circulação, medos e brincadeiras
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Os impactos da Unidade de Polícia Pacificadora nas crianças moradoras do Morro dos Macacos – Rio de Janeiro/ Brasil. (CECIP/ Fundação Bernard ven Leer, 2013)TRANSCRIPT
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Circulação, medos e brincadeiras:
Os impactos da Unidade de Polícia
Pacificadora nas crianças moradoras do
Morro dos Macacos – Rio de Janeiro/
Brasil
Pesquisadoras:
Beatriz Corsino Pérez e Mariana Koury
Com colaboração de Claudius Ceccon e
Claudia Ceccon
CECIP - Centro de Criação de Imagem
Popular
FBvL - Fundação Bernard van Leer
Rio de Janeiro, agosto de 2013
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Resumo executivo
A presente pesquisa, realizada nos meses de junho e julho de 2013, tem como
objetivo investigar as repercussões da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na vida das
crianças moradoras do Morro dos Macacos, favela localizada na zona norte da cidade do Rio de
Janeiro, Brasil. Como metodologia, foram realizadas oficinas com 35 crianças e grupos de
discussão com 15 educadoras e 25 mães.
Partimos dos dados da pesquisa feita pelo CECIP - Centro de Criação de Imagem
Popular, no final de 2010, sobre os impactos das políticas públicas de segurança e outras
iniciativas comunitárias sobre a criança pequena, em três comunidades urbanas de baixa renda:
Morro dos Macacos e Santa Marta, no Rio de Janeiro, e Calabar, em Salvador. Naquele
momento, o Morro dos Macacos acabava de ser ocupado pelo Batalhão de Operações Especiais
(Bope) para instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora. A pesquisa mostrou haver, por
parte dos moradores, muitas incertezas e expectativas em relação ao futuro, assim como apontou
que as crianças desta favela demonstravam ser muito afetadas pela rotina de violência. Três anos
depois, voltamos para o Morro dos Macacos para procurar entender se, com a instalação da UPP,
houve alguma mudança significativa na vida das crianças e da favela como um todo.
Os resultados da atual pesquisa mostram que a instalação da UPP teve impactos positivos
em relação à maior liberdade de circulação das crianças (o que também afeta os adultos), e
provocou mudanças em suas brincadeiras e temores, que deixaram de estar vinculados à
violência urbana. A diminuição do confronto armado entre bandidos, policiais e entre traficantes
rivais afetou as relações e o imaginário das crianças. Permanecem, porém, muitas demandas dos
moradores, principalmente por obras de saneamento básico, serviço regular de coleta de lixo e
providências quanto ao aumento do número de roubos na comunidade. Apesar de a Unidade de
Polícia Pacificadora ter trazido expectativas aos moradores, baseadas em promessas por parte do
poder público, muitos problemas não foram solucionados e continuam sendo um empecilho para
a garantia dos direitos e da qualidade de vida da população do Morro dos Macacos.
Palavras -chave: Violência, Segurança, Criança, Favela
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1. Introdução
No final do ano de 2010, o CECIP — Centro de Criação de Imagem Popular, em parceria
com a Unirio — Universidade do Rio de Janeiro, e apoiado pela Fundação Bernard van Leer,
realizou uma pesquisa sobre o impacto das políticas públicas de segurança e de iniciativas
comunitárias na vida de crianças pequenas, moradoras de duas favelas no Rio de Janeiro, Morro
dos Macacos e Santa Marta, e uma favela na capital da Bahia, Calabar. Como metodologia,
foram aplicados questionários em responsáveis pelas crianças; realizados grupos focais com
responsáveis, educadores e jovens; e feitas entrevistas com realizadores de projetos sociais
voltados para crianças, lideranças comunitárias, comerciantes e agentes de saúde. Também foram
realizadas oficinas com crianças pequenas, para conhecer o que lhes despertava medo e
insegurança. Um total de 319 pessoas, moradoras das três favelas, participou da investigação.
Naquele momento, fazia dois anos que havia sido implantada, na favela Santa Marta, a
Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), uma nova política de segurança pública com o objetivo
de mudar a forma de atuação da polícia. Em vez de invasões esporádicas e com alto índice de
letalidade, essa intervenção buscava retomar territórios ocupados por traficantes fortemente
armados e estabelecer uma atuação permanente da polícia nas favelas. Com a presença da UPP,
havia a expectativa de que novos programas e serviços públicos e privados pudessem ser
oferecidos para os habitantes do morro Santa Marta e de outras comunidades que já tinham
recebido essa nova política de segurança.
A estratégia de retomada do território pela polícia era composta basicamente de três
etapas: no primeiro momento, policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE)
anunciavam a invasão da favela, entravam, por vezes encontrando resistência, e a ocupavam. O
BOPE se estabelecia na comunidade, revistando casas e moradores considerados suspeitos de
envolvimento com o narcotráfico, para apreender armas e drogas e prender traficantes. Numa
segunda etapa, o controle da favela passava para a Unidade de Polícia Pacificadora, formada por
policiais militares que permaneceriam indefinidamente no local. No terceiro momento,
iniciavam-se os trabalhos da UPP Social.
Criado em 2010, o projeto da UPP Social era a princípio coordenado pela Secretaria de
Estado de Assistência Social e Direitos Humanos. No início de 2011, o programa tornou-se uma
atribuição da Prefeitura, com sua gestão transferida para o Instituto Pereira Passos (IPP). A UPP
Social tinha como objetivos melhorar a qualidade de vida dos moradores das favelas onde já
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havia UPP e criar uma articulação entre as demandas da favela e as possibilidades de ação do
governo, da sociedade civil e do setor privado. A inauguração da UPP Social se dava em um
fórum comunitário com a presença do poder público e de moradores. A ação continuava através
de reuniões e encontros com os habitantes e lideranças locais.
Em outubro de 2010, o Morro dos Macacos acabava de ser ocupado pelo BOPE, com o
intuito de preparar a favela para receber uma Unidade de Polícia Pacificadora. Quando
realizamos a pesquisa, estava um clima tenso e de insegurança em relação ao que poderia
acontecer no local. Durante a aplicação dos questionários e a realização das entrevistas, algumas
pessoas preferiram não falar sobre o tema da violência. Uma criança nos disse que antes da
entrada do BOPE sentia medo da polícia, mas que a partir daquele momento não teria mais.
Percebemos que havia a expectativa de ver uma polícia diferente atuando no Morro dos
Macacos, que pudesse apoiar e dar segurança aos moradores.
Presenciamos uma reunião do BOPE com os moradores para apresentar a equipe e
explicar como se daria sua ação na favela. Embora a reunião estivesse cheia, algumas pessoas
preferiram não comparecer, pois o gesto poderia ser interpretado como um apoio à polícia.
Temiam que os “olheiros do tráfico” contassem para os traficantes quem estava presente na
reunião. Uma moradora narrou como foi recebida a notícia de que a UPP chegaria ao Morro dos
Macacos: “No Dia das Crianças, os bandidos fizeram uma festa de adeus para a comunidade, de
despedida. A gente já esperava UPP, vimos na TV que iam entrar. Na quarta-feira, todos os
bandidos estavam reunidos para saber o que iam fazer”. Os traficantes deixaram a favela na
véspera da entrada policial e muitos de seus familiares, com medo, também preferiram sair.
Como ainda era muito recente a presença da polícia na comunidade, a pesquisa colheu as
expectativas e os receios dos moradores do Morro dos Macacos em relação à UPP.
O terceiro local onde realizamos a pesquisa, o Calabar, era um contraponto a essa
nova política de segurança pública. A favela convivia com tiroteios entre a polícia e traficantes
armados.
Os resultados da pesquisa (CECIP, 2010) mostram que a instalação da UPP
proporcionou um impacto positivo sobre as crianças pequenas da favela Santa Marta, que
passaram a poder circular livremente. Diferentemente das crianças moradoras do Morro dos
Macacos, elas não se assustavam mais ao ver policiais ou ao ouvir barulho de helicópteros
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passando pelo morro1. Contudo, a relação que os policiais da UPP estabeleciam com os
moradores da favela gerava grande insatisfação. Os moradores se queixavam da falta de preparo
dos policiais para trabalhar em comunidades, dialogar e mediar conflitos. Outro ponto
problemático era a atribuição de diversas funções à polícia, sem relação com segurança pública.
Essa instituição passou a deter muito poder na favela, estabelecendo muitas vezes uma relação
autoritária com os moradores. Isso significava que as favelas com UPP continuavam vivendo sob
condições de exceção, que não se aplicavam ao resto da cidade.
Outro desafio da UPP era o surgimento de um novo sentimento de insegurança na favela
Santa Marta. Isso acontecia porque, durante o controle da comunidade pelo tráfico de drogas, os
moradores viviam sob determinadas regras de comportamento que, quando transgredidas, eram
imediatamente punidas de forma muito rigorosa e violenta. Com a chegada das leis do Estado, a
percepção dos moradores era de que as punições acabaram ou ficaram mais brandas, levando ao
aumento do número de delitos e brigas.
A pesquisa revelou também que, uma vez reduzidos os tiroteios, aspectos referentes à
urbanização e questões ambientais se tornaram as maiores preocupações dos moradores, com
destaque para o lixo e a falta de saneamento básico. Um resultado significativo foi a percepção
de que, para combater a violência, mais do que o aumento do policiamento era preciso oferecer
projetos sociais às crianças e aos adolescentes, no horário do contraturno escolar; para os jovens,
formação profissional em carreiras com perspectiva de ascensão social; e também creches
públicas de qualidade. Além disso, os moradores sentiam falta de espaços ao ar livre adequados
para as crianças brincarem; seus espaços se restringiam aos becos e à laje.
Outra preocupação era que a presença da polícia e a chegada efetiva de serviços
legalizados (água, luz, coleta de lixo, TV a cabo) gerassem uma valorização dos imóveis e o
aumento do custo de vida na favela. O morro Santa Marta poderia passar por um processo de
“remoção branca” ou gentrificação – termo atribuído ao processo em que populações
tradicionalmente radicadas numa área “revitalizada” não conseguem se manter nela por razões
econômicas. Essa questão perturbava bastante os moradores, uma vez que eles gostavam do local
onde viviam e afirmavam só pretender sair de lá em casos extremos, seja por causa de
desabamento das casas ou de violência.
1 Os policiais faziam incursões nas favelas usando helicópteros para identificar onde estavam os traficantes e, muitas
vezes, atiravam do alto em direção à favela, na tentativa de acertá-los. Essa situação gerava um clima de tensão e medo para todos os
moradores, afetando também as crianças.
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Em 2011, o CECIP realizou a pesquisa “As políticas públicas de segurança e de
urbanização das favelas do Rio de Janeiro e atenção dada às crianças pequenas”, em parceria
com a Fundação Osvaldo Cruz e apoiada pela Fundação Bernard van Leer. A pesquisa contou
com uma metodologia qualitativa através da análise de notícias de jornal e da realização de
entrevistas semiestruturadas com representantes e pessoas envolvidas nos programas: Unidade
de Polícia Pacificadora; UPP Social; programa de urbanização da prefeitura, Morar Carioca;
Secretaria de Educação; além de observações participantes em reuniões e fóruns comunitários da
UPP Social.
Essa pesquisa (CECIP, 2011) constatou que as UPPs buscavam se aproximar dos
moradores através da relação que os policiais estabeleciam com as crianças. Ofereciam cursos
para crianças em diversas favelas, como lutas marciais, música, informática e língua estrangeira.
Alguns policiais visitavam regularmente as escolas, dando aulas em um programa de prevenção
ao uso de drogas e à violência (PROERD) que recebia o apoio da prefeitura. Além disso,
promoviam passeios e atividades culturais para crianças. Já a UPP Social não realizava ações
diretas para esse público. Tinha um papel de articulação entre as várias secretarias municipais e
seus programas sociais já existentes. A UPP Social também orientava ONGs e iniciativas
privadas que gostariam de desenvolver ações nas favelas com UPP, inclusive projetos que
tinham as crianças como público-alvo, prestando informações específicas sobre esses locais. O
programa de urbanização da prefeitura Morar Carioca não possuía nenhuma ação de inclusão da
participação infantil no planejamento das obras ou de criação de espaços de lazer voltados para
elas.
Em junho de 2013, resolvemos retornar ao Morro dos Macacos com o objetivo de
atualizar os dados da pesquisa referente aos impactos das políticas públicas de segurança e de
urbanização voltadas às crianças pequenas. Para isso, realizamos atividades com 35 crianças de 3
a 10 anos e fizemos discussões sobre os resultados da pesquisa de 2010 com 20 educadoras e 35
mães. Decidimos retornar ao Morro dos Macacos porque era uma favela cuja imagem estava
fortemente relacionada ao tráfico de drogas. Ela ganhou destaque na mídia quando, no dia 17 de
outubro de 2009, um helicóptero da Polícia Militar, que fazia operação na favela, explodiu após
ser atingindo por tiros de traficantes — dois policiais que estavam na aeronave morreram. No
ano seguinte, no dia 14 de outubro de 2010, ocorreu a ocupação da polícia no Morro dos
Macacos e foi instalada a 13ª Unidade de Polícia Pacificadora da cidade.
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Buscamos compreender como estava a situação das crianças, no que se refere à segurança
e suas repercussões na vida dos moradores, quase três anos depois da entrada da UPP nessa
favela.
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2. Metodologia
Na presente pesquisa utilizamos uma metodologia qualitativa para compreender a opinião
de adultos e crianças sobre as mudanças ocorridas no Morro dos Macacos, após três anos da
presença da UPP. Realizamos uma parceria com uma instituição local, que já tinha participado
da pesquisa em 2010: o CEACA-Vila (Centro Educacional da Criança e do Adolescente Lídia
dos Santos – Vila Isabel), que administra a creche comunitária Patinho Feliz e o Centro Cultural
da Criança (CCCria), no Morro dos Macacos.
Com os adultos, foram feitos três grupos de discussão. O primeiro era formado por
educadoras da creche, reunindo 15 profissionais. Os outros dois grupos (com 15 e 20
participantes) eram compostos por mães, e apenas um pai, de crianças da creche ou que
frequentavam o CCCria, divididos de forma aleatória. O convite para participar da pesquisa foi
feito aos responsáveis, mas a presença foi quase apenas de mulheres: muitas delas não
trabalhavam para se dedicar aos filhos ou estavam desempregadas; outras pediram para sair mais
cedo do trabalho para comparecer ao encontro.
O primeiro momento do grupo de discussão com os adultos foi de apresentação e
descontração: espalhamos pelas mesas algumas fotos de brincadeiras antigas feitas na rua e
pedimos para as participantes escolherem aquela com a qual mais se identificavam. Além de
explicar o porquê da escolha da foto, cada uma devia se apresentar dizendo nome e se era
moradora do Morro dos Macacos (no caso das educadoras) e o parentesco com a criança (no
caso dos responsáveis). Depois desse momento inicial, colocamos algumas questões às
participantes sobre as brincadeiras e a circulação das crianças na favela; o sentimento de
insegurança e a violência; a relação da polícia com a comunidade; o custo de vida e os
investimentos realizados no local; as críticas e sugestões de melhorias para o Morro dos
Macacos. As perguntas feitas aos grupos se inspiravam nas informações obtidas da pesquisa de
2010. Algumas possuíam trechos de falas dos moradores para provocarem uma discussão sobre a
situação anterior e o momento atual. Por exemplo: “Na pesquisa, uma moradora disse 'a
comunidade é vista por quem mora fora como um lugar perigoso, o que se justifica porque a
imprensa só noticia as tragédias, e não os projetos sociais'. Vocês acham que a imagem do
Morro dos Macacos mudou?”. Buscamos, dessa maneira, dar um retorno dos resultados
encontrados na primeira pesquisa e instigar a reflexão entre os participantes sobre a situação
atual da favela e das crianças pequenas.
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Tabela 1, Grupo de discussão com adultos
Grupos de adultos Participantes Atividades
Grupo 1 15 educadoras da Creche
Patinho Feliz
Apresentação;
Dinâmica das brincadeiras de ontem e hoje;
Discussão dos resultados da pesquisa de 2010
e sobre a situação das crianças e da
comunidade após a entrada da UPP.
Grupo 2 20 mães do CCCria e da
Creche
Grupo 3 14 mães e um pai do CCCria
e da Creche
Com as crianças também realizamos três grupos: dois com crianças da creche (entre
3 e 4 anos de idade) e o terceiro com crianças que frequentam o Centro Cultural da Criança (de 5
a 10 anos).
Com o primeiro grupo da creche, após a confecção de crachás com os nomes das
crianças como uma forma de apresentação, optamos por explorar a questão do medo. Realizamos
a leitura do livro “Vai embora grande monstro verde” (Emberley, 2009). Depois as crianças
pediram que continuássemos contando histórias, e escolhemos ler o livro “Os pesadelos de Liza”
(Gutman, 2010), para dialogar sobre o tema. Ao final, conversamos com as crianças explorando
as seguintes questões: “O que vocês mandariam embora?”, “Do que vocês não gostam?”, “Do
que vocês têm medo?”, “Vocês já tiveram pesadelos?” e pedimos para que elas desenhassem
numa folha de papel.
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Leitura para as crianças
Com o segundo grupo de crianças pequenas, repetimos a mesma proposta de trabalho, mas
em vez da produção do desenho as crianças usaram massa de modelar para expressar os seus
medos. Como tivemos mais tempo, pudemos trabalhar também a questão do ambiente da favela:
o que as elas veem no caminho entre suas casas e a creche, com quem elas encontram, quais as
dificuldades que passam, quais os problemas e as coisas legais que vivenciam. Em uma folha de
papel pardo desenhamos a creche e as casas em extremidades opostas, fazendo um caminho entre
esses dois lugares. A proposta era que as crianças desenhassem em cima desse caminho as coisas
que encontram no percurso casa–creche–casa.
Assim como nos grupos anteriores, com as crianças mais velhas, de 5 a 10 anos, iniciamos
a oficina com a confecção dos crachás. Para explorar a questão do medo, lemos a história da
“Chapeuzinho Amarelo” (Buarque, 2003). Durante a leitura, perguntamos para as crianças: “O
que vocês têm medo de fazer?”, “O que vocês tinham medo de fazer e do que tinham medo de
brincar quando eram bem pequenininhos?”, “Do que vocês brincam hoje?”. Abordamos também
a questão do ambiente da favela, propondo o desenho do que as crianças viam e encontravam no
percurso casa–Centro Cultural–casa.
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Crianças desenhando o caminho casa–Centro Cultural–casa
Tabela 2, Oficinas com as crianças
Grupos de
crianças
Participante
s
Idades Atividades realizadas nas oficinas
Grupo 1 10 crianças 3 e 4 anos - Confecção do crachá;
- Leitura de histórias sobre medo;
- Desenhos.
Grupo 2 10 crianças 3 e 4 anos - Confecção do crachá;
- Leitura de histórias sobre medo;
- Massinha;
- Conversa e desenho do caminho casa–creche–casa.
Grupo 3 15 crianças 5 a 10
anos
- Confecção do crachá;
- Leitura de história sobre medo;
- Conversa e desenho do caminho casa–Centro Cultural–casa;
- Observação e conversa com as crianças.
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3. Violências e inseguranças na comunidade
A primeira instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora aconteceu em 2008, no
Morro Santa Marta. A proposta era mudar a lógica de confronto que a Polícia Militar do Rio de
Janeiro estabelecia com os traficantes que ocupavam as favelas do estado, e das invasões
esporádicas, com o uso de armamentos pesados e outros equipamentos de apoio, como
helicóptero e o “caveirão2”. Apesar de o Rio de Janeiro já contar com 33 UPPs, promovendo
uma ocupação policial permanente nas comunidades e a diminuição dos confrontos armados
(CECIP, 2010), esse número não dá conta das mais de mil favelas3 que existem no Grande Rio.
Muitas ainda sofrem com incursões com alta letalidade entre policiais, traficantes e moradores,
que criam situações de violência extrema afetando diversas regiões da cidade.
Antes da instalação da UPP, em outubro de 2010, o Morro dos Macacos vivia uma
situação difícil, porque os traficantes que atuavam ali eram de uma facção rival à que dominava
os outros morros da região, o que gerava intensas disputas pelo controle do território e da venda
de drogas. A relação dos policiais da UPP com os moradores dessa favela é complexa, permeada
por diferentes conflitos e tensões. Após anos convivendo com uma polícia violenta e que muitas
vezes desrespeitava direitos individuais e sociais, os moradores ainda têm na memória a
truculência policial e sentem dificuldade de estabelecer uma aproximação. Na pesquisa anterior,
a desconfiança em relação à polícia foi apontada por uma educadora:
O caveirão entra, arromba, mexe em tudo. Eles bateram muito no rapaz, um trabalhador.
Já vi o caveirão pegando cerveja, roupa de marca e batendo. Nessa hora por que
ninguém fotografa? Ninguém tem coragem. As crianças veem. Se a polícia vem para a
paz, por que age desse jeito? Eu com dois filhos homens como vou confiar? Eles mexem
com as meninas. (CECIP, 2010)
Apesar disso, houve uma tentativa de aproximação da polícia com os moradores,
através das crianças. A pesquisa de 2010 identificou uma estratégia da coordenação geral das
UPPs de criar mecanismos para conquistar esse público, com aulas de música e lutas, festas no
Dia das Crianças, distribuição de balas, idas a jogos de futebol, entre outras. Ao conquistarem a
2 “Caveirão” é o nome popular do carro blindado usado pelo Batalhão de Operações Eespeciais (BOPE) da Polícia
Militar em incursões nas favelas da capital e de outras cidades do estado. 3 http://oglobo.globo.com/infograficos/upps-favelas-rio/
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confiança das crianças, eles pretendiam se aproximar também dos adultos. Uma educadora do
Morro dos Macacos expressou bem essa relação:
As crianças estão achando muito legal. As crianças na creche falam “Eu vi o policial, ele
apertou a minha mão”. E na escola também, “Eu conversei com o cara do BOPE”. As
crianças estão animadas com essas figuras que usam uniforme, que têm armas, já estão
acostumados, mas estão vendo uma outra forma de aproximação da polícia. A polícia
entrava dando tiro, atacando, e hoje estão ocupando espaço, mas nem tiro teve nessa
ocupação.(CECIP, 2010)
Três anos depois, os moradores e a UPP não têm uma relação próxima. Na pesquisa
realizada em 2013, as mães e as educadoras disseram que no início da implantação da UPP os
policiais tentaram agradar as crianças, mas essa estratégia não durou muito tempo. Apesar de
seguir o padrão da ocupação de outras favelas — como a proibição de bailes funk e o
estabelecimento de novas regras de convívio social —, a UPP local tem contornos bem
específicos. A polícia não tenta estabelecer uma relação com os moradores através do
oferecimento de cursos e festas, como acontece em algumas favelas, e eles também não se abrem
para uma aproximação. Ao ser perguntada se a UPP promovia festas para a comunidade, uma
educadora comentou: “Também, se fizerem, ninguém vai”. Outra educadora, que mora em uma
favela com UPP na região da grande Tijuca, disse que onde ela mora os policias fazem muitos
eventos e os moradores costumam frequentar: “Na minha comunidade a polícia é mais próxima”.
Percebemos que, apesar do programa de segurança pública possuir os mesmos fundamentos, na
prática as UPPs assumem configurações distintas, variando de acordo com as características
locais.
Nas oficinas realizadas com as crianças em 2013, tanto as pequenas quanto as mais
velhas, ao serem perguntadas e estimuladas a desenhar sobre seus medos, referiram-se a bichos
que são comuns, como aranha, lacraia, rato, barata, cobra e macaco. As menores também falaram
de medos mais fantasiosos, como monstro, lobo, fantasma, “coisa do misterioso” e também
medo do escuro. Em 2010, ao participar de uma atividade semelhante, as crianças do Morro dos
Macacos relataram ter medo de helicóptero, polícia e bandido. Na pesquisa atual, mesmo sendo
provocadas, as crianças menores não fizeram referência a esses elementos relacionados à
violência urbana. Com três meninos de cerca de 9 anos, ocorreu o seguinte diálogo enquanto eles
desenhavam:
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- O que tem de ruim aqui? — perguntamos.
- A polícia.
- Os bandidos.
- O que a polícia faz? — perguntamos.
- Ela bate em morador que faz besteira.
- Que tipo de besteira?
- Namorado que bate no outro.
- Quem vai fazer a polícia? — perguntamos.
- Eu!
- Eu vou fazer o bandido!
- Tem bandido ainda aqui? — perguntamos.
- Tem!
Essa discussão sobre quem iria desenhar o bandido e a polícia nos pareceu ocorrer de uma
forma bem natural, sem estigmas sobre policial e bandido, como acontece com crianças que não
vivem (ou viveram) de forma tão forte e violenta essa disputa de poderes. Em 2010, moradores
falaram que, antes da chegada da UPP, era comum ver crianças de 9 ou 10 anos segurando armas
que os próprios traficantes ofereciam. Embora ainda haja a presença de traficantes no morro, o
fato de não andarem armados e de não haver tiroteios trouxe mais segurança para as crianças, o
que se reflete em seus medos — que deixaram de estar relacionados diretamente aos confrontos.
A pesquisa de 2010 apontou que, com a chegada da UPP, algumas regras de convivência
na comunidade, antes estabelecidas pelo tráfico, mudaram — e isso seria a causa de novos casos
de roubos e estupros. A ameaça de punição por parte dos traficantes de certa forma dava aos
moradores uma sensação de segurança. Na pesquisa de 2013, nos grupos com as mães e com as
educadoras, apareceu a questão do aumento de roubos e da ocorrência de estupros. “O que
cessou foi o tiroteio, mas tem violência, estuprador, assaltante”, disse uma mãe. Uma
participante teve a casa roubada recentemente. Algumas culparam os usuários de crack
(“cracudos”), que agora circulam livremente na comunidade e estariam cometendo esses roubos.
Mas também foi mencionado que os “cracudos” muitas vezem levam a culpa por roubos feitos
por outros moradores. Há grande preocupação das mães em relação ao abuso sexual das crianças,
que buscam desde cedo orientá-las a se protegerem dessas situações. Contudo, não foi relatado
nenhum caso específico de abuso sexual no grupo.
Ao serem questionadas sobre como os moradores lidam com essas questões,
principalmente de roubo, todas disseram que a UPP não toma providências para tentar investigar
as ocorrências: “Não vai dar em nada”. Algumas mães foram à delegacia relatar os roubos, mas
mesmo assim não obtiveram retorno sobre as suas denúncias. Outras contaram que policiais que
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atuam na favela usam drogas, como maconha e cocaína, e elas suspeitam que tenham algum tipo
de acordo com o tráfico.
4. Circulação e brincadeiras das crianças no Morro dos Macacos
Algumas famílias do Morro dos Macacos que participaram dos grupos de discussão em
2010 disseram não deixar as crianças brincarem fora de casa e nem circularem sozinhas pelas
ruas, por medo da violência. Às vezes elas podiam ficar na laje, mas mesmo assim era
considerado um lugar perigoso. Para as educadoras que participaram da pesquisa, algumas
crianças que circulavam pelo morro sozinhas tornavam-se menos sensíveis ao uso de armas e
chegavam a rir daquelas que ficavam apavoradas durante os tiroteios. Elas também contaram que
adolescentes corriam para ver o que estava acontecendo quando ouviam tiros, achando a situação
emocionante: era “como se houvesse uma adrenalina, como estar num filme de ação”.
Uma mãe contou que, quando era pequena, brincava e caminhava livremente no Morro
dos Macacos, mas que agora não deixava o filho de 5 anos sair de casa. Ela lamentava que o
filho não possuísse amigos na comunidade. Outra participante também lembrou que, na sua
infância, podia brincar tranquilamente no campinho. Quando sua filha pediu para brincar de
velocípede ali, ela ficou tensa, olhando para todos os lados, na apreensão de que alguma coisa
ruim pudesse acontecer a qualquer instante. Sentiu-se triste porque era “um lugar maravilhoso,
mas não se pode brincar”. Este movimento de proteção dos filhos era considerado absolutamente
necessário, dadas as condições precárias de segurança. No entanto, trazia um prejuízo
incalculável para as crianças, como bem lembrou uma mãe: “Acaba que a criança não vivencia
aquela brincadeira de taco, de pique-pega, que a gente tinha quando a gente era pequeno”.
Embora todos os participantes dos grupos de discussão na época concordassem que sempre
houve tráfico no morro, diziam que antigamente não havia tanta arma, e que havia mais respeito
aos membros da comunidade, especialmente às crianças. Os homens do tráfico até escondiam as
armas da vista das crianças — situação bem diferente do cenário anterior à chegada da UPP.
Em 2010, as crianças conviviam com “as armas o tempo todo, as brigas o tempo todo,
usuários de drogas o tempo todo, e aquilo influencia muito”, segundo uma mãe. Ela relatou que,
antes da entrada do BOPE, “as crianças estavam brincando de arma, de ser bandido. Elas faziam
réplicas de fuzil de madeira e cobriam de fita isolante, para ficar preto. Pegavam farinha de trigo
para jogar nas outras pessoas e, com a tinta, imitavam bombas”. Além de criar armas de
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brinquedo, também pegavam frutas na mata próxima à comunidade para tacar uns nos outros. As
mães pareciam assustadas com a criatividade das crianças em construir um brinquedo tão
semelhante à arma verdadeira. Educadoras e familares sentiam-se incomodadas em ver as
crianças “vestidas” de bandido, mesmo que fosse de brincadeira. Outra educadora disse que os
confrontos da polícia com os bandidos faziam com que as crianças se tornassem violentas e
competitivas: “A competitividade é uma coisa muito gritante nessa comunidade”. Situações de
violência entre as crianças aconteciam frequentemente.
Uma educadora possuía visão diferente em relação à circulação das crianças. Ela dizia
que as crianças brincavam na rua mesmo com a violência no morro. Ficavam em frente ao portão
de casa, jogavam futebol na quadra do CIEP, frequentavam o parque (mesmo estando
abandonado) acompanhadas de um adulto. Ela chamou atenção para o fato de que a violência vai
além do tiro, “tem a violência que a criança vive em casa, no modo dos pais falarem, brigando,
batendo nas crianças”. Mas muitos componentes daquele grupo discordaram de que as crianças
realmente podiam ficar à vontade no espaço da rua. Alegaram que “pais cautelosos não deixam
seus filhos brincarem nem na porta de casa”.
Ao longo dos anos, houve um impacto grande da violência sobre a possibilidade das
crianças se apoderarem do espaço público. Uma semana depois da entrada da polícia,
representando talvez o primeiro sinal de mudança, as crianças já estavam frequentando mais a
rua. Um morador dos Macacos constatava, em 2010: “As crianças estão gostando pra caramba.
As crianças estão todas na rua, sexta-feira, então...!”. Elas estavam pedindo para os pais
comprarem patins e bicicletas para que pudessem brincar na rua. Os policiais disseram, na
primeira reunião do BOPE com a comunidade, que seu objetivo era dar tranquilidade para que os
“filhos dos senhores possam usufruir do espaço público”. A mensagem transmitida era que a
UPP viria para “recuperar o espaço para os seus verdadeiros donos”.
Quando voltamos à comunidade em 2013, perguntamos às educadoras e mães sobre as
brincadeiras preferidas das crianças. Inicialmente, surgiu o depoimento de que as crianças hoje
não brincam mais porque preferem ficar no computador, em casa. Uma mãe relatou que estava
muito preocupada com o filho de 5 anos que não parava de jogar: “Ele está viciado em
computador”. Sempre que ela pede para o menino largar o jogo, ele começa a chorar e é muito
difícil convencê-lo a fazer outra coisa. Outra mãe disse que com o filho dela é o contrário: o
menino é muito agitado, não para em casa de jeito nenhum.
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Depois dessa fala inicial de que as crianças não brincam mais, mães e educadoras disseram
que elas gostam de soltar pipa e jogar bolinha de gude na rua. Uma educadora comentou que as
crianças brincam de pique-esconde para namorar, assim como ela fazia quando tinha a mesma
idade. Nós observamos, no Centro Cultural da Criança, os meninos jogando pique-bandeira e as
meninas brincando de roda no pátio. Durante a oficina com as crianças pequenas, perguntamos
se elas brincavam mais em casa ou na rua. As meninas disseram que gostavam de brincar de
boneca em casa e na laje. Os meninos disseram brincar em casa e na rua de carrinho e que
gostavam de jogar futebol. Assim, percebemos que embora o computador faça parte da vida das
crianças elas continuam brincando com os seus colegas, e muitas vezes usam os espaços comuns
da favela. Os adultos com quem conversamos parecem falar com certo saudosismo sobre a sua
infância, como se hoje estivesse tudo diferente. No entanto, algumas brincadeiras antigas
continuam sendo praticadas.
Quando perguntamos às mães se hoje as crianças brincam mais dentro ou fora de casa, elas
afirmaram que isso varia de acordo com cada família. Uma mãe disse não gostar de deixar o
filho na rua porque é perigoso, prefere que ele brinque em casa. Mas o risco de brincar do lado
de fora, para ela, é a criança cair e se machucar. Outra mãe comentou que “perigo tem em
qualquer lugar, até nas redes sociais”. Uma ideia que apareceu durante as discussões foi que
antes da UPP se instalar na favela os pais não deixavam seus filhos brincarem fora de casa por
causa dos tiroteios e da circulação de motos e carros em alta velocidade. Quando estavam na rua,
as crianças tinham horário para chegar em casa. Naquele momento, o lugar considerado seguro
era dentro de casa, pois havia muitas trocas de tiros. Uma educadora disse que a creche ficava no
meio do confronto e as crianças ficavam aterrorizadas]. Para ela , a situação mudou com a
chegada da UPP: “Agora melhorou. Tá mais tranquilo, não tem mais tiro”. Ela também reparou
uma mudança nas brincadeiras das crianças do maternal: “Tudo o que elas faziam era 'pou pou'
[barulho de tiro] e agora não fazem mais”. Segundo a educadora, as crianças da pré-escola
moldavam o biscoito do tipo cream cracker com mordidas, para deixá-lo no formato de uma
arma. “Com a chegada da UPP as crianças estão se divertindo mais e todo mundo tem mais
liberdade”. Algumas mães disseram que, com a UPP, houve um aumento dos casos de roubos e
estupros. Por isso não deixam mais os filhos sozinhos em casa. Ou seja: quando os pais estão
ausentes, a rua se tornou um lugar mais seguro do que a casa.
Na hora do almoço, observamos o movimento no Morro dos Macacos. Notamos que
muitas crianças vão para a escola acompanhadas dos irmãos mais velhos. Uma menina estava
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com um irmão pequeno e tentava ir à frente, reclamando quando ele começava a andar mais
rápido do que ela. Ao longo do caminho, eles encontravam e conversavam com colegas de
turma, vizinhos e outras crianças. Na reunião com as mães, perguntamos se hoje as crianças
costumam ir sozinhas à escola. Algumas mães disseram que os filhos podem ir sozinhos sim, e
que não veem problema nisso. Elas também deixam as crianças irem desacompanhadas de um
adulto para o parque e a Vila Olímpica. Em alguns momentos, o grupo ficou divido se é ou não
perigoso deixar as crianças circularem sozinhas pela favela.
Durante a atividade com as crianças, perguntamos sobre os locais que elas gostam de
frequentar na favela. Elas apontaram o Centro Cultural da Criança, a praça, a quadra da escola
“Brizolão” onde os meninos jogam bola, o Parque de Vila Isabel e a Vila Olímpica. As crianças
vão ao parque recém-reformado com a família e a escola, gostam de ver os micos nas árvores e
brincar na piscina da Vila Olímpica. No caminho de casa para o Centro Cultural, elas
desenharam as motos que passam na rua e o ônibus do CEACA-Vila. Este leva as crianças de
casa para os projetos que a instituição oferece dentro e fora da comunidade.
Houve, portanto, mudanças na circulação e nas brincadeiras das crianças na favela ao
longo desses três anos. Este talvez seja o resultado mais significativo das conquistas da presença
da UPP no Morro dos Macacos.
Foto do Parque Recanto do Trovador em Vila Isabel
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5. As mudanças e investimentos na favela e os problemas que continuam presentes
Quando realizamos a pesquisa anterior, em 2010, a perspectiva dos moradores do morro
Santa Marta e do Morro dos Macacos era que, com a entrada da UPP, poderia haver melhorias na
infraestrutura dessas favelas. O morro Santa Marta aguardava pelas obras de saneamento básico
e de melhorias nas habitações que eram de madeira, pois eram problemas que ainda não tinham
sido solucionados, após dois anos da instalação da UPP. Os principais problemas citados no
Morro dos Macacos foram a falta de saneamento básico, o acúmulo de lixo, os ratos, as
condições ruins em que se encontravam as escadas da favela e as moradias. É interessante notar
como as pessoas criavam uma expectativa de que a UPP iria resolver problemas que não tinham
relação direta com a segurança pública. No Morro dos Macacos, sobravam esperanças de que as
obras de urbanização e os serviços públicos chegariam à favela, como percebemos na fala de
uma liderança comunitária:
O lixo é um problema. Em frente à creche tem um esgoto a céu aberto. A CEDAE diz que
toda rede é muito antiga e que nunca tiveram pulso para mudar. Talvez agora se
vislumbre uma melhoria, provavelmente agora deve ser de interesse do poder público
fazer essas obras. Mas já deveria ter sido feita há muito tempo, as crianças da creche
pulam essa vala, vem com o pé sujo para a creche. O lixo é jogado no chão, não tem
caçamba, o lixo era jogado em frente à creche, ficou cheio de ratos. (CECIP, 2010)
Apesar do desejo dos moradores de que a UPP resultasse em outros serviços públicos e
melhorias para a comunidade, os principais problemas apontados naquela época ainda não foram
solucionados. As crianças do Morro dos Macacos, nas atividades realizadas na presente pesquisa,
contaram que há muito lixo no morro e apontaram a presença de “água suja” (esgoto) e bichos
(barata e rato), inclusive dentro das casas, em decorrência da falta de saneamento básico e do
lixo acumulado. As crianças parecem ter não apenas a percepção desse problema, mas também
do que deve ser feito: “Olha, na hora de ir embora não pode jogar lixo na rua”. Uma menina
optou por desenhar uma lixeira de diferentes cores — uma referência ao lixo reciclável. Há
atualmente um bem-sucedido projeto de reciclagem de lixo na favela, mas ele é insuficiente para
atender todas as necessidades do local.
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As crianças convivem ainda com outros animais, como cachorros, gatos e micos.
Enquanto esperávamos do lado de fora da creche para fazer uma atividade com as crianças, dois
meninos com cerca de 10 anos brincavam em um carrinho de supermercado quando uma
professora passou e brigou com eles, dizendo que o carrinho servia de lixeira e que eles
poderiam pegar doenças de pele. Um dos meninos, então, nos contou que já teve problemas na
pele, que imaginamos terem sido causados por contato com lixo. Na pesquisa passada de 2010
também foi mencionada a ocorrência de doenças causadas pela insalubridade: “Falta de
saneamento. Aqui não é uma comunidade modelo. Poderia ser melhor se os órgãos competentes
dessem mais valor. Tem bueiro aberto, a criança pega a bonequinha do chão sujo, a comunidade
é muito suja. Isso transmite doenças para as crianças”, contou uma educadora.
Segundo as mães, nestes três anos não houve muitos investimentos em obras de
urbanização ou novos serviços. Para as educadoras e mães, “está a mesma coisa” e a “única coisa
que mudou mesmo foram os policiais”. Elas reclamam de diferenças entre o Morro dos Macacos
e outras favelas com UPP, que teriam sido mais beneficiadas. Depois se lembraram de algumas
melhorias que ocorreram no local, como a construção de uma pracinha onde antes havia a
piscina usada pelo tráfico de drogas, e a reforma do parque que estava abandonado há anos.
Embora as crianças não frequentem tanto a praça, o parque passou a ser um lugar de referência
para toda a comunidade, sendo muito utilizado por crianças, jovens e adultos. As educadoras
falaram que crianças de outros locais do bairro também brincavam lá, o que não acontecia antes
da chegada da UPP, por causa das facções rivais que ocupavam os diferentes morros da região.
Criados ou reformados, há novos espaços públicos e de lazer, que favorecem a presença das
crianças nessas áreas de convivência.
As mães também se lembraram de dois projetos novos: um curso de preparação para o
mercado de trabalho, financiado pela Coca-Cola, e a Vila Olímpica, que oferece aulas de
diferentes esportes e no final de semana libera a piscina para as crianças, que costumam brincar
lá. Duas mães do grupo de discussão fizeram o curso da Coca-Cola. Elas se mostram satisfeitas
com a qualidade e surpresas com a presença de pessoas de outras partes da cidade que vêm fazer
o curso ali.
Em 2010, os participantes da pesquisa se preocupavam com a possibilidade do aumento
do custo de vida na favela, gerado pela regularização dos serviços de luz, água, TV a cabo e
internet. Eles sempre desfrutaram desses serviços por meio de ligações ilegais (“gato”), a um
preço muito baixo ou de graça. Como expressou uma moradora do Morro dos Macacos: “A UPP
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vai trazer um aumento do custo de vida. Aqui na comunidade não se paga luz, não se paga TV,
não paga água. O dinheiro vem limpinho. Agora que eles vão melhorar a comunidade, vão
aumentar também o gasto”. Essa era também uma das críticas que os moradores do morro Santa
Marta tinham em relação à UPP — principalmente pelo preço alto da conta de luz.
A pesquisa de 2013 revela que o custo de vida aumentou no Morro dos Macacos para
quem não tem casa própria. Segundo uma moradora, o “aluguel virou ouro”. Houve uma
valorização grande do preço dos imóveis: “casa de 20 mil virou 40” e “o aluguel que custava 150
reais passou para 400 reais”. As mães dizem que continuam não pagando conta de luz, mas que a
empresa responsável está instalando os relógios e em breve elas devem começar a pagar.
Segundo os moradores, ninguém saiu da comunidade por causa do aumento do custo de vida. As
pessoas saíam antes da UPP por causa da violência. Depois da sua instalação, ex-moradores
voltaram a morar no Morro dos Macacos.
Há uma percepção muito forte das participantes dos grupos de discussão de que a
chegada da Unidade de Polícia Pacificadora possibilitou uma maior circulação na comunidade e
arredores de pessoas que não são do Morro dos Macacos, e também dos próprios moradores em
outros espaços. Uma mãe disse ainda que agora ela não sente mais medo em convidar amigos e
familiares para irem à sua casa: “Quando a gente convida alguém a gente se sente responsável
também. E se acontecer alguma coisa? Agora não temos mais essa preocupação”.
Ao serem perguntadas sobre a imagem que as pessoas têm do Morro dos Macacos e se
ela mudou após a chegada da UPP, mães e educadoras expressam opiniões diferentes. A maioria
das educadoras que participou da discussão não mora na comunidade e tem a impressão de que a
imagem do local melhorou. Muitas disseram que tinham medo de entrar na favela antes da UPP:
“Eu sou de fora e não passava aqui”. Mas, hoje em dia, elas podem trabalhar e caminhar pelo
morro normalmente. Já as mães, todas moradoras, acreditam que ainda há muito preconceito em
relação à favela e que a imprensa apenas noticia as coisas ruins que acontecem lá. Uma mãe
contou que estava saindo do mercado e perguntou ao taxista se ele a levaria até o morro. Ele
disse que sim, mas quando viu que tinha que subir a ladeira de acesso à favela o motorista
desistiu. O mesmo aconteceu conosco quando fomos à comunidade fazer a pesquisa. O taxista se
recusou a subir a ladeira, mesmo vendo que estávamos carregando muitas sacolas.
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Considerações finais
A partir da análise das falas das crianças, mães e educadoras que moram ou trabalham no
Morro dos Macacos, percebemos alguns pontos positivos e negativos relacionados à entrada da
UPP na favela. As mães e educadoras elogiaram a oferta de projetos tanto para crianças quanto
para jovens e a presença de escolas próximas e no Morro dos Macacos: “Só fica à toa quem os
pais querem que fique”, disse uma educadora. Uma mãe comentou “a minha filha já não tem
nem mais tempo”, pois participa de diferentes cursos e atividades extraescolares. A favela
também possui áreas de lazer recém-reformadas, como o Parque Recanto do Trovador e a Vila
Olímpica, ambos muito frequentados por crianças e adultos de diversos locais, inclusive não
moradores da favela. Com a chegada da UPP a circulação de adultos e crianças dentro e fora
da comunidade melhorou, assim como a presença de pessoas que antes não podiam ir, e hoje
frequentam o morro. A sensação das moradoras é que elas estão com mais liberdade. O fato de as
crianças participantes da pesquisa não terem relatado questões relacionadas à violência também é
um aspecto positivo, consequência da chegada da UPP, que diminui rotinas de violência extrema
que afetavam diretamente as crianças e seu imaginário.
Entre os pontos negativos, permanece a questão da carência de serviços públicos, que não
chegaram nem melhoram com a UPP. O lixo, a falta de saneamento básico e os problemas
decorrentes disso, comuns a quase todas as favelas da cidade, foram apontados pelas crianças e
pelos adultos. Com a diminuição do conflito armado, que em 2010 assustava as crianças, hoje o
que elas temem são ratos e baratas, efeitos dos problemas ambientais. Houve também o
crescimento do número de roubos entre moradores, que vivem o medo da violência e do abuso
sexual, consequência do fim das duras leis do tráfico. A entrada da UPP provocou o aumento do
aluguel e da moradia. A forma como os moradores e os policiais que ocupam a comunidade se
relacionam também pode ser vista como um aspecto negativo, pois o distanciamento não cria um
clima amigável entre as partes, tornando a relação difícil e turbulenta.
As mães e educadoras apresentam algumas sugestões para melhorar a vida das crianças e
da comunidade como um todo. Apesar de contar com um posto de saúde, que oferece atenção
básica como clínico-geral, pediatria e ginecologia-obstétrica, elas sentem falta de médicos
especialistas que possam tratá-las na favela, sem precisar se deslocar para outros locais. Uma
educadora, moradora antiga dos Macacos, sugere que aos domingos uma parte da rua principal
da favela seja fechada para servir de área de lazer, como acontece em outros lugares da cidade.
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Tanto as mães quanto as educadoras falam da necessidade de reeducar os pais para que esses
levem os filhos aos projetos, pois muitos têm preguiça e não participam.
Notamos que a UPP trouxe evidentes melhorias para a vida das crianças, que se
sentem mais seguras para andar e brincar nos becos, ruas e áreas livres da favela. Porém ainda há
muitos desafios que não podem ser deixados de lado. Afinal a qualidade de vida não diz respeito
apenas à segurança, mas também inclui moradia, educação e saúde de qualidade, saneamento
básico e opções culturais, questões que ainda precisam de maiores investimentos no local. A
relação da polícia com os moradores também precisa ser trabalhada para que se possa criar um
clima de confiança e segurança na favela.
Referências bibliográficas
BUARQUE, C. Chapeuzinho amarelo. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 2003.
CECIP - CENTRO DE CRIAÇÃO DE IMAGEM POPULAR. O impacto sobre a primeira
infância das políticas de segurança pública e iniciativas comunitárias em comunidades urbanas
de baixa renda. Rio de Janeiro, 2010.
CECIP - CENTRO DE CRIAÇÃO DE IMAGEM POPULAR. As políticas públicas de
segurança e de urbanização das favelas do Rio de Janeiro e atenção dada às crianças pequenas.
Rio de Janeiro, 2011.
EMBERLEY, E. Vai embora, grande monstro verde. São Paulo: Brinque Book, 2009.
GUTMAN, A. Os pesadelos de Lisa, Rio de Janeiro: Cosac Naif, 2010.