circulando entre razÃo e emoÇÃo terezinha teixeira … · circulando entre razÃo e emoÇÃo...
TRANSCRIPT
CIRCULANDO ENTRE RAZÃO E EMOÇÃO
Terezinha Teixeira Joca
Universidade de Fortaleza – UNIFOR
RESUMO
As experiências vividas em pesquisa de mestrado de Joca (2005), por meio de um
acompanhamento intensivo nos contextos de dois colaboradores, inspirou-nos a propor
esse artigo, através da relação que fizemos da constituição desses sujeitos e o contexto
educacional. Realizamos um estudo fundamentados nos pressupostos e técnicas da
Etnografia Centrada na Pessoa de Harry Wolcott (1999), durante doze meses de contato
próximo com Drei e Dalila, que foram tidos como maus alunos, ao mesmo tempo que
percebemos um alto potencial intelectual, uma forte sensibilidade estética e formas
próprias de aprender, que se relacionavam a emoção e afetividade. Tínhamos como
objetivo compreender a relação entre as experiências no contexto escolar e a
constituição do sujeito aprendente-dissidente. E nesse artigo expomos sobre a escola e a
sua ênfase na razão em detrimento da emoção, para finalizarmos com a proposta da
Escola do Sujeito de Cavalcante Junior.
Palavras-chave: Escola do Sujeito. Formação. Múltipla Expressão.
1
CIRCULANDO ENTRE RAZÃO E EMOÇÃO
Terezinha Teixeira Joca
Universidade de Fortaleza – UNIFOR
INTRODUÇÃO
As escolas, via de regra, se alternam entre posições rigorosamente
extremadas; naquelas ditas como padrões, que enfatizam a relação do aprender-ensinar
no cumprimento de estratégias e intervenções afinadas à razão, caracterizada por um
julgamento objetivo e racional em relação à vida. Na outra ponta, surgem aquelas que
disputam lugares nos ambientes ditos alternativos, fundamentalmente alicerçados no
afeto, na emoção, onde valores pessoais e particularidades situacionais se encontram
com a disposição pedagógica para serem levadas em conta. Devemos salientar que a
tendência dessas escolas afetivas é ficarem restritas a educação infantil.
Variando entre razão ou emoção, e, portanto, deslocando-se,
exclusivamente, no horizonte excludente da hipertermia da razão com natural
hipotermia dos afetos, ou vice-versa, a escola permanece unilateral, ou seja, adota uma
postura de valorização autoritária para uma tipologia humana julgada ideal,
abandonando as necessidades múltiplas de outras funções igualmente humanas,
presentes e necessárias para o bom equilíbrio da psique.
RAZÃO E EMOÇÃO NA ESCOLA
Na simplificação mercadológica por um aspecto cromático desse arco-íris
que constitui o ser humano integral, a escola, na hipótese menos traumática, exige do
aprendente comportamentos que ensejam inadequações espontâneas, quando não, ainda
mais drasticamente, solapa aptidões e potencialidades constituintes do self do estudante.
Contrariamente a essa postura, entendemos que num projeto autêntico de
escola, verdadeiramente comprometido com a educação do sujeito, as diversas formas
de expressão deveriam inspirar as várias modalidades de trocas que ocorrem na
comunidade escolar, com vistas a favorecer novas disposições nos modos particulares
de ser e perceber o mundo.
Dessa maneira, vislumbramos como imprescindível o fato de que as
necessidades singulares de cada aprendente sejam atendidas, e, concomitantemente,
outras possibilidades de subjetivação lhes possam ser apresentadas, mediante novas
2
vivências para colocar-se no mundo e nas relações que o entornam, consigo mesmo,
cada-outro e no amplo campo das relações sociais e culturais.
Assim, teríamos duas formas de movimentos sendo que, no primeiro, o
aprendente reconhecer-se-ia profundamente incluído na política pedagógica de sua
comunidade escolar, pelo reconhecimento de seus talentos, enquanto, paralelamente,
estaria participando de um movimento outro, de natureza mais ampla, que resgataria
fragmentos de si, através de suas (re)significações e novas possibilidades de lidar com
sua cultura, a partir das características que o outro traz consigo.
Seja, portanto, em busca de si, para dentro, desenvolvendo seus talentos
pessoais, ou para fora, em reconhecimento ao outro, nutrindo-se com as aptidões que
marcam o self do outro, estar-se-á respeitando e promovendo a diversidade que,
verdadeiramente, caracteriza iguais e diferentes na Escola do Sujeito (Cavalcante
Junior, 2001, 2003).
No discurso prosaico da “formação para a vida”, comercializado por suas
agências publicitárias, o cotidiano escolar, na verdade, orientado pela ideologia
capitalista-produtivista, concentra-se no repasse, ainda bancário, de informações, com o
objetivo de reproduzi-lo no mercado de trabalho.
Nesse circuito de competição e interesses financeiros, que, infelizmente,
estabeleceu a discussão educacional, o aluno que não se sobressai nos quadros formais
da escola, por ter sido rotulado de mau aluno, poderia, muitas vezes, ser um excelente
aprendiz em outras dimensões e conteúdos de aprendizado, um caçador de
conhecimentos que buscaria por diversos meios adquirir outras ferramentas de
aprendizagem, porém, encontra-se impossibilitado em sua fome de saber, suprimido em
suas habilidades pelo que é ditado pela escola.
Antecipando-se à crise de sentidos autênticos que a educação experiencia,
Jung (1999, p.60), já nos anos 1940, alertava para o fato de que, “de acordo com a
verdadeira finalidade da escola, o mais importante não é abarrotar de conhecimentos a
cabeça das crianças, mas sim contribuir para que elas possam tornar-se adultos de
verdade”.
Morin (2002, p. 21) corrobora com essa idéia, quando sugere o que seria
uma cabeça bem cheia e não bem-feita: “O significado de ‘uma cabeça bem cheia’ é
óbvio: é uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um
principio de seleção e organização que lhe dê sentido”.
3
A formação do Ser, que em muito supera o formalismo cognitivo de nossos
tempos atuais, não pode ser alcançada se considerarmos, apenas, métodos, recursos e
estratégias utilizadas no contexto educacional. A finalidade da educação percorre as
descobertas proporcionadas pelo cognitivo, mas finda nas realizações complexas e
integradas do self, num arco-íris dinâmico, e jamais excludente, onde afeto e razão estão
mesclados indissociavelmente.
Nas palavras de Moreira (1989, p.55), “Cada criança tem uma forma própria
de ser e de aprender, venha ela de classe social privilegiada ou não. O professor precisa
saber disso e descobrir através de que forma seus alunos aprendem melhor”. Deve haver
esse respeito o intercâmbio de experiências múltiplas, em vista do enriquecimento
daqueles que têm fome de saber. Estarão, assim, colaborando na formação acadêmica
do estudante, bem como favorecendo a aquisição do conhecimento de si mesmo e de
suas potencialidades, a fim de ampliar os vários modos possíveis de atuação no mundo.
É bem verdade que se espera do ensinante o papel de ensinar e repassar os
conteúdos formais, enquanto que ao aprendente cabe adquirir os conhecimentos e seguir
na progressão de etapas escolares. Sabemos, todavia, que ensino estritamente baseado
em notas e promoções provoca competição desmedida, numa busca de status e
afirmação na pontuação oficial, resultados, portanto, que impossibilitam uma disposição
afetiva, tão necessária, entre colegas e professores. Trata-se, ainda, de um ensino
efêmero, não apropriado pelos sentidos do estudante, restando-lhe, quando necessário, a
alternativa da memorização. Como assinala Byington (2003): “[...] esse sistema de
ensino pode afastar alunos criativos e executivos, que se tornam maus alunos por não se
adaptarem a ele” (p.88).
Curiosamente, as escolas permitem uma presença breve de emoção, de afeto
durante o curto estádio da Educação Infantil, estendido logo nas primeiras séries do
Ensino Fundamental. Com o passar do tempo, porém, elege-se a polaridade da razão
tornando-se evidente a mea-impossibilidade para expressar, livremente, a emoção e o
afeto, fortemente presentes em certos aprendentes.
Quando as escolas focam a educação, apenas, na razão olvidam o que Morin
(2007, p.20) ressalta,
Há estreita relação entre inteligência e afetividade: a faculdade
de raciocinar pode ser diminuída, ou mesmo destruída, pelo
déficit de emoção; o enfraquecimento da capacidade de reagir
emocionalmente pode mesmo estar na raiz de comportamentos
irracionais.
4
A busca por um lugar interior, o resgate de uma possibilidade feliz de
colocar-se no ambiente escolar, à maneira como foi vivido nos primeiros anos escolares,
depara-se com as firmes exigências da razão, carregadas por normas, compromissos e
responsabilidades apressados, numa alquimia contraproducente que se esgota com
reações imaturas e impulsivas. As escolas esquecem que, em todos os níveis, “onde não
há amor, só há problemas de carreira e de dinheiro para o professor; e de tédio, para os
alunos” ( MORIN, 2002, p. 102).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para que as escolas possam negociar com a diversidade dos estudantes,
evitando pontos de estagnação e conflitos, é necessária uma proposta educacional que
visualize, reunidos, caminhos e talentos individuais no papel de uma escola empenhada
no crescimento dos seus aprendentes enquanto sujeitos. “À educação cabe fornecer, de
algum modo, os mapas de um mundo complexo e constantemente agitado e, ao mesmo
tempo, a bússola que permita navegar através dele” (DELORS et alii, 2004, p.89).
Pensando e respeitando as várias formas de ler o mundo e em busca de uma
metodologia que possibilite a expressão da multidimensionalidade humana, educadores
e idealistas da educação, na coletânea organizada por Cavalcante Jr. (2005),
demonstram, em seus trabalhos, que essa multidimensionalidade e a multiplicidade de
talentos pode ser alcançada pelo Método (Con)texto de Letramentos Múltiplos,
narrando, em textos verdadeiramente sentidos, estilos genuínos para alçarem vôos além
da academia conteudista. Nas palavras de Ana Iório (in CAVALCANTE, 2005, p.05),
no prefácio da referida obra:
[...] os trabalhos lidos revelam a sensibilidade e a seriedade no trato com as
questões intra e intersubjetivas do Método, configurando-lhe uma nova cor,
um novo tom, desencadeando novos sonhos e ações reais para os sujeitos –
afinal, nós até podemos sonhar, criar, arquitetar os mais belos projetos, mas
se não existirem as pessoas, de nada valerá o esforço!
Esses autores revelam-se nas suas propostas de forma múltipla e estética,
imersos em suas características pessoais, suas potencialidades, talentos – crítico,
poético, romancista, intimista, autobiográfico, didático, reflexivo, acadêmico – para
(re)descobrirem-se capazes de trilhar um caminho de trans-form-ação, voando, juntos
com o Método, para além das formas e fôrmas da academia; estas que interferem na
construção possível de uma escola solidária e inclusiva das múltiplas aptidões humanas.
5
Como assinala Morin (2002, p.22), a educação deve estimular o pleno
emprego da inteligência geral e esse “exige o livre exercício da faculdade mais comum
e ativa na infância e na adolescência, a curiosidade que, muito frequentemente, é
aniquilada pela instrução”.
Finalizando e não concluindo, a partir dessas reflexões, podemos afirmar que
as escolas singulares tentam nos trancar, para sempre, próximos ao que não tem vida
nem cor, alicerçam barreiras que nos limitam em nosso crescimento educacional,
entretanto, acreditamos ser possível fazer uso de metodologias que possibilitem as
várias facetas humanas e que potencializem os talentos e reacenda a criatividade e
criticidade de cada aprendente. Contudo há, em nós, um sentimento vívido de que é,
cada vez mais, necessária uma escola suficientemente plural, que reconheçamos como
uma Escola do Sujeito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BYINGTON, C.A. A construção amorosa do saber: o fundamento e a finalidade da
pedagogia simbólica Junguiana. São Paulo: Religare, 2003.
CAVALCANTE JR., F. Por uma escola do sujeito: o método (con)texto de
letramentos múltiplos. Fortaleza, CE: Edições Demócrito Rocha, 2001.
________. Por uma escola do sujeito: o método (con)texto de letramentos múltiplos.
2. ed. revista e ampliada. Fortaleza, CE: Edições Demócrito Rocha, 2003.
CAVALCANTE JR., F. (Org.). Ler... caminhos de trans-form-ação. Fortaleza – CE:
Edições Demócrito Rocha, 2005.
DELORS, J et al. Educação: um teouro a descobrir. 9.ed. São Paulo: Corte; Brasília,
DF: MEC: UNESCO, 2004.
JOCA, T. T. Luz e sombra em dissidência. Dissertação de mestrado apresentada ao
programa de mestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza, 2005.
JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. Tradução Frei Valdemar do
Amaral. 7. ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1999.
MOREIRA, S. G. Da clínica à sala de aula: uma investigação antropológica. São
Paulo: Edições Loyola, 1989.
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento.
Tradução Eloá Jacobina. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
6
_________. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução Catarina
Eleonora da Silva e Jeanne Sawaya. 12. ed. São Paulo: Cortez, Brasília, DF: UNESCO,
2007.
WOLCOTT, H. Ethnography: a way of seeing. Walnut Creek, CH: AltaMira Press,
1999.
CIRCULANDO ENTRE RAZÃO E EMOÇÃO
Terezinha Teixeira Joca (UNIFOR)Francisco S. Cavalcante Junior (UFC)
______________________________________
.
Objetivo: Compreender a relação entre as
experiências no contexto escolar e a constituição
do sujeito aprendente-dissidente.
Metodologia: O estudo foi fundamentados nos
pressupostos e técnicas da Etnografia Centrada na
Pessoa de Wolcott (1999), durante doze meses de
contato próximo com Drei e Dalila, que foram tidos
como maus alunos, embora apresentassem alto
potencial intelectual, forte sensibilidade estética e
formas próprias de aprender, que se relacionavam
a emoção e afetividade.
Considerações finais: A partir deste estudo,
percebemos que as escolas singulares trancam o
aprendente próximo ao que não tem vida nem cor e
alicerçam barreiras que limitam seu crescimento
educacional, entretanto, o cenário exposto revelou
que é possível fazer uso de metodologias que
possibilitem as várias facetas humanas e que
potencializem os talentos e reacenda a
criatividade e criticidade de cada aprendente. E
que uma dessas propostas pode ser a Escola do
Sujeito, indicada por Cavalcante Jr.
Referências: CAVALCANTE JR., F. Por uma escola do sujeito: o método (con)texto de letramentos
múltiplos. Fortaleza, CE: Edições Demócrito Rocha, 2001.
DELORS, J et al. Educação: um teouro a descobrir. 9.ed. São Paulo: Corte; Brasília, DF: MEC:
UNESCO, 2004.
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução Eloá Jacobina.
6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
_________. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução Catarina Eleonora da Silva e
Jeanne Sawaya. 12. ed. São Paulo: Cortez, Brasília, DF: UNESCO, 2007.
WOLCOTT, H. Ethnography: a way of seeing. Walnut Creek, CH: AltaMira Press, 1999.