ciranda da saúde: um estudo de caso sobre educação em ... · a revolta da vacina 32 ... junto ao...

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Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Ciências da Saúde Instituto de Estudos em Saúde Coletiva Mestrado em Saúde Coletiva Ciranda da Saúde: um estudo de caso sobre Educação em Saúde na Vila Olímpica da Maré Mestrando: João Vinícius dos Santos Dias Orientadora: Jaqueline Ferreira Rio de Janeiro Outubro / 2012

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Page 1: Ciranda da Saúde: um estudo de caso sobre Educação em ... · A Revolta da Vacina 32 ... junto ao projeto de complementação alimentar que ... foi definido um novo objeto de pesquisa

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Ciências da Saúde

Instituto de Estudos em Saúde Coletiva

Mestrado em Saúde Coletiva

Ciranda da Saúde: um estudo de caso sobre

Educação em Saúde na Vila Olímpica da Maré

Mestrando: João Vinícius dos Santos Dias

Orientadora: Jaqueline Ferreira

Rio de Janeiro

Outubro / 2012

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Ciranda da Saúde: um estudo de caso sobre

Educação em Saúde na Vila Olímpica da Maré

Dissertação de mestrado apresentada por João Vinícius

dos Santos Dias ao Programa de Mestrado em Saúde

Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a

orientação da Professora Doutora Jaqueline Ferreira,

como requisito à obtenção do título de Mestre em

Saúde Coletiva.

Rio de Janeiro

Outubro / 2012

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Ficha catalográfica

D541 Dias, João Vinícius dos Santos.

Ciranda da saúde: um estudo de caso sobre educação em

saúde na Vila Olímpica da Maré / João Vinícius dos Santos

Dias. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Instituto de Estudos em Saúde

Coletiva, 2012.

127 f.; 30cm.

Orientador: Jaqueline Terezinha Ferreira.

Dissertação (Mestrado) - UFRJ/Instituto de Estudos em

Saúde Coletiva, 2012.

Referências: f. 114-118.

1. Educação em saúde. 2. Antropologia cultural. 3. Áreas de

pobreza. I. Ferreira, Jaqueline Terezinha. II. Universidade Federal

do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. III.

Título.

CDD 362.1

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JOÃO VINÍCIUS DOS SANTOS DIAS

CIRANDA DA SAÚDE: UM ESTUDO DE CASO SOBRE EDUCAÇÃO EM SAÚDE

NA VILA OLÍMPICA DA MARÉ.

Dissertação de mestrado apresentada por João Vinícius

dos Santos Dias ao Programa de Mestrado em Saúde

Coletiva Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a

orientação da Professora Jaqueline Ferreira, como

requisito à obtenção do título de Mestre em Saúde

Coletiva.

Aprovada em 31/10/12

Orientadora:

________________________________________

Profª Dr.ª Jaqueline Ferreira (IESC / UFRJ)

Banca Examinadora:

________________________________________

Profª Dr.ª Claudia Turra Magni (UFPEL)

________________________________________

Profª Dr.ª Regina Simões Barbosa (IESC / UFRJ)

________________________________________

Profª Dr.ª Neide Emy Kurokawa e Silva (IESC / UFRJ)

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Avaliadores Suplentes:

________________________________________

Profª Dr.ª Elaine Reis Brandão (IESC / UFRJ)

________________________________________

Profª Dr.ª Cristiane Cabral (IMS / UERJ)

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Dedico este trabalho a todos aqueles que cotidianamente

produzem saber e vida com alegria e criatividade.

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AGRADECIMENTOS

Aos profissionais e frequentadores da Vila Olímpica da Maré, em especial aos que

passaram pela equipe de saúde por todo o apoio para a realização desta pesquisa.

A professora Jaqueline Ferreira pela dedicação e paciência durante os anos de

orientação.

Ao IESC e ao seu corpo de alunos, funcionários e professores por todo o suporte ao

longo dos anos.

Aos colegas do mestrado por todo o crescimento partilhado.

Aos companheiros de militância que lutam cotidianamente por uma saúde pública digna

e para todos.

A minha família pelo constante carinho.

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RESUMO

CIRANDA DA SAÚDE: UM ESTUDO DE CASO SOBRE EDUCAÇÃO EM SAÚDE

NA VILA OLÍMPICA DA MARÉ.

O presente trabalho busca discutir a possibilidade de construção de uma perspectiva de

Educação em Saúde dialógica e popular, que tome como ponto de partida o indivíduo e

sua realidade. A partir da etnografia do “Ciranda da Saúde”, um grupo de Educação em

Saúde realizado na Vila Olímpica existente no Complexo da Maré no Rio de Janeiro, são

discutidos diferentes elementos da construção de uma proposta educativa em saúde em

um contexto popular, como as relações entre educação e comunicação e o atual processo

de precarização do trabalho em saúde. Para contextualizar a discussão é realizado um

breve resgate histórico da consolidação da pobreza urbana no Brasil e de suas relações

com a construção do campo da Educação em Saúde no país. Busca-se ainda discutir a

possibilidade de utilização de referenciais das Ciências Sociais, em particular da

Antropologia, na construção de uma postura dialógica e atenta às diferentes

representações de saúde e de mundo envolvidas no processo educativo.

Palavras-chave: Educação em Saúde, Etnografia, Pobreza Urbana.

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ABSTRACT

CIRANDA DA SAÚDE: A CASE STUDY ON EDUCATION IN HEALTH.

This paper discusses the possibility of building a prospect of Health Education and

dialogical popular, which takes as its starting point the individual and their reality. From

the ethnography of "Ciranda Health", a group of Health Education, held in the Olympic

Village located in the Complexo da Maré in Rio de Janeiro, are discussed different

elements of the construction of a proposed health education in a popular context, as

relationship between education and communication and the current process of precarious

work in health. To contextualize the discussion is conducted a brief historical

consolidation of urban poverty in Brazil and its relations with the construction of the field

of Health Education in the country. The investigation is still discussing the possibility of

using benchmarks of Social Sciences, in particular anthropology, in the construction of a

dialogical approach and attentive to different representations of health and world

involved in the educational process.

Keywords: Health Education, Ethnography, Urban Poverty.

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SUMÁRIO

1- INTRODUÇÃO 12

Da revisão bibliográfica à etnografia: a construção de uma abordagem socioantropológica 13

Definindo o objeto da pesquisa 13

A estrutura do trabalho 15

2 – DISCURSOS, REPRESENTAÇÕES E INTERVENÇÕES EDUCATIVAS SOBRE A

POBREZA. 18

As intervenções sobre a pobreza no plano mundial 19

Os primórdios das intervenções sanitárias sobre a pobreza 21

As intervenções históricas sobre a pobreza no Brasil 24

Do cortiço à favela: a construção da marginalidade 25

A invenção das favelas 27

As intervenções na saúde 30

A Revolta da Vacina 32

O campo da Educação em Saúde no Brasil 33

A valorização do saber popular: a perspectiva de Paulo Freire 39

3 – ASPECTOS METODOLÓGICOS 43

A implicação na pesquisa 43

Estabelecendo o desenho metodológico da pesquisa 45

Aspectos éticos da pesquisa em Ciências Sociais 47

Procedimento de análise 50

O Retorno dos Dados 50

4 – VILA OLÍMPICA DA MARÉ: UMA ETNOGRAFIA 51

O campo da pesquisa: O Complexo da Maré 51

A população 54

Chegando na Maré 56

A Vila Olímpica 57

Iniciando a observação na VOM 62

As Ações de Educação em Saúde na VOM 65

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5 - CIRANDA DA SAÚDE: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE NA

VILA OLÍMPICA DA MARÉ 69

Algumas histórias 74

Os atores: a perspectiva dos profissionais 77

Os atores: a perspectiva dos usuários 82

O fim do “Ciranda da Saúde” 89

A precarização do trabalho em saúde 92

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS 98

Em busca de novas propostas para a Educação em Saúde 98

Dialogando com o saber do outro: contribuições da Antropologia 99

Educação em Saúde em contextos de pobreza e exclusão: caminhos possíveis. 104

Rumo à um modelo dialógico 107

Reflexões a partir do “Ciranda da Saúde” 110

7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 114

ANEXO I - Termo de Consentimento para os participantes da pesquisa 119

ANEXO II – Roteiro de entrevista com os profissionais do Ciranda da Saúde 121

ANEXO III – Roteiros de Entrevista com os participantes do Ciranda da Saúde 123

ANEXO IV: Exemplo de metodologia usada no grupo Ciranda da Saúde 125

ANEXO V – Cronograma 127

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1-INTRODUÇÃO

Este texto é fruto de uma investigação que já data de alguns anos, iniciada quando

eu cursava a Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva no IESC / UFRJ e surgida

da demanda de uma monografia para a conclusão do referido curso.

A escolha do tema, formulado inicialmente como “Educação em Saúde em

contextos populares”, decorreu de um antigo interesse sobre os processos de Educação

Popular surgido ao longo de experiências em estágios de vivência nos quais tive a

oportunidade de entrar em contato com diferentes realidades e representações sobre

saúde. Daí veio o desejo de realizar uma investigação sobre a aplicabilidade e os

consequentes limites e possibilidades da Educação Popular em um contexto urbano,

multifacetado e marcadamente desigual, como o da cidade do Rio de Janeiro, o que me

motivou a buscar algum lugar que sintetizasse estas características como campo de

estudo.

Nesse contexto, a Vila Olímpica da Maré (VOM) se desenhou quase que

naturalmente como campo de investigação, tanto pela proximidade geográfica com o

campus da UFRJ, o que facilitava o acesso à região, quanto pelo o fato da minha

orientadora ter trabalhado como médica nesta instituição e conhecer os profissionais de

lá, dentre eles a nutricionista, que na época era responsável por um projeto de

complementação alimentar lá existente, e logo depois viria a assumir a coordenação da

área da saúde da VOM. A princípio a ideia de minha ida era desenvolver algum trabalho

junto ao projeto de complementação alimentar que pudesse ser sistematizado

posteriormente na forma de um trabalho de conclusão de curso para a Residência.

Assim, comecei a frequentar regularmente a VOM no primeiro semestre de 2010

por meio de uma parceria estabelecida entre a instituição e o IESC. A partir disso pactuei

com a coordenação da equipe de saúde os dias e horários que frequentaria as atividades

da Vila, principalmente às ligadas à saúde e a complementação alimentar: estabeleci que

cumpriria três turnos semanais de quatro horas cada. No segundo ano reduzi esse período

e passei a acompanhar atividades pontuais, conforme detalharei ao longo do texto.

Continuei acompanhando as atividades da VOM dessa forma até o fim do meu período de

observação em abril de 2012, período em que as atividades de saúde na instituição foram

interrompidas.

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Da revisão bibliográfica à etnografia: a construção de uma abordagem

socioantropológica

O primeiro momento da investigação, ocorrido durante a Residência, foi

inicialmente pensado como uma pesquisa quali-quantitativa sobre as práticas de

Educação em Saúde na VOM. No entanto, devido à amplitude do campo e a escassez do

tempo, foi necessário readequar esta opção metodológica. Optamos então por fazer

durante a Residência, um trabalho de revisão bibliográfica não sistemática de uma

literatura internacional e nacional para analisar as principais transformações nas

intervenções educativas em saúde. Esta opção se revelou interessante, pois possibilitou

uma ampliação dos referenciais sobre o processo de construção do campo da Educação

em Saúde no Brasil e sua relação com os contextos populares. Para tanto, foquei os

processos de consolidação da pobreza urbana passando rapidamente pelo nível mundial

até chegar à realidade brasileira, mais especificamente à cidade do Rio de Janeiro e ao

surgimento das favelas.

Terminada a Residência e defendida a monografia, o desejo de continuar a

pesquisa foi fundamental para que eu escolhesse o mestrado acadêmico como

possibilidade de aprofundar as questões levantadas na Residência, principalmente no que

se refere à análise dos dados observados na VOM. Dessa forma a inclusão das

observações da minha participação nas atividades da VOM, as quais eu já vinha

registrando em diário de campo desde o período da Residência, foram sistematizadas e

organizadas com novas observações de forma a comporem uma etnografia. A partir disso

foi definido um novo objeto de pesquisa que abrangesse os elementos da observação na

VOM, mas que dialogasse com os dados já levantados na investigação anterior.

Definindo o objeto da pesquisa

Após um período de inserção, adaptação e mapeamento na VOM que durou

aproximadamente três meses, o espaço dos grupos educativos em saúde, que nessa

mesma época se consolidaram como atividades regulares da equipe de saúde da

instituição, foi definido como objeto de investigação. Cabe ressaltar que estes grupos

tinham como forte característica a heterogeneidade dos participantes onde a assiduidade e

a frequência de participação, em boa parte das atividades, não eram regulares. Assim,

optou-se como objeto prioritário de investigação o grupo chamado “Ciranda da Saúde”.

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A escolha do “Ciranda da Saúde” se deu pelo caráter diferenciado deste grupo, o

qual buscava se aproximar mais claramente de uma proposta dialógica de Educação em

Saúde através da utilização dos referenciais da Educação Popular, o que se refletia na

própria dinâmica do grupo que, como veremos à frente, tinha características peculiares.

Outros fatores que levaram à observação deste grupo foram a maior regularidade na

frequência de seus participantes e o fato de ele ser composto exclusivamente por adultos,

o que foi identificado como um facilitador da pesquisa, principalmente em seus aspectos

éticos. Ainda o fato de eu ter acompanhando o grupo desde os seus primeiros encontros

também foi importante para sua escolha como objeto. A partir da definição do “Ciranda

da Saúde” como objeto de pesquisa passei a realizar a observação na VOM somente nos

dias e horários em que o grupo ocorria e pude definir com mais clareza os objetivos da

investigação.

Desta forma o objetivo principal da pesquisa foi definido como analisar como

ocorrem os processos de Educação em Saúde pautados em uma perspectiva dialógica e

popular na Vila Olímpica da Maré a partir da observação do grupo Ciranda da Saúde.

Algumas outras questões decorrentes deste objetivo principal surgiram ao longo

da pesquisa, dentre elas: analisar como ocorrem as trocas entre o saber técnico e o

popular no que se referem às concepções de saúde; investigar qual a concepção de

Educação em Saúde dos profissionais de saúde que conduzem o grupo “Ciranda da

Saúde”; analisar como é percebido e trabalhado o contexto de vulnerabilidade social da

Maré pelos profissionais e frequentadores da instituição e, por fim, conhecer como os

participantes do grupo apreendem os temas e conteúdos discutidos.

Com a definição deste objetivo, foi feita a opção por complementar os dados da

observação com entrevistas que seriam realizadas com os profissionais e participantes

que frequentavam o Ciranda da Saúde. Cumpre ressaltar que parte dessas opções teve que

ser redefinida ao longo da pesquisa devido às transformações do campo ocorridas durante

a observação. Estas transformações trouxeram desafios em termos de demandar

redefinições teóricas e metodológicas no decorrer da pesquisa, mas também conferiram

uma nova dinâmica ao texto, tornando-o um relato vivo do desenvolvimento de uma

pesquisa acadêmica em Ciências Sociais com todas suas “dores e delícias”, dificuldades e

possibilidades. Apresentar os resultados dessa investigação, assim como o percurso

realizado para chegar até eles, é o objetivo deste texto.

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Cabe ressaltar ainda que meu interesse pela perspectiva dialógica deve-se às

minhas leituras e vivências como residente em Saúde Coletiva e militante de movimentos

sociais. Assim, cabia agora analisar empiricamente como esta proposta era ou não

viabilizada na prática. Evidentemente, a perspectiva de uma Educação em Saúde

dialógica me é particularmente atrativa e assim tive que exercitar constantemente um

olhar distanciado do objeto e a distinção de minha identidade enquanto pesquisador e

profissional de saúde. Nesse sentido a ida para a Vila Olímpica da Maré (VOM) se

revelou uma rica experiência onde pude atuar em conjunto com os demais profissionais

da instituição na construção de um trabalho que muitas vezes acabou se aproximando de

uma proposta de pesquisa-ação, ainda que este não tenha sido o modelo de pesquisa

adotado nesta investigação. Esta atuação na VOM foi decisiva no sentido de influenciar a

direção desta pesquisa e a redação deste texto o que, ao nosso ver, o deixa mais rico e

mais próximo da realidade, já que cada linha está permeada pelas vivências lá ocorridas.

A estrutura do trabalho

Para efeito de organização o texto a seguir está dividido da seguinte forma:

Em um primeiro momento são resgatadas, por meio de uma breve análise sócio-

histórica, algumas das representações e intervenções educativas sobre a pobreza. Para

tanto, há uma breve discussão sobre a pobreza e suas representações a nível mundial,

passando pela realidade brasileira do século XIX com a consolidação do modelo

capitalista e o início do processo de urbanização do país, até chegarmos à cidade do Rio

de Janeiro do início do século XX. Nesse período se concretiza de forma mais evidente e

dramática os conflitos advindos do processo de expansão e consolidação do capitalismo

no Brasil, por meio da urbanização empreendida no Rio de Janeiro por Pereira Passos.

Dá-se então o início do processo de favelização, como uma das consequências mais

radicais do conflito de classes na cidade e no país. Ainda neste capítulo, são abordados os

processos de Educação em Saúde no Brasil e sua relação com as camadas populares,

também partindo como ponto de referência do período de adesão do país a ordem

capitalista. São discutidos ainda o processo de higienização das cidades e as

transformações nas concepções de Educação em Saúde ocorridas nas décadas seguintes,

até chegarmos às atuais propostas pautadas no diálogo entre diferentes saberes e na

valorização do saber popular.

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O capítulo seguinte é voltado para os aspectos metodológicos da pesquisa

apresentando os desenhos de investigação escolhidos e a forma como eles foram

implementados na prática, assim como os procedimentos empregados na análise e na

devolução dos dados. Neste capítulo são também levantadas algumas questões da

pesquisa em Ciências Sociais como, por exemplo, a questão da implicação do

pesquisador que é discutida a partir da problematização do ideal de neutralidade na

pesquisa antropológica, já que esta ocorre em contextos, invariavelmente, influenciados

por conjunturas sócio-históricas complexas e atravessadas por dimensões políticas,

ideológicas, econômicas, etc; Também alguns dos aspectos éticos da pesquisa em

Ciências Sociais são debatidos como, por exemplo, a questão da influência do referencial

biomédico na pesquisa social e as particularidades do uso do termo de consentimento

esclarecido (TCLE) neste tipo de investigação.

Já no quarto capítulo nos detemos na descrição mais detalhada sobre o campo de

pesquisa. Neste capítulo há informações e impressões sobre a Maré e sua população e

também sobre a Vila Olímpica e seus frequentadores. Há ainda a apresentação de alguns

dos dados colhidos a partir do método etnográfico na instituição, com ênfase na descrição

das atividades de Educação em Saúde lá desenvolvidas. Busca-se aqui contextualizar as

discussões posteriores através do relato vivo do campo e de seus atores.

No capítulo cinco há a apresentação da etnografia sobre o grupo de Educação em

Saúde “Ciranda da Saúde”. São apresentadas as principais características do grupo por

meio do resgate e descrição de um de seus encontros. Também são apresentadas as

perspectivas de profissionais e usuários em relação ao grupo, através das informações

colhidas por meio da observação e das entrevistas realizadas com alguns desses atores.

Neste capítulo é também discutido o processo contemporâneo de precarização do

trabalho e alguns de seus impactos sobre as atuais propostas de Educação em Saúde.

Por fim, no último capítulo é discutida a possibilidade de transformação de um

modelo de Educação em Saúde “clássico”, marcadamente informacional e prescritivo,

para um modelo pautado em uma perspectiva popular. São também levantadas algumas

possibilidades e desafios contemporâneos da Educação Popular em saúde. Ainda neste

momento há uma discussão sobre a possibilidade de utilização de metodologias da

Antropologia, em particular a etnografia, na construção de uma perspectiva de Educação

em Saúde dialógica.

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Temos plena consciência da parcialidade e da incompletude deste texto, não só

por seu caráter provisório, já que o campo da Educação em Saúde está constantemente

em movimento, mas também pela dimensão do tema, que ultrapassa em muito o

enfoque desta pesquisa. No entanto, acreditamos que o presente texto possa contribuir

para a construção de uma perspectiva na qual as ações em educação e saúde tomem

como parâmetros o contexto cultural, político e social que influenciam as representações

e práticas individuais. Para tanto, parte-se da premissa de que as ações de Educação em

Saúde tornam-se estratégicas na construção de uma perspectiva que seja dialógica,

emancipatória, participativa, criativa e que contribua para a autonomia e a co-

responsabilização dos sujeitos na produção do seu próprio cuidado.

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2 – DISCURSOS, REPRESENTAÇÕES E INTERVENÇÕES

EDUCATIVAS SOBRE A POBREZA.

As relações entre pobreza, educação e saúde não são novas, assim como as visões

e os discursos sobre estes fenômenos tem variado ao longo da história. Este capítulo tem

como objetivo fazer um breve percurso histórico sobre estes três temas: pobreza,

educação e saúde, procurando apontar suas relações ao longo de diferentes contextos

sócio-históricos. Cabe destacar que a formação do campo da Educação em Saúde e a

consolidação da pobreza em contextos urbanos são processos intimamente relacionados.

Daí vem à opção de empreendermos o resgate histórico desses dois campos em um único

capítulo, já que, olhando para a história vemos que ambos dialogam o tempo todo entre

si.

A consolidação da pobreza nos contextos urbanos é um fenômeno estudado por

vários campos de saber como a sociologia, a geografia e a Antropologia e tem se

caracterizado historicamente por marcar o ingresso de diferentes países na economia

capitalista. Ao longo da história a urbanização trouxe consigo significativas alterações

societárias tanto em termos demográficos, quanto na esfera política e econômica. A

urbanização também acentuou desigualdades entre diferentes classes econômicas /

sociais, assim como possibilitou a criação de tecnologias de intervenção sobre o cotidiano

da população pobre, que passou a ser considerada perigosa. Na presente discussão,

tomaremos como referência para discutir a questão da urbanização, da pobreza e das

propostas de Educação em Saúde, a cidade do Rio de Janeiro, tanto por ela sediar o

campo da atual pesquisa, quando pelo fato da cidade ter sido cenário de alguns dos

principais conflitos advindos do processo de expansão e consolidação do capitalismo no

Brasil por meio da urbanização.

Já as medidas de Educação em Saúde têm sido pensadas por atores distintos já há

vários séculos, se organizando de diferentes formas, de acordo com os diferentes

contextos sócio-históricos que se estabelecem: temos exemplos das posturas coercitivas e

autoritárias da polícia médica alemã, no século XVIII, até as propostas mais atuais que se

aproximam da ideia da promoção da saúde a qual busca estabelecer uma relação pautada

no diálogo horizontal entre profissionais de saúde e população. Na presente discussão

buscaremos apontar como a Educação em Saúde tem sido atravessada por vários

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processos, com a inserção de diferentes disciplinas e profissionais de acordo com os

diferentes contextos sócio-históricos.

As intervenções sobre a pobreza no plano mundial

Tomando como ponto de partida o século XVIII percebemos como os filósofos

iluministas como Voltaire pregam a tolerância religiosa, a supressão da tortura, a reforma

das prisões, a educação e a saúde pública. Para estes pensadores o progresso social está

relacionado ao sentimento de solidariedade em relação à todo o ser humano e à

necessidade de desenvolver a instrução pública. A ignorância dos pobres e a falta de

solidariedade humana dos ricos são consideradas como as causas da pobreza. Assim, se

estabelece a coexistência complementar entre os movimentos filantrópicos e os

particulares com os princípios laicos da assistência pública onde cada um procura à sua

maneira contribuir para o bem estar social. Igualmente o desenvolvimento da filantropia

laica contribui a tornar mais enérgica a atividade caritativa cristã tanto individual quanto

institucional. O movimento filantrópico apoia-se na educação como base ideológica. A

miséria é considerada como consequência de um modo de vida desregrado e assim a

educação seria o meio para se impetrar o aprendizado da obediência, o costume ao

trabalho e o respeito às leis à população (Geremek, 1987).

Os séculos XVII e XVIII, período posterior às grandes descobertas, onde o

contato com outras sociedades foi marcante, se caracterizaram por um modelo

missionário onde a conversão era a principal motivação. As figuras emblemáticas deste

modelo eram o médico e o missionário, uma vez que as ações se centravam sobre a saúde

e a educação.

No século XIX, uma nova visão do pobre se impõe onde imagens carregadas de

valores afetivos serão substituídas por noções mais precisas de diferentes disciplinas

como a estatística e a medicina social, por exemplo. Este novo olhar induz a novos

comportamentos: da prática caritativa do século anterior à ação social que desenvolverá

novas instituições e profissões voltadas à intervenção aos pobres.

Neste século, marcado pela Revolução Industrial, o pobre é representado pelo

operário. Este, mesmo que valorizado enquanto produtor de bens, também é

responsabilizado pelos fenômenos de desordem e degradação social, ou seja, há uma

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modificação da concepção do trabalho como redentor e portador da normalidade,

honestidade e dignidade. As intervenções caridosas diminuem consideravelmente graças

a uma melhora das condições de vida e pelo desenvolvimento de formas oficiais de

assistência social. A consciência de classe operária e a formação de organizações

sindicais igualmente passam a desacreditar o paternalismo da filantropia. A caridade dos

ricos aos pobres passa a ser vista com suspeita. Da mesma forma a pobreza se transforma

em uma preocupação das elites: engenheiros, médicos, advogados passam a estudar e

propor medidas de combate à mesma. Como refere Valadares:

“Nem nos países europeus, nem no Brasil a descoberta da

pobreza deve-se aos cientistas sociais. No século XIX, quando a

pobreza urbana se transforma em preocupação das elites, tanto lá

como cá, são os profissionais ligados à imprensa, literatura,

engenharia, medicina, ao direito e à filantropia que passam a

descrever e propor medidas de combate à pobreza e à miséria. Na

origem deste conhecimento impunha-se uma finalidade prática:

conhecer para denunciar e intervir, conhecer para propor

soluções, para melhor administrar e gerir a pobreza e seus

personagens. A ciência a serviço da racionalidade e da ordem

urbana, da saúde do país e de sua população” (Valladares, 2000,

06).

Enfim, mesmo que no século XIX muitas ações da Previdência Social ainda sejam

assistencialistas, elas pouco a pouco vão perdendo este caráter devido a uma mudança de

racionalidade.

Já os séculos XIX e XX assistiram ao desenvolvimento da ideia da universalidade

dos direitos humanos onde a ideia do próximo passa a ser compreendida em um sentido

amplo, ou seja, abrangendo todo o ser humano. Desta maneira a concepção que o

sofrimento deva ser aliviado não importa onde e quem seja a vítima, leva á tratar o

problema da pobreza no Terceiro Mundo como um problema global.

O século XX compreende que a assistência não é mais uma questão de doação,

mas um Direito, uma exigência de equidade por parte dos pobres e um dever moral dos

ricos. Sendo assim a assistência privada é preferível uma vez que ela pode agir ignorando

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e até mesmo se opondo ao Estado. São estes os imperativos que animam as organizações

não governamentais que prestam ajuda aos países pobres, por exemplo (Geremek, 1987).

Os primórdios das intervenções sanitárias sobre a pobreza

Em relação ao campo da saúde, Foucault (1999) em sua conferência “O

Nascimento da Medicina Social” parte da hipótese de que, com o desenvolvimento do

capitalismo no final do século XVIII e início do século XIX, e com o crescimento das

cidades e o processo de urbanização, se socializou um primeiro objeto que foi o corpo

enquanto força de produção, força de trabalho. Assim, o controle da sociedade sobre os

indivíduos passa a se operar não só pela consciência ou pela ideologia, mas também

com o corpo. Dessa forma a medicina passa a ter um caráter bio−político e a partir

disso, surgem estratégias que podemos identificar como os “primórdios” das

intervenções de Educação em Saúde que serão hegemônicas nos séculos seguintes. Para

Foucault essas estratégias seriam a medicina de Estado, a medicina urbana e a medicina

da força de trabalho, as quais demarcariam o surgimento e a consolidação do campo da

Medicina Social ou Saúde Pública.

A medicina de Estado se desenvolveu, sobretudo, na Alemanha através da noção

de polícia médica a qual consistia em: 1) um sistema muito mais completo de

observação da morbidade do que os simples quadros de nascimento e morte, até então

utilizados 2) um fenômeno importante de normalização da prática e do saber médicos

no qual procuraria deixar às universidades e à própria corporação dos médicos o

encargo de decidir em que consistirá a formação médica e como serão atribuídos os

diplomas 3) uma organização administrativa para controlar a atividade dos médicos e a

consequente subordinação da prática médica a um poder administrativo superior 4) a

criação de funcionários médicos nomeados pelo governo com responsabilidade sobre

uma região, seu domínio de poder ou de exercício da autoridade de seu saber.

A ideia de polícia médica vai estar presente em vários países, inclusive no

Brasil. Ela deveria ocupar-se dos problemas referentes à limpeza urbana que eram

considerados os maiores responsáveis pelo surgimento de doenças nas cidades, assim

como seria responsável por educar, mas também punir a população através de medidas

de Educação em Saúde autoritárias e normativas.

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A segunda direção no desenvolvimento da medicina social apontada por

Foucault (1999) é representada pelo exemplo da França, onde, no final do século XVIII,

aparece uma medicina social que não parece ter por suporte na estrutura do Estado, mas

sim em um fenômeno inteiramente diferente: a urbanização. Esta proposta surge do

objetivo econômico e político de constituir a cidade como unidade, de organizar o corpo

urbano de modo coerente, homogêneo, dependendo de um poder único e bem

regulamentado. Foucault cita também uma série de medos advindos da urbanização,

como o das revoltas populares e das epidemias, que vão culminar em uma inquietude

político−sanitária que se forma à medida que se desenvolve o tecido urbano. Para

dominar esses fenômenos médicos e políticos que inquietavam tão fortemente a

população das cidades, particularmente a burguesia, foi adotado o modelo médico e

político da quarentena. Nesse modelo todas as pessoas deviam permanecer em suas

casas para serem localizadas em um único lugar; a cidade devia ser dividida em bairros

que se encontravam sob a responsabilidade de uma autoridade designada para isso; os

vigias de rua ou de bairro deviam fazer todos os dias um relatório preciso ao prefeito da

cidade para informar tudo que tinham observado; os inspetores deviam diariamente

passar em revista todos os habitantes da cidade; se praticava a desinfecção por meio da

queima de perfumes em todas as casas.

Com isso, a medicina urbana tinha três grandes objetivos: 1º) Analisar os lugares

de acúmulo e amontoamento de tudo que no espaço urbano pudesse provocar doença,

ou seja, mapear os lugares de formação e difusão de fenômenos epidêmicos ou

endêmicos (em especial os cemitérios) 2º) o controle da circulação dos elementos,

essencialmente a água e o ar, mas também dos indivíduos. 3º) a organização da

distribuição e sequências de água e esgoto, de maneira que não entrassem em contato

uma com a outra.

Através destes elementos a medicina se socializou e passou a se preocupar com

as condições de vida e o meio de existência, ou seja, com a relação do organismo com

seu meio. A partir daí surge a noção de salubridade caracterizada pela preocupação com

o estado das coisas, do meio e dos elementos que afetam a saúde dos indivíduos. Junto a

essa ideia surge também a noção de higiene publica que pode ser definida como

técnicas de controle político-científico que visam modificar os elementos materiais do

meio que sejam suscetíveis a favorecer ou prejudicar a saúde. A higiene pública seria

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um elemento chave das propostas de Educação em Saúde que seriam criadas a partir da

medicina urbana.

A terceira direção da medicina social pode ser analisada através do exemplo

inglês da medicina dos pobres ou da força de trabalho. O desenvolvimento industrial

inglês fez aparecer uma crescente classe pobre, plebeia e proletária que, em meados do

século XIX, passou a ser considerada um elemento perigoso para a saúde da população.

Foi já no segundo terço do século XIX, que se desenharam elementos que levaram a

crer que o pobre seria um perigo. Dentre eles podemos citar: 1) razões políticas, pois

enquanto força a população pobre poderia ser capaz de se revoltar ou participar de

revoltas; 2) No momento em que se constroem sistemas de comunicação, mas eficazes

(sistema postal e carregadores), tornam-se dispensáveis, em parte, os serviços prestados

por uma parte significativa da população pobre que, por conhecer bem o território da

cidade, trabalhava entregando mensagens, correspondências, encomendas, etc. 3) O

aparecimento da cólera de 1832 fez cristalizar uma série de medos políticos e sanitários

sob a população proletária, fazendo crer no perigo de suas presenças na cidade, surgindo

com isso a divisão do espaço urbano em bairros e habitações de ricos e pobres.

Foi na Inglaterra, país em que o desenvolvimento industrial, e, por conseguinte o

desenvolvimento do proletariado foi o mais rápido e importante, que apareceu uma nova

forma de medicina social. Para a socialização da medicina inglesa, elaborou-se a “Lei

dos Pobres” que tinha o intuito ambíguo de, tanto promover uma assistência controlada

aos pobres, através da intervenção médica, o que os beneficiava por um lado; como

também protegia as classes ricas, sendo a burguesia quem mais se interessava em

assegurar sua segurança política. Nas palavras de Foucault

“Com a Lei dos pobres aparece, de maneira

ambígua, algo importante na história da medicina social: a

ideia de uma assistência controlada, de uma intervenção médica

que é tanto uma maneira de ajudar os mais pobres a satisfazer

suas necessidades de saúde, quanto um controle pelo qual as

classes ricas ou seus representantes no governo asseguram a

saúde das classes pobres e, por conseguinte, a proteção das

classes ricas” (p.95).

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Com isso ocorre a organização de um serviço autoritário, não de cuidados

médicos, mas de controle médico da população. Trata-se do sistema Health Service que

tinham medidas preventivas a serem tomadas, tais como a intervenção nos locais

insalubres, as verificações de vacinas, o registro de doenças, etc. No entanto, o controle

médico inglês, garantido pelos health officers (ou agentes de saúde) suscitou, desde sua

criação, uma série de episódios de resistência popular, como pequenas insurreições

anti−médicas na Inglaterra da 2º metade do século XIX. Formaram-se grupos de

resistência que lutavam contra a medicalização, o direito de querer ser atendido ou não

pela medicina oficial e, sobretudo, o direito sobre o próprio corpo.

Para Foucault

“pode−se dizer que, diferentemente da medicina

urbana francesa e da medicina de Estado da Alemanha do

século XVIII, aparece, no século XIX e, sobretudo na Inglaterra,

uma medicina que é essencialmente um controle da saúde e do

corpo das classes mais pobres para torná−las mais aptas ao

trabalho e menos perigosas às classes mais ricas” (p.97).

As intervenções históricas sobre a pobreza no Brasil

No Brasil a pobreza é um fenômeno conhecido desde o período colonial e que

passou por mudanças importantes do ponto de vista social entre os séculos XIX e XX em

virtude da passagem do modelo de sociedade escravista para o capitalista. No entanto, na

abordagem desse tema, tomaremos como ponto de corte, por questões de enfoque, a

relação da pobreza com o estabelecimento dos centros urbanos brasileiros e a questão

habitacional com o surgimento e desenvolvimento das favelas cariocas.

Valladares (1991) aponta a multiplicidade de discursos sobre a pobreza que, por

sua vez, guarda uma estreita relação com elementos como o processo de urbanização do

país, as transformações ocorridas no mercado de trabalho urbano e a inserção espacial /

residencial da população pobre nas cidades. De acordo com estas perspectivas, diferentes

atores são legitimados a intervir sobre a mesma. Assim no princípio do século XX o

discurso sobre a higiene com a ênfase no cortiço abriu caminho para os sanitaristas

realizarem intervenções sobre o corpo, o comportamento e moradia dos pobres. Já nos

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anos 50-60 a pobreza foi reconhecida como questão social e seu novo porta-voz passa a

ser o cientista social e o educador.

Nos anos 70 com o regime militar a questão da pobreza passa a ser considerada

antagônica ao projeto de Brasil como o país do futuro e com a imagem de

desenvolvimento acelerado que se procurava construir: as favelas tornam-se

emblemáticas da pobreza, e as habitações populares voltam a ser alvo de políticas de

controle e remoção. Nos anos 80 com a abertura política do país, prevalece a política de

urbanização das favelas. Dos anos 90 até os dias atuais verifica-se uma aproximação de

variados atores e instituições como universidades e ONG’s, tanto da questão da pobreza,

propriamente dita, quanto das favelas como campo de pesquisa e intervenção.

Do cortiço à favela: a construção da marginalidade

Conforme aponta Valladares (1991) com a demanda da transformação das capitais

brasileiras em grandes centros urbanos, e com o fortalecimento da economia industrial, a

pobreza passa a ser alvo da intervenção direta de políticos e gestores em um contexto

sócio-histórico onde começa a vigorar uma multiplicidade de discursos dentre eles o

sanitarista, o econômico, o político e o jurídico.

O Brasil no final do século XIX e início do século XX apresentava, mesmo em

suas maiores e principais cidades (Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Salvador, etc.), uma

estrutura urbana antiga, herdada do período colonial. Isto dificultava o estabelecimento

de uma dinâmica capitalista na economia do país, o que já vinha acontecendo a mais de

um século nos países na Europa e nos Estados Unidos desde a Revolução Industrial. Na

cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, isto era particularmente verdadeiro: a

precariedade dos portos inibia as atividades comerciais de importação e exportação; as

ruas estreitas e congestionadas dificultavam a circulação de pessoas e mercadorias dentro

da cidade; os esgotos a céu aberto eram ameaças à saúde da população (Silva, 2006).

Sendo a cidade a grande vitrine a ser destacada como o símbolo do avanço do país, a

demanda pela modernização e urbanização dos espaços públicos era crescente no

período.

Nesse contexto, a questão da habitação e da pobreza passa a se configurar como

problemática central no debate sobre a modernização da cidade: a existência de cortiços

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que abrigavam milhares de pessoas em condições extremamente precárias de existência

saltava aos olhos da população e se revelava antagônica com a imagem de cidade limpa,

organizada e higienizada que se pretendia construir. Os cortiços eram considerados o

principal lócus de concentração de pobreza da cidade do Rio de Janeiro sendo lugar de

moradia tanto para trabalhadores quanto para os considerados vagabundos e malandros,

todos pertencentes a chamada classe de “pobres perigosos”, visão preponderante no

panorama mundial da época conforme aponta Bresciani (1982). Além da representação

de lugar da marginalidade, os cortiços eram também percebidos como um espaço

propagador de doenças e vícios, se constituindo em uma das mais agudas ameaças à

ordem social e moral na época (Valladares, 2005).

Dessa forma, as condições insalubres, historicamente existentes na cidade,

passaram a estar fortemente associadas à existência das habitações coletivas populares,

que deveriam dar lugar a novas moradias com padrões higiênicos e urbanísticos mais

aceitáveis. Assim, a insalubridade se configura como uma das maiores contradições a ser

superada no Rio de Janeiro do início do século XX. Pretendia-se com isso não só conter

as epidemias, mas, principalmente estabelecer o controle sobre a população pobre, pois

tais habitações eram vistas como redutos de desordeiros, malandros e facínoras. (Silva,

2006).

Vale destacar que neste período a elite brasileira estava impregnada pelos valores

europeus de ordenamento, organização e urbanização, já que as principais cidades

europeias passaram por processos parecidos em períodos anteriores. Estes valores se

refletiram na cidade do Rio de Janeiro também no nível de gestão.

O maior símbolo disso se encontra na administração de Pereira Passos;

engenheiro de formação que estudou na França onde assistiu a grande reforma urbana de

Paris empreendida pelo então prefeito Georges-Eugène Haussmann, ou simplesmente o

Barão Haussmann1, conhecido na época como o “artista demolidor”. Em 1902 Passos foi

1 Haussman foi o principal responsável pela reforma urbana de Paris no século XIX. Nomeado prefeito por Napoleão

III, cuidou do planejamento da cidade, com a colaboração de arquitetos e engenheiros renomados na época, entre os

anos de 1853 e 1870. Com ações como a demolição das antigas ruas, pequenos comércios e moradias da cidade e a

construção de grandes avenidas e boulevards, Haussman pretendia, além de tornar a cidade mais bela e imponente,

cessar com as barricadas, insurreições e combates populares, muito recorrentes na época.

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nomeado, prefeito da cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, pelo presidente

Rodrigues Alves e, inspirado nas reformas de Haussmann, em quatro anos transformou

profundamente a cidade: aos cortiços e às ruas estreitas e escuras, sobrevieram

grandes boulevards, com imponentes edifícios, dignos de representar a capital federal.

Nesse período, chamado na época de “bota-abaixo”, a demolição de morros, cortiços e a

remoção da população pobre para os subúrbios e áreas periféricas começaram a fazer

parte do cotidiano da cidade, modificando profundamente sua configuração urbana e,

consequentemente, sua organização social:

Ao término da administração de Passos, em 1906, mais de 1.600

habitações haviam sido derrubadas. Passos abriu novas ruas e

alargou outras, canalizou rios, criou espaços arborizados para o

lazer e o embelezamento da cidade, construiu palácios e

pavilhões. O governo federal, por sua vez, comandou a

campanha de saneamento, liderada por Oswaldo Cruz;

construiu o novo porto; e rasgou o centro do Rio para abrir a

Avenida Central. (Silva, 2006)

A partir de Pereira Passos o Estado passou a intervir diretamente na questão da

habitação e da pobreza com a criação de leis que impediam a construção de novos

cortiços, a destruição de cortiços existentes e a remoção da população pobre para áreas

periféricas. As reformas empreendidas no Rio de Janeiro cumpriram seu papel no que

tange ao embelezamento da cidade, alargamento de ruas, expansão das atividades

comerciais no centro, etc. No entanto, a ausência de uma política de habitação includente

e a escassez na construção de habitações populares expulsou a população pobre para as

áreas periféricas da cidade. É nesta época que se acentua a ocupação de morros e encostas

e surgem as primeiras favelas cariocas.

A invenção das favelas

A falta de políticas públicas que visassem acabar com a crise habitacional, que há

décadas marcava profundamente a cidade, pode ser apontada como um dos principais

fatores que favoreceu a formação e o crescimento das primeiras favelas. Outros fatores

também podem ser levantados como, por exemplo, a formação de uma nova classe sem

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acesso ao mercado de trabalho, fruto do ainda recente processo de final da escravidão e a

extremamente desigual distribuição de renda que levou a população pobre a se descolar

para lugares impróprios à ocupação urbana, como áreas de risco ou regiões desprovidas

de serviços públicos básicos como esgoto, água tratada, saúde, educação, entre outros.

(Silva, 2006).

O simbólico Morro da Favella no centro do Rio, hoje conhecido como Morro da

Providência, pode ser apontado como o marco de quando o termo favela passou a

designar os morros, encostas e áreas periféricas ocupadas pela população pobre. Este

morro ficou conhecido por abrigar combatentes que voltaram da Guerra de Canudos2 que

se instalaram ali a fim de pressionar o governo a pagar seus soldos atrasados. Uma

hipótese para a adoção do termo favela para nomear o morro se deve a planta favella que

era comum na região do Arraial de Canudos na Bahia e também era encontrada na

vegetação que cobria o Morro da Providência. Com o tempo o nome favela estendeu-se a

outros morros e já na década de 1920 as ocupações de colinas que se caracterizavam por

barracos e casebres já eram conhecidas popularmente por este nome. (Valladares, 2005).

Também nesta época começa a se consolidar a oposição asfalto x morro onde a

favela assume a representação de “antítese” da cidade, papel antes atribuído aos cortiços.

No entanto, é na década de 30 que as favelas passam a substituir de forma definitiva os

antigos cortiços, como lugares privilegiados de exclusão da população pobre, fato este

que pode ser atribuído à consolidação das políticas de remoção das décadas anteriores

quando a população pobre foi retirada das áreas nobres e centrais da cidade.

Já na década de 60 a expansão das favelas no Rio aumenta vertiginosamente, fruto

das políticas populistas que caracterizam o período e da percepção do potencial eleitoral

da população que residia nessas áreas. Com isso as favelas viram verdadeiros “currais

eleitorais” onde melhorias contingenciais, como asfaltamento de ruas, distribuição de

insumos, etc. são oferecidas a população em troca de votos. Este fenômeno ainda existe

em muitas comunidades da cidade.

2 Guerra de Canudos ou Campanha de Canudos foi o confronto entre o Exército Brasileiro e integrantes de um

movimento popular de fundo sócio-religioso liderado por Antônio Conselheiro, que durou de 1896 a 1897, na então

comunidade de Canudos, no interior do estado da Bahia, no nordeste do Brasil.

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Com o estabelecimento da ditadura militar ainda na década de 60, a política social

populista é substituída por um controle mais amplo e violento sobre as camadas

populares e pelo alinhamento mais explícito das instituições governamentais com os

interesses das classes dominantes. Isto se reflete na volta da política de remoção de

moradores de favelas para conjuntos habitacionais, o que era reconhecidamente contra os

interesses dos mesmos, mas bastante interessante ao Estado e aos empresários da

construção civil da época (Valla, 1986), fenômeno também presente na atual

configuração da cidade.

No final da década de 70 e nos anos 80, com o enfraquecimento e queda do

regime militar, os governos municipal, estadual e mesmo federal, adotam uma política

global de urbanização das favelas. Essa será a palavra de ordem até os dias de hoje.

Conforme aponta Valla (1986) a adoção dessa política é fruto da convergência de alguns

fatores, dentre eles o surgimento de novas favelas e o crescimento das já existentes, as

políticas sociais de instituições financeiras internacionais como o FMI e o Banco

Mundial, a crescente organização e conscientização dos moradores das favelas, o

crescimento destas comunidades enquanto redutos oposicionistas em termos eleitorais, o

interesse da indústria da construção civil no mercado de baixa renda, etc.

É interessante notar a relação direta entre urbanização de favelas e abertura

política: se durante períodos menos democráticos, principalmente a ditadura, a ordem era

a remoção, nos momentos mais populistas tendeu-se à legalização. Prova disso é que

durante a ditadura militar, entre 1964 e 1974, oitenta favelas, com 26.193 barracos, foram

removidas, deslocando uma população de 139.218 pessoas (Varella, Bertazzo, Jaques,

2002).

A partir da adoção da legalização e urbanização como políticas, uma série de

programas e iniciativas são criados para propor soluções a questão habitacional nas

favelas como o PROMORAR programa do governo federal que “visava solucionar o

problema das habitações subumanas, as favelas e as palafitas” (Valla,1986, p.141), o

Projeto Rio desenvolvido pela prefeitura do Rio de Janeiro a partir das intervenções no

Complexo da Maré e, já na década de 90, o Favela-Bairro, que trazia no nome o ideal de

urbanização das favelas.

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Chegamos aos dias atuais com as favelas sendo alvo de inúmeros programas

sociais e intervenções, tanto governamentais quanto de entidades e instituições das mais

variadas naturezas (privadas, sem fins lucrativos, filantrópicas, etc.). No entanto,

observamos que, se por um lado as políticas de inclusão e urbanização são hegemônicas

em nível de discurso, na prática pouco se alterou em termos de redução das

desigualdades, desconstrução de estigmas, acesso a serviços básicos, etc.

É possível observar também que, se antes as políticas de remoções e destruição

das favelas eram a tônica do processo de urbanização da cidade, hoje, quando as favelas

se consolidam como única possibilidade habitacional de boa parte da população da

cidade, o caráter coercitivo das intervenções estatais permanece só que travestidas de

outras formas, como por exemplo, nas políticas de choque de ordem, na pacificação que

remete a uma militarização do cotidiano da população pobre e favelada, nas intervenções

truculentas das operações policiais e militares, etc.

As intervenções na saúde

Em termos de saúde o percurso histórico de formação das favelas foi também

marcado por uma forte tendência higienista, influenciada por correntes que nos séculos

XVIII e XIX se firmaram na Europa, e por uma intensa intervenção do Estado no

cotidiano da população, principalmente na vida dos cidadãos pobres.

Mais do que considerados como geradores de dificuldades para a manutenção da

ordem pública, os pobres eram também vistos como portadores potenciais de riscos de

contágios. Para os sanitaristas da época os hábitos da população pobre, principalmente os

referentes à moradia eram nocivos à sociedade, já que as habitações coletivas seriam

focos de irradiação de vícios de todos os tipos, tanto os biológicos, quanto os morais.

Além disso, a cidade do Rio de Janeiro era considerada uma das mais sujas e

insalubres do mundo devido a fatores como a rede insuficiente de água e esgoto, a

precária coleta de resíduos, os já citados cortiços super povoados, etc. Nesse ambiente

proliferavam muitas doenças, como a tuberculose, o sarampo, o tifo e a hanseníase. Na

época alastravam-se, sobretudo, grandes epidemias de febre amarela, varíola e peste

bubônica (Valladares, 2005). Aliavam-se a isso as necessidades econômicas, pois o país

tinha como principal pilar de sua economia o modelo de desenvolvimento baseado na

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agro-exportação o que tornava o saneamento dos portos e espaços públicos uma

prioridade para a consolidação deste modelo (Smeke & Oliveira, 2001).

Neste contexto, seriam necessárias não só intervenções no sentido de limpar a

cidade e imunizar a população das doenças, mas também um tratamento moral, onde a

educação seria uma forma de garantir a adoção de hábitos mais condizentes com os de

uma cidade limpa e moderna. Ciente desta necessidade o então presidente Rodrigues

Alves designa Oswaldo Cruz, biólogo e sanitarista, para ser chefe do Departamento

Nacional de Saúde Pública, que juntamente com o prefeito Pereira Passos, seriam os

responsáveis pela reforma da cidade: se Pereira Passos foi o símbolo da transformação

urbana, Osvaldo Cruz pode ser considerado o principal responsável pela reforma sanitária

desencadeada na cidade.

Através de ações como a criação das Brigadas Mata Mosquitos visando acabar

com mosquitos transmissores da febre amarela, a distribuição de raticidas pela cidade, a

orientação a população quanto a necessidade de não jogar lixo e resíduos nas ruas, etc,

Osvaldo Cruz inseriu elementos da polícia médica e da medicina urbana no cotidiano da

cidade intervindo diretamente na vida do cidadão comum da cidade e obtendo certo êxito

no combate as doenças infecto-contagiosas:

“A polícia sanitária, liderada por Osvaldo Cruz, adotou

medidas de controle de enfermidades (febre amarela, peste,

varíola, tuberculose, sífilis, entres outras), mediante a vacinação

compulsória, da vigilância sobre atitudes e moralidade dos

pobres, da normatização arquitetônica do espaço urbano e dos

portos (demolições periódicas de estalagens e cômodos,

legislações municipais determinando a construção de vilas

operárias baratas e saudáveis em áreas pouco povoadas).”

(Smeke & Oliveira, 2001. p.118).

No entanto, as intervenções sobre a população se davam de maneira coercitiva e

autoritária atuando sobre os corpos e sobre a moral dos cidadãos, o que por sua vez

gerava um alto grau de descontentamento na população que, incentivada pela

participação de imigrantes europeus imbuídos de ideologias libertárias e anarquistas,

compunham uma cultura avessamente sensível às práticas de dominação e exploração

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fortalecendo assim movimentos de resistência como a Revolta da Vacina (Smeke &

Oliveira, 2001).

A Revolta da Vacina

A Revolta da Vacina foi um episódio simbólico deste período: para erradicar a

varíola Osvaldo Cruz convenceu o Congresso a aprovar a Lei da Vacina Obrigatória (31

de Outubro de 1904), permitindo que brigadas sanitárias, acompanhadas por policiais,

entrassem nas casas das pessoas para aplicar a vacina, mesmo que à força.

Opositores e parte da mídia criticaram duramente a ação do governo e falavam de

supostos perigos causados pela vacina. Além disso, o boato de que a vacina teria de ser

aplicada nas "partes íntimas" do corpo (as mulheres teriam que se despir diante dos

vacinadores) agravou a ira da população, que se rebelou. Neste sentido, como refere

Carvalho (1987) a Revolta da Vacina fundamentou-se principalmente em razões

ideológicas e morais:

“Era a revolta fragmentada de uma sociedade

fragmentada. De uma sociedade em que a escravidão impedira o

desenvolvimento de forte tradição artesanal e facilitara a

criação de vasto setor proletário. A fragmentação social tinha

como contrapartida política a alienação quase completa da

população em relação ao sistema político que não lhe abria

espaços. Havia, no entanto, uma espécie de pacto informal, de

entendimento implícito, sobre o que constituía legítima

interferência do governo na vida das pessoas”. (Murilo de

Carvalho, 1987: 138).

Como apontam Sevcenko (1993), Chalhoub (1996); e Meihy e Bertolli Filho

(1995), é importante salientar que a oligarquia paulista da época apoiada por alguns

segmentos do exército, principalmente os cadetes da Praia Vermelha, buscaram canalizar

o movimento para a derrocada do governo republicano.

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Ao final da revolta que teve o saldo de 30 mortos, 110 feridos, cerca de 1 000

detidos e centenas de deportados, o governo recomeçou a vacinação da população, tendo

como resultado a erradicação da varíola na cidade.

A Revolta da Vacina tornou-se emblemática da intervenção autoritária do Estado

na saúde e intimidade dos cidadãos. A metáfora do corpo orgânico para falar da

sociedade circula entre os médicos sanitaristas de forma que a medicalização da

sociedade serviria para criação de condições ambientais que favorecessem a formação de

corpos e mentes sadias condizentes com uma nação próspera e civilizada (Rago, 1985).

O campo da Educação em Saúde no Brasil

Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1990), a ação social situa-se na

distinção em “campos”. Os campos se autonomizam como universos com dinâmicas

internas próprias, formadas por indivíduos com um conjunto de capacidades, poderes e

influências, definidos pelo autor como capitais. Assim, os campos configuram-se a partir

de certos interesses e dinâmicas, baseando-se em certos tipos de capitais. Os campos

relacionam-se entre si com certa hierarquia em uma relação de forças onde é

preponderante – mas não determinante – o campo econômico. Existem campos e

subcampos com diversas áreas, segmentos e subdivisões (Bourdieu, 1990).

Essas noções de Bourdieu, utilizadas em diferentes domínios do conhecimento,

apresentam ideias pertinentes para a leitura da constituição do campo da Educação em

Saúde no Brasil. A base da discussão do autor está na relação de forças e dos processos

que regulam as sociedades modernas, ou seja, na mediação entre os agentes sociais e a

sociedade. Nesse sentido, no que se refere ao campo da Educação em Saúde no Brasil,

várias áreas de conhecimento e diferentes profissionais influíram na dimensão

pedagógica da construção de um discurso hegemônico e normativo, caracterizando sua

formação entre o final do século XIX e o início do século XX.

Enquanto na Europa a discussão nesse mesmo período se voltava cada vez mais

para os determinantes sociais, por meio das relações entre condições de vida e saúde-

doença, prevalecia no Brasil do século XIX uma perspectiva autoritária, formadora de

normas e prescrições às quais os indivíduos deveriam se adequar, na qual o modelo

econômico do país teve grande influência. A construção dessa proposta de Educação em

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Saúde, normativa e mesmo coercitiva, estava relacionada com a afirmação do modelo

agro-exportador como estruturante na economia do país, o que, como discutimos,

demandava a salubridade de portos e espaços públicos.

Tomando novamente como referência a cidade do Rio de Janeiro, então capital do

país no início do século XX, pode-se dizer que as intervenções visando a garantir a

limpeza dos espaços públicos ocorreram, sobretudo, nas classes pobres que habitavam as

regiões centrais das cidades e nas zonas portuárias, por meio de uma série de ações, como

a criação da polícia sanitária, a vacinação compulsória, a demolição de cortiços e a

expulsão da população pobre para as regiões periféricas da cidade.

Conforme apontam Valla e Stotz (1994), as reformas urbanas e sanitárias

empreendidas no início do século XX nas principais cidades do país emergiram da

necessidade capitalista de disciplinar corpos e espaços, a fim de garantir a acumulação de

condições favoráveis, tanto para a produção e circulação de mercadorias, quanto para a

formação de um contingente de trabalhadores disciplinados e sadios. No entanto, a

focalização no combate a algumas doenças, principalmente as transmissíveis e infecto-

contagiosas, ainda era a tônica da grande maioria das ações de saúde, em detrimento de

outros campos, como, por exemplo, a saúde do trabalhador:

“[...] combateu-se a febre amarela, principal causa de

mortalidade dos trabalhadores imigrantes – o maior contingente

da força de trabalho da indústria carioca – e deixou-se de lado

qualquer cuidado com a saúde dos trabalhadores brasileiros”

(Valla e Stotz, 1994, p.20).

Isso evidencia que a saúde do cidadão em si e a melhoria da qualidade de vida

geral da população não eram o objetivo final das ações em saúde empreendidas, pois elas

visavam ao estabelecimento de condições urbanísticas e higiênicas mínimas, que

possibilitassem o desenvolvimento econômico do país.

Até 1920, a estrutura sanitária brasileira estava concentrada em resolver

problemas específicos. A ideia de prevenção e educação no que se refere a doenças que

não tinham tratamento se fortaleceu, pois foram então introduzidas noções de higiene,

imunizações e cuidados individuais, cujo alvo principal era a criança. Para isso, vários

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médicos brasileiros, financiados pela Fundação Rockfeller,3 foram se formar em Saúde

Pública na Universidade John Hopkins. Assim, o Movimento Sanitarista, que surgiu no

Brasil após os anos 20, teve forte influência da estrutura universitária norte-americana,

com o intuito de reduzir ao máximo possível o poder coercitivo da polícia sanitária.

Mesmo assim, segundo Mascarenhas (1973), esse poder coercitivo adquiriu novamente

força no governo Vargas, na forma de polícia sanitária.

Conforme aponta Cardoso de Melo:

“A saúde e a educação vão ser políticas privilegiadas nas

políticas sociais. A concretização dessas propostas (sanitária e

escola-novista) vai depender da correlação de forças na disputa

pelo poder político após a Revolução de 30... As políticas sociais

(de educação e saúde) vão ser formuladas em função do modo de

inserção dos trabalhadores na produção” (1981, p.34).

De acordo com o autor, a partir de 1942, os EUA formaram um acordo com o

Brasil, visando à exploração da borracha e minérios e ao aumento na produção de

alimentos. Consequentemente, a atenção da Saúde Pública voltou-se para o homem do

campo. Desse modo, novamente, médicos e cientistas sociais foram se especializar nos

EUA em Educação Sanitária, para trazer novas metodologias e técnicas para as práticas

de Educação em Saúde: educação de grupos e recursos audiovisuais com incentivo à

participação dos indivíduos.

Novas áreas de conhecimento foram incorporadas à Educação em Saúde, com

vistas à intervenção social, como o Serviço Social. Da mesma forma, à medida que a

nova concepção preconizava uma educação sanitária que levasse em consideração os

fatores sociais, econômicos e culturais que constituem “barreiras” para as boas práticas

de saúde, o conhecimento das Ciências Sociais passou a ser relevante. No entanto, apesar

da inclusão desses domínios que valorizam outros fatores além dos biológicos na noção

de saúde, esta ainda era percebida como uma responsabilidade individual.

Assim, a partir da década de 1950, dois movimentos se fizeram presentes: a

imputação da responsabilidade sobre a saúde aos indivíduos e a consequente isenção da

3 Sobre a importância da Fundação Rockefeller na formação e saúde da sociedade brasileira, ver Castro Santos

e Rodrigues de Faria (2003).

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responsabilidade do Estado e das políticas públicas que interviessem nos condicionantes

mais amplos de saúde da população, como a educação, o saneamento, a moradia etc. Com

isso, as ações educativas em saúde ficaram restritas à programas e serviços destinados a

populações à margem do jogo político central, e continuou-se a priorizar o combate às

doenças infecciosas e parasitárias (Vasconcelos, 2001).

A partir da década de 1960, a Educação em Saúde no Brasil esteve basicamente

subordinada aos interesses das elites políticas e econômicas, voltando-se para a

imposição de normas e comportamentos considerados por elas adequados. Ganhou força

a ideia da Educação em Saúde como forma de extinguir comportamentos de risco e de

garantir a adoção de hábitos saudáveis (práticas higiênicas, vacinação, realização de

exames etc.). Essa lógica reforça a ideia de que o indivíduo é o maior responsável por sua

saúde ou o maior culpado por sua doença, e, com isso, deixou-se de discutir até que ponto

as soluções para problemas de saúde passam por ações socialmente sustentadas do ponto

de vista cultural, econômico e político (Vasconcelos, 2001).

Paradoxalmente ao desmonte da saúde pública estatal e a violenta repressão

impostas pela ditadura militar em meados da década de 60, houve o fortalecimento de

uma série de experiências comunitárias de Educação em Saúde no período, o que

significou uma verdadeira ruptura com o padrão que até então vinha se desenhando: o

contexto de coerção e agudização das desigualdades mobilizou diversos movimentos

sociais e comunitários que engendraram novas formas de resistências no campo da saúde

(Smeke e Oliveira, 2001). Isso ocorreu em decorrência da insatisfação de muitos

profissionais de saúde, intelectuais e acadêmicos com a política de saúde, que se voltava

para a expansão dos serviços médicos privados, especialmente hospitais e policlínicas

conveniados, nos quais as ações educativas não tinham espaço significativo. Esses

profissionais, insatisfeitos com as práticas mercantilizadas e rotinizadas dos serviços de

saúde, aproximaram-se da dinâmica de luta e resistência das classes populares e

engajaram-se no processo de formação de uma nova organização política da saúde, de

forma que, no vazio do descaso do Estado com os problemas populares, configuraram-se

iniciativas de busca de soluções técnicas construídas com base no diálogo entre o saber

popular e o saber acadêmico (Vasconcelos, 2001).

A partir desse momento, surgiram e se fortaleceram uma série de iniciativas e

movimentos, que impulsionaram a participação da população na discussão sobre saúde e

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condições de vida, como associações de moradores, o movimento operário, as

experiências das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) etc. Nessa época também

ocorreram as primeiras experiências de Educação Popular inspiradas na metodologia de

alfabetização de adultos criada por Paulo Freire, a qual será abordada mais

detalhadamente adiante. As propostas de conscientização crítica e libertadora no campo

da educação também chegaram ao campo da saúde, cujas discussões começaram a se

aproximar mais das realidades locais das populações.

Nesse contexto, no ano de 1967, a Faculdade de Saúde Pública da USP inaugurou

o curso de Educação em Saúde Pública, para formar o Educador em Saúde Pública,

profissional preferentemente oriundo da graduação em Ciências Sociais. A introdução

desse profissional no país encontra barreiras para se difundir, devido ao regime

autoritário vigente. De acordo com Cardoso de Melo, é o “período negro” da educação

sanitária já que ela “Perde espaço para a nova racionalidade no interior do Sistema

Nacional de Saúde (reflexo do período também negro para a sociedade civil, em

particular para as camadas populares trabalhadoras)” (Cardoso de Melo, 1981, p.39).

Nos anos 70, os movimentos sociais ligados à saúde se fortaleceram e passaram a

fomentar experiências de ações e serviços comunitários desvinculados do Estado e

integradas a diferentes dinâmicas sociais locais. Com o início do processo de abertura

política, que ganhou força na segunda metade da década, movimentos populares, que já

tinham avançado na discussão das questões de saúde, passaram a reivindicar novos

serviços públicos e a exigir participação no controle de serviços e unidades de saúde

existentes. Conforme aponta Vasconcelos (2001), nessa época, a participação de

profissionais de saúde nas experiências de Educação Popular trouxe para o setor uma

verdadeira ruptura com a tradição autoritária e normatizadora, que vigorava até então em

relação às classes populares.

Analisando as transformações na concepção de sujeito a partir dos diferentes

momentos históricos vivenciados no país, Smeke e Oliveira (2001) mostram como o

surgimento de movimentos sociais e comunitários em um contexto de agudização das

desigualdades sociais se relaciona ao esvaziamento de partidos e sindicatos, à omissão do

Estado na garantia de direitos básicos e à noção de indivíduo que se assume como sujeito

de direitos, como cidadão. Por outro lado, o discurso incorpora a noção de participação

comunitária, com o intuito de aliviar as tensões sociais geradas pela deterioração das

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condições de vida da população, conseqüentes do modelo político e econômico vigente

(Cardoso de Melo, 1981).

No decorrer da década de 80, com a consolidação da abertura política no país e a

criação do Sistema Único de Saúde (SUS), os movimentos surgidos nas décadas

anteriores ampliaram suas reivindicações para mudanças mais globais nas políticas

sociais, assim, algumas das muitas experiências locais que eclodiram nas décadas

anteriores perderam um pouco de seu protagonismo na luta por melhores condições de

saúde, como é o caso das Comunidades Eclesiásticas de Base (CEBs). No entanto, a

experiência de integração vivida por intelectuais e líderes populares e o saber daí

construído continuaram presentes, sendo inclusive levados para o interior de instituições

públicas, movimento que foi facilitado pela incorporação de militantes aos quadros

políticos e profissionais de serviços e instituições governamentais.

Os anos 90 foram marcados pelo avanço das ideologias neoliberais que, por meio

de pressupostos como a diminuição da regulação do Estado na economia, a exacerbação

da lei do livre mercado e a privatização de serviços estatais, representaram grande

retrocesso nas políticas sociais e, consequentemente, aumento da desigualdade

econômica e social. Esse movimento ocorreu em nível global e se acentuou no Brasil, a

partir do governo Collor. Nesse contexto, assistiu-se no país à expansão do chamado

terceiro setor, em áreas basais, como a educação e a saúde, principalmente mediante o

fortalecimento das Organizações Não Governamentais (ONGs), entidades que se

declaram com finalidades públicas e sem fins lucrativos, e passam a ocupar o vazio

deixado pela ausência das políticas do Estado, realizando ações sociais com o

financiamento do próprio Estado ou de entidades privadas. Discutiremos mais

detalhadamente este tema no capítulo V.

O fortalecimento do terceiro setor é uma realidade até os dias atuais e impõe

novos desafios à Educação em Saúde, já que a lógica do cidadão como portador de

direitos, que vinha se fortalecendo desde a década de 70, passou a ser substituída pela

lógica do indivíduo com direito ao consumo, o que resultou no esvaziamento do caráter

reivindicatório das organizações populares e na desmobilização de movimentos sociais,

que passaram a ser substituídos ou cooptados por relações de troca, como o clientelismo

(Smeke e Oliveira, 2001).

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Concomitantemente a isso, permanece o desafio de incorporar no cotidiano dos

serviços e instituições de saúde metodologias que valorizem o saber popular e o

protagonismo do cidadão. Nesse sentido, a Educação Popular passou a assumir papel

central, conforme aponta Vasconcelos (2001, p.28):

“[...] na luta pela democratização do Estado, [...] o método da

Educação Popular passa a ser um instrumento para a construção e

ampliação da participação popular no gerenciamento e reorientação

das políticas públicas”.

Ainda na década de 90, o movimento de organização de profissionais e

educadores em saúde criou a Articulação Nacional de Educação Popular em Saúde

(ANEPS). Esse é um marco importante a ser destacado, pois indica que, apesar da

conjuntura desfavorável, o período também foi marcado pela resistência de atores que

acreditavam numa perspectiva de educação e saúde mais crítica, participativa e engajada.

A valorização do saber popular: a perspectiva de Paulo Freire

As primeiras experiências em Educação Popular surgiram na década de 1960, a

partir do método de alfabetização desenvolvido e aplicado por Paulo Freire com classes

populares. É importante ressaltar que se usa aqui a concepção de Freire, entendendo-se

popular como sinônimo de oprimido, aquele que vive sem as condições elementares para

o exercício de sua cidadania e que está fora de posse e uso dos bens materiais produzidos

socialmente (Freire, 2005).

O método desenvolvido por Freire preconizava tomar as representações dos

sujeitos acerca de sua própria realidade para a ação educativa, e alcançou resultados

significativos na alfabetização de adultos em curtos períodos de tempo. No entanto, o

método ia além da alfabetização, e se constituía como uma verdadeira proposta de

Pedagogia da Libertação das classes oprimidas, na tentativa de elucidá-las em relação às

condições de opressão presentes na sociedade e conscientizá-las de sua potência política.

Dessa forma, a valorização dos múltiplos saberes existentes, para além das

fronteiras e delimitações do saber formal ou acadêmico, constituiu-se como um dos

principais pilares da Educação Popular em saúde. Nesse sentido:

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Um elemento fundamental do método da Educação

Popular é o fato de tomar, como ponto de partida do processo

pedagógico, o saber anterior do educando. No trabalho, na vida

social e na luta pela sobrevivência e pela transformação da

realidade, as pessoas vão adquirindo um entendimento sobre a

sua inserção na sociedade e na natureza. Esse conhecimento

fragmentado e pouco elaborado é a matéria-prima da Educação

Popular (Brasil, 2007).

Freire propunha a afirmação da educação enquanto prática de liberdade em

oposição ao modelo pautado na educação bancária, termo usado pelo autor para definir

os processos educativos que depositam, como nos bancos, conteúdos desconectados do

contexto dos educandos, os obrigando a decorarem sem compreender, sem problematizar.

Como vimos, esta forma de educação foi durante muito tempo hegemônica também no

contexto da saúde, tendo ainda fortes influências nas atuais propostas de educação neste

campo.

Esta forma de educar não criticiza e não qualifica a leitura de mundo dos

educandos. Assim, não os movimenta para a transformação, mas para a alienação e para

a manutenção da ordem hegemônica estabelecida. A educação bancária não

conscientiza, enche os educandos de conteúdos, considerando-os meros recipientes

vazios que necessitam serem preenchidos pelos “comunicados” dos educadores.

Portanto, “não comunica, faz comunicados” (FREIRE, 2005). Quanto mais se transfere

conhecimento, menos se desenvolve a crítica. Esta falsa concepção de educação, que se

baseia no depósito de informes nos educandos, constitui, no fundo, um obstáculo à

transformação.

Enquanto a educação bancária dá ênfase à permanência, a concepção de

educação problematizadora reforça a mudança (FREIRE, 2005). Paulo Freire afirma

que o papel da educação, compreendida em sua perspectiva verdadeira, é o de

humanizar o homem na ação consciente que este deve fazer para transformar o mundo.

Desta forma, a prática educativa tem potencial transformador da realidade concreta,

enquanto prática libertadora. “A ideia da liberdade somente terá plena significação,

quando comungar com a luta concreta dos homens e mulheres por libertar-se”

(FREIRE, 1983, p. 9). Assim, a educação é um instrumento de superação dos obstáculos

da realidade e deve possibilitar a libertação dos homens.

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Outro aspecto da Educação Popular bastante ressaltado por Freire (2005) é o

reconhecimento e valorização das potencialidades das diversas populações, e não só de

seus aspectos negativos. Considera-se que esse é um elemento estratégico

particularmente no trabalho em áreas faveladas ou comunidades de baixa renda, já que,

no olhar para essas áreas é comum que o negativismo prevaleça, sendo quase sempre

focados elementos como a pobreza, a violência e a escassez, de forma geral. No entanto,

esses espaços são territórios permeados de vida, onde estratégias de sobrevivência são

elaboradas a todo o tempo e usa-se a criatividade, para lidar com a escassez de recursos.

Além disso, dimensões como o prazer, a solidariedade e o lazer também são muito

presentes nesses lugares, embora dificilmente sejam reconhecidas por um olhar externo.

Freire (1980) fala ainda de um componente fundamental da prática educativa, que

é a conscientização: a experiência de realidade ou de construção da realidade se dá

enquanto movimento de aproximação do homem com o mundo, no entanto, a

conscientização seria mais do que isso, seria o processo de aproximação, juntamente com

o de significação, a partir da qual se torna possível a construção de uma consciência

crítica de mundo, que é necessariamente histórica, pois implica que os homens assumam

seu papel de sujeitos na construção de sua realidade.

Nas palavras de Freire (1980, p.35), trata-se de:

“uma educação que procura desenvolver a tomada de

consciência e a atitude crítica, graças à qual o homem escolhe e

decide, liberta-o em lugar de submetê-lo, de domesticá-lo, de

adaptá-lo, como faz com muita frequência a educação em vigor

num grande número de países no mundo, educação que tende a

ajustar o indivíduo à sociedade, em lugar de promovê-lo em sua

própria linha”.

Nesse sentido, Freire acredita na educação como instrumento transformador da

sociedade, defende a docência como instrumento de liberdade e o respeito ao

conhecimento trazido pelos educandos e ao senso comum, em resposta ao autoritarismo

muitas vezes presente na educação bancária.

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A educação com a ênfase “Popular” é, portanto, necessariamente um espaço de

mobilização, organização e capacitação técnica e científica, em que o conhecimento do

mundo é feito por meio das práticas dos indivíduos e da problematização das relações de

classe que sustentam o modelo societário, que privam as pessoas em situação de opressão

de seu pleno desenvolvimento.

Tomando como ponto de partida a perspectiva de Paulo Freire, e sabendo que

muitos educadores em saúde assumem este discurso como o mais adequado ao trabalho

junto aos grupos populares, como se dá a aplicação do mesmo na prática? Observamos

que, atualmente, um dos maiores desafios da Educação em Saúde no Brasil é a superação

do fosso cultural ainda existente entre os profissionais e a população. Se por um lado, o

processo educativo na área da saúde muitas vezes se consolidou como um veículo de

dominação ou mesmo de violência através de práticas de transmissão, coerção,

messianismo, superioridade e invasão cultural, por outro a Educação em Saúde pautada

no diálogo e no respeito ao saber anterior da população, muitas vezes é descrita em livros

e manuais como o modelo ideal, mas com frequência não aparece na prática cotidiana dos

profissionais, o que remete a uma contradição muitas vezes existente nos processos

educativos entre discurso e prática.

Alguns desses desafios também se tornaram presentes durante a pesquisa na Vila

Olímpica da Maré, conforme discutiremos nos capítulos a seguir.

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3 – ASPECTOS METODOLÓGICOS

Neste capítulo, apontaremos o percurso metodológico da presente pesquisa

apresentando o processo de escolha do tema, a definição do campo e a construção do

objeto de investigação. Também serão problematizados aqui alguns aspectos da

pesquisa em Ciências Sociais como, por exemplo, a subjetividade relativa à implicação

do pesquisador com o objeto investigado. Outro elemento importante o qual

discutiremos são os aspectos éticos da pesquisa social, principalmente no que se refere à

necessidade do estabelecimento de referencias para além do modelo biomédico que

possam ser usados como parâmetros na regulação deste tipo de pesquisa.

A implicação na pesquisa

Conforme aponta Merhy (2004) no campo da epistemologia e DaMatta (1978) no

da Antropologia, não há pesquisa desinteressada nem pesquisador neutro. Desta forma, a

escolha do tema geral dessa pesquisa, Educação em Saúde em Contextos de pobreza,

dialoga com elementos da minha trajetória profissional, acadêmica e pessoal.

Minha atuação como profissional de saúde, a militância em movimentos sociais, a

participação em estágios de vivência, onde pude conhecer não só outras realidades, mas

também outras perspectivas de saúde e doença, a identificação com as propostas de

Educação Popular, etc; todos esses elementos foram importantes para a definição dos

rumos da presente pesquisa, tanto no que se refere ao tema / objeto, quanto as opções

metodológicas escolhidas.

Um dos grandes desafios do processo de observação e escrita foi unir estas várias

inserções (ora como militante, ora como técnico, ora como acadêmico) em uma nova

categoria: a de pesquisador. Para tanto, foi necessário (re)aprender a olhar a realidade em

um exercício de estranhar o que até então era familiar e familiarizar-se com o

estranhamento de forma a viabilizar a ocorrência de novos olhares e conhecimentos.

Somente dessa forma foi possível me deslocar da questão da neutralidade em pesquisa,

sempre tão discutida no campo das Ciências Sociais, para a categoria que Merhy (2004)

denomina de “sujeito implicado”.

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Na definição de Merhy o sujeito implicado é

“(...) o sujeito que ambiciona ser epistêmico está

explicitamente subsumido na sua implicação, na sua forma

desejante de apostar no agir no mundo de modo militante, não

se reduzindo ao sujeito subsumido ao poder e à lógica

ideológica, como o sujeito epistêmico imaginado pelos

procedimentos científicos contemporâneos” (p.5).

Ao contrário do suposto “pesquisador neutro em relação ao objeto de pesquisa”,

este é um sujeito marcadamente ideológico, que tem certas concepções de mundo e outras

não, que opta por determinadas opções em detrimento de outras. No entanto, é importante

destacar que se a implicação na pesquisa está ligada a opções e concepções ideológicas

do pesquisador, ela não significa uma relação tendenciosa com o objeto de pesquisa.

Para Merhy (2004) na Saúde Coletiva há dois grandes caminhos científicos para

conformar os processos de investigação e, consequentemente, o processo de implicação

do pesquisador: um deles, o mais consagrado, é composto por estudos que obedecem a

desenhos investigativos, nos quais é claro e fundamental a separação entre o sujeito do

conhecimento e o seu objeto de estudo; já o outro é o conjunto dos estudos que

reconhecem a íntima relação entre sujeito e objeto, criando métodos de pesquisas que

transformam esta relação em componente dos procedimentos epistemológicos. No

primeiro, a possibilidade de positivar a relação sujeito e objeto é dada pela conformação

de um método científico que garanta a objetividade do conhecimento produzido; no

segundo, a incorporação do subjetivo, como constitutivo da íntima relação entre sujeito e

objeto, deve ser operada pelos métodos de estudo para permitirem o seu tratamento como

componente qualitativo fundamental, mas objetivável (p.4).

Tendo em vista a necessidade de se considerar a existência do pesquisador como

fator circular no diálogo entre sujeito e objeto na pesquisa em Ciências Sociais, o desafio

que se coloca é a possibilidade de operar a produção de saberes que sejam considerados

verdades em um contexto de militância, mas que possam ser considerados legítimos

também em outros contextos mediante um processo de validação que passe pelo diálogo

com interlocutores do campo científico e acadêmico, mas também pela coerência com a

realidade do contexto observado.

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45

Estabelecendo o desenho metodológico da pesquisa

A partir da definição da Vila Olímpica da Maré como campo de investigação e do

registro das observações lá desenvolvidas, a etnografia foi escolhida como principal

método de investigação, tendo assim como técnicas de pesquisa a observação participante

e as entrevistas semi-diretivas.

Sobre a etnografia, Clifford (1998) aponta que ela pode ser definida como um

método para pesquisa social que agrupa a análise de dados empíricos selecionados

sistematicamente para a pesquisa, provenientes de contextos situados e de uma gama

complexa de fontes, embora o foco seja relativamente estreito, envolvendo grupos

pequenos de indivíduos. A etnografia se caracteriza eminentemente como um trabalho de

campo, cuja observação do objeto de estudo ocorre por um período prolongado, seguido

da produção de dados, expressos por vias textualizadas, influenciadas pelo olhar do

pesquisador / etnógrafo.

Vale ressaltar que no caso da presente pesquisa, o exercício etnográfico

possibilitou a percepção sobre qual a postura em campo era necessária ao bom desenrolar

deste tipo de estudo o que ia ao encontro com as propostas de Educação em Saúde

pautadas em uma perspectiva dialógica, conforme discutiremos nos capítulos seguintes.

Já a observação participante conforme apontam Schwartz & Schwartz (1955) sob

a luz de Malinowski, é uma técnica de coleta de dados onde o observador participa de

situações sociais cotidianas dos observados estando em relação direta com estes o tempo

inteiro. Ao participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe informações

procurando interferir o mínimo possível na dinâmica da relação. Ainda para os autores,

na observação participante o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo

tempo modificando e sendo modificado por este contexto (Schwartz & Schwartz, 1955).

Os relatórios e os diários de campo são as fontes mais habituais de registros das

informações colhidas durante a observação participante. Dessa forma, desde o início da

observação etnográfica mantive um diário de campo onde registrava as informações

observadas no cotidiano da VOM. Neste diário foram relatados a maioria das atividades

acompanhadas, as falas e comportamentos dos atores, bem como minhas impressões

enquanto pesquisador, conforme preconiza Da Matta (1981).

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Conforme apontamos anteriormente, o grupo de Educação em Saúde chamado

“Ciranda da Saúde” foi escolhido como objeto prioritário desta investigação. A escolha

do “Ciranda da Saúde” se deu pelo caráter diferenciado deste grupo o qual buscava se

aproximar mais claramente de uma proposta dialógica de Educação em Saúde através da

utilização dos referenciais da Educação Popular. Além disso, devido a sua regularidade

semanal o grupo permitia uma observação mais aprofundada por parte do pesquisador

diante da diversidade das demais atividades existentes na VOM.

Após a definição do objeto, submeti o projeto de pesquisa ao comitê de Ética do

IESC / UFRJ a fim de iniciar uma coleta mais sistemática de dados. Decidi também

utilizar o método de entrevistas semi-diretivas com os profissionais de saúde e

frequentadores do grupo, para complementar os dados obtidos através da observação

participante.

As entrevistas foram inicialmente pensadas para serem realizadas com todos os

profissionais que atuavam no Ciranda da Saúde (na época da investigação eram seis)

com o objetivo de colher dados sobre suas formações profissionais, experiências e

concepções sobre Educação em Saúde. Foram realizadas entrevistas com alguns dos

educadores/educandos que participavam do grupo para conhecer suas representações de

saúde e saber qual a avaliação que eles faziam sobre o Ciranda da Saúde. O critério para

a seleção dos mesmos seria a sua aceitação para participar das entrevistas assim como

ter frequentado, no mínimo, dois encontros do grupo. As entrevistas começaram a ser

realizadas por meio de um roteiro semi-estruturado (vide anexo II e III) que teve a

aprovação do Comitê de Ética do IESC no segundo semestre de 2011. No entanto, as

entrevistas foram realizadas com apenas quatro profissionais e uma frequentadora do

grupo durante o período da pesquisa. A grande rotatividade de profissionais e de

frequentadores e a descontinuidade do “Ciranda da Saúde” limitou o número de

entrevistas. Tomamos este aspecto como um dado importante a ser analisado para os

grupos de Educação em Saúde, posto que pode ser considerado como um indicativo da

descontinuidade com que as experiências de Educação em Saúde que possuam a

proposta de se aproximar de uma perspectiva dialógica, vem ocorrendo (Vasconcelos,

2001). Esta discussão será melhor detalhada nos capítulos V e VI.

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Aspectos éticos da pesquisa em Ciências Sociais

Ao longo da pesquisa, algumas questões dignas de reflexão se apresentaram no

processo de submissão do projeto de pesquisa ao Comitê de Ética. O padrão biomédico

que muitas vezes parece homogeneizar o processo metodológico de diferentes áreas de

saber, até mesmo inviabilizando o surgimento de propostas metodológicas inovadoras,

foi uma dificuldade constatada. A questão da influência do referencial biomédico na

pesquisa social é um tema que está na agenda de discussões de pesquisadores da área

social conforme apontam os trabalhos de Macrae & Vidal (2006) e Cardoso de Oliveira

(2004). Consideramos pertinente trazer aspectos deste debate para este texto, já que nos

deparamos no decorrer da pesquisa com algumas das questões que são atualmente

discutidas.

No decorrer da pesquisa, durante a realização das entrevistas, quando o termo de

consentimento livre e esclarecido (TCLE) foi lido e apresentado aos entrevistados,

percebi que se inseriu de maneira bastante evidente uma formalidade que não havia

anteriormente na minha relação com entrevistados. É difícil dizer até que ponto esta

mudança influenciou ou não nas respostas que obtive, no entanto, me chamou a atenção

a influência de um modelo de ética em pesquisa fortemente baseado no referencial

biomédico que é utilizado como parâmetro para validar pesquisas na área social.

A regulação da pesquisa em saúde no Brasil foi realizada pela Resolução do

Ministério da Saúde de número 196 do ano de 1996. Nessa resolução são estabelecidas

as “normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos” (Brasil, 1996).

Embora a resolução tenha a pretensão de ser um documento válido para todas as áreas

disciplinares, sua inspiração normativa e metodológica é claramente pautada no

referencial biomédico, o que imprime características disciplinares muito específicas e

até mesmo estranhas à prática investigativa das Ciências Humanas, em um exemplo do

que poderíamos chamar de “etnocentrismo” no referencial antropológico. Um exemplo

disso é que, de acordo com a resolução, o passo inicial do estabelecimento de contato

com o sujeito pesquisado é a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE), o qual deve conter todos os aspectos referentes aos objetivos,

hipóteses, métodos, riscos, benefícios e questões referentes ao anonimato e sigilo dos

sujeitos da pesquisa.

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Na pesquisa social, principalmente as baseadas da observação participante, este

tipo de contato inicial não só pode comprometer, como até mesmo inviabilizar a

construção de um vínculo entre pesquisadores e pesquisados. Vale destacar também que

não é possível, e nem mesmo desejável, que pesquisador da área social possa definir ou

prever com total precisão todos os seus interesses (presentes e futuros) de pesquisa, no

momento recomendado pela Resolução nº 196/96 para a obtenção do consentimento

informado, já que um dos pressupostos desse tipo de pesquisa é justamente sua

possibilidade de transformação a partir da realidade do campo pesquisado.

Para Cardoso Oliveira (2004):

“Quando o antropólogo faz a pesquisa de campo ele tem

que negociar sua identidade e sua inserção na comunidade,

fazendo com que sua permanência no campo e seus diálogos

com os atores sejam, por definição, consentidos.” (p. 34).

Conforme apontam Macrae & Vidal (2006) a Resolução nº 196/96, ainda não foi

plenamente apreciada em suas implicações para os estudos das Ciências Sociais. Os

autores apontam que essa resolução parece ter sido concebida com o propósito central

de proteger os sujeitos envolvidos em pesquisas de natureza biomédica por meio da

instituição de uma série de formalidades que as rejam. Mas, devido à costumeira

generalização dos valores e padrões da biomedicina para todas as outras disciplinas

científicas relacionadas à saúde, essas estipulações foram estendidas a outras áreas de

estudo, como a Antropologia, passando a ameaçar a plena utilização de alguns de seus

métodos, como a observação participante.

Para Luna (2008), o TCLE é um instrumento criado com o intuito de evitar

abusos na pesquisa e estabelecer uma relação ética com o sujeito pesquisado. A autora

ressalta que o termo é valioso por expressar o direito do sujeito pesquisado de obter

informações precisas sobre a pesquisa e o pesquisador, além de oferecer respaldo aos

pesquisadores de possíveis processos, pois esclarece e publiciza os termos da pesquisa,

assim como explicita o caráter voluntário da participação dos sujeitos. No entanto, é

importante não perder de vista a complexidade de normatizar campos disciplinares

distintos como, por exemplo, o biomédico e o social, a partir de uma única visão.

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Nesse sentido, Cardoso de Oliveira (2004) destaca a diferença entre pesquisas

em seres humanos, como no caso da área biomédica, e pesquisas com seres humanos,

que caracterizaria a situação das Ciências Sociais, principalmente a da Antropologia. A

pesquisa em seres humanos parte do pressuposto do lugar passivo do pesquisado o qual

é um objeto de intervenção e muitas vezes vai emitir respostas a nível biológico (como

por exemplo, nas pesquisas medicamentosas). No caso da pesquisa com seres humanos,

diferentemente da pesquisa em seres humanos, o sujeito da pesquisa deixa a condição de

“cobaia”, ou de objeto de intervenção para assumir o papel de ator (ou de sujeito de

interlocução).

Assim, entendemos que o principal desafio de uma avaliação ética de um projeto

de pesquisa em Ciências Humanas não deve ser o de enquadrá-lo na matriz de análise já

existente, mas entender que cada desenho metodológico pressupõe uma nova

sensibilidade ética. É preciso reconhecer que não há, e nem deve haver, uma fórmula de

julgamento da ética em pesquisa que seja metadisciplinar.

No caso de nossa pesquisa a saída encontrada para o cumprimento das

exigências éticas foi a adoção, para o período de observação participante, da

comunicação verbal sobre a pesquisa e de uma versão simplificada do TCLE e

indagação verbal sobre a concordância em participar da pesquisa. O TCLE por escrito

foi apresentado aos sujeitos que participaram das entrevistas, assim como foi feita uma

leitura do documento em conjunto com os entrevistados para esclarecer eventuais

dúvidas.

Cumpre ressaltar que o processo de revisão pelo Comitê de Ética da instituição

de pesquisa foi bastante produtivo, na medida em que incitou o debate a respeito de

certos aspectos éticos rígidos que puderam ser flexibilizados tomando como principal

referência o compromisso primordial com o bem-estar e livre-arbítrio dos sujeitos da

pesquisa. Nesse sentido os debates sobre o projeto de pesquisa com integrantes do

Comitê de Ética do IESC / UFRJ ocorridos em disciplinas do curso de mestrado foram

bastante elucidativas em relação aos processos de avaliação e critérios do Comitê.

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Procedimento de análise

A pesquisa etnográfica é uma experiência compreensiva que busca envolver a

totalidade da pessoa e de um determinado contexto sociocultural, o que torna mais

difícil apresentar uma metodologia articulada em torno de passos específicos a serem

seguidos visando assegurar um produto final. Nesse sentido a análise dos dados

colhidos durante a pesquisa teve um caráter multi-referencial, posto que foram

produzidos a partir de materiais variados – as notas de campo e as entrevistas

semiestruturadas com profissionais e frequentadores do grupo “Ciranda da Saúde”.

Levando-se em consideração as diferenças entre os instrumentos de coleta de

dados utilizados, os quais geram informações com significados distintos, deu-se

especial atenção para que tais nuances não se perdessem no processo de organização e

interpretação dos dados. Nesse sentido, o material resultante da observação participante,

referente às notas de campo, foi o “fio condutor” para todo o processo analítico.

O Retorno dos Dados

Em relação aos resultados da pesquisa, alguns elementos que eram esperados se

referiam à contribuição com o processo de reflexão e crítica das ações de Educação em

Saúde desenvolvidas em contextos populares assim como fornecer apontamentos para a

construção de uma perspectiva de Educação em Saúde dialógica, participativa e

emancipatória. Para tanto, foi pensada a devolução dos dados para os implicados na

pesquisa e demais interessados por meio da entrega do manuscrito final à direção da

VOM e aos profissionais que participaram dos grupos. Nesse sentido também foram

pensadas outras ações como a divulgação do trabalho por meio de conferências abertas

aos profissionais e frequentadores da VOM e eventualmente em oficinas de Educação

em Saúde que possam ser solicitadas por eventuais interessados.

Vale ressaltar que algumas atividades de divulgação e discussão do projeto

pesquisa foram desenvolvidas, tanto com os profissionais da VOM quanto em

atividades das disciplinas do mestrado acadêmico, durante a sua construção, o que

trouxe importantes elementos que auxiliaram na reflexão deste trabalho como, por

exemplo, as possíveis contribuições da Antropologia e da Educação Popular.

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4 – VILA OLÍMPICA DA MARÉ: UMA ETNOGRAFIA

Neste capítulo há informações e impressões sobre a Maré e sua população e

também sobre a Vila Olímpica e seus frequentadores. Há ainda a apresentação de alguns

dos dados colhidos a partir do método etnográfico na instituição, com ênfase na descrição

das atividades de Educação em Saúde lá desenvolvidas. Busca-se aqui contextualizar as

discussões posteriores através do relato vivo do campo e de seus atores.

O campo da pesquisa: O Complexo da Maré

Situado entre as linhas Vermelha e Amarela e a Avenida Brasil, duas das

principais vias de acesso ao Rio de Janeiro, o Complexo da Maré é hoje considerado um

dos maiores conjuntos de favelas do Brasil.

Assim chamada por causa dos mangues e praias que dominavam sua paisagem há

algumas décadas atrás, a Maré se localiza as margens da Baía de Guanabara, o que lhe

conferiu algumas características marcantes: durante muitos anos sua paisagem foi

dominada por residências de palafitas, com um grande número de habitações precárias

suspensas por madeiras sobre a lama e água que havia em abundância na região. Esta

imagem é ainda muito forte na memória dos moradores, principalmente os mais antigos:

muitos até se emocionam quando lembram da época em que as marés da Baía de

Guanabara invadiam as casas nos tempos de chuva. Com o passar dos anos e com a

intervenção dos moradores e do poder público quase toda a região foi aterrada, ganhando

assim o aspecto de grande aterro que até hoje lhe é característica.

Desde o período colonial a região da Maré foi um importante espaço de circulação

de pessoas e mercadorias, chegando a abrigar dois portos ao longo de sua história. Com a

construção da Avenida Brasil na década de 40, houve a implantação de um cinturão

industrial às margens da avenida que, somado ao isolamento dos terrenos na orla da Baía

de Guanabara e à facilidade de acesso a tais áreas, criou condições bastante favoráveis

para o crescimento da ocupação da área (Silva, 2006).

A ocupação da região atingiu seu auge na década de 1970, tendo se espraiado

sobre as águas da Baía de Guanabara, como um impressionante aglomerado de

habitações construídas sobre palafitas. Na década de 1980, por meio do chamado Projeto

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Rio 5, houve a erradicação desse tipo de habitação. Foram realizados grandes aterros e

construídos conjuntos habitacionais na região para o reassentamento das famílias

removidas das áreas palafitadas.

As figuras abaixo mostram algumas das transformações ocorridas nas últimas

décadas nas habitações e no aspecto geral da região, com o aterramento de grande parte

de sua área.

Vista parcial da região da Maré em 1971

Vista da região da Maré na atualidade

Na década de 1990, a Maré foi objeto de outro processo de reassentamento

promovido pela Prefeitura, destinado principalmente às populações desabrigadas e aos

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moradores de áreas de encostas e margens de rios, consideradas de risco. Todas estas

intervenções desenvolvidas na Maré ao longo dos anos tiveram características políticas e

arquitetônicas muito peculiares, deixando marcas urbanísticas muito visíveis e distintas

entre si nas diferentes comunidades que compõe o Complexo e o tornando um dos

maiores laboratórios urbanos de habitação popular do país. Conforme destacam Varella,

Bertazzo, Jaques (2002).

“A pseudo-semelhança entre as mais diversas favelas

cariocas pode ser desmentida em um rápido passeio pela Maré. A

diversidade de formas está patente nas diferentes comunidades

do complexo. Quase todas as morfologias urbanas e tipologias

arquitetônicas referentes a habitações populares têm ou tiveram

um exemplar na Maré: da favela labiríntica de morro ao mais

cartesiano conjunto habitacional modernista, passando por

palafitas em áreas alagadas e conjuntos habitacionais

favelizados. Vai-se do padrão mais informal ao mais formal, que

acaba se informalizando também” (p.19).

Ainda na década de 90, ocorreu na região o fortalecimento do chamado “poder

paralelo” que consiste no crime organizado financiado pelo tráfico de drogas e armas. A

região chegou a estar dividida entre três facções criminosas que rivalizavam entre si e

dividiram territorialmente a Maré, o que culminou em um histórico recente de frequentes

conflitos armados, em dificuldades no processo de integração das localidades do

Complexo e em uma marginalização ainda maior da região, que passou a ser também

estigmatizada pela violência. A polícia também é outro elemento desta complexa trama,

já que suas atuações na região são historicamente marcadas pela truculência e por abusos.

Hoje a região ainda se encontra dividida entre duas grandes facções que frequentemente

disputam territórios de maneira violenta o que, aliado a intervenção muitas vezes tão ou

mais violenta da polícia, têm reflexo direto no cotidiano da população, como

discutiremos mais detalhadamente ao longo deste capítulo.

Vale destacar que no momento da pesquisa se discutia ainda a chamada

“pacificação” da região: uma política de segurança da Secretaria Estadual de Segurança

Pública do Rio de Janeiro implementada em outras comunidades do município pelas

chamadas UPP’s (Unidades de Polícia Pacificadora) que pretende instituir polícias

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comunitárias em favelas como forma de desarticular quadrilhas que antes controlavam

estes territórios como estados paralelos. Com isso as incursões policiais no Complexo

passaram a ocorrer com frequência cada vez maior, o que também aumentava a

possibilidade de conflitos armados.

A região ganhou status de bairro em 1994 tomando alguns dos contornos

territoriais que permanecem até a atualidade. No entanto, mesmo este reconhecimento

em termos legais e urbanísticos não foi suficiente para que a Maré tivesse sido de fato,

integrada ao projeto de “cidade maravilhosa” idealizado por gestores, mídia e boa parte

da população. Nesse sentido Varella, Bertazzo, Jaques (2002) ressaltam que:

“A Maré, como a grande maioria das favelas, muito

raramente aparece nos mapas da cidade, e, apesar de situar-se

em uma área extremamente movimentada (entre a Linha

Vermelha, a Linha Amarela e a Avenida Brasil) e de ser

habitada por milhares de pessoas, é praticamente desconhecida

da maioria dos cariocas, que ainda não a consideram parte

integrante da ‘cidade maravilhosa’” (p.14).

A população

Segundo o último censo de 2010 a Maré possui uma população de

aproximadamente 139 mil habitantes4. O complexo é dividido em 16 comunidades:

Marcílio Dias, Praia de Ramos, Roquete Pinto, Parque União, Rubens Vaz, Nova

Holanda, Parque Maré, Nova Maré, Baixa do Sapateiro, Morro do Timbau, Bento Ribeiro

Dantas, Conjunto Pinheiros, Vila dos Pinheiros, Novo Pinheiros, Vila do João e

Conjunto Esperança.

Vale ressaltar que a maior parte das informações demográficas sobre a população

da Maré são advindas de um grande censo realizado no bairro no ano 2000 pelo Centro

de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM), uma organização não-governamental

localizada no conjunto de favelas da Maré, assim como pelo censo de IBGE realizado no

4 Estimativas extra-oficiais de organizações não-governamentais que atuam na Maré apontam para um número total

entre 150 e 200 mil habitantes.

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mesmo ano. Atualmente estes dados estão sendo atualizados pela consolidação dos dados

colhidos pelo censo do IBGE em 2010 e pela realização de um novo censo-Maré que está

sendo realizado na região em 2012 por organizações do terceiro setor.

Grande parte da população é composta por pessoas negras, com baixa

escolaridade, baixa renda e precárias condições de trabalho (CEASM, 2000). Segundo o

IBGE em 20005 o rendimento nominal familiar per capita na Maré era de R$ 214,00, dez

vezes menor se comparado com o Leblon, bairro de classe média alta, que era de R$

2.800,00. A população encontra-se inserida, principalmente, no mercado informal de

trabalho, em atividades autônomas chamadas “bicos”. Acrescenta-se ainda que cerca de

70% das famílias são chefiadas por mulheres. (REDES Maré).

Em relação a estes dados demográficos, vale destacar um curioso episódio: certa

vez fui convidado a fazer uma apresentação sobre Educação em Saúde na VOM para os

profissionais que lá atuam, dentre eles professores de educação física, músicos,

administradores, profissionais da saúde etc. Em determinado momento da apresentação

citei os dados demográficos da Maré e prontamente fui interrompido por alguns

profissionais, que também eram moradores da região, que afirmaram incisivamente que

os dados não correspondiam à realidade do bairro. Um dos exemplos que eles deram foi

sobre a existência de uma classe média alta dentro da própria Maré, o que diferia muito

dos dados apresentados. Após isso conversamos sobre a questão da generalização que

muitas vezes os dados estatísticos podem promover, quando não acompanhados de outros

tipos de análise. Este episódio foi marcante para mim, pois simboliza a recusa destes

moradores / profissionais em serem “quantificados” através de levantamentos e

estatísticas que, muitas vezes, não representam suas realidades, ou a forma como eles a

vivenciam. Neste sentido, autores como Fonseca (2004) apontam a necessidade de

superar o olhar pautado no chamado “reducionismo econômico”, que centra sua atenção

nas respostas às condições de pobreza, renda e emprego e que muitas vezes deixa de fora

da análise os modos de enfrentar as adversidades, a complexidade das relações e a

condição de sujeito que os indivíduos assumem diante da realidade que vivem.

Outra característica marcante da comunidade é a presença maciça de imigrantes,

principalmente das regiões Norte e Nordeste do país, que vieram e ainda vem em busca

5 Essas informações demográficas serão futuramente atualizadas com os dados do Censo de 2010.

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de melhores condições de trabalho e de vida, o que confere uma multiplicidade cultural

muito significativa à região. A aglomeração é outro fator importante para se definir

alguns aspectos da área como a verticalização das residências e a intensa circulação de

pedestres (REDES Maré). No Censo Maré (CEASM, 2000) foram contados 38.273

domicílios na região com uma média de 3,45 habitantes por domicílio, número que se

aproxima da média nacional, que é de 3,55 habitantes por domicílio. No entanto,

enquanto no Brasil a taxa de densidade populacional é de 232,7 hab / 100 em

comunidades que compõem a Maré como o Parque Maré, por exemplo, esta taxa é de

965,9 hab / 100 o que confirma a grande aglomeração populacional na área.

A taxa de analfabetismo na região é de 11,4%, quase o triplo da taxa do município

do Rio de Janeiro, que é de 4,4%. (IBGE, 2000) A rede de ensino apresenta uma oferta

bastante reduzida. Ela é composta por 16 escolas públicas de ensino fundamental, 7

creches comunitárias e 3 escolas públicas de ensino médio.

A Maré ocupa a terceira pior posição (129° lugar) na classificação por Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH), em relação aos outros bairros da cidade, com IDH em

torno de 0,722. A esperança de vida ao nascer na região, segundo o IBGE em 2000 era de

66,58 anos.

Chegando na Maré

Antes de atuar na VOM já havia tido contato ou efetuado trabalhos em algumas

outras comunidades do Rio de Janeiro, no entanto, ainda não conhecia a Maré e a

imagem que tinha do Complexo não diferia muito da representação que o lugar tem no

senso comum da sociedade carioca: um lugar violento e com forte presença do tráfico.

No primeiro ano da observação, ia duas vezes por semana à VOM e sempre chegava na

Maré pela Vila do João um dos principais e mais movimentados acessos ao Complexo.

Ficava esperando a Kombi que fazia o trajeto de aproximadamente 10 minutos até a

Baixa do Sapateiro, local próximo à VOM. Já nesse momento, percebia que era

observado pelas pessoas que trabalhavam no ponto de moto-táxi que ficavam nessa

entrada da comunidade e pelos próprios motoristas das kombis. Com o tempo e a

regularidade das minhas idas, acabei ficando conhecido como “trabalhador da VOM” e

cheguei a fazer “amizade” com alguns dos motoristas que por vezes diziam coisas sobre

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a comunidade ou conversavam banalidades. No entanto, sempre tinha o cuidado de, ao

chegar na entrada da favela, tirar os óculos escuros. Evitava roupas pretas ou vermelhas,

cores relacionadas às facções criminosas que atuavam na região. Assim que entrava na

Kombi tirava os fones de ouvido, para ficar mais atento a qualquer possibilidade de

evento mais problemático. Não usava o telefone celular dentro da favela para não

levantar qualquer tipo de suspeitas.

Ao começar a transitar pela comunidade percebi que kombis, motos, carros,

pessoas, bicicletas, animais se espremiam em ruas estreitas em um arranjo

aparentemente caótico para quem olhava de fora. As normas de trânsito “do asfalto”

parecem não existir. Era razoavelmente comum visualizar situações que constituiriam

graves infrações ou mesmo não ocorreriam em outros contextos ou lugares (como

crianças guiando motos e carros, carros andando na contra-mão, pessoas ostentando

armas dentro ou fora dos veículos, etc), já indicando, a partir da entrada no primeiro

quarteirão da favela, que outras lógicas de locomoção, sociabilidade e convivência

funcionavam ali (diferentes das do “asfalto” que se encontrava a apenas alguns metros)

No caminho até a VOM era comum passar por algumas “bocas de fumo” e ver

pessoas armadas, muitas vezes com fuzis e metralhadoras, no entanto, nunca tive

problemas no acesso ou na saída da favela. As situações de maior tensão que presenciei

foram com operações policiais, quando me deparei com comboios de carros da polícia

que passavam fazendo mira com as armas ou com o “Caveirão”, o carro blindado usado

pelo batalhão de operações policiais especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de

Janeiro em incursões nas favelas na capital fluminense. O Caveirão era sempre

sinônimo de uma tensão eminente na comunidade, pois indicava que operações policiais

estavam sendo realizadas e que consequentemente havia a possibilidade de tiroteios

entre policiais e traficantes.

A Vila Olímpica

Inaugurada em 1999 e fruto de um projeto que visava criar opções de cultura,

lazer e espaços para a prática de esportes em regiões da cidade marcadas pela pobreza e

pela violência, a Vila Olímpica da Maré (VOM) surgiu por meio da parceria entre a

prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, algumas das associações de moradores da Maré e

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entidades do Terceiro Setor. A VOM foi construída na confluência das comunidades

Baixa do Sapateiro e Nova Holanda Atualmente estas duas comunidades demarcam a

divisa entre as duas facções que disputam o controle do tráfico no Complexo da Maré, o

que torna a região da VOM palco de frequentes conflitos entre traficantes e de rotineiras

operações policiais. A região é chamada por alguns moradores de Faixa de Gaza, em

uma alusão aos frequentes episódios de violência. Em relação à localização da instituição

Melo (2005) afirma que

“A VOM localiza-se numa espécie de fronteira

imaginária, constituída por um ‘valão’ e por uma rua que corta

as duas comunidades delimitando facções rivais que controlam a

venda de drogas na Maré. A constituição da VOM passou a

representar um espaço ‘neutro’ em relação aos conflitos entre as

facções e onde haveria a possibilidade de convívio entre pessoas

de todas as comunidades” (p.280).

A VOM fica também às margens da Linha Vermelha que é uma das principais

vias expressas do Rio de Janeiro e é o caminho mais utilizado por quem chega do

Aeroporto Internacional Tom Jobim, o principal da cidade. De frente para os dois portões

principais da Vila se localiza também a região conhecida como “casinhas” que é

reconhecidamente pelos moradores e profissionais umas das áreas mais pobres e

vulneráveis do Complexo da Maré.

Melo (2005) aponta que a criação de uma Vila Olímpica na região era uma

demanda das associações de moradores desde meados da década de 90 e que esta

mobilização ganhou força com o pleito da cidade do Rio de Janeiro de sediar os Jogos

Olímpicos de 2004. Nesta época se chegou a cogitar a construção de um muro que

encobrisse a Maré, já que, como descrito anteriormente, a região fica às margens de

alguns dos principais acessos à cidade. No entanto, devido à articulação de líderes

comunitários, de representantes da ONG Viva Rio, de membros da prefeitura Rio e da

Escola de Educação Física da UFRJ foram realizados no final da década de 90 vários

eventos esportivos no local que tiveram grande repercussão, inclusive na mídia e

consolidaram politicamente o projeto de construção de uma área fixa para a prática de

atividades físicas, esportivas, culturais e educativas.

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Construída em um grande terreno, a VOM conta com uma estrutura que inclui um

grande ginásio poliesportivo o qual é usado para atividades como ginástica, dança, karatê,

etc. No ginásio também acontecem os grandes eventos da VOM (festas, apresentações

dos alunos, competições, etc), assim como reuniões gerais com os alunos e responsáveis.

Abaixo das arquibancadas do ginásio e no seu entorno ficam uma série de salas que são

usadas como escritórios e espaços para oficinas. A área da VOM abrange também um

grande campo de futebol o qual abriga abaixo de suas arquibancadas uma série de salas

que são destinadas a guardar, materiais, a sala da aula de percussão, a sala da pedagogia,

e o espaço saúde, composto por uma série de salas utilizadas para as atividades da equipe

de saúde. A VOM conta ainda com três quadras externas (duas delas usadas para o

futebol, o vôlei e o basquete e uma para o tênis, o alongamento e o skate), uma cantina (a

qual produz lanches para os alunos inscritos no programa de complementação alimentar,

o qual detalharemos a frente) e duas piscinas, sendo uma delas semi-olímpica. A área

toda é bastante ampla e arborizada, sendo necessários alguns minutos de caminhada para

se deslocar entre as instalações. Há ainda uma significativa parte do terreno da VOM que

não possui construções. No momento se discute a possibilidade de construção de uma

escola técnica e um centro de saúde nessa parte do terreno.

Para a operação da VOM, foi criada em 1999 uma ONG para receber a concessão

da administração da Vila Olímpica, a UEVOM (União Esportiva da Vila Olímpica da

Maré). A criação da UEVOM tinha como fundamento possibilitar a ampliação das

fronteiras de financiamento da instituição, já que a participação financeira da Prefeitura

do Rio de Janeiro deveria ser temporária, até a VOM ser sustentável com a receita

advinda das “parcerias” com empresas estatais e privadas. Em 2000 a UEVOM

conseguiu também o apoio da Petrobras por meio do financiamento de ações e projetos.

Dessa forma, até o momento, Prefeitura e Petrobras dividem os custos da operação da

Vila Olímpica da Maré, sendo assim seus principais parceiros. A VOM conta ainda com

o apoio de dezenas de empresas e entidades não-governamentais que a apoiam através da

doação de materiais, alimentos, etc. Algumas áreas possuem orçamentos advindos de

projetos específicos, como é o caso da saúde que recebe uma verba por meio de um

projeto junto a Petrobrás que é renovado periodicamente.

Segundo a direção da instituição, atualmente a atuação da VOM tem como

prerrogativa o desenvolvimento da cidadania, tendo os esportes como vetor de atração da

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grande massa de crianças e jovens (VOM, 2011). Nesse sentido algumas das atividades

oferecidas são os esportes (futebol, basquete, ginástica, karatê, etc), a dança (ballet,

folclórica, street dance, etc), a música (coral, violão, percussão, etc) e o teatro. Há

também oficinas educativas nas áreas de linguagem, matemática e lógica para alunos

matriculados na rede pública de ensino da região. Há ainda um projeto de educação física

adaptada para pessoas com deficiência (PCD). Desde o ano de 2009, parte das atividades

da VOM estão integradas à proposta do Projeto Educar, que conta com o apoio da

Petrobras. Trata-se de uma proposta de trabalho que busca imprimir às atividades

desenvolvidas na VOM um foco desenvolvimentista pautado na concepção de diferentes

habilidades das crianças e jovens.

No momento da pesquisa a VOM oferecia atividades culturais e esportivas para

mais de 8000 inscritos. A ênfase nos esportes a qual marca a VOM desde sua

inauguração atrai um público majoritariamente de crianças e adolescentes. São, em

grande parte, moradores da própria Maré, estudantes, advindos de famílias de baixa-

renda. Há também uma população de adultos em menor número e uma parcela

significativa de frequentadores da terceira idade, os quais procuram atividades culturais

ou atividades específicas como alongamento, hidroginástica, etc. Várias escolas

públicas da região levam seus alunos para a VOM para que eles pratiquem atividades

esportivas com os profissionais locais, assim como para frequentarem atividades de

reforço escolar. Há também populações específicas que frequentam a VOM como o

caso de portadores de deficiência física, motora, visual, etc, que são vinculados a

atividades específicas ligadas ao Programa para Pessoas com Deficiência (PCD) que

envolve ações ligadas a reabilitação.

A VOM conta com profissionais das mais variadas áreas em seus quadros. Desde

profissionais nas áreas de limpeza e conservação, passando pelos professores dos

diversos esportes, os profissionais de saúde, até os da área administrativa a instituição

emprega quase cem profissionais.

Em relação ao papel dos profissionais na instituição, Melo (2005) aponta que:

“No início dos trabalhos da VOM, as atividades eram

desenvolvidas por pessoas da Maré que, de alguma forma, já

atuavam com esportes, seja em ‘escolinhas’ de futebol,

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organizando campeonatos ou mesmo na condição de diretores de

esportes nas associações de moradores. Por serem conhecidos no

local, também tiveram a função de trazer alunos para o projeto”

(p.283).

Atualmente os vínculos trabalhistas, em sua grande maioria, são feitos por meio

de uma cooperativa que organiza e administra os recursos recebidos da Prefeitura e das

entidades que apoiam a instituição. Há também servidores do município do Rio de

Janeiro que são cedidos para atuarem na VOM (principalmente os professores de

educação física). Vale ressaltar que sob a aparente mudança na natureza da inserção no

mundo do trabalho, já que teoricamente em uma cooperativa não haveria relação de

subordinação entre empregador e empregado, e sim uma relação entre iguais,

configurava-se um mecanismo explicito de precarização das relações de trabalho, sem os

direitos trabalhistas garantidos pela CLT. Assim, direitos como férias remuneradas, 13º

salário, licença maternidade, dentre outros, não faziam parte do cotidiano de grande parte

dos trabalhadores da VOM o que tinha como reflexo a alta rotatividade de profissionais.

Há ainda um direcionamento da direção da instituição para que os moradores da região

ocupem os postos de trabalhos disponíveis, o que ocorre com mais frequência nos cargos

de nível médio (áreas administrativas, segurança e limpeza), mas também em cargos do

nível superior (professores, profissionais de saúde, etc)

Além das atividades esportivas e educativas, a VOM conta com uma unidade de

Saúde e Nutrição que assiste às crianças, adolescentes e adultos que a frequentam. A

unidade é formada por algumas salas de atendimento e uma equipe de profissionais de

diferentes áreas ligadas à saúde como a Enfermagem, a Nutrição, a Medicina, a

Psicologia e o Serviço Social. O caráter multiprofissional da equipe visa possibilitar a

construção de um olhar mais amplo sobre os indivíduos e seus processos de saúde e

doença com um enfoque voltado para a promoção da saúde.

Ainda na esfera da Saúde e da Nutrição, existia na VOM na época da pesquisa um

projeto de complementação alimentar criado em 2005 pela equipe de Nutrição o qual

fornecia alimentos fortificados e hipercalóricos para crianças e adolescentes em situação

de baixo peso ou desnutrição. Também os alunos em situações de risco social como

dificuldade de acesso a alimentos, situações de trabalho infantil e dificuldades de

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62

habitação eram incluídos no projeto a partir de uma avaliação da equipe

multiprofissional.

Durante o período da investigação as equipes de Nutrição e Saúde foram

unificadas sob uma única coordenação, o que viabilizou a ampliação tanto do enfoque,

quanto das ações voltadas para a saúde. Nesse sentido a Educação em Saúde foi adotada

como perspectiva central de trabalho com o objetivo de estimular a co-responsabilização

dos frequentadores da VOM na produção do cuidado.

Após aproximadamente dois anos de inserção no campo de pesquisa, as equipes

de saúde e nutrição interromperam suas atividades devido ao encerramento do projeto

que financiava suas ações e o pagamento dos profissionais. Este projeto tinha o

financiamento da Petrobrás e possuía a duração de três anos, tendo a possibilidade de

renovação ao fim desse período. O encerramento do prazo do projeto ocorreu no início de

2012 e até o momento da conclusão da pesquisa, no segundo semestre do mesmo ano, as

atividades de saúde estavam suspensas e os profissionais aguardavam a renovação do

projeto para retornarem à VOM.

As características deste projeto serão descritas com mais detalhes no próximo

capítulo.

Iniciando a observação na VOM

Nos quatro primeiros meses que estive na VOM, ainda como residente em 2010,

iniciei minha observação a partir do projeto de complementação alimentar que existia na

instituição e era destinado a crianças e adolescentes em situação de risco nutricional. O

objetivo da observação neste primeiro momento era desenvolver alguma produção

relacionada ao projeto. Assim, fiquei observando sua dinâmica de funcionamento de

forma a mapear possíveis questões a serem investigadas. Cabe ressaltar que, na época,

era intenção da coordenação da equipe de saúde a implementação de atividades

educativas no espaço da cantina de forma que havia a expectativa que minha pesquisa

pudesse contribuir nesse sentido. Assim, passava a maior parte do tempo na cantina

conversando com os profissionais de lá e com os alunos inscritos no projeto.

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A cantina se localizava em uma área central dentro do espaço da VOM, ficando

próxima a principal entrada da instituição e entre o ginásio, as piscinas e as quadras

poliesportivas. Era um espaço independente dos demais, composto por uma área

cercada por uma tela de metal onde eram preparados os alimentos. Ainda havia na

estrutura física da cantina uma sala que era usada como espaço de administração e um

banheiro. Os lanches eram distribuídos por meio de uma janela na tela de metal de

forma que os frequentadores da cantina não tinham acesso a sua área interna, que era

reservada somente para profissionais. Durante o período em que estive na VOM foi

construída, em resposta a uma demanda da coordenação da saúde e da nutrição, uma

área coberta, também cercada com telas de metal, em anexo a cantina que passou a ser

utilizada como refeitório e espaço para atividades educativas e oficinas sendo ocupada

com cadeiras e mesas.

Durante o período que estive na cantina observava a entrega do lanche para

algumas crianças, assim como o processo de pesagem e avaliação nutricional. Quando

necessário ajudava em alguma atividade, como em situações que acompanhei a equipe

em passeios com as crianças. Conversava bastante com os profissionais e com as

crianças do projeto de complementação, no entanto, não tinha muito contato com os

demais profissionais e frequentadores da VOM, pois passava bastante tempo no espaço

da cantina (nessa época passava em torno de 12 horas semanais em campo, divididas em

dois dias na observação). Como a princípio não tinha um objeto definido, por vezes

tinha a sensação de que não tinha o que fazer ou me sentia inadequado por estar vendo

os profissionais trabalharem sem ter muito como contribuir.

Ao que tudo indica isto é um aspecto relativamente comum ao processo

etnográfico: em algum momento é até mesmo esperado que o pesquisador sinta-se

desconfortável na sua posição de “simples observador”. Malinowiski (1976) já apontava

como este tipo de dificuldade pode aparecer principalmente nos momentos iniciais da

investigação quando o observador ainda não se apropriou inteiramente do universo

simbólico dos observados e não possui uma função ou papel social definido junto a eles.

O projeto de complementação alimentar era conhecido também como “Pão da

Vida” atendendo crianças e adolescentes na faixa etária de 2 a 18 aos de idade em

situação de baixo peso. Para ingressar no projeto a criança ou adolescente passava por

uma avaliação nutricional realizada na própria cantina pela nutricionista responsável

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pelo projeto. Quando diagnosticada a situação de baixo peso ou desnutrição a criança

era inscrita e passava a receber diariamente um lanche nutritivo e fortificado para

auxiliar no ganho de peso e na prevenção de hipovitaminoses. Além desta ação, os

jovens e suas famílias também eram acompanhados por uma profissional do serviço

social e participam de atividades educativas e de promoção à saúde com equipe

multidisciplinar, bem como de atividades interativas e culturais promovidas pela VOM.

Ao longo da observação tive a impressão de que muitas crianças, mesmo em

situação de peso ideal, buscavam “o pão da vida” por uma situação de escassez, que

algumas vezes não era só a material, embora essa visivelmente fosse bastante presente.

As próprias profissionais da cantina identificavam que havia também uma demanda de

cuidado, já que ao irem pegar o lanche as crianças eram recebidas com atenção. Essa foi

uma das principais questões que pude observar nos meses em que fiquei na cantina.

Neste período tive dificuldades de participar ou mesmo organizar atividades regulares

de Educação em Saúde pela própria dinâmica do espaço, já que as crianças iam quase

que diariamente pegar os lanches, mas ficavam pouco tempo lá.

Nesse mesmo período começaram a se estruturar algumas atividades regulares

na equipe de saúde com a chegada de novos profissionais e o direcionamento com foco

na promoção e Educação em Saúde dado à equipe pela nova coordenadora. Com isso,

comecei cada vez mais dividir o tempo que passava na VOM entre a observação na

cantina e a participação de algumas atividades e discussões acerca das ações de

Educação em Saúde pensadas pela equipe. Embora reunidas sob a mesma coordenação

a equipe do projeto de complementação e a equipe de saúde ocupavam espaços físicos

diferentes. Este foi um período interessante onde passei a circular bastante na

instituição, o que me permitiu me aproximar de outros profissionais e usuários da VOM

e, consequentemente, a criar vínculos que facilitavam minha participação no cotidiano

deles.

Nos meses seguintes foram se definindo algumas das atividades regulares de

Educação em Saúde na VOM, em um processo em que pude participar ativamente

sendo até mesmo solicitado pela equipe a dar ideias e contribuições, o que me fez ter

uma grande sensação de pertencimento à equipe. Com isso passei a frequentar alguns

dos grupos regulares de Educação em Saúde que eram realizados pela equipe como o

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grupo de nutrição e o Ciranda Saúde, além de participar ativamente do cotidiano dos

profissionais na instituição.

A partir deste momento, o processo se inverteu: se antes me sentia “deslocado”

devido a ausência de uma função definida junto à equipe, agora participava ativamente

de seu cotidiano a ponto de me identificar quase que como um membro da própria

equipe. Este tipo de imersão tornou imperativo que eu começasse a realizar um processo

de “estranhamento” do campo no mesmo sentido que indica o conhecido relato de

Velho (1979) sobre “estranhar o familiar”. Para o autor a ideia de tentar pôr-se no lugar

do outro captando suas vivências e experiências exige um mergulho em profundidade

difícil de ser precisado e delimitado, pois envolve as questões de distância social e

psicológica.

Nas palavras de Velho (1979)

“O processo de estranhar o familiar torna-se possível

quando somos capazes de confrontar intelectualmente, e mesmo

emocionalmente, diferentes versões e interpretações existentes a

respeito de fatos, situações” (p.45).

Neste sentido procurei ficar atento ao meu posicionamento em diferentes

situações e igualmente nas interações estabelecidas. Também o fato das atividades de

saúde da instituição terem sido interrompidas depois de alguns meses, como será

descrito adiante, terminou me impondo um afastamento físico do contexto observado,

favorecendo este distanciamento.

As Ações de Educação em Saúde na VOM

A equipe de saúde da VOM tinha como objetivo oferecer cuidado aos

frequentadores da VOM em uma perspectiva ampliada que incluia elementos físicos,

psicológicos e sociais. No entanto, conforme apontam Silva & Bornstein (2009), a VOM

não se propunha à prestação de serviços assistenciais que eram de responsabilidade das

unidades de saúde que fazem parte do SUS, mas sim em expandir as oportunidades de

cuidado à saúde da população, proporcionando atividades que possibilitassem novas

alternativas para o bem-estar da população assistida.

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Como citado anteriormente, no momento da investigação, a equipe de saúde da

VOM adotou a Educação em Saúde como elemento norteador do cuidado dos alunos e

frequentadores da VOM, desenvolvendo uma série de atividades para além dos

atendimentos clínicos que já eram oferecidos através de consultas individuais realizadas

por profissionais de diferentes áreas.

Estas atividades, em um primeiro momento, foram voltadas para as crianças e

jovens participantes do projeto de complementação alimentar através de passeios, rodas

de conversa, dinâmicas em grupo, atividades culturais, etc. Posteriormente com a entrada

de novos profissionais na equipe de Saúde, essas ações se ampliaram incluindo

frequentadores de variadas atividades da VOM e de diferentes faixas etárias.

No momento da investigação pelo menos cinco atividades relacionadas à

Educação em Saúde eram realizadas regularmente na VOM:

O grupo de nutrição: era realizado duas vezes por semana com dois grupos tendo

como enfoque a obesidade e trabalhando questões relacionadas à alimentação e à

saúde, como o aproveitamento de alimentos, hábitos alimentares, etc. Participavam

deste grupo adultos e idosos, em sua maioria em situação de sobrepeso ou obesidade.

O grupo Ciranda da Saúde: realizada semanalmente com um grupo de adultos no

qual eram discutidos temas relacionadas à saúde em geral como estresse, sono,

violência, etc.

O grupo de adolescentes: realizado mensalmente com os alunos da companhia de

dança e que trabalhava temas relacionados à adolescência como, por exemplo, as

transformações no corpo e a sexualidade.

O grupo dos pais das crianças e adolescentes da complementação alimentar.

Voltado para os responsáveis das crianças de baixo peso ou desnutridas que

frequentavam o projeto de complementação alimentar. Neste espaço eram discutidos

temas como a desnutrição, o trabalho infantil além de serem tiradas dúvidas sobre

temas relacionados a benefícios sociais como o bolsa família e o PETI (Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil).

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O Bom dia caminhada Maré: realizado semanalmente com os idosos do grupo de

caminhada e que debatia temas variados referentes à saúde na terceira idade como

alimentação, sexualidade, etc.

Além dessas atividades regulares, outras ações voltadas para a saúde eram

desenvolvidas com uma periodicidade variável como, por exemplo, o grupo para as

crianças que eram desvinculadas do projeto de complementação alimentar ao saírem da

situação de baixo peso ou desnutrição. Os profissionais de saúde que coordenavam os

grupos eram fixos e possuíam diferentes formações como psicologia, nutrição, medicina,

enfermagem e serviço social. Embora com públicos e propostas distintas, duas

características principais estavam presentes em todas estas ações: o fato delas serem

realizadas por meio de grupos e de congregarem profissionais de diferentes formações

atuando em conjunto.

Durante a observação das atividades da equipe de saúde, dois principais entraves

aconteceram em relação ao campo de pesquisa: o primeiro foi a saída de alguns dos

profissionais da equipe que além de terem um papel central na organização do grupo,

possuíam um grande vínculo com os frequentadores; o segundo entrave foi uma série de

situações de violência que ocorreram na comunidade da Maré (operações policiais,

conflitos entre facções rivais do tráfico de drogas e armas, etc), o que culminou com a

suspensão temporária de algumas atividades da VOM e com a diminuição da minhas

idas ao campo de pesquisa.

A partir desses acontecimentos houve um significativo esvaziamento, tanto de

profissionais, quanto de frequentadores do “Ciranda da Saúde” que passou a ser

realizado irregularmente ou mesmo não ocorrer durante várias semanas seguidas. Como

só ia a campo nos dias e horários marcados para a realização do grupo, que por sua vez,

acontecia cada vez menos, perdi muito do contato e, consequentemente, do vínculo que

tinha com parte dos frequentadores e da equipe.

Diante dessas dificuldades, planejei retomar a observação do grupo e a

realização das entrevistas com os profissionais e frequentadores que participavam dele

no primeiro semestre de 2012, já incorporando as contribuições do processo de

qualificação do meu projeto de pesquisa que ocorreu em novembro de 2011. No

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entanto, fui surpreendido não só com a interrupção dos encontros do grupo, mas

também com a interrupção das atividades da equipe de saúde da VOM devido à

suspensão do seu financiamento, processos que detalharei no capítulo a seguir.

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5 - CIRANDA DA SAÚDE: UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO

EM SAÚDE NA VILA OLÍMPICA DA MARÉ

Os encontros do grupo “Ciranda da Saúde” tiveram inicio em junho de 2010 com

a articulação e participação da equipe multiprofissional da área de saúde da VOM. O

nome do grupo foi pensado pela equipe em uma alusão a disposição dos participantes

(profissionais e frequentadores) durante o grupo, já que todos sentavam em roda. O grupo

era realizado na sombra de uma grande árvore que fica próxima a principal entrada da

Vila Olímpica, sendo facilmente visualizado por todos os que entram ou saem da Vila. A

árvore se situa também em uma região de acesso para alguns dos principais espaços da

Vila como a piscina, o ginásio, o espaço saúde e a cantina; o que tornava o grupo visível

e acessível para os frequentadores de várias outras atividades. Desde o início a opção da

equipe era realizar o grupo em uma área próximo à entrada da Vila para facilitar sua

visualização e a participação dos alunos.

Inicialmente o espaço pensado para a realização do grupo, foi em uma área aberta

da Vila próxima a árvore, mas embaixo de tendas que visavam proteger do sol e da

chuva. Os primeiros encontros do grupo chegaram a ser realizados nessas tendas, no

entanto, já a partir dos encontros seguintes adotou-se a árvore como preferência e

referência do grupo. Embora próxima à entrada e em lugar de acesso para outras áreas, a

localização da árvore permitia que os participantes conversassem sem serem

incomodados ou interrompidos pelo barulho das outras atividades ou passantes.

Um pouco antes do horário marcado para o início do grupo, que sempre acontecia

semanalmente nas manhãs de quinta-feira, os profissionais buscavam cadeiras de outros

espaços de atividades (principalmente da cantina e do espaço saúde) para sua realização.

Por vezes, recebiam auxílio de algum aluno da VOM que participava do grupo, ou

mesmo de outras atividades, que ajudavam a carregar as cadeiras. Lá chegando, as

cadeiras eram colocadas em círculo formando uma roda embaixo da árvore, que oferecia

sombra, principalmente nos dias de muito sol, formando um espaço fresco e agradável.

A escolha do local e a disposição em roda dos participantes foi feita em consenso

pela equipe com a indicação de uma médica que trabalhou em um grupo de terapia

comunitária em outra instituição. Ainda em relação ao aporte teórico que embasava a

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proposta do “Ciranda da Saúde”, a Educação Popular era sua principal referência, sendo

alguns dos textos de Paulo Freire utilizados para embasarem a construção metodológica

do grupo. Esta referência era trazida por alguns dos profissionais que já haviam estudado

/ trabalhado com a Educação Popular em outros espaços e também por meio de

discussões e estudos que ocorreram dentro da própria equipe.

A disposição dos participantes em círculo visava indiferenciar a localização de

profissionais e alunos, ou de um educador que está à frente e fala para seus educandos,

como os modelos pedagógicos clássicos de sala de aula. A ideia de trabalho em roda ou

círculo é também enfatizada por Freire (1983). O círculo substituiria o modelo escolar de

aprendizagem pautado na autoridade. Na formação em roda as pessoas poderiam assumir

o seu modo próprio de ser pelo exercício da liberdade e da crítica que seriam facilitados

pela disposição simétrica dos participantes. Como discutiremos adiante, o aprendizado

para Freire só pode efetivar-se no contexto livre e crítico das relações que se estabelecem

entre os educandos, e entre estes e o “educador”. No círculo os participantes poderiam

estabelecer um diálogo sobre a realidade respondendo e indagando às questões

provocadas por um eventual coordenador do grupo, aprofundando assim as suas leituras

do mundo.

Do ponto de vista sócio-antropológico, Edward Hall (1966), ao realizar a

Antropologia do espaço, igualmente observou como a disposição em círculo facilita a

interação entre os indivíduos. Isto pôde ser observado no “Ciranda da Saúde” onde a

formação em roda proposta pelos profissionais ia ao encontro da perspectiva de Martinez-

Henáez (2010) de se distanciar do que o autor denomina de “princípio da

unidirecionalidade”. Para o autor “a unidirecionalidade caracteriza a intervenção

monológica, ou seja, a existência de um fluxo comunicativo que se movimenta a partir

dos profissionais em direção à chamada “população-alvo”, mas não a partir desta em

direção aos primeiros”.

Ainda em relação à disposição do grupo, uma espécie de mural era também

pendurado em um dos galhos da árvore escrito “Ciranda da Saúde”. Inicialmente além

das cadeiras, era levado também um cavalete para baixo da árvore onde habitualmente

eram escritos o nome do grupo e o tema a ser abordado. Por vezes o cavalete também era

utilizado para algum tipo de apresentação que a equipe havia preparado em cartolinas,

papel, desenhos, etc com informações referentes ao tema a ser discutido. A utilização do

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cavalete era discutida algumas vezes pela equipe, pois às vezes tornava as apresentações

muito pedagógicas, no sentido de que o profissional se posicionava, ou passando os

papéis com as informações ou escrevendo muito, o que diminuía o diálogo com os

participantes que nestes momentos ficavam como espectadores. Até que um dia um dos

frequentadores mais assíduos do grupo (o sr. Ricardo, o qual abordaremos mais

detalhadamente à frente) levou um mural feito por ele mesmo, com tábuas de madeira e

pregadores, o qual poderia ser pendurado em algum dos galhos da árvore. Desde então

este mural passou a ser utilizado no lugar do cavalete, o qual só passou a ser usado em

alguma atividade especial que necessitasse a demonstração de textos ou figuras.

A fotografia abaixo resgata um dos encontros do Ciranda da Saúde, assim como a

disposição dos participantes no grupo.

Em relação às discussões do grupo, algumas das temáticas debatidas durante o

período de observação foram: ‘controle do estresse’, ‘alterações do sono’, ‘controle das

emoções’, ‘violência familiar’, ‘discriminação’, ‘autoestima’, ‘relações familiares’,

‘costumes alimentares da antiguidade e da modernidade e práticas corporais - lazer e

prazer’, dentre outras. Vale ressaltar que, a princípio, a demanda de discussão girava em

torno de temas característicos do modelo biológico que, muitas vezes se foca mais nos

processos de doença. Nesse sentido alguns dos primeiros temas a serem discutidos no

grupo foram temas “clássicos” como sono, hipertensão, diabetes, etc. Com o passar do

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tempo e o decorrer das discussões, observei que a discussão começou a girar em torno de

temáticas mais amplas que impactam na saúde como violência, família, trabalho, etc.

Esse processo de transformação de um discurso estritamente biomédico para uma visão

mais ampliada de saúde ocorreu visivelmente com os frequentadores mais assíduos e

pode ser indicativo da possibilidade de construção de uma perspectiva de saúde mais

global, a qual leva em consideração os variados determinantes sociais, culturais, etc que

compõem uma situação de saúde ou doença.

A ampliação dos temas discutidos no grupo pode também ser considerada uma

aproximação do que Freire (2005) denomina de leitura de mundo. Para o autor ler o

mundo, significa reconhecer que os fenômenos sociais estão vinculados à uma realidade

macrossocial que imprime neles sua marca histórica e os seus significados culturais. Isto

se aplica também para a compreensão das representações sobre um determinado

fenômeno como o caso do adoecimento. Tomando como referência a perspectiva

Freiriana, podemos afirmar que, quando a discussão do grupo se amplia para além do

fenômeno da doença em sí e passa a englobar determinantes sociais do processo saúde-

doença, ocorre uma superação da chamada consciência ingênua, para a realização de um

exercício crítico de leitura de mundo.

Os temas discutidos no “Ciranda da Saúde” eram acordados com os participantes

no fim de cada encontro para serem debatidos na semana seguinte. No entanto, por vezes,

ocorriam situações em que pessoas que escolheram os temas, não estavam presentes na

discussão da semana posterior ou havia a participação de pessoas que não tinham

participado do processo de escolha do tema, o que pode ser apontado como uma

limitação deste método de eleição dos temas.

Após essa escolha, os temas eram discutidos entre a equipe durante a semana para

a elaboração da dinâmica e abordagem adequada da temática. Geralmente era construída

uma metodologia para a discussão dos temas (vide anexo IV para exemplo de

metodologia). Nela era decidida qual o referencial teórico a ser utilizado e se haveria

alguma atividade em específico (dramatizações, uso de materiais para desenho, colagens,

etc). A construção da metodologia ocorria durante os períodos livres da equipe durante o

horário de trabalho ou por e-mail quando não havia tempo para desenvolvê-la na VOM

ou envolvia a pesquisa de algum material ou tema. Vale destacar que este processo de

discussão entre a equipe era um momento que mobilizava os profissionais a pesquisarem

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e estudarem os temas coletivamente, sendo frequentemente citado por eles como um rico

espaço de troca e aprendizado.

O “Ciranda da Saúde” tinha uma frequência média de 8 a 10 participantes e de 3 a

4 profissionais. No entanto, estes números variavam bastante: houve encontros com mais

de 40 participantes, assim como ocorreram situações em que houve mais profissionais do

que participantes. Alguns fatores apontados pela equipe e pelos frequentadores para a

variabilidade na frequência eram: a violência (nos períodos em que havia muitos conflitos

na Maré, toda a VOM fica bastante esvaziada) quando havia a participação de algum

convidado de fora da instituição (situação em que o grupo costumava ficar mais cheio) e

os conflitos de horário com outras atividades (como, por exemplo, a hidroginástica da

qual muito participantes do Ciranda frequentavam e que em determinado momento

começou a ocorrer no mesmo horário de realização do grupo). Era comum também antes

do grupo iniciar, algum integrante da equipe de saúde fazer uma espécie de “busca ativa”:

caminhar pela área da VOM convidando as pessoas a participarem. Quanto ao perfil dos

frequentadores do grupo, a grande maioria era mulheres, em geral acima dos 40 anos,

com baixa escolaridade e sem uma profissão formal (aposentadas, donas de casa, etc).

Em relação a participação dos profissionais, estes se dividiam em facilitadores,

(geralmente dois) e relatores (um profissional). Os facilitadores não eram fixos, variando

de acordo com a disponibilidade do profissional em participar do grupo e do tema

discutido. Eles disparavam o debate, procurando mediar as falas e trazendo informações

sobre o tema abordado. O relator registrava as discussões em folhas que posteriormente

eram digitadas, impressas e guardadas em uma pasta com informações sobre o grupo.

A dinâmica do grupo apresentava algumas variações de acordo com os temas

discutidos e os participantes presentes, no entanto, normalmente ocorria da seguinte

forma: um momento inicial onde os profissionais lembram qual o tema que foi escolhido

na última semana. Nesse momento, chamado pelos profissionais de “quebra-gelo”, os

participantes eram convidados a falarem livremente sobre o tema a ser debatido. No

momento seguinte os profissionais traziam informações mais específicas sobre o tema a

partir do que foi mencionado pelos participantes nos comentários iniciais. A seguir os

participantes costumavam trazer depoimentos sobre experiências suas ou informações

adicionais sobre o tema discutido. Após isso, dependendo do tema e do tempo disponível,

podia ser proposta alguma atividade (dinâmica, leitura, produção de cartazes, etc.) para

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aprofundar a discussão. Por fim, havia um momento de avaliação da discussão e a

escolha do tema a ser debatido na semana seguinte.

Algumas histórias

Para exemplificar a dinâmica da discussão do Ciranda da Saúde, descrevo a seguir

um encontro do grupo o qual fiz o registro integral no meu caderno de notas. O tema

discutido nessa ocasião era autoestima e foi escolhido pelos participantes no encontro

anterior. Para abordá-lo os profissionais construíram uma dinâmica na qual os

participantes tinham sua imagem refletida em um espelho dentro de uma caixa e a partir

disso tinham que descrever a pessoa que estavam vendo, tendo que relatar suas principais

características usando a terceira pessoa do singular.

“Novamente fizemos o grupo embaixo da árvore pegando as cadeiras do

anexo da cantina. Usamos também um cavalete onde ficaram expostas

cartolinas com perguntas referentes ao tema autoestima. Inicialmente só

havia profissionais na roda e aos poucos foram chegando os demais

participantes. No total participaram do grupo 5 profissionais da saúde, 3

profissionais de um Programa de Saúde da Família da região, 6 adultos e

mais 3 crianças / adolescentes que estavam acompanhado suas mães ou

avós. A assistente social Valéria6 iniciou o grupo falando da proposta de

discutir autoestima. Após isso a enfermeira Vanessa. explicou a dinâmica

do espelho, no entanto, fizemos uma alteração e os comentários sobre as

“fotos” só foram feitos após a caixa ter passado por todos. Durante a

dinâmica a maior parte do grupo achou engraçado ou riu ao perceber que

as fotos da pessoa especial na verdade era um espelho o qual refletia sua

própria imagem. Nos comentários boa parte do grupo respondeu a

indagação sobre quem era a pessoa especial que haviam visto citando

características próprias positivas como “uma pessoa legal”. Valéria

pergunta ao grupo o que é autoestima e aparecem repostas relacionadas ao

bem-estar (“estar de bem com a vida”), ao cuidado (“é cuidar de você

mesmo”) e a expectativas (“o que eu espero de mim mesmo”). Valéria e

6 Os nomes dos profissionais e participantes do Ciranda da Saúde aqui mencionados são fictícios.

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Susana, também enfermeira, falaram da influência da mídia na construção

da autoestima e da imagem afirmando que não se deve prender a estes

modelos. Pergunto ao grupo que outros fatores influenciam na autoestima,

tentando minimizar o direcionamento das falas anteriores das profissionais

e fazer com que o grupo identifique e relate suas próprias percepções.

Aparecem relatos de situações e histórias de vida nas quais a opinião de

pessoas próximas influenciou na autoestima. M. (não lembrou o nome)

contou que evita ir a casa de sua mãe pois esta fala que ela está gorda e

feia e que isso a deixa triste. São falados pelo grupo exemplos de melhoras

na autoestima a partir do contato com pessoas de referência (foi citado um

atendimento com Vanessa), de mudanças na rotina (começar a fazer

atividades na VOM), na superação de problemas de saúde, etc. Também foi

discutida brevemente pelos profissionais a relação entre autoestima e

saúde. Já na parte do final foi solicitado a cada um dos participantes que

falassem de situações ou acontecimentos de sua história que tenham

influído positivamente na autoestima (surgiram exemplos como ter entrado

para a faculdade, estar trabalhando, etc). No final Vanessa solicitou que

todos dessem as mãos e resumissem o que sentiram no grupo em uma

palavra. Apareceram palavras como alegria, aprendizado, leveza, etc. O

grupo escolheu discutir sobre drogadição no próximo encontro”.

Este registro apresenta algumas características comuns do grupo Ciranda da

Saúde dentre eles a participação de profissionais de várias categorias no grupo.

Chama a atenção também a participação de trabalhadores de alguns serviços de

saúde da região, principalmente as unidades de Saúde da Família. Embora

esporádica, a participação desses profissionais, em geral enfermeiros e agentes

comunitários de saúde, favorecia o diálogo e a articulação das ações da equipe de

saúde da VOM com os demais dispositivos presentes no território, viabilizando

possíveis parcerias e ações inter-intituicionais.

O relato também demonstra a variabilidade dos frequentadores do grupo,

já que, fora os frequentadores que sempre vinham grupo (que giravam em torno

de dois ou três), os demais participantes compareciam de acordo com sua

disponibilidade e interesse no tema discutido. Também não era raro ocorrerem

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situações em que algum dos participantes levasse parentes ou pessoas próximas,

como filhos/as ou netos/as, que acabavam participando das discussões do grupo.

Outro elemento que aparecesse no relato foi minha participação no grupo.

Por vezes eu era convidado a participar ou mesmo facilitar as discussões e, com o

tempo, passei também a participar ativamente da construção da metodologia das

discussões. Isto ocorreu fundamentalmente pelo vínculo que estabeleci com os

profissionais e com os frequentadores do grupo, mas também pelas minhas

vivências anteriores com a Psicologia e com a Educação Popular, onde tive

experiências de trabalho com grupos. Nessas ocasiões sempre procurava me

colocar de forma a não emitir opiniões pessoais ou técnicas, visando disparar o

debate entre os participantes por meio da problematização.

Alguns aspectos metodológicos de situações como esta já foram abordados

por Ferreira (2004). Sobre a dificuldade de distinção entre o papel de profissional

e o de pesquisador quando em um contexto etnográfico, a autora afirma que

durante sua pesquisa em um centro de saúde humanitário francês, frequentemente

sua posição de pesquisadora era difícil de ser diferenciada de sua posição

profissional de médica na observação de consultas.

“(...) minha identidade médica algumas vezes me

impediu de ser uma simples observadora. Assim, em

algumas situações eu não pude recusar de participar de

exames físicos e de opinar sobre diagnósticos. No entanto,

estes momentos, longe de ser um obstáculo à pesquisa, se

mostraram úteis para aprofundar minha interação com os

médicos (...) Nas ocasiões em que o médico saía do

consultório para buscar os medicamentos, eu aproveitava

para conversar com os pacientes sobre alguns pontos

mais específicos da consulta, para conhecer mais de sua

vida, família, trabalho, etc. Os médicos, observando esta

minha forma de proceder, procuravam obter comigo

informações suplementares dos pacientes”(Ferreira,

2004)

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Assim, a autora aponta que mais do que obstáculos, estes momentos podem ser

úteis para aprofundar a interação com os sujeitos observados.

Os atores: a perspectiva dos profissionais

Os participantes do grupo “Ciranda da Saúde” se dividiam em duas categorias

principais: frequentadores / alunos da VOM e profissionais.

Os profissionais da equipe de saúde da VOM, por sua vez, se dividiam em dois

outros perfis: recém-formados que chegavam para as primeiras experiências de trabalho

ou moradores da região que tinham formação ou experiência na área da saúde. Os

médicos fugiam a esses dois perfis e o que parecia ser determinante na sua atuação na

instituição era a identificação com o trabalho em comunidades. Havia uma clara

indicação da direção da instituição para que eventuais vagas fossem preenchidas por

moradores da Maré, no entanto, nem sempre havia profissionais disponíveis na região

nas categorias demandadas, principalmente nas de nível superior. A grande maioria dos

profissionais eram mulheres.

Para ilustrar os perfis citados acima realizo a seguir um “retrato” de duas

profissionais que atuaram na VOM com importante participação no grupo Ciranda da

Saúde.

A Enfermeira Vanessa

Vanessa era uma jovem enfermeira na faixa dos 25 anos que foi trabalhar na

VOM alguns meses depois de formada, vinda de uma cidade do interior do estado do

Rio de Janeiro. Muito carismática e jovial, logo acabou criando vínculos com a equipe e

com os usuários da VOM, tomando a frente de algumas das principais atividades de

Educação em Saúde lá desenvolvidas, chegando a se tornar sub-coordenadora da equipe

de saúde. Ao longo do tempo Vanessa se dedicou com muito empenho no

desenvolvimento dessas atividades e foi uma das profissionais que mais participou da

concepção do grupo Ciranda da Saúde acompanhando-o desde os seus primeiros

encontros. Era também uma das profissionais que mais se pautava nos referências da

Educação Popular.

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Vanessa foi minha “informante-chave” durante o período de observação, já que

desenvolvemos uma grande amizade e discutimos por várias vezes muitos dos aspectos

do trabalho de Educação em Saúde e do cotidiano da VOM.

Após um período de aproximadamente um ano e meio atuando na VOM,

Vanessa claramente demonstrava cansaço devido às inúmeras dificuldades que relatava

como presentes no seu cotidiano de trabalho. Perto de sua saída da instituição, época

próxima em que a entrevistei, era visível o seu desgaste por meio de uma marcante

expressão de esgotamento.

A entrevista com Vanessa, a qual destacarei alguns trechos abaixo, foi realizada

em uma das salas do espaço em que ficava a equipe de saúde, após a realização de um

grupo Ciranda da Saúde que teve que ser interrompido devido a passagem de vários

carros da polícia próximo à VOM e aos barulhos tiros que ouvimos a seguir. O grupo

foi finalizado rapidamente, os participantes foram embora e os profissionais ficaram na

sala da equipe de saúde conversando e esperando a situação “acalmar”. Antes de

realizar entrevista questionei se realmente havia disponibilidade em participar depois da

situação de estresse ocorrida e Vanessa concordou em falar (o roteiro utilizado na

entrevista é apresentado no anexo II).

“... a violência é uma coisa que marca muito, por que ela tá

muito presente, é muito forte... é... e a questão da falta, falta

muita coisa pra eles, então você vai discutir – ah, vamos

discutir, vamos problematizar - mas antes de problematizar a

gente tem que ter o que comer pra sair de casa, tem que ter uma

estrutura legal pra você estar aqui de coração aberto, pra ter

uma motivação pra tá”

“ao longo desse tempo eu percebi que... hã... não desmotivação,

uma desilusão assim... não sei... que é pensar que essa

intervenção tem condições de afetar... até que ponto tem

condições de afetar, de transformar, é uma coisa que me... que

me questiono né? Essa questão de como que as pessoas, até que

ponto essas práticas, elas realmente tem potencial de fazer

alguma coisa muito boa na vida da pessoa. Então, a minha

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expectativa agora eu já diminuí um pouco, reduzi essa

expectativa”.

"então ali a pessoa encontrou um espaço legal, acolhedor, de

aprendizado, por que elas acham que aprendem e elas se sentem

valorizadas por que o que elas falam... a gente não valoriza por

que é bonito valorizar, mas por que realmente faz todo o

sentido."

“o que seria essa Educação Popular? Seria... em relação...

poderia ser em relação a postura profissional. Se for em relação

a postura profissional é de diálogo, de estimular a reflexão, de

tá dentro do contexto, a gente não faz dentro de nenhuma sala...

a gente tá dentro da proposta... mas também... o que se espera

dessas propostas né? Aí eu não sei mais por que, eu não sei se

os resultados nem as práticas tão de acordo... por que se você

ler sobre Educação Popular, começa a achar que aqui tá

faltando alguma coisa, por que é difícil você aplicar, entendeu?

Então não sei se a gente tá, a gente tá nessa proposta... de tá

trabalhando nessa proposta, agora se a gente conseguiu atingir,

eu creio que muita coisa ainda tem que ser feita, tanto aqui na

Vila, quanto aqui na Maré pra você tá fazendo essas práticas”.

Em suas falas Vanessa sinaliza algumas das dificuldades do trabalho de

Educação em Saúde não só na VOM, mas em regiões marcadas pela desigualdade social

e pela violência. Aponta também alguns desafios da proposta de Educação em Saúde

com um vertente popular, principalmente no que se refere à mobilização dos sujeitos.

Paulo Freire propôs através da Educação Popular um método pedagógico

assumidamente político, que tinha como um de seus princípios a conscientização para

transformação das situações de opressão. Para o autor, educação e conscientização

jamais se separam. No entanto, conforme descrito na fala de Vanessa, muitas vezes, a

mobilização necessária para se chegar ao processo de conscientização encontra

dificuldades em assumir maiores proporções além dos debates ocorridos nos grupos de

discussão devido às próprias condições matérias de opressão como a pobreza, a

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violência, etc. Vanessa sinalizava muitas vezes a sensação de falta do básico em termos

de determinantes sociais de saúde, como a alimentação e a segurança, para que as

pessoas possam se engajar em processos maiores de mobilização.

Outro ponto mencionado pela profissional é a necessidade de respeito à fala do

outro. Para Freire (2005) não se pode, de maneira alguma, nas relações político-

pedagógicas com os grupos populares, desconsiderar seu saber advindo das experiências

cotidianas de vida. Constata-se no aporte epistemológico freireano a valorização do

saber do senso comum, da compreensão de mundo acumulada durante a vida pelas

pessoas, a qual ele denomina de ”saberes de experiência de fato”.

A educadora Fernanda

Fernanda era uma jovem técnica em enfermagem na faixa dos 20 anos, moradora

da Maré, que foi trabalhar como educadora em saúde na VOM após ter feito um

processo seletivo para o cargo de técnica em enfermagem da instituição. Fernanda até

então só havia feito estágios como técnica de enfermagem e na função de educadora em

saúde atuava principalmente auxiliando as atividades, oficinas e grupos relacionados à

Educação em Saúde (como o Ciranda da Saúde, o grupo de nutrição, etc).

Fernanda desde que chegou a VOM me pareceu sempre muito madura apesar da

pouca idade e nitidamente “cresceu” bastante durante o período em que esteve na VOM

como ela mesma refere, revelando grande interesse em pesquisar e aprender coisas

novas e mostrando uma crescente desenvoltura no planejamento e execução das

atividades educativas ao longo do tempo em que esteve na instituição.

A entrevista com Fernanda, a qual destacarei alguns trechos abaixo, foi realizada

em uma das salas do espaço em que ficava a equipe de saúde no mesmo dia em que

houve o episódio de interrupção de um dos encontros do Ciranda da Saúde, devido a

uma operação policial na região da Maré.

“trabalhando aqui na VOM mudou totalmente minha cabeça, né

que eu tinha esse cuidado mais da doença... do adoecer. Daí eu

soube de outra maneira de cuidar das pessoas, não só na hora

da doença.”

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“Já tinha trabalhado com grupos de Educação em Saúde nos

estágios de técnico em enfermagem... era hospital... foi difícil,

uma roda de conversa onde só falava-se de doenças... nada

voltado pra educação, eram grupos pra falar o que tinha que

ser feito em termos de limpeza, de medicação.”

“Minha concepção de saúde mudou muito. Quando eu fazia o

técnico de enfermagem eu aprendi muito essa coisa formal de

medicação, tal... e agora não. Já tinha coisa de “ah, vou cuidar

da alimentação”, mas já voltado pra medicação... e agora não...

tem os grupos onde eu vejo pessoas pensando diferente.”

“A experiência tem sido maravilhosa! Muito, muito, muito

assim... de crescimento pessoal, intelectual, de crescimento

total. Fora a equipe... eu acho que a equipe é muito boa. Você

tem varias áreas... você tem psicóloga, médica, enfermeira e

todos conseguem ter ideias parecidas.”

Um elemento que aparece com bastante intensidade na fala de Fernanda é a

crítica ao caráter reducionista do modelo biomédico, onde muitas vezes a noção de

doença é mais discutida do que a própria ideia de saúde. Esta crítica dialoga com outro

elemento apontado pela profissional que é a dimensão pedagógica advinda do contato /

diálogo com os demais profissionais e com a população. Este processo remete a

afirmação de Freire (2005) de que o educador, não é o que apenas educa, mas o que,

enquanto educa, é também educado. Para o autor não existe separação entre docência e

discência uma vez que ambas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os

conotam, não se reduzem a condição de objeto, um do outro.

Comparando as entrevistas das duas profissionais, chama a atenção alguns

elementos como a ênfase que é dada para a questão da violência por Vanessa e que não

aparece em nenhum momento no discurso de Fernanda, o que pode apontar para uma

maneira mais natural de lidar com as situações de conflito e violência da comunidade,

fenômeno este que também parece acontecer com outros profissionais e frequentadores

da VOM que moram na região e que costumam se referir de forma muito mais tranquila

a estes episódios.

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Também aparece igualmente nos espaços de observação e entrevistas, a

necessidade de maiores investimentos e discussões metodológicas de Educação em Saúde

para que suas ações sejam mais embasadas e qualificadas. Também é ressaltada a

importância da prática de monitoramento e avaliação das atividades para compreender e

qualificar o impacto dessas ações na qualidade de vida da população.

A contradição das representações de saúde dos profissionais também fica evidente a

partir das duas entrevistas: por um lado ambas as profissionais se descrevem como

formadas na tradição normativa, na chamada “educação bancária”. Por outro lado, a

própria praxis, o diálogo com a população, o contato com os problemas que a população

trás e com o saber popular, mediatiza muito isso. Se em algum nível, a referência é a

postura bancária, a postura dialógica aparece como horizonte a se alcançar.

Nesse sentido, Freire (1996) aponta o desafio da coerência na prática do educador.

Para o autor de nada adianta o discurso competente se a ação pedagógica é impermeável

a mudanças. Quando se vive a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender se

participa de uma experiência política, ideológica, pedagógica, estética e ética onde existe

a necessidade da vigilância constante buscando e problematizando a coerência entre o

discurso e a prática (FREIRE, 1996, p. 10).

Os atores: a perspectiva dos usuários

O perfil dos usuários da VOM que frequentavam o grupo Ciranda da Saúde,

salvo algumas exceções, era parecido com o perfil geral dos frequentadores adultos das

demais atividades da Vila: a grande maioria do sexo feminino com faixa etária a partir

dos 40 anos. Trabalhavam com serviços domésticos, cuidando da casa, dos filhos ou

netos, ou no mercado informal de trabalho (vendendo roupas, alimentos em

barraquinhas, etc).

Seguem abaixo a descrição dos perfis de dois frequentadores do Ciranda da

Saúde que sempre participavam do grupo.

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Dona Selma

Selma era uma assídua frequentadora das atividades da VOM, desde a sua

inauguração. Viúva, aposentada e já com os filhos criados, dividia seu tempo entre as

tarefas domésticas e as várias atividades que frequenta na VOM como dança,

hidroginástica, consultas de psicologia, nutrição, etc.

Selma conhecia e tinha amizade com boa parte dos alunos e profissionais da

VOM, sendo considerada por esses últimos uma “aluna-modelo” já que quando chegou

a VOM tinha bastante dificuldade de convivência e adaptação devido a um grave

período de depressão no qual ela mal conseguia sair de casa. Selma atribui sua melhora

do quadro depressivo devido à ida para a VOM, principalmente ao vínculo que

conseguiu estabelecer com alguns dos profissionais que lá atuam.

“Quando cheguei fui bem recebida, fiquei meio receosa

porque tinha umas complicaçõezinhas aí, mas depois fui me

sentindo bem... me aconchegando com todo mundo, aí ficou

tudo bem (...) não gostava muito de tá junto com ninguém, não

tinha negócio de abraço, essas coisas não era muito comigo...

aí conforme eu fui melhorando das... das coisas né, através da

psicóloga, aí eu fui aceitando mais, agora me sinto muito

bem.”

“Por que eu acho que as palestras que eles dão, são muito úteis

né, por que orientam bem a gente, coisas que a gente não sabe a

gente pergunta.”

“Cada pessoa que fala eles respeitam, ficam escutando... dão

opinião se tá certo, se tá errado. Cada um dá sua opinião, né. É

muito legal.”

“me orientou muito bem por que aí foi quando eu fiquei com

problema de pressão alta, colesterol, essas coisas e fui bem

orientada também sobre a família... assim de... problemas sérios

de família, entendeu? E... de tudo pra mim foi novidade e foi

muito bom.”

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“Ah, eu acho que eu melhorei bastante, por que tinha coisas

que eu fazia que eu achava que tava certa e não era certo, tava

errado. Então com a orientação deles aí eu melhorei bastante.

Melhorei tanto o sistema nervoso, por que eu era muito tensa,

tensa demais... por que infelizmente eu tenho um filho viciado ,

entendeu? E eu era muito tensa, muito tensa demais... então eu

comecei a ir separando as coisas, assim... me ajudou muito,

nesse ponto aí, me ajudou demais.”

“é por que cada um pensa de um jeito né? Tem pessoas que

acham que meu jeito de pensar tá errado, o dela que tá certo e

dalí a gente colhe dalí, colhe daqui e acaba tirando proveito de

tudo... é, como se fosse uma reciclagem.”

O processo de realização da entrevista com Selma foi um exemplo da já discutida

influência do termo de consentimento na pesquisa em Ciências Sociais, pois a partir da

leitura do documento a frequentadora se mostrou portou de maneira muita mais formal do

que normalmente fazia. Outro elemento que pode ser identificado a partir da fala de

Selma é a referência ao grupo “Ciranda da Saúde” como um espaço de palestra, o que

pode apontar para uma indiferenciação por parte dos frequentadores da proposta

dialógica do grupo com o modelo informacional “clássico” de Educação de Saúde. No

entanto, a partir das palavras de Selma, pode-se pensar também o quanto no discurso

popular aparece a perspectiva normativa que está colocada como hegemônica. E, contra-

hegemonicamente, surge uma percepção da saúde mais experiencial e crítica, que discute

a saúde de uma maneira ampla, como decorrente de uma questão social, das condições de

vida, das consequências da escassez material, das dificuldades de acesso aos bens sociais.

A referência de Selma ao seu estado emocional por meio da evocação do sistema

nervoso remete ao que Duarte (1994) denomina de o fenômeno dos nervos o qual seria

privilegiado para compreender algumas das questões centrais da cultura ocidental

moderna, assim como seus limites e descontinuidades; estes fenômenos dificilmente

poderiam ser compreendidos através de uma estratégia puramente empirista que fosse

desconectada de uma teoria mais ampla acerca da mudança e diferenciação cultural.

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Uma análise dessa categoria é necessariamente antropológica por esta se apresentar

como comparativa e relativista: “sua formulação depende de um radical estranhamento

em relação aos valores centrais da versão ‘moderna’ de nossa cultura, retendo de certa

forma apenas a disposição universalista” (p.5).

Nesse sentido, a leitura médico-antropológica do nervoso traria uma valiosa e

plural informação etnográfica: uma teoria biomédica (expressão de doença orgânica),

uma teoria psicologizante (expressão das emoções e do psiquismo individual) e uma

teoria sociológica (expressão de conflitos sociais de classes, gêneros, etc).

Ainda para Duarte (1994), a oposição entre cultura ‘leiga’ e cultura profissional

ganha novos contornos desde que se compreenda que o nervoso não é a cultura ‘leiga’,

mas uma das culturas ‘leigas’ possíveis, que se enfrenta com uma cultura profissional

afastada do nervoso e próxima ao saber psicologizado sobre o indivíduo. O autor afirma

que

“a compreensão dos embaraços (e perturbações) decorrentes

desse descompasso entre teorias da perturbação no confronto

entre terapeuta e paciente (mas também em alguns casos entre

agentes religiosos e fiéis demandando respostas à afiliação) é

sem dúvida uma das frentes de pesquisas mais urgentes e sérias”

(p.8).

Selma também indica o quanto a afetividade e o vínculo, tanto entre usuários e

profissionais, quanto entre os próprios usuários, parece desempenhar um papel

determinante na participação dos frequentadores da VOM nas atividades de Educação em

Saúde. Esta indicação dialoga com o conceito de apoio social destacado por Valla

(2005). Para o autor quando as pessoas sentem que contam com o apoio de um grupo de

pessoas (seja vizinhança, família, igreja, etc), esse apoio tem o efeito de causar uma

melhoria de sua saúde. Esse apoio normalmente se passaria entre pessoas que se

conhecem e se frequentam de forma sistemática, razão pela qual frequentemente estaria

envolvida uma instituição ou entidade. O autor denomina este tipo de vinculo / relação de

apoio social.

Ainda nesse sentido, Ferreira (2011), a partir de sua pesquisa em um centro

humanitário de saúde na França, refere como os serviços destinados à população

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vulnerável, mais do que espaços de assistência oportunizam um espaço de sociabilidade e

de reparação moral. A autora sinaliza que muitas das demandas que surgem nesses

espaços não são necessariamente da ordem do cuidado biomédico e muitas das demandas

com esse caráter não são urgentes. No entanto, elas expressam um sofrimento que reflete

não só problemas físicos, mas também morais. “Em consequência, o trabalho desses

profissionais de saúde não implica curar, mas reparar trabalho de fato, mas que, no

quotidiano, é praticamente invisível, porque de reparação física e moral” (p.94).

Isto parece ser o que acontece com Selma na medida em que, mais do que

conhecimentos em saúde, ela frequenta o grupo por seu caráter de acolhimento que ao

que tudo indica, lhe dá suporte para o seu problema na esfera do “nervoso”.

Sr. Ricardo

Ricardo foi durante um período de aproximadamente um ano um dos

frequentadores mais assíduos dos grupos e atividades desenvolvidas pela equipe de saúde

da VOM. Aposentado, gostava de contar que teve uma vida muito ativa, tanto em nível

social, quanto profissional citando que trabalhou em vários lugares e que exerceu várias

funções, como presidente de associação de moradores, atuou em repartições públicas,

organizou blocos de carnaval, etc. Devido a um grave problema cardíaco Ricardo teve

que se afastar das suas atividades laborativas e passou a evitar atividades que lhe

exigissem demasiado esforço físico. Chegou a relatar que certa vez teve um princípio de

infarto fazendo uma simples caminhada.

Começou a frequentar a VOM trazendo o filho que na época tinha 11 anos para a

natação e, com o tempo, começou a se interessar e participar de algumas atividades.

Ricardo esteve presente em muitos dos encontros da Ciranda da Saúde, sempre

participando ativamente, dando opiniões e sugerindo temas. Gostava de fazer falas

“polêmicas” discordando de outros participantes e frequentemente monopolizava a fala

no espaço do grupo trazendo questões referentes aos problemas de saúde que teve ou

sobre sua história de vida, o que, em certas ocasiões, inquietava alguns participantes e

profissionais.

Por vezes também Ricardo estabelecia uma espécie de relação “tutelar” com os

próprios profissionais da VOM sinalizando quando alguém chegava atrasado ou faltava, o

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que causava certo desconforto entre alguns profissionais da equipe. Certa vez uma das

médicas chegou a comentar em uma conversa informal que “era bom o Ricardo

participar das atividades, mas que não poderíamos dar muito poder a ele”. Em outra

ocasião, Ricardo surgiu com um material referente a uma proposta de tema de discussão

para o grupo Ciranda da Saúde e se propôs a ele mesmo organizar o espaço. A equipe

acolheu esta sugestão e o grupo da semana seguinte ocorreu com a condução do próprio

Ricardo.

Com o tempo a grande participação de Ricardo nas atividades educativas inseriu

na equipe a discussão sobre saber x poder. Este elemento pode, inclusive, ser analisado

pela fala já citada da médica. Podemos pensar se ela não está questionando o saber /

poder de Ricardo do qual ela seria, por sua posição social, uma “detentora legítima”.

Como vimos, as propostas de Educação em Saúde historicamente se pautaram em um

modelo fundado na autoridade do profissional de saúde, principalmente o médico, que

através de seu saber garante a legitimidade e o poder para intervir na vida da população

através de normas e prescrições. Essa relação remete a dialética “saber-poder” abordada

por Foucault ao longo de diferentes momentos de sua obra.

Foucault considera que saber consiste em entrelaçar o visível e o enunciável, já

o poder é a sua causa pressuposta, mas inversamente, o poder implica saber. Não há

relação de poder sem constituição correlativa de um campo de saber, nem de saber que

não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder. Assim, não existe

modelo de verdade que não remeta para um tipo de poder, não existe saber, nem mesmo

ciência, que não exprima ou não implique um poder em vias de se exercer (Foucault,

1999).

Nessa perspectiva, poder não é um sistema geral de dominação exercida por um

elemento ou grupo sobre o outro assim como não está restrito a uma instituição política

ou a um grupo de atores que têm um lugar privilegiado na vida social. Para

compreendermos o poder e sua materialidade é necessário nos determos no nível das

micro-práticas ou das micro-políticas onde as práticas se formam.

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Nas palavras do autor:

“parece-me que se deve compreender o poder, primeiro,

como a multiplicidade de correlações de força imanentes ao

domínio onde se exercem e constitutivas de sua organização; o

jogo que através de lutas e afrontamentos incessantes as

transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de

força encontram umas nas outras, formando cadeias ou

sistemas ou, ao contrário, as defasagens e contradições que as

isolam entre si (...) a condição de possibilidade do poder, em

todo o caso, o ponto de vista que permite tornar seu exercício

inteligível até em seus efeitos mais ‘periféricos’ e, também,

enseja empregar seus mecanismos como chave de

inteligibilidade do campo social, não deve ser procurada na

existência primeira de um ponto central, num foco de soberania

de onde partiriam formas derivadas e descendentes (...) o poder

está em toda parte; não porque englobe tudo e sim porque

provém de todos os lugares” (Foucault, 1980, p.88).

A partir dessa definição podemos pensar o poder como uma operação de

tecnologias através do corpo social. O funcionamento destes rituais políticos de poder é

exatamente o que estabelece as relações desiguais e assimétricas (reconhecidas no senso

comum como relações de dominação). A concepção de Foucault é importante no

sentido de romper com as teorias imobilistas que despotencializam os sujeitos ao

considera-los como meras vítimas de uma trama perversa engendrada por um grupo que

“detém” o poder: para Foucault o poder é uma relação essencialmente dialética.

Obviamente não há como negar, por exemplo, as relações de dominação de classe

presentes na sociedade, no entanto, é importante não perder de vista que o poder se

exerce tanto sobre o dominante quanto sobre o dominado.

Onde há saber, há poder. Mas é importante acrescentar: onde há poder, há

resistência. Se por um lado novos saberes, novas tecnologias ampliam e aprofundam os

poderes na sociedade em que vivemos, por outro há sujeitos que lutam cotidianamente

contra as forças que tentam reduzi-los a objetos, contra as múltiplas formas de

dominação que estão presentes na sociedade.

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No campo da Educação em Saúde este embate também se faz presente, e fica

ainda mais claro quando observamos as recentes propostas de valorização do saber

comunitário no engendramento de novas formas de cuidado, como ocorre no grupo

“Ciranda da Saúde”. Através destas propostas o saber biomédico, antes incontestável,

passa a dialogar com as práticas e saberes cotidianos da população e com o contexto de

vida dos indivíduos, que deixam de ser considerados meros receptores das informações

dos profissionais de saúde.

Da mesma forma a própria representação de doença passa a ser considerada não

só a partir das alterações no corpo biológico, mas também em alterações no corpo social

na medida em que o indivíduo, ao se identificar enquanto “sadio” ou “doente”, vai se

relacionar de maneira diferente com o contexto que vive. Daí a necessidade das

representações serem consideradas, na Educação em Saúde, como fruto de um

compartilhamento de saberes.

Assim, a partir da valorização dos saberes populares engendrados no cotidiano

da população, podemos pensar na Educação em Saúde não só enquanto tecnologia de

intervenção no espaço público e nos corpos da população, mas como uma forma de

resistência que se articula em rede nas lutas pela auto-determinação e na construção de

uma perspectiva onde saberes e poderes estejam a serviço do "cuidado de si", do

"cuidado dos outros" e do "cuidado da vida".

O fim do grupo Ciranda da Saúde

Aproximadamente um ano depois do início do Ciranda da saúde o grupo começou

a sofrer um gradual esvaziamento. A princípio a principal justificativa para tal

esvaziamento encontrada, tanto pelos profissionais quanto pelos usuários, foram os

frequentes conflitos armados que estavam ocorrendo na Maré. No entanto, a saída da

instituição de alguns dos profissionais que participaram da concepção do grupo parece ter

desempenhado um importante lugar nesse processo. Começou a se fazer visível também

o intenso desgaste dos profissionais que continuavam na VOM. Muitos se queixavam das

condições de trabalho, principalmente no que se refere à questão da violência e da

precariedade dos vínculos empregatícios.

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Desde o início do grupo até o final da observação, somente uma profissional (a

educadora em saúde) continuava fixa no “Ciranda”. No mais, os profissionais foram

revezando suas participações, muito em função da alta rotatividade da equipe de saúde da

VOM. Desde que iniciei a observação, praticamente toda a equipe, inclusive a

coordenação, foi renovada. A grande maioria dos profissionais que permaneceram desde

o início da observação (três no total) era moradores da Maré. As condições precárias

como os baixos salários, as constantes situações de violência e a precarização do vínculo

empregatício (como já foi descrito, os profissionais admitidos por meio de contratos e

sem direitos trabalhistas básicos como carteira de trabalho assinada e férias) eram alguns

dos fatores que apareciam nas falas dos profissionais como dificultadores de um vínculo

mais longo com instituição. A constante mudança de profissionais também parece ter tido

reflexo direto sobre os vínculos estabelecidos com os frequentadores do grupo e na

descontinuidade das atividades de saúde desenvolvidas na instituição.

O último encontro do Ciranda da Saúde ocorreu em dezembro de 2011. Após o

recesso de final de ano e de um hiato no começo de 2012 (os meses de janeiro e fevereiro

habitualmente na VOM eram diferenciados, já que parte das atividades regulares era

interrompida e o espaço da instituição passava a ser utilizado como colônia de férias com

atividades específicas, principalmente para crianças e adolescentes em férias escolares),

os encontros do grupo estavam programados para retornarem ainda no primeiro trimestre

do mesmo ano, no entanto, durante este período uma série de instabilidades sobre a

continuidade do financiamento das ações da equipe de Nutrição e Saúde começaram a

ocorrer. Como citado anteriormente, a equipe de saúde da VOM tinha um financiamento

específico advindo de um projeto da Petrobrás, o qual tinha um período de vigência de

aproximadamente 30 meses ou dois anos e meio. Ao fim desse período o projeto poderia

ser renovado ou não de acordo com a avaliação da própria Petrobrás.

Os episódios de término de contrato já haviam ocorrido anteriormente com a

equipe de saúde e com as demais áreas da VOM. Habitualmente, a renovação costumava

ocorrer, ainda que depois de alguns meses, no entanto, já houve situações em que os

trabalhadores ficaram vários meses sem remuneração devido à demora nesses processos

de renovação.

Conforme aponta Melo (2005) em pesquisa realizada sobre o papel da Vila

Olímpica da Maré sobre as políticas públicas de esporte do Rio de Janeiro, as situações

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de atraso no pagamento eram comuns também em outras Vilas Olímpicas que

contratavam profissionais por meio do modelo de cooperativas. Haveria nesses processos

uma dimensão pedagógica que, em um contexto de desemprego estrutural, conformava e

limitava as possibilidades de contestação ou mesmo de apresentação de discordâncias

diante dessas situações, já que isso implicaria riscos à continuidade no emprego. Para o

autor, esses atrasos eram tolerados por meio de estratégias que combinavam coerção e

consenso para obter o consentimento ativo do conjunto dos trabalhadores.

Melo (2005) cita um exemplo dessa dinâmica corrido na própria VOM:

“Em 2003, os funcionários administrativos – quase em sua

totalidade moradores da Maré – ficaram aproximadamente três

meses sem salários. As causas do atraso foram atribuídas às

questões burocráticas na renovação anual do convênio com a

Petrobras. Isso implicou significativas discussões e até

movimentos de paralisação das atividades. Frente à ‘ameaça’ de

paralisação, os trabalhadores eram constantemente lembrados de

que o contrato realizado com os parceiros, no caso a Petrobras e

Prefeitura do Rio, previa a rescisão imediata caso houvesse

interrupção das atividades. Com isso, a própria continuidade do

projeto estaria ameaçada pela atitude dos reivindicantes. Assim,

o par coerção/consenso apresentava-se na tentativa de

desmobilizar qualquer reinvindicação por meio da

responsabilização dos trabalhadores pela eventual suspensão do

contrato” (p. 288).

No primeiro semestre de 2012 o contrato que financiava a equipe de saúde chegou

ao fim e não houve indicativo de renovação. Com isso, os profissionais da equipe de

saúde foram dispensados de suas atividades e as atividades de Educação em Saúde foram

interrompidas, com a exceção do projeto de complementação alimentar que passou a

funcionar em um período reduzido (ao final da pesquisa de campo, somente a

coordenadora da equipe de saúde e uma nutricionista continuavam indo à VOM e

atuando com carga horária reduzida).

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A grande rotatividade dos profissionais de saúde e a precarização dos contratos de

trabalho parece ser uma constante em vários serviços conforme apontam Assunção,

Machado & Koster (2011). Tendo em vista que as atividades de Educação em Saúde

requerem continuidade para o seu desenvolvimento eficaz, torna-se importante

analisarmos alguns dos elementos que impactam sobre o seguimento e a sustentabilidade

destas ações.

A precarização do trabalho em saúde

Conforme já discutido, para Freire (2005) um dos passos iniciais do processo

educativo / transformador é a chamada leitura da realidade, processo onde é considerado

fundamental uma análise da conjuntura social, histórica, política e econômica de forma

a ter um maior entendimento da realidade que nos cerca. Dessa forma, avalio como

pertinente empreender um breve resgate do processo de construção da atual hegemonia

neoliberal a fim de apresentar com maior clareza algumas das origens do atual processo

de precarização do trabalho e seus impactos sobre a saúde.

O processo de “neoliberalização” que envolve as economias contemporâneas tem

revelado uma reconfiguração da organização societária com transformações evidentes no

processo de produção e reprodução da vida social, determinadas por elementos como a

reestruturação produtiva do capital, pela reforma do Estado e por novas formas de

enfrentamento da questão social. A orientação das políticas neoliberais, seguida pelos

organismos internacionais, fundamentalmente o Banco Mundial e o FMI, exigem

condições de inserção nesta dinâmica de reestruturação capitalista que combinem

atratividade, adaptação, flexibilidade e competitividade. Assim, a lógica do mercado

passa a ser a tendência dominante; o Estado desresponsabiliza-se da proteção social,

ocupando o espaço da mercantilização e transformando as políticas sociais em negócios.

Vale ressaltar que no contexto da redução dos direitos sociais, característica do

projeto neoliberal, surge um número significativo do que se convencionou chamar

"projetos sociais" esportivos e/ou culturais, sobretudo em bairros pobres e/ou favelas,

viabilizados por organismos privados e por políticas públicas financiadas e/ou executadas

pelo Estado. A Vila Olímpica da Maré (VOM) pode ser apontada como um exemplo

deste tipo de projeto. (Melo, 2005)

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Para Melo (2005), a partir da criação da VOM ficam explicitas uma série de

características da nova face de atuação do Estado na concepção e execução de políticas

públicas e sociais, o que, no caso da VOM, se expressa na disseminação das ideologias de

responsabilidade social empresarial e do trabalho voluntário, assim como nas relações

entre Estado e ONG.

Dentro deste contexto, impõe-se ainda uma lógica que reduz o trabalho humano a

um simples componente do processo produtivo e a atenção à saúde a um mero

investimento que eleva a produtividade e melhora o desempenho econômico. Assim, a

precarização do trabalho que caracteriza episódios como os ocorridos na VOM, acontece

cada vez mais sistematicamente no contexto neoliberal e é marcada por mudanças em

relação ao mercado, nas condições de trabalho e na qualificação dos trabalhadores, se

concretizando através de perdas nos direitos trabalhistas decorrentes do retorno às ideias

liberais de defesa do Estado mínimo. No atual contexto societário o fenômeno da

precarização do trabalho é um elemento edificador, junto com o desemprego estrutural,

da dinâmica de expansão e consolidação do modelo neoliberal, atualmente hegemônico.

Nessa lógica, a flexibilização passa a ser associada a uma racionalização da

produção, possibilitando que o processo produtivo envolva trabalhadores submetidos a

diversas formas de contratação dentre elas a prestação de serviço, trabalho por tempo

determinado, assalariados de empresas terceiras, membros de cooperativas, e outras.

Para Valla (2005)

“simplesmente não existem mais empregos com garantias

sociais de saúde, férias, horas extras para um grande número

de brasileiros ou, se quiser, latino americanos. Até um trabalho

remunerado, mas sem garantias sociais, está ficando raro, o

que faz com que seu valor tenda a ficar baixo.” (p.77).

Pires (2008) ressalta ainda que o processo de ‘precarização do trabalho’, através

do surgimento de múltiplas relações contratuais, cada vez mais instáveis, tem

contribuído para aumentar as dificuldades de representação dos trabalhadores assim

como sua atuação sindical, deixando os trabalhadores desprotegidos e mais vulneráveis

às exigências gerenciais e patronais.

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Podemos dizer que a adoção de uma lógica mercantil no campo da saúde

desresponsabiliza o Estado da execução de serviços, ao mesmo tempo em que legitima o

repasse de recursos públicos para subsidiar a contratação de serviços terceirizados,

disponíveis ao mercado da iniciativa privada Este quadro tem como consequência um

redirecionamento no campo da saúde, onde ganham força propostas como a de

focalização, que visa atender às populações mais vulneráveis através de uma “cesta” de

ações básicas para a saúde e, um forte incentivo à privatização, através do estímulo aos

seguros privados, da descentralização de serviços e das restrições às formas de

financiamento. (Souza, 2010). Prevalece ainda um ataque à universalidade do direito à

saúde, um dos pilares centrais dos sistemas universais de saúde. Em suma, a ênfase é

dada às propostas de parceria com a sociedade civil, bem como há uma forte tendência à

refilantropização da assistência à saúde.

Nesse cenário as ONGs, OS's e demais associações civis sem fins lucrativos que

compõem o chamado "terceiro setor" absorvem um contingente expressivo de força de

trabalho qualificada com formação em saúde, inclusive dos profissionais formados em

instituições públicas, o que acaba se revelando um contra-senso já que estas instituições

acabam formando profissionais que vão se inserir no mercado de trabalho por meio de

interesses privados. No caso do trabalho em saúde há em conjunto com essa lógica um

movimento de extinção da figura do servidor público que ocorre por meio da crescente

escassez de concursos públicos e da defasagem salarial e das condições de trabalho dos

atuais servidores.

Para Neves (2005) estes fenômenos têm como consequência a formação de um

contingente de "prestadores de serviços sociais" que se constituem, também,

potencialmente, em militantes políticos da “cidadania neoliberal”, já que, para

garantirem seu trabalho, acabam por seguir as ideias e ideais de seus empregadores.

Para a autora:

“As ONGs consubstanciam-se em espaço privilegiado de

difusão do trabalho precário no país, uma vez que absorvem

cerca de 14 milhões de trabalhadores informais, um contingente

da população majoritariamente urbana que, ao invés de

reivindicar coletivamente melhores condições de trabalho,

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premidos pela falta de emprego acabam por viabilizar as

políticas neoliberais de superexploração da força de trabalho”

(Neves, 2005, p.123).

Nesse contexto, boa parte das atuais experiências de Educação em Saúde tem se

desenvolvido em nível local, atreladas a projetos e instituições do terceiro setor

(organizações não-governamentais - ONG’s, organizações sociais - OS’s, organizações

da sociedade civil de interesse público - OSCIP’s, etc) e muitas vezes baseadas no

discurso de ineficiência ou mesmo da falência do Estado, quando não da necessidade da

filantropia. Dessa forma, há de se atentar para o risco de que a expansão das fronteiras da

esfera privada influencie de forma definitiva o desempenho das funções de

responsabilidade do Estado alterando o tratamento político das necessidades sociais da

população.

Para Ribeiro (2005) esse risco se revela através dos seguintes elementos:

“(...) na desconsideração de compromissos históricos

com a cidadania; na modelagem tática do relacionamento com

os pobres, transformados em clientela de programas sociais; na

neutralização dos movimentos sociais, acusados de

incompreensão dos desafios do Brasil em face da globalização

da economia; no aumento do número de especialistas em

pobreza; na intervenção das agências multilaterias no

equacionamento de regras para as políticas sociais, em todos os

níves de governo.” (Ribeiro apud Valla & Stotz, 2005 p. 22).

No caso da VOM, a criação de uma ONG com representantes do executivo

municipal, de empresas e de representantes de associações de moradores, além de outras

ONGs, pode ser considerado um exemplo do chamado pacto social: um mecanismo de

diluição de antagonismo de classes, uma apresentação da adesão de forças entre

diferentes classes sociais que se unem para promover o “bem comum” no caso, a

implementação da VOM (Melo, 2005).

Valla (1999) aponta sobre a ambiguidade que as propostas de Educação em Saúde

em uma perspectiva popular podem assumir quando desenvolvidas em contextos como

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este: por um lado podem ser vistas como formas de organização e politização da

população voltada para a mobilização diante da ineficácia das políticas públicas e da

inoperância do Estado; de outro também podem ser consideradas como formas de

substituir o Estado desresponsabilizando-o de suas atribuições e pactuando com a

redução de gastos e investimentos nas políticas públicas sociais.

Através do conhecimento da realidade da população pobre e favelada, do contato

com associações locais, do mapeamento de lideranças comunitárias, da identificação de

sistemas de informações, de resistência e sobrevivência, etc.; os órgãos públicos,

privados e mesmo internacionais ganham uma enorme capacidade de influência sobre

essas áreas. Esta influência, por vezes, permite a realização de melhorias a nível local, no

entanto, pode restringir a voz da população pobre a um nível distante das esferas de

decisão, já que, quando essas instituições assumem um papel de mediadoras entre as

reivindicações da população e o Estado, podem funcionar como amortecedores dos

anseios da população esvaziando suas reivindicações. Conforme afirma (Valla, 1986)

“legitima-se uma situação em que a sociedade civil é extremamente frágil, pois não

“toca” as áreas onde o poder se realiza” ( p.173).

O autor continua:

O grande número de programas e múltiplas instituições

que surgiram no decorrer dos anos demonstram, sem dúvida, a

insistência das autoridades em “educar” os moradores de

favelas; mas essas muitas mudanças demonstram também a

resistência da população favelada em aceitar as propostas e a

capacidade deles em obrigar as instituições e recriá-las. (Valla

(1986. p.167)

Dessa forma o autor ressalta que não devemos nos prender a falsa ideia de que a

Educação Popular vá empreender por si só uma ampla transformação social. Pelo

contrário, esta inclusive também pode ser uma ferramenta para a reprodução da lógica de

dominação e opressão (no sentido “Freiriano” do termo) dependendo da forma como for

desenvolvida. Variáveis como a conjuntura política e econômica, a organização dos

educadores e educandos assim como sua sensibilidade política e cultural são pontos

fundamentais para a construção da prática da Educação Popular voltada para um

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redirecionamento da vida social visando a emancipação e o resgate do protagonismo da

população.

No entanto, vale ressaltar que para viabilização de uma perspectiva emancipatória

de Educação em Saúde são necessárias políticas de valorização do trabalhador o que

torna fundamental a existência de vínculos trabalhistas que possibilitem a organização

dos trabalhadores, assim como a criação de espaços de negociação para o debate de suas

reivindicações, os quais possam possibilitar a construção de formas de resistência às

atuais políticas de precarização.

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6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com Bourdieu (1990), “campo” representa um espaço simbólico, no

qual diferentes atores lutam na determinação, validação e legitimidade de representações.

Como visto neste trabalho, a Educação em Saúde foi um campo que passou por uma

construção fortemente relacionada ao contexto social e histórico relativo às

representações de pobreza e consequentemente às intervenções sobre a mesma. Assim,

trata-se de um campo multifacetado, para o qual convergem diversas concepções, tanto

da educação quanto da saúde, as quais espelham diferentes compreensões do mundo,

demarcadas por distintas posições históricas, políticas, econômicas etc. sobre o homem e

a sociedade. Nessa diversidade, grande parte das ações educativas em saúde tem sido

marcada historicamente por um modelo autoritário e prescritivo.

Este capítulo visa articular algumas das informações levantadas na etnografia

sobre o “Ciranda da Saúde” com os referenciais teóricos sobre Educação em Saúde.

Pretende-se aqui discutir os caminhos possíveis, assim como os desafios, para a

construção de um modelo dialógico de Educação em Saúde, ou seja, um modelo pautado

na comunicação simétrica entre educadores e educandos que valorize as concepções não

só de saúde, mas também de mundo de cada um.

Em busca de novas propostas para a Educação em Saúde

Conforme apontam as palavras de Vasconcelos (2001, p.29) atualmente “uma

grande parte das práticas de Educação em Saúde estão voltadas para a superação do

fosso cultural existente entre as instituições de saúde e a população”. Isso acontece por

meio de experiências que, cada vez mais, reconhecem a diversidade e a heterogeneidade

das classes populares. Mesmo que esse processo venha ocorrendo ainda de forma

fragmentada, ele já sinaliza a busca de novos padrões de enfrentamento dos problemas de

saúde, caracterizados pela integração entre o saber técnico e o saber popular, pela via da

mútua colaboração e do diálogo. Nesse sentido, a Educação em Saúde deixa de ser uma

atividade a mais realizada nos serviços, para ser algo que atinge e reorienta a diversidade

das práticas ali realizadas (Vasconcelos, 2001).

Para Freire (1996), a valorização dos saberes populares, ou saberes socialmente

construídos na prática comunitária, possibilita trazer uma perspectiva centrada no

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diálogo, na problematização e na ação comum entre profissionais e população. O autor

ressalta que, no processo de Educação Popular, é importante trabalhar a partir da

premissa de que tanto os profissionais (ou educadores) quanto a população (educandos)

sabem algo, mas também ignoram algo e, portanto, todos sempre têm algo a aprender ou

a ensinar a partir do diálogo e da troca de vivências. Assim, o processo educativo passa a

estar vinculado principalmente a elementos como a abertura, a disponibilidade e a

curiosidade dos sujeitos de explorar novos saberes e conhecimentos.

Essa perspectiva é também importante no sentido de apontar a necessidade de

horizontalização dos processos educativos, cuja consequência direta é o afastamento de

posturas autoritárias ou messiânicas do educador, por vezes comuns no trabalho com

segmentos populares, nos quais o profissional de saúde pode assumir o lugar de detentor

do saber ou de portador de uma verdade salvadora.

Dialogando com o saber do outro: contribuições da Antropologia

Algumas das propostas para uma nova perspectiva de Educação em Saúde são

resgatadas por Martínez-Hernáez (2010) que conjuga uma perspectiva que vai ao

encontro da proposta de Freire com uma perspectiva antropológica, ao defender um

modelo dialógico de Educação em Saúde. Para o autor, esse modelo deve incluir três

princípios: a multidimensionalidade, ou seja, as várias dimensões de risco ou dos

fenômenos de morbi-mortalidade; a bidirecionalidade, que diz respeito ao intercâmbio de

mensagens entre profissionais e os grupos sociais nos quais eles intervêm; e, finalmente,

a simetria, que busca o estabelecimento de relações recíprocas entre os diferentes atores

sociais envolvidos no processo educativo. Segundo o autor, é nesse sentido que a postura

do antropólogo, ao aplicar o método etnográfico cujo princípio é ir ao encontro de uma

visão holística e contextualizada, pode servir de inspiração ao educador em saúde. O

antropólogo busca um saber que é do outro, despoja-se de seu jargão técnico e de seus

valores, para assimilar o vocabulário e o universo simbólico de seus informantes. Nesse

sentido, o educador em saúde, ao assumir a mesma postura, contribui para uma maior

simetria no processo educativo visando a co-responsabilização do sujeito na produção do

seu próprio cuidado e o consequente “empoderamento” dos diferentes atores e grupos

sociais envolvidos neste processo.

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Da mesma forma, torna-se cada vez mais consensual a ideia de que as

intervenções em saúde pública que ambicionam contar com a participação ativa das

populações devem apoiar-se nos saberes e práticas locais, conforme aponta Neves (2001)

ao problematizar as formas de enfrentamento à dengue na última década. Para tanto, é

necessário conhecer as construções simbólicas que estão envolvidas nas representações

dos indivíduos sobre saúde, educação, doença etc, considerando que não só os

condicionantes políticos e econômicos, mas também os históricos e culturais, determinam

os diferentes estados de saúde e doença da população. Essa proposta coaduna-se com a

postura preconizada pela Antropologia, que tem como pressuposto e método de

investigação a aproximação (ou mesmo imersão) em determinado contexto sociocultural

por meio da etnografia, como forma de conhecer seus códigos, suas crenças, suas

relações de poder, enfim, seu modus operandi.

O método etnográfico consolidou-se como o principal método de investigação da

Antropologia, muito em função das contribuições de Malinowiski e de sua obra

Argonautas do Pacífico Ocidental, publicada em 1922 e considerada até hoje uma das

principais etnografias na história da Antropologia. Nessa obra, Malinowski (1976)

descreve algumas de suas experiências e observações referentes aos papuo-melanésios

que habitavam a costa e as ilhas de Nova Guiné, procurando enfatizar as questões

metodológicas da pesquisa etnográfica e do desenvolvimento da técnica de observação

participante, como a importância de ir a campo e ter contato direto com as populações

investigadas, a necessidade de criação de condições adequadas para a pesquisa, a

observação minuciosa do ambiente e da população pesquisadas e a descrição detalhada da

coleta, manipulação e do registro de dados. Para Malinowski, mediante esses elementos,

seria possível descrever a constituição de determinada sociedade de maneira clara e

nítida, assim como distinguir suas leis e regularidades (Malinowski apud Durham, 1986).

As contribuições de Malinowski foram posteriormente discutidas e aprofundadas

sob diferentes pontos de vista e diversos autores. Dentre eles, Clifford Geertz foi um

nome proeminente, ao ressaltar o caráter interpretativo do método etnográfico. Para

Geertz (1989), a etnografia, mais do que uma questão de método ou de selecionar

informantes, mapear campos, manter um diário etc., é uma descrição densa. O autor

utiliza o conhecido exemplo dos garotos que piscam o olho por diferentes razões e

motivações, para apresentar a distinção entre descrição superficial e descrição densa. Na

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primeira, o etnógrafo procede a uma codificação em que sua investigação é vista como

mera observação e descrição de códigos, e, na segunda, as situações produzidas são

percebidas, interpretadas e descritas.

Nesse sentido, Geertz (1989) aponta que a descrição etnográfica tem três

características fundamentais: 1) ela é interpretativa; 2) o que ela interpreta é o fluxo do

discurso social; e 3) a interpretação envolvida consiste em tentar salvar o “dito”, num tal

discurso de sua possibilidade de extinguir-se, e fixá-lo em formas pesquisáveis. Uma

quarta característica ainda seria seu caráter microscópico, já que o antropólogo aborda

características sociais mais amplas, a partir de um conhecimento extensivo de assuntos

extremamente pequenos. Por meio desses elementos, o autor discute o papel do

etnógrafo: cabe a ele construir essa descrição densa, assim como buscar compreender a

cultura de um povo, expondo sua normalidade sem reduzir sua particularidade. O autor

afirma ainda que:

O que o etnógrafo enfrenta de fato é uma

multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas

delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são

simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele

tem que, de alguma forma, primeiro apreender e depois

apresentar (Geertz, 1989, p.20).

No entanto, Geertz ressalta que a interpretação do observador não pode ser o

principal teste de validade de uma descrição cultural: ele lembra que todos os sistemas

sociais têm um grau mínimo de coerência, senão não seriam sistemas. Assim, o papel do

etnógrafo é “inscrever” o discurso social, e essa inscrição deve buscar o significado do

acontecimento de falar, não o acontecimento como acontecimento. Nisso consistiria a

interpretação antropológica: traçar o curso do discurso social e fixá-lo numa forma

pesquisável, como um discurso social elaborado (Geertz, 1989). Por meio dessa

“densidade” proposta por Geertz, constituída por uma interpretação apurada dos

múltiplos discursos presentes nos níveis microscópicos das relações, seria possível

adentrar um nível mais profundo dos saberes e representações de determinado contexto

sociocultural.

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Para James Clifford (2008), um importante teórico da Antropologia

Contemporânea, a etnografia seria um meio de produzir conhecimento, a partir de intenso

envolvimento intersubjetivo entre o pesquisador e seu campo de estudo. Utilizando uma

analogia entre o método etnográfico e o cenário da escrita, Clifford fala da etnografia

como uma tradução, e aponta que ela é uma forma de lidar com a complexidade

decorrente das múltiplas subjetividades e de constrangimentos políticos que estão

presentes no campo de pesquisa e, muitas vezes, colocam-se acima do controle do

etnógrafo. O reconhecimento do envolvimento intersubjetivo proposto por Clifford opõe-

se aos ideais de neutralidade e isenção absoluta, que marcaram não só o discurso

etnográfico clássico, mas o próprio discurso científico. O reconhecimento de que há

envolvimento subjetivo na pesquisa etnográfica (tanto partindo do investigador em

direção ao campo quanto no sentido contrário) e que ela, em certa medida, é até mesmo

necessária é abordado por autores como Velho (1979) e DaMatta (1978).

Lembrando do caráter interpretativo do trabalho antropológico enfatizado por

Geertz, Velho (1979) afirma que o processo de conhecimento da vida social sempre

abarca elementos da subjetividade e, por isso, é necessariamente aproximado e não

definitivo. Conforme aponta o autor:

[...] a idéia de tentar pôr-se no lugar do outro e de captar

vivências e experiências particulares exige um mergulho em

profundidade difícil de ser precisado e delimitado em termos de

tempo. Trata-se de problema complexo, pois envolve as questões

de distância social e distância psicológica (Velho, 1979, p.37).

O método etnográfico exige esse mergulho ao qual o autor se refere. É por meio

da imersão que será possível ambicionar o acesso a distintas realidades, sem o olhar

estereotipado (ou mesmo preconceituoso) que permeia o senso comum. As distâncias que

o autor bem ressalta vão muito além de fronteiras geográficas, mas facilmente se aplicam

ao interior de uma mesma sociedade. Por exemplo, não é novidade que, em nossa

sociedade, há diversos segmentos, dos quais muitos são marginalizados, o que se deve em

grande parte às enormes desigualdades e contradições intrínsecas de nosso modo de

organização social. Nesse sentido, Velho (1979) aponta que o fato de dois indivíduos

pertencerem à mesma sociedade não significa que estejam mais próximos do que se

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fossem de sociedades diferentes. O que define essa proximidade é o fato de partilharem

experiências comuns, que permitam determinado nível de interação.

Assim, o fato de dispormos de um “mapa” que nos familiariza com os cenários e

situações sociais de nosso cotidiano, dando nome, lugar e posição aos indivíduos, não

significa que conhecemos o ponto de vista e a visão de mundo dos diferentes atores em

determinada situação social nem as regras que estão por trás dessas interações. Daí vem a

importância do que DaMatta (1978) denomina de “transformar o exótico em familiar e o

familiar em exótico”, tarefa fundamental da etnografia, pela qual seria possível acessar as

diferentes realidades existentes dentro de nossa sociedade. Dessa forma, a realidade

(familiar ou exótica) sempre é filtrada por determinado ponto de vista do observador, ou

seja, ela é percebida de maneira diferenciada. Para o autor:

Este movimento de relativizar as noções de distância e

objetividade, se de um lado nos torna mais modestos quanto à

construção do nosso conhecimento em geral, por outro lado

permite-nos observar o familiar e estudá-lo sem paranoias sobre

a impossibilidade de resultados imparciais, neutros (Velho,

1979, p.43).

Já DaMatta (1978) aborda a questão do surgimento daquilo que pode ser

demarcado como o elemento que se insinua na prática etnológica, mas que não estava

sendo esperado, ao que ele denomina anthropological blues (em analogia com o ritmo

musical blues, em que a melodia ganha força a partir da repetição das frases). Os

sentimentos e as emoções despertos no pesquisador seriam exemplos de alguns elementos

não esperados ou “hóspedes não desejados”, decorrentes do envolvimento com o campo

de pesquisa. Assim, o autor aponta a etnografia como ferramenta de comutação e

mediação, pela qual é possível construir pontes entre diferentes universos de significação.

Essa característica de mediação da etnografia revela-se fundamental no campo da

Educação em Saúde que, como visto, muitas vezes, revela-se atravessado por discursos

paralelos que não dialogam entre si. Dessa forma, a postura preconizada pela

Antropologia na aplicação do método etnográfico pode inspirar profissionais de saúde

para a construção de uma Educação em Saúde mais dialógica. Ainda nesse sentido

Fonseca (1999) afirma que além de ser um instrumento importante para a compreensão

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intelectual de nosso mundo, o método etnográfico também pode ter uma utilidade prática,

principalmente quando pensamos na educação enquanto ato de comunicação já que, para

a autora, o sucesso do contato educativo depende do diálogo estabelecido entre o agente e

seu interlocutor, e é justamente nessa área da comunicação que o método etnográfico vai

atuar.

Para Martínez-Hernáez (2010) a forma de Educação em Saúde que tem sido

hegemônica desde o seu surgimento reproduz um modelo que tem como forte

característica a desvalorização dos conhecimentos e práticas locais. Frutos desse modelo

são, por exemplo, as campanhas informacionais que partem do princípio que o “envio” da

informação “correta” e “científica” é suficiente para a transformação das normas de

comportamento. No entanto, como citamos anteriormente, hoje em dia assistimos a

emergência de uma série de propostas e experiências que ambicionem contar com a

participação ativa das populações e de seus saberes e práticas locais na construção de

intervenções não só em Educação em Saúde, mas em Saúde Pública como um todo. Para

tanto, é necessário conhecer as construções simbólicas que estão envolvidas nas

representações dos diferentes indivíduos sobre saúde, educação, doença, etc; Nesse

sentido reconhecer a existência das desigualdades sociais que impactam na determinação

dos processos de saúde / doença em diferentes populações é também um dos passos para

almejar a construção de um modelo de Educação em Saúde pautado em um discurso mais

equânime que esteja atento às diferentes realidades da sociedade e que,

consequentemente, seja dotado de mais permeabilidade junto à população, sempre

partindo do pressuposto de que as pessoas não são meros interlocutores passivos, mas que

elas a todo tempo desenvolvem estratégias e modos de negociar seus sentidos e suas

realidades, inclusive no que se refere à sua própria saúde.

Educação em Saúde em contextos de pobreza e exclusão: caminhos possíveis.

Uma série de estereótipos e preconceitos atravessam nossas concepções e

representações sobre educação e aprendizado: a crença de que o período ideal para a

educação ocorre na infância e adolescência, a eleição da escola como locus mais

apropriado senão único onde possa se desenvolver o processo educativo, a educação

como o processo ensino / aprendizagem onde o professor ensina e o aluno aprende, etc.

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Quando falamos em educação em contextos de pobreza, ainda outros preconceitos

se revelam. Por exemplo, a ideia de deficit da população pobre, que ainda hoje tem força,

singularizando a questão da pobreza e colocando-a no campo do fracasso a nível pessoal.

Atualmente essa ideia também assume outro nível sendo a ideologia predominante da

grande maioria dos programas compensatórios desenvolvidos em favelas.

A população pobre, em geral é a que tem menos êxito se avaliadas através de

procedimentos convencionais e a mais difícil de ser ensinada através dos métodos

tradicionais, cujas bases são pensadas e estão voltadas pela e para as classes dominantes.

Sendo assim a população pobre, embora seja a grande maioria na realidade do país, é a

que têm menor poder nos espaços formais de educação, sendo os menos capazes de fazer

valer suas reivindicações ou de insistir para que suas necessidades sejam satisfeitas. Tudo

isso fortalece a chamada tese da “cultura da pobreza”, na qual a reprodução da pobreza de

uma geração para outra é atribuída às adaptações culturais do indivíduo pobre às suas

circunstâncias. Aliada a isso há a crença tradicional de que o indivíduo pobre simbolizado

na figura do favelado não é como o resto da sociedade, mas sim um cidadão de segunda

categoria, um “invasor”, representante de uma população potencialmente “ilegal”,

“perigosa” (Valla, 1986).

Com isto, espera-se que o educando pobre receba docilmente conteúdos que

incluem normas, prescrições e modos de vida que, não raro, são elaboradas em realidades

bem distintas da onde vão ser aplicadas e que muitas vezes partem do princípio de que o

que é feito no cotidiano dos “educandos” é errado e as informações que estão sendo

transmitidas, ou depositadas, são as certas ou as melhores.

O primeiro passo para transformar essas concepções é romper com a ideia de favela

como algo fora da sociedade, fora do lugar. A favela não é alheia à sociedade. Considerar

esta afirmativa é fundamental para um entendimento mais crítico e global da cidade e da

realidade onde vivemos. O processo de favelização ocorrido nas cidades é um produto da

dinâmica social contemporânea, e não sua causa. Não se pode deixar de considerar a

dimensão política, econômica, histórica de tal processo. Como afirma Valla (1986)

“Contrastadas com as grandes mansões, nada mais são as favelas do que a fiel

reprodução das desigualdades sociais, das desigualdades de classe”.

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Ainda hoje uma parcela significativa da população ainda acredita que a condição

de miséria de milhares de pessoas espalhadas pelo território brasileiro é causada pela

preguiça, pela falta de interesse pelo trabalho, e que esta parcela da população se

acomoda à espera de programa sociais oferecidos pelo governo: em suma, acham que só

não trabalha quem não quer. No entanto, a análise sócio-histórica da realidade brasileira

nos mostra que o fenômeno da pobreza é muito mais complexo. A estratégia de moradia

na favela, por exemplo, não é uma estratégia pura e simplesmente de habitação, mas sim,

uma estratégia muito mais ampla de sobrevivência, da qual a moradia é apenas um dos

aspectos. Para Valla (1986) as favelas são

“(...) uma saída, uma iniciativa. Uma iniciativa que

levanta barracos contra uma ordem urbana desumana,

segregadora, capitalista. Uma iniciativa de bom tom: resgatar

uma cidadania usurpada. Desmitifica o mito de sua “apatia”.

(p.26).

A posição de Valla (1986) é importante na medida em que não culpabiliza a

população pobre pela sua condição, mas também não a considera como mera vítima

passiva, apontando para seu potencial de resistência e seu papel de sujeito na sociedade.

Como procuramos apontar ao longo deste trabalho, uma proposta de Educação em Saúde

dialógica de base popular pode desempenhar um importante papel na transformação das

concepções e representações da pobreza, resgatando o potencial de vida e apontando para

um horizonte de transformação, rompendo com as teorias imobilistas que difundem a

ideia de que “as contradições que, dia a dia, as camadas populares observam e padecem

na cidade – baixos salários, moradias precárias, falta de serviços básicos – são

superáveis dentro do sistema capitalista”. (Valla, 1986, p.170)

Não defendemos que a Educação Popular seja a única alternativa diante das

condições de iniquidade e disparidade que marcam nossa sociedade, mas acreditamos que

esta, justamente pelo caráter de mobilização que a marca desde seu surgimento, pode ser

uma potente ferramenta para alcançarmos um horizonte de superação dessas condições

do ponto de vista das intervenções em saúde.

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Nesse sentido tomamos emprestadas as palavras de Vasconcelos (2001):

A Educação Popular não é o único projeto

pedagógico a valorizar a diversidade e a heterogeneidade dos

grupos sociais, a intercomunicação entre os diferentes atores

sociais, o compromisso com as classes subalternas, as iniciativas

dos educandos e o diálogo entre o saber popular e o saber

científico. Mas para a saúde pública brasileira, a participação

histórica no movimento da Educação Popular foi marcante na

criação de um movimento de profissionais que busca romper

com a tradição autoritária e normatizadora da relação entre os

serviços de saúde e a população.

Dessa forma a educação pode funcionar como processo contínuo, permanente nas

trajetórias de vida dos sujeitos, indo além da pedagogia clássica, e estando presente nas

menores dimensões do cotidiano, no processo de apreensão e ressignificação do mundo,

portanto, processo ativo de construção e desconstrução onde homens e mulheres à todo

tempo imprimem seu olhar à realidade transformando-a com alegria e com luta, como

sujeitos de sua história.

Rumo à um modelo dialógico

Como alternativa ao chamado “modelo monológico”, que embasa até hoje muitas

das práticas educativas em saúde, as propostas de Educação Popular em Saúde têm

emergido nas últimas décadas como correntes contra-hegemônicas. Conforme visto

anteriormente, tendo em Paulo Freire um de seus principais referenciais, a Educação

Popular propõe a valorização dos saberes populares – ou saberes socialmente construídos

nas práticas comunitárias –, o que viabilizaria uma perspectiva centrada no diálogo, na

problematização e na ação comum entre profissionais e população.

A partir de uma leitura da realidade marcada pela densidade e pela mediação,

como propõe o método etnográfico, e da busca do diálogo com diversos saberes,

advindos da Educação Popular, pode-se pensar na possibilidade de construção de uma

Educação em Saúde pautada em critérios inversos àqueles que definem o modelo

monológico. Nesse sentido, a postura do antropólogo, ao adotar o método etnográfico,

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pode ajudar no aporte a um modelo de relação que seja mais dialógico, pois oferece uma

base epistemológica e metodológica para estar entre os coletivos profissionais e

populares. Pode-se afirmar ainda que a busca da alteridade é um dos elementos chaves

que guiam o trabalho tanto do etnólogo quanto do educador que trabalha na perspectiva

popular, como aponta Geertz (2007, p.91): “para entender as concepções alheias é

necessário que deixemos de lado nossa concepção, e busquemos ver as experiências de

outros com relação à sua própria concepção do ‘eu’”.

Dessa forma, como propõe Martínez-Hernáez (2010), o princípio da

unidimensionalidade seria substituído pelo da bidirecionalidade, que consiste em um

intercâmbio de mensagens, ideias, representações, informações entre os profissionais de

saúde e os grupos populares, sem que esses últimos assumam o lugar de leigos ou

ignorantes, mas passem a ser valorizados como produtores de múltiplos saberes,

construídos a partir de seu arcabouço cultural, vivencial, histórico etc. Nessa perspectiva,

também os profissionais deixam de ser vistos como meros reprodutores do discurso

biomédico hegemônico, e passam a ser considerados atores de uma reconfiguração de sua

experiência e de seu saber, a partir da proximidade com os saberes populares.

A unidirecionalidade daria lugar à referência multidimensional, que, por sua vez,

estaria ligada a uma ampla análise da situação saúde-doença, que tomasse como

referência as relações de multicausalidade, que estão por trás de condutas de risco ou dos

fenômenos de morbi-mortalidade. A contribuição da visão antropológica, nesse caso,

seria a preconização de uma visão holística e contextualizadora.

Já o princípio da hierarquia daria lugar ao da simetria, o qual propõe um modelo

que coloque os diferentes atores sociais em posição de maior reciprocidade, sem

desfigurar o papel ativo dos profissionais. O estabelecimento de um arranjo mais

harmônico entre esses atores visa também a estabelecer uma relação de co-

responsabilidade entre ambos.

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Assim chegaríamos ao seguinte esquema:

Modelo livre criado pelo autor adaptado de Martínez-Hernáez (2010)

A partir dessas reconfigurações, poder-se-ia almejar a formação de um modelo

dialógico, no qual os múltiplos discursos envolvidos no entendimento e explicação da

saúde, doença, cuidado etc. não só convivem de forma orgânica, mas se complementam,

formando uma proposta de Educação em Saúde que considera os sujeitos como autores

de suas trajetórias de saúde e doença.

Nesse sentido, o educador em saúde, usando premissas próximas às recomendadas

ao antropólogo na aplicação do método etnográfico, pode contribuir para a melhor

efetividade de suas intervenções, ao possibilitar uma articulação entre o saber científico e

o popular. Assim, ele fornece uma base empírica para o desenho de investigações e

projetos ligados à saúde, propicia ainda a participação social nesse campo e uma

consequente diminuição da distância entre as propostas de Educação em Saúde e os

múltiplos saberes da população.

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Reflexões a partir do “Ciranda da Saúde”

A observação do “Ciranda da Saúde”, mesmo com as limitações impostas pela

interrupção do grupo durante a pesquisa, trouxe importantes elementos para a análise e a

reflexão de alguns dos atuais desafios e possibilidades das propostas de Educação em

Saúde que buscam se pautar em uma perspectiva dialógica e popular.

Dentre estas contribuições podemos destacar a importância de considerarmos as

relações entre educação e comunicação, ou seja, os processos relativos aos planos

verbal, não verbal e simbólico, que estão envolvidos no processo de Educação em

Saúde. No processo de comunicação, todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um

objeto pensado, que mediatiza o primeiro sujeito do segundo, e a comunicação entre

ambos, que se dá através de signos linguísticos (Freire, 1983a). Nesse sentido:

“Um sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode

pensar sem a co-participação de outros sujeitos no ato de pensar

sobre o objeto. Não há um ‘penso’, mas um ‘pensamos’. É o

‘pensamos’ que estabelece o ‘penso’ e não o contrário. Esta co-

participação dos sujeitos no ato de pensar se dá na comunicação.

O objeto, por isto mesmo, não é a incidência terminativa do

pensamento de um sujeito, mas o mediatizador da

comunicação” (Freire, 1983a, p. 45).

Ao analisarmos a comunicação através desta perspectiva poderemos afirmar que

nela não há sujeitos passivos. Os sujeitos co-intencionados ao objeto de seu pensar se

comunicam através de seu conteúdo e o que passa a caracterizar a comunicação nessa

lógica é que ela é diálogo, assim como o diálogo é comunicativo. A comunicação,

portanto, não está na exclusiva transferência ou transmissão do conhecimento de um

sujeito a outro, mas em sua co-participação no ato de compreender a significação do

significado. Assim a educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a

transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a

significação dos significados. Freire (1983a) afirma que estabelecer uma relação

dialógica é não invadir, não manipular. Ser dialógico é empenhar-se na transformação

constante da realidade. A ideia de dialogicidade remete a uma reflexão compartilhada a

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partir da experiência da cotidianidade. Nesse sentido o diálogo é um instrumento

transformador do mundo porque possibilita / promove um pensar verdadeiro e crítico.

Daí que, no caso da Educação em Saúde, o diálogo problematizador, entre as

várias razões que o fazem indispensável, tenha esta mais: a de diminuir a distância entre a

expressão significativa do técnico e a percepção pela população em torno do significado.

A partir da observação do Ciranda da Saúde podemos afirmar que o descompasso

existente entre as teorias biomédicas e populares em relação à saúde poderia ser superado

com a construção de um intercâmbio de mensagens, ideias, representações, informações

entre os profissionais de saúde e os grupos populares de forma que estes últimos

deixassem de ser vistos como leigos ou ignorantes, mas passassem a ser valorizados

como produtores de saberes construídos a partir de seu arcabouço histórico, cultural e

vivencial.

Por sua vez, a possibilidade de aproximação dos universos de significação entre

profissionais e usuários de saúde e a consequente diminuição da distância entre estes

segmentos, remete as já discutidas contribuições da Antropologia à Educação em Saúde

por meio da utilização da postura etnográfica no processo comunicativo. Nas palavras de

Fonseca (1999):

“o antropólogo trabalha a base da premissa de que o

processo comunicativo não é tão simples assim — que, em muitas

situações, por causa de uma diferença em faixa etária, classe,

grupo étnico, sexo ou outro fator, existe uma diferença

significativa entre os dois universos simbólicos capaz de jogar

areia no diálogo. Em outras palavras, a Antropologia procura

criar dúvidas, levantando hipóteses sobre os hiatos e assimetrias

que existem entre nossa maneira de ver as coisas e a dos outros.”

Para além do campo comunicacional e de certa forma, em decorrência dele, a

observação do “Ciranda da Saúde” apontou também a importância do vínculo entre

profissionais e usuários, não só para a manutenção do grupo, mas também na percepção

de cuidado dos usuários: a descrição do grupo feita pelos seus frequentadores como um

espaço de escuta e acolhimento remete aos já referidos conceitos de apoio social e

reparação moral. No entanto, apontamos aqui a necessidade de uma pesquisa mais

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aprofundada, principalmente no que se refere à realização de um número maior de

entrevistas, para ter um melhor retorno por parte destes dois segmentos (profissionais e

usuários) sobre os “efeitos” e desdobramentos de uma proposta nos moldes do “Ciranda

da Saúde”.

Além de apontar para a possibilidade de avanços nos campos da comunicação

entre profissionais e usuários, e na própria relação estabelecida entre esses atores, a

partir da adoção de uma perspectiva dialógica, simétrica e de respeito ao saber do outro,

a observação do grupo “Ciranda da Saúde” sinalizou alguns importantes desafios para a

consolidação de uma proposta de Educação em Saúde popular e emancipatória.

Um desses desafios se refere ao caráter transitório de experiências como a do

“Ciranda”, que muitas vezes dependem do envolvimento e da mobilização de um

determinado profissional, através de um modelo “pessoa-centrado”. Neste tipo de

situação, geralmente quando este profissional deixa o serviço por algum motivo, as

experiências perdem sua continuidade e terminam não mais ocorrendo. Conforme

relatado este fato ocorreu também na VOM o que inviabilizou, por exemplo, apresentar

o retorno dos dados da presente pesquisa para a equipe de saúde da instituição.

Outra limitação observada a partir da experiência do grupo é a dificuldade de

construção de ações que congreguem reflexão e ação em uma praxis transformadora. Na

proposta de Educação Popular pautada no pensamento de Paulo Freire, reflexão e ação

não se separam. Nesse sentido a praxis seria a transformação do mundo, a conquista de

sujeitos que se encontram para, em colaboração, exercerem uma análise crítica sobre a

realidade (Freire, 2005). A ideia central no pensamento Freire é de que “transformar é,

inscrever-se como sujeito numa ação de verdadeira transformação da realidade histórica

que é ao fim a transformação dos próprios homens” (FREIRE, 2005, p. 165). Nessa

perspectiva mudança e transformação social assumem um caráter de comprometimento e

engajamento nas lutas contra as situações de opressão. Ao analisarmos a experiência do

“Ciranda Saúde” sob esta perspectiva, podemos afirmar que muito dos limites

identificados no grupo se referem a dificuldade de levar às discussões para além do

espaço do próprio grupo, propondo ações afirmativas e transformadoras não apenas na

Maré, mas na sociedade em geral.

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Nesse sentido, podemos questionar como uma experiência educativa em saúde

pode se consolidar como um projeto emancipatório em um contexto sócio-histórico onde

os próprios profissionais que atuam nessas experiências, muitas vezes, estão submetidos a

uma lógica de exploração, que se reflete na precariedade dos vínculos de trabalho. A

partir disso, cabe refletirmos como projetos nos moldes da VOM podem se concretizar

como verdadeiros mecanismos de obtenção de consenso, na medida em que fortalecem

concepções de mundo que não levam à problematização crítica das condições de vida.

Este é, inclusive, um dos riscos do atual uso indiscriminado do discurso da

Educação Popular e de Paulo Freire por vozes pouco coerentes com sua proposta de

conscientização: nesse cenário, manifestam-se mobilizações ditas “populares” em torno

de demandas específicas, aparentemente desvinculadas da organização da sociedade, em

que a luta conjunta por transformações sociais é abandonada em nome de um

pragmatismo que dificilmente ultrapassa a prestação de serviços.

Por fim, gostaria de relatar que a observação do “Ciranda da Saúde” me fez

problematizar o papel da própria pesquisa social, já que, no decorrer da investigação me

vi, por diversas ocasiões, diante da necessidade e do desafio de caminhar no sentido de

uma aproximação maior entre teoria e prática, discurso e ação, no engendramento de

novas formas, não somente nos processos da educação e da saúde, mas também nos

processos de produção de vida, seja na academia ou na minha trajetória enquanto

profissional e cidadão.

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ANEXO I - Termo de Consentimento para os participantes da pesquisa

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Este documento visa sua permissão para participar da pesquisa Educação em

Saúde na Vila Olímpica da Maré: trabalhando a partir da circulação de saberes. O

objetivo da pesquisa é analisar o processo relacional/pedagógico nas atividades de

Educação em Saúde na Vila Olímpica da Maré (VOM).

Você está sendo convidado para participar desta pesquisa por coordenar / atuar

em algumas das atividades ou grupos de Educação em Saúde na VOM e sua

participação é voluntária.

Por intermédio desse Termo são garantidos os seguintes direitos: (1) solicitar, a

qualquer tempo, maiores esclarecimentos da Pesquisa; (2) sigilo absoluto sobre nomes,

apelidos, data de nascimento, bem como quaisquer outras informações que possam levar

a sua identidade pessoal; (3) você pode se negar a responder a qualquer pergunta ou a

fornecer informações que julgue prejudiciais à sua integridade física, moral e social; (4)

opção de solicitar que determinadas falas e/ou declarações não sejam incluídas em

nenhum documento; (5) desistir, a qualquer tempo, de participar da pesquisa;

A sua participação permitirá o maior conhecimento sobre a realidade do trabalho

realizado relacionado à Educação em Saúde podendo trazer subsídios para o

aprimoramento de técnicas e metodologias referentes ao tema. Não existem riscos para

os participantes, já que se trata de um estudo observacional onde serão seguidos todos

os preceitos éticos.

Durante a pesquisa há a possibilidade de utilização de registros e gravações

sendo que os grupos e atividades só serão gravados mediante autorização. As gravações

serão guardadas em local de acesso restrito aos pesquisadores e serão inutilizadas após

um ano do término da pesquisa. Os resultados serão disponibilizados para a VOM e ,

caso queira, serão também disponibilizados a você.

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“Declaro estar ciente das declarações nesse “Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido”, e entender que serei resguardado pelo sigilo absoluto dos meus dados

pessoais e de minha participação na pesquisa. Poderei pedir, a qualquer tempo,

esclarecimento sobre essa pesquisa ao pesquisador João Vinícius dos Santos Dias

através do telefone 8203-4396 ou ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de

Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ que se localiza na Praça Jorge Machado Moreira,

Cidade Universitária – Ilha do Fundão/Rio de Janeiro – RJ - Sala 15. Tenho ciência

também que tenho resguardados os direitos de me recusar a dar informações que julgue

prejudiciais a minha pessoa, solicitar a não inclusão em documentos de qualquer

informação que já tenha fornecido e desistir, a qualquer momento, de participar da

Pesquisa. Fico ciente também de que uma cópia desse Termo permanecerá arquivada

com o Pesquisador responsável do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ e

outra será entregue ao entrevistado.”

Rio de Janeiro, ____de _____________de 2011.

Participante:

_______________________________________________________________

Assinatura do Pesquisador:

___________________________________________________

Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ

Praça Jorge Machado Moreira - Próximo a Prefeitura Universitária da UFRJ

Ilha do Fundão - Cidade Universitária

CEP 21944-970, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Comitê de Ética

Instituto de Estudos em Saúde Coletiva

Praça Jorge Machado Moreira, Cidade Universitária – Ilha do Fundão/Rio de Janeiro –

RJ - Sala 15

Tels: (21) 2598-9293 - www.iesc.ufrj.br

E-mail: [email protected]

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ANEXO II – Roteiro de entrevista com os profissionais do Ciranda da Saúde

Roteiro de Entrevistas – Profissionais Ciranda da Saúde

Nome do entrevistado ........................................................

Idade:

Sexo:

Formação profissional:

Graduação:

Tempo de formado:

Outras especializações/ ano:

Realizou alguma formação em Educação para saúde? Descreva (ano de ingresso, qual

formação, linha de atuação, pontos positivos e negativos percebidos pelo entrevistado)

Experiência Profissional

Fale um pouco sobre sua opção por trabalhar com Educação para a Saúde

Você tinha algum emprego/atividade no Brasil antes de iniciar suas atividades na

VOM? Descreva as suas atividades

Você realizava anteriormente atividades de ES? (Buscar como o entrevistado percebia

tais atividades)

Poderia contar alguma experiência que considere importante em relação à grupos de

ES?

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Destaca algum contato profissional ou institucional que considera relevante para sua

atuação como educador em saúde

Grupo Ciranda da Saúde

Inicio de ingresso:

Conte um pouco sobre seu ingresso no grupo:

Quais as suas expectativas em relação ao grupo antes de iniciá-lo? Elas estão sendo

concretizadas?

Quais as suas expectativas em relação ao futuro do grupo

Poderia contar alguma experiência que considere importante no grupo?

Que conselho daria a alguém que deseje iniciar um grupo de Educação em Saúde em

uma comunidade com as características da Maré?

Comentários sobre a entrevista:

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ANEXO III – Roteiros de Entrevista com os participantes do Ciranda da Saúde

Roteiro de Entrevistas – Participantes Ciranda da Saúde

Nome do entrevistado ........................................................

Idade:

Sexo:

Cidade/estado origem:

Mora da Maré?

Há quanto tempo?

Participa de alguma outra atividade na VOM? Qual?

Escolaridade:

Grupo Ciranda da Saúde

Você já tinha participado antes de um grupo de Educação em Saúde?

Participa de alguma atividade na VOM além do Ciranda da Saúde? Qual?

Como você ficou sabendo da Ciranda da Saúde?

Por que resolveu participar?

Quando você começou a participar do grupo?

Conte um pouco sobre seu ingresso no grupo:

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Quais eram as suas expectativas em relação ao grupo antes de iniciá-lo? Elas estão

sendo concretizadas?

Quais as suas expectativas em relação ao futuro do grupo?

Você se sente à vontade para falar no grupo?

Poderia contar alguma experiência que considere importante no grupo?

Percebe alguma diferença na idéia que você tem de saúde depois que começou a

freqüentar o grupo?

E nos seus hábitos? Algo mudou?

Você costuma levar as informações discutidas no grupo para sua família / amigos /

pessoas próximas?

Que conselho daria a alguém que deseje começar a freqüentar um grupo de Educação

em Saúde?

Comentários sobre a entrevista

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ANEXO IV: Exemplo de metodologia usada no grupo Ciranda da Saúde

Tema: Violência no Rio de Janeiro

Facilitadores:

1) Material: Fotos, matérias de jornais e revistas sobre os últimos episódios de violência na cidade; cadeiras e mesa.

2) Metodologia:

Abertura

O grupo começa com a formação da roda e caso haja participantes novos, os facilitadores podem solicitar a um participante mais antigo que fale sobre a proposta do grupo.

Os facilitadores contextualizam sobre o tema a ser discutido e sobre a proposta de dinâmica.

Dinâmica das fotos e notícias

Os facilitadores colocam as fotos, reportagens, etc em uma mesa no centro da roda e pedem aos participantes que olhem e manipulem as fotos de acordo com o seu interesse. É comunicado ao grupo que, caso queiram, podem escolher algumas das fotos e reportagens e comentá-las (é também dado liberdade caso alguém queira ler alguns dos materiais).

Discussão

Após esse momento, os facilitadores indagam ao grupo como se sentem ao verem e manipularem as fotos e como vivenciaram as últimas situações de violência na cidade.

Iniciada a discussão o método da problematização será a principal ferramenta na mediação do grupo, através de perguntas semi-direcionadas que irão disparar o debate entre os participantes. Devido a complexidade do tema os facilitadores devem evitar ao máximo emitir opiniões pessoais do tipo “eu apoio essa ou aquela ação” ou “isso ou aquilo é certo ou errado”.

Caso haja necessidade (perda do foco da discussão, debate morno, etc) os facilitadores podem ler alguma das reportagens dispostas na mesa e debater com o grupo.

Sugestões de perguntas disparadoras:

- A violência é somente uma questão de segurança?

- Você acha que alguém se beneficia com toda essa situação?

- Quem são os maiores prejudicados?

- Como você avalia o papel da mídia diante das últimas situações de violência?

- Como você avalia o papel do Estado (políticos, leis, políticas públicas, etc) diante das últimas situações de violência?

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- Quais são os impactos de toda essa onda de violência sobre a saúde da população?

- O que podemos fazer?

3) Encerramento: O grupo de pé e de mãos dadas tenta resumir em uma palavra ou frase o que a discussão mobilizou.

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ANEXO V – Cronograma