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Page 1: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

76 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

NA CADEcircNCIA DA VOZ NA DANCcedilA CIRCULAR

A PERFORMANCE DO GRUPO BALANCcedilO DA ROSEIRA28

Marline Arauacutejo Santos (UNEB)

marlinearaujohotmailcom

RESUMO

Neste trabalho procura-se apresentar a performance do grupo Balanccedilo da Rosei-

ra grupo de cantigas de roda composto por mulheres do municiacutepio de Quixabeira

regiatildeo noroeste da Bahia e que compotildee o Territoacuterio de Identidade da Bacia do Jacuiacute-

pe a 300 km da capital Salvador Pontuando os conceitos de performance apresenta-

dos por Paul Zumthor e Richard Schechner a partir das apresentaccedilotildees do grupo que

traz em seu repertoacuterio canccedilotildees aprendidas nas quebras comunitaacuterias de licuri bem

como produccedilotildees atuais compostas para datas comemorativas no municiacutepio e eventos

para os quais o grupo eacute convidado Destacando que a preparaccedilatildeo para a performance

acontece a partir da escolha do local onde iratildeo se apresentar seguida de outros ele-

mentos como a indumentaacuteria que seraacute utilizada as cantigas que seratildeo escolhidas

quem faraacute a primeira e a segunda voz jaacute que cantam aos pares o cuidado para natildeo

desafinar como entraratildeo no espaccedilo onde iratildeo se apresentar o lugar de cada uma na

roda tudo devidamente combinado e ensaiado para a apresentaccedilatildeo A atuaccedilatildeo nos en-

saios eacute fundamental para a composiccedilatildeo do cenaacuterio performancial e cada decisatildeo cole-

tivamente tomada satildeo passos para o aacutepice que eacute a apresentaccedilatildeo puacuteblica A caracteriacutes-

tica transformadora da performance se percebe nos ajustes feitos pelo Balanccedilo da Ro-

seira a cada apresentaccedilatildeo nenhuma performance eacute repetida e cada performance eacute

transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca Danccedila acompanhada de can-

to fazem o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas apresentaccedilotildees do grupo

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de uma accedilatildeo integrada

totalizando a significaccedilatildeo da poeacutetica oral

Palavras-chave Performance Poesia oral

Cantigas de roda Quixabeira Balanccedilo da Roseira

1 Consideraccedilotildees iniciais

Quixabeira municiacutepio do interior baiano com pouco mais de

10000 habitantes de acordo com o censo 2015 (IBGE) situado na regi-

atildeo noroeste do estado a cerca de 300 km de Salvador com clima semiaacute-

rido e vegetaccedilatildeo caracteriacutestica da caatinga O nome do municiacutepio vem de

um dos espeacutecimes vegetais de grande importacircncia no sertatildeo nordestino

por suas muacuteltiplas utilidades eacute uma aacutervore que tem propriedades medici-

28 Este estudo faz parte do projeto de pesquisa Cantando rodas contando histoacuterias identidade e cultura popular em Quixabeira desenvolvido no Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Estudos de Liacuten-gua e Linguagens (PPGEL) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)

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nais sua madeira eacute resistente e muito utilizada para construccedilatildeo de moacute-

veis suas folhas servem de alimentaccedilatildeo para as criaccedilotildees e a terra agrave sua

volta serve de adubo A sideroxylon obtusifolium tambeacutem conhecida

como quixabeira ou quixaba pode chegar a 15 metros de altura armada

de espinhos e produz um pequeno fruto negro adocicado Aleacutem da aacutervore

que nomeia o municiacutepio haacute outro espeacutecime importante na histoacuteria local

o licurizeiro abundante na regiatildeo a extraccedilatildeo do licuri ainda gera renda

agraves famiacutelias locais

A quebra do licuri era como tantas outras atividades no campo

acompanhada dos cantos de trabalho utilizados como forma de abrandar

o esforccedilo feito na atividade braccedilal cadenciando o bater das pedras Em

algumas ocasiotildees um ritual conhecido por muitos como ldquorobaacute licurirdquo

Semelhante ao ldquoboi roubadordquo descrito por Sandro Santana em Muacutesica e

Ancestralidade na Quixabeira era organizado em segredo quando um

membro da comunidade estava com o trabalho por fazer ou se encontrava

enfermo ldquoEacute uma forma de se solidarizar diante de um momento difiacutecil

com alegria e diversatildeordquo (SANTANA 2012 p 59-60) Na madrugada o

grupo arregimentado para auxiliar o vizinho chega soltando foguetes e

entoando os cantos especiacuteficos para a ocasiatildeo Ao ouvir os fogos de arti-

fiacutecio e o canto o dono da casa saiacutea para providenciar comida para o mu-

tiratildeo A quebra de licuri seguia acompanhada dos cantos de trabalho que

ditavam o ritmo da atividade naquela noite e ao final virava festa com

cantigas de roda samba e batuques

A tarefa aacuterdua de quebrar licuri exige o uso de uma ferramenta na-

tural a pedra Todo trabalhador rural que apoacutes a colheita e secagem do

licuri inicia a tarefa de quebraacute-lo precisa cuidadosamente buscar as pe-

dras necessaacuterias uma para servir de suporte para o fruto natildeo escorregar

ou afundar no chatildeo outra para quebrar o coco essa sempre a mesma

guardada ateacute o uacuteltimo dia de trabalho Se engana quem pensa que qual-

quer pedra resolve a questatildeo a pedra de apoio natildeo pode ter sua superfiacutecie

plana pois o licuri pode escorregar nem muito cocircncava para natildeo dificul-

tar o alcance da pedra de bater Pedras escolhidas na expressatildeo local a

de botar e a de bater inicia-se a tarefa

O grupo Balanccedilo da Roseira tem seu iniacutecio como a escolha das

pedras para a quebra do licuri O grupo que hoje reuacutene dez mulheres teve

suas integrantes escolhidas principalmente pela habilidade de cantar A

coordenadora do grupo Edinalva Brito coordenadora pedagoacutegica e pro-

fessora da rede municipal e coordenadora da Pastoral da Crianccedila marca

o iniacutecio do grupo em junho de 1998 Segundo entrevista realizada em

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2016 ela afirma que jaacute existia na cidade vaacuterias pessoas homens e mulhe-

res que conheciam as cantigas de roda utilizadas como canto de trabalho

fosse nas quebras de licuri debulhas de milho e feijatildeo etc Nos festejos

do municiacutepio ou em comemoraccedilotildees particulares ao estarem reunidos

aqueles que conheciam as cantigas formavam ali a roda sem organizaccedilatildeo

preacutevia e cantavam Edinalva entatildeo convidou as pessoas que ela sabia que

cantavam rodas e sugeriu a formaccedilatildeo do grupo para uma apresentaccedilatildeo no

aniversaacuterio da cidade Cerca de 20 mulheres aceitaram o convite e o gru-

po se apresentou como Mulheres da Roda mantendo esse nome ateacute o ano

de 2015

Hoje o canto do Balanccedilo da Roseira natildeo mais estaacute diretamente

vinculado agrave atividade agriacutecola O canto que no passado dessas mulheres

aliviava a dureza da tarefa retirado desse cenaacuterio hoje eacute luacutedico e per-

meado de elementos performanciais O lugar das cantigas de roda eacute alte-

rado o que antes natildeo exigia nenhum elemento aleacutem do trabalho para

acontecer agora eacute colocado como performance e elemento da cultura po-

pular local Produtoras de uma cultura popular conhecedoras dos seus

espaccedilos e de uma linguagem musical particular o que cantam eacute resultado

do conhecimento que as legitima o desejo de cantar de se fazer ouvir de

sentir a vida pulsar atraveacutes do canto eacute mais forte que qualquer entrave

Hoje se natildeo houver eventos puacuteblicos programados para que o

grupo se apresente elas se reuacutenem nas casas de amigos e vizinhos pelo

prazer do canto Essa motivaccedilatildeo eacute todo e parte na constituiccedilatildeo da cultura

que as identifica e que as transforma com a convicccedilatildeo de que o que fa-

zem eacute importante senatildeo para o todo ndash a sociedade quixabeirense ndash o eacute

para a parte ndash suas vidas suas histoacuterias Com esse pensamento eacute que mu-

daram o nome do grupo Mulheres da Roda era pouco para quem vecirc nas

quadras que entoam no ciacuterculo que formam na parceria das vozes e da

danccedila a vida fazer sentido

2 Arrumando a cantoria do ensaio agrave encenaccedilatildeo

Palavra tambeacutem eacute coisa ndash coisa volaacutetil que eu

pego no ar com a boca quando falo Eu a concretizo

(Lispector 2008 p 72)

A epiacutegrafe diz respeito a uma voz para aleacutem do corpo que a pro-

nuncia abstrata separada de um corpo sua manifestaccedilatildeo em linguagem

a voz que ultrapassa essa palavra coisa sua concretizaccedilatildeo E na atuaccedilatildeo

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do grupo Balanccedilo da Roseira a concretizaccedilatildeo da palavra coisa se daacute na

performance que as mulheres elaboram Richard Schechner encontra sete

funccedilotildees para a performance ldquoentreter fazer alguma coisa que eacute bela

marcar ou mudar a identidade fazer ou estimular uma comunidade cu-

rar ensinar persuadir ou convencer lidar com o sagrado e com o demo-

niacuteacordquo (SCHECHNER 2003 p 10) e reitera que nenhuma performance

exerceraacute todas essas funccedilotildees embora existam performances que datildeo ecircnfa-

se a mais de uma

Se pensarmos no grupo Balanccedilo da Roseira podemos observar

atraveacutes das performances do grupo e das entrevistas concedidas por cada

integrante que uma das funccedilotildees que elas identificam em unanimidade eacute o

entretenimento Elas veem a atividade no grupo como uma forma de re-

lembrar a juventude e cantam por divertimento lazer Mas natildeo se encerra

no ato de entreter eacute tambeacutem fazer algo belo percebem beleza e encan-

tamento no canto na danccedila na roda aleacutem de compreender a atuaccedilatildeo do

grupo enquanto marca de uma identidade local Fazendo uso ainda da te-

oria de Richard Schechner quando reitera as muitas maneiras de enten-

der a performance como um conceito vantajoso por possibilitar a investi-

gaccedilatildeo dos comportamentos performativos em continuidade e considerar a

fluidez das performances da vida cotidiana bem como da construccedilatildeo de

identidades

Rituais brincadeiras e jogos e os papeacuteis da vida cotidiana satildeo performan-

ces pois satildeo convenccedilotildees contexto uso e tradiccedilatildeo ou como queira chamar Natildeo se pode determinar o que eacute uma performance sem se referir agraves circunstacircncias

culturais especiacuteficos Natildeo haacute nada inerente a uma accedilatildeo em si que a faccedila uma

performance ou desqualifique-a de ser uma performance A partir da observa-ccedilatildeo do tipo de teoria da performance que estou propondo cada accedilatildeo eacute uma

performance Mas a partir da observaccedilatildeo da praacutetica cultural algumas accedilotildees se-

ratildeo consideradas performances e outras natildeo e isso vai variar de cultura para cultura de um periacuteodo histoacuterico a outro periacuteodo histoacuterico29 (SCHECHNER

2013 p 38 traduccedilatildeo nossa)

Nessa variaccedilatildeo do que eacute ou natildeo considerado performance com as

mudanccedilas a cada periacuteodo histoacuterico e de uma cultura a outra Paul Zum-

thor distingue quatro situaccedilotildees performanciais ldquode acordo com o momen-

29 Rituals play and games and the roles of everyday life are performances because convention context usage and tradition say so One cannot determine what ldquoisrdquo a performance without referring to specific cultural circumstances There is nothing inherent in an action in itself that makes it a performance or disqualifies it from being a performance From the vantage of the kind of performance theory I am propounding every action is a performance But from the vantage of cultural practice some actions will be deemed performances and other not and this will vary from culture to culture historical period to historical period (SCHECHNER 2013 p 38)

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to em que o canto se insererdquo convencional natural histoacuterico ou livre Na

denominaccedilatildeo convencional o tempo eacute intermitente de acontecimentos

ritualizados Exemplo disso eacute a ligaccedilatildeo da performance do grupo Balanccedilo

da Roseira agrave celebraccedilatildeo de uma festa religiosa especiacutefica o canto de

abertura nas apresentaccedilotildees tem a base meloacutedica no canto da Folia de

Reis festa catoacutelica ligada agrave comemoraccedilatildeo do Natal com data fixada em

6 de janeiro assim como o uso da danccedila do pau de fitas cuja popularida-

de se deu tambeacutem atraveacutes das festas de reis E no grupo eacute utilizada para

homenagear o evento ou seu organizador

No tempo ritual se articulam na praacutetica da maioria das religiotildees as per-

formances da poesia lituacutergica Em paiacuteses de tradiccedilatildeo cristatilde se encontram inuacute-meros cacircnticos cuja utilizaccedilatildeo constitui entre noacutes uma das uacuteltimas tradiccedilotildees

poeacuteticas orais quase puras [] O laccedilo ritual se distende agraves vezes mas conota

como uma marca original performances jaacute banalizadas (ZUMTHOR 2010 p 168)

Outra situaccedilatildeo performancial se daacute no tempo natural o tempo

ldquodas estaccedilotildees dos dias das horasrdquo tempo que para o autor propicia a

poesia pois estaacute ancorado no que eacute vivido tal qual as quebras comunitaacute-

rias do licuri no periacuteodo de sua colheita determinada por esse tempo na-

tural no periacuteodo em que os licurizeiros frutificam Em entrevista a coor-

denadora do grupo declara que ldquotendo safra sempre tinha festardquo Era

quando acontecia agrave noite o licuri roubado ndash a comunidade se reunia e

chegava de surpresa na casa de algum vizinho para ajudar a quebrar o li-

curi colhido Chegavam cantando ldquoDona da casa bem que eu lhe dizia

que essa surpresa eu vinha fazer um dia E eu dizendo vocecirc pode acredi-

taacute que hoje noacuteis vadeia ateacute o sol raiaacuterdquo O trabalho era embalado pelo can-

to e ao final a roda era feita para festejar

[] o canto acompanhando o trabalho orientado para seguir esses ciclos []

A noite caacutelida de misteacuterios eacute um tempo forte que a maioria das civilizaccedilotildees considera sensiacutevel agrave voz humana seja interditando seu uso seja fazendo da

noite o tempo privilegiado ou ateacute exclusivo de certas performances []

(ZUMTHOR 2010 p 169)

No tempo livre nada liga a performance ao que eacute vivido o canto

eacute o que lhe resta e o desejo de cantar natildeo mais se manteacutem atrelado ao

canto do trabalho ou agrave uma comemoraccedilatildeo religiosa O conceito de Paul

Zumthor eacute que embora o tempo seja sentido em toda performance em

virtude da proacutepria natureza da comunicaccedilatildeo oral na performance ritual

essa regra constitui os sentidos do poema enquanto na performance de

tempo livre esse efeito se dilui

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O laccedilo que ata a performance ao fato vivido se afrouxa facilmente Resta a maravilha do canto A alegria ou a tristeza provocada pelo acontecimento ou

pelo humor por seu turno talvez suscitem mais um puro desejo de cantar do

que o gosto por uma canccedilatildeo em particular pouco importa o texto apenas im-porta a melodia a relaccedilatildeo ldquohistoacutericardquo eacute rompida o tempo eacute abolido (ZUMN-

THOR 2010 p 170)

Constata-se atraveacutes das entrevistas realizadas que esse eacute um sen-

timento recorrente nas mulheres que integram o grupo o desejo de can-

tar sem predileccedilotildees pelo que eacute cantado ou pela situaccedilatildeo que agraves conduz

ao canto o som meloacutedico da voz eacute o mais importante a despeito da poe-

sia que acompanha esse canto ldquoCantar pra gente eacute tudordquo segredam-me

ldquose a gente natildeo cantar a gente entristecerdquo

A performance vocal se liga ao texto e ao corpo que emana essa

voz em primeiro tom ndash a chamada primeira voz ndash aguda e nasalada

acompanhada de um tom abaixo uma voz um pouco mais grave a se-

gunda voz agrave semelhanccedila dos repentistas e seu canto de improviso Por

esse motivo a coordenadora do grupo afirma que para ldquocantar rodardquo

natildeo basta querer cantar eacute preciso ldquosaberrdquo cantar um ldquodomrdquo que para

ela natildeo eacute algo disponiacutevel a todos Paul Zumthor corrobora a informaccedilatildeo

natildeo no sentido de um dom gratuito mas na qualidade do saber-fazer

ldquoem outros termos performance implica competecircncia Mas o que eacute aqui

competecircncia Agrave primeira vista aparece como savoir-faire Na perfor-

mance eu diria que ela eacute o saber-serrdquo (ZUMTHOR 2014 p 34)

Com o grupo Balanccedilo da Roseira esse ldquosaber-serrdquo envolve pri-

mordialmente o canto e um canto ritual com caracteriacutesticas e atuaccedilotildees

especiacuteficas Ao organizarem as apresentaccedilotildees a escolha das duplas de

canto se datildeo de acordo com a afinidade entre as integrantes do grupo

bem como a afinaccedilatildeo entre as vozes de cada dupla e isso pode variar a

cada apresentaccedilatildeo pois consideram que ldquotem vozes que natildeo se datildeo muito

bemrdquo Como anteriormente descrito as duplas se datildeo em variaccedilotildees no

tom de voz sopranos e contraltos embora todas afirmem ser capazes de

cantar em qualquer um dos tons tudo depende da dupla que eacute escolhida

para a apresentaccedilatildeo Assim se a inteacuterprete escolhida para dar iniacutecio ao

canto em sua maioria uma voz soprano a primeira voz mais aguda o fi-

zer em um tom baixo ou seja no tom do contralto a segunda voz sua

parceira de canto faraacute o tom necessaacuterio para a harmonia das vozes

Do ponto de vista dessa configuraccedilatildeo de canto nota-se que a ldquoafi-

naccedilatildeordquo que eacute desejada pelo grupo eacute condutor tambeacutem de significados

que extrapolam o lugar da linguagem dita dando lugar agraves possibilidades

interpretativas das formas poeacuteticas

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O canto depende mais da arte musical que das gramaacuteticas ele se coloca por essa razatildeo entre as manifestaccedilotildees de uma praacutetica significante privilegiada

a menos inapta sem duacutevida para tocar em noacutes o cordatildeo umbilical do sujeito

onde se articula nos poderes naturais a simbologia de uma cultura No dito a presenccedila fiacutesica do locutor se atenua mais ou menos tendendo a se diluir nas

circunstacircncias No canto ela se afirma reivindicando a totalidade de seu espa-

ccedilo Por isso a maior parte das performances poeacuteticas em todas as civiliza-ccedilotildees sempre foram cantadas (ZUMTHOR 2010 p 200)

Tal qual Ceciacutelia Meireles que canta ldquoporque o instante existerdquo as

mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira cantam pelo instante pelo prazer

pela crenccedila naquilo que continuam a fazer A noccedilatildeo de performance atre-

lada agrave ideia de competecircncia Paul Zumthor define como o saber-ser ldquoum

saber que implica e comanda uma presenccedila e uma condutardquo (ZUM-

THOR 2014 p 34) Eacute por ele fundamentada atraveacutes dos quatro traccedilos da

performance apresentados por Dell Hymes em Breakthrough into Per-

formance performance eacute reconhecimento ldquofaz passar algo que eu reco-

nheccedilo da virtualidade agrave atualidaderdquo a performance estaacute sempre situada

em um contexto que eacute tempo cultural e situacional algo que ldquoultrapassa

o curso comum dos acontecimentosrdquo haacute trecircs tipos de atividades no grupo

cultural de cada homem o comportamento a conduta e a performance a

performance modifica o que se conhece sobre o conhecimento que ela

transmite ldquocada performance nova coloca tudo em causa A forma se

percebe em performance mas a cada performance ela se transmudardquo

(ZUMTHOR 2014 p 36)

A caracteriacutestica transformadora da performance se percebe nos

ajustes feitos pelo Balanccedilo da Roseira A cada apresentaccedilatildeo as partici-

pantes se adaptam entre elas e ao ambiente onde iratildeo se apresentar

Quando das apresentaccedilotildees via raacutedio natildeo havia performance visual ape-

nas a voz o canto a danccedila natildeo era necessaacuteria Nas apresentaccedilotildees em ins-

tituiccedilotildees educacionais em um auditoacuterio ou palco ou ainda em competi-

ccedilotildees entre os grupos de roda elas se apresentam para serem vistas e ou-

vidas sem a interaccedilatildeo do puacuteblico Haacute nessas apresentaccedilotildees mais teatrali-

dade (jaacute aconteceram apresentaccedilotildees em que as quebras de licuri foram

simuladas durante o canto) Ocorrem ainda as apresentaccedilotildees em praccedilas

puacuteblicas quando o puacuteblico interage participando do canto e da danccedila

com o grupo Nenhuma performance assim eacute repetida e cada performan-

ce eacute transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca

[] no uso mais geral performance se refere de modo imediato a um aconte-cimento oral e gestual [] qualquer que seja a maneira pela qual somos leva-

dos a remanejar (ou a espremer para extrair substacircncia) a noccedilatildeo de performan-

ce encontraremos sempre um elemento irredutiacutevel a ideia da presenccedila de um

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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe

enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-

dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-

necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento

empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)

ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR

2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo

do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees

satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-

da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A

roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao

se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda

determina o ritmo das cantigas

ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo

(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a

entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-

das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo

ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-

tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-

formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela

formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute

para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-

satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de

duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais

portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)

No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-

na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-

tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-

to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-

-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano

como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do

autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-

senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho

adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da

manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-

des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-

paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-

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curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que

vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-

NA 2002 p 23)

A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira

leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-

beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem

como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance

das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um

dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os

inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-

do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-

dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-

crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da

concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o

efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)

Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas

inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de

cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-

da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como

os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica

quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute

como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial

lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo

salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-

gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-

vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)

No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos

que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que

usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos

em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-

odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras

do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes

orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p

59)

Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)

Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)

Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)

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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho

a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-

do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de

forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-

da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto

energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-

ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)

Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-

ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com

aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do

sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral

posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-

festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo

ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma

poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)

O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute

apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-

o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um

nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-

chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela

interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p

218)

A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do

Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-

lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas

quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-

nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a

poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou

de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)

A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-

ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-

riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-

tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos

testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando

uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-

THOR 2010 p 221)

Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam

uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da

poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma

Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

86 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o

discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a

circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto

que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam

danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares

elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo

formado

A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria

eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de

casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-

do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p

226)

A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul

Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado

manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-

nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas

apresentaccedilotildees do grupo

Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em

fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-

go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode

ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-

cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-

do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)

Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os

acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e

se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a

relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado

amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-

buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira

evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-

lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma

camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes

dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-

tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo

da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre

a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-

propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes

e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro

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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-

lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas

uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)

Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo

cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos

de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-

ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental

para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse

elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-

sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)

Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no

encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-

zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo

virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)

Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-

mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-

trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por

muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-

cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-

do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner

(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-

ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso

especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-

duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo

beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus

elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)

Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-

po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-

formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-

chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-

tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-

rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar

sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um

pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais

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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-

duccedilatildeo nossa)

Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica

para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo

pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas

as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER

2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-

rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica

postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais

performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados

A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-

ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves

necessidades sentidas

Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm

fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-

dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)

Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-

da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma

das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-

do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma

comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se

assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo

especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao

espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se

daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-

tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-

30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)

31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)

32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs

Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)

33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)

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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-

mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-

tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo

As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-

cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas

apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-

cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para

ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos

realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute

ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-

tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar

Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo

e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-

cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua

participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da

poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR

2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas

tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance

A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-

criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-

res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria

e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-

mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte

que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)

As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes

do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que

conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e

diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-

cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo

esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo

Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem

refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-

mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor

e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute

mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-

formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo

eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)

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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

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SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 2: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

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nais sua madeira eacute resistente e muito utilizada para construccedilatildeo de moacute-

veis suas folhas servem de alimentaccedilatildeo para as criaccedilotildees e a terra agrave sua

volta serve de adubo A sideroxylon obtusifolium tambeacutem conhecida

como quixabeira ou quixaba pode chegar a 15 metros de altura armada

de espinhos e produz um pequeno fruto negro adocicado Aleacutem da aacutervore

que nomeia o municiacutepio haacute outro espeacutecime importante na histoacuteria local

o licurizeiro abundante na regiatildeo a extraccedilatildeo do licuri ainda gera renda

agraves famiacutelias locais

A quebra do licuri era como tantas outras atividades no campo

acompanhada dos cantos de trabalho utilizados como forma de abrandar

o esforccedilo feito na atividade braccedilal cadenciando o bater das pedras Em

algumas ocasiotildees um ritual conhecido por muitos como ldquorobaacute licurirdquo

Semelhante ao ldquoboi roubadordquo descrito por Sandro Santana em Muacutesica e

Ancestralidade na Quixabeira era organizado em segredo quando um

membro da comunidade estava com o trabalho por fazer ou se encontrava

enfermo ldquoEacute uma forma de se solidarizar diante de um momento difiacutecil

com alegria e diversatildeordquo (SANTANA 2012 p 59-60) Na madrugada o

grupo arregimentado para auxiliar o vizinho chega soltando foguetes e

entoando os cantos especiacuteficos para a ocasiatildeo Ao ouvir os fogos de arti-

fiacutecio e o canto o dono da casa saiacutea para providenciar comida para o mu-

tiratildeo A quebra de licuri seguia acompanhada dos cantos de trabalho que

ditavam o ritmo da atividade naquela noite e ao final virava festa com

cantigas de roda samba e batuques

A tarefa aacuterdua de quebrar licuri exige o uso de uma ferramenta na-

tural a pedra Todo trabalhador rural que apoacutes a colheita e secagem do

licuri inicia a tarefa de quebraacute-lo precisa cuidadosamente buscar as pe-

dras necessaacuterias uma para servir de suporte para o fruto natildeo escorregar

ou afundar no chatildeo outra para quebrar o coco essa sempre a mesma

guardada ateacute o uacuteltimo dia de trabalho Se engana quem pensa que qual-

quer pedra resolve a questatildeo a pedra de apoio natildeo pode ter sua superfiacutecie

plana pois o licuri pode escorregar nem muito cocircncava para natildeo dificul-

tar o alcance da pedra de bater Pedras escolhidas na expressatildeo local a

de botar e a de bater inicia-se a tarefa

O grupo Balanccedilo da Roseira tem seu iniacutecio como a escolha das

pedras para a quebra do licuri O grupo que hoje reuacutene dez mulheres teve

suas integrantes escolhidas principalmente pela habilidade de cantar A

coordenadora do grupo Edinalva Brito coordenadora pedagoacutegica e pro-

fessora da rede municipal e coordenadora da Pastoral da Crianccedila marca

o iniacutecio do grupo em junho de 1998 Segundo entrevista realizada em

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78 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

2016 ela afirma que jaacute existia na cidade vaacuterias pessoas homens e mulhe-

res que conheciam as cantigas de roda utilizadas como canto de trabalho

fosse nas quebras de licuri debulhas de milho e feijatildeo etc Nos festejos

do municiacutepio ou em comemoraccedilotildees particulares ao estarem reunidos

aqueles que conheciam as cantigas formavam ali a roda sem organizaccedilatildeo

preacutevia e cantavam Edinalva entatildeo convidou as pessoas que ela sabia que

cantavam rodas e sugeriu a formaccedilatildeo do grupo para uma apresentaccedilatildeo no

aniversaacuterio da cidade Cerca de 20 mulheres aceitaram o convite e o gru-

po se apresentou como Mulheres da Roda mantendo esse nome ateacute o ano

de 2015

Hoje o canto do Balanccedilo da Roseira natildeo mais estaacute diretamente

vinculado agrave atividade agriacutecola O canto que no passado dessas mulheres

aliviava a dureza da tarefa retirado desse cenaacuterio hoje eacute luacutedico e per-

meado de elementos performanciais O lugar das cantigas de roda eacute alte-

rado o que antes natildeo exigia nenhum elemento aleacutem do trabalho para

acontecer agora eacute colocado como performance e elemento da cultura po-

pular local Produtoras de uma cultura popular conhecedoras dos seus

espaccedilos e de uma linguagem musical particular o que cantam eacute resultado

do conhecimento que as legitima o desejo de cantar de se fazer ouvir de

sentir a vida pulsar atraveacutes do canto eacute mais forte que qualquer entrave

Hoje se natildeo houver eventos puacuteblicos programados para que o

grupo se apresente elas se reuacutenem nas casas de amigos e vizinhos pelo

prazer do canto Essa motivaccedilatildeo eacute todo e parte na constituiccedilatildeo da cultura

que as identifica e que as transforma com a convicccedilatildeo de que o que fa-

zem eacute importante senatildeo para o todo ndash a sociedade quixabeirense ndash o eacute

para a parte ndash suas vidas suas histoacuterias Com esse pensamento eacute que mu-

daram o nome do grupo Mulheres da Roda era pouco para quem vecirc nas

quadras que entoam no ciacuterculo que formam na parceria das vozes e da

danccedila a vida fazer sentido

2 Arrumando a cantoria do ensaio agrave encenaccedilatildeo

Palavra tambeacutem eacute coisa ndash coisa volaacutetil que eu

pego no ar com a boca quando falo Eu a concretizo

(Lispector 2008 p 72)

A epiacutegrafe diz respeito a uma voz para aleacutem do corpo que a pro-

nuncia abstrata separada de um corpo sua manifestaccedilatildeo em linguagem

a voz que ultrapassa essa palavra coisa sua concretizaccedilatildeo E na atuaccedilatildeo

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do grupo Balanccedilo da Roseira a concretizaccedilatildeo da palavra coisa se daacute na

performance que as mulheres elaboram Richard Schechner encontra sete

funccedilotildees para a performance ldquoentreter fazer alguma coisa que eacute bela

marcar ou mudar a identidade fazer ou estimular uma comunidade cu-

rar ensinar persuadir ou convencer lidar com o sagrado e com o demo-

niacuteacordquo (SCHECHNER 2003 p 10) e reitera que nenhuma performance

exerceraacute todas essas funccedilotildees embora existam performances que datildeo ecircnfa-

se a mais de uma

Se pensarmos no grupo Balanccedilo da Roseira podemos observar

atraveacutes das performances do grupo e das entrevistas concedidas por cada

integrante que uma das funccedilotildees que elas identificam em unanimidade eacute o

entretenimento Elas veem a atividade no grupo como uma forma de re-

lembrar a juventude e cantam por divertimento lazer Mas natildeo se encerra

no ato de entreter eacute tambeacutem fazer algo belo percebem beleza e encan-

tamento no canto na danccedila na roda aleacutem de compreender a atuaccedilatildeo do

grupo enquanto marca de uma identidade local Fazendo uso ainda da te-

oria de Richard Schechner quando reitera as muitas maneiras de enten-

der a performance como um conceito vantajoso por possibilitar a investi-

gaccedilatildeo dos comportamentos performativos em continuidade e considerar a

fluidez das performances da vida cotidiana bem como da construccedilatildeo de

identidades

Rituais brincadeiras e jogos e os papeacuteis da vida cotidiana satildeo performan-

ces pois satildeo convenccedilotildees contexto uso e tradiccedilatildeo ou como queira chamar Natildeo se pode determinar o que eacute uma performance sem se referir agraves circunstacircncias

culturais especiacuteficos Natildeo haacute nada inerente a uma accedilatildeo em si que a faccedila uma

performance ou desqualifique-a de ser uma performance A partir da observa-ccedilatildeo do tipo de teoria da performance que estou propondo cada accedilatildeo eacute uma

performance Mas a partir da observaccedilatildeo da praacutetica cultural algumas accedilotildees se-

ratildeo consideradas performances e outras natildeo e isso vai variar de cultura para cultura de um periacuteodo histoacuterico a outro periacuteodo histoacuterico29 (SCHECHNER

2013 p 38 traduccedilatildeo nossa)

Nessa variaccedilatildeo do que eacute ou natildeo considerado performance com as

mudanccedilas a cada periacuteodo histoacuterico e de uma cultura a outra Paul Zum-

thor distingue quatro situaccedilotildees performanciais ldquode acordo com o momen-

29 Rituals play and games and the roles of everyday life are performances because convention context usage and tradition say so One cannot determine what ldquoisrdquo a performance without referring to specific cultural circumstances There is nothing inherent in an action in itself that makes it a performance or disqualifies it from being a performance From the vantage of the kind of performance theory I am propounding every action is a performance But from the vantage of cultural practice some actions will be deemed performances and other not and this will vary from culture to culture historical period to historical period (SCHECHNER 2013 p 38)

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80 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

to em que o canto se insererdquo convencional natural histoacuterico ou livre Na

denominaccedilatildeo convencional o tempo eacute intermitente de acontecimentos

ritualizados Exemplo disso eacute a ligaccedilatildeo da performance do grupo Balanccedilo

da Roseira agrave celebraccedilatildeo de uma festa religiosa especiacutefica o canto de

abertura nas apresentaccedilotildees tem a base meloacutedica no canto da Folia de

Reis festa catoacutelica ligada agrave comemoraccedilatildeo do Natal com data fixada em

6 de janeiro assim como o uso da danccedila do pau de fitas cuja popularida-

de se deu tambeacutem atraveacutes das festas de reis E no grupo eacute utilizada para

homenagear o evento ou seu organizador

No tempo ritual se articulam na praacutetica da maioria das religiotildees as per-

formances da poesia lituacutergica Em paiacuteses de tradiccedilatildeo cristatilde se encontram inuacute-meros cacircnticos cuja utilizaccedilatildeo constitui entre noacutes uma das uacuteltimas tradiccedilotildees

poeacuteticas orais quase puras [] O laccedilo ritual se distende agraves vezes mas conota

como uma marca original performances jaacute banalizadas (ZUMTHOR 2010 p 168)

Outra situaccedilatildeo performancial se daacute no tempo natural o tempo

ldquodas estaccedilotildees dos dias das horasrdquo tempo que para o autor propicia a

poesia pois estaacute ancorado no que eacute vivido tal qual as quebras comunitaacute-

rias do licuri no periacuteodo de sua colheita determinada por esse tempo na-

tural no periacuteodo em que os licurizeiros frutificam Em entrevista a coor-

denadora do grupo declara que ldquotendo safra sempre tinha festardquo Era

quando acontecia agrave noite o licuri roubado ndash a comunidade se reunia e

chegava de surpresa na casa de algum vizinho para ajudar a quebrar o li-

curi colhido Chegavam cantando ldquoDona da casa bem que eu lhe dizia

que essa surpresa eu vinha fazer um dia E eu dizendo vocecirc pode acredi-

taacute que hoje noacuteis vadeia ateacute o sol raiaacuterdquo O trabalho era embalado pelo can-

to e ao final a roda era feita para festejar

[] o canto acompanhando o trabalho orientado para seguir esses ciclos []

A noite caacutelida de misteacuterios eacute um tempo forte que a maioria das civilizaccedilotildees considera sensiacutevel agrave voz humana seja interditando seu uso seja fazendo da

noite o tempo privilegiado ou ateacute exclusivo de certas performances []

(ZUMTHOR 2010 p 169)

No tempo livre nada liga a performance ao que eacute vivido o canto

eacute o que lhe resta e o desejo de cantar natildeo mais se manteacutem atrelado ao

canto do trabalho ou agrave uma comemoraccedilatildeo religiosa O conceito de Paul

Zumthor eacute que embora o tempo seja sentido em toda performance em

virtude da proacutepria natureza da comunicaccedilatildeo oral na performance ritual

essa regra constitui os sentidos do poema enquanto na performance de

tempo livre esse efeito se dilui

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O laccedilo que ata a performance ao fato vivido se afrouxa facilmente Resta a maravilha do canto A alegria ou a tristeza provocada pelo acontecimento ou

pelo humor por seu turno talvez suscitem mais um puro desejo de cantar do

que o gosto por uma canccedilatildeo em particular pouco importa o texto apenas im-porta a melodia a relaccedilatildeo ldquohistoacutericardquo eacute rompida o tempo eacute abolido (ZUMN-

THOR 2010 p 170)

Constata-se atraveacutes das entrevistas realizadas que esse eacute um sen-

timento recorrente nas mulheres que integram o grupo o desejo de can-

tar sem predileccedilotildees pelo que eacute cantado ou pela situaccedilatildeo que agraves conduz

ao canto o som meloacutedico da voz eacute o mais importante a despeito da poe-

sia que acompanha esse canto ldquoCantar pra gente eacute tudordquo segredam-me

ldquose a gente natildeo cantar a gente entristecerdquo

A performance vocal se liga ao texto e ao corpo que emana essa

voz em primeiro tom ndash a chamada primeira voz ndash aguda e nasalada

acompanhada de um tom abaixo uma voz um pouco mais grave a se-

gunda voz agrave semelhanccedila dos repentistas e seu canto de improviso Por

esse motivo a coordenadora do grupo afirma que para ldquocantar rodardquo

natildeo basta querer cantar eacute preciso ldquosaberrdquo cantar um ldquodomrdquo que para

ela natildeo eacute algo disponiacutevel a todos Paul Zumthor corrobora a informaccedilatildeo

natildeo no sentido de um dom gratuito mas na qualidade do saber-fazer

ldquoem outros termos performance implica competecircncia Mas o que eacute aqui

competecircncia Agrave primeira vista aparece como savoir-faire Na perfor-

mance eu diria que ela eacute o saber-serrdquo (ZUMTHOR 2014 p 34)

Com o grupo Balanccedilo da Roseira esse ldquosaber-serrdquo envolve pri-

mordialmente o canto e um canto ritual com caracteriacutesticas e atuaccedilotildees

especiacuteficas Ao organizarem as apresentaccedilotildees a escolha das duplas de

canto se datildeo de acordo com a afinidade entre as integrantes do grupo

bem como a afinaccedilatildeo entre as vozes de cada dupla e isso pode variar a

cada apresentaccedilatildeo pois consideram que ldquotem vozes que natildeo se datildeo muito

bemrdquo Como anteriormente descrito as duplas se datildeo em variaccedilotildees no

tom de voz sopranos e contraltos embora todas afirmem ser capazes de

cantar em qualquer um dos tons tudo depende da dupla que eacute escolhida

para a apresentaccedilatildeo Assim se a inteacuterprete escolhida para dar iniacutecio ao

canto em sua maioria uma voz soprano a primeira voz mais aguda o fi-

zer em um tom baixo ou seja no tom do contralto a segunda voz sua

parceira de canto faraacute o tom necessaacuterio para a harmonia das vozes

Do ponto de vista dessa configuraccedilatildeo de canto nota-se que a ldquoafi-

naccedilatildeordquo que eacute desejada pelo grupo eacute condutor tambeacutem de significados

que extrapolam o lugar da linguagem dita dando lugar agraves possibilidades

interpretativas das formas poeacuteticas

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82 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

O canto depende mais da arte musical que das gramaacuteticas ele se coloca por essa razatildeo entre as manifestaccedilotildees de uma praacutetica significante privilegiada

a menos inapta sem duacutevida para tocar em noacutes o cordatildeo umbilical do sujeito

onde se articula nos poderes naturais a simbologia de uma cultura No dito a presenccedila fiacutesica do locutor se atenua mais ou menos tendendo a se diluir nas

circunstacircncias No canto ela se afirma reivindicando a totalidade de seu espa-

ccedilo Por isso a maior parte das performances poeacuteticas em todas as civiliza-ccedilotildees sempre foram cantadas (ZUMTHOR 2010 p 200)

Tal qual Ceciacutelia Meireles que canta ldquoporque o instante existerdquo as

mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira cantam pelo instante pelo prazer

pela crenccedila naquilo que continuam a fazer A noccedilatildeo de performance atre-

lada agrave ideia de competecircncia Paul Zumthor define como o saber-ser ldquoum

saber que implica e comanda uma presenccedila e uma condutardquo (ZUM-

THOR 2014 p 34) Eacute por ele fundamentada atraveacutes dos quatro traccedilos da

performance apresentados por Dell Hymes em Breakthrough into Per-

formance performance eacute reconhecimento ldquofaz passar algo que eu reco-

nheccedilo da virtualidade agrave atualidaderdquo a performance estaacute sempre situada

em um contexto que eacute tempo cultural e situacional algo que ldquoultrapassa

o curso comum dos acontecimentosrdquo haacute trecircs tipos de atividades no grupo

cultural de cada homem o comportamento a conduta e a performance a

performance modifica o que se conhece sobre o conhecimento que ela

transmite ldquocada performance nova coloca tudo em causa A forma se

percebe em performance mas a cada performance ela se transmudardquo

(ZUMTHOR 2014 p 36)

A caracteriacutestica transformadora da performance se percebe nos

ajustes feitos pelo Balanccedilo da Roseira A cada apresentaccedilatildeo as partici-

pantes se adaptam entre elas e ao ambiente onde iratildeo se apresentar

Quando das apresentaccedilotildees via raacutedio natildeo havia performance visual ape-

nas a voz o canto a danccedila natildeo era necessaacuteria Nas apresentaccedilotildees em ins-

tituiccedilotildees educacionais em um auditoacuterio ou palco ou ainda em competi-

ccedilotildees entre os grupos de roda elas se apresentam para serem vistas e ou-

vidas sem a interaccedilatildeo do puacuteblico Haacute nessas apresentaccedilotildees mais teatrali-

dade (jaacute aconteceram apresentaccedilotildees em que as quebras de licuri foram

simuladas durante o canto) Ocorrem ainda as apresentaccedilotildees em praccedilas

puacuteblicas quando o puacuteblico interage participando do canto e da danccedila

com o grupo Nenhuma performance assim eacute repetida e cada performan-

ce eacute transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca

[] no uso mais geral performance se refere de modo imediato a um aconte-cimento oral e gestual [] qualquer que seja a maneira pela qual somos leva-

dos a remanejar (ou a espremer para extrair substacircncia) a noccedilatildeo de performan-

ce encontraremos sempre um elemento irredutiacutevel a ideia da presenccedila de um

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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe

enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-

dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-

necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento

empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)

ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR

2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo

do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees

satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-

da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A

roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao

se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda

determina o ritmo das cantigas

ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo

(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a

entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-

das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo

ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-

tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-

formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela

formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute

para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-

satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de

duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais

portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)

No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-

na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-

tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-

to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-

-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano

como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do

autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-

senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho

adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da

manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-

des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-

paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-

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curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que

vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-

NA 2002 p 23)

A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira

leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-

beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem

como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance

das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um

dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os

inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-

do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-

dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-

crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da

concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o

efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)

Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas

inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de

cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-

da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como

os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica

quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute

como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial

lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo

salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-

gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-

vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)

No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos

que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que

usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos

em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-

odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras

do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes

orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p

59)

Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)

Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)

Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)

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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho

a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-

do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de

forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-

da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto

energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-

ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)

Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-

ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com

aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do

sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral

posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-

festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo

ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma

poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)

O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute

apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-

o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um

nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-

chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela

interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p

218)

A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do

Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-

lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas

quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-

nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a

poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou

de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)

A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-

ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-

riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-

tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos

testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando

uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-

THOR 2010 p 221)

Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam

uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da

poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma

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cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o

discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a

circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto

que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam

danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares

elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo

formado

A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria

eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de

casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-

do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p

226)

A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul

Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado

manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-

nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas

apresentaccedilotildees do grupo

Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em

fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-

go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode

ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-

cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-

do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)

Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os

acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e

se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a

relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado

amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-

buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira

evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-

lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma

camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes

dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-

tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo

da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre

a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-

propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes

e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro

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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-

lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas

uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)

Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo

cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos

de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-

ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental

para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse

elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-

sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)

Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no

encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-

zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo

virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)

Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-

mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-

trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por

muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-

cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-

do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner

(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-

ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso

especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-

duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo

beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus

elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)

Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-

po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-

formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-

chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-

tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-

rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar

sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um

pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais

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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-

duccedilatildeo nossa)

Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica

para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo

pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas

as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER

2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-

rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica

postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais

performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados

A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-

ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves

necessidades sentidas

Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm

fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-

dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)

Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-

da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma

das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-

do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma

comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se

assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo

especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao

espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se

daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-

tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-

30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)

31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)

32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs

Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)

33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)

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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-

mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-

tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo

As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-

cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas

apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-

cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para

ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos

realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute

ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-

tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar

Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo

e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-

cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua

participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da

poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR

2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas

tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance

A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-

criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-

res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria

e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-

mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte

que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)

As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes

do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que

conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e

diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-

cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo

esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo

Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem

refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-

mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor

e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute

mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-

formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo

eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)

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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

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SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 3: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

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78 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

2016 ela afirma que jaacute existia na cidade vaacuterias pessoas homens e mulhe-

res que conheciam as cantigas de roda utilizadas como canto de trabalho

fosse nas quebras de licuri debulhas de milho e feijatildeo etc Nos festejos

do municiacutepio ou em comemoraccedilotildees particulares ao estarem reunidos

aqueles que conheciam as cantigas formavam ali a roda sem organizaccedilatildeo

preacutevia e cantavam Edinalva entatildeo convidou as pessoas que ela sabia que

cantavam rodas e sugeriu a formaccedilatildeo do grupo para uma apresentaccedilatildeo no

aniversaacuterio da cidade Cerca de 20 mulheres aceitaram o convite e o gru-

po se apresentou como Mulheres da Roda mantendo esse nome ateacute o ano

de 2015

Hoje o canto do Balanccedilo da Roseira natildeo mais estaacute diretamente

vinculado agrave atividade agriacutecola O canto que no passado dessas mulheres

aliviava a dureza da tarefa retirado desse cenaacuterio hoje eacute luacutedico e per-

meado de elementos performanciais O lugar das cantigas de roda eacute alte-

rado o que antes natildeo exigia nenhum elemento aleacutem do trabalho para

acontecer agora eacute colocado como performance e elemento da cultura po-

pular local Produtoras de uma cultura popular conhecedoras dos seus

espaccedilos e de uma linguagem musical particular o que cantam eacute resultado

do conhecimento que as legitima o desejo de cantar de se fazer ouvir de

sentir a vida pulsar atraveacutes do canto eacute mais forte que qualquer entrave

Hoje se natildeo houver eventos puacuteblicos programados para que o

grupo se apresente elas se reuacutenem nas casas de amigos e vizinhos pelo

prazer do canto Essa motivaccedilatildeo eacute todo e parte na constituiccedilatildeo da cultura

que as identifica e que as transforma com a convicccedilatildeo de que o que fa-

zem eacute importante senatildeo para o todo ndash a sociedade quixabeirense ndash o eacute

para a parte ndash suas vidas suas histoacuterias Com esse pensamento eacute que mu-

daram o nome do grupo Mulheres da Roda era pouco para quem vecirc nas

quadras que entoam no ciacuterculo que formam na parceria das vozes e da

danccedila a vida fazer sentido

2 Arrumando a cantoria do ensaio agrave encenaccedilatildeo

Palavra tambeacutem eacute coisa ndash coisa volaacutetil que eu

pego no ar com a boca quando falo Eu a concretizo

(Lispector 2008 p 72)

A epiacutegrafe diz respeito a uma voz para aleacutem do corpo que a pro-

nuncia abstrata separada de um corpo sua manifestaccedilatildeo em linguagem

a voz que ultrapassa essa palavra coisa sua concretizaccedilatildeo E na atuaccedilatildeo

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do grupo Balanccedilo da Roseira a concretizaccedilatildeo da palavra coisa se daacute na

performance que as mulheres elaboram Richard Schechner encontra sete

funccedilotildees para a performance ldquoentreter fazer alguma coisa que eacute bela

marcar ou mudar a identidade fazer ou estimular uma comunidade cu-

rar ensinar persuadir ou convencer lidar com o sagrado e com o demo-

niacuteacordquo (SCHECHNER 2003 p 10) e reitera que nenhuma performance

exerceraacute todas essas funccedilotildees embora existam performances que datildeo ecircnfa-

se a mais de uma

Se pensarmos no grupo Balanccedilo da Roseira podemos observar

atraveacutes das performances do grupo e das entrevistas concedidas por cada

integrante que uma das funccedilotildees que elas identificam em unanimidade eacute o

entretenimento Elas veem a atividade no grupo como uma forma de re-

lembrar a juventude e cantam por divertimento lazer Mas natildeo se encerra

no ato de entreter eacute tambeacutem fazer algo belo percebem beleza e encan-

tamento no canto na danccedila na roda aleacutem de compreender a atuaccedilatildeo do

grupo enquanto marca de uma identidade local Fazendo uso ainda da te-

oria de Richard Schechner quando reitera as muitas maneiras de enten-

der a performance como um conceito vantajoso por possibilitar a investi-

gaccedilatildeo dos comportamentos performativos em continuidade e considerar a

fluidez das performances da vida cotidiana bem como da construccedilatildeo de

identidades

Rituais brincadeiras e jogos e os papeacuteis da vida cotidiana satildeo performan-

ces pois satildeo convenccedilotildees contexto uso e tradiccedilatildeo ou como queira chamar Natildeo se pode determinar o que eacute uma performance sem se referir agraves circunstacircncias

culturais especiacuteficos Natildeo haacute nada inerente a uma accedilatildeo em si que a faccedila uma

performance ou desqualifique-a de ser uma performance A partir da observa-ccedilatildeo do tipo de teoria da performance que estou propondo cada accedilatildeo eacute uma

performance Mas a partir da observaccedilatildeo da praacutetica cultural algumas accedilotildees se-

ratildeo consideradas performances e outras natildeo e isso vai variar de cultura para cultura de um periacuteodo histoacuterico a outro periacuteodo histoacuterico29 (SCHECHNER

2013 p 38 traduccedilatildeo nossa)

Nessa variaccedilatildeo do que eacute ou natildeo considerado performance com as

mudanccedilas a cada periacuteodo histoacuterico e de uma cultura a outra Paul Zum-

thor distingue quatro situaccedilotildees performanciais ldquode acordo com o momen-

29 Rituals play and games and the roles of everyday life are performances because convention context usage and tradition say so One cannot determine what ldquoisrdquo a performance without referring to specific cultural circumstances There is nothing inherent in an action in itself that makes it a performance or disqualifies it from being a performance From the vantage of the kind of performance theory I am propounding every action is a performance But from the vantage of cultural practice some actions will be deemed performances and other not and this will vary from culture to culture historical period to historical period (SCHECHNER 2013 p 38)

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to em que o canto se insererdquo convencional natural histoacuterico ou livre Na

denominaccedilatildeo convencional o tempo eacute intermitente de acontecimentos

ritualizados Exemplo disso eacute a ligaccedilatildeo da performance do grupo Balanccedilo

da Roseira agrave celebraccedilatildeo de uma festa religiosa especiacutefica o canto de

abertura nas apresentaccedilotildees tem a base meloacutedica no canto da Folia de

Reis festa catoacutelica ligada agrave comemoraccedilatildeo do Natal com data fixada em

6 de janeiro assim como o uso da danccedila do pau de fitas cuja popularida-

de se deu tambeacutem atraveacutes das festas de reis E no grupo eacute utilizada para

homenagear o evento ou seu organizador

No tempo ritual se articulam na praacutetica da maioria das religiotildees as per-

formances da poesia lituacutergica Em paiacuteses de tradiccedilatildeo cristatilde se encontram inuacute-meros cacircnticos cuja utilizaccedilatildeo constitui entre noacutes uma das uacuteltimas tradiccedilotildees

poeacuteticas orais quase puras [] O laccedilo ritual se distende agraves vezes mas conota

como uma marca original performances jaacute banalizadas (ZUMTHOR 2010 p 168)

Outra situaccedilatildeo performancial se daacute no tempo natural o tempo

ldquodas estaccedilotildees dos dias das horasrdquo tempo que para o autor propicia a

poesia pois estaacute ancorado no que eacute vivido tal qual as quebras comunitaacute-

rias do licuri no periacuteodo de sua colheita determinada por esse tempo na-

tural no periacuteodo em que os licurizeiros frutificam Em entrevista a coor-

denadora do grupo declara que ldquotendo safra sempre tinha festardquo Era

quando acontecia agrave noite o licuri roubado ndash a comunidade se reunia e

chegava de surpresa na casa de algum vizinho para ajudar a quebrar o li-

curi colhido Chegavam cantando ldquoDona da casa bem que eu lhe dizia

que essa surpresa eu vinha fazer um dia E eu dizendo vocecirc pode acredi-

taacute que hoje noacuteis vadeia ateacute o sol raiaacuterdquo O trabalho era embalado pelo can-

to e ao final a roda era feita para festejar

[] o canto acompanhando o trabalho orientado para seguir esses ciclos []

A noite caacutelida de misteacuterios eacute um tempo forte que a maioria das civilizaccedilotildees considera sensiacutevel agrave voz humana seja interditando seu uso seja fazendo da

noite o tempo privilegiado ou ateacute exclusivo de certas performances []

(ZUMTHOR 2010 p 169)

No tempo livre nada liga a performance ao que eacute vivido o canto

eacute o que lhe resta e o desejo de cantar natildeo mais se manteacutem atrelado ao

canto do trabalho ou agrave uma comemoraccedilatildeo religiosa O conceito de Paul

Zumthor eacute que embora o tempo seja sentido em toda performance em

virtude da proacutepria natureza da comunicaccedilatildeo oral na performance ritual

essa regra constitui os sentidos do poema enquanto na performance de

tempo livre esse efeito se dilui

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O laccedilo que ata a performance ao fato vivido se afrouxa facilmente Resta a maravilha do canto A alegria ou a tristeza provocada pelo acontecimento ou

pelo humor por seu turno talvez suscitem mais um puro desejo de cantar do

que o gosto por uma canccedilatildeo em particular pouco importa o texto apenas im-porta a melodia a relaccedilatildeo ldquohistoacutericardquo eacute rompida o tempo eacute abolido (ZUMN-

THOR 2010 p 170)

Constata-se atraveacutes das entrevistas realizadas que esse eacute um sen-

timento recorrente nas mulheres que integram o grupo o desejo de can-

tar sem predileccedilotildees pelo que eacute cantado ou pela situaccedilatildeo que agraves conduz

ao canto o som meloacutedico da voz eacute o mais importante a despeito da poe-

sia que acompanha esse canto ldquoCantar pra gente eacute tudordquo segredam-me

ldquose a gente natildeo cantar a gente entristecerdquo

A performance vocal se liga ao texto e ao corpo que emana essa

voz em primeiro tom ndash a chamada primeira voz ndash aguda e nasalada

acompanhada de um tom abaixo uma voz um pouco mais grave a se-

gunda voz agrave semelhanccedila dos repentistas e seu canto de improviso Por

esse motivo a coordenadora do grupo afirma que para ldquocantar rodardquo

natildeo basta querer cantar eacute preciso ldquosaberrdquo cantar um ldquodomrdquo que para

ela natildeo eacute algo disponiacutevel a todos Paul Zumthor corrobora a informaccedilatildeo

natildeo no sentido de um dom gratuito mas na qualidade do saber-fazer

ldquoem outros termos performance implica competecircncia Mas o que eacute aqui

competecircncia Agrave primeira vista aparece como savoir-faire Na perfor-

mance eu diria que ela eacute o saber-serrdquo (ZUMTHOR 2014 p 34)

Com o grupo Balanccedilo da Roseira esse ldquosaber-serrdquo envolve pri-

mordialmente o canto e um canto ritual com caracteriacutesticas e atuaccedilotildees

especiacuteficas Ao organizarem as apresentaccedilotildees a escolha das duplas de

canto se datildeo de acordo com a afinidade entre as integrantes do grupo

bem como a afinaccedilatildeo entre as vozes de cada dupla e isso pode variar a

cada apresentaccedilatildeo pois consideram que ldquotem vozes que natildeo se datildeo muito

bemrdquo Como anteriormente descrito as duplas se datildeo em variaccedilotildees no

tom de voz sopranos e contraltos embora todas afirmem ser capazes de

cantar em qualquer um dos tons tudo depende da dupla que eacute escolhida

para a apresentaccedilatildeo Assim se a inteacuterprete escolhida para dar iniacutecio ao

canto em sua maioria uma voz soprano a primeira voz mais aguda o fi-

zer em um tom baixo ou seja no tom do contralto a segunda voz sua

parceira de canto faraacute o tom necessaacuterio para a harmonia das vozes

Do ponto de vista dessa configuraccedilatildeo de canto nota-se que a ldquoafi-

naccedilatildeordquo que eacute desejada pelo grupo eacute condutor tambeacutem de significados

que extrapolam o lugar da linguagem dita dando lugar agraves possibilidades

interpretativas das formas poeacuteticas

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O canto depende mais da arte musical que das gramaacuteticas ele se coloca por essa razatildeo entre as manifestaccedilotildees de uma praacutetica significante privilegiada

a menos inapta sem duacutevida para tocar em noacutes o cordatildeo umbilical do sujeito

onde se articula nos poderes naturais a simbologia de uma cultura No dito a presenccedila fiacutesica do locutor se atenua mais ou menos tendendo a se diluir nas

circunstacircncias No canto ela se afirma reivindicando a totalidade de seu espa-

ccedilo Por isso a maior parte das performances poeacuteticas em todas as civiliza-ccedilotildees sempre foram cantadas (ZUMTHOR 2010 p 200)

Tal qual Ceciacutelia Meireles que canta ldquoporque o instante existerdquo as

mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira cantam pelo instante pelo prazer

pela crenccedila naquilo que continuam a fazer A noccedilatildeo de performance atre-

lada agrave ideia de competecircncia Paul Zumthor define como o saber-ser ldquoum

saber que implica e comanda uma presenccedila e uma condutardquo (ZUM-

THOR 2014 p 34) Eacute por ele fundamentada atraveacutes dos quatro traccedilos da

performance apresentados por Dell Hymes em Breakthrough into Per-

formance performance eacute reconhecimento ldquofaz passar algo que eu reco-

nheccedilo da virtualidade agrave atualidaderdquo a performance estaacute sempre situada

em um contexto que eacute tempo cultural e situacional algo que ldquoultrapassa

o curso comum dos acontecimentosrdquo haacute trecircs tipos de atividades no grupo

cultural de cada homem o comportamento a conduta e a performance a

performance modifica o que se conhece sobre o conhecimento que ela

transmite ldquocada performance nova coloca tudo em causa A forma se

percebe em performance mas a cada performance ela se transmudardquo

(ZUMTHOR 2014 p 36)

A caracteriacutestica transformadora da performance se percebe nos

ajustes feitos pelo Balanccedilo da Roseira A cada apresentaccedilatildeo as partici-

pantes se adaptam entre elas e ao ambiente onde iratildeo se apresentar

Quando das apresentaccedilotildees via raacutedio natildeo havia performance visual ape-

nas a voz o canto a danccedila natildeo era necessaacuteria Nas apresentaccedilotildees em ins-

tituiccedilotildees educacionais em um auditoacuterio ou palco ou ainda em competi-

ccedilotildees entre os grupos de roda elas se apresentam para serem vistas e ou-

vidas sem a interaccedilatildeo do puacuteblico Haacute nessas apresentaccedilotildees mais teatrali-

dade (jaacute aconteceram apresentaccedilotildees em que as quebras de licuri foram

simuladas durante o canto) Ocorrem ainda as apresentaccedilotildees em praccedilas

puacuteblicas quando o puacuteblico interage participando do canto e da danccedila

com o grupo Nenhuma performance assim eacute repetida e cada performan-

ce eacute transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca

[] no uso mais geral performance se refere de modo imediato a um aconte-cimento oral e gestual [] qualquer que seja a maneira pela qual somos leva-

dos a remanejar (ou a espremer para extrair substacircncia) a noccedilatildeo de performan-

ce encontraremos sempre um elemento irredutiacutevel a ideia da presenccedila de um

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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe

enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-

dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-

necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento

empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)

ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR

2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo

do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees

satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-

da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A

roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao

se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda

determina o ritmo das cantigas

ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo

(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a

entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-

das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo

ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-

tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-

formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela

formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute

para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-

satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de

duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais

portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)

No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-

na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-

tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-

to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-

-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano

como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do

autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-

senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho

adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da

manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-

des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-

paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-

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curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que

vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-

NA 2002 p 23)

A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira

leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-

beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem

como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance

das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um

dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os

inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-

do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-

dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-

crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da

concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o

efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)

Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas

inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de

cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-

da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como

os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica

quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute

como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial

lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo

salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-

gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-

vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)

No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos

que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que

usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos

em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-

odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras

do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes

orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p

59)

Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)

Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)

Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)

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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho

a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-

do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de

forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-

da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto

energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-

ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)

Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-

ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com

aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do

sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral

posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-

festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo

ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma

poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)

O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute

apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-

o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um

nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-

chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela

interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p

218)

A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do

Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-

lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas

quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-

nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a

poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou

de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)

A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-

ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-

riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-

tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos

testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando

uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-

THOR 2010 p 221)

Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam

uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da

poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma

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cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o

discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a

circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto

que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam

danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares

elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo

formado

A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria

eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de

casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-

do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p

226)

A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul

Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado

manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-

nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas

apresentaccedilotildees do grupo

Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em

fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-

go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode

ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-

cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-

do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)

Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os

acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e

se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a

relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado

amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-

buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira

evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-

lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma

camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes

dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-

tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo

da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre

a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-

propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes

e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro

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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-

lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas

uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)

Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo

cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos

de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-

ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental

para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse

elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-

sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)

Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no

encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-

zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo

virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)

Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-

mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-

trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por

muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-

cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-

do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner

(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-

ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso

especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-

duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo

beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus

elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)

Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-

po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-

formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-

chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-

tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-

rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar

sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um

pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais

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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-

duccedilatildeo nossa)

Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica

para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo

pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas

as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER

2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-

rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica

postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais

performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados

A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-

ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves

necessidades sentidas

Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm

fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-

dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)

Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-

da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma

das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-

do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma

comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se

assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo

especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao

espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se

daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-

tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-

30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)

31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)

32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs

Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)

33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)

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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-

mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-

tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo

As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-

cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas

apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-

cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para

ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos

realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute

ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-

tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar

Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo

e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-

cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua

participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da

poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR

2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas

tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance

A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-

criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-

res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria

e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-

mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte

que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)

As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes

do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que

conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e

diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-

cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo

esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo

Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem

refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-

mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor

e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute

mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-

formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo

eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)

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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

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SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 4: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

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do grupo Balanccedilo da Roseira a concretizaccedilatildeo da palavra coisa se daacute na

performance que as mulheres elaboram Richard Schechner encontra sete

funccedilotildees para a performance ldquoentreter fazer alguma coisa que eacute bela

marcar ou mudar a identidade fazer ou estimular uma comunidade cu-

rar ensinar persuadir ou convencer lidar com o sagrado e com o demo-

niacuteacordquo (SCHECHNER 2003 p 10) e reitera que nenhuma performance

exerceraacute todas essas funccedilotildees embora existam performances que datildeo ecircnfa-

se a mais de uma

Se pensarmos no grupo Balanccedilo da Roseira podemos observar

atraveacutes das performances do grupo e das entrevistas concedidas por cada

integrante que uma das funccedilotildees que elas identificam em unanimidade eacute o

entretenimento Elas veem a atividade no grupo como uma forma de re-

lembrar a juventude e cantam por divertimento lazer Mas natildeo se encerra

no ato de entreter eacute tambeacutem fazer algo belo percebem beleza e encan-

tamento no canto na danccedila na roda aleacutem de compreender a atuaccedilatildeo do

grupo enquanto marca de uma identidade local Fazendo uso ainda da te-

oria de Richard Schechner quando reitera as muitas maneiras de enten-

der a performance como um conceito vantajoso por possibilitar a investi-

gaccedilatildeo dos comportamentos performativos em continuidade e considerar a

fluidez das performances da vida cotidiana bem como da construccedilatildeo de

identidades

Rituais brincadeiras e jogos e os papeacuteis da vida cotidiana satildeo performan-

ces pois satildeo convenccedilotildees contexto uso e tradiccedilatildeo ou como queira chamar Natildeo se pode determinar o que eacute uma performance sem se referir agraves circunstacircncias

culturais especiacuteficos Natildeo haacute nada inerente a uma accedilatildeo em si que a faccedila uma

performance ou desqualifique-a de ser uma performance A partir da observa-ccedilatildeo do tipo de teoria da performance que estou propondo cada accedilatildeo eacute uma

performance Mas a partir da observaccedilatildeo da praacutetica cultural algumas accedilotildees se-

ratildeo consideradas performances e outras natildeo e isso vai variar de cultura para cultura de um periacuteodo histoacuterico a outro periacuteodo histoacuterico29 (SCHECHNER

2013 p 38 traduccedilatildeo nossa)

Nessa variaccedilatildeo do que eacute ou natildeo considerado performance com as

mudanccedilas a cada periacuteodo histoacuterico e de uma cultura a outra Paul Zum-

thor distingue quatro situaccedilotildees performanciais ldquode acordo com o momen-

29 Rituals play and games and the roles of everyday life are performances because convention context usage and tradition say so One cannot determine what ldquoisrdquo a performance without referring to specific cultural circumstances There is nothing inherent in an action in itself that makes it a performance or disqualifies it from being a performance From the vantage of the kind of performance theory I am propounding every action is a performance But from the vantage of cultural practice some actions will be deemed performances and other not and this will vary from culture to culture historical period to historical period (SCHECHNER 2013 p 38)

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80 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

to em que o canto se insererdquo convencional natural histoacuterico ou livre Na

denominaccedilatildeo convencional o tempo eacute intermitente de acontecimentos

ritualizados Exemplo disso eacute a ligaccedilatildeo da performance do grupo Balanccedilo

da Roseira agrave celebraccedilatildeo de uma festa religiosa especiacutefica o canto de

abertura nas apresentaccedilotildees tem a base meloacutedica no canto da Folia de

Reis festa catoacutelica ligada agrave comemoraccedilatildeo do Natal com data fixada em

6 de janeiro assim como o uso da danccedila do pau de fitas cuja popularida-

de se deu tambeacutem atraveacutes das festas de reis E no grupo eacute utilizada para

homenagear o evento ou seu organizador

No tempo ritual se articulam na praacutetica da maioria das religiotildees as per-

formances da poesia lituacutergica Em paiacuteses de tradiccedilatildeo cristatilde se encontram inuacute-meros cacircnticos cuja utilizaccedilatildeo constitui entre noacutes uma das uacuteltimas tradiccedilotildees

poeacuteticas orais quase puras [] O laccedilo ritual se distende agraves vezes mas conota

como uma marca original performances jaacute banalizadas (ZUMTHOR 2010 p 168)

Outra situaccedilatildeo performancial se daacute no tempo natural o tempo

ldquodas estaccedilotildees dos dias das horasrdquo tempo que para o autor propicia a

poesia pois estaacute ancorado no que eacute vivido tal qual as quebras comunitaacute-

rias do licuri no periacuteodo de sua colheita determinada por esse tempo na-

tural no periacuteodo em que os licurizeiros frutificam Em entrevista a coor-

denadora do grupo declara que ldquotendo safra sempre tinha festardquo Era

quando acontecia agrave noite o licuri roubado ndash a comunidade se reunia e

chegava de surpresa na casa de algum vizinho para ajudar a quebrar o li-

curi colhido Chegavam cantando ldquoDona da casa bem que eu lhe dizia

que essa surpresa eu vinha fazer um dia E eu dizendo vocecirc pode acredi-

taacute que hoje noacuteis vadeia ateacute o sol raiaacuterdquo O trabalho era embalado pelo can-

to e ao final a roda era feita para festejar

[] o canto acompanhando o trabalho orientado para seguir esses ciclos []

A noite caacutelida de misteacuterios eacute um tempo forte que a maioria das civilizaccedilotildees considera sensiacutevel agrave voz humana seja interditando seu uso seja fazendo da

noite o tempo privilegiado ou ateacute exclusivo de certas performances []

(ZUMTHOR 2010 p 169)

No tempo livre nada liga a performance ao que eacute vivido o canto

eacute o que lhe resta e o desejo de cantar natildeo mais se manteacutem atrelado ao

canto do trabalho ou agrave uma comemoraccedilatildeo religiosa O conceito de Paul

Zumthor eacute que embora o tempo seja sentido em toda performance em

virtude da proacutepria natureza da comunicaccedilatildeo oral na performance ritual

essa regra constitui os sentidos do poema enquanto na performance de

tempo livre esse efeito se dilui

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Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 81

O laccedilo que ata a performance ao fato vivido se afrouxa facilmente Resta a maravilha do canto A alegria ou a tristeza provocada pelo acontecimento ou

pelo humor por seu turno talvez suscitem mais um puro desejo de cantar do

que o gosto por uma canccedilatildeo em particular pouco importa o texto apenas im-porta a melodia a relaccedilatildeo ldquohistoacutericardquo eacute rompida o tempo eacute abolido (ZUMN-

THOR 2010 p 170)

Constata-se atraveacutes das entrevistas realizadas que esse eacute um sen-

timento recorrente nas mulheres que integram o grupo o desejo de can-

tar sem predileccedilotildees pelo que eacute cantado ou pela situaccedilatildeo que agraves conduz

ao canto o som meloacutedico da voz eacute o mais importante a despeito da poe-

sia que acompanha esse canto ldquoCantar pra gente eacute tudordquo segredam-me

ldquose a gente natildeo cantar a gente entristecerdquo

A performance vocal se liga ao texto e ao corpo que emana essa

voz em primeiro tom ndash a chamada primeira voz ndash aguda e nasalada

acompanhada de um tom abaixo uma voz um pouco mais grave a se-

gunda voz agrave semelhanccedila dos repentistas e seu canto de improviso Por

esse motivo a coordenadora do grupo afirma que para ldquocantar rodardquo

natildeo basta querer cantar eacute preciso ldquosaberrdquo cantar um ldquodomrdquo que para

ela natildeo eacute algo disponiacutevel a todos Paul Zumthor corrobora a informaccedilatildeo

natildeo no sentido de um dom gratuito mas na qualidade do saber-fazer

ldquoem outros termos performance implica competecircncia Mas o que eacute aqui

competecircncia Agrave primeira vista aparece como savoir-faire Na perfor-

mance eu diria que ela eacute o saber-serrdquo (ZUMTHOR 2014 p 34)

Com o grupo Balanccedilo da Roseira esse ldquosaber-serrdquo envolve pri-

mordialmente o canto e um canto ritual com caracteriacutesticas e atuaccedilotildees

especiacuteficas Ao organizarem as apresentaccedilotildees a escolha das duplas de

canto se datildeo de acordo com a afinidade entre as integrantes do grupo

bem como a afinaccedilatildeo entre as vozes de cada dupla e isso pode variar a

cada apresentaccedilatildeo pois consideram que ldquotem vozes que natildeo se datildeo muito

bemrdquo Como anteriormente descrito as duplas se datildeo em variaccedilotildees no

tom de voz sopranos e contraltos embora todas afirmem ser capazes de

cantar em qualquer um dos tons tudo depende da dupla que eacute escolhida

para a apresentaccedilatildeo Assim se a inteacuterprete escolhida para dar iniacutecio ao

canto em sua maioria uma voz soprano a primeira voz mais aguda o fi-

zer em um tom baixo ou seja no tom do contralto a segunda voz sua

parceira de canto faraacute o tom necessaacuterio para a harmonia das vozes

Do ponto de vista dessa configuraccedilatildeo de canto nota-se que a ldquoafi-

naccedilatildeordquo que eacute desejada pelo grupo eacute condutor tambeacutem de significados

que extrapolam o lugar da linguagem dita dando lugar agraves possibilidades

interpretativas das formas poeacuteticas

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82 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

O canto depende mais da arte musical que das gramaacuteticas ele se coloca por essa razatildeo entre as manifestaccedilotildees de uma praacutetica significante privilegiada

a menos inapta sem duacutevida para tocar em noacutes o cordatildeo umbilical do sujeito

onde se articula nos poderes naturais a simbologia de uma cultura No dito a presenccedila fiacutesica do locutor se atenua mais ou menos tendendo a se diluir nas

circunstacircncias No canto ela se afirma reivindicando a totalidade de seu espa-

ccedilo Por isso a maior parte das performances poeacuteticas em todas as civiliza-ccedilotildees sempre foram cantadas (ZUMTHOR 2010 p 200)

Tal qual Ceciacutelia Meireles que canta ldquoporque o instante existerdquo as

mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira cantam pelo instante pelo prazer

pela crenccedila naquilo que continuam a fazer A noccedilatildeo de performance atre-

lada agrave ideia de competecircncia Paul Zumthor define como o saber-ser ldquoum

saber que implica e comanda uma presenccedila e uma condutardquo (ZUM-

THOR 2014 p 34) Eacute por ele fundamentada atraveacutes dos quatro traccedilos da

performance apresentados por Dell Hymes em Breakthrough into Per-

formance performance eacute reconhecimento ldquofaz passar algo que eu reco-

nheccedilo da virtualidade agrave atualidaderdquo a performance estaacute sempre situada

em um contexto que eacute tempo cultural e situacional algo que ldquoultrapassa

o curso comum dos acontecimentosrdquo haacute trecircs tipos de atividades no grupo

cultural de cada homem o comportamento a conduta e a performance a

performance modifica o que se conhece sobre o conhecimento que ela

transmite ldquocada performance nova coloca tudo em causa A forma se

percebe em performance mas a cada performance ela se transmudardquo

(ZUMTHOR 2014 p 36)

A caracteriacutestica transformadora da performance se percebe nos

ajustes feitos pelo Balanccedilo da Roseira A cada apresentaccedilatildeo as partici-

pantes se adaptam entre elas e ao ambiente onde iratildeo se apresentar

Quando das apresentaccedilotildees via raacutedio natildeo havia performance visual ape-

nas a voz o canto a danccedila natildeo era necessaacuteria Nas apresentaccedilotildees em ins-

tituiccedilotildees educacionais em um auditoacuterio ou palco ou ainda em competi-

ccedilotildees entre os grupos de roda elas se apresentam para serem vistas e ou-

vidas sem a interaccedilatildeo do puacuteblico Haacute nessas apresentaccedilotildees mais teatrali-

dade (jaacute aconteceram apresentaccedilotildees em que as quebras de licuri foram

simuladas durante o canto) Ocorrem ainda as apresentaccedilotildees em praccedilas

puacuteblicas quando o puacuteblico interage participando do canto e da danccedila

com o grupo Nenhuma performance assim eacute repetida e cada performan-

ce eacute transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca

[] no uso mais geral performance se refere de modo imediato a um aconte-cimento oral e gestual [] qualquer que seja a maneira pela qual somos leva-

dos a remanejar (ou a espremer para extrair substacircncia) a noccedilatildeo de performan-

ce encontraremos sempre um elemento irredutiacutevel a ideia da presenccedila de um

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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe

enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-

dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-

necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento

empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)

ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR

2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo

do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees

satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-

da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A

roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao

se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda

determina o ritmo das cantigas

ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo

(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a

entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-

das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo

ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-

tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-

formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela

formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute

para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-

satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de

duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais

portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)

No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-

na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-

tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-

to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-

-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano

como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do

autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-

senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho

adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da

manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-

des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-

paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-

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curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que

vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-

NA 2002 p 23)

A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira

leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-

beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem

como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance

das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um

dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os

inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-

do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-

dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-

crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da

concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o

efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)

Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas

inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de

cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-

da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como

os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica

quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute

como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial

lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo

salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-

gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-

vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)

No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos

que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que

usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos

em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-

odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras

do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes

orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p

59)

Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)

Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)

Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)

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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho

a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-

do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de

forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-

da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto

energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-

ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)

Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-

ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com

aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do

sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral

posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-

festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo

ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma

poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)

O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute

apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-

o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um

nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-

chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela

interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p

218)

A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do

Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-

lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas

quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-

nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a

poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou

de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)

A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-

ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-

riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-

tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos

testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando

uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-

THOR 2010 p 221)

Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam

uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da

poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma

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cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o

discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a

circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto

que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam

danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares

elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo

formado

A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria

eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de

casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-

do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p

226)

A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul

Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado

manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-

nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas

apresentaccedilotildees do grupo

Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em

fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-

go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode

ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-

cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-

do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)

Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os

acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e

se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a

relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado

amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-

buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira

evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-

lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma

camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes

dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-

tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo

da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre

a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-

propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes

e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro

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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-

lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas

uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)

Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo

cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos

de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-

ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental

para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse

elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-

sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)

Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no

encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-

zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo

virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)

Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-

mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-

trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por

muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-

cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-

do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner

(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-

ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso

especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-

duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo

beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus

elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)

Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-

po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-

formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-

chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-

tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-

rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar

sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um

pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais

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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-

duccedilatildeo nossa)

Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica

para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo

pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas

as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER

2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-

rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica

postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais

performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados

A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-

ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves

necessidades sentidas

Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm

fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-

dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)

Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-

da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma

das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-

do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma

comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se

assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo

especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao

espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se

daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-

tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-

30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)

31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)

32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs

Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)

33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)

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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-

mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-

tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo

As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-

cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas

apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-

cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para

ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos

realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute

ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-

tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar

Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo

e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-

cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua

participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da

poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR

2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas

tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance

A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-

criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-

res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria

e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-

mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte

que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)

As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes

do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que

conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e

diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-

cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo

esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo

Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem

refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-

mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor

e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute

mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-

formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo

eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)

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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

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Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95

SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 5: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

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80 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

to em que o canto se insererdquo convencional natural histoacuterico ou livre Na

denominaccedilatildeo convencional o tempo eacute intermitente de acontecimentos

ritualizados Exemplo disso eacute a ligaccedilatildeo da performance do grupo Balanccedilo

da Roseira agrave celebraccedilatildeo de uma festa religiosa especiacutefica o canto de

abertura nas apresentaccedilotildees tem a base meloacutedica no canto da Folia de

Reis festa catoacutelica ligada agrave comemoraccedilatildeo do Natal com data fixada em

6 de janeiro assim como o uso da danccedila do pau de fitas cuja popularida-

de se deu tambeacutem atraveacutes das festas de reis E no grupo eacute utilizada para

homenagear o evento ou seu organizador

No tempo ritual se articulam na praacutetica da maioria das religiotildees as per-

formances da poesia lituacutergica Em paiacuteses de tradiccedilatildeo cristatilde se encontram inuacute-meros cacircnticos cuja utilizaccedilatildeo constitui entre noacutes uma das uacuteltimas tradiccedilotildees

poeacuteticas orais quase puras [] O laccedilo ritual se distende agraves vezes mas conota

como uma marca original performances jaacute banalizadas (ZUMTHOR 2010 p 168)

Outra situaccedilatildeo performancial se daacute no tempo natural o tempo

ldquodas estaccedilotildees dos dias das horasrdquo tempo que para o autor propicia a

poesia pois estaacute ancorado no que eacute vivido tal qual as quebras comunitaacute-

rias do licuri no periacuteodo de sua colheita determinada por esse tempo na-

tural no periacuteodo em que os licurizeiros frutificam Em entrevista a coor-

denadora do grupo declara que ldquotendo safra sempre tinha festardquo Era

quando acontecia agrave noite o licuri roubado ndash a comunidade se reunia e

chegava de surpresa na casa de algum vizinho para ajudar a quebrar o li-

curi colhido Chegavam cantando ldquoDona da casa bem que eu lhe dizia

que essa surpresa eu vinha fazer um dia E eu dizendo vocecirc pode acredi-

taacute que hoje noacuteis vadeia ateacute o sol raiaacuterdquo O trabalho era embalado pelo can-

to e ao final a roda era feita para festejar

[] o canto acompanhando o trabalho orientado para seguir esses ciclos []

A noite caacutelida de misteacuterios eacute um tempo forte que a maioria das civilizaccedilotildees considera sensiacutevel agrave voz humana seja interditando seu uso seja fazendo da

noite o tempo privilegiado ou ateacute exclusivo de certas performances []

(ZUMTHOR 2010 p 169)

No tempo livre nada liga a performance ao que eacute vivido o canto

eacute o que lhe resta e o desejo de cantar natildeo mais se manteacutem atrelado ao

canto do trabalho ou agrave uma comemoraccedilatildeo religiosa O conceito de Paul

Zumthor eacute que embora o tempo seja sentido em toda performance em

virtude da proacutepria natureza da comunicaccedilatildeo oral na performance ritual

essa regra constitui os sentidos do poema enquanto na performance de

tempo livre esse efeito se dilui

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O laccedilo que ata a performance ao fato vivido se afrouxa facilmente Resta a maravilha do canto A alegria ou a tristeza provocada pelo acontecimento ou

pelo humor por seu turno talvez suscitem mais um puro desejo de cantar do

que o gosto por uma canccedilatildeo em particular pouco importa o texto apenas im-porta a melodia a relaccedilatildeo ldquohistoacutericardquo eacute rompida o tempo eacute abolido (ZUMN-

THOR 2010 p 170)

Constata-se atraveacutes das entrevistas realizadas que esse eacute um sen-

timento recorrente nas mulheres que integram o grupo o desejo de can-

tar sem predileccedilotildees pelo que eacute cantado ou pela situaccedilatildeo que agraves conduz

ao canto o som meloacutedico da voz eacute o mais importante a despeito da poe-

sia que acompanha esse canto ldquoCantar pra gente eacute tudordquo segredam-me

ldquose a gente natildeo cantar a gente entristecerdquo

A performance vocal se liga ao texto e ao corpo que emana essa

voz em primeiro tom ndash a chamada primeira voz ndash aguda e nasalada

acompanhada de um tom abaixo uma voz um pouco mais grave a se-

gunda voz agrave semelhanccedila dos repentistas e seu canto de improviso Por

esse motivo a coordenadora do grupo afirma que para ldquocantar rodardquo

natildeo basta querer cantar eacute preciso ldquosaberrdquo cantar um ldquodomrdquo que para

ela natildeo eacute algo disponiacutevel a todos Paul Zumthor corrobora a informaccedilatildeo

natildeo no sentido de um dom gratuito mas na qualidade do saber-fazer

ldquoem outros termos performance implica competecircncia Mas o que eacute aqui

competecircncia Agrave primeira vista aparece como savoir-faire Na perfor-

mance eu diria que ela eacute o saber-serrdquo (ZUMTHOR 2014 p 34)

Com o grupo Balanccedilo da Roseira esse ldquosaber-serrdquo envolve pri-

mordialmente o canto e um canto ritual com caracteriacutesticas e atuaccedilotildees

especiacuteficas Ao organizarem as apresentaccedilotildees a escolha das duplas de

canto se datildeo de acordo com a afinidade entre as integrantes do grupo

bem como a afinaccedilatildeo entre as vozes de cada dupla e isso pode variar a

cada apresentaccedilatildeo pois consideram que ldquotem vozes que natildeo se datildeo muito

bemrdquo Como anteriormente descrito as duplas se datildeo em variaccedilotildees no

tom de voz sopranos e contraltos embora todas afirmem ser capazes de

cantar em qualquer um dos tons tudo depende da dupla que eacute escolhida

para a apresentaccedilatildeo Assim se a inteacuterprete escolhida para dar iniacutecio ao

canto em sua maioria uma voz soprano a primeira voz mais aguda o fi-

zer em um tom baixo ou seja no tom do contralto a segunda voz sua

parceira de canto faraacute o tom necessaacuterio para a harmonia das vozes

Do ponto de vista dessa configuraccedilatildeo de canto nota-se que a ldquoafi-

naccedilatildeordquo que eacute desejada pelo grupo eacute condutor tambeacutem de significados

que extrapolam o lugar da linguagem dita dando lugar agraves possibilidades

interpretativas das formas poeacuteticas

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82 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

O canto depende mais da arte musical que das gramaacuteticas ele se coloca por essa razatildeo entre as manifestaccedilotildees de uma praacutetica significante privilegiada

a menos inapta sem duacutevida para tocar em noacutes o cordatildeo umbilical do sujeito

onde se articula nos poderes naturais a simbologia de uma cultura No dito a presenccedila fiacutesica do locutor se atenua mais ou menos tendendo a se diluir nas

circunstacircncias No canto ela se afirma reivindicando a totalidade de seu espa-

ccedilo Por isso a maior parte das performances poeacuteticas em todas as civiliza-ccedilotildees sempre foram cantadas (ZUMTHOR 2010 p 200)

Tal qual Ceciacutelia Meireles que canta ldquoporque o instante existerdquo as

mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira cantam pelo instante pelo prazer

pela crenccedila naquilo que continuam a fazer A noccedilatildeo de performance atre-

lada agrave ideia de competecircncia Paul Zumthor define como o saber-ser ldquoum

saber que implica e comanda uma presenccedila e uma condutardquo (ZUM-

THOR 2014 p 34) Eacute por ele fundamentada atraveacutes dos quatro traccedilos da

performance apresentados por Dell Hymes em Breakthrough into Per-

formance performance eacute reconhecimento ldquofaz passar algo que eu reco-

nheccedilo da virtualidade agrave atualidaderdquo a performance estaacute sempre situada

em um contexto que eacute tempo cultural e situacional algo que ldquoultrapassa

o curso comum dos acontecimentosrdquo haacute trecircs tipos de atividades no grupo

cultural de cada homem o comportamento a conduta e a performance a

performance modifica o que se conhece sobre o conhecimento que ela

transmite ldquocada performance nova coloca tudo em causa A forma se

percebe em performance mas a cada performance ela se transmudardquo

(ZUMTHOR 2014 p 36)

A caracteriacutestica transformadora da performance se percebe nos

ajustes feitos pelo Balanccedilo da Roseira A cada apresentaccedilatildeo as partici-

pantes se adaptam entre elas e ao ambiente onde iratildeo se apresentar

Quando das apresentaccedilotildees via raacutedio natildeo havia performance visual ape-

nas a voz o canto a danccedila natildeo era necessaacuteria Nas apresentaccedilotildees em ins-

tituiccedilotildees educacionais em um auditoacuterio ou palco ou ainda em competi-

ccedilotildees entre os grupos de roda elas se apresentam para serem vistas e ou-

vidas sem a interaccedilatildeo do puacuteblico Haacute nessas apresentaccedilotildees mais teatrali-

dade (jaacute aconteceram apresentaccedilotildees em que as quebras de licuri foram

simuladas durante o canto) Ocorrem ainda as apresentaccedilotildees em praccedilas

puacuteblicas quando o puacuteblico interage participando do canto e da danccedila

com o grupo Nenhuma performance assim eacute repetida e cada performan-

ce eacute transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca

[] no uso mais geral performance se refere de modo imediato a um aconte-cimento oral e gestual [] qualquer que seja a maneira pela qual somos leva-

dos a remanejar (ou a espremer para extrair substacircncia) a noccedilatildeo de performan-

ce encontraremos sempre um elemento irredutiacutevel a ideia da presenccedila de um

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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe

enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-

dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-

necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento

empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)

ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR

2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo

do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees

satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-

da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A

roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao

se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda

determina o ritmo das cantigas

ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo

(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a

entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-

das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo

ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-

tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-

formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela

formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute

para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-

satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de

duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais

portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)

No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-

na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-

tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-

to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-

-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano

como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do

autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-

senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho

adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da

manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-

des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-

paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-

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84 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que

vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-

NA 2002 p 23)

A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira

leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-

beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem

como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance

das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um

dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os

inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-

do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-

dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-

crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da

concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o

efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)

Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas

inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de

cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-

da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como

os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica

quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute

como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial

lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo

salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-

gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-

vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)

No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos

que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que

usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos

em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-

odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras

do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes

orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p

59)

Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)

Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)

Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)

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XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 85

Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho

a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-

do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de

forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-

da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto

energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-

ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)

Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-

ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com

aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do

sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral

posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-

festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo

ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma

poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)

O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute

apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-

o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um

nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-

chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela

interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p

218)

A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do

Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-

lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas

quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-

nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a

poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou

de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)

A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-

ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-

riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-

tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos

testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando

uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-

THOR 2010 p 221)

Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam

uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da

poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma

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86 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o

discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a

circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto

que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam

danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares

elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo

formado

A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria

eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de

casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-

do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p

226)

A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul

Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado

manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-

nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas

apresentaccedilotildees do grupo

Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em

fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-

go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode

ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-

cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-

do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)

Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os

acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e

se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a

relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado

amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-

buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira

evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-

lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma

camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes

dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-

tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo

da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre

a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-

propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes

e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro

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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-

lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas

uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)

Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo

cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos

de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-

ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental

para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse

elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-

sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)

Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no

encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-

zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo

virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)

Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-

mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-

trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por

muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-

cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-

do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner

(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-

ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso

especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-

duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo

beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus

elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)

Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-

po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-

formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-

chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-

tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-

rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar

sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um

pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais

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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-

duccedilatildeo nossa)

Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica

para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo

pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas

as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER

2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-

rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica

postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais

performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados

A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-

ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves

necessidades sentidas

Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm

fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-

dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)

Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-

da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma

das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-

do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma

comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se

assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo

especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao

espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se

daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-

tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-

30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)

31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)

32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs

Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)

33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)

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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-

mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-

tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo

As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-

cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas

apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-

cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para

ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos

realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute

ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-

tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar

Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo

e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-

cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua

participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da

poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR

2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas

tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance

A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-

criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-

res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria

e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-

mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte

que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)

As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes

do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que

conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e

diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-

cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo

esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo

Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem

refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-

mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor

e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute

mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-

formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo

eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)

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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

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SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 6: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

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O laccedilo que ata a performance ao fato vivido se afrouxa facilmente Resta a maravilha do canto A alegria ou a tristeza provocada pelo acontecimento ou

pelo humor por seu turno talvez suscitem mais um puro desejo de cantar do

que o gosto por uma canccedilatildeo em particular pouco importa o texto apenas im-porta a melodia a relaccedilatildeo ldquohistoacutericardquo eacute rompida o tempo eacute abolido (ZUMN-

THOR 2010 p 170)

Constata-se atraveacutes das entrevistas realizadas que esse eacute um sen-

timento recorrente nas mulheres que integram o grupo o desejo de can-

tar sem predileccedilotildees pelo que eacute cantado ou pela situaccedilatildeo que agraves conduz

ao canto o som meloacutedico da voz eacute o mais importante a despeito da poe-

sia que acompanha esse canto ldquoCantar pra gente eacute tudordquo segredam-me

ldquose a gente natildeo cantar a gente entristecerdquo

A performance vocal se liga ao texto e ao corpo que emana essa

voz em primeiro tom ndash a chamada primeira voz ndash aguda e nasalada

acompanhada de um tom abaixo uma voz um pouco mais grave a se-

gunda voz agrave semelhanccedila dos repentistas e seu canto de improviso Por

esse motivo a coordenadora do grupo afirma que para ldquocantar rodardquo

natildeo basta querer cantar eacute preciso ldquosaberrdquo cantar um ldquodomrdquo que para

ela natildeo eacute algo disponiacutevel a todos Paul Zumthor corrobora a informaccedilatildeo

natildeo no sentido de um dom gratuito mas na qualidade do saber-fazer

ldquoem outros termos performance implica competecircncia Mas o que eacute aqui

competecircncia Agrave primeira vista aparece como savoir-faire Na perfor-

mance eu diria que ela eacute o saber-serrdquo (ZUMTHOR 2014 p 34)

Com o grupo Balanccedilo da Roseira esse ldquosaber-serrdquo envolve pri-

mordialmente o canto e um canto ritual com caracteriacutesticas e atuaccedilotildees

especiacuteficas Ao organizarem as apresentaccedilotildees a escolha das duplas de

canto se datildeo de acordo com a afinidade entre as integrantes do grupo

bem como a afinaccedilatildeo entre as vozes de cada dupla e isso pode variar a

cada apresentaccedilatildeo pois consideram que ldquotem vozes que natildeo se datildeo muito

bemrdquo Como anteriormente descrito as duplas se datildeo em variaccedilotildees no

tom de voz sopranos e contraltos embora todas afirmem ser capazes de

cantar em qualquer um dos tons tudo depende da dupla que eacute escolhida

para a apresentaccedilatildeo Assim se a inteacuterprete escolhida para dar iniacutecio ao

canto em sua maioria uma voz soprano a primeira voz mais aguda o fi-

zer em um tom baixo ou seja no tom do contralto a segunda voz sua

parceira de canto faraacute o tom necessaacuterio para a harmonia das vozes

Do ponto de vista dessa configuraccedilatildeo de canto nota-se que a ldquoafi-

naccedilatildeordquo que eacute desejada pelo grupo eacute condutor tambeacutem de significados

que extrapolam o lugar da linguagem dita dando lugar agraves possibilidades

interpretativas das formas poeacuteticas

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82 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

O canto depende mais da arte musical que das gramaacuteticas ele se coloca por essa razatildeo entre as manifestaccedilotildees de uma praacutetica significante privilegiada

a menos inapta sem duacutevida para tocar em noacutes o cordatildeo umbilical do sujeito

onde se articula nos poderes naturais a simbologia de uma cultura No dito a presenccedila fiacutesica do locutor se atenua mais ou menos tendendo a se diluir nas

circunstacircncias No canto ela se afirma reivindicando a totalidade de seu espa-

ccedilo Por isso a maior parte das performances poeacuteticas em todas as civiliza-ccedilotildees sempre foram cantadas (ZUMTHOR 2010 p 200)

Tal qual Ceciacutelia Meireles que canta ldquoporque o instante existerdquo as

mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira cantam pelo instante pelo prazer

pela crenccedila naquilo que continuam a fazer A noccedilatildeo de performance atre-

lada agrave ideia de competecircncia Paul Zumthor define como o saber-ser ldquoum

saber que implica e comanda uma presenccedila e uma condutardquo (ZUM-

THOR 2014 p 34) Eacute por ele fundamentada atraveacutes dos quatro traccedilos da

performance apresentados por Dell Hymes em Breakthrough into Per-

formance performance eacute reconhecimento ldquofaz passar algo que eu reco-

nheccedilo da virtualidade agrave atualidaderdquo a performance estaacute sempre situada

em um contexto que eacute tempo cultural e situacional algo que ldquoultrapassa

o curso comum dos acontecimentosrdquo haacute trecircs tipos de atividades no grupo

cultural de cada homem o comportamento a conduta e a performance a

performance modifica o que se conhece sobre o conhecimento que ela

transmite ldquocada performance nova coloca tudo em causa A forma se

percebe em performance mas a cada performance ela se transmudardquo

(ZUMTHOR 2014 p 36)

A caracteriacutestica transformadora da performance se percebe nos

ajustes feitos pelo Balanccedilo da Roseira A cada apresentaccedilatildeo as partici-

pantes se adaptam entre elas e ao ambiente onde iratildeo se apresentar

Quando das apresentaccedilotildees via raacutedio natildeo havia performance visual ape-

nas a voz o canto a danccedila natildeo era necessaacuteria Nas apresentaccedilotildees em ins-

tituiccedilotildees educacionais em um auditoacuterio ou palco ou ainda em competi-

ccedilotildees entre os grupos de roda elas se apresentam para serem vistas e ou-

vidas sem a interaccedilatildeo do puacuteblico Haacute nessas apresentaccedilotildees mais teatrali-

dade (jaacute aconteceram apresentaccedilotildees em que as quebras de licuri foram

simuladas durante o canto) Ocorrem ainda as apresentaccedilotildees em praccedilas

puacuteblicas quando o puacuteblico interage participando do canto e da danccedila

com o grupo Nenhuma performance assim eacute repetida e cada performan-

ce eacute transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca

[] no uso mais geral performance se refere de modo imediato a um aconte-cimento oral e gestual [] qualquer que seja a maneira pela qual somos leva-

dos a remanejar (ou a espremer para extrair substacircncia) a noccedilatildeo de performan-

ce encontraremos sempre um elemento irredutiacutevel a ideia da presenccedila de um

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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe

enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-

dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-

necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento

empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)

ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR

2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo

do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees

satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-

da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A

roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao

se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda

determina o ritmo das cantigas

ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo

(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a

entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-

das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo

ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-

tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-

formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela

formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute

para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-

satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de

duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais

portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)

No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-

na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-

tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-

to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-

-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano

como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do

autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-

senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho

adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da

manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-

des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-

paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-

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curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que

vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-

NA 2002 p 23)

A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira

leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-

beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem

como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance

das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um

dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os

inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-

do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-

dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-

crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da

concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o

efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)

Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas

inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de

cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-

da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como

os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica

quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute

como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial

lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo

salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-

gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-

vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)

No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos

que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que

usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos

em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-

odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras

do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes

orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p

59)

Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)

Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)

Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)

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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho

a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-

do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de

forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-

da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto

energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-

ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)

Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-

ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com

aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do

sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral

posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-

festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo

ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma

poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)

O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute

apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-

o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um

nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-

chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela

interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p

218)

A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do

Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-

lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas

quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-

nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a

poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou

de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)

A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-

ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-

riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-

tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos

testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando

uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-

THOR 2010 p 221)

Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam

uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da

poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma

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cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o

discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a

circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto

que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam

danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares

elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo

formado

A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria

eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de

casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-

do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p

226)

A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul

Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado

manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-

nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas

apresentaccedilotildees do grupo

Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em

fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-

go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode

ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-

cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-

do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)

Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os

acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e

se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a

relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado

amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-

buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira

evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-

lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma

camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes

dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-

tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo

da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre

a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-

propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes

e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro

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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-

lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas

uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)

Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo

cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos

de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-

ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental

para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse

elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-

sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)

Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no

encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-

zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo

virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)

Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-

mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-

trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por

muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-

cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-

do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner

(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-

ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso

especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-

duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo

beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus

elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)

Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-

po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-

formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-

chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-

tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-

rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar

sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um

pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais

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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-

duccedilatildeo nossa)

Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica

para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo

pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas

as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER

2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-

rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica

postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais

performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados

A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-

ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves

necessidades sentidas

Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm

fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-

dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)

Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-

da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma

das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-

do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma

comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se

assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo

especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao

espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se

daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-

tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-

30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)

31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)

32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs

Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)

33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)

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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-

mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-

tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo

As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-

cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas

apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-

cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para

ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos

realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute

ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-

tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar

Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo

e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-

cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua

participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da

poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR

2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas

tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance

A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-

criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-

res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria

e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-

mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte

que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)

As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes

do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que

conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e

diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-

cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo

esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo

Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem

refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-

mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor

e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute

mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-

formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo

eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)

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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

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Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95

SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 7: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

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82 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

O canto depende mais da arte musical que das gramaacuteticas ele se coloca por essa razatildeo entre as manifestaccedilotildees de uma praacutetica significante privilegiada

a menos inapta sem duacutevida para tocar em noacutes o cordatildeo umbilical do sujeito

onde se articula nos poderes naturais a simbologia de uma cultura No dito a presenccedila fiacutesica do locutor se atenua mais ou menos tendendo a se diluir nas

circunstacircncias No canto ela se afirma reivindicando a totalidade de seu espa-

ccedilo Por isso a maior parte das performances poeacuteticas em todas as civiliza-ccedilotildees sempre foram cantadas (ZUMTHOR 2010 p 200)

Tal qual Ceciacutelia Meireles que canta ldquoporque o instante existerdquo as

mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira cantam pelo instante pelo prazer

pela crenccedila naquilo que continuam a fazer A noccedilatildeo de performance atre-

lada agrave ideia de competecircncia Paul Zumthor define como o saber-ser ldquoum

saber que implica e comanda uma presenccedila e uma condutardquo (ZUM-

THOR 2014 p 34) Eacute por ele fundamentada atraveacutes dos quatro traccedilos da

performance apresentados por Dell Hymes em Breakthrough into Per-

formance performance eacute reconhecimento ldquofaz passar algo que eu reco-

nheccedilo da virtualidade agrave atualidaderdquo a performance estaacute sempre situada

em um contexto que eacute tempo cultural e situacional algo que ldquoultrapassa

o curso comum dos acontecimentosrdquo haacute trecircs tipos de atividades no grupo

cultural de cada homem o comportamento a conduta e a performance a

performance modifica o que se conhece sobre o conhecimento que ela

transmite ldquocada performance nova coloca tudo em causa A forma se

percebe em performance mas a cada performance ela se transmudardquo

(ZUMTHOR 2014 p 36)

A caracteriacutestica transformadora da performance se percebe nos

ajustes feitos pelo Balanccedilo da Roseira A cada apresentaccedilatildeo as partici-

pantes se adaptam entre elas e ao ambiente onde iratildeo se apresentar

Quando das apresentaccedilotildees via raacutedio natildeo havia performance visual ape-

nas a voz o canto a danccedila natildeo era necessaacuteria Nas apresentaccedilotildees em ins-

tituiccedilotildees educacionais em um auditoacuterio ou palco ou ainda em competi-

ccedilotildees entre os grupos de roda elas se apresentam para serem vistas e ou-

vidas sem a interaccedilatildeo do puacuteblico Haacute nessas apresentaccedilotildees mais teatrali-

dade (jaacute aconteceram apresentaccedilotildees em que as quebras de licuri foram

simuladas durante o canto) Ocorrem ainda as apresentaccedilotildees em praccedilas

puacuteblicas quando o puacuteblico interage participando do canto e da danccedila

com o grupo Nenhuma performance assim eacute repetida e cada performan-

ce eacute transformada de acordo com o cenaacuterio em que se coloca

[] no uso mais geral performance se refere de modo imediato a um aconte-cimento oral e gestual [] qualquer que seja a maneira pela qual somos leva-

dos a remanejar (ou a espremer para extrair substacircncia) a noccedilatildeo de performan-

ce encontraremos sempre um elemento irredutiacutevel a ideia da presenccedila de um

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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe

enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-

dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-

necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento

empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)

ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR

2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo

do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees

satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-

da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A

roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao

se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda

determina o ritmo das cantigas

ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo

(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a

entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-

das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo

ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-

tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-

formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela

formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute

para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-

satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de

duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais

portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)

No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-

na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-

tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-

to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-

-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano

como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do

autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-

senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho

adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da

manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-

des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-

paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-

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84 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que

vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-

NA 2002 p 23)

A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira

leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-

beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem

como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance

das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um

dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os

inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-

do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-

dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-

crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da

concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o

efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)

Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas

inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de

cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-

da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como

os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica

quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute

como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial

lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo

salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-

gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-

vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)

No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos

que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que

usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos

em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-

odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras

do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes

orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p

59)

Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)

Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)

Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)

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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho

a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-

do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de

forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-

da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto

energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-

ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)

Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-

ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com

aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do

sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral

posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-

festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo

ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma

poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)

O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute

apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-

o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um

nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-

chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela

interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p

218)

A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do

Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-

lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas

quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-

nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a

poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou

de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)

A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-

ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-

riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-

tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos

testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando

uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-

THOR 2010 p 221)

Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam

uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da

poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma

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86 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o

discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a

circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto

que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam

danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares

elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo

formado

A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria

eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de

casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-

do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p

226)

A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul

Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado

manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-

nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas

apresentaccedilotildees do grupo

Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em

fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-

go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode

ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-

cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-

do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)

Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os

acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e

se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a

relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado

amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-

buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira

evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-

lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma

camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes

dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-

tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo

da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre

a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-

propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes

e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro

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XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 87

acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-

lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas

uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)

Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo

cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos

de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-

ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental

para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse

elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-

sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)

Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no

encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-

zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo

virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)

Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-

mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-

trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por

muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-

cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-

do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner

(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-

ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso

especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-

duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo

beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus

elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)

Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-

po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-

formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-

chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-

tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-

rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar

sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um

pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais

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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-

duccedilatildeo nossa)

Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica

para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo

pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas

as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER

2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-

rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica

postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais

performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados

A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-

ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves

necessidades sentidas

Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm

fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-

dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)

Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-

da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma

das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-

do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma

comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se

assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo

especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao

espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se

daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-

tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-

30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)

31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)

32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs

Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)

33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)

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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-

mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-

tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo

As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-

cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas

apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-

cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para

ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos

realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute

ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-

tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar

Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo

e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-

cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua

participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da

poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR

2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas

tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance

A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-

criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-

res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria

e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-

mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte

que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)

As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes

do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que

conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e

diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-

cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo

esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo

Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem

refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-

mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor

e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute

mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-

formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo

eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)

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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

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SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 8: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

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corpo Recorrer agrave noccedilatildeo de performance implica entatildeo a necessidade de rein-troduzir a consideraccedilatildeo do corpo no estudo da obra Ora o corpo (que existe

enquanto relaccedilatildeo a cada momento recriado do eu ao seu ser fiacutesico) eacute da or-

dem do indizivelmente pessoal A noccedilatildeo de performance (quando os elemen-tos se cristalizam em torno da lembranccedila de uma presenccedila) perde toda perti-

necircncia desde que a faccedilamos abarcar outra coisa que natildeo o comprometimento

empiacuterico agora e neste momento da integridade de um ser particular numa si-tuaccedilatildeo dada (ZUMTHOR 2014 p 41)

ldquoOrdem de valores encarnada em um corpo vivordquo (ZUMTHOR

2014 p 34) a performance do grupo Balanccedilo da Roseira traz esse corpo

do qual emana o ritmo da roda como danccedila circular As apresentaccedilotildees

satildeo sempre assim organizadas em ciacuterculo dando voltas e por vezes ca-

da dupla se coloca no meio da roda e todas danccedilam enquanto cantam A

roda eacute parte da performance uma simbologia de uniatildeo e comunidade Ao

se reunirem em ciacuterculo as mulheres do grupo ldquofazem a rodardquo e a roda

determina o ritmo das cantigas

ldquoO ritmo eacute sentido intraduziacutevel em liacutengua por outros meiosrdquo

(ZUMTHOR 2010 p 184) Edinalva Brito Mininha antes de iniciar a

entrevista diz que o ensaio que estava marcado natildeo ldquodeu certordquo nem to-

das estavam disponiacuteveis no horaacuterio e por isso ldquoa roda natildeo funcionourdquo

ldquoRoda eacute ritmordquo ela afirma ldquose natildeo entrar no ritmo da roda natildeo daacute cer-

tordquo O ritmo que a roda dita eacute para o grupo fundamental na atuaccedilatildeo per-

formancial eacute preciso que o canto esteja unido ao ritmo imposto pela

formaccedilatildeo da roda Esse corpo que se move para dar o ldquoritmo da rodardquo eacute

para Zunthor parte essencial na performance da poesia oral ldquoA impres-

satildeo riacutetmica bem complexa que a performance cria proveacutem do encontro de

duas seacuteries de fatores corporais ou seja visuais e taacuteteis [] e vocais

portanto auditivosrdquo (ZUMTHOR 2010 p185-186)

No livro Na madrugada das formas poeacuteticas de Segismundo Spi-

na encontramos ainda uma classificaccedilatildeo do que o autor chama de ldquocan-

tos primitivosrdquo considerando as praacuteticas rituais e atividades luacutedicas can-

to maacutegico canto mimeacutetico canto iniciaacutetico canto ctocircnico canto social-

-agonal e canto de ofiacutecio Este uacuteltimo estaacute associado ao trabalho humano

como ldquoestimulante e sedativo do esforccedilo muscularrdquo Na perspectiva do

autor os cantos que acompanham o trabalho cooperativo alcanccedilaram de-

senvolvimento significativo em sociedades agriacutecolas ldquoonde o trabalho

adquire uma forma coletiva (danccedilas e cantos por ocasiatildeo da colheita da

manipulaccedilatildeo de certos produtos etc)rdquo (SPINA 2002 p 41) As ativida-

des que compunham o cotidiano das comunidades agriacutecolas ndash que eacute o es-

paccedilo de memoacuteria do grupo Balanccedilo da Roseira a quebra e retirada do li-

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84 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que

vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-

NA 2002 p 23)

A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira

leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-

beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem

como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance

das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um

dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os

inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-

do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-

dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-

crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da

concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o

efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)

Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas

inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de

cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-

da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como

os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica

quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute

como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial

lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo

salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-

gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-

vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)

No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos

que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que

usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos

em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-

odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras

do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes

orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p

59)

Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)

Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)

Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)

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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho

a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-

do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de

forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-

da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto

energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-

ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)

Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-

ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com

aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do

sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral

posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-

festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo

ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma

poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)

O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute

apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-

o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um

nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-

chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela

interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p

218)

A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do

Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-

lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas

quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-

nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a

poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou

de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)

A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-

ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-

riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-

tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos

testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando

uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-

THOR 2010 p 221)

Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam

uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da

poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma

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86 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o

discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a

circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto

que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam

danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares

elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo

formado

A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria

eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de

casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-

do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p

226)

A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul

Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado

manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-

nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas

apresentaccedilotildees do grupo

Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em

fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-

go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode

ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-

cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-

do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)

Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os

acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e

se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a

relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado

amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-

buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira

evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-

lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma

camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes

dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-

tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo

da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre

a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-

propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes

e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro

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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-

lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas

uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)

Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo

cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos

de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-

ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental

para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse

elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-

sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)

Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no

encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-

zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo

virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)

Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-

mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-

trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por

muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-

cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-

do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner

(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-

ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso

especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-

duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo

beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus

elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)

Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-

po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-

formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-

chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-

tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-

rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar

sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um

pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais

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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-

duccedilatildeo nossa)

Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica

para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo

pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas

as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER

2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-

rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica

postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais

performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados

A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-

ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves

necessidades sentidas

Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm

fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-

dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)

Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-

da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma

das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-

do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma

comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se

assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo

especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao

espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se

daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-

tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-

30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)

31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)

32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs

Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)

33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)

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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-

mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-

tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo

As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-

cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas

apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-

cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para

ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos

realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute

ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-

tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar

Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo

e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-

cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua

participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da

poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR

2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas

tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance

A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-

criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-

res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria

e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-

mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte

que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)

As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes

do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que

conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e

diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-

cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo

esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo

Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem

refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-

mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor

e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute

mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-

formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo

eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)

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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

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Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95

SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 9: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

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84 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

curi ndash desenvolviam ldquoa regularidade riacutetmica e com ela a muacutesica que

vem facilitar os movimentos e suavizar o sacrifiacutecio do trabalhordquo (SPI-

NA 2002 p 23)

A ldquoregularidade riacutetmicardquo do canto no grupo Balanccedilo da Roseira

leva ainda em consideraccedilatildeo a forma sonora de cada cantiga formas tam-

beacutem decorrentes do refratildeo e paralelismos na composiccedilatildeo poeacutetica bem

como da repeticcedilatildeo de cada verso e estrofe A repeticcedilatildeo na performance

das rodas eacute segundo Segismundo Spina ldquoelemento embrionaacuteriordquo e um

dos fatores que determina a repeticcedilatildeo eacute a situaccedilatildeo emocional em que os

inteacuterpretes estatildeo colocados como um mantra que inuacutemeras vezes repeti-

do conduz a alma ao Nirvana A cadecircncia da repeticcedilatildeo dos versos canta-

dos promove essa elevaccedilatildeo de espiacuterito alcanccedila onde o texto apenas es-

crito natildeo alcanccedilaria ldquoa repeticcedilatildeo significa a expressatildeo mais simples da

concentraccedilatildeo do espiacuterito em virtude da qual se espera poder provocar o

efeito desejadordquo (SPINA 2002 p 47)

Seja com uma ou mais estrofes as cantigas de roda satildeo repetidas

inuacutemeras vezes durante a performance e a disposiccedilatildeo das inteacuterpretes de

cada ldquorodardquo eacute o que determina quantas vezes ela continuaraacute sendo canta-

da Paul Zumthor determina o ritmo a expressividade e a repeticcedilatildeo como

os elementos determinantes na gecircnese do canto A repeticcedilatildeo dessa uacutenica

quadra a torna refratildeo ou pode se encontrar cantigas em que o refratildeo se daacute

como resposta a um ou dois solistas semelhantes ao canto responsorial

lituacutergico que eacute segundo Segismundo Spina ldquouma segunda fase do solo

salmoacutedico dos primeiros tempos do Cristianismo eacute um exemplo do se-

gundo tipo isto eacute o solista canta um versiacuteculo do salmo e os fieacuteis inter-

vecircm em coro com a execuccedilatildeo do refratildeordquo (SPINA 2002 p 53)

No repertoacuterio do Balanccedilo da Roseira encontramos alguns versos

que obedecem essa configuraccedilatildeo e soma-se a essa estrutura cantigas que

usam o que Segismundo Spina chama de ldquocanto interjeccionalrdquo versos

em que o sentido eacute em sua maioria inexistente e que ldquorepresenta o periacute-

odo primaacuterio da superioridade do ritmo ou da melodia sobre as palavras

do canto As siacutelabas ou interjeiccedilotildees nesse caso satildeo meros expedientes

orais para marcar o compasso ou sustentar a melodiardquo (SPINA 2002 p

59)

Sindolelecirc mandou dizer (Sindolelecirc) Mandou dizer que eu fosse laacute (Sindolelecirc)

Pra que eacute que ela me quer (Sindolelecirc)

Ainda ontem eu vim de laacute (Sindolelecirc)

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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho

a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-

do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de

forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-

da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto

energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-

ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)

Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-

ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com

aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do

sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral

posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-

festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo

ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma

poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)

O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute

apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-

o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um

nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-

chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela

interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p

218)

A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do

Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-

lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas

quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-

nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a

poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou

de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)

A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-

ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-

riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-

tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos

testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando

uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-

THOR 2010 p 221)

Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam

uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da

poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma

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86 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o

discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a

circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto

que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam

danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares

elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo

formado

A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria

eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de

casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-

do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p

226)

A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul

Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado

manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-

nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas

apresentaccedilotildees do grupo

Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em

fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-

go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode

ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-

cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-

do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)

Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os

acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e

se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a

relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado

amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-

buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira

evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-

lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma

camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes

dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-

tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo

da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre

a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-

propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes

e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro

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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-

lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas

uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)

Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo

cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos

de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-

ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental

para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse

elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-

sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)

Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no

encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-

zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo

virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)

Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-

mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-

trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por

muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-

cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-

do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner

(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-

ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso

especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-

duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo

beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus

elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)

Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-

po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-

formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-

chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-

tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-

rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar

sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um

pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais

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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-

duccedilatildeo nossa)

Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica

para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo

pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas

as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER

2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-

rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica

postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais

performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados

A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-

ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves

necessidades sentidas

Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm

fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-

dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)

Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-

da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma

das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-

do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma

comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se

assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo

especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao

espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se

daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-

tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-

30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)

31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)

32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs

Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)

33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)

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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-

mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-

tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo

As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-

cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas

apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-

cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para

ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos

realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute

ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-

tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar

Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo

e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-

cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua

participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da

poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR

2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas

tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance

A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-

criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-

res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria

e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-

mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte

que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)

As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes

do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que

conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e

diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-

cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo

esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo

Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem

refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-

mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor

e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute

mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-

formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo

eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)

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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

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SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 10: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

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Nesses versos que o grupo traz na memoacuteria do canto de trabalho

a formaccedilatildeo silaacutebica ldquosindolelecircrdquo natildeo corresponde a uma unidade de senti-

do Apenas contribui para o arranjo meloacutedico do canto que acontece de

forma responsiva uma dupla canta o verso as outras que compotildeem a ro-

da respondem com o ldquosindolelecircrdquo ldquoPalavra poeacutetica voz melodia ndash texto

energia forma sonora ativamente unidos em performance concorrem pa-

ra a unicidade de um sentidordquo (ZUMTHOR 2010 p 203)

Contribuindo para a produccedilatildeo do sentido na composiccedilatildeo da poeacuteti-

ca oral o refratildeo divide o canto e caracteriza diferentes performances com

aspectos esteacuteticos que vatildeo da mateacuteria sonora agrave visual Na inter-relaccedilatildeo do

sonoro ao visual concretiza sua performance indo aleacutem da poeacutetica oral

posto que essa voz que ecoa e traz uma memoacuteria vem de um corpo mani-

festo e atuante que transborda significados nessa junccedilatildeo O ldquocorpo vivordquo

ao qual ldquoessa coisa que eacute a vozrdquo pertence ldquosatildeo assim integrados a uma

poeacuteticardquo (ZUMTHOR 2010 p 217)

O inteacuterprete na performance exibindo seu corpo e seu cenaacuterio natildeo estaacute

apelando somente agrave visualidade Ele se oferece a um contato Eu o ouccedilo vejo-

o virtualmente eu o toco virtualidade bem proacutexima fortemente erotizada um

nada uma matildeo estendida seria suficiente impressatildeo tanto mais potente e re-

chaccedilada quanto o ouvinte pertenccedila a uma cultura que proiacuteba sobremaneira o uso do toque nas relaccedilotildees sociais Entretanto uma outra totalidade se revela

interna sinto meu corpo se mover eu vou danccedilar (ZUMTHOR 2010 p

218)

A danccedila se afigura entatildeo elemento constituinte da performance do

Balanccedilo da Roseira embora natildeo aconteccedila em todas as performances rea-

lizadas Como jaacute foi dito elas tambeacutem se apresentam em situaccedilotildees nas

quais a danccedila natildeo eacute necessaacuteria Um exemplo disto era o programa sema-

nal na raacutedio comunitaacuteria local No que diz respeito agrave danccedila assim como a

poesia manteacutem uma iacutentima relaccedilatildeo com a muacutesica ldquoa danccedila natildeo deixou

de contribuir para a organizaccedilatildeo riacutetmica do versordquo (SPINA 2002 p 37)

A danccedila tambeacutem se desenvolve durante a performance como a voz e pa-

ra Paul Zumthor danccedila gesto e voz ldquosatildeo figuraccedilotildees da vida mas contra-

riamente pode-se detecirc-los sob o olhar fixaacute-los pintaacute-los fazecirc-los estaacute-

tuas Eacute por isso que eles satildeo mais afirmaccedilatildeo que conhecimento e menos

testemunho que experiecircnciardquo (ZUMTHOR 2010 p 226) manifestando

uma ldquoligaccedilatildeo primaacuteria entre o corpo humano e a poesia []rdquo (ZUM-

THOR 2010 p 221)

Imbricados dessa forma danccedila e palavra cantada se completam

uma dando o ritmo agrave outra musicalidade e movimento em funccedilatildeo da

poeacutetica oral e compondo o cenaacuterio propiacutecio para a manifestaccedilatildeo de uma

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86 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o

discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a

circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto

que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam

danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares

elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo

formado

A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria

eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de

casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-

do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p

226)

A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul

Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado

manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-

nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas

apresentaccedilotildees do grupo

Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em

fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-

go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode

ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-

cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-

do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)

Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os

acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e

se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a

relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado

amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-

buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira

evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-

lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma

camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes

dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-

tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo

da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre

a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-

propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes

e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro

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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-

lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas

uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)

Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo

cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos

de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-

ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental

para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse

elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-

sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)

Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no

encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-

zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo

virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)

Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-

mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-

trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por

muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-

cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-

do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner

(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-

ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso

especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-

duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo

beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus

elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)

Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-

po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-

formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-

chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-

tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-

rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar

sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um

pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais

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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-

duccedilatildeo nossa)

Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica

para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo

pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas

as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER

2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-

rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica

postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais

performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados

A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-

ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves

necessidades sentidas

Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm

fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-

dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)

Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-

da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma

das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-

do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma

comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se

assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo

especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao

espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se

daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-

tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-

30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)

31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)

32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs

Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)

33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)

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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-

mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-

tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo

As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-

cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas

apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-

cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para

ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos

realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute

ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-

tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar

Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo

e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-

cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua

participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da

poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR

2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas

tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance

A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-

criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-

res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria

e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-

mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte

que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)

As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes

do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que

conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e

diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-

cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo

esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo

Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem

refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-

mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor

e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute

mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-

formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo

eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)

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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

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SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 11: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

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86 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

cultura popular O corpo eacute a concretude do discurso ldquoo corpo encena o

discursordquo (ZUMTHOR 2010 p 224) e natildeo seria ingecircnuo pensar que a

circularidade da danccedila do grupo Balanccedilo da Roseira eacute correlata ao canto

que se repete Postas em roda ciacuterculo ritual as participantes cantam

danccedilam e rodam e enquanto a roda se manteacutem em movimento aos pares

elas se unem em outra danccedila tambeacutem dando voltas no centro do ciacuterculo

formado

A danccedila prazer puro pulsatildeo corporal sem outro pretexto que ela proacutepria

eacute tambeacutem por isso mesmo consciecircncia Tanto a danccedila de um soacute quanto a de

casal ou a coletiva todos os tipos de danccedila aumentam a percepccedilatildeo calorosa de uma unanimidade possiacutevel Um contrato se renova assinado pelo corpo sela-

do pela efiacutegie de sua forma liberada por um instante (ZUMTHOR 2010 p

226)

A cadecircncia da voz marcada pelo balanccedilo do corpo eacute para Paul

Zumthor traccedilo que prolonga e esclarece o dito ou melhor o entoado

manifestando o que natildeo se revela apenas no texto oral Danccedila acompa-

nhada de canto faz o jogo necessaacuterio para o ritual que se estabelece nas

apresentaccedilotildees do grupo

Nas canccedilotildees de grupos ndash sejam representadas [] sejam em roda ou em

fila [] ndash gesto e voz regulados um pelo outro consolidam a unidade do jo-

go reveladora de um desenho comum embora as circunstacircncias o dramati-zem eacute a comunidade de um destino que o sela O efeito coesivo do ritmo pode

ser acrescido pelo uso de matracas de palmas de outros procedimentos de es-

cansatildeo forte A parte cantada acompanhada ou natildeo eacute geralmente sustentada por um solista ou por um coro os danccedilarinos retomando o eco ou responden-

do por um estribilho (ZUMTHOR 2010 p 227-228)

Com relaccedilatildeo aos elementos visuais unem-se ao canto a danccedila e os

acessoacuterios utilizados O ldquocorpo vivordquo emana a voz move-se na danccedila e

se enfeita para a performance ldquoindissociaacuteveis ainda que possa diferir a

relaccedilatildeo que os une O paramento com efeito pode ser ou natildeo codificado

amplificado ou natildeo por acessoacuteriosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230) Contri-

buindo para a performance o vestuaacuterio do grupo Balanccedilo da Roseira

evoca uma representaccedilatildeo estereotipada da figura sertaneja em que as mu-

lheres usam vestidos de chita ndash no caso delas uma saia rodada e uma

camiseta de malha com o nome do grupo Outra vestimenta existiu antes

dessa confeccionado por elas usavam um vestido longo rodado No ves-

tuaacuterio fornecido pela prefeitura vecirc-se na camiseta de malha com o logo

da prefeitura municipal o que reporta agrave teoria de Stuart Hall (2009) sobre

a desconstruccedilatildeo do popular satildeo as negociaccedilotildees feitas apropriaccedilatildeo e ex-

propriaccedilatildeo na qual a cultura popular as tradiccedilotildees e atividades existentes

e sua reconfiguraccedilatildeo ldquoparecem persistir contudo de um periacuteodo a outro

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Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 87

acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-

lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas

uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)

Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo

cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos

de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-

ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental

para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse

elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-

sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)

Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no

encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-

zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo

virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)

Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-

mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-

trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por

muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-

cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-

do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner

(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-

ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso

especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-

duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo

beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus

elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)

Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-

po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-

formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-

chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-

tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-

rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar

sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um

pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais

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88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-

duccedilatildeo nossa)

Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica

para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo

pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas

as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER

2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-

rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica

postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais

performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados

A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-

ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves

necessidades sentidas

Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm

fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-

dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)

Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-

da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma

das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-

do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma

comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se

assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo

especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao

espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se

daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-

tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-

30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)

31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)

32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs

Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)

33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)

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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-

mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-

tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo

As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-

cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas

apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-

cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para

ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos

realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute

ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-

tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar

Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo

e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-

cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua

participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da

poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR

2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas

tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance

A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-

criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-

res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria

e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-

mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte

que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)

As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes

do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que

conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e

diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-

cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo

esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo

Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem

refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-

mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor

e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute

mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-

formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo

eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)

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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

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SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

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acabam mantendo diferentes relaccedilotildees com as formas de vida dos traba-

lhadores e com as definiccedilotildees que estes conferem agrave relaccedilotildees estabelecidas

uns com os outros []rdquo (HALL 2009 p 232)

Somados ao vestuaacuterio acima descrito que eacute fardamento padratildeo

cada uma utiliza os acessoacuterios que lhes convecircm colares brincos laccedilos

de fita tiaras etc elementos escolhidos sem intencionalidade sem inter-

ferir na performance ensaiada A saia rodada eacute o elemento fundamental

para a teatralidade das apresentaccedilotildees A performance explora mais esse

elemento para a sua completude na qual ldquoa vestimenta do executante as-

sume valores diversosrdquo (ZUMTHOR 2010 p 230)

Aleacutem do corpo a ldquodecoraccedilatildeordquo tudo o que cai sob o olhar agraves vezes regu-lado pelo mesmo roacutetulo e com tanto rigor quanto a roupa alcanccedila-se aqui no

encadeamento das formas os confins onde a poesia oral torna-se teatro totali-

zaccedilatildeo do espaccedilo de um ato Resultado de uma intenccedilatildeo integrada agrave poesia oral desde sua canccedilatildeo primeira o teatro estaacute presente em cada performance todo

virtualidade prestes a ali se realizar (ZUMTHOR 2010 p 231)

Aleacutem dos acessoacuterios da indumentaacuteria haacute ainda o uso de instru-

mentos da performance O grupo Balanccedilo da Roseira natildeo faz uso de ins-

trumentos musicais mas haacute um instrumento amplificador da voz que por

muitas vezes eacute necessaacuterio o microfone Quando em apresentaccedilotildees puacutebli-

cas nas quais muitas pessoas estatildeo ao redor para que o canto seja ouvi-

do o uso de tecnologias faz-se necessaacuterio Segundo Richard Schechner

(2013) a introduccedilatildeo de novas tecnologias pode sutilmente ou de manei-

ra mais oacutebvia mudar um ritual jaacute estabelecido Para Paul Zumthor o uso

especiacutefico do microfone na performance ldquoaumenta o espaccedilo vocal e re-

duz distacircncias auditivas Mantendo a visatildeo e a presenccedila fiacutesica do corpo

beneficia tecnicamente a performance sem modificar nenhum dos seus

elementos essenciais (ZUMTHOR 2010 p 266)

Se considerarmos a organizaccedilatildeo em torno da performance do gru-

po e todos os elementos jaacute apresentados para a concretizaccedilatildeo dessa per-

formance podemos perceber aiacute o estabelecimento de um ritual Ora Ri-

chard Schechner (2013) tambeacutem afirma que os rituais proporcionam es-

tabilidade e ajudam as pessoas a realizarem mudanccedilas em suas vidas ge-

rando novas identidades ldquodatildeo a impressatildeo de permanecircncia de ldquoestar

sempre sendordquo Essa eacute sua forma executada publicamente Mas basta um

pouco de investigaccedilatildeo para mostrar que quando as circunstacircncias sociais

Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

88 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-

duccedilatildeo nossa)

Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica

para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo

pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas

as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER

2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-

rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica

postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais

performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados

A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-

ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves

necessidades sentidas

Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm

fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-

dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)

Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-

da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma

das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-

do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma

comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se

assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo

especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao

espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se

daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-

tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-

30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)

31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)

32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs

Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)

33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)

II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 89

ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-

mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-

tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo

As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-

cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas

apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-

cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para

ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos

realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute

ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-

tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar

Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo

e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-

cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua

participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da

poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR

2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas

tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance

A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-

criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-

res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria

e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-

mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte

que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)

As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes

do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que

conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e

diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-

cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo

esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo

Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem

refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-

mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor

e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute

mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-

formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo

eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)

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90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

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A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014

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SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 13: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

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mudam os rituais tambeacutem mudamrdquo30 (SCHECHNER 2013 p 81 tra-

duccedilatildeo nossa)

Segundo Richard Schechner a mudanccedila da performance esteacutetica

para o ritual acontece quando uma apresentaccedilatildeo especiacutefica se torna algo

pertencente agrave comunidade e haveraacute ldquoa tendecircncia de se mover em ambas

as direccedilotildees estatildeo presentes em todas as performancesrdquo (SCHECHNER

2013 p 81 traduccedilatildeo nossa)31 Dessa forma aquele canto de ofiacutecio du-

rante as quebras de licuri hoje se apresenta com indumentaacuteria especiacutefica

postura e danccedila introduzindo novas realidades sociais ou seja rituais

performances assim como tradiccedilotildees tambeacutem podem ser inventados

A necessidade de construir comunidade eacute fomentada pelo ritual E se ritu-ais oficiais quer natildeo satisfaccedilam ou sejam absurdamente exclusivo novos ritu-

ais seratildeo inventados ou rituais mais antigos seratildeo adaptados para atender agraves

necessidades sentidas

Natildeo soacute os rituais tecircm sido inventados por atacado mas rituais antigos tecircm

fornecido haacute muito tempo material para a induacutestria artiacutestica ou tecircm sido usa-

dos como uma espeacutecie de entretenimento popular32 (SCHECHNER 2013 p 83 traduccedilatildeo nossa)

Ainda em Richard Schechner encontramos a afirmaccedilatildeo de que ca-

da performance entreteacutem e ritualiza e que o ritual eacute tambeacutem ldquouma forma

das pessoas se conectarem a um coletivo lembrar ou construir um passa-

do miacutetico para construir um solidarismo e para formar ou manter uma

comunidaderdquo33 (SCHECHNER 2013 p 87 traduccedilatildeo nossa) Percebe-se

assim que aos seres que se entregam agrave performance une-se uma situaccedilatildeo

especiacutefica ldquoa performance natildeo apenas se liga ao corpo mas por ele ao

espaccedilordquo (ZUMTHOR 2014 p 42) E eacute nessa junccedilatildeo de elementos que se

daacute a ideia de teatralidade que Paul Zumthor apresenta extraiacuteda de um ar-

tigo de Josette Feacuteral Das proposiccedilotildees apresentadas por Josette Feacuteral Pa-

30 They give the impression of permanence of ldquoalways having beenrdquo That is their publicly performed face But only a little investigation shows that as social circumstances change rituals also change (SCHECHNER 2013 p 81)

31 The tendencies to move in both these directions are present in all performances (SCHECHNER 2013 p 81)

32 The need to build community is fostered by ritual And if official rituals either do not satisfy or are egregiously exclusive new rituals will be invented or older rituals adapted to meet felt needs

Not only have rituals been invented wholesale but older rituals have long provided grist for the artistic mill or have been used as a kind of popular entertainment (SCHECHNER 2013 p 83)

33 [] a way for people to connect to a collective remember or construct a mythic past to build social solidaritym and to form or maintain a community (SCHECHNER 2013 p 87)

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ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-

mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-

tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo

As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-

cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas

apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-

cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para

ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos

realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute

ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-

tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar

Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo

e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-

cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua

participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da

poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR

2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas

tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance

A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-

criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-

res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria

e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-

mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte

que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)

As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes

do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que

conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e

diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-

cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo

esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo

Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem

refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-

mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor

e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute

mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-

formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo

eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)

Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 91

Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BAUMAM Zygmunt Identidade entrevista agrave Benedito Vecchi Rio de

Janeiro Zahar 2005

CANCLINI Nestor Garcia Culturas hiacutebridas estrateacutegias para sair e en-

trar na modernidade 4 ed Trad Ana Regina Lessa Heloiacutesa Pezza e

Gecircnese Andrade Satildeo Paulo Edusp 2008 p 205-254

CUNHA Eneida Leal A emergecircncia da cultura e a criacutetica cultural Ca-

dernos de Estudos Culturais Campo Grande (MS) vol 1 n 2 p 73-82

juldez 2009

II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 93

GALEANO Eduardo O livro dos abraccedilos Trad Eric Nepomuceno

Porto Alegre LampPM 2014

HALBWACHS Maurice A memoacuteria coletiva Trad Beatriz Sidou Satildeo

Paulo Centauro 2006

HALL Stuart A centralidade da cultura notas sobre as revoluccedilotildees cul-

turais do nosso tempo Disponiacutevel em

ltwwwufrgsbrneccsowordtexto_stuart_centralidadeculturadocgt

Acesso em 04-05-2014

______ A identidade cultural na poacutes-modernidade 7 ed Rio de Janei-

ro DPampA 2002

______ Da diaacutespora identidades e mediaccedilotildees culturais Belo Horizonte

UFMG 2009

HOBSBAWM Eric (Org) A invenccedilatildeo das tradiccedilotildees Rio de Janeiro

Paz e Terra 1984

IBGE Quixabeira (BA) Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=29259

3ampsearch=bahia|quixabeiragt Acesso em 27-09-2015

MARTIacuteN-BARBERO Jesuacutes De los medios a las mediaciones comuni-

cacioacuten cultura y hegemoniacutea Meacutexico Gustavo Gilli 1991

PAZ Octavio O arco e a lira Trad Olga Savary Rio de Janeiro Nova

Fronteira 1982

SANTOS Boaventura de Souza Para uma sociologia das ausecircncias e

uma sociologia das emergecircncias Disponiacutevel em

lthttpwwwboaventuradesousasantosptmediapdfsSociologia_das_aus

encias_RCCS63PDFgt Revista Criacutetica de Ciecircncias Sociais n 63 p

237-280 2002

SCHECHNER Richard Performance studies an introduction 3 ed

New YorkLondon Routledge 2013

SCHECHNER Richard O que eacute performance O Percevejo Rio de Ja-

neiro ano 11 n 12 2003 Disponiacutevel em

lthttpdocslidecombrdocumentso-que-e-performance-

schechnerhtmlgt Acesso em 15-05-2016

SPINA Segismundo Na madrugada das formas poeacuteticas Satildeo Paulo

Ateliecirc 2002

Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

94 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

ZUMTHOR Paul Introduccedilatildeo agrave poesia oral Belo Horizonte UFMG

2010

______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014

II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95

SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 14: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 89

ul Zumthor destaca o espaccedilo como constituinte da teatralidade perfor-

mancial em que haacute um puacuteblico que jaacute espera pela performance e ali iden-

tifica ldquouma alteridade espacial marcando o textordquo

As mulheres do grupo Balanccedilo da Roseira identificam essa parti-

cipaccedilatildeo do espectador-ouvinte quando afirmam que haacute distinccedilotildees nas

apresentaccedilotildees que fazem As apresentaccedilotildees a convite em ambientes edu-

cacionais como universidades e escolas exigem uma performance para

ser vista na qual a participaccedilatildeo do puacuteblico natildeo eacute esperada Jaacute nos eventos

realizados em praccedilas puacuteblicas feiras e afins a performance do grupo eacute

ldquomedidardquo quando esse espectador-ouvinte interage durante o canto ldquoen-

tra na rodardquo para com elas cantar e danccedilar

Esse momento de interaccedilatildeo entre o puacuteblico ldquoespectador-ouvinterdquo

e a performance do grupo nos conduz aos estudos de recepccedilatildeo Na con-

cepccedilatildeo de Paul Zumthor (2010) o ouvinte eacute parte da performance e sua

participaccedilatildeo eacute tatildeo importante quanto a do inteacuterprete sendo recepccedilatildeo da

poesia ldquoum ato uacutenico fugaz irreversiacutevel e individualrdquo (ZUMTHOR

2010 p 257) Uacutenico e individual pois eacute pouco provaacutevel que duas pessoas

tenham a mesma percepccedilatildeo de uma mesma performance

A componente fundamental da ldquorecepccedilatildeordquo eacute assim a accedilatildeo do ouvinte re-

criando de acordo com seu proacuteprio uso e suas proacuteprias configuraccedilotildees interio-

res o universo significante que lhe eacute transmitido As marcas que esta recria-ccedilatildeo imprime nele pertencem a sua vida iacutentima e natildeo se exteriorizam necessaacuteria

e imediatamente Mas pode ocorrer que elas se exteriorizem em nova perfor-

mance o ouvinte torna-se por seu turno inteacuterprete e em sua boca em seu gesto o poema se modifica de forma quem sabe radical Eacute assim em parte

que se enriquecem e se transformam as tradiccedilotildees (ZUMTHOR 2010 p 258)

As transformaccedilotildees da tradiccedilatildeo satildeo percebidas entre as integrantes

do grupo Cada uma ao ser solicitado que cante uma das cantigas que

conhece desde a mais tenra idade traz a memoacuteria contextos diferentes e

diferentes versos A poesia enquanto canto de trabalho teve para as parti-

cipantes do grupo recepccedilotildees diferenciadas e a forma como ldquorecuperamrdquo

esse texto para as performances atuais enriquece o repertoacuterio do grupo

Ainda mais o puacuteblico que o grupo Balanccedilo da Roseira tecircm hoje tambeacutem

refletiraacute outras percepccedilotildees do momento da performance o que nos per-

mite afirmar que existe ldquona pessoa do ouvinte dois papeacuteis o de receptor

e o de coautorrdquo (ZUMTHOR 2010 p 258) O ouvinte portanto natildeo eacute

mero destinataacuterio da mensagem haacute uma relaccedilatildeo de reciprocidade na per-

formance estabelecida entre o inteacuterprete o texto e o ouvinte ldquoa recepccedilatildeo

eacute um espaccedilo de interaccedilatildeordquo (MARTIacuteN-BARBERO 1991 p 59)

Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

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Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 91

Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BAUMAM Zygmunt Identidade entrevista agrave Benedito Vecchi Rio de

Janeiro Zahar 2005

CANCLINI Nestor Garcia Culturas hiacutebridas estrateacutegias para sair e en-

trar na modernidade 4 ed Trad Ana Regina Lessa Heloiacutesa Pezza e

Gecircnese Andrade Satildeo Paulo Edusp 2008 p 205-254

CUNHA Eneida Leal A emergecircncia da cultura e a criacutetica cultural Ca-

dernos de Estudos Culturais Campo Grande (MS) vol 1 n 2 p 73-82

juldez 2009

II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 93

GALEANO Eduardo O livro dos abraccedilos Trad Eric Nepomuceno

Porto Alegre LampPM 2014

HALBWACHS Maurice A memoacuteria coletiva Trad Beatriz Sidou Satildeo

Paulo Centauro 2006

HALL Stuart A centralidade da cultura notas sobre as revoluccedilotildees cul-

turais do nosso tempo Disponiacutevel em

ltwwwufrgsbrneccsowordtexto_stuart_centralidadeculturadocgt

Acesso em 04-05-2014

______ A identidade cultural na poacutes-modernidade 7 ed Rio de Janei-

ro DPampA 2002

______ Da diaacutespora identidades e mediaccedilotildees culturais Belo Horizonte

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HOBSBAWM Eric (Org) A invenccedilatildeo das tradiccedilotildees Rio de Janeiro

Paz e Terra 1984

IBGE Quixabeira (BA) Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=29259

3ampsearch=bahia|quixabeiragt Acesso em 27-09-2015

MARTIacuteN-BARBERO Jesuacutes De los medios a las mediaciones comuni-

cacioacuten cultura y hegemoniacutea Meacutexico Gustavo Gilli 1991

PAZ Octavio O arco e a lira Trad Olga Savary Rio de Janeiro Nova

Fronteira 1982

SANTOS Boaventura de Souza Para uma sociologia das ausecircncias e

uma sociologia das emergecircncias Disponiacutevel em

lthttpwwwboaventuradesousasantosptmediapdfsSociologia_das_aus

encias_RCCS63PDFgt Revista Criacutetica de Ciecircncias Sociais n 63 p

237-280 2002

SCHECHNER Richard Performance studies an introduction 3 ed

New YorkLondon Routledge 2013

SCHECHNER Richard O que eacute performance O Percevejo Rio de Ja-

neiro ano 11 n 12 2003 Disponiacutevel em

lthttpdocslidecombrdocumentso-que-e-performance-

schechnerhtmlgt Acesso em 15-05-2016

SPINA Segismundo Na madrugada das formas poeacuteticas Satildeo Paulo

Ateliecirc 2002

Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

94 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

ZUMTHOR Paul Introduccedilatildeo agrave poesia oral Belo Horizonte UFMG

2010

______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014

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SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

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Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

90 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

Recepccedilatildeo eacute um termo de compreensatildeo histoacuterica que designa um proces-so implicando pois a consideraccedilatildeo de uma duraccedilatildeo Essa duraccedilatildeo de exten-

satildeo imprevisiacutevel pode ser bastante longa Em todo caso ela se identifica com

a existecircncia real de um texto no corpo da comunidade de leitores e ouvintes [] A performance eacute outra coisa [] designa um ato de comunicaccedilatildeo como

tal refere-se a um momento tomado como presente A palavra significa a pre-

senccedila concreta de participantes implicados nesse ato de maneira imediata (ZUMTHOR 2014 p 51)

Nesse jogo de encenaccedilotildees e trocas entre as mulheres que com-

potildeem o grupo e seus espectadores-ouvintes percebemos um ato comuni-

cativo no qual acontece o encontro com a obra no qual a percepccedilatildeo de

cada sujeito nessa comunicaccedilatildeo se daraacute de forma imediata distinta e

imprevisiacutevel Para Paul Zumthor a performance eacute ldquoum momento da re-

cepccedilatildeo momento privilegiado em que um enunciado eacute realmente rece-

bido rdquo (Idem p 52) Assim a recepccedilatildeo acontece atraveacutes da audiccedilatildeo as-

sociada a outros sentidos O texto oral natildeo pode ser visto de forma restri-

ta agrave enunciaccedilatildeo verbal Haacute uma completude do seu significado quando

associado agrave voz aos gestos expressotildees corporais O corpo fiacutesico daque-

les que enunciam o texto e os efeitos dessas vozes satildeo fundamentais no

envolvimento do puacuteblico

Transmitida a obra pela voz ou pela escrita produzem-se entre ela e seu puacuteblico tantos encontros diferentes quantos diferentes ouvintes e leitores A

uacutenica dissimetria entre esses dois modos de comunicaccedilatildeo se deve ao fato de

que a oralidade permite a recepccedilatildeo coletiva [] Os que cantam em puacuteblico tecircm a intenccedilatildeo de provocar um movimento de multidatildeo [] (Idem p 56)

Para o Balanccedilo da Roseira a voz eacute ferramenta natildeo apenas da

memoacuteria natildeo se trata de cantar e transmitir o passado Eacute recolhendo

artefatos de memoacuterias distintas que essas mulheres reconstroem sua

histoacuteria importando muito aleacutem do que se diz mas como se diz

atualizando a construccedilatildeo social em que se daacute a recepccedilatildeo da poeacutetica do

grupo garantindo sua construccedilatildeo cultural Dessa forma recepccedilatildeo e

transmissatildeo partilham um ato uacutenico conduzindo ao prazer do texto

literaacuterio a fruiccedilatildeo do texto oral que se manteacutem vivo atuante e propicia

lugar de conviacutevio para uma comunidade relacionando-se diretamente

com as pessoas e sua vida cotidiana Essa vida cotidiana eacute para Jesuacutes

Martiacuten-Barbero (1991) a motivaccedilatildeo para os estudos de recepccedilatildeo vendo-a

como espaccedilo ldquoem que se produz a sociedade e natildeo soacute onde ela se

reproduz [] a vida cotidiana eacute o lugar em que os atores sociais se fazem

visiacuteveis do trabalho ao sonho da ciecircncia ao jogordquo (MARTIacuteN-

-BARBERO 1991 p 58 e 59)

II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 91

Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BAUMAM Zygmunt Identidade entrevista agrave Benedito Vecchi Rio de

Janeiro Zahar 2005

CANCLINI Nestor Garcia Culturas hiacutebridas estrateacutegias para sair e en-

trar na modernidade 4 ed Trad Ana Regina Lessa Heloiacutesa Pezza e

Gecircnese Andrade Satildeo Paulo Edusp 2008 p 205-254

CUNHA Eneida Leal A emergecircncia da cultura e a criacutetica cultural Ca-

dernos de Estudos Culturais Campo Grande (MS) vol 1 n 2 p 73-82

juldez 2009

II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 93

GALEANO Eduardo O livro dos abraccedilos Trad Eric Nepomuceno

Porto Alegre LampPM 2014

HALBWACHS Maurice A memoacuteria coletiva Trad Beatriz Sidou Satildeo

Paulo Centauro 2006

HALL Stuart A centralidade da cultura notas sobre as revoluccedilotildees cul-

turais do nosso tempo Disponiacutevel em

ltwwwufrgsbrneccsowordtexto_stuart_centralidadeculturadocgt

Acesso em 04-05-2014

______ A identidade cultural na poacutes-modernidade 7 ed Rio de Janei-

ro DPampA 2002

______ Da diaacutespora identidades e mediaccedilotildees culturais Belo Horizonte

UFMG 2009

HOBSBAWM Eric (Org) A invenccedilatildeo das tradiccedilotildees Rio de Janeiro

Paz e Terra 1984

IBGE Quixabeira (BA) Disponiacutevel em

lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=29259

3ampsearch=bahia|quixabeiragt Acesso em 27-09-2015

MARTIacuteN-BARBERO Jesuacutes De los medios a las mediaciones comuni-

cacioacuten cultura y hegemoniacutea Meacutexico Gustavo Gilli 1991

PAZ Octavio O arco e a lira Trad Olga Savary Rio de Janeiro Nova

Fronteira 1982

SANTOS Boaventura de Souza Para uma sociologia das ausecircncias e

uma sociologia das emergecircncias Disponiacutevel em

lthttpwwwboaventuradesousasantosptmediapdfsSociologia_das_aus

encias_RCCS63PDFgt Revista Criacutetica de Ciecircncias Sociais n 63 p

237-280 2002

SCHECHNER Richard Performance studies an introduction 3 ed

New YorkLondon Routledge 2013

SCHECHNER Richard O que eacute performance O Percevejo Rio de Ja-

neiro ano 11 n 12 2003 Disponiacutevel em

lthttpdocslidecombrdocumentso-que-e-performance-

schechnerhtmlgt Acesso em 15-05-2016

SPINA Segismundo Na madrugada das formas poeacuteticas Satildeo Paulo

Ateliecirc 2002

Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

94 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

ZUMTHOR Paul Introduccedilatildeo agrave poesia oral Belo Horizonte UFMG

2010

______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014

II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95

SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 16: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

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Destacam-se entatildeo os elementos que constituem a literatura e a

poesia demarcados por Paul Zumthor (2014) por conseguinte a produ-

ccedilatildeo poeacutetica do Balanccedilo da Roseira os produtores do texto nesse caso as

mulheres que compotildeem as cantigas de roda ldquofabricando objetos que se

poderia qualificar poeacuteticos ou literaacuteriosrdquo o conjunto de textos ndash o reper-

toacuterio do grupo ldquosocialmente considerados como tendo um valor em si

proacutepriosrdquo e a participaccedilatildeo de um puacuteblico ldquorecebendo esses textos como

tal Em cada um desses pontos articula-se um elemento ritual textos

identificados como tal produtores assim identificados puacuteblico iniciadordquo

(ZUMTHOR 2014 p 49 grifo do autor)

Na situaccedilatildeo de oralidade em que se encontra o grupo Balanccedilo da

Roseira a ldquoformaccedilatildeordquo desse quadro de comunicaccedilatildeo se daraacute pela voz a

enunciaccedilatildeo do texto poeacutetico oral a ldquotransmissatildeordquo acontece atraveacutes do

gesto ndash a danccedila a circularidade do grupo ndash associado agrave voz ldquoformadorardquo

A ldquorecepccedilatildeordquo se concretiza pela audiccedilatildeo acompanhada da vista para Paul

Zumthor ambas tendo em vista o discurso que eacute performatizado e consti-

tuindo um ato uacutenico de participaccedilatildeo

3 Consideraccedilotildees finais

Todos os artifiacutecios utilizados na performance satildeo resultantes de

uma accedilatildeo integrada que concedem ldquoao conhecimento do ouvinte-

espectador uma situaccedilatildeo de enunciaccedilatildeordquo (ZUMTHOR 2014 p 69) e to-

talizam a significaccedilatildeo da poeacutetica oral Ora se ldquoa performance eacute o uacutenico

modo vivo de comunicaccedilatildeo poeacuteticardquo (Idem p 37) e somente pela per-

formance que traz a audiccedilatildeo e a virtualidade da enunciaccedilatildeo poeacutetica che-

gamos ao que Paul Zumthor chama de performance completa conclui-se

nas palavras do proacuteprio autor que ldquoa performance eacute ato de presenccedila no

mundo e em si mesma Nela o mundo estaacute presenterdquo (Idem p 67) E

embora o nosso corpo permaneccedila estranho a nossa consciecircncia de viver

natildeo sendo totalmente nem sentimento nem lembranccedila somente atraveacutes

do nosso corpo podemos nos manifestar ldquoa percepccedilatildeo eacute profundamente

presenccedilardquo (Idem p 78)

A presenccedila se move em um espaccedilo ordenado para o corpo e no corpo

rumo a esses elementos misteriosos aos quais dirigem as flechas que tento aqui

esboccedilar sem que seja possiacutevel determinar de maneira precisa o lugar para onde

elas convergem Toda poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamen-

te a cadeia epistemoloacutegica sensaccedilatildeo-percepccedilatildeo-conhecimento-domiacutenio do mun-do a sensorialidade se conquista no sensiacutevel para permitir em uacuteltima instacircncia

a busca do objeto (Idem p 79)

Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BAUMAM Zygmunt Identidade entrevista agrave Benedito Vecchi Rio de

Janeiro Zahar 2005

CANCLINI Nestor Garcia Culturas hiacutebridas estrateacutegias para sair e en-

trar na modernidade 4 ed Trad Ana Regina Lessa Heloiacutesa Pezza e

Gecircnese Andrade Satildeo Paulo Edusp 2008 p 205-254

CUNHA Eneida Leal A emergecircncia da cultura e a criacutetica cultural Ca-

dernos de Estudos Culturais Campo Grande (MS) vol 1 n 2 p 73-82

juldez 2009

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GALEANO Eduardo O livro dos abraccedilos Trad Eric Nepomuceno

Porto Alegre LampPM 2014

HALBWACHS Maurice A memoacuteria coletiva Trad Beatriz Sidou Satildeo

Paulo Centauro 2006

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turais do nosso tempo Disponiacutevel em

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Acesso em 04-05-2014

______ A identidade cultural na poacutes-modernidade 7 ed Rio de Janei-

ro DPampA 2002

______ Da diaacutespora identidades e mediaccedilotildees culturais Belo Horizonte

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IBGE Quixabeira (BA) Disponiacutevel em

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3ampsearch=bahia|quixabeiragt Acesso em 27-09-2015

MARTIacuteN-BARBERO Jesuacutes De los medios a las mediaciones comuni-

cacioacuten cultura y hegemoniacutea Meacutexico Gustavo Gilli 1991

PAZ Octavio O arco e a lira Trad Olga Savary Rio de Janeiro Nova

Fronteira 1982

SANTOS Boaventura de Souza Para uma sociologia das ausecircncias e

uma sociologia das emergecircncias Disponiacutevel em

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237-280 2002

SCHECHNER Richard Performance studies an introduction 3 ed

New YorkLondon Routledge 2013

SCHECHNER Richard O que eacute performance O Percevejo Rio de Ja-

neiro ano 11 n 12 2003 Disponiacutevel em

lthttpdocslidecombrdocumentso-que-e-performance-

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SPINA Segismundo Na madrugada das formas poeacuteticas Satildeo Paulo

Ateliecirc 2002

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94 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

ZUMTHOR Paul Introduccedilatildeo agrave poesia oral Belo Horizonte UFMG

2010

______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014

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SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

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92 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

A ldquoleitura poeacuteticardquo realizada no ato da performance-recepccedilatildeo co-

loca o sujeito no mundo pois assim se descobre algo que lhe eacute exterior O

que eu percebo na presenccedila de um corpo-voz-gesto-musical eacute virtual

lembranccedilas do corpo que se empenha na significaccedilatildeo do mundo Para

Paul Zumthor essa concepccedilatildeo do texto poeacutetico percebido pelo corpo que

lhe daacute sentido eacute ldquoda ordem do sensiacutevel do visiacutevel do audiacutevel do tangiacute-

velrdquo (ZUMTHOR 2014 p 75) redimensiona a consciecircncia do ldquoestar no

mundordquo propicia o ldquoprazer poeacuteticordquo Entre a mulheres que integram o

grupo Balanccedilo da Roseira essa consciecircncia do prazer motivado pela poe-

sia e compreendido pelo corpo daquilo que diz respeito natildeo soacute a elas

mesmas mas tambeacutem agravequilo que eacute exterior a todas ultrapassa as linhas

de suas vidas cotidianas dizem que sem o canto elas esquecem o que

satildeo tamanha eacute a experiecircncia que partilham na performance do grupo ldquoo

que o gesto recria de maneira reivindicatoacuteria eacute um espaccedilo-tempo sagra-

do A voz personalizada ressacraliza o itineraacuterio profano da existecircnciardquo

(ZUMTHOR 2010 p 232)

Conveacutem concluir esse percurso reflexivo a performance do

Balanccedilo da Roseira inclui o canto e mais o texto recriado para as

melodias jaacute conhecidas o local e as circunstacircncias para essa produccedilatildeo o

corpo carregado da indumentaacuteria e acessoacuterios evocando uma ldquoorigem

sertanejardquo na danccedila circular a roda e aos pares na danccedila e na emanaccedilatildeo

da voz a poesia ganha forccedila com a presenccedila dessas mulheres e toda

encenaccedilatildeo que envolve as apresentaccedilotildees que fazem possibilitando a

existecircncia de uma multiplicidade de elementos da linguagem uma poesia

que fala a elas e sobre elas contribuindo para a formaccedilatildeo cultural para o

que lhes faz humana

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BAUMAM Zygmunt Identidade entrevista agrave Benedito Vecchi Rio de

Janeiro Zahar 2005

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trar na modernidade 4 ed Trad Ana Regina Lessa Heloiacutesa Pezza e

Gecircnese Andrade Satildeo Paulo Edusp 2008 p 205-254

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dernos de Estudos Culturais Campo Grande (MS) vol 1 n 2 p 73-82

juldez 2009

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HALBWACHS Maurice A memoacuteria coletiva Trad Beatriz Sidou Satildeo

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lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=29259

3ampsearch=bahia|quixabeiragt Acesso em 27-09-2015

MARTIacuteN-BARBERO Jesuacutes De los medios a las mediaciones comuni-

cacioacuten cultura y hegemoniacutea Meacutexico Gustavo Gilli 1991

PAZ Octavio O arco e a lira Trad Olga Savary Rio de Janeiro Nova

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uma sociologia das emergecircncias Disponiacutevel em

lthttpwwwboaventuradesousasantosptmediapdfsSociologia_das_aus

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237-280 2002

SCHECHNER Richard Performance studies an introduction 3 ed

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SCHECHNER Richard O que eacute performance O Percevejo Rio de Ja-

neiro ano 11 n 12 2003 Disponiacutevel em

lthttpdocslidecombrdocumentso-que-e-performance-

schechnerhtmlgt Acesso em 15-05-2016

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Ateliecirc 2002

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94 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

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______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014

II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

XX CONGRESSO NACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95

SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 18: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

II CONGRESSO INTERNACIONAL DE LINGUIacuteSTICA E FILOLOGIA

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Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 93

GALEANO Eduardo O livro dos abraccedilos Trad Eric Nepomuceno

Porto Alegre LampPM 2014

HALBWACHS Maurice A memoacuteria coletiva Trad Beatriz Sidou Satildeo

Paulo Centauro 2006

HALL Stuart A centralidade da cultura notas sobre as revoluccedilotildees cul-

turais do nosso tempo Disponiacutevel em

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Acesso em 04-05-2014

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ro DPampA 2002

______ Da diaacutespora identidades e mediaccedilotildees culturais Belo Horizonte

UFMG 2009

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lthttpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=29259

3ampsearch=bahia|quixabeiragt Acesso em 27-09-2015

MARTIacuteN-BARBERO Jesuacutes De los medios a las mediaciones comuni-

cacioacuten cultura y hegemoniacutea Meacutexico Gustavo Gilli 1991

PAZ Octavio O arco e a lira Trad Olga Savary Rio de Janeiro Nova

Fronteira 1982

SANTOS Boaventura de Souza Para uma sociologia das ausecircncias e

uma sociologia das emergecircncias Disponiacutevel em

lthttpwwwboaventuradesousasantosptmediapdfsSociologia_das_aus

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237-280 2002

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New YorkLondon Routledge 2013

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neiro ano 11 n 12 2003 Disponiacutevel em

lthttpdocslidecombrdocumentso-que-e-performance-

schechnerhtmlgt Acesso em 15-05-2016

SPINA Segismundo Na madrugada das formas poeacuteticas Satildeo Paulo

Ateliecirc 2002

Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

94 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

ZUMTHOR Paul Introduccedilatildeo agrave poesia oral Belo Horizonte UFMG

2010

______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014

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Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95

SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

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Ciacuterculo Fluminense de Estudos Filoloacutegicos e Linguiacutesticos

94 Cadernos do CNLF vol XX nordm 06 ndash Estiliacutestica e liacutengua literaacuteria

ZUMTHOR Paul Introduccedilatildeo agrave poesia oral Belo Horizonte UFMG

2010

______ Performance recepccedilatildeo leitura Satildeo Paulo Cosac Naify 2014

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Rio de Janeiro CiFEFiL 2016 95

SUMAacuteRIO34

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Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo

Page 20: Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos · desafinar, como entrarão no ... A atuação nos en- ... O canto que no passado dessas mulheres aliviava a dureza da

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SUMAacuteRIO34

0 Apresentaccedilatildeo ndash 7

Joseacute Pereira da Silva

1 Berkeley em Bellagio da autobiografia agrave ficccedilatildeo 9

Sarita Erthal

2 Entre a escrita iacutentima e as narrativas de ficccedilatildeo do eu em Comer

Rezar Amar de Elizabeth Gilbert 20

Manuela Chagas Manhatildees

3 ldquoEu biograacuteficordquo ou ldquoeu ficcionalrdquo ndash A inconstacircncia entre o real

e a ficccedilatildeo nas redes sociais 35

Patriacutecia Peres Ferreira Nicolini Clesiane Bindaco Benevenuti e

Analice de Oliveira Martins

4 Portuguecircs do semiaacuterido construccedilotildees de toacutepico ou figuras de

sintaxe 43

Jacson Baldoiacuteno Silva Cleber Aragatildeo Arauacutejo e Lucia Maria de Je-

sus Parcer

5 Olavo Bilac e J Carlos poema e ilustraccedilatildeo agrave luz do Art Nouve-

au 64

Joatildeo Claacuteudio Martins Araujo Barros e Armando Ferreira Gens Fi-

lho

6 Na cadecircncia da voz na danccedila circular a performance do grupo

Balanccedilo da Roseira 76

Marline Arauacutejo Santos

34 Os quatro primeiros trabalhos deste nuacutemero foram publicados na primeira ediccedilatildeo realizada em agosto de 2016 Os demais foram acrescentados na segunda ediccedilatildeo