
interpretativas das formas poeacuteticas
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O canto depende mais da arte musical que das gramaacuteticas ele se coloca por essa razatildeo entre as manifestaccedilotildees de uma praacutetica significante privilegiada
a menos inapta sem duacutevida para tocar em noacutes o cordatildeo umbilical do sujeito
onde se articula nos poderes naturais a simbologia de uma cultura No dito a presenccedila fiacutesica do locutor se atenua mais ou menos tendendo a se diluir nas
circunstacircncias No canto ela se afirma reivindicando a totalidade de seu espa-
ccedilo Por isso a maior parte das performances poeacuteticas em todas as civiliza-ccedilotildees sempre foram cantadas (ZUMTHOR 2010 p 200)
Tal qual Ceciacutelia Meireles que canta ldquoporque o instante existerdquo as
mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira cantam pelo instante pelo prazer
pela crenccedila naquilo que continuam a fazer A noccedilatildeo de performance atre-
lada agrave ideia de competecircncia Paul Zumthor define como o saber-ser ldquoum
saber que implica e comanda uma presenccedila e uma condutardquo (ZUM-
THOR 2014 p 34) Eacute por ele fundamentada atraveacutes dos quatro traccedilos da
performance apresentados por Dell Hymes em Breakthrough into Per-
formance performance eacute reconhecimento ldquofaz passar algo que eu reco-
nheccedilo da virtualidade agrave atualidaderdquo a performance estaacute sempre situada
em um contexto que eacute tempo cultural e situacional algo que ldquoultrapassa
o curso comum dos acontecimentosrdquo haacute trecircs tipos de atividades no grupo
cultural de cada homem o comportamento a conduta e a performance a
performance modifica o que se conhece sobre o conhecimento que ela
transmite ldquocada performance nova coloca tudo em causa A forma se
percebe em performance mas a cada performance ela se transmudardquo
(ZUMTHOR 2014 p 36)
A caracteriacutestica transformadora da performance se percebe nos
ajustes feitos pelo Balanccedilo da Roseira A cada apresentaccedilatildeo as partici-
pantes se adaptam entre elas e ao ambiente onde iratildeo se apresentar
Quando das apresentaccedilotildees via raacutedio natildeo havia performance visual ape-
nas a voz o canto a danccedila natildeo era necessaacuteria Nas apresentaccedilotildees em ins-
tituiccedilotildees educacionais em um auditoacuterio ou palco ou ainda em competi-
ccedilotildees entre os grupos de roda elas se apresentam para serem vistas e ou-
vidas sem a interaccedilatildeo do puacuteblico Haacute nessas apresentaccedilotildees mais teatrali-
dade (jaacute aconteceram apresentaccedilotildees em que as quebras de licuri foram
simuladas durante o canto) Ocorrem ainda as apresentaccedilotildees em praccedilas
puacuteblicas quando o puacuteblico interage participando do canto e da danccedila
com o grupo Nenhuma performance assim eacute repetida e cada performan-
ce eacute transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca
[] no uso mais geral performance se refere de modo imediato a um aconte-cimento oral e gestual [] qualquer que seja a maneira pela qual somos leva-
dos a remanejar (ou a espremer para extrair substacircncia) a noccedilatildeo de performan-
ce encontraremos sempre um elemento irredutiacutevel a ideia da presenccedila de um
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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe
enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-
dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-
necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento
empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)
ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR
2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo
do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees
satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-
da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A
roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao
se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda
determina o ritmo das cantigas
ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo
(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a
entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-
das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo
ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-
tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-
formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela
formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute
para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-
satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de
duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais
portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)
No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-
na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-
tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-
to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-
-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano
como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do
autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-
senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho
adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da
manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-
des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-
paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-
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curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que
vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-
NA 2002 p 23)
A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira
leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-
beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem
como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance
das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um
dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os
inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-
do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-
dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-
crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da
concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o
efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)
Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas
inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de
cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-
da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como
os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica
quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute
como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial
lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo
salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-
gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-
vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)
No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos
que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que
usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos
em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-
odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras
do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes
orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p
59)
Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)
Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)
Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)
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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho
a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-
do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de
forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-
da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto
energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-
ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)
Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-
ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com
aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do
sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral
posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-
festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo
ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma
poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)
O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute
apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-
o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um
nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-
chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela
interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p
218)
A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do
Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-
lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas
quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-
nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a
poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou
de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)
A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-
ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-
riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-
tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos
testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando
uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-
THOR 2010 p 221)
Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam
uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da
poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma
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cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o
discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a
circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto
que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam
danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares
elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo
formado
A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria
eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de
casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-
do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p
226)
A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul
Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado
manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-
nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas
apresentaccedilotildees do grupo
Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em
fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-
go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode
ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-
cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-
do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)
Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os
acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e
se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a
relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado
amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-
buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira
evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-
lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma
camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes
dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-
tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo
da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre
a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-
propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes
e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro
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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-
lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas
uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)
Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo
cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos
de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-
ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental
para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse
elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-
sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)
Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no
encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-
zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo
virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)
Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-
mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-
trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por
muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-
cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-
do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner
(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-
ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso
especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-
duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo
beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus
elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)
Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-
po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-
formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-
chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-
tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-
rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar
sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um
pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais
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mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-
duccedilatildeo nossa)
Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica
para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo
pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas
as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER
2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-
rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica
postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais
performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados
A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-
ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves
necessidades sentidas
Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm
fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-
dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)
Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-
da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma
das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-
do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma
comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se
assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo
especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao
espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se
daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-
tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-
30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)
31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)
32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs
Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)
33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)
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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-
mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-
tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo
As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-
cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas
apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-
cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para
ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos
realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute
ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-
tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar
Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo
e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-
cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua
participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da
poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR
2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas
tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance
A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-
criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-
res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria
e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-
mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte
que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)
As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes
do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que
conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e
diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-
cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo
esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo
Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem
refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-
mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor
e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute
mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-
formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo
eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)
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Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
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SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
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do grupo Balanccedilo da Roseira a concretizaccedilatildeo da palavra coisa se daacute na
performance que as mulheres elaboram Richard Schechner encontra sete
funccedilotildees para a performance ldquoentreter fazer alguma coisa que eacute bela
marcar ou mudar a identidade fazer ou estimular uma comunidade cu-
rar ensinar persuadir ou convencer lidar com o sagrado e com o demo-
niacuteacordquo (SCHECHNER 2003 p 10) e reitera que nenhuma performance
exerceraacute todas essas funccedilotildees embora existam performances que datildeo ecircnfa-
se a mais de uma
Se pensarmos no grupo Balanccedilo da Roseira podemos observar
atraveacutes das performances do grupo e das entrevistas concedidas por cada
integrante que uma das funccedilotildees que elas identificam em unanimidade eacute o
entretenimento Elas veem a atividade no grupo como uma forma de re-
lembrar a juventude e cantam por divertimento lazer Mas natildeo se encerra
no ato de entreter eacute tambeacutem fazer algo belo percebem beleza e encan-
tamento no canto na danccedila na roda aleacutem de compreender a atuaccedilatildeo do
grupo enquanto marca de uma identidade local Fazendo uso ainda da te-
oria de Richard Schechner quando reitera as muitas maneiras de enten-
der a performance como um conceito vantajoso por possibilitar a investi-
gaccedilatildeo dos comportamentos performativos em continuidade e considerar a
fluidez das performances da vida cotidiana bem como da construccedilatildeo de
identidades
Rituais brincadeiras e jogos e os papeacuteis da vida cotidiana satildeo performan-
ces pois satildeo convenccedilotildees contexto uso e tradiccedilatildeo ou como queira chamar Natildeo se pode determinar o que eacute uma performance sem se referir agraves circunstacircncias
culturais especiacuteficos Natildeo haacute nada inerente a uma accedilatildeo em si que a faccedila uma
performance ou desqualifique-a de ser uma performance A partir da observa-ccedilatildeo do tipo de teoria da performance que estou propondo cada accedilatildeo eacute uma
performance Mas a partir da observaccedilatildeo da praacutetica cultural algumas accedilotildees se-
ratildeo consideradas performances e outras natildeo e isso vai variar de cultura para cultura de um periacuteodo histoacuterico a outro periacuteodo histoacuterico29 (SCHECHNER
2013 p 38 traduccedilatildeo nossa)
Nessa variaccedilatildeo do que eacute ou natildeo considerado performance com as
mudanccedilas a cada periacuteodo histoacuterico e de uma cultura a outra Paul Zum-
thor distingue quatro situaccedilotildees performanciais ldquode acordo com o momen-
29 Rituals play and games and the roles of everyday life are performances because convention context usage and tradition say so One cannot determine what ldquoisrdquo a performance without referring to specific cultural circumstances There is nothing inherent in an action in itself that makes it a performance or disqualifies it from being a performance From the vantage of the kind of performance theory I am propounding every action is a performance But from the vantage of cultural practice some actions will be deemed performances and other not and this will vary from culture to culture historical period to historical period (SCHECHNER 2013 p 38)
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to em que o canto se insererdquo convencional natural histoacuterico ou livre Na
denominaccedilatildeo convencional o tempo eacute intermitente de acontecimentos
ritualizados Exemplo disso eacute a ligaccedilatildeo da performance do grupo Balanccedilo
da Roseira agrave celebraccedilatildeo de uma festa religiosa especiacutefica o canto de
abertura nas apresentaccedilotildees tem a base meloacutedica no canto da Folia de
Reis festa catoacutelica ligada agrave comemoraccedilatildeo do Natal com data fixada em
6 de janeiro assim como o uso da danccedila do pau de fitas cuja popularida-
de se deu tambeacutem atraveacutes das festas de reis E no grupo eacute utilizada para
homenagear o evento ou seu organizador
No tempo ritual se articulam na praacutetica da maioria das religiotildees as per-
formances da poesia lituacutergica Em paiacuteses de tradiccedilatildeo cristatilde se encontram inuacute-meros cacircnticos cuja utilizaccedilatildeo constitui entre noacutes uma das uacuteltimas tradiccedilotildees
poeacuteticas orais quase puras [] O laccedilo ritual se distende agraves vezes mas conota
como uma marca original performances jaacute banalizadas (ZUMTHOR 2010 p 168)
Outra situaccedilatildeo performancial se daacute no tempo natural o tempo
ldquodas estaccedilotildees dos dias das horasrdquo tempo que para o autor propicia a
poesia pois estaacute ancorado no que eacute vivido tal qual as quebras comunitaacute-
rias do licuri no periacuteodo de sua colheita determinada por esse tempo na-
tural no periacuteodo em que os licurizeiros frutificam Em entrevista a coor-
denadora do grupo declara que ldquotendo safra sempre tinha festardquo Era
quando acontecia agrave noite o licuri roubado ndash a comunidade se reunia e
chegava de surpresa na casa de algum vizinho para ajudar a quebrar o li-
curi colhido Chegavam cantando ldquoDona da casa bem que eu lhe dizia
que essa surpresa eu vinha fazer um dia E eu dizendo vocecirc pode acredi-
taacute que hoje noacuteis vadeia ateacute o sol raiaacuterdquo O trabalho era embalado pelo can-
to e ao final a roda era feita para festejar
[] o canto acompanhando o trabalho orientado para seguir esses ciclos []
A noite caacutelida de misteacuterios eacute um tempo forte que a maioria das civilizaccedilotildees considera sensiacutevel agrave voz humana seja interditando seu uso seja fazendo da
noite o tempo privilegiado ou ateacute exclusivo de certas performances []
(ZUMTHOR 2010 p 169)
No tempo livre nada liga a performance ao que eacute vivido o canto
eacute o que lhe resta e o desejo de cantar natildeo mais se manteacutem atrelado ao
canto do trabalho ou agrave uma comemoraccedilatildeo religiosa O conceito de Paul
Zumthor eacute que embora o tempo seja sentido em toda performance em
virtude da proacutepria natureza da comunicaccedilatildeo oral na performance ritual
essa regra constitui os sentidos do poema enquanto na performance de
tempo livre esse efeito se dilui
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O laccedilo que ata a performance ao fato vivido se afrouxa facilmente Resta a maravilha do canto A alegria ou a tristeza provocada pelo acontecimento ou
pelo humor por seu turno talvez suscitem mais um puro desejo de cantar do
que o gosto por uma canccedilatildeo em particular pouco importa o texto apenas im-porta a melodia a relaccedilatildeo ldquohistoacutericardquo eacute rompida o tempo eacute abolido (ZUMN-
THOR 2010 p 170)
Constata-se atraveacutes das entrevistas realizadas que esse eacute um sen-
timento recorrente nas mulheres que integram o grupo o desejo de can-
tar sem predileccedilotildees pelo que eacute cantado ou pela situaccedilatildeo que agraves conduz
ao canto o som meloacutedico da voz eacute o mais importante a despeito da poe-
sia que acompanha esse canto ldquoCantar pra gente eacute tudordquo segredam-me
ldquose a gente natildeo cantar a gente entristecerdquo
A performance vocal se liga ao texto e ao corpo que emana essa
voz em primeiro tom ndash a chamada primeira voz ndash aguda e nasalada
acompanhada de um tom abaixo uma voz um pouco mais grave a se-
gunda voz agrave semelhanccedila dos repentistas e seu canto de improviso Por
esse motivo a coordenadora do grupo afirma que para ldquocantar rodardquo
natildeo basta querer cantar eacute preciso ldquosaberrdquo cantar um ldquodomrdquo que para
ela natildeo eacute algo disponiacutevel a todos Paul Zumthor corrobora a informaccedilatildeo
natildeo no sentido de um dom gratuito mas na qualidade do saber-fazer
ldquoem outros termos performance implica competecircncia Mas o que eacute aqui
competecircncia Agrave primeira vista aparece como savoir-faire Na perfor-
mance eu diria que ela eacute o saber-serrdquo (ZUMTHOR 2014 p 34)
Com o grupo Balanccedilo da Roseira esse ldquosaber-serrdquo envolve pri-
mordialmente o canto e um canto ritual com caracteriacutesticas e atuaccedilotildees
especiacuteficas Ao organizarem as apresentaccedilotildees a escolha das duplas de
canto se datildeo de acordo com a afinidade entre as integrantes do grupo
bem como a afinaccedilatildeo entre as vozes de cada dupla e isso pode variar a
cada apresentaccedilatildeo pois consideram que ldquotem vozes que natildeo se datildeo muito
bemrdquo Como anteriormente descrito as duplas se datildeo em variaccedilotildees no
tom de voz sopranos e contraltos embora todas afirmem ser capazes de
cantar em qualquer um dos tons tudo depende da dupla que eacute escolhida
para a apresentaccedilatildeo Assim se a inteacuterprete escolhida para dar iniacutecio ao
canto em sua maioria uma voz soprano a primeira voz mais aguda o fi-
zer em um tom baixo ou seja no tom do contralto a segunda voz sua
parceira de canto faraacute o tom necessaacuterio para a harmonia das vozes
Do ponto de vista dessa configuraccedilatildeo de canto nota-se que a ldquoafi-
naccedilatildeordquo que eacute desejada pelo grupo eacute condutor tambeacutem de significados
que extrapolam o lugar da linguagem dita dando lugar agraves possibilidades
interpretativas das formas poeacuteticas
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O canto depende mais da arte musical que das gramaacuteticas ele se coloca por essa razatildeo entre as manifestaccedilotildees de uma praacutetica significante privilegiada
a menos inapta sem duacutevida para tocar em noacutes o cordatildeo umbilical do sujeito
onde se articula nos poderes naturais a simbologia de uma cultura No dito a presenccedila fiacutesica do locutor se atenua mais ou menos tendendo a se diluir nas
circunstacircncias No canto ela se afirma reivindicando a totalidade de seu espa-
ccedilo Por isso a maior parte das performances poeacuteticas em todas as civiliza-ccedilotildees sempre foram cantadas (ZUMTHOR 2010 p 200)
Tal qual Ceciacutelia Meireles que canta ldquoporque o instante existerdquo as
mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira cantam pelo instante pelo prazer
pela crenccedila naquilo que continuam a fazer A noccedilatildeo de performance atre-
lada agrave ideia de competecircncia Paul Zumthor define como o saber-ser ldquoum
saber que implica e comanda uma presenccedila e uma condutardquo (ZUM-
THOR 2014 p 34) Eacute por ele fundamentada atraveacutes dos quatro traccedilos da
performance apresentados por Dell Hymes em Breakthrough into Per-
formance performance eacute reconhecimento ldquofaz passar algo que eu reco-
nheccedilo da virtualidade agrave atualidaderdquo a performance estaacute sempre situada
em um contexto que eacute tempo cultural e situacional algo que ldquoultrapassa
o curso comum dos acontecimentosrdquo haacute trecircs tipos de atividades no grupo
cultural de cada homem o comportamento a conduta e a performance a
performance modifica o que se conhece sobre o conhecimento que ela
transmite ldquocada performance nova coloca tudo em causa A forma se
percebe em performance mas a cada performance ela se transmudardquo
(ZUMTHOR 2014 p 36)
A caracteriacutestica transformadora da performance se percebe nos
ajustes feitos pelo Balanccedilo da Roseira A cada apresentaccedilatildeo as partici-
pantes se adaptam entre elas e ao ambiente onde iratildeo se apresentar
Quando das apresentaccedilotildees via raacutedio natildeo havia performance visual ape-
nas a voz o canto a danccedila natildeo era necessaacuteria Nas apresentaccedilotildees em ins-
tituiccedilotildees educacionais em um auditoacuterio ou palco ou ainda em competi-
ccedilotildees entre os grupos de roda elas se apresentam para serem vistas e ou-
vidas sem a interaccedilatildeo do puacuteblico Haacute nessas apresentaccedilotildees mais teatrali-
dade (jaacute aconteceram apresentaccedilotildees em que as quebras de licuri foram
simuladas durante o canto) Ocorrem ainda as apresentaccedilotildees em praccedilas
puacuteblicas quando o puacuteblico interage participando do canto e da danccedila
com o grupo Nenhuma performance assim eacute repetida e cada performan-
ce eacute transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca
[] no uso mais geral performance se refere de modo imediato a um aconte-cimento oral e gestual [] qualquer que seja a maneira pela qual somos leva-
dos a remanejar (ou a espremer para extrair substacircncia) a noccedilatildeo de performan-
ce encontraremos sempre um elemento irredutiacutevel a ideia da presenccedila de um
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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe
enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-
dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-
necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento
empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)
ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR
2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo
do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees
satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-
da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A
roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao
se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda
determina o ritmo das cantigas
ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo
(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a
entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-
das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo
ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-
tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-
formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela
formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute
para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-
satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de
duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais
portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)
No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-
na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-
tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-
to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-
-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano
como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do
autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-
senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho
adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da
manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-
des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-
paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-
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84 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que
vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-
NA 2002 p 23)
A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira
leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-
beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem
como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance
das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um
dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os
inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-
do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-
dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-
crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da
concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o
efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)
Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas
inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de
cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-
da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como
os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica
quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute
como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial
lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo
salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-
gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-
vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)
No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos
que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que
usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos
em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-
odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras
do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes
orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p
59)
Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)
Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)
Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)
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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho
a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-
do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de
forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-
da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto
energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-
ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)
Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-
ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com
aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do
sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral
posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-
festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo
ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma
poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)
O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute
apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-
o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um
nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-
chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela
interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p
218)
A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do
Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-
lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas
quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-
nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a
poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou
de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)
A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-
ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-
riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-
tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos
testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando
uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-
THOR 2010 p 221)
Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam
uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da
poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma
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86 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o
discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a
circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto
que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam
danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares
elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo
formado
A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria
eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de
casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-
do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p
226)
A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul
Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado
manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-
nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas
apresentaccedilotildees do grupo
Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em
fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-
go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode
ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-
cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-
do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)
Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os
acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e
se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a
relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado
amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-
buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira
evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-
lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma
camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes
dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-
tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo
da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre
a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-
propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes
e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro
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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-
lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas
uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)
Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo
cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos
de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-
ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental
para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse
elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-
sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)
Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no
encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-
zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo
virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)
Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-
mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-
trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por
muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-
cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-
do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner
(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-
ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso
especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-
duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo
beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus
elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)
Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-
po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-
formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-
chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-
tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-
rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar
sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um
pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais
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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-
duccedilatildeo nossa)
Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica
para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo
pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas
as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER
2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-
rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica
postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais
performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados
A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-
ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves
necessidades sentidas
Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm
fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-
dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)
Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-
da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma
das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-
do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma
comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se
assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo
especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao
espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se
daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-
tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-
30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)
31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)
32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs
Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)
33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)
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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-
mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-
tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo
As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-
cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas
apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-
cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para
ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos
realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute
ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-
tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar
Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo
e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-
cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua
participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da
poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR
2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas
tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance
A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-
criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-
res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria
e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-
mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte
que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)
As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes
do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que
conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e
diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-
cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo
esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo
Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem
refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-
mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor
e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute
mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-
formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo
eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)
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Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
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SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
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80 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
to em que o canto se insererdquo convencional natural histoacuterico ou livre Na
denominaccedilatildeo convencional o tempo eacute intermitente de acontecimentos
ritualizados Exemplo disso eacute a ligaccedilatildeo da performance do grupo Balanccedilo
da Roseira agrave celebraccedilatildeo de uma festa religiosa especiacutefica o canto de
abertura nas apresentaccedilotildees tem a base meloacutedica no canto da Folia de
Reis festa catoacutelica ligada agrave comemoraccedilatildeo do Natal com data fixada em
6 de janeiro assim como o uso da danccedila do pau de fitas cuja popularida-
de se deu tambeacutem atraveacutes das festas de reis E no grupo eacute utilizada para
homenagear o evento ou seu organizador
No tempo ritual se articulam na praacutetica da maioria das religiotildees as per-
formances da poesia lituacutergica Em paiacuteses de tradiccedilatildeo cristatilde se encontram inuacute-meros cacircnticos cuja utilizaccedilatildeo constitui entre noacutes uma das uacuteltimas tradiccedilotildees
poeacuteticas orais quase puras [] O laccedilo ritual se distende agraves vezes mas conota
como uma marca original performances jaacute banalizadas (ZUMTHOR 2010 p 168)
Outra situaccedilatildeo performancial se daacute no tempo natural o tempo
ldquodas estaccedilotildees dos dias das horasrdquo tempo que para o autor propicia a
poesia pois estaacute ancorado no que eacute vivido tal qual as quebras comunitaacute-
rias do licuri no periacuteodo de sua colheita determinada por esse tempo na-
tural no periacuteodo em que os licurizeiros frutificam Em entrevista a coor-
denadora do grupo declara que ldquotendo safra sempre tinha festardquo Era
quando acontecia agrave noite o licuri roubado ndash a comunidade se reunia e
chegava de surpresa na casa de algum vizinho para ajudar a quebrar o li-
curi colhido Chegavam cantando ldquoDona da casa bem que eu lhe dizia
que essa surpresa eu vinha fazer um dia E eu dizendo vocecirc pode acredi-
taacute que hoje noacuteis vadeia ateacute o sol raiaacuterdquo O trabalho era embalado pelo can-
to e ao final a roda era feita para festejar
[] o canto acompanhando o trabalho orientado para seguir esses ciclos []
A noite caacutelida de misteacuterios eacute um tempo forte que a maioria das civilizaccedilotildees considera sensiacutevel agrave voz humana seja interditando seu uso seja fazendo da
noite o tempo privilegiado ou ateacute exclusivo de certas performances []
(ZUMTHOR 2010 p 169)
No tempo livre nada liga a performance ao que eacute vivido o canto
eacute o que lhe resta e o desejo de cantar natildeo mais se manteacutem atrelado ao
canto do trabalho ou agrave uma comemoraccedilatildeo religiosa O conceito de Paul
Zumthor eacute que embora o tempo seja sentido em toda performance em
virtude da proacutepria natureza da comunicaccedilatildeo oral na performance ritual
essa regra constitui os sentidos do poema enquanto na performance de
tempo livre esse efeito se dilui
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O laccedilo que ata a performance ao fato vivido se afrouxa facilmente Resta a maravilha do canto A alegria ou a tristeza provocada pelo acontecimento ou
pelo humor por seu turno talvez suscitem mais um puro desejo de cantar do
que o gosto por uma canccedilatildeo em particular pouco importa o texto apenas im-porta a melodia a relaccedilatildeo ldquohistoacutericardquo eacute rompida o tempo eacute abolido (ZUMN-
THOR 2010 p 170)
Constata-se atraveacutes das entrevistas realizadas que esse eacute um sen-
timento recorrente nas mulheres que integram o grupo o desejo de can-
tar sem predileccedilotildees pelo que eacute cantado ou pela situaccedilatildeo que agraves conduz
ao canto o som meloacutedico da voz eacute o mais importante a despeito da poe-
sia que acompanha esse canto ldquoCantar pra gente eacute tudordquo segredam-me
ldquose a gente natildeo cantar a gente entristecerdquo
A performance vocal se liga ao texto e ao corpo que emana essa
voz em primeiro tom ndash a chamada primeira voz ndash aguda e nasalada
acompanhada de um tom abaixo uma voz um pouco mais grave a se-
gunda voz agrave semelhanccedila dos repentistas e seu canto de improviso Por
esse motivo a coordenadora do grupo afirma que para ldquocantar rodardquo
natildeo basta querer cantar eacute preciso ldquosaberrdquo cantar um ldquodomrdquo que para
ela natildeo eacute algo disponiacutevel a todos Paul Zumthor corrobora a informaccedilatildeo
natildeo no sentido de um dom gratuito mas na qualidade do saber-fazer
ldquoem outros termos performance implica competecircncia Mas o que eacute aqui
competecircncia Agrave primeira vista aparece como savoir-faire Na perfor-
mance eu diria que ela eacute o saber-serrdquo (ZUMTHOR 2014 p 34)
Com o grupo Balanccedilo da Roseira esse ldquosaber-serrdquo envolve pri-
mordialmente o canto e um canto ritual com caracteriacutesticas e atuaccedilotildees
especiacuteficas Ao organizarem as apresentaccedilotildees a escolha das duplas de
canto se datildeo de acordo com a afinidade entre as integrantes do grupo
bem como a afinaccedilatildeo entre as vozes de cada dupla e isso pode variar a
cada apresentaccedilatildeo pois consideram que ldquotem vozes que natildeo se datildeo muito
bemrdquo Como anteriormente descrito as duplas se datildeo em variaccedilotildees no
tom de voz sopranos e contraltos embora todas afirmem ser capazes de
cantar em qualquer um dos tons tudo depende da dupla que eacute escolhida
para a apresentaccedilatildeo Assim se a inteacuterprete escolhida para dar iniacutecio ao
canto em sua maioria uma voz soprano a primeira voz mais aguda o fi-
zer em um tom baixo ou seja no tom do contralto a segunda voz sua
parceira de canto faraacute o tom necessaacuterio para a harmonia das vozes
Do ponto de vista dessa configuraccedilatildeo de canto nota-se que a ldquoafi-
naccedilatildeordquo que eacute desejada pelo grupo eacute condutor tambeacutem de significados
que extrapolam o lugar da linguagem dita dando lugar agraves possibilidades
interpretativas das formas poeacuteticas
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O canto depende mais da arte musical que das gramaacuteticas ele se coloca por essa razatildeo entre as manifestaccedilotildees de uma praacutetica significante privilegiada
a menos inapta sem duacutevida para tocar em noacutes o cordatildeo umbilical do sujeito
onde se articula nos poderes naturais a simbologia de uma cultura No dito a presenccedila fiacutesica do locutor se atenua mais ou menos tendendo a se diluir nas
circunstacircncias No canto ela se afirma reivindicando a totalidade de seu espa-
ccedilo Por isso a maior parte das performances poeacuteticas em todas as civiliza-ccedilotildees sempre foram cantadas (ZUMTHOR 2010 p 200)
Tal qual Ceciacutelia Meireles que canta ldquoporque o instante existerdquo as
mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira cantam pelo instante pelo prazer
pela crenccedila naquilo que continuam a fazer A noccedilatildeo de performance atre-
lada agrave ideia de competecircncia Paul Zumthor define como o saber-ser ldquoum
saber que implica e comanda uma presenccedila e uma condutardquo (ZUM-
THOR 2014 p 34) Eacute por ele fundamentada atraveacutes dos quatro traccedilos da
performance apresentados por Dell Hymes em Breakthrough into Per-
formance performance eacute reconhecimento ldquofaz passar algo que eu reco-
nheccedilo da virtualidade agrave atualidaderdquo a performance estaacute sempre situada
em um contexto que eacute tempo cultural e situacional algo que ldquoultrapassa
o curso comum dos acontecimentosrdquo haacute trecircs tipos de atividades no grupo
cultural de cada homem o comportamento a conduta e a performance a
performance modifica o que se conhece sobre o conhecimento que ela
transmite ldquocada performance nova coloca tudo em causa A forma se
percebe em performance mas a cada performance ela se transmudardquo
(ZUMTHOR 2014 p 36)
A caracteriacutestica transformadora da performance se percebe nos
ajustes feitos pelo Balanccedilo da Roseira A cada apresentaccedilatildeo as partici-
pantes se adaptam entre elas e ao ambiente onde iratildeo se apresentar
Quando das apresentaccedilotildees via raacutedio natildeo havia performance visual ape-
nas a voz o canto a danccedila natildeo era necessaacuteria Nas apresentaccedilotildees em ins-
tituiccedilotildees educacionais em um auditoacuterio ou palco ou ainda em competi-
ccedilotildees entre os grupos de roda elas se apresentam para serem vistas e ou-
vidas sem a interaccedilatildeo do puacuteblico Haacute nessas apresentaccedilotildees mais teatrali-
dade (jaacute aconteceram apresentaccedilotildees em que as quebras de licuri foram
simuladas durante o canto) Ocorrem ainda as apresentaccedilotildees em praccedilas
puacuteblicas quando o puacuteblico interage participando do canto e da danccedila
com o grupo Nenhuma performance assim eacute repetida e cada performan-
ce eacute transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca
[] no uso mais geral performance se refere de modo imediato a um aconte-cimento oral e gestual [] qualquer que seja a maneira pela qual somos leva-
dos a remanejar (ou a espremer para extrair substacircncia) a noccedilatildeo de performan-
ce encontraremos sempre um elemento irredutiacutevel a ideia da presenccedila de um
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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe
enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-
dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-
necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento
empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)
ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR
2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo
do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees
satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-
da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A
roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao
se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda
determina o ritmo das cantigas
ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo
(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a
entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-
das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo
ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-
tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-
formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela
formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute
para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-
satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de
duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais
portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)
No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-
na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-
tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-
to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-
-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano
como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do
autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-
senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho
adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da
manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-
des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-
paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-
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84 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que
vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-
NA 2002 p 23)
A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira
leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-
beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem
como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance
das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um
dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os
inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-
do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-
dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-
crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da
concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o
efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)
Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas
inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de
cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-
da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como
os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica
quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute
como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial
lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo
salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-
gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-
vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)
No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos
que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que
usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos
em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-
odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras
do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes
orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p
59)
Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)
Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)
Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)
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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho
a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-
do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de
forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-
da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto
energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-
ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)
Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-
ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com
aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do
sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral
posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-
festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo
ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma
poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)
O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute
apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-
o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um
nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-
chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela
interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p
218)
A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do
Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-
lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas
quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-
nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a
poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou
de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)
A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-
ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-
riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-
tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos
testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando
uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-
THOR 2010 p 221)
Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam
uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da
poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma
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86 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o
discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a
circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto
que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam
danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares
elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo
formado
A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria
eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de
casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-
do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p
226)
A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul
Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado
manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-
nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas
apresentaccedilotildees do grupo
Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em
fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-
go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode
ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-
cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-
do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)
Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os
acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e
se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a
relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado
amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-
buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira
evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-
lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma
camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes
dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-
tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo
da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre
a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-
propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes
e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro
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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-
lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas
uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)
Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo
cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos
de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-
ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental
para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse
elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-
sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)
Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no
encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-
zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo
virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)
Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-
mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-
trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por
muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-
cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-
do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner
(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-
ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso
especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-
duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo
beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus
elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)
Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-
po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-
formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-
chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-
tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-
rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar
sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um
pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais
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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-
duccedilatildeo nossa)
Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica
para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo
pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas
as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER
2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-
rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica
postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais
performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados
A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-
ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves
necessidades sentidas
Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm
fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-
dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)
Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-
da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma
das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-
do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma
comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se
assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo
especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao
espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se
daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-
tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-
30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)
31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)
32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs
Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)
33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)
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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-
mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-
tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo
As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-
cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas
apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-
cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para
ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos
realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute
ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-
tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar
Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo
e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-
cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua
participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da
poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR
2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas
tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance
A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-
criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-
res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria
e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-
mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte
que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)
As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes
do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que
conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e
diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-
cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo
esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo
Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem
refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-
mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor
e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute
mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-
formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo
eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)
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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
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A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
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SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
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O laccedilo que ata a performance ao fato vivido se afrouxa facilmente Resta a maravilha do canto A alegria ou a tristeza provocada pelo acontecimento ou
pelo humor por seu turno talvez suscitem mais um puro desejo de cantar do
que o gosto por uma canccedilatildeo em particular pouco importa o texto apenas im-porta a melodia a relaccedilatildeo ldquohistoacutericardquo eacute rompida o tempo eacute abolido (ZUMN-
THOR 2010 p 170)
Constata-se atraveacutes das entrevistas realizadas que esse eacute um sen-
timento recorrente nas mulheres que integram o grupo o desejo de can-
tar sem predileccedilotildees pelo que eacute cantado ou pela situaccedilatildeo que agraves conduz
ao canto o som meloacutedico da voz eacute o mais importante a despeito da poe-
sia que acompanha esse canto ldquoCantar pra gente eacute tudordquo segredam-me
ldquose a gente natildeo cantar a gente entristecerdquo
A performance vocal se liga ao texto e ao corpo que emana essa
voz em primeiro tom ndash a chamada primeira voz ndash aguda e nasalada
acompanhada de um tom abaixo uma voz um pouco mais grave a se-
gunda voz agrave semelhanccedila dos repentistas e seu canto de improviso Por
esse motivo a coordenadora do grupo afirma que para ldquocantar rodardquo
natildeo basta querer cantar eacute preciso ldquosaberrdquo cantar um ldquodomrdquo que para
ela natildeo eacute algo disponiacutevel a todos Paul Zumthor corrobora a informaccedilatildeo
natildeo no sentido de um dom gratuito mas na qualidade do saber-fazer
ldquoem outros termos performance implica competecircncia Mas o que eacute aqui
competecircncia Agrave primeira vista aparece como savoir-faire Na perfor-
mance eu diria que ela eacute o saber-serrdquo (ZUMTHOR 2014 p 34)
Com o grupo Balanccedilo da Roseira esse ldquosaber-serrdquo envolve pri-
mordialmente o canto e um canto ritual com caracteriacutesticas e atuaccedilotildees
especiacuteficas Ao organizarem as apresentaccedilotildees a escolha das duplas de
canto se datildeo de acordo com a afinidade entre as integrantes do grupo
bem como a afinaccedilatildeo entre as vozes de cada dupla e isso pode variar a
cada apresentaccedilatildeo pois consideram que ldquotem vozes que natildeo se datildeo muito
bemrdquo Como anteriormente descrito as duplas se datildeo em variaccedilotildees no
tom de voz sopranos e contraltos embora todas afirmem ser capazes de
cantar em qualquer um dos tons tudo depende da dupla que eacute escolhida
para a apresentaccedilatildeo Assim se a inteacuterprete escolhida para dar iniacutecio ao
canto em sua maioria uma voz soprano a primeira voz mais aguda o fi-
zer em um tom baixo ou seja no tom do contralto a segunda voz sua
parceira de canto faraacute o tom necessaacuterio para a harmonia das vozes
Do ponto de vista dessa configuraccedilatildeo de canto nota-se que a ldquoafi-
naccedilatildeordquo que eacute desejada pelo grupo eacute condutor tambeacutem de significados
que extrapolam o lugar da linguagem dita dando lugar agraves possibilidades
interpretativas das formas poeacuteticas
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O canto depende mais da arte musical que das gramaacuteticas ele se coloca por essa razatildeo entre as manifestaccedilotildees de uma praacutetica significante privilegiada
a menos inapta sem duacutevida para tocar em noacutes o cordatildeo umbilical do sujeito
onde se articula nos poderes naturais a simbologia de uma cultura No dito a presenccedila fiacutesica do locutor se atenua mais ou menos tendendo a se diluir nas
circunstacircncias No canto ela se afirma reivindicando a totalidade de seu espa-
ccedilo Por isso a maior parte das performances poeacuteticas em todas as civiliza-ccedilotildees sempre foram cantadas (ZUMTHOR 2010 p 200)
Tal qual Ceciacutelia Meireles que canta ldquoporque o instante existerdquo as
mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira cantam pelo instante pelo prazer
pela crenccedila naquilo que continuam a fazer A noccedilatildeo de performance atre-
lada agrave ideia de competecircncia Paul Zumthor define como o saber-ser ldquoum
saber que implica e comanda uma presenccedila e uma condutardquo (ZUM-
THOR 2014 p 34) Eacute por ele fundamentada atraveacutes dos quatro traccedilos da
performance apresentados por Dell Hymes em Breakthrough into Per-
formance performance eacute reconhecimento ldquofaz passar algo que eu reco-
nheccedilo da virtualidade agrave atualidaderdquo a performance estaacute sempre situada
em um contexto que eacute tempo cultural e situacional algo que ldquoultrapassa
o curso comum dos acontecimentosrdquo haacute trecircs tipos de atividades no grupo
cultural de cada homem o comportamento a conduta e a performance a
performance modifica o que se conhece sobre o conhecimento que ela
transmite ldquocada performance nova coloca tudo em causa A forma se
percebe em performance mas a cada performance ela se transmudardquo
(ZUMTHOR 2014 p 36)
A caracteriacutestica transformadora da performance se percebe nos
ajustes feitos pelo Balanccedilo da Roseira A cada apresentaccedilatildeo as partici-
pantes se adaptam entre elas e ao ambiente onde iratildeo se apresentar
Quando das apresentaccedilotildees via raacutedio natildeo havia performance visual ape-
nas a voz o canto a danccedila natildeo era necessaacuteria Nas apresentaccedilotildees em ins-
tituiccedilotildees educacionais em um auditoacuterio ou palco ou ainda em competi-
ccedilotildees entre os grupos de roda elas se apresentam para serem vistas e ou-
vidas sem a interaccedilatildeo do puacuteblico Haacute nessas apresentaccedilotildees mais teatrali-
dade (jaacute aconteceram apresentaccedilotildees em que as quebras de licuri foram
simuladas durante o canto) Ocorrem ainda as apresentaccedilotildees em praccedilas
puacuteblicas quando o puacuteblico interage participando do canto e da danccedila
com o grupo Nenhuma performance assim eacute repetida e cada performan-
ce eacute transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca
[] no uso mais geral performance se refere de modo imediato a um aconte-cimento oral e gestual [] qualquer que seja a maneira pela qual somos leva-
dos a remanejar (ou a espremer para extrair substacircncia) a noccedilatildeo de performan-
ce encontraremos sempre um elemento irredutiacutevel a ideia da presenccedila de um
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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe
enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-
dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-
necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento
empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)
ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR
2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo
do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees
satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-
da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A
roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao
se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda
determina o ritmo das cantigas
ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo
(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a
entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-
das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo
ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-
tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-
formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela
formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute
para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-
satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de
duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais
portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)
No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-
na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-
tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-
to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-
-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano
como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do
autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-
senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho
adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da
manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-
des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-
paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-
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84 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que
vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-
NA 2002 p 23)
A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira
leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-
beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem
como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance
das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um
dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os
inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-
do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-
dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-
crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da
concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o
efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)
Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas
inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de
cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-
da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como
os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica
quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute
como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial
lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo
salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-
gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-
vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)
No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos
que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que
usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos
em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-
odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras
do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes
orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p
59)
Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)
Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)
Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)
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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho
a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-
do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de
forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-
da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto
energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-
ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)
Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-
ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com
aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do
sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral
posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-
festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo
ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma
poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)
O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute
apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-
o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um
nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-
chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela
interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p
218)
A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do
Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-
lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas
quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-
nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a
poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou
de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)
A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-
ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-
riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-
tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos
testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando
uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-
THOR 2010 p 221)
Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam
uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da
poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma
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86 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o
discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a
circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto
que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam
danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares
elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo
formado
A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria
eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de
casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-
do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p
226)
A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul
Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado
manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-
nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas
apresentaccedilotildees do grupo
Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em
fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-
go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode
ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-
cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-
do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)
Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os
acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e
se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a
relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado
amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-
buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira
evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-
lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma
camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes
dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-
tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo
da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre
a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-
propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes
e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro
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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-
lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas
uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)
Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo
cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos
de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-
ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental
para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse
elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-
sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)
Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no
encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-
zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo
virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)
Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-
mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-
trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por
muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-
cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-
do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner
(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-
ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso
especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-
duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo
beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus
elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)
Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-
po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-
formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-
chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-
tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-
rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar
sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um
pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais
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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-
duccedilatildeo nossa)
Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica
para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo
pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas
as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER
2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-
rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica
postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais
performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados
A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-
ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves
necessidades sentidas
Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm
fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-
dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)
Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-
da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma
das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-
do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma
comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se
assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo
especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao
espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se
daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-
tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-
30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)
31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)
32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs
Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)
33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)
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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-
mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-
tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo
As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-
cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas
apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-
cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para
ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos
realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute
ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-
tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar
Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo
e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-
cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua
participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da
poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR
2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas
tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance
A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-
criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-
res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria
e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-
mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte
que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)
As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes
do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que
conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e
diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-
cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo
esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo
Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem
refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-
mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor
e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute
mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-
formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo
eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)
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Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
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A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
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SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
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82 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
O canto depende mais da arte musical que das gramaacuteticas ele se coloca por essa razatildeo entre as manifestaccedilotildees de uma praacutetica significante privilegiada
a menos inapta sem duacutevida para tocar em noacutes o cordatildeo umbilical do sujeito
onde se articula nos poderes naturais a simbologia de uma cultura No dito a presenccedila fiacutesica do locutor se atenua mais ou menos tendendo a se diluir nas
circunstacircncias No canto ela se afirma reivindicando a totalidade de seu espa-
ccedilo Por isso a maior parte das performances poeacuteticas em todas as civiliza-ccedilotildees sempre foram cantadas (ZUMTHOR 2010 p 200)
Tal qual Ceciacutelia Meireles que canta ldquoporque o instante existerdquo as
mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira cantam pelo instante pelo prazer
pela crenccedila naquilo que continuam a fazer A noccedilatildeo de performance atre-
lada agrave ideia de competecircncia Paul Zumthor define como o saber-ser ldquoum
saber que implica e comanda uma presenccedila e uma condutardquo (ZUM-
THOR 2014 p 34) Eacute por ele fundamentada atraveacutes dos quatro traccedilos da
performance apresentados por Dell Hymes em Breakthrough into Per-
formance performance eacute reconhecimento ldquofaz passar algo que eu reco-
nheccedilo da virtualidade agrave atualidaderdquo a performance estaacute sempre situada
em um contexto que eacute tempo cultural e situacional algo que ldquoultrapassa
o curso comum dos acontecimentosrdquo haacute trecircs tipos de atividades no grupo
cultural de cada homem o comportamento a conduta e a performance a
performance modifica o que se conhece sobre o conhecimento que ela
transmite ldquocada performance nova coloca tudo em causa A forma se
percebe em performance mas a cada performance ela se transmudardquo
(ZUMTHOR 2014 p 36)
A caracteriacutestica transformadora da performance se percebe nos
ajustes feitos pelo Balanccedilo da Roseira A cada apresentaccedilatildeo as partici-
pantes se adaptam entre elas e ao ambiente onde iratildeo se apresentar
Quando das apresentaccedilotildees via raacutedio natildeo havia performance visual ape-
nas a voz o canto a danccedila natildeo era necessaacuteria Nas apresentaccedilotildees em ins-
tituiccedilotildees educacionais em um auditoacuterio ou palco ou ainda em competi-
ccedilotildees entre os grupos de roda elas se apresentam para serem vistas e ou-
vidas sem a interaccedilatildeo do puacuteblico Haacute nessas apresentaccedilotildees mais teatrali-
dade (jaacute aconteceram apresentaccedilotildees em que as quebras de licuri foram
simuladas durante o canto) Ocorrem ainda as apresentaccedilotildees em praccedilas
puacuteblicas quando o puacuteblico interage participando do canto e da danccedila
com o grupo Nenhuma performance assim eacute repetida e cada performan-
ce eacute transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca
[] no uso mais geral performance se refere de modo imediato a um aconte-cimento oral e gestual [] qualquer que seja a maneira pela qual somos leva-
dos a remanejar (ou a espremer para extrair substacircncia) a noccedilatildeo de performan-
ce encontraremos sempre um elemento irredutiacutevel a ideia da presenccedila de um
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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe
enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-
dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-
necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento
empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)
ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR
2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo
do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees
satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-
da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A
roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao
se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda
determina o ritmo das cantigas
ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo
(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a
entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-
das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo
ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-
tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-
formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela
formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute
para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-
satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de
duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais
portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)
No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-
na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-
tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-
to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-
-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano
como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do
autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-
senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho
adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da
manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-
des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-
paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-
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84 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que
vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-
NA 2002 p 23)
A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira
leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-
beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem
como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance
das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um
dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os
inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-
do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-
dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-
crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da
concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o
efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)
Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas
inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de
cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-
da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como
os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica
quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute
como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial
lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo
salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-
gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-
vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)
No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos
que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que
usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos
em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-
odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras
do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes
orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p
59)
Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)
Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)
Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)
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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho
a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-
do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de
forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-
da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto
energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-
ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)
Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-
ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com
aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do
sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral
posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-
festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo
ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma
poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)
O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute
apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-
o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um
nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-
chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela
interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p
218)
A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do
Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-
lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas
quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-
nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a
poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou
de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)
A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-
ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-
riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-
tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos
testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando
uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-
THOR 2010 p 221)
Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam
uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da
poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma
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86 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o
discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a
circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto
que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam
danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares
elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo
formado
A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria
eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de
casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-
do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p
226)
A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul
Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado
manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-
nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas
apresentaccedilotildees do grupo
Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em
fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-
go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode
ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-
cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-
do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)
Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os
acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e
se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a
relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado
amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-
buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira
evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-
lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma
camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes
dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-
tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo
da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre
a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-
propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes
e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro
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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-
lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas
uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)
Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo
cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos
de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-
ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental
para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse
elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-
sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)
Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no
encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-
zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo
virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)
Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-
mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-
trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por
muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-
cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-
do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner
(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-
ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso
especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-
duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo
beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus
elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)
Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-
po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-
formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-
chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-
tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-
rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar
sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um
pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais
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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-
duccedilatildeo nossa)
Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica
para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo
pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas
as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER
2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-
rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica
postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais
performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados
A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-
ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves
necessidades sentidas
Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm
fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-
dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)
Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-
da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma
das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-
do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma
comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se
assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo
especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao
espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se
daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-
tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-
30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)
31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)
32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs
Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)
33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)
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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-
mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-
tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo
As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-
cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas
apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-
cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para
ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos
realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute
ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-
tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar
Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo
e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-
cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua
participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da
poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR
2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas
tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance
A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-
criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-
res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria
e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-
mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte
que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)
As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes
do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que
conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e
diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-
cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo
esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo
Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem
refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-
mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor
e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute
mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-
formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo
eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)
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Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
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SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe
enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-
dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-
necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento
empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)
ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR
2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo
do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees
satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-
da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A
roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao
se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda
determina o ritmo das cantigas
ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo
(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a
entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-
das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo
ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-
tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-
formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela
formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute
para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-
satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de
duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais
portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)
No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-
na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-
tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-
to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-
-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano
como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do
autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-
senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho
adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da
manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-
des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-
paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-
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curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que
vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-
NA 2002 p 23)
A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira
leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-
beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem
como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance
das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um
dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os
inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-
do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-
dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-
crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da
concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o
efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)
Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas
inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de
cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-
da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como
os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica
quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute
como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial
lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo
salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-
gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-
vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)
No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos
que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que
usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos
em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-
odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras
do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes
orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p
59)
Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)
Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)
Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)
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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho
a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-
do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de
forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-
da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto
energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-
ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)
Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-
ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com
aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do
sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral
posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-
festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo
ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma
poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)
O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute
apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-
o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um
nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-
chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela
interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p
218)
A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do
Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-
lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas
quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-
nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a
poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou
de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)
A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-
ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-
riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-
tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos
testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando
uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-
THOR 2010 p 221)
Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam
uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da
poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma
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cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o
discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a
circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto
que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam
danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares
elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo
formado
A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria
eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de
casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-
do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p
226)
A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul
Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado
manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-
nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas
apresentaccedilotildees do grupo
Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em
fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-
go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode
ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-
cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-
do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)
Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os
acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e
se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a
relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado
amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-
buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira
evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-
lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma
camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes
dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-
tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo
da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre
a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-
propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes
e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro
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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-
lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas
uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)
Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo
cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos
de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-
ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental
para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse
elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-
sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)
Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no
encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-
zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo
virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)
Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-
mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-
trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por
muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-
cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-
do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner
(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-
ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso
especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-
duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo
beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus
elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)
Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-
po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-
formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-
chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-
tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-
rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar
sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um
pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais
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mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-
duccedilatildeo nossa)
Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica
para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo
pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas
as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER
2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-
rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica
postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais
performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados
A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-
ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves
necessidades sentidas
Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm
fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-
dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)
Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-
da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma
das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-
do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma
comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se
assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo
especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao
espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se
daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-
tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-
30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)
31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)
32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs
Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)
33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)
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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-
mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-
tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo
As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-
cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas
apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-
cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para
ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos
realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute
ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-
tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar
Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo
e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-
cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua
participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da
poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR
2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas
tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance
A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-
criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-
res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria
e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-
mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte
que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)
As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes
do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que
conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e
diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-
cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo
esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo
Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem
refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-
mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor
e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute
mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-
formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo
eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)
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Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
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A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
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SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
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84 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que
vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-
NA 2002 p 23)
A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira
leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-
beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem
como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance
das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um
dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os
inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-
do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-
dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-
crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da
concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o
efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)
Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas
inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de
cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-
da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como
os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica
quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute
como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial
lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo
salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-
gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-
vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)
No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos
que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que
usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos
em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-
odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras
do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes
orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p
59)
Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)
Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)
Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)
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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho
a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-
do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de
forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-
da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto
energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-
ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)
Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-
ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com
aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do
sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral
posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-
festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo
ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma
poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)
O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute
apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-
o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um
nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-
chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela
interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p
218)
A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do
Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-
lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas
quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-
nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a
poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou
de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)
A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-
ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-
riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-
tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos
testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando
uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-
THOR 2010 p 221)
Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam
uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da
poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma
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86 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o
discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a
circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto
que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam
danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares
elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo
formado
A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria
eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de
casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-
do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p
226)
A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul
Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado
manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-
nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas
apresentaccedilotildees do grupo
Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em
fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-
go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode
ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-
cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-
do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)
Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os
acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e
se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a
relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado
amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-
buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira
evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-
lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma
camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes
dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-
tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo
da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre
a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-
propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes
e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro
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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-
lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas
uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)
Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo
cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos
de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-
ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental
para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse
elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-
sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)
Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no
encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-
zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo
virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)
Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-
mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-
trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por
muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-
cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-
do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner
(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-
ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso
especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-
duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo
beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus
elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)
Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-
po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-
formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-
chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-
tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-
rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar
sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um
pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais
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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-
duccedilatildeo nossa)
Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica
para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo
pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas
as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER
2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-
rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica
postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais
performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados
A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-
ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves
necessidades sentidas
Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm
fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-
dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)
Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-
da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma
das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-
do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma
comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se
assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo
especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao
espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se
daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-
tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-
30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)
31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)
32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs
Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)
33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)
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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-
mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-
tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo
As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-
cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas
apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-
cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para
ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos
realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute
ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-
tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar
Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo
e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-
cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua
participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da
poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR
2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas
tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance
A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-
criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-
res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria
e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-
mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte
que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)
As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes
do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que
conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e
diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-
cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo
esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo
Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem
refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-
mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor
e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute
mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-
formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo
eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)
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Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
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SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho
a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-
do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de
forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-
da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto
energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-
ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)
Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-
ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com
aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do
sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral
posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-
festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo
ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma
poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)
O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute
apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-
o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um
nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-
chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela
interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p
218)
A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do
Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-
lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas
quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-
nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a
poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou
de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)
A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-
ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-
riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-
tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos
testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando
uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-
THOR 2010 p 221)
Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam
uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da
poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma
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86 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o
discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a
circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto
que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam
danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares
elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo
formado
A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria
eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de
casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-
do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p
226)
A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul
Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado
manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-
nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas
apresentaccedilotildees do grupo
Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em
fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-
go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode
ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-
cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-
do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)
Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os
acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e
se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a
relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado
amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-
buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira
evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-
lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma
camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes
dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-
tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo
da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre
a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-
propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes
e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro
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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-
lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas
uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)
Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo
cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos
de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-
ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental
para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse
elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-
sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)
Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no
encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-
zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo
virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)
Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-
mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-
trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por
muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-
cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-
do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner
(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-
ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso
especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-
duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo
beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus
elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)
Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-
po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-
formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-
chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-
tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-
rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar
sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um
pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais
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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-
duccedilatildeo nossa)
Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica
para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo
pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas
as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER
2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-
rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica
postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais
performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados
A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-
ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves
necessidades sentidas
Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm
fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-
dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)
Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-
da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma
das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-
do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma
comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se
assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo
especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao
espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se
daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-
tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-
30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)
31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)
32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs
Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)
33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)
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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-
mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-
tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo
As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-
cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas
apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-
cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para
ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos
realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute
ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-
tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar
Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo
e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-
cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua
participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da
poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR
2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas
tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance
A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-
criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-
res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria
e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-
mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte
que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)
As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes
do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que
conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e
diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-
cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo
esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo
Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem
refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-
mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor
e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute
mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-
formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo
eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)
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Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
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A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
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SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
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cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o
discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a
circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto
que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam
danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares
elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo
formado
A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria
eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de
casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-
do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p
226)
A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul
Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado
manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-
nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas
apresentaccedilotildees do grupo
Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em
fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-
go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode
ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-
cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-
do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)
Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os
acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e
se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a
relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado
amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-
buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira
evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-
lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma
camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes
dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-
tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo
da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre
a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-
propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes
e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro
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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-
lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas
uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)
Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo
cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos
de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-
ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental
para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse
elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-
sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)
Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no
encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-
zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo
virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)
Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-
mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-
trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por
muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-
cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-
do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner
(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-
ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso
especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-
duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo
beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus
elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)
Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-
po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-
formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-
chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-
tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-
rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar
sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um
pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais
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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-
duccedilatildeo nossa)
Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica
para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo
pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas
as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER
2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-
rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica
postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais
performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados
A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-
ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves
necessidades sentidas
Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm
fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-
dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)
Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-
da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma
das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-
do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma
comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se
assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo
especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao
espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se
daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-
tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-
30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)
31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)
32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs
Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)
33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)
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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-
mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-
tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo
As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-
cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas
apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-
cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para
ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos
realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute
ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-
tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar
Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo
e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-
cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua
participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da
poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR
2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas
tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance
A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-
criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-
res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria
e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-
mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte
que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)
As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes
do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que
conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e
diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-
cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo
esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo
Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem
refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-
mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor
e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute
mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-
formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo
eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)
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Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
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A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
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Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95
SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-
lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas
uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)
Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo
cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos
de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-
ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental
para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse
elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-
sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)
Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no
encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-
zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo
virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)
Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-
mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-
trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por
muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-
cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-
do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner
(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-
ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso
especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-
duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo
beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus
elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)
Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-
po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-
formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-
chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-
tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-
rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar
sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um
pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais
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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-
duccedilatildeo nossa)
Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica
para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo
pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas
as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER
2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-
rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica
postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais
performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados
A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-
ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves
necessidades sentidas
Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm
fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-
dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)
Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-
da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma
das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-
do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma
comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se
assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo
especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao
espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se
daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-
tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-
30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)
31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)
32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs
Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)
33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)
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XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-
mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-
tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo
As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-
cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas
apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-
cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para
ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos
realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute
ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-
tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar
Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo
e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-
cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua
participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da
poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR
2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas
tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance
A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-
criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-
res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria
e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-
mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte
que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)
As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes
do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que
conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e
diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-
cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo
esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo
Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem
refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-
mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor
e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute
mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-
formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo
eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)
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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-
duccedilatildeo nossa)
Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica
para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo
pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas
as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER
2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-
rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica
postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais
performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados
A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-
ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves
necessidades sentidas
Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm
fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-
dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)
Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-
da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma
das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-
do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma
comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se
assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo
especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao
espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se
daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-
tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-
30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)
31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)
32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs
Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)
33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)
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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-
mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-
tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo
As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-
cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas
apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-
cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para
ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos
realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute
ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-
tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar
Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo
e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-
cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua
participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da
poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR
2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas
tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance
A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-
criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-
res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria
e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-
mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte
que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)
As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes
do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que
conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e
diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-
cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo
esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo
Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem
refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-
mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor
e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute
mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-
formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo
eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)
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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BAUMAM Zygmunt Identidade entrevista agrave Benedito Vecchi Rio de
Janeiro Zahar 2005
CANCLINI Nestor Garcia Culturas hiacutebridas estrateacutegias para sair e en-
trar na modernidade 4 ed Trad Ana Regina Lessa Heloiacutesa Pezza e
Gecircnese Andrade Satildeo Paulo Edusp 2008 p 205-254
CUNHA Eneida Leal A emergecircncia da cultura e a criacutetica cultural Ca-
dernos de Estudos Culturais Campo Grande (MS) vol 1 n 2 p 73-82
juldez 2009
II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 93
GALEANO Eduardo O livro dos abraccedilos Trad Eric Nepomuceno
Porto Alegre LampPM 2014
HALBWACHS Maurice A memoacuteria coletiva Trad Beatriz Sidou Satildeo
Paulo Centauro 2006
HALL Stuart A centralidade da cultura notas sobre as revoluccedilotildees cul-
turais do nosso tempo Disponiacutevel em
ltwwwufrgsbrneccsowordtexto_stuart_centralidadeculturadocgt
Acesso em 04-05-2014
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______ Da diaacutespora identidades e mediaccedilotildees culturais Belo Horizonte
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lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=29259
3ampsearch=bahia|quixabeiragt Acesso em 27-09-2015
MARTIacuteN-BARBERO Jesuacutes De los medios a las mediaciones comuni-
cacioacuten cultura y hegemoniacutea Meacutexico Gustavo Gilli 1991
PAZ Octavio O arco e a lira Trad Olga Savary Rio de Janeiro Nova
Fronteira 1982
SANTOS Boaventura de Souza Para uma sociologia das ausecircncias e
uma sociologia das emergecircncias Disponiacutevel em
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SCHECHNER Richard Performance studies an introduction 3 ed
New YorkLondon Routledge 2013
SCHECHNER Richard O que eacute performance O Percevejo Rio de Ja-
neiro ano 11 n 12 2003 Disponiacutevel em
lthttpdocslidecombrdocumentso-que-e-performance-
schechnerhtmlgt Acesso em 15-05-2016
SPINA Segismundo Na madrugada das formas poeacuteticas Satildeo Paulo
Ateliecirc 2002
Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
94 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
ZUMTHOR Paul Introduccedilatildeo agrave poesia oral Belo Horizonte UFMG
2010
______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014
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Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95
SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
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Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 89
ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-
mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-
tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo
As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-
cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas
apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-
cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para
ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos
realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute
ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-
tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar
Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo
e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-
cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua
participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da
poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR
2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas
tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance
A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-
criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-
res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria
e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-
mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte
que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)
As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes
do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que
conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e
diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-
cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo
esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo
Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem
refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-
mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor
e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute
mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-
formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo
eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)
Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
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juldez 2009
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neiro ano 11 n 12 2003 Disponiacutevel em
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SPINA Segismundo Na madrugada das formas poeacuteticas Satildeo Paulo
Ateliecirc 2002
Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
94 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
ZUMTHOR Paul Introduccedilatildeo agrave poesia oral Belo Horizonte UFMG
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______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014
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SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-
satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com
a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como
tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-
senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)
Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-
potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-
cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de
cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e
imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-
cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-
bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-
sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-
ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando
associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-
les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no
envolvimento do puacuteblico
Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A
uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de
que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)
Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da
memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo
artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua
histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz
atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do
grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e
transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto
literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia
lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente
com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes
Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a
como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se
reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem
visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-
-BARBERO 1991 p 58 e 59)
II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 91
Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BAUMAM Zygmunt Identidade entrevista agrave Benedito Vecchi Rio de
Janeiro Zahar 2005
CANCLINI Nestor Garcia Culturas hiacutebridas estrateacutegias para sair e en-
trar na modernidade 4 ed Trad Ana Regina Lessa Heloiacutesa Pezza e
Gecircnese Andrade Satildeo Paulo Edusp 2008 p 205-254
CUNHA Eneida Leal A emergecircncia da cultura e a criacutetica cultural Ca-
dernos de Estudos Culturais Campo Grande (MS) vol 1 n 2 p 73-82
juldez 2009
II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 93
GALEANO Eduardo O livro dos abraccedilos Trad Eric Nepomuceno
Porto Alegre LampPM 2014
HALBWACHS Maurice A memoacuteria coletiva Trad Beatriz Sidou Satildeo
Paulo Centauro 2006
HALL Stuart A centralidade da cultura notas sobre as revoluccedilotildees cul-
turais do nosso tempo Disponiacutevel em
ltwwwufrgsbrneccsowordtexto_stuart_centralidadeculturadocgt
Acesso em 04-05-2014
______ A identidade cultural na poacutes-modernidade 7 ed Rio de Janei-
ro DPampA 2002
______ Da diaacutespora identidades e mediaccedilotildees culturais Belo Horizonte
UFMG 2009
HOBSBAWM Eric (Org) A invenccedilatildeo das tradiccedilotildees Rio de Janeiro
Paz e Terra 1984
IBGE Quixabeira (BA) Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=29259
3ampsearch=bahia|quixabeiragt Acesso em 27-09-2015
MARTIacuteN-BARBERO Jesuacutes De los medios a las mediaciones comuni-
cacioacuten cultura y hegemoniacutea Meacutexico Gustavo Gilli 1991
PAZ Octavio O arco e a lira Trad Olga Savary Rio de Janeiro Nova
Fronteira 1982
SANTOS Boaventura de Souza Para uma sociologia das ausecircncias e
uma sociologia das emergecircncias Disponiacutevel em
lthttpwwwboaventuradesousasantosptmediapdfsSociologia_das_aus
encias_RCCS63PDFgt Revista Criacutetica de Ciecircncias Sociais n 63 p
237-280 2002
SCHECHNER Richard Performance studies an introduction 3 ed
New YorkLondon Routledge 2013
SCHECHNER Richard O que eacute performance O Percevejo Rio de Ja-
neiro ano 11 n 12 2003 Disponiacutevel em
lthttpdocslidecombrdocumentso-que-e-performance-
schechnerhtmlgt Acesso em 15-05-2016
SPINA Segismundo Na madrugada das formas poeacuteticas Satildeo Paulo
Ateliecirc 2002
Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
94 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
ZUMTHOR Paul Introduccedilatildeo agrave poesia oral Belo Horizonte UFMG
2010
______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014
II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95
SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 91
Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a
poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-
ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as
mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se
poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-
toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si
proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como
tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos
identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo
(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)
Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da
Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a
enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do
gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo
A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul
Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-
tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo
3 Consideraccedilotildees finais
Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de
uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-
espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-
talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico
modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-
formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-
gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se
nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no
mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E
embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver
natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes
do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente
presenccedilardquo (Idem p 78)
A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo
rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui
esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde
elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-
te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia
a busca do objeto (Idem p 79)
Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BAUMAM Zygmunt Identidade entrevista agrave Benedito Vecchi Rio de
Janeiro Zahar 2005
CANCLINI Nestor Garcia Culturas hiacutebridas estrateacutegias para sair e en-
trar na modernidade 4 ed Trad Ana Regina Lessa Heloiacutesa Pezza e
Gecircnese Andrade Satildeo Paulo Edusp 2008 p 205-254
CUNHA Eneida Leal A emergecircncia da cultura e a criacutetica cultural Ca-
dernos de Estudos Culturais Campo Grande (MS) vol 1 n 2 p 73-82
juldez 2009
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GALEANO Eduardo O livro dos abraccedilos Trad Eric Nepomuceno
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HALBWACHS Maurice A memoacuteria coletiva Trad Beatriz Sidou Satildeo
Paulo Centauro 2006
HALL Stuart A centralidade da cultura notas sobre as revoluccedilotildees cul-
turais do nosso tempo Disponiacutevel em
ltwwwufrgsbrneccsowordtexto_stuart_centralidadeculturadocgt
Acesso em 04-05-2014
______ A identidade cultural na poacutes-modernidade 7 ed Rio de Janei-
ro DPampA 2002
______ Da diaacutespora identidades e mediaccedilotildees culturais Belo Horizonte
UFMG 2009
HOBSBAWM Eric (Org) A invenccedilatildeo das tradiccedilotildees Rio de Janeiro
Paz e Terra 1984
IBGE Quixabeira (BA) Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=29259
3ampsearch=bahia|quixabeiragt Acesso em 27-09-2015
MARTIacuteN-BARBERO Jesuacutes De los medios a las mediaciones comuni-
cacioacuten cultura y hegemoniacutea Meacutexico Gustavo Gilli 1991
PAZ Octavio O arco e a lira Trad Olga Savary Rio de Janeiro Nova
Fronteira 1982
SANTOS Boaventura de Souza Para uma sociologia das ausecircncias e
uma sociologia das emergecircncias Disponiacutevel em
lthttpwwwboaventuradesousasantosptmediapdfsSociologia_das_aus
encias_RCCS63PDFgt Revista Criacutetica de Ciecircncias Sociais n 63 p
237-280 2002
SCHECHNER Richard Performance studies an introduction 3 ed
New YorkLondon Routledge 2013
SCHECHNER Richard O que eacute performance O Percevejo Rio de Ja-
neiro ano 11 n 12 2003 Disponiacutevel em
lthttpdocslidecombrdocumentso-que-e-performance-
schechnerhtmlgt Acesso em 15-05-2016
SPINA Segismundo Na madrugada das formas poeacuteticas Satildeo Paulo
Ateliecirc 2002
Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
94 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
ZUMTHOR Paul Introduccedilatildeo agrave poesia oral Belo Horizonte UFMG
2010
______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014
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Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-
loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O
que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual
lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para
Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que
lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-
velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no
mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o
grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-
sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas
mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas
de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que
satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo
que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-
do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo
(ZUMTHOR 2010 p 232)
Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do
Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as
melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o
corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem
sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo
da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda
encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a
existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia
que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o
que lhes faz humana
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BAUMAM Zygmunt Identidade entrevista agrave Benedito Vecchi Rio de
Janeiro Zahar 2005
CANCLINI Nestor Garcia Culturas hiacutebridas estrateacutegias para sair e en-
trar na modernidade 4 ed Trad Ana Regina Lessa Heloiacutesa Pezza e
Gecircnese Andrade Satildeo Paulo Edusp 2008 p 205-254
CUNHA Eneida Leal A emergecircncia da cultura e a criacutetica cultural Ca-
dernos de Estudos Culturais Campo Grande (MS) vol 1 n 2 p 73-82
juldez 2009
II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 93
GALEANO Eduardo O livro dos abraccedilos Trad Eric Nepomuceno
Porto Alegre LampPM 2014
HALBWACHS Maurice A memoacuteria coletiva Trad Beatriz Sidou Satildeo
Paulo Centauro 2006
HALL Stuart A centralidade da cultura notas sobre as revoluccedilotildees cul-
turais do nosso tempo Disponiacutevel em
ltwwwufrgsbrneccsowordtexto_stuart_centralidadeculturadocgt
Acesso em 04-05-2014
______ A identidade cultural na poacutes-modernidade 7 ed Rio de Janei-
ro DPampA 2002
______ Da diaacutespora identidades e mediaccedilotildees culturais Belo Horizonte
UFMG 2009
HOBSBAWM Eric (Org) A invenccedilatildeo das tradiccedilotildees Rio de Janeiro
Paz e Terra 1984
IBGE Quixabeira (BA) Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=29259
3ampsearch=bahia|quixabeiragt Acesso em 27-09-2015
MARTIacuteN-BARBERO Jesuacutes De los medios a las mediaciones comuni-
cacioacuten cultura y hegemoniacutea Meacutexico Gustavo Gilli 1991
PAZ Octavio O arco e a lira Trad Olga Savary Rio de Janeiro Nova
Fronteira 1982
SANTOS Boaventura de Souza Para uma sociologia das ausecircncias e
uma sociologia das emergecircncias Disponiacutevel em
lthttpwwwboaventuradesousasantosptmediapdfsSociologia_das_aus
encias_RCCS63PDFgt Revista Criacutetica de Ciecircncias Sociais n 63 p
237-280 2002
SCHECHNER Richard Performance studies an introduction 3 ed
New YorkLondon Routledge 2013
SCHECHNER Richard O que eacute performance O Percevejo Rio de Ja-
neiro ano 11 n 12 2003 Disponiacutevel em
lthttpdocslidecombrdocumentso-que-e-performance-
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SPINA Segismundo Na madrugada das formas poeacuteticas Satildeo Paulo
Ateliecirc 2002
Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
94 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
ZUMTHOR Paul Introduccedilatildeo agrave poesia oral Belo Horizonte UFMG
2010
______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014
II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95
SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 93
GALEANO Eduardo O livro dos abraccedilos Trad Eric Nepomuceno
Porto Alegre LampPM 2014
HALBWACHS Maurice A memoacuteria coletiva Trad Beatriz Sidou Satildeo
Paulo Centauro 2006
HALL Stuart A centralidade da cultura notas sobre as revoluccedilotildees cul-
turais do nosso tempo Disponiacutevel em
ltwwwufrgsbrneccsowordtexto_stuart_centralidadeculturadocgt
Acesso em 04-05-2014
______ A identidade cultural na poacutes-modernidade 7 ed Rio de Janei-
ro DPampA 2002
______ Da diaacutespora identidades e mediaccedilotildees culturais Belo Horizonte
UFMG 2009
HOBSBAWM Eric (Org) A invenccedilatildeo das tradiccedilotildees Rio de Janeiro
Paz e Terra 1984
IBGE Quixabeira (BA) Disponiacutevel em
lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=29259
3ampsearch=bahia|quixabeiragt Acesso em 27-09-2015
MARTIacuteN-BARBERO Jesuacutes De los medios a las mediaciones comuni-
cacioacuten cultura y hegemoniacutea Meacutexico Gustavo Gilli 1991
PAZ Octavio O arco e a lira Trad Olga Savary Rio de Janeiro Nova
Fronteira 1982
SANTOS Boaventura de Souza Para uma sociologia das ausecircncias e
uma sociologia das emergecircncias Disponiacutevel em
lthttpwwwboaventuradesousasantosptmediapdfsSociologia_das_aus
encias_RCCS63PDFgt Revista Criacutetica de Ciecircncias Sociais n 63 p
237-280 2002
SCHECHNER Richard Performance studies an introduction 3 ed
New YorkLondon Routledge 2013
SCHECHNER Richard O que eacute performance O Percevejo Rio de Ja-
neiro ano 11 n 12 2003 Disponiacutevel em
lthttpdocslidecombrdocumentso-que-e-performance-
schechnerhtmlgt Acesso em 15-05-2016
SPINA Segismundo Na madrugada das formas poeacuteticas Satildeo Paulo
Ateliecirc 2002
Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
94 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
ZUMTHOR Paul Introduccedilatildeo agrave poesia oral Belo Horizonte UFMG
2010
______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014
II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95
SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos
94 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria
ZUMTHOR Paul Introduccedilatildeo agrave poesia oral Belo Horizonte UFMG
2010
______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014
II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95
SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo
II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA
Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95
SUMAacuteRIO34
0 Apresentaccedilatildeo ndash 7
Joseacute Pereira da Silva
1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9
Sarita Erthal
2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer
Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20
Manuela Chagas Manhatildees
3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real
e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35
Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e
Analice de Oliveira Martins
4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de
sintaxe 43
Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-
sus Parcer
5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-
au 64
Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-
lho
6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo
Balanccedilo da Roseira 76
Marline Arauacutejo Santos
34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo