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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

INFÂNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃOCINCO PAÍSES, CINCO PROGRAMAS

Aprendizagens e perguntas compartilhadasEquador, Guatemala, Panamá, Paraguai e Peru

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Projeto“Novos papéis da educação para diminuir o trabalho infantil”

CoordenaçãoAlfredo Astorga

SistematizaçãoMaría del Pilar Unda

Organizações não-governamentais participantesCAFNIMA, GuatemalaCASA ESPERANZA, PanamáDYA, EquadorCESIP, PeruGLOBAL INFANCIA, Paraguai

ColaboradorasAnavela CifuentesRoxana MéndezMaró GuerreroAna VásquezTina Alvarenga

A reprodução ou tradução total ou parcial do texto publicado está autorizada,desde que se indique a fonte.Os autores são responsáveis pela seleção e apresentação dos fatos contidosnesta publicação, assim como pelas opiniões expressas nela, as quais não são,necessariamente, as da UNESCO e não comprometem a Organização.As denominações empregadas nesta publicação e a apresentação dos dadosque nela figura não implicam, da parte da UNESCO, nenhuma tomada deposição com relação ao estatuto jurídico dos países, cidades, territórios ouzonas, ou de suas autoridades, nem com respeito ao traçado de suasfronteiras ou limites.

Publicado pelo Escritório Regional de Educação da UNESCO para a AméricaLatina e o CaribeOREALC / UNESCO Santiago

Diagramação: Juan Carlos Berthelon

ISBN: 956 - 8302 - 53 - 0

Impresso no Chile pela Gráfica FunnySantiago do Chile, maio 2006

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

ÍNDICE DE CONTEÚDOS

Apresentação ....................................................................................................................................... 5

Capítulo I. As organizações e seus programas ........................................................................................ 8

Capítulo II. Sobre a situação do trabalho infantil em cada país ............................................................... 12

Capítulo III. Processos e resultados dos programas ................................................................................ 15

Capítulo IV. Aprendizagens, pontos críticos e interrogações ................................................................... 30

Capítulo V. Contribuições da educação à problemática do TI .................................................................. 38

Documentos de referência ............................................................................................................... 49

Anexo 1. Formato matriz. Informação contida em sistematização experiencias cinco países .................... 50

Anexo. Ficha-síntese do projeto .............................................................................................................. 52

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

Os esforços empreendidos na redução da pobreza e no rompimento das iniqüidades foram significativos em algunssetores e insuficientes em outros. Os resultados, de toda forma, parecem ainda distantes, principalmente para os países e setoresmais pobres. O trabalho infantil (TI) é uma expressão da exclusão e tende a se agravar em alcance, em idades, em atividadesperigosas. As seqüelas são visíveis na saúde, na segurança, na convivência familiar e no acesso, na permanência e nos resultadoseducacionais.

O mais doloroso é contemplar o fenômeno convertido em situação natural. Cada vez produz menos estranheza vertrabalhadores infantis nas ruas, mercados, ônibus, espetáculos, serviços domésticos. O que isto provoca de presente violentadoe futuro comprometido torna-se praticamente invisível.

É importante reconhecer que, nesta questão, também há esforços para encontrar saídas criativas para eliminar o TI, queincluem o mundo da educação. Para nosso Escritório, enfrentar essas questões sobre iniqüidade é parte de seu mandato, sinte-tizado no quadro do Educação Para Todos e no Projeto Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (PRELAC).

O projeto que se sistematiza neste documento visa a trazer, sob o ponto de vista da educação, novas contribuições epapéis diante da questão. Sabemos que a escola não resolverá tanta complexidade por si mesma, mas acreditamos que, a partirdela, pode-se contribuir muito com atores educacionais sensíveis à situação social do ambiente e do país.

Este projeto de um ano optou por somar forças com processos em marcha e colocou ingredientes novos, como a visão apartir do sistema educacional, as sinergias com as ONGs e a aprendizagem entre pares. Suas lições, pontos críticos e horizontessão propostos neste texto. Ele não fecha a questão, mas volta a abri-la a partir de novos ângulos e apostas.

A sistematização recupera a prática e o sentido das ONGs que se somaram ao esforço: CAFNIMA, da Guatemala; CASAESPERANZA, do Panamá; DYA, do Equador; CESIP, do Peru; e GLOBAL INFANCIA, do Paraguai. Sua experiência, estratégias,gestão e sucessos têm sinais comuns e particulares. Como tudo em nossa América Latina, tão diferente e tão parecido.

A recuperação das experiências é acompanhada por vistas transversais de conjunto e reflexões suscitadas a partir delas.Este exercício de reconstrução e desenvolvimento de saberes a partir da prática foi possível graças ao apoio das ONGs participan-tes: CAFNIMA, CASA ESPERANZA, CESIP e GLOBAL INFANCIA.

O projeto teceu em seu processo alianças e cumplicidades novas, que hoje somam forças nessa tarefa de diminuir o TI,tarefa tão complexa quão gratificante.

Ana Luiza MachadoDiretora

Escritório Regional de Educação da UNESCOpara a América Latina e o Caribe

OREALC/UNESCO Santiago

APRESENTAÇÃO

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Com o propósito de posicionar a contribuição das instâncias educacionais à redução do trabalho infantil e ao exercíciodo direito à educação, o Escritório Regional de Educação para a América Latina e o Caribe da UNESCO (OREALC/UNESCO),em Santiago do Chile, promoveu, durante o ano de 2005, o projeto Novos Papéis da Educação para Diminuir o TrabalhoInfantil.

A iniciativa inscreve-se no quadro do Projeto Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (PRELAC), carta denavegação da OREALC/UNESCO, que tem como propósito promover o cumprimento dos objetivos do Educação Para Todos,considerando as características particulares da região. O PRELAC, apoiado num Acordo de Ministros da Educação firmado em2002, enfatiza entre suas preocupações centrais a atenção a populações vulneráveis, a problemática da iniqüidade e o desafio detornar efetivo o direito a uma educação de qualidade para todos.

Nesse quadro, e com o ânimo de fortalecer programas e capacidades já existentes, a OREALC/UNESCO, com basenuma série de critérios e de consultas com organizações irmãs, identificou cinco programas considerados “relevantes ouemblemáticos” e gerou condições para a sistematização de suas experiências, com visão comparativa e regional, dandoênfase à pergunta sobre o papel que desempenham e podem desempenhar a escola e a educação nesse campo. O projetopropôs também a busca de novas fases de ampliação e consolidação nos países participantes e em outros que mostraraminteresse especial1.

Uma vez selecionados os programas de ONGs em cinco países da América Latina - Equador, Guatemala, Panamá, Paraguaie Peru -, cada uma das ONGs desenvolveu um plano de sistematização de sua experiência, aprofundou em alguma linha deespecial relevância e esteve presente em encontros, intercâmbios e estágios com as demais instituições participantes. Em agostode 2005, realizou-se um primeiro encontro em Assunção (Paraguai), onde se apresentaram avanços das sistematizações e sedesenvolveu um frutífero intercâmbio de experiências.

Este trabalho tenta ser um momento de produção, já não sobre cada prática em particular mas sobre o exercíciode sistematização realizado pelos cinco programas, numa visão de conjunto que permite, ao mesmo tempo, realçar asespecificidades e contribuições de cada uma. Pela complexidade e riqueza das experiências, por suas sintonias e diferenças,converteu-se numa excelente oportunidade para avançar na produção de um saber que esperamos possa nutrir outrasiniciativas e processos em marcha, contribuir para os debates e as formas - felizmente muito diversas - de abordar otema.

CINCO PAÍSES, CINCO PROGRAMAS. APRENDIZAGENS E PERGUNTAS COMPARTILHADASSistematização: María del Pilar Unda Bernal *

* María del Pilar Unda Bernal, consultora da UNESCO para a sistematização final deste projeto. Professora e pesquisadora da Universida dePedagógica Nacional da Colômbia.

1. UNESCO. Documentos oficiais do projeto. Astorga, Alfredo, 2005. Ver Anexo.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

Trata-se, pois, de colocar no cenário público as práticas e esforços realizados, assim como as interrogações, dificuldades epropostas em torno à “contribuição da educação para a redução e erradicação do trabalho infantil” e à atenção à infânciatrabalhadora em países e contextos diversos de nossa América Latina.

O material de base foram os documentos elaborados por cada programa como sistematização de sua experiência, cujasreferências se encontram no final do texto2. Também foram levadas em conta as apresentações e conversações surgidas noquadro do Segundo Encontro, realizado em Antigua Guatemala, em fevereiro de 2006, com a participação de dois representan-tes por organização e de dois delegados das instâncias educacionais vinculadas mais diretamente a cada programa, quepossibilitaram maior aproximação e aprofundamento dos temas propostos.

Na Tabela 1 (Anexo) apresenta-se o resultado da tematização realizada, produto da leitura desses materiais apresentadospor cada programa. A tematização permite ver os assuntos aos quais se referem as organizações ao documentar suas práticas.Com a informação correspondente, extraída textualmente dos escritos, pode-se ver o que foi dito ou não pelas organizações,consideradas de maneira particular e em seu conjunto, permitindo fazer leituras por programa e cruzamentos entre estes,convertendo-se, assim, numa ferramenta-chave para a realização deste trabalho.

Em seguida, faz-se uma apresentação dos programas, seus processos e resultados e, mais adiante, expõem-se algumasdas aprendizagens, dificuldades, incertezas e pontos críticos ou tensões sugeridos, alguns dos quais foram expostos e trabalhadosnos momentos de intercâmbio.

2. De cada um deles procede a informação e os encontros correspondentes, que aparecem entre aspas.

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Sem exceção, as cinco organizações vinculadas ao projeto trabalham com populações que vivem em condições não depobreza, mas de extrema pobreza e indigência.

Trata-se de programas realizados todos a partir de organizações não-governamentais (ONGs), que têm posições, propósi-tos institucionais, compreensões da problemática do Trabalho Infantil (TI), visões e formas particulares de pensar o educacional,de se relacionar com professores e escolas, de pensar e de atuar em sua política pública. Esta é precisamente uma das riquezasdesse projeto, pois permitiu uma aproximação e um intercâmbio entre múltiplas perspectivas, propostas e ações. A maioria delas,mas não todas, têm vínculos com agencias de cooperação internacional especializadas no assunto3.

Cada um dos programas põe em jogo múltiplos atores, cenários e práticas. Eles podem ser abordados dos mais diversosângulos e perspectivas. No que se segue, tenta-se uma aproximação que possibilite, de alguma maneira, vislumbrar suacomplexidade e riqueza.

No Equador, o Centro de Desenvolvimento e Autogestão (DYA) se propõe a erradicar o trabalho infantil nos lugaresonde aplica seu programa, mediante o cumprimento dos seguintes objetivos: melhoria da qualidade e da cobertura dos serviçosde saúde e educação, incidência na formulação de políticas públicas, sensibilização ao trabalho infantil e substituição da contribuiçãodos filhos à economia familiar através de rendas complementares para os adultos.

Para efeitos deste projeto, o centro documentou seu trabalho num setor rural e em outro urbano, com populaçõesdiferentes: na concessão da mina de ouro de Bella Rica4, na região costeira da província de Azuay, onde vivem cerca de três milpessoas de diferentes províncias do país, dedicadas à mineração artesanal e de pequena escala, 20% das quais vive abaixo dalinha de pobreza e 80%, abaixo da linha de indigência; e no aterro sanitário de La Bota5, ao norte da cidade de Quito, com as 41famílias que vivem no assentamento, em casas temporárias construídas com dejetos, em 61% das quais a mãe é a chefe defamília.

A ênfase na educação consiste em garantir o acesso à escola e a permanência nela. Para isso, o programa trata de criarcondições que facilitem a inserção escolar: gestão de vagas, bolsas, incentivos aos pais para manter os filhos na escola. Aomesmo tempo, procura tornar a escola mais atraente, orientando suas ações para melhorar as condições físicas (infraestrutura edotação) e pedagógicas (modalidade e relações) e para re-propor o vínculo da escola com os PMF6 e a população. Para os

I. AS ORGANIZAÇÕES E SEUS PROGRAMAS

3. Principalmente com a OIT, o IPEC e a UNESCO: esta informação será especificada na apresentação de cada programa.4. Este programa foi apoiado pela OIT desde 2001.5. Com o apoio da UNICEF em 2003/2004.6. Utiliza-se a convenção PMF (Pais e Mães de Família) para tornar visíveis as mães no que comumente se denomina “pais de família”, quando é

um fato reconhecido que é delas a presença, tanto na família como na relação com as escolas e com os programas educacionais.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

maiores de 14 anos, gerencia alternativas de capacitação técnica e promove iniciativas produtivas que, além de assegurar suaeducação intermediária, convertam-se em oportunidade de inserção trabalhista em atividades dignas e não perigosas.

O programa contempla também o trabalho direto com MMA/J7, um programa de recuperação do atraso escolar e outroscomponentes, como o político, o organizativo, o de valores e o de rendas. Destaca-se também sua contribuição à criação de umacreche em La Bota e em Bella Rica, como “prevenção do trabalho infantil e ajuda às mães trabalhadoras, com o propósito decortar desde o primeiro momento a inserção no trabalho”.

Na Guatemala, o Centro de Atenção à Família e à Criança Maltratada (CAFNIMA) realiza o Programa EducaçãoExtra-Escolar Alternativa para Meninos, Meninas e Jovens Trabalhadores extremamente pobres, com o propósito de oferecereducação integral, nutrição balanceada e cuidados de saúde preventiva e curativa, promovendo os direitos humanos da infânciatrabalhadora em risco social. Este programa tem a particularidade de receber os estudantes, abrir-lhes as portas da educação emqualquer época do ano e nivelá-los no grau superior imediato em dois anos, por meio de um plano intensivo, aprovado peloMinistério da Educação Nacional.

A proposta educacional vincula as atividades pedagógicas à vida dos MMA/J trabalhadores do aterro sanitário, pondo emjogo seus conhecimentos e experiências, num “encontro afetivo” que lhes permite encontrar-se consigo mesmos, valorizar-se ereconhecer as potencialidades que há em cada um8. A proposta também promove a liderança através de ações como juntasescolares e tutorias, realizadas pelos próprios estudantes para seus companheiros de graus inferiores.

Parte integral desse trabalho é o Programa Educação na Rua, que integra os MMA/J, mães e pais de família da comunidadea processos educacionais alternativos, como primária acelerada, alfabetização e ações de promoção do melhoramento econômicodas famílias e mulheres, mediante projetos produtivos e capacitação técnica. Também promove processos de discussão e reflexãocoletiva com pais e mães de família da comunidade sobre a importância e o direito à educação de seus filhos e filhas.

A CASA ESPERANZA, no Panamá, compreende quatro aspectos: um programa de atenção direta, que oferece serviçosde saúde, nutrição, educação, recreação, orientação e capacitação para MMA/J trabalhadores; prevenção nas favelas e nas

7. MMA/J alude a meninos, meninas e adolescentes/jovens, homens e mulheres, para evidenciar a diversidade de gênero e idade do termo“trabalho infantil”, que tem implicações nos programas. As denominações “adolescentes” ou “jovens” varia segundo os programas e não háacordo a respeito para referir-se às populações entre os 13-14 anos e os 18 anos.

8. “Quando são convidados, no lixão, para virem estudar, isso não os atrai porque pensam que se parece com a escola formal, onde o professor équem sabe e é ele que transmite os conhecimentos. Mas esta é uma proposta diferente, que parte da vida e dos interesses das crianças, comona educação popular de Paulo Freire... eles conhecem sua realidade e vêm aqui para aprender, voltar e transformar sua realidade.” Entrevistarealizada em janeiro de 2006 com o professor Carlos Paz, encarregado de fazer a conexão e convite no lixão para os programas da Casita Amarilla.

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famílias, na sociedade civil, entre produtores agrícolas, empresários e governo, para buscar um compromisso com a educação,como uma forma de sair da pobreza; a defesa dos direitos, particularmente à educação; e a proteção contra o trabalho infantil.

A atenção direta contempla duas fases: o contato com os MMA/J nas zonas de trabalho, seja no setor informal das áreasurbanas ou no setor agrícola rural; e a atenção em centros, orientada para erradicar o trabalho entre os menores de 14 anos epara a melhoria das condições de trabalho no caso dos maiores de 14, utilizando como estratégia prioritária a inserção e aretenção com êxito na escola, objetivo para o qual se realizam ações de busca de vagas, apoio a matrículas e materiais, auxíliopara a realização das tarefas escolares, recuperação acadêmica e acompanhamento.

Os centros de atenção integral se propõem a “oferecer um ambiente onde (os menores) possam desenvolver plenamentesuas capacidades, exercer seus direitos, aprender a se relacionar bem e melhorar sua auto-estima”. O ingresso é voluntário e nãosubstitui o ambiente familiar.

Este programa complementa o de orientação familiar, no qual as mães fortalecem suas capacidades para atender àsnecessidades de seus filhos e recebem orientação e subsídios para assistir a programas de capacitação em competências trabalhistasou para iniciar pequenos projetos produtivos, que contribuam para melhorar sua precária situação econômica.

No Paraguai, GLOBAL INFANCIA implementa o Programa Atenção integral a meninos e meninas trabalhadores do-mésticos em residências de terceiros na Grande Assunção, como parte do Projeto Prevenção e Eliminação do Trabalho InfantilDoméstico em Residências de Terceiros9. A atenção direta a MMA/J consiste em educação e aconselhamento para os menoresda IMAE10 e em capacitação vocacional e profissional para os maiores, buscando a inclusão em programas existentes e oferecendoatividades de educação não formal ou extra-escolar, como suporte emocional e desenvolvimento integral, com uma perspec-tiva pedagógica “centrada na intervenção ativa da realidade e na constituição de sujeitos e de identidades comprometidascom a mudança”.

Também orienta sua ação a convocatória e a construção de uma plataforma que permita a coordenação de diversosatores, instituições e organizações sociais, ao redor de seus propósitos de “reconduzir a prática cultural de ‘criação’’’ e de atenderà população que realiza trabalho infantil doméstico11, reconhecendo que esta é uma problemática social que incide num setor dainfância e que se requer uma perspectiva de gênero, dado que afeta em maior medida as meninas e as J/A.

9. Contou com apoio de agências internacionais como a Save the Children, a Cooperação Canadense, o Departamento de Trabalho dos EUA e aOIT/IPEC.

10. Idade Mínima para Admissão ao Emprego.11. São atendidas duas modalidades de Trabalho Infantil Doméstico (TID): na “criação”, os MMA/J incorporam-se a uma família que não é a sua,

sob a modalidade de “amparo”, em troca de casa, comida, roupa e educação, sem receber salário; na outra, recebem salário.

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O programa tem estes eixos: reconhecimento de meninas, meninos e jovens como sujeitos de direito (em família própria,família empregadora ou “encarregados”, escola e comunidade); ruptura do isolamento através de redes de atenção integral;recuperação do vínculo familiar como fator de construção de identidade; melhoria da qualidade educacional, levando em contaa perspectiva de MMA/J; responsabilização do Estado como garante da proteção integral em instituições locais e nacionais;incidência sobre políticas públicas. Em tudo isso, os meios de comunicação de massa têm um papel central.

No Peru, o Centro de Estudos Sociais e Publicações (CESIP) tem como eixo a criação de condições para uma escolapública amiga, acolhedora e que não expulsa, no quadro de um propósito institucional de contribuir para a construção de“cidadania com eqüidade”.

Para isso, essa organização executa dois projetos: PRONIÑO12, que se realiza em 16 escolas de oito cidades, promove aescolarização, entendida como acesso e permanência com êxito na escola e erradicação do trabalho pelos MMA13 trabalhadores;um instrumento-chave dessa estratégia é o subsídio, que consiste num “pacote escolar” com materiais, uniformes e cotas dematrícula para os que se encontram nas piores condições de vulnerabilidade, e em estímulos materiais para as escolas queacolhem os MMA trabalhadores.

Com o projeto ESCOLAS AMIGAS de meninos, meninas e adolescentes14, que se realiza em quatro escolas de Lima15,procura-se estimular a escola pública a que assuma um papel de promoção e proteção dos direitos, especialmente do direito àeducação de MMA que trabalham, desalentando o TI e prevenindo os maus tratos e o abuso sexual infantil, através de processosde capacitação e assessoria a professores, sensibilização da comunidade educacional e promoção da participação e da liderançade MMA na escola16. Para isso, constroem-se espaços e se criam condições que possibilitem encontros entre MMA em cadaescola e em sua localidade, com o fim de trocar opiniões e soluções sobre sua problemática, assim como sobre a marcha daexperiência. Espera-se, dessa maneira, que se adquiram capacidades, instrumentos e estratégias de vigilância e controle cidadãossobre o exercício de seus direitos.

O programa também inclui reforço e nivelação escolar, e promove iniciativas das famílias.

12. É um programa da Telefônica Móviles e da Fundação Telefônica, executado pelo CESIP no Peru, que inclui subvenção para gerar acesso epermanência dos MMA no sistema educacional.

13. O CESIP prefere utilizar o termo “adolescente” em vez de jovem, razão pela qual se utiliza MMA neste documento nas referências que aludema este programa específico.

14. Apoiado pela organização holandesa Kinderen in de Knel.15. Em duas delas, realiza-se simultaneamente com o PRONIÑO.16. Com isso, as escolas implementam um processo que lhes permite certificar-se como “escolas amigas”.

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II. SOBRE A SITUAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL EM CADA PAÍS

Embora tenha sempre existido ao longo da história, só nos últimos anos o Trabalho Infantil (TI) foi problematizado evisualizado com grande intensidade. Dada a magnitude do fenômeno e a maneira como ele questiona a capacidade dos Estadose das sociedades para garantir a eqüidade e atender as mais mínimas necessidades de suas populações, o TI gerou uma amplamobilização internacional e numerosos esforços de documentação, análise, formulação e realização de diversas propostas.

Calcula-se que 250 milhões de MMA/J trabalham no mundo, em condições de risco e submetidos a exploração, e que amaioria deles se encontra na çsia (61%), os demais na çfrica (32%) e na América Latina (7%). Este porcentual equivale a cerca de18 milhões de menores trabalhadores na região da América Latina.

Na vasta documentação existente no IPEC e na OIT, encontram-se estudos pormenorizados sobre a questão. Em seguida,apresentam-se os dados aos quais se referem os programas envolvidos neste projeto17, com o propósito de fazer uma aproximaçãoespecífica à problemática do TI nesses países.

Apesar das dificuldades e sub-estimativas, reconhecidas nos trabalhos estatísticos dessa área, pela invisibilidade de certostipos de trabalho e pelo critério de idade mínima utilizado para contabilizar a população TI, as cifras permitem uma aproximaçãoàs características e magnitude do problema.

17. Esta informação está incluída nos documentos das sistematizações de cada organização, anteriormente citados.18. Instituto Nacional de Estatísticas e Informática (INEI), Enquete Nacional de Residências, IV trimestre 2001.19. Dados do Censo de População 2001, processamento de trabalho infantil realizado pelo DYA para o Comitê Nacional de Erradicação Progressiva

do Trabalho Infantil (CONEPTI).

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

Ao se referir aos resultados do Censo Nacional de População, o Peru ressalta o fato de que este “só registra (cidadãos) apartir de sete anos de idade; no entanto, nos diferentes municípios e departamentos, pode-se ver menores trabalhando”. Poroutro lado, a Guatemala assinala que “147.000 menores trabalham no âmbito familiar (carregar lenha, cuidar de irmãos), demaneira que seu trabalho não é visto como atividade econômica”.

Nos documentos de cada país adiantam-se algumas análises que vale a pena ressaltar:

- Do total da população economicamente ativa, 50,48% está envolvida com TI na Guatemala. E “um em cada trêsmenores de 18 anos trabalha” no Peru. Desses, 61% tem entre 6 e 13 anos, isto é, encontra-se abaixo da idade mínimalegal para admissão num emprego; 39% estão entre 14 e 17 anos.

- Um alto número de meninos, meninas e adolescentes/jovens realizam trabalhos perigosos, tanto pela natureza do trabalhocomo pelas “condições em que ocorre, entre eles: comércio ambulatório na rua, serviço doméstico, carregadores em merca-dos, coleta de lixo para reciclagem em lixões, engraxates, produção de tijolos e azulejos, mineração artesanal de ouro, pescaem alto mar, trabalho agrícola que emprega substâncias tóxicas, pedreiras e outros”, no Peru. No Equador, “37% do TIenvolve atividades perigosas, como mineração, lixo, construção, serviço doméstico e trabalho sexual”20. E, na Guatemala,“o TI se concentra na agricultura e em trabalhos de alto risco, como construção, eletricidade, gás, água e minas”.

- No Panamá, 68,8% do TI está no setor rural e 31,2% na área urbana.

E, definitivamente, o direito à educação nos países da América Latina é uma tarefa pendente. Apesar de todos os esforçosorientados para a definição de políticas, planos e programas para assegurar a cobertura do sistema educacional, as cifras são eloqüentes:

- No Peru, 1.253.000 de MMA/J entre 6 e 16 anos não vão à escola. Desses, 400 mil estão envolvidos com TI; 20% dotrabalhadores infantis não vão à escola.

- No Panamá, 27.839 (58%) dos MMA/J trabalhadores não vão à escola. Ou seja, seis de cada dez MMA/J trabalhadoresnão vão à escola e 5,5% não tem nenhum grau aprovado, situação que se torna mais crítica nas zonas rurais e indígenasdo país.

- No caso particular dos TID21 do Paraguai, 30% dessa população não vai à escola.

20. Comitê Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil.21. Trabalhadores Infantis Domésticos.

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Assim, o acesso e a permanência dos MMA/J trabalhadores na escola diminui de maneira progressiva com a idade. E,mesmo quando vão, como ocorre no Paraguai com a maioria dos TID22, “os abismos se observam nas ausências, no baixorendimento, no atraso extra-idade e na presença de cerca de 12% deles no horário noturno”. Quando se consegue que freqüentema escola, muitos se vêem obrigados a deixá-la, entre outros fatores-chave, devido a fenômenos de migração, segundo a estaçãode semeadura e colheita nas zonas rurais.

Esta situação agrava-se devido ao fenômeno do “atraso escolar”, que afeta de maneira particular aos MMA/JT:

- No Panamá, as e os J/A que trabalham e estudam apresentam um índice 30% maior de atraso escolar do que seus paresque só estudam.

- No Paraguai, 50% dos TID apresenta atraso escolar, entre eles 70% dos TID adolescentes.

- E no Peru, 56% das e dos adolescentes entre 15 e 17 anos que trabalham não concluíram o primeiro ciclo de educaçãosecundária, o que revela uma diferença de 13% com relação aos 43% que não o concluíram entre aqueles que nãotrabalham.

Insólita e paradoxalmente, o emprego, em não poucas ocasiões, converte-se numa necessidade para permitir a continuidadedos estudos. No Paraguai, por exemplo, 39% trabalha para poder estudar23.

22. Trabalhadores Infantis Domésticos.23. Estudo de Avaliação Rápida sobre TID em Residências de Terceiros no Paraguai, 2002.

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III. PROCESSOS E RESULTADOS DOS PROGRAMAS

a) Em que trabalham os MMA/J dos programas

Os MMA/J orientados por esses cinco programas vivem em condições abaixo das linhas de pobreza de cada país e seencontram vinculados às seguintes atividades:

- Na mina de ouro de Bella Rica (Equador), trabalham como diaristas por contratação, geralmente nos túneis das empresasmineradoras ou em usinas de processamento; outros o fazem no garimpo, isto é, buscando restos de ouro no materialrejeitado pelas mineradoras, como uma forma de contribuir com a renda familiar. Alguns trabalham por conta própria, outrosao lado de suas mães, mais de cinco dias por semana e entre seis e 18 horas por dia. Os meninos e meninas garimpeiroscostumam também acompanhar seus pais e realizar tarefas durante o processamento do material acumulado nas usinas.

- Nos túneis, as crianças estão expostas a danos ósseos e musculares, devido à posição adotada durante longas jornadasde trabalho; nas minas, alguns manipulam dinamite ou se encontram em áreas de despenhadeiro ou sujeitas adesmoronamento. Além disso, as crianças mineiras inalam permanentemente pós de rocha, que resultam, na idade adul-ta, na doença mineira comum chamada silicose. No garimpo, não só estão sujeitos a sofrer acidentes com rochas ou pelosfreqüentes desmoronamentos; como as crianças dos túneis, transportam pesos superiores à sua capacidade física. E osque trabalham em usinas de processamento estão em contato com substâncias tóxicas como mercúrio, cianureto e certosácidos que afetam a saúde.

- No lixão de La Bota, em Quito, também no Equador, os MMA/J trabalham na reciclagem de dejetos, em permanentecontato com substâncias tóxicas e contaminadas, que põem em risco sua saúde. O trabalho no lixão é familiar, os menoresde 15 anos trabalham com e para seus pais durante mais de oito horas, cinco dias por semana e, nas férias, durante noveou dez horas/dia. O lixão torna-se o lugar de socialização dos meninos e meninas, que são levados por seus pais e, poucoa pouco, incorporam-se a esta atividade desde pequenos.

- No aterro sanitário da zona 3 da capital da Guatemala, os meninos, meninas e adolescentes dedicam-se à coleta de lixoe a outras atividades relacionadas com o processo de reciclagem e comercialização do mesmo. Os que se dedicam àclassificação e à reciclagem do lixo (alumínio, papel, vidro, cartão ou plástico) são chamados “guajeros”24.

- Em áreas públicas, como as ruas e os mercados do Panamá, seja mendigando, seja oferecendo serviços informais, comolimpar vidros ou carregar pacotes, ou vendendo artigos, por dez ou mais horas diárias. Este programa também inclui

24. Atualmente, registram-se aproximadamente 800 pessoas trabalhando no aterro sanitário, das quais cerca de 500 são menores de 18 anos quevivem no lixão ou que o freqüentam, acompanhando suas famílias.

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população indígena contatada nas fazendas de café da zona rural de Chiriqui, Boquete; e meninos/as camponeses que sededicam à safra da cana-de-açúcar e a outras atividades do campo em El Roble, zona rural do distrito de Aguadulce.

- Em ofícios domésticos em casas de terceiros, seja na condição de “criação” ou recebendo um salário em troca, noParaguai.

- Em zonas urbanas marginais do Peru, seja nos aterros sanitários (Zapallal e seus arredores, Las Lomas de Carabaillo, ElMilagro e seus arredores, em Trujillo), na fabricação artesanal de azulejos (zona de Huachipa, Lurigancho, Chosica) ou emdiversas atividades urbanas, em ruas, mercados e outras áreas públicas de Lima e Chiclayo.

Como se vê, as cinco organizações desenvolvem programas em contextos urbanos. Somente no Equador contempla-setambém um programa com meninos mineiros numa zona rural costeira. E, no Panamá, além de estabelecer os contatos iniciais,tanto nas ruas e mercados da Cidade do Panamá como no setor rural agrícola, incorpora-se ao programa a população indígenade uma zona rural cafeeira e a população camponesa dedicada ao cultivo da cana-de-açúcar.

b) Objetivos propostos

Pela importância da questão, a Tabela 2 mostra os objetivos propostos pelo conjunto das organizações, resultado dasformulações feitas textualmente por cada uma delas. A tabela permite apreciar o panorama de buscas e apostas. E, se for deinteresse para um trabalho específico sobre o assunto, poder-se-ia identificar nela os objetivos particulares de cada programa,contrastar sintonias e diferenças entre eles e estudar, por exemplo, as relações entre objetivos, ações, processos e resultados.

TABELA 2. Formulação dos objetivos

Diminuir o TI: erradicação do trabalho ou redução das jornadas.

Trocar o trabalho perigoso por atividades não perigosas.

Promover alternativas de atenção e proteção a MMA/JT nas famílias e escolas.

Sensibilizar para o TI (famílias, professores, MMA/J e autoridades).

Incluir em programas educacionais formais e prevenir a evasão escolar (direito à educação).

Garantir a permanência e o “êxito” na instituição escolar.

Melhorar a qualidade e a cobertura educacional.

Promover e proteger os direitos dos MMA/JT, especialmente direito à educação.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

É interessante notar que, na apresentação inicial desta tabela, onde se incluíam os países e se identificavam os objetivos expostospor cada um deles nos documentos de sistematização, encontraram-se muito poucas coincidências, o que poderia levar a pensar queas propostas tinham pouco a ver entre si, mesmo estando todas orientadas para atender a problemática da infância trabalhadora.

Mas não é assim. Evidentemente, há diferenças importantes nos enfoques e propósitos implementados pelos programas.Mas também ocorre que, mesmo quando não se formulam determinados objetivos na apresentação de um programa, algunsdeles são abordados sim e se tornam evidentes, seja nas ações e processo ou na apresentação dos resultados. Ocorreu, nosintercâmbios em torno à realização deste documento, que os programas identificaram como seus a maior parte dos objetivosincluídos no quadro, salvo algumas exceções, mesmo quando não se encontravam formulados como tais anteriormente ouapresentavam categorizações e articulações diversas. Sem dúvida, este exercício de explicitação contribui para um melhoracompanhamento do trabalho e abre perspectivas para outros trabalhos e estudos.

c) Incidência dos programas

Tomando como referência o exercício de tematização apresentado na Tabela 1, expõem-se em seguida os principaisaspectos tratados nos documentos sobre população atendida, processos e resultados dos programas.

TABELA 2. continuação

Construir propostas pedagógicas que levem à visibilidade e à constituição de sujeitos de direito para a transformação social,

com perspectiva de gênero.

Estimular a participação e a liderança dos MMA/J na vida escolar.

Converter o programa de educação extra-escolar em modelo de intervenção comunitária e promoção de direitos dos MMA/J

em risco social.

Inserir meninos e meninas em programas de cuidado diário (creches).

Inserir adolescentes/jovens em programas de capacitação técnica.

Melhorar a qualidade e a cobertura dos serviços de saúde.

Complementar as rendas dos adultos para substituir a contribuição dos filhos à economia familiar.

Fortalecer o papel de organizações locais na erradicação do trabalho infantil.

Promover a formulação de políticas municipais e empresariais de ETI.

Incidir na formulação de políticas públicas.

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Este trabalho tenta falar do que se vive e se enfrenta quando se apresentam propostas para diminuir e erradicar o trabalhoinfantil em diferentes países, desde o ponto de vista de cada lugar específico, em condições particulares e num trabalho diretocom meninos, meninas e adolescentes/jovens que trabalham, com famílias, comunidades, escolas e organizações governamentaise não governamentais. Um cenário muito diferente do da definição de políticas macro, mesmo quando interagem, incidem e aomesmo tempo se vêem afetadas por estas.

É importante precisar que este não é um estudo de tipo analítico, que pretenda determinar efeitos específicos de determi-nados componentes ou ações dos programas. Ao contrário, começa por considerar os programas em sua complexidade, comnumerosos componentes, variáveis e interações que põem em jogo, alguns mais visíveis e explícitos, outros quase inadvertidos.como se viu, são muitíssimas as arestas e resistiriam a múltiplas e interessantes leituras, segundo os pontos onde se focalize oolhar. Tampouco se pode confundir nem esperar que este seja um trabalho de tipo avaliador.

Trata-se de uma leitura de conjunto e de inter-projetos, à base de informação, análises e aprendizagens apresentados porcada um dos programas, em relação com os aspectos que se consideram prioritários, sem um formato prévio acordado para isso.

Mesmo quando fosse desejável, nem em todos os casos as cifras ou a informação podem ser comparadas entre projetos,nem sempre se conta com informação consolidada do conjunto das organizações, sobre uma das temáticas abordadas. Variamos tempos considerados no trabalho de sistematização, as populações incluídas, as ênfases aplicadas a cada trabalho, os assuntostratados e a informação recolhida. Mas isto não é um impedimento. Pode-se trabalhar com a informação disponível e formular,mesmo de maneira transitória, hipóteses que possam animar outro tipo de trabalhos.

É necessário esclarecer que as organizações, em sua maioria, realizam também outros projetos, que envolvem populaçõesou implementam ações que não foram contempladas neste exercício de documentação de seus programas. Eles fazem parte dosaber acumulado e contribuem para as leituras que fazem de suas práticas, mas não são abordados neste trabalho. É o caso doCentro DYA do Equador, que executa paralelamente programas com meninos/as dos outros três lixões (380 meninos/as), commeninos/as trabalhadores do mercado de Manta (150), com meninos/as bananeiros (500) e com meninos/as indígenas (4.500),através dos quais atende a 5.530 crianças trabalhadoras adicionais e provê para outras 7.000. Também faz-se um trabalhoespecífico com populações indígenas e camponesas no Panamá. E há também o trabalho realizado na Guatemala em jornadavespertina e noturna com 60 jovens, aos quais a organização capacita tecnicamente e busca inserir no mercado de trabalho.

É nesse contexto e a partir dessa perspectiva que se abordam os assuntos aqui tratados, os quais, como se verá, tornam-se muito enriquecedores em termos de aproximações, hipóteses e perguntas, para abordar os temas da atenção a meninos,meninas e jovens/adolescentes trabalhadores, suas famílias e suas comunidades e, a partir daí, os processos que estas organizaçõesimplementam em torno à redução e à erradicação do TI.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

• População atendida

Antes de considerar os “resultados” ou “efeitos” dos programas, é necessário dar a importância requerida ao papeldestas e de outras instituições que trabalham com o cuidado das populações mais vulneráveis. Pelos próprios processos, pelapresença, pelas ações, pelos instantes: milhares de crianças e jovens/adolescentes menores de 18 anos, suas famílias e comuni-dades, em meio às piores situações de abandono e de miséria, viram-se atendidos em suas condições nutricionais, afetivas,educacionais, culturais e de vida. Muitos tiveram a oportunidade se descobrir a si mesmos, de experimentar outras formas de sere de atuar, de encontrar alternativas antes impensáveis para suas vidas e as vidas de suas comunidades.

Com estes cinco programas, nos períodos de tempo abordados em seus trabalhos de sistematização (em todos os casos nãosuperior a cinco anos), atenderam-se 6.470 crianças e adolescentes/jovens, como se deduz da informação contida na Tabela 3.

Quando se compara a população atendida com o total da população TI nestes cinco países (4.856.198), o porcentual é deapenas 0,13%, o que torna visível a necessidade de realizar mais e mais duradouros esforços nesse campo, de inventar e por emmarcha outros e diversos caminhos. Mas vale a pena reiterar: quão importante é o fato de que 6.470 MMA/J trabalhadoresestão sendo atendidos por diferentes organizações em nossos países!

* Neste caso, não se tem o dado exato de quantos são os trabalhadores; alguns dos incluídos aqui são considerados população infantil em risco detrabalhar.

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• Redução ou fim do TI

A informação sobre o fim dos trabalhos “perigosos” ou em condições difíceis é surpreendente. Novamente, este não éapenas assunto de cifras e porcentagens, mas os números iluminam algumas das perguntas propostas nesse campo: 234 dos279 meninos, meninas e jovens/adolescentes da mina e 66 dos 74 do lixão deixaram o trabalho durante os cinco anos (2001/2005) do Programa DYA do Equador. A magnitude desse fato não se observa tão facilmente nesses dados, mas quando seconsidera que equivalem a 84% e a 89% da população atendida por cada um dos programas, respectivamente, pode-seafirmar que aqui se encontram chaves indiscutíveis para conseguir o resultado esperado de reduzir o trabalho infantil.

O Panamá registra o fim do trabalho de 1.843 dos 3.300 MMA/J atendidos durante este mesmo período de cinco anos,o que equivale a 56%; só no último ano, pararam de trabalhar 736 MMA/J, o que equivale a 77% da população atendida em2005. Num período um pouco mais curto (2001/2004) e em condições diferentes, o CESIP do Peru conseguiu que 482 de 1.426menores de 14 anos (33,8%) parassem de trabalhar e que 315 (22,1%) diminuíssem sua jornada de trabalho ou começassem atrabalhar em atividades mais leves ou de ajuda familiar.

Da mesma forma, em três anos (2002/2004), 293 de 711 TID atendidos pela Global Infancia deixaram a “criação” ou otrabalho doméstico no Paraguai, o que equivale a 41%.

E o programa da Guatemala tem muito a contribuir. Utilizando uma estratégia muito diferente das anteriores, como aatenção direta através de um programa extra-escolar. Só durante 2005 incorporaram à escola regular 30 dos 175 TI atendidos,apesar das sérias dificuldades que se enfrentam para o acesso dessa população à escola.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

Os resultados, sem exceção, mostram tudo o que podem estes programas em relação ao proposto, em meio às condições-limite e de pobreza extrema em que se realizam. No total, 2.968 MMA/J deixaram de trabalhar durante os períodos de tempocontemplados nas sistematizações dos programas25. E, quando se contabilizam os 30 que reduziram sua jornada de trabalho nolixão do Equador26, os 315 (22,1%) que no Peru diminuíram sua jornada ou realizam atividades leves ou em casa, e os 60 daGuatemala, a incidência é muito maior.

Estes resultados são surpreendentes sob todos os aspectos, principalmente quando se considera que, ainda quando não éo único fator, a pobreza desempenha um papel determinante na produção de TI, o que é amplamente reconhecido pelasorganizações que implementam estes projetos.

Este aspecto só foi parcialmente atendido pelos programas, através de sistemas de subsídios e apoios para a geração derendas por parte das mães e dos pais de família. Este é, sem dúvida, outro dos temas que merece documentação e um estudoespecífico, que permita maior aprofundamento.

* Como se mencionou anteriormente, uma parte desta população não é trabalhadora.** Diminuem a jornada de trabalho ou se vinculam a atividades mais leves ou em residências.25. Quando se considera a informação de dez anos, entre 1994 e 2004 o Panamá registrou 2.256 MMA/J que deixaram de trabalhar no setor urbano

e, entre 2001 e 2004, 500 no setor rural.26. No encerramento deste trabalho, informa-se que, no momento, todos já deixaram de trabalhar e estão na escola ou em programas de formação.

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Não se trata somente de acertos. Visualizar as dificuldades, explorar quais são os obstáculos que se apresentam e indagarsobre o porquê de sua ocorrência, arriscar hipóteses provisórias, constituem uma fonte da maior importância para o propósito deconstruir e mobilizar pensamento num campo específico de atuação social. Um exemplo disso é a contribuição do Peru emrelação ao resultado esperado de diminuição e erradicação do TI:

“Uma das principais dificuldades encontradas é que um bom porcentual de famílias não conseguiu retirar seus filhos efilhas do trabalho, nem diminuir as horas de dedicação a ele (46%). Isto se deveu, principalmente, à extrema pobreza dasfamílias, geralmente agravada por situações de crise familiar, como o abandono do lar por pai ou mãe; doença de um dosprogenitores, que os obriga a deixar de trabalhar temporariamente; crescimento da família, etc. Também se deve à dificuldadepara abandonar padrões culturais, sobretudo na população imigrante de zonas rurais. Por outro lado, muitos/as adolescentesentram no mercado de trabalho pela falta de recursos econômicos em seus lares e porque muitos deles provêm de famíliasmonoparentais e numerosas, o que faz com que tenham que suprir os papéis de pai ou mãe no sustento familiar.”27

• Prevenção do TI

Os cinco programas investem boa parte de seus esforços na sensibilização das populações envolvidas sobre os efeitosnocivos do TI e sobre a defesa dos direitos, particularmente o direito à educação. É provável que esta ação tenha repercussõesimportantes não apenas na redução do TI, mas também na prevenção do mesmo. Em todo caso, alguns projetos parecemcoincidir em que foi possível transitar “de uma concepção que aprovava o trabalho infantil para uma concepção que o reprova”.

Por outro lado, é de particular interesse a iniciativa de construção e dotação de creches para as crianças menores,como uma forma de prevenir o trabalho infantil, cortando desde o primeiro momento a inserção nele. Esta ação é parteimportante dos programas de prevenção do Centro DYA, do Equador, orientados para a população “de risco” (380 e 62crianças pequenas em cada um dos programas), buscando garantir o cuidado diário dos menores e apoiar as mãestrabalhadoras. Sabe-se que o lixão converte-se no lugar de socialização das crianças pequenas, as quais se iniciam ali comotrabalhadores.

As duas creches foram geridas e são sustentadas com recursos do Ministério do Bem-Estar Social, que cobre os custos dasmães comunitárias e de alimentação das crianças. Com a gestão do programa e dos PMF, realizou-se o equipamento e a capacitaçãodas mães comunitárias. Estas encontram-se no máximo de sua capacidade: 25 crianças na mina (outras 30 esperam vaga) e 23no lixão.

27. CESIP, Peru. Esclarecimentos da matriz de tematização, com o conteúdo correspondente a seu programa, 14 de fevereiro de 2006.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

• Acesso e permanência na escola

O acesso e a permanência “com sucesso” na escola é outro dos eixos de trabalho nos quais mais coincidem os programas,com um propósito claro: contribuir para garantir o exercício do direito à educação.

Mesmo quando utilizam estratégias e ações muito diferentes, todas buscam o ingresso, a reintegração à escola, a permanência,o aproveitamento e os bons resultados nela. Por sua importância, em seguida enunciam-se as ações mais documentadas nos trabalhos:

- Sensibilização sobre a importância da educação e os efeitos nocivos do TI, através de diferentes mecanismos dirigidos aMMA/JT, PMF, comunidades, organizações e autoridades, assim como diretorias, professores e professoras nas escolas.

- Busca, consecução e gestão de vagas nas escolas.

- Contribuição à melhoria das condições físicas das escolas (construção e dotação).

- Incidência sobre as modalidades pedagógicas e as relações das escolas com PMF e estudantes, buscando uma maiorparticipação destes na vida das mesmas.

- Realização de programas de ajuda e de nivelação extra-escolares.

- Incentivos às famílias como compensação econômica do trabalho infantil, subsídios e apoios para gerar alternativas detrabalho de PMF.

- Criação de cenários e condições para a expressão e a liderança dos MMA/J.

Novamente, os resultados dos projetos impactam e de maneira surpreendente: 100% dos MMA/J da mina e 97,2% dolixão no Equador, e 100% dos 402 que não estudavam no caso do CESIP no Peru acederam à escola. Adicionalmente, 96,3%conclui o ano escolar e 90,8% passa de ano no Peru, e 92% passa de ano no Panamá.

A informação relatada pelo Panamá é particularmente interessante: mais de 200 MMA/J encontram-se nos últimos trêsanos da secundária e sete dos 15 jovens que terminaram a secundária estão atualmente na faculdade.

Chama a atenção o seguinte fato: só com a melhoria das condições físicas e da dotação de uma escola, os PMF que,antes, mostravam desconfiança e ceticismo e que consideravam que seus filhos aprendiam mais no trabalho do que na escola

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parecem “descobrir” que as coisas podem mudar e, a partir daí, desenvolvem todo um processo de aproximação, de iniciativase de trabalho participativo no Equador.

De toda forma, os resultados dos programas mostram a presença de tensões interessantes: em alguns casos, “conseguiu-se posicionar a escolarização como fator de desenvolvimento e mudança” e os pais e mães de família começaram a valorizar aescola. Em outros casos, e isto também é de particular interesse e teria que ser abordado com maior profundidade, “o apoioeducacional nem sempre foi acolhido, já que o valor dos estudos compete com a renda diária. Não se pode renunciar facilmentea uma renda quando se vive em condições de pobreza”, como assinala o Peru.

Estes resultados nos colocam diante de uma das perguntas ou pontos críticos mais agudos encontrados pelos programas:a tensão pobreza-trabalho infantil-escolarização. Restam muitas perguntas de importância significativa, que não foram esgotadasdurante este processo e que continuarão presentes em muitas experiências: o que ocorre com as famílias e suas condições desobrevivência quando os menores deixam de trabalhar? Redistribuem-se e de que maneira as cargas de trabalho dos demaismembros das famílias? Que papel têm nesses programas os incentivos e subsídios, sejam econômicos ou materiais, e o apoio aPMF na gestão de alternativas de renda?

• Mudança de práticas na escola e a questão do sujeito

Ainda que nem todos os programas o abordem, alguns dedicam grande parte de suas ações e suas análises a este aspecto.

Ressalta-se aqui a experiência do CESIP, do Peru, que, ao possibilitar e criar cenários de participação de estudantes,escolhidos por seus companheiros como “representantes”, com o que adquirem capacidades de participação, organização eliderança, mostra como é possível converter os enunciados retóricos em ação, em termos de pensar meninos, meninas e adoles-centes/jovens como sujeitos e atuando como tais.

A análise sugere que, com isso, as crianças “adquiriram importantes níveis de autonomia, empregando suas capacidadespara analisar os problemas e encontrar soluções que envolvam sua ação coletiva”. E tudo isso, claramente, se dá em meio desituações nem sempre fáceis, o que o torna ainda mais valioso, pois às vezes exige que se enfrentem supostas perdas deautoridade por parte de diretores e docentes.

Além disso, nas escolas com as quais o CESIP trabalhou, “as propostas dos prefeitos e prefeitas escolares (meninos,meninas e adolescentes) foram incorporadas aos planos de desenvolvimento institucional: através dos municípios escolares, osmeninos, meninas e adolescentes elaboraram e apresentaram propostas e iniciativas para melhorar seu entorno e a qualidade devida na escola.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

No que concerne a questão do sujeito, isto guarda semelhança com componentes de outros programas, como o enfoquede toda a proposta de capacitação técnica para os maiores de 14 anos do DYA no Equador, questão que será abordada na seçãoseguinte, e a orientação da proposta pedagógica do programa de educação extra-escolar do CAFNIMA na Guatemala, na qualos MMA/J trabalhadores são vistos como sujeitos que não chegam desprovidos à escola, pois têm saberes e experiências em suavida que entram em jogo nos processos de aprendizagem, de pensamento e de ação social.

Dizem eles: “As pessoas aprendem fazendo e são protagonistas de suas próprias aprendizagens e geram construçãocoletiva de aprendizagens, o que os torna pertinentes e plurais”. A este aspecto específico da proposta que aparece apenasenunciada em sua sistematização, dever-se-ia dedicar um bom trabalho de produção sobre o saber a partir da prática.

No Paraguai, o trabalho da Global Infancia com os jovens sobre seus direitos gerou, por parte deles, a necessidade e ademanda de espaços de encontro que lhes permitissem “integrar-se e compartilhar vivências e o interesse manifesto por iniciarprocessos de organização em torno a sua realidade, a fim de gerar linhas de ação que possibilitem melhorar suas condições devida”. Este fato, como se pode ver, fala por si mesmo.

Por outro lado, e sem dúvida, a aproximação com a escola e os professores e professoras requer ser trabalhada com maiorcuidado. Às vezes, vê-se a escola como um “objeto” no qual se intervém ou como um simples instrumento a ser utilizado paraos diferentes propósitos. Ali não existiriam sujeitos que sabem, que desejam e que atuam social e politicamente. Em algumasreferências, aparece como um ente homogêneo. Ela é identificada como um lugar de “reprodução dos maus tratos”, como um“modelo autoritário”, com um esquema formal e inflexível de organização e desconectado de outras organizações e instânciassociais.

Embora reconhecendo que há dificuldades, alguns identificam como resultados ou efeitos dos programas a modificaçãodas características inicialmente associadas com as escolas: agora contam com “capacidades adicionais para lidar com as criançase estimular seu desenvolvimento”, desenvolveram mecanismos de coordenação e mudaram as relações com os outros, favorecendoa participação de PMF e crianças.

Vê-se a escola de longe, de fora, sem reconhecer que é um cenário que comporta em si mesma toda uma multiplicidade ecomplexidade. Valeria a pena tentar outras aproximações, possibilitar a identificação e a vinculação de atores e vontades institucionais,particularmente de professoras e professores, na qualidade de sujeitos, com capacidade para imaginar e construir propostas a partirdaquilo que lhes é próprio, a partir da escola como um âmbito de cultura, a partir de seus saberes, desejos e práticas.

Restam vários pontos a aprofundar no debate sobre a função social da escola e as demandas que lhe são feitas paraatender todas aquelas problemáticas que a sociedade em seu conjunto não quis ou não soube resolver.

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• Programas de capacitação, profissionalização e trabalho alternativo

Esta é uma vertente de trabalho que mostra, nas práticas, perspectivas interessantes para a população de adolescentes/jovens cujas idades oscilam entre 13, 14 ou 15 anos, segundo o programa e a definição da idade mínima de admissão noemprego em cada país, e os 17 ou 18 anos.

Em termos gerais, os projetos dirigem uma atenção diferenciada a este segmento da população, afastando-se de certamaneira do propósito claro de escolarização para os menores e se concentrando, em troca, em alguns casos, na formação técnicaou na gestão de propostas de trabalho alternativo.

A experiência do DYA no Equador foi documentada com alguma profundidade e as aprendizagens derivadas dela são departicular interesse para os propósitos deste trabalho. O programa inclui quatro linhas de capacitação: ourivesaria, metal-mecânica,informática e liderança, para os/as jovens trabalhadores/as e para as mães da comunidade.

A iniciativa consistiu de um Centro de Capacitação Técnica Metal-Mecânica, “que, por um lado, interessava aos empresáriosmineiros, que teriam pessoal qualificado e poderiam gerir o fim do trabalho dos jovens, e por outro lado interessava aos jovense aos pais de família, que viam no centro uma oportunidade de adquirir um ofício, de concluir a educação média e de aspirar amelhores remunerações”.

Na linha de ourivesaria, ofereceram-se cursos de capacitação técnica, durante 18 meses, para os e as jovens da mina. Umavez finalizado o curso e aprovados os alunos, realizaram-se estágios nas principais cidades do país. Mas ocorreu algo surpreendentepara o programa: durante os estágios, a maioria recebeu ofertas de trabalho em outros lugares, o que revela a qualidade doscursos realizados. Mas “a maior parte dos estudantes resolveu regressar a Bella Rica para formar a Associação dos Ourives, coma qual comercializam suas jóias. Só dois jovens aceitaram as ofertas”.

Estes resultados tornam visíveis aspectos muito importantes em relação às estratégias utilizadas. Em primeiro lugar,como destaca o Equador, “estas propostas de capacitação técnica surgiram de iniciativas comunitárias, de sonhos e expec-tativas locais, e são estudadas tecnicamente pelo programa, para garantir sua viabilidade social, técnica e financeira,cuidando, além disso, para que sejam uma contribuição à comunidade: que a comunidade cresça em diferentes aspectos,incluído o econômico, que abra opções diferentes para o futuro de todos os seus habitantes, incluídos os meninos emeninas”.

Um segundo aspecto a destacar consiste em que esta experiência envolve um enfoque de trabalho “alternativo”, queamplia o horizonte, que não se deixa reduzir à questão do emprego e no qual as/os jovens assumem um papel ativo, constroem

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

propostas, administram, inventam. Outra das questões específicas, que merece maior atenção, é ouvir as vozes de adolescentes/jovens, dos PMF, das populações envolvidas.

Em terceiro lugar, apesar de receber ofertas de trabalho em outros lugares, tanto as mães como os jovens queparticiparam preferiram voltar a seu lugar, contribuir com suas comunidades. Com sua decisão de voltar e se dedicar aoofício da ourivesaria, não só abandonam, pelo contrário, ampliam as perspectivas do trabalho realizado por seus pais e pelapopulação em geral.

Agora, esses rapazes e moças fazem parte de um movimento juvenil constituído e com agenda própria, para melhorar ascondições de meninos, meninas e jovens. Além disso, estão administrando o Centro de Computação criado pelo município,convertendo-o num espaço de recreação, aprendizagem e serviço à comunidade.

Na Guatemala, o CAFNIMA oferece oportunidades para que aqueles que já passaram pelo programa possam trabalharno próprio centro e se dedicar, a partir de sua experiência, a educar outras crianças trabalhadoras.

Como se pode ver, são aproximações que rompem com outros enfoques no trabalho com jovens. Em vez de associarjovem com imaturidade, inexperiência e risco, criam-se condições e se permite que eles e elas desdobrem toda a sua potencia,sua vitalidade e sua imaginação28. São propostas que se baseiam na confiança, que não os infantiliza. Assumem o trabalho comeles a partir de uma perspectiva que, sem deixar de reconhecer o lugar que ocupam (a pobreza, as restrições e as carências emsuas vidas), não se deixa apanhar nem reduzir por esse filtro.

Embora não o exponha suficientemente, o CESIP do Peru também implementa programas de formação para o trabalho,que foram oferecidos a 256 maiores de 14 anos (critério IMAE) e programas de formação em temas de interesse (computação,manutenção e montagem de computadores, cosmetologia, operação de máquina, eletrônica, mecânica de automóveis eoutros).

• Relações institucionais e propostas de organização

Boa parte das ações dos programas orientou-se a este assunto, que também na literatura sobre o tema é um dos aspectosaos quais se deveria dedicar especial atenção e maiores esforços.

28. Esta é precisamente uma razão pela qual autores dedicados ao trabalho comunitário e pedagógico dirigido a estes segmentos de idadediferenciam o conceito “jovem” do termo “adolescente” - para tentar romper com a associação que se faz com dificuldades e carências, para os verem seu momento vital e não como quem “adoece” de algo para chegar a ser... adultos!

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Vejamos algumas das iniciativas e contribuições orientadas ao vínculo com outros atores sociais e organizações, tantogovernamentais como não-governamentais, em cada lugar.

O Paraguai tem, talvez, o programa que aborda este aspecto com maior profundidade e atenção, pois é um eixo central de suaproposta. Não há outra maneira de abordar o propósito de “recondução da prática da ‘criação’, uma prática cultural muito arraigadae institucionalizada no Paraguai, que requer uma atuação decidida, capaz de articular diversos atores e instituições sociais”.

Muitos dos esforços da Global Infancia orientam-se ao fortalecimento de instâncias locais para a atenção aos/às TID e para aformação de uma rede de instituições sensibilizadas para a questão. Os resultados revelam todas as organizações que finalmenteincorporaram o TID em seus planos de ação, incluídos os ministérios da Justiça e do Trabalho. Desde o início, para a realização doprograma, formaram-se equipes das quais participa a equipe técnica de Global Infancia e os conselhos das CODENI29. No total,sensibilizaram-se e foram capacitados 377 funcionários e 28 docentes voluntários, que atualmente estão vinculados e trabalhando.

Dado que este enfoque supõe a dedicação de uma considerável quantidade de tempo, assim como esforços específicosdestinados à coordenação e negociação, alguns preferem iniciar o trabalho diretamente, no afã de alcançar seus propósitos eobter resultados em curto prazo. Mas este não é o caso, pois dessa maneira fracassa a ampla mobilização que se requer e selimitam as possibilidades de incidir de maneira mais contundente sobre aspectos de calado cultural tão profundo.

Por outro lado, para o DYA, no Equador, a formação de organizações comunitárias se converte em eixo da proposta quepermite identificar problemas e os conectar com a oferta de serviços existente. Nos dois projetos sistematizados, constituiu-seuma rede de instituições dedicadas à infância em diferentes questões, como educação, saúde, recreação e crédito.

Seis instituições incorporaram os MMA/JT e suas famílias a seus serviços, para restituir os direitos afetados pelo trabalho,através de programas de bolsas, reforço escolar, creche e “capacitação” de professores. A participação da escola da mina numarede local com outras nove escolas possibilitou compartilhar sua modalidade pedagógica, que, ao ser equiparada à reformacurricular, permitiu aceder a recursos do Ministério da Educação e Cultura para formação, infraestrutura, materiais e equipamento,entre outros.

“Tudo isto supõe entrar em outras lógicas, requer tempos, às vezes não se vê, é questão de construir tecido social eorganizativo, mais do que resultados”, como diz a Guatemala. E, no dizer do Paraguai: “A coordenação entre organizações eredes requer tempo e ritmo, que entra em tensão com produzir resultados de curto prazo”.

29. Conselhos para os Direitos da Infância.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

De toda maneira, é importante notar que, nas apresentações sobre articulação de esforços com outras instituições, marca-se uma ênfase forte naquelas iniciativas que tomam como ponto de referência a proposta de cada uma das organizações: elas seconvertem no eixo a partir do qual se faz a convocatória e ao redor do qual giram as ações dos demais.

Valeria a pena documentar as intenções e os acertos, com a perspectiva de somar esforços aos de outros atores e organizaçõeslocais e nacionais que existem e se movem em cada país em torno à problemática. É o caso dos movimentos constituídos porjovens em torno da sua própria problemática de TI, que se organizaram já há vários anos e que se pronunciam em eventos,seminários e congressos nacionais e internacionais. Como têm eco, como se reconhecem aqui essas outras vozes e perspectivas?Sem dúvida, este aspecto merece maior discussão e análise.

Isto posto, nem tudo que estão fazendo estes programas e a maneira como estão afetando as vidas de MMA/J, PMF ecomunidades pode ser expresso em termos de resultados, mas nem por isso são menos significativos: as oportunidades departicipação em atividades de recreação e jogo, os seminários ou eventos sobre temáticas específicas, as diferentes maneiras deenriquecer a auto-estima, a confiança em si mesmo, a experimentação das possibilidades da ação coletiva e a construção de umtecido social em torno a esta questão particular de TI.

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IV. APRENDIZAGENS, PONTOS CRÍTICOS E INTERROGAÇÕES

Quando se considera o conjunto das experiências realizadas nos cinco países, cada uma das quais com uma trajetória euma experiência consideráveis, torna-se particularmente importante, num trabalho como este, identificar interrogações, tensõesou aspectos não resolvidos, a partir dos quais se pode formular, à guisa de conjeturas ou hipóteses, algumas propostas quecontribuam e animem estudos e discussões que estão vivos no campo das alternativas de atuação sobre o TI, com os meninos,meninas e adolescentes/jovens trabalhadores.

a) A diversidade contida no chamado trabalho infantil

A diferenciação por grupos de idade, sexo e momentos vitais de MMA/J, apesar de ter sido muito pouco considerada nahora de implementar e definir ações de política macro, tem um papel muito importante para os programas aqui estudados.

As experiências em seu conjunto evidenciam que, para a definição e realização de ações com meninos, meninas e jovenstrabalhadores, leva-se em conta de maneira específica as diferentes populações abrigadas pela noção de trabalho infantil. Aconsideração das diferenças étnicas e culturais ainda não foi abordada, mas já se vislumbram como foco de atenção em progra-mas como o do Paraguai.

Os programas distinguem pelo menos dois grupos de idades, que são tomados como referência para definir estratégias,metodologias e ações específicas. Além disso, para os que têm 13 anos ou mais, as organizações definem propósitos quecontemplam a formação e a realização de determinados tipos de trabalho diferentes dos que estavam sendo feitos, sim, mastrabalhos e iniciativas que geram renda de outra maneira, em outras condições.

Desde o princípio, na formulação da proposta, alguns desses programas aproximam-se diferencialmente da populaçãocom a qual trabalham, segundo idade e sexo. Na apresentação sobre sua população trabalhadora, o Peru distingue entre apopulação “menor” (78,8%) e aquela entre 14 e 18 anos (21,2%), tomando como referência a IMAE.

Também há diferenciações com respeito às estratégias e ações implementadas pelos programas: o Equador distingue trêsgrupos de idade, já que inclui uma ênfase na prevenção do TI - menores de cinco anos, entre 5 e 11, e entre 12 e 18 anos. AGlobal Infancia, do Paraguai, implementa estratégias e ações centradas em programas de educação e aconselhamento para os“menores”, enquanto a capacitação vocacional e profissional é a ênfase para o caso dos “maiores”30.

E, num dos ângulos mais interessantes do trabalho do Centro DYA, no Equador, ao qual se fez referência anteriormente,prevê-se a atenção diferenciada para os maiores trabalhadores, aproximadamente entre os 14 e os 18 anos, ao qual, entre outras

30. Em todos os casos, a definição de “menores” e “maiores” corresponde à definição da IMAE.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

coisas, dever-se-ia dar maior valor e visibilidade: diferentemente das formas de atenção dirigidas a meninos e meninas, centradasna escolarização, a ênfase neste caso é a capacitação técnica e o “trabalho alternativo”, com os surpreendentes resultados emtermos das iniciativas tomadas pelos/as jovens em torno de seu trabalho, as contribuições a PMF e às comunidades, e suaparticipação em movimentos sociais mais amplos de MMAT.

Assim, ao apresentar os resultados de sua intervenção, a Global Infancia do Paraguai reporta diferenças segundo asidades: os “maiores” parecem adquirir mais confiança em si mesmos, o que lhes permite enfrentar situações e tomar decisõesrelacionadas com sua situação e perspectivas de vida. “É muito mais difícil reatar vínculos com as famílias nos menores da IMAEdo que com adolescentes. Eles necessitam acompanhamento mais próximo e monitoramento constante e estão mais expostos aser convencidos ou manipulados pelas famílias encarregadas deles. Os/as adolescentes têm mais possibilidades de exigir e exercerseu direito.”

Com relação à perspectiva de gênero, está explícita no uso da linguagem nas cinco organizações participantes e seobserva nos registros das práticas de atuação de vários programas, de maneira especial no caso do Paraguai, que também fazver a importância das diferenças culturais, como as relativas à população indígena e à língua própria. Esta questão mereceria ummaior esforço de produção sobre as aprendizagens que, sobre isso, podem ser derivadas dessas experiências.

Tudo isso põe em evidência a diversidade contida no conceito “trabalho infantil” e propõe a necessidade de se aproximardos modos de atenção à “infância trabalhadora” segundo grupos de idade, com o conseqüente delinear de estratégias, metodologiae ações diferenciais.

• Sobre a relação trabalho infantil-pobreza-educação

Isto posto, a proposta de uma hipótese-pergunta sobre se o reconhecimento dessas diferenças poderia ter também umimpacto, mesmo de maneira provisória, sobre a definição dos objetivos dos programas, em relação à escola e ao trabalho,suscitou um intercâmbio revestido de interesse particular e pos no cenário uma das tensões que aparecem com maior força entreos que abordam esta questão sob diferentes pontos de vista. Mesmo quando não se evidenciou claramente nas sistematizaçõesde cada programa, expressa-se também entre as organizações que participam deste projeto, como se verá mais adiante.

Para alguns autores, existem tendências claramente identificáveis em relação ao TI na América Latina e no mundo:

Um observa que “a infância deve estar reservada ao estudo e à brincadeira... que o trabalho infantil interfere com odesenvolvimento normal da criança e, portanto, deve ser eliminado. Assim, a meta é a progressiva erradicação do trabalhoinfantil”. Esta é a posição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), através de seu programa IPEC.

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Um segundo autor considera que o trabalho infantil, sob uma proteção e supervisão adequadas, é para as crianças umveículo de socialização, formação e auto-estima. Embora apóiem a proibição do trabalho perigoso, estimam que “os que devemtrabalhar deveriam ter o direito e o reconhecimento para o fazer”.

E um terceiro afirma que, “enquanto não mudem as condições sócio-econômicas que obrigam ao trabalho infantil, eledeve ser entendido como uma realidade a ser protegida para diminuir os riscos que esse trabalho implica”31.

Nas vozes de alguns dos participantes neste projeto, ver-se-ia a questão destas maneiras diferentes:

• “Parece-me que contamos com um consenso entre as organizações: o objetivo é a erradicação do trabalho infantil, empessoas menores de 14 ou 15 anos, mas reconhecemos que esse é um processo gradual, levando em conta a magnitudedo problema em cada país, razão pela qual, a nível muito geral, para chegar à erradicação, devemos passar pela diminuiçãoanual da taxa de participação dos menores de 14 ou 15 anos (de acordo com a Idade Mínima para Admissão ao Emprego- IMAE). Este processo deve ser muito mais acelerado nos casos dos trabalhos que representam maiores riscos e põem emperigo a vida das crianças (lixões, minas, servidão nos canaviais, etc.).

...Para os maiores de 15 anos, idade permitida, nossas ONGs estão promovendo o fim do trabalho em condições de perigoou exploração e oferecendo alternativas de capacitação para um emprego digno ou substituição de atividades por outras maisseguras, mas sempre priorizando a educação e o fim do trabalho até a maioridade, como a melhor opção para este grupo deadolescentes.”32

• “O enfoque com que a maioria das organizações trabalha é o dos convênios internacionais da OIT, que falam deerradicação ‘progressiva’ do trabalho infantil. Como diz Roxana, todas as organizações visam ao fim do trabalho perigosopara crianças e consideramos que é um processo gradual que, sobretudo no caso dos adolescentes, é mais complexo,porque eles já geram renda significativa, são considerados adultos e, além disso, geralmente já abandonaram a escola.Nesses casos, fala-se de deslocamento temporário para atividades não perigosas como alternativa para a erradicação.Paralelamente, realizam-se esforços de escolarização com estratégias diferentes das utilizadas para crianças menores.

• ...Em resumo, o fim do trabalho perigoso é a meta comum, mas nos adolescentes, pelas circunstâncias acima descritas,as estratégias são mais progressivas. O trabalho perigoso é proibido e, por isso, deve ser erradicado; no caso dos menores,

31. Venegas, Fernando. Los conceptos, estrategias y metodologías en relación con el Trabajo Infantil. Instituto Nacional de la Niñez y la Familia,2003, p. 8.32. Méndez, Roxana, Casa Esperanza, Panamá. Comentários ao texto inicial, 17 de fevereiro de 2006.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

‘erradicado’, para o DYA, significa ‘eliminado completamente’ e, para os adolescentes, ‘erradicado’ pode significar‘deslocamento temporário para atividades não perigosas’. Definitivamente, parece-me que o conceito é o mesmo e asestratégias são diferenciadas.”33

• “... é bom assinalar que, na América Latina, o trabalho infantil (‘perigoso ou não’) atenta contra o desenvolvimentointegral das crianças, atenta contra seu direito à educação, à recreação... Os dados sobre a vulnerabilidade de direitos dascrianças que trabalham são contundentes. O CESIP trabalha por um futuro sem trabalho infantil; evidentemente, asestratégias para enfrentar esta situação são complexas e devem ser graduais e também integrais, pois o problema não seráresolvido do dia para a noite. Com certeza há situações que não se pode tolerar nem um minuto mais e sobre as quais sedeve agir de imediato. O CESIP não matiza, nem re-propõe o objetivo geral de ‘diminuir e erradicar o trabalho infantil’;mas sim define e desenvolve estratégias específicas, considerando as diversas situações.”34

• “O trabalho infantil é uma estratégia de sobrevivência das famílias em condições de pobreza” e, por isso, “não trabalhamosa questão da erradicação e sim o acompanhamento dos e das jovens trabalhadores”35 (buscando alternativas que permitama vigência e o desfrute pleno da infância).

• “Requer-se uma redefinição e revalorização do trabalho como dignificação do trabalho humano, que permita diferenciá-lo da exploração infantil. Nós promovemos a participação das crianças trabalhadoras no trabalho. O problema é quemeninos, meninas e adolescentes estão cada vez mais trabalhando em condições indignas e de maneira prematura.”36

Temos uma postura que é um sonoro NÃO a todo tipo de trabalho infantil. Outras não são um SIM, são também um NÃO,mas inscrito em outra valoração das condições associadas ao TI, outra valoração do trabalho ligado à sobrevivência, outro sentidode complexidade e participação dos sujeitos nas alternativas de atuação sobre suas próprias soluções, outro sentido dos progra-mas de intervenção sobre a problemática. Parece, também, que a diferença está não nos princípios mas na realidade e na política,nas estratégias, nos tempos e na pressa por cortar pela raiz a problemática ou por observá-la no contexto, trabalhar múltiplasfrentes, provocar os próprios sujeitos a construírem alternativas, trabalhar justamente nas alternativas para a sobrevivência...

Estas posições - da literatura sobre o tema e dos programas - expressam compreensões e aproximações diferentes aaspectos, que é inevitável enunciar como tensões ou pontos críticos ainda não resolvidos, que merecem cenários de debate e

33. Guerrero, Maró, DYA, Equador. Comentários ao texto, 2 de março de 2006.34. Vásquez, Ana, CESIP, Peru. Comentários ao texto, 24 de fevereiro de 2006.35. Apresentação no Encontro de Antigua Guatemala, 2006.36. Ibid.

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estudos específicos, mesmo quando não seja este precisamente o objeto deste trabalho. É importante considerar que nemsempre se apresentam e delimitam de maneira tão marcada, tampouco são extremos de um plano que se possa ler de maneiradicotômica, em termos de “branco”-”preto”, de “bom”-”mau”; ao contrário, entre elas se produzem mesclas e combinaçõesque permitem evidenciar relações-tensão, expressão da complexidade da problemática e das propostas ou alternativas de atuação.

- O reconhecimento das contribuições do TI à sobrevivência familiar como direito à vida e a consideração de que é urgenteerradicá-lo, já que “as crianças que trabalham serão adultos em desvantagem no mundo do trabalho”, com o que o TIreproduz a pobreza.

- “Persistir na luta contra as causas da pobreza e não apenas contra seus sintomas”37 e tentar resolver a problemática dosMMA/J que possam ser atendidos com alguma rapidez.

- Direito à educação visto como escolarização e a educação como proposta que pode ser desenvolvida em espaços abertose na perspectiva de sua decisão e atuação como sujeitos sociais.

- O trabalho das crianças visto como um fato social que nega a vigência e a universalidade do “conceito moderno deinfância”38 e a infância como tempo reservado ao estudo e à brincadeira.

- Os MMA/J como beneficiários de ações e programas e como sujeitos, como cidadãos e como atores políticos.

- Atenção e erradicação do TI e atenção à problemática que produz o trabalho infantil de maneira simultânea, sem buscar“imediatismos” nem ignorar as questões de fundo.

b) Políticas: entre as legislações, os acordos e as práticas

Os trabalhos dos cinco países confirmam, em termos gerais, que os corpos normativos relacionados com a diminuição,erradicação e proteção foram sensíveis a essa complexa realidade do trabalho infantil, como se expressa nas reformas doscódigos da infância e do trabalho, nas convenções e leis de proteção, no aumento de regulamentos de controle e inspeçãotrabalhista, na ratificação dos convênios da OIT sobre piores formas de trabalho infantil e idade mínima de admissão aoemprego.

37. Cussianovich, in: Trabajo Infantil en Debate. Entrevista de Cecilia Álvarez, jornalista da equipe de rádio da APRODEH, s.f, p.4. In: http://www.aprodeh.org.pe.38. Ibid.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

Esse é o caso da Constituição Política que, em alguns países, inclui considerações específicas, como ocorre no Paraguai,onde “os menores de 14 anos não poderão ser ocupados em nenhum tipo de trabalho...”.

Existem também Códigos da Infância e da Adolescência (Equador), Código da Família e Código do Trabalho (Panamá),que permitem contar com instrumentos jurídicos para regular o trabalho, garantir os direitos e assegurar proteção dos MMA/JT.E a Lei de Proteção Integral da Infância e da Adolescência, na Guatemala.

No entanto, a presença desse grande número de meninos, meninas e adolescentes ou jovens trabalhadores e as condiçõesem que realizam seu trabalho não revela apenas debilidade na formação de políticas educacionais. Também evidencia a debilidadeno cumprimento das normas e convênios que se criam para uma questão, que é de número e proporção, de parâmetros paramedir a gravidade do problema como o tipo de trabalho, as condições em que se realiza e os riscos a que estão expostas ascrianças, como assinala a OIT. Deve-se acrescentar, e este é um assunto capital, que não basta isso.

Mesmo quando aparece um vazio muito grande nas considerações a respeito dos processos econômicos e políticos e,particularmente, diante da ausência de decisões e vontades para erradicar a pobreza e a desigualdade social, estes aspectos nãopodem ser desvinculados das análises das políticas que contribuem para evitar que tantos MMA/J se vejam obrigados a trabalhar.

Por outro lado, também se apresentam inconsistências em relação às políticas formuladas. É o caso do Paraguai, onde oCódigo do trabalho faz “uma discriminação explícita em relação ao trabalho doméstico... pois é o único caso para o qualestabelece uma jornada de 12 horas, com pagamento equivalente a 40% do salário mínimo vigente”. E há dispersão, como noPanamá, onde “a profusão de documentos de políticas e convênios pode gerar fragmentação e caos” e impede sua implementação:“A dispersão dificulta (a) aplicação (das políticas) por falta de clareza nas competências dos organismos de controle e onde há7,6% da população envolvida em TI, apesar das numerosas normas que controlam e impõem limites de idade”. Ou se observa aobsolescência das mesmas, como no caso da Guatemala.

Isto posto, nem sempre os programas implementados pelas ONGs participantes sentem-se respaldados pelas definiçõesde políticas públicas. Para o Equador, uma das problemáticas centrais, à qual se atribui um peso específico na caracterização daproblemática do TI, é “a carência de políticas públicas de prevenção, controle e proteção”. E no Paraguai “não existe políticageral nem política social específica nem oferta institucional diante do trabalho infantil”, mesmo quando se reconhece que “apromulgação do Código da Infância e da Adolescência, que protege e regula as condições do trabalho doméstico, legitimou aação da Global Infancia”.

Os acordos firmados pelos governos com instâncias internacionais, como a OIT, comprometem-se a realizar os melhoresesforços para eliminar o trabalho infantil e evitar que meninos e meninas realizem trabalhos em condições que ponham em risco

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sua vida e sua dignidade. De fato, em todos estes países ratificaram-se os Convênios 182 e 138 sobre “piores formas de trabalhoinfantil” e “idade mínima de admissão ao emprego”, que dão um quadro para a execução de ações ETI pelo Estado. Mas estesconvênios não são cumpridos e já se viu como os organismos nacionais tendem a descarregar toda sua responsabilidade edelegar a iniciativa aos organismos internacionais.

Ao contrário do que assinala Tokman com respeito aos países do Mercosul39, nem sempre se consegue uma harmonizaçãolegal entre as normas, nem se especificam os mecanismos de atuação requeridos, nem se cumprem os compromissos estabelecidosnos convênios.

O que é certo, e nisto se concordou no encontro realizado em Antigua Guatemala, é que não se consegue converter asnormas vigentes em vontade política e agenda de atuação: “A expedição de quadros legais e até a ratificação de convêniosinternacionais não asseguram que sejam aplicados”. Às vezes, parece que, com isso, “nem sequer o governo ou o Estado sesensibilizam diante do tema, não se dá o passo do discurso lírico para a política pública”, como afirma a Guatemala.

Vê-se com clareza a necessidade de avançar na formulação de planos e programas de ação que garantam a alocação derecursos e permitam articular esforços nos âmbitos local e nacional, mas também no plano regional, que comprometam osdiferentes atores, públicos e privados, numa tarefa que definitivamente não cabe a uma organização particular.

• Outras compreensões da política

Todos os trabalhos aqui resenhados mostram como o exercício da política não se reduz ao terreno da definição de normase leis no nível macro. Em cada lugar, com resultados como os já descritos, estas ONGs estão mostrando o que sua determinaçãoe sua força podem fazer para incidir em definições. Embora nem sempre consigam influenciar leis e jurisprudência, conseguemmobilizar vontades, quase sempre no nível local, para tomar decisões que se comprometem com o fim do TI, com a presença naescola, com atender e proteger a infância trabalhadora...

Estas decisões são tomadas em alguns casos pelos PMF, pelos próprios meninos, meninas e jovens, pelas comunida-des, pelas instituições, às vezes pelos governos locais. Não se delegam, se arriscam. Incluem também ações para se capaci-tar e trabalhar em ofícios que oferecem menos riscos, ou tempos menores, criar conjuntamente novas formas de produzirrendas, de contribuir com a vida de suas famílias e suas comunidades. São decisões individuais e coletivas, sobre suaprópria vida...

39. Tokman, Víctor E., sub-diretor geral da OIT. Trabajo Infantil en los países del Mercosur, 2002.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

... e a das populações, como ocorre com os grupos, organizações e instituições que, ao formar redes, decidem trabalharcoletivamente, conjugar programas e ações, com o propósito de conseguir os resultados esperados nas populações com as quaistrabalham.

Com isso, as ONGs tecem uma rede social, tomando a problemática do TI como eixo. Algumas montam toda sua propostasobre a construção de uma rede de instituições governamentais e não governamentais. É o caso da Global Infancia, no Paraguai.E o Panama conseguiu que empresários e instâncias de política pública se comprometessem ativamente com a proposta. NoEquador, tecem-se redes que envolvem comunidades e instituições, organizações governamentais e não governamentais, queestão atentas à problemática e prestam seus serviços ou programas de atenção a meninos, meninas e jovens trabalhadores.

Na prática, todos eles se convertem em atores decididos de política, como sujeitos que decidem e atuam, neste caso, emtorno ao trabalho infantil e à inserção de meninos, meninas e jovens na escola.

Em vários casos, é a partir de toda esta mobilização social de ordem local que se conseguiu incidir tanto nas políticasgovernamentais de ordem local como sensibilizar instâncias de âmbito nacional, como ministérios do Trabalho, do Bem-EstarSocial e da Educação, conseguindo que se trate do assunto e que ele seja incluído em suas respectivas agendas de trabalho.Experimenta-se, assim, não sem dificuldades e como produto de um esforço decidido, uma busca pela articulação de instânciasde ordem nacional, a partir de definições políticas nos espaços municipais e locais.

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V. CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO À PROBLEMÁTICA DO TI

Este documento é o resultado de um trabalho comprometido e sistemático de ONGs que, em vários países da AméricaLatina, realizam programas com o propósito de diminuir/erradicar o trabalho infantil e de proteger a infância trabalhadora.Requereu um esforço de cada um dos programas para converter sua prática em experiência e, desta maneira, colocá-la nocenário público. Como se viu, é muito frutífero o resultado de se desligar por um momento das exigências e urgências da práticapara se colocar num plano da produção de um saber sobre as mesmas e entrar assim em relação com outras formas de pensar eabordar o problema.

Em seguida, sintetizam-se as principais propostas e aprendizagens, a partir das experiências mas para além delas,especificamente com relação às contribuições da educação à problemática. Para sua melhor compreensão, é necessário con-siderar que, nesta aproximação, entende-se que as atuações das ONGs envolvidas são também educativas, que a educaçãonão se reduz aos processos de escolarização e que não há uma única maneira de fazer escola, nem historicamente nem naatualidade.

Por considerar que é o aspecto de maior importância, nos detemos no tema da eqüidade. A redução da pobreza edas desigualdades não foi prioridade nem para as sociedades nem para os governos. Mas não pode deixar de ser umaprioridade para aqueles que buscam alternativas à problemática do trabalho infantil, que, embora tenha uma relativaautonomia, como se mostra nos trabalhos descritos, não se pode ver à margem das condições sociais e econômicas dospovos.

No tema específico da política educacional, na América Latina os esforços têm-se orientado, já há mais de 30 anos, commuito poucas variações, à ampliação da cobertura, à melhoria da “qualidade” da educação e à “eficiência” do sistemaeducacional. A questão da eqüidade, embora apareça enunciada nos títulos de algumas formulações, ainda não foi abordada,apesar da imperiosa necessidade de o fazer, não apenas pela profunda segmentação dos sistemas educacionais na região,mas por sua pouca capacidade para tratar das problemáticas específicas da diversidade étnica, cultural e econômica daspopulações.

Atualmente, questiona-se se como um sistema com excelentes resultados, alta cobertura e grande eficiência pode recebero titulo da qualidade, quando está reproduzindo e agravando desigualdades, discriminações, exclusões. Alguns estudos começama propor com força o tema da qualidade associado ao da eqüidade, fala-se do binômio qualidade-eqüidade como algo inseparável.A eqüidade, no entanto, continua aparecendo em muitas propostas como um fator adicional ou um aspecto à margem, e nãocomo dimensão estrutural da qualidade.

Em todo caso, a presença de índices tão altos de menores de 18 anos que, além de trabalhar para sobreviver, não vão àescola, e as dificuldades que enfrentam para permanecer e obter bons resultados quando nela conseguem entrar, mostram as

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graves limitações das políticas, planos e programas de cobertura, e as profundas discriminações e exclusões produzidas pelopróprio sistema educacional.

Isso põe em questão os resultados das políticas de cobertura que, mesmo quando exibem um alto nível de alcance para oconjunto da população na região (existem estudos que mostram até índices superiores a 100%40, justificados pela matrícula depopulação que supera a idade considerada escolar), ocultam o que está ocorrendo com respeito a populações historicamenteexcluídas, como é o caso dos trabalhadores e trabalhadoras em idade escolar. Com exceção da consideração de sexo, outrasdimensões da discriminação continuam sem registro.

Por isso, uma das tarefas imediatas para adotar medidas que garantam a inclusão completa o mais rápido possível, érealizar uma “topografia” do perfil da exclusão educacional, um estudo do alcance da discriminação em educação, com aparticipação das populações envolvidas, encaminhado para assumir políticas e práticas para sua eliminação e um controle públi-co do cumprimento destas, como propõe Katarina Tomasevski41.

Por sorte, em diferentes lugares escutam-se cada vez mais vozes e se realizam esforços que vêem na educação,especificamente na educação dos mais pobres, um dos caminhos que temos de percorrer para contribuir à eliminação da exclusãoe da discriminação e ao melhoramento das condições de vida.

Esse é o caso das cinco ONGs que participaram deste estudo: os programas que realizam com as populaçõesdescritas, e que vivem nas mais duras condições de miséria, apontam todos para a inclusão, a permanência e a continuidadedos meninos, meninas e jovens trabalhadores na escola. Mas, além disso, apontam para a eliminação de um dos maisduros obstáculos à educação, o trabalho infantil, que, como assinala também Tomasevski, procede da própria definiçãodas políticas, posto que, quando essa definição afirma que a educação é um direito de todos e de todas, faz umageneralização que não resulta em eqüidade, porque “não define nenhuma preferência”, nem leva em conta que “osprogramas não são flexíveis nem se ajustam a populações com características específicas”, como no caso dos meninos emeninas trabalhadores42.

40. Muñoz Izquierdo, Carlos. “Indicadores del desarrollo educativo en América Latina y de su impacto en los niveles de vida de la población.” InÁlvarez Gutiérrez, J. (2003). En busca de la equidad educativa en América Latina (Resenha do livro: “Distintas escuelas, diferentes oportunidades. Los retos para la igualdad de oportunidades en Latinoamérica.”) Revista Electrónica de Investigación Educativa, 5 (1). Consultada a 17 defevereiro de 2006 em http://redie.uabc.mx/vol5no1/contenido-alvarez.html.

41. Tomasevsky, Catarina. El derecho a la educación en Colombia. Informe da relatora especial das Nações Unidas, sobre o direito à educação.Plataforma Colombiana de Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento, 2004, p. 23.

42. Op. cit., p. 24.

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É aqui, em relação a este assunto-chave da eqüidade, que reside um das maiores contribuições dos programas. Eles estãomostrando como constroem propostas educativas que levam em conta as condições e características de cada população.

- A construção de uma proposta pedagógica que incorpora as vivências, experiências e saberes das crianças e jovens quevivem no lixão43, a partir da perspectiva de formar sujeitos capazes de entender e transformar suas próprias condições devida, como faz a CAFNIMA, na Guatemala.

- A criação de condições que possibilitem uma “escola pública amiga e não ‘expulsora’”, especificamente no que serelaciona com a participação e a liderança das crianças e jovens na escola, como faz o CESIP, no Peru. Mesmo quando nãose apresenta no documento de sistematização respectivo, vale a pena uma aproximação a essas propostas feitas porcrianças e jovens em seus intercâmbios e encontros nas escolas e localidades, em relação com sua problemática e com aprópria marcha do programa.

- As formas de promover e proteger os direitos, particularmente o direito à educação, nas escolas, como tem sidotrabalhado também pelo CESIP, e os processos que se seguem para “desestimular”, através deles, o trabalhoinfantil.

- Os processos de “melhoria da qualidade educacional”, que levam em conta a perspectiva dos MMA/J trabalhadores,precisando como são pensados, em que consistem e como se deram, na experiência da Global Infancia, no Paraguai.

- A contribuição à melhoria das condições físicas e pedagógicas da escola e suas relações com os PMF, por parte do CentroCYA, do Equador, que permitiram ver como as mudanças mais elementares rompem com a desesperança e despertam ointeresse, a confiança e o compromisso das populações com a educação de seus filhos44.

Os trabalhos descritos nos capítulos anteriores sistematizaram o conjunto da prática, com ênfase no educativo. Nestequadro, e graças a eles, é possível identificar aspectos pontuais como estes que, sem dúvida, permitem extrair as melhores liçõesde cada experiência para serem levadas em conta e incorporadas na definição de políticas, nesta perspectiva de flexibilizar eajustar as propostas pedagógicas e educativas às condições específicas das populações.

43. “Quando são convidados, no lixão, para virem estudar, isso não os atrai porque pensam que se parece com a escola formal, onde o professor équem sabe e é ele que transmite os conhecimentos. Mas esta é uma proposta diferente, que parte da vida e dos interesses das crianças, comona educação popular de Paulo Freire... eles conhecem sua realidade e vêm aqui para aprender, voltar e transformar sua realidade,” diz oprofessor Carlos Paz, durante visita realizada em janeiro de 2006 à Casita Amarilla da CAFNIMA, na Guatemala.

44. Adicionalmente, para o Centro DYA, no Equador, “as mudanças mais evidentes deram-se nas condições das escolas, que por si mesmas melhoraramo clima escolar”.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

Cada uma dessas contribuições converte-se, sem dúvida, numa referência de trabalho que poderia ser levada em conta eincorporada em políticas, planos, programas e práticas dos sistemas educacionais e das escolas.

Outra das contribuições, já amplamente exposta, refere-se às particularidades de ações, processos e resultados, segundoaspectos como idade, sexo e cultura, com o que se atende à diversidade contida na noção “trabalho infantil” e se evitamnovamente generalizações que perpetuem discriminações e exclusões.

As experiências estão mostrando a importância da ampliação de vagas, da construção de escolas e da melhoria de suascondições físicas. Mas também estão dizendo que não basta isso para por em prática o direito à educação; além disso, mostramcaminhos, enfoques e propostas concretas que, infelizmente, ainda não estão sendo consideradas pelos Estados para garantir oexercício desse direito e sua capacidade de incidência na diminuição e erradicação do trabalho infantil.

Uma boa parte dos esforços realizados por esses programas dedicou-se a processos de consecução de vagas, bolsas,subsídios e incentivos a PMF, a implementar programas de nivelação e reforço escolar, os quais são de particular importância nãoapenas pelos resultados obtidos mas também pelos próprios processos, seus acertos e dificuldades.

Também se encontram contribuições para “bloquear desde o primeiro momento a inserção no mercado de trabalho”,através de propostas como os cuidados em creche para crianças, que é ao mesmo tempo uma forma de apoiar as mães trabalhadorase uma maneira de abordar a prevenção do trabalho infantil, como na experiência do lixão no Equador.

É importante precisar que os resultados obtidos só podem ser vistos em relação com o conjunto das atividades realizadaspor cada um dos programas: sensibilização das populações, das instituições e as instâncias políticas de cada lugar, esforços paragarantir o ingresso, a permanência e o bem-estar na escola, programas de nutrição, recreação e atividades relacionadas com osinteresses, segundo grupos de idade e sexo, deliberadamente orientados a aumentar a confiança, a auto-estima, a capacidadede defender seus próprios direitos.

Um aspecto que merece consideração especial, porque indiscutivelmente tem um papel decisivo com relação aos bonsresultados dos programas, relaciona-se com os diferentes mecanismos de apoio às famílias para garantir o acesso e a permanênciade seus filhos e filhas na escola, como bolsas, incentivos econômicos e materiais, programas de reforço escolar, entre outros.

Isso é particularmente verdadeiro quando se leva em conta que, mesmo não sendo o único fator associado, a pobreza temum papel decisivo na geração da problemática do trabalho infantil, uma problemática que não apenas não tende a diminuir, masque aumenta à medida em que se aprofundam e se ampliam os abismos entre países ricos e pobres e entre cidadãos ricos epobres em cada um de nossos países.

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A distribuição de renda na América Latina e no Caribe continua sendo profundamente desigual: 60% das famílias daregião recebe 30% das rendas totais; enquanto os 40% restantes recebem 70%. Isso repercute na distribuição social das opor-tunidades educacionais. A partir da educação média e, principalmente, no ensino superior, as oportunidades tendem a seconcentrar em 40% das famílias que recebem as rendas mais altas45.

A garantia do direito à educação deve ser vista no quadro do fortalecimento da proteção dos direitos econômicos e sociais. Anecessidade que tiveram essas ONGs de subsidiar as famílias com apoios econômicos ou materiais, para assumir os custos da “cestaescolar”, mostram os altos custos adicionais à matrícula, que continuam sendo responsabilidade dos PMF, se querem que seus filhostenham acesso à escola, com o que se põe em cheque as declarações sobre a “educação gratuita e obrigatória” na região.

Quase toda a ênfase da política educacional da região concentra-se na oportunidade de ingresso no primeiro grau e, em algunscasos, em garantir condições para completá-lo de maneira que seja possível continuar na escola. Mas falta muito para assegurar que osformados de um mesmo nível educacional tenham as mesmas opções sociais e econômicas que lhes permitam ampliar suas perspec-tivas de vida. Aqui é onde ficam a maioria dos pobres. Além disso, esse nível não existe na América Latina, como afirma Reimers46.

A esta altura, é preciso fazer uma distinção, que nem sempre está presente e que se revela como um dos aspectos decontrovérsia nos trabalhos sobre TI, apesar de as análises realizadas sobre a chamada “década perdida” já terem apontado oproblema. É preciso diferenciar entre o impacto da educação nas condições de vida dos pobres e seu impacto na própria pobrezae na desigualdade, como bem afirma Fernando Reimers: “A expansão educacional permitiu aumentar a escolaridade dos pobrese melhorar suas condições de vida, mas a própria falta de escolaridade é uma condição de exclusão”47. Mas não existem provasde que os sistemas educacionais contribuam para a mobilidade social e muito menos para diminuir a desigualdade social. Nocaso das pesquisas estadunidenses, “nada sugere que a educação possa resolver realmente desigualdades muito profundas semmudanças em outros setores da sociedade”48.

Desse ponto de vista, apresentam-se em seguida as análises realizadas com respeito aos sistemas educacionais, as escolase os professores, suas limitações e possíveis contribuições à problemática do TI, particularmente a partir da leitura das propostasfeitas durante o Segundo Encontro, realizado em Antigua Guatemala.

45. Muñoz Izquierdo, Op. cit.46. Reimers, Fernando. Educación, Pobreza y Desigualdad. Entrevista realizada por Cordero, G. Revista Electrónica de Investigación Educativa, 1999.47. Ibid.48. Orfield, Gary. “Política y equidad: lecciones de un tercio de siglo de reformas educacionales en los Estados Unidos”, in Reimers, Fernando

(Coord.) (2002). Distintas escuelas, diferentes oportunidades. Los retos para la igualdad de oportunidades en Latinoamérica. Madrid: La Mura-lla, p. 609, 2002. Revista Electrónica de Investigación Educativa, 5 (1). Consultada a 9 de março de 2006 em http://redie.uabc.mx/vol5no1contenido-alvarez.html.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

• Sobre os sistemas educacionais

No nível macro, predomina nas diversas zonas um nobre discurso e o abandono. Por um lado, os ministérios e os governosem geral subscrevem grandes declarações sobre a obrigatoriedade e o direito à educação, os direitos humanos, a “qualidade” ea “eficiência” do sistema. Por outro, não incorporam quase nada em suas políticas reais com respeito ao assunto, não definemações, não alocam responsabilidades nem orçamentos. Há exceções e tendências de mudança em determinados países, claro.

Nem sequer em aspectos elementares, como flexibilização dos períodos anuais de classes, horários de entrada e saída,pautas para ingresso e acolhida das crianças em idade extra-escolar, promoção de modalidades focalizadas, identificação eacompanhamento de situações que atentam contra a dignidade de crianças e jovens. Muito menos na flexibilização de currículose projetos educativos que levem em conta as problemáticas e condições específicas das populações. Não se pensa numa escolaque prepare para a vida, para o trabalho, para a cultura, que rompa com o modelo homogêneo e inflexível, que tem como únicameta a preparação para a universidade e a continuação dos estudos.

Não dão mostras de conhecer o assunto cabalmente e muito poucas vezes o relacionam com os fatores que são de seuinteresse, como idade extra-escolar, deserção e retenção; quando os identificam, terminam responsabilizando o TI por gerar essetipo de problemas, sem capacidade de relacioná-lo com problemáticas associadas aos modelos econômicos e sociais vigentes.

Em vários casos, o assunto está mais posicionado nos Ministérios do Trabalho ou do Bem-Estar Social - ou similares,segundo o país -, provavelmente devido à conexão direta e incidência de organizações como a OIT, o IPEC e a UNICEF, que semoveram mais na direção de definir aspectos relacionados com proibição do trabalho infantil, idades mínimas para admissão noemprego, programas de proteção da infância trabalhadora. Parece que os sistemas educacionais não desempenharam ainda umpapel transcendente nesta questão.

De qualquer maneira, é importante reconhecer que em alguns países formaram-se instâncias onde participam todos osministérios, inclusive o da Educação, em torno à infância e à juventude, e se promovem réplicas disso no nível local.

É mais nos níveis locais, municipais, que se pode encontrar um maior compromisso e onde é possível definir ações arespeito, inclusive alocação de recursos, dependendo muito do grau de aproximação com as populações e da sensibilidade oudas pressões que elas exercem.

No entanto, por fatores como a falta de autonomia, de capacidade de decisão e de recursos nestes níveis, as ONGscostumam optar pela via de um convênio geral, um acordo geral, uma espécie de carta branca da autoridade máxima para que,se não apóiam frontalmente, ao menos não se convertam num obstáculo e possam aderir gradualmente. Há em vários países

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propostas de incorporação do tema aos currículos, de capacitação de professores, de sensibilização da comunidade educacional,de elaboração de módulos, de modalidades focalizadas, para levá-las às instâncias locais através dos ministérios da Educação.

O problema que pode surgir nestes casos é que se está “delegando” para instâncias de ordem “superior” decisões quedeveriam estar em mãos das comunidades, apoiadas pelos governos.

Aqui entra em jogo a discussão sobre o papel do Estado e a importância da questão em relação à retórica sobre gratuidade,acesso e permanência na escola. Em termos gerais, observa-se a precariedade dos orçamentos alocados à educação e o abando-no em que se encontram muitas instituições escolares, pelo que algumas das ações das ONGs se orientaram para resolverdiretamente aspectos de infraestrutura, dotação e recursos.

• Sobre as escolas

As diferentes posições das ONGs frente às escolas são críticas e paradoxais: afirma-se que as escolas são “expulsoras” e nãolevam em conta as condições específicas das crianças trabalhadoras49; destaca-se que são o melhor cenário para identificar eacompanhar a população infantil trabalhadora e realizar ações dirigidas às comunidades e às próprias crianças (às vezes, claramen-te, “porque não há outra opção”); propõem-se como um lugar decisivo para a divulgação e promoção dos direitos humanos.

Por outro lado, os programas realizados conseguiram que, embora não em todos os casos, as escolas se vinculassem aos processosdos espaços mais locais: incorporam e acolhem MMA/J que trabalham com ritmos diferentes em seus espaços, conseguem que a escolaseja atraente e tenha relação com as expectativas e interesses das crianças, incorporam a questão ao PEI*, realizam atividades para garantirque reconheçam seus direitos, promovem modalidades mais abertas e alternativas, formas aceleradas, horários novos.

Nestes casos, a liderança de diretores ou reitores tem um papel central. Não foi resultado de políticas nacionais, nemexistem políticas locais ou institucionais explícitas, nem se desdobram de planos institucionais coletivos. Uma condição favorávelcostuma estar relacionada com a distância do centro, com um menor grau de dependência das ordens que vêm de cima, comuma incidência mais direta das populações e suas demandas.

49. A escola é “expulsora” pelos requisitos de ingresso, que impedem o acesso de MMA/J trabalhadores, devido à seletividade e estigmatização,custos, currículos padronizados, centrados no professor, sistemas rígidos de avaliação. Christian Aponte, no Encontro de Antigua Guatemala,em janeiro de 2006, explicou: “As escolas são seletivas e não sabem ou não desejam lidar com jovens trabalhadores, que estão na rua eadquirem cultura de rua; eles são rejeitados. São jovens maltratados, que para ser escutados gritam, respondem com a violência de que foramobjeto. A escola os expulsa. É preciso ter pedagogia especial E, em classes com mais de 50 alunos, a presença de jovens desafiantes torna-semuito difícil”.

*. PEI: Plan Educativo Institucional.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

Em alguns casos, estes diretores e docentes sensibilizados aliaram-se para estes fins com autoridades municipais e governoslocais. Constroem redes de escolas, conexões entre escolas e organizações comunitárias, entre escolas e universidades quecontribuem para pensar e atuar de outras maneiras e com maior potência frente à problemática.

Também nesses casos, muitas ONGs começam a mudar suas posturas, a partir de uma culpabilização aberta das escolas,de uma estratégia de persuasão, de encantamento gradual que, em vários casos, origina alianças e estratégias não pensadasinicialmente. Quando se produz uma aproximação direta, respeitosa e sensível à situação de professoras, professores e diretores,a escola aparece como uma aliada. Encontra-se uma grande receptividade à questão, compromisso, vontade de inovar, deestabelecer uma maior conexão com as populações, suas condições e expectativas.

• Sobre os professores

O mesmo ocorre nas referências aos professores. Neste caso em particular, afirma-se que não conhecem a temática do TI,que devem ser objeto de “capacitação”50, que é preciso que analisem e usem as estatísticas sobre TI-escola, que devem realizaro trabalho direto com os programas de atenção à problemática, prevenir e denunciar o TI. Menciona-se, também, que sãoavessos a certos compromissos, que seu papel é centrado no cumprimento de programas acadêmicos e que carecem de métodospedagógicos adequados... que há distâncias entre seus discursos e suas práticas.

É uma visão totalizante, que não reconhece diferenças, de caráter diagnóstico, construída sobre limitações e carências.Não há aproximação alguma à condição de sujeito do professor, não se pergunta por seus interesses, buscas e compromissos e,mesmo quando, em alguns casos, faz-se referência às precárias condições sociais e trabalhistas em que realizam sua ação, não seavança muito nisso.

Mas também aqui as ONGs reconhecem que, quando estão dispostos e se atuou mais “por convencimento”, os professoresse envolvem e se comprometem com os programas, abrem espaços para trabalhar sobre o TI, sobre os direitos, realizam progra-mas de reforço pedagógico, dispõem-se a construir outras pedagogias.

Este é um ponto particularmente crítico, porque os professores não têm sido vistos por muitas ONGs nem como sujeitosou atores sociais, nem como intelectuais. Sua aproximação tem sido de caráter instrumental e, por isso, é um dos assuntos querequerem um tratamento especial nos debates que ocorram sobre a questão.

50. O modelo de capacitação foi colocado em questão precisamente porque não reconhece o professor como sujeito, porque o considera “inca-paz”, porque não põre em jogo seus saberes, suas propostas, seus desejos. E, além disso, já se reconheceu suficientemente que este modelo,pelo menos na América Latina, não contribuiu para enriquecer a vida das escolas.

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Felizmente, existe na América Latina um movimento de professores e professoras que se encontram periodicamente paracompartilhar suas práticas e saberes, problematizam a escola, os saberes que ensinam, sua função social, sua relação com acultura. São profissionais da pedagogia, arriscam-se a romper com currículos e planos de estudo homogêneos onde suas vozesnão são escutadas nem as das populações com as quais trabalham, atrevem-se, inventam e experimentam outras formas de fazerescola. São intelectuais da pedagogia, trabalhadores da cultura, não se pensam a si mesmos como simples assalariados, sabemda dimensão profundamente política da pedagogia51.

Sem dúvida, aspectos aos quais se referem as ONGs, como currículos, materiais de aprendizagem ou pedagogias, requeremuma aproximação a esta compreensão dos professores como sujeitos52 .

Isto posto, são múltiplas e muito diversas as demandas que se fazem à escola e ao professor a partir do sistema educacio-nal e de fora dele. A pergunta novamente é até onde se pode chegar por essa via53.

Da educação, e em particular da escola, podem-se esperar algumas coisas, mas ela sozinha não pode resolver assuntosque requerem decisões do conjunto da sociedade e que comprometem os âmbitos locais, passando por cada um dos países e,sem dúvida, pelas definições de política internacional.

O Seminário Políticas Educativas e Eqüidade, realizado em Santiago do Chile em novembro de 2004, esclareceualguns pontos a respeito: “Fica cada vez mais claro que a escola, por si só, não pode resolver a desigualdade dos sistemaseducacionais e muito menos a desigualdade da sociedade. É urgente pensar a escola como parte de um sistema social eatuar com outros setores”54. Nas palavras de Patrick Bouveau: “A escola não pode fazer tudo por si mesma, mas pode maisdo que se pensa”55.

Por outro lado, já alguns estudos provaram as limitações da estratégia de incorporar a questão do trabalhoinfantil aos planos e programas existentes, para a execução das ações previstas pela política: “...em cada setor, a

51. Ver referências das diferentes redes, como a Rede de Transformação da Educação Básica a partir da Escola (TEBES), no México; a Rede IRES, daEspanha; a Rede DHIE da CTERA, da Argentina; a Rede RIE, do Brasil; a Rede CEE, da Colômbia, todas confluindo para a Rede Ibero-Americanade Coletivos Escolares e Redes de Professores, que faz pesquisa e inovação a partir da escola.

52. Esta questão do professor como sujeito de saber, de desejo e de política foi amplamente trabalhada pelo Grupo da Prática Pedagógica e pelasredes, e atualmente nutre a Expedição Pedagógica Nacional que se implementa na Colômbia.

53. Esta discussão é particularmente importante quando se considera que, em algumas análises, “a escola deve resolver o assunto da pobreza, elaé responsável”. Participação no Encontro em Antigua Guatemala, janeiro de 2006.

54. García Huidobro, Juan Eduardo. “Síntesis del Seminario”, in Políticas Educativas y Equidad. Reflexiones del Seminario Internacional, UniversidadeAlberto Hurtado, OREALC/UNESCO, Fundação Ford e UNICEF, 2004, p. 296.

55. Bouveau, Patrick. “La discriminación positiva en el mundo, ¿una utopía pedagógica?”, in Políticas Educativas y Equidad. Op. Cit., 2004, p. 52.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

questão é acrescentada como mais um componente e o plano se dilui na programação setorial, o que permite avançarna inserção da questão nos programas regulares, mas se perde a especificidade de ações requerida pela população decrianças e jovens trabalhadores. No final, observa-se uma soma de esforços isolados, que demonstra o sucesso damultisetorialidade, mas limita a intersetorialidade e, em conseqüência, o sucesso dos objetivos, pois as ações setoriaisou institucionais não são suficientes para ‘compensar’ as situações de iniqüidade em que se encontram as crianças eos jovens trabalhadores”56.

Vale a pena aprofundar esta via das alianças, do movimento social, da intersetorialidade, com capacidade paraconvocar e definir agendas e planos de trabalho, para traduzir em ações os enunciados de princípios em torno da proble-mática ampla, que, como se viu, não se reduz à questão das ações pontuais para erradicar o TI, ainda que de maneiragradual.

Em educação, vale a pena reiterar, um compromisso imediato é a mobilização em torno ao exercício do direito à educação,incluindo sua gratuidade, subsídios do custo da cesta educacional, flexibilização e adequação das propostas para todos osmeninos, meninas e jovens trabalhadores em idade escolar. Isto também inclui pensar e propor outras formas de fazer escola,capazes de reconhecer e propiciar, em seu trabalho educativo e pedagógico, as condições específicas de vida e as problemáticasque enfrentam as crianças e jovens, assim como uma aproximação às diferentes “infâncias” que existem nesta região latino-americana.

A luta contra o trabalho infantil é também a luta contra a pobreza e as políticas contra o trabalho infantil não podem estarseparadas, não podem deixar de a considerar. Nas palavras de uma participante, esta foi a conclusão do encontro: “Permanecendoas condições de pobreza das famílias, um bom número de crianças e jovens têm de voltar ao trabalho. Não há suficientesoportunidades e, diante disso, fizemos muito pouco. Daí a necessidade de sensibilizar as autoridades locais, daí a necessidade deque se torne política de Estado e de governo”57.

Como se viu, este trabalho aborda três aspectos. Em primeiro lugar, evidencia tudo o que puderam fazer cinco ONGsdedicadas e comprometidas com uma infância que, em meio a condições de extrema pobreza e de miséria, se viu obrigada atrabalhar. Os resultados, em termos do que cada uma delas se propôs fazer e dos processo através dos quais tanto meninas,meninos e jovens como suas famílias e comunidades constroem novas maneiras de se ver a si mesmos e experimentam outrosmodos de vida individuais e coletivos, convertem-se em referência de primeira ordem para pensar e construir propostas em tornoà problemática.

56. Observatorio sobre Infancia. Análisis de la política nacional frente al trabajo infantil en Colombia, 1995-2002, Universidade Nacional, 2003.57. Encontro de Antigua Guatemala, janeiro de 2006.

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Em segundo lugar, este trabalho expõe algumas das interrogações e pontos críticos resultantes das diferentes posturasimplicadas num campo que, sem dúvida, requer novos e mais amplos cenários para o encontro, o intercâmbio, a busca e ainvenção.

Por último, a sistematização propõe contribuições e responsabilidades específicas da educação, no entendimento de queesta é uma tarefa que requer um esforço intersetorial e decisões que comprometam o conjunto da sociedade. Daí a importânciade ampliar iniciativas como as redes e o trabalho entre instituições e organizações, que fortalecem a capacidade de decisão e deatuação local, chegando ao âmbito nacional, e se situam na perspectiva de construção de um tecido entre países da AméricaLatina, como o iniciado com este projeto patrocinado pela UNESCO.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

CAFNIMA. Sistematización del Programa de Educación Extraescolar Alternativa para Niñas, Niños y Jóvenes Trabajadores. CasitaAmarilla, Guatemala, 2005.

CENTRO DYA. Sistematización de los Modelos de Erradicación del Trabajo Infantil en las minas de oro de Bella Rica y en elbotadero de basura de Quito. Equador, 2005.

CASA ESPERANZA. Sistematización-Evaluación Programa de Atención Integral. Panamá, 2005.

GLOBAL INFANCIA. Criadas y trabajadoras domésticas infantiles en Paraguay: de la invisibilidad al reconocimiento de derechos.Reflexiones sobre la práctica educativa. Paraguai, 2005.

CESIP. Sistematización de la Experiencia de Actuación institucional del CESIP en la promoción del Derecho a la Educación deNiños, Niñas y Adolescentes que Trabajan. Peru, 2005.

DOCUMENTOS DE REFERÊNCIA

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ANEXO 1FORMATO MATRIZ INFORMAÇÃO CONTIDA EM SISTEMATIZAÇÃO EXPERIÊNCIAS CINCO PAÍSES

EQUADOR GUATEMALA PANAMÁ PARAGUAI PERU

INSTITUIÇÕES

Nome/Programas

Propósito institucional

DADOS SOBRE TRABALHO INFANTIL E JUVENIL EM CADA PAÍS

Trabalhadores e trabalhadoras

infantis e juvenis (TIJ)

Escolarização TIJ

Fatores que geram TIJ da

perspectiva das instituições

CONTEXTO POLÍTICAS E AÇÕES

Políticas

Programas erradicação/redução TIJ

PROGRAMAS

População atendida

Condições de trabalho da

população atendida

Fatores de intervenção para

reduzir/erradicar trabalho infantil58

Objetivos específicos

Metodologia general

Ação direta com TIJ

Ação com escolas

Ação com

família/comunidade

Ação sobre o organizativo

58. É preciso especificar em cada caso se as referências correspondem à compreensão geral dos fatores que comprometem a redução/erradicaçãodo TIJ ou se são os aspectos a abordar pelo programa específico.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

EQUADOR GUATEMALA PANAMÁ PARAGUAI PERU

RESULTADOS

Fim e prevenção do trabalho

infantil

Inserção nas escolas

Formação profissional e trabalho

alternativo para os jovens

Nutrição e saúde

Percepção de si mesmo e de seus

direitos/percepção do trabalho

infantil

Atitude frente à escola e

expectativa do futuro

Vínculo e comunicação com

famílias de origem

Infraestrutura e equipamento

das escolas

Formação de professores

Práticas nas escolas

No organizativo

Pais e mães (PMF)

Sobre atividades próprias do

programa

Produção de materiais

DIFICULDADES

APRENDIZAGENS

SUSTENTABILIDADE

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ANEXO 2FICHA SÍNTESE DO PROJETO

Título Novos papéis da escola para diminuir o trabalho infantil (ETI: Educação e Trabalho Infantil)

Contexto geral * Inserção em orientações de EPT-PRELAC: combate à pobreza, eqüidade, apoio a grupos

vulneráveis, educação básica, alternativas em gestão, cultura e novos sentidos. Direito.

* Projeto de fortalecimento a iniciativas existentes.

* Projeção de ampliação futura a outros países ou áreas.

* Coordenação com outras redes e programas do OREALC.

Propósito geral Fortalecer e difundir boas práticas sobre redução do TI, considerando as contribuições e as limitações

a partir da educação (sistema, instituição e gestão, docentes): adequação curricular, acompanhamento,

retenção e resultados, gestão e cultura institucional, relação com a família e com a comunidade.

Meta Contribuir - a partir das instâncias educativas - para a redução do trabalho infantil e para o

exercício do direito à educação.

Objetivo Desenvolver e posicionar novas estratégias educativas, que complementem programas sobre

trabalho infantil.

Resultados esperados 1. Valorização integral de programas e em especial de linhas educativas.

2. Estratégias e instrumentos educativos novos, aplicados em programas selecionados.

3. Experiência sistematizada e posicionada com diversos atores oficiais e da sociedade civil.

ONGs e países * DESENVOLVIMENTO E AUTOGESTÃO, DYA, Equador.

participantes * CAFNIMA, Guatemala.

* CASA ESPERANZA, Panamá.

* GLOBAL INFANCIA, Paraguai.

* CESIP, Peru.

Princípios-chave * Soma de esforços a processos em desenvolvimento.

* Coordenação com entidades envolvidas.

* Valorização alta de inter-aprendizagem entre pares.

* Valorização de aspectos comuns e particulares.

* Linhas de sistematização participativas.

Problemáticas de TI Diversas. Entre elas: trabalho em lixões, na rua, em diversos negócios, serviço doméstico,

trabalho em minas, etc.

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INFÁNCIA, TRABALHO E EDUCAÇÃO. Cinco Países, cinco programas

Beneficiários * Meninos e meninas e comunidades educativas.

* Programas e instâncias envolvidas em programas que promovem alternativas ao trabalho infantil.

Contrapartida * Programas alternativos ao trabalho infantil. ONGs, movimentos sociais, Igreja, Estado central

ou local.

* Comunidades educativas envolvidas.

* Instâncias locais de ministérios da Educação.

Conexões * Escritórios da UNESCO nos países.

* Relações com programas internacionais: OIT, UNICEF, etc.

Duração Um ano.

Fonte Projetos extra-orçamentários. “Capacity building for EFA”.

Os esforços aplicados na diminuição da pobreza eno rompimento das iniqüidades foram significativos emalguns setores e insuficientes em outros. Os resultados,de qualquer forma, ainda parecem distantes,principalmente para os países e setores mais pobres. Otrabalho infantil é uma expressão da exclusão e tendea se agravar em alcance, em idades, em atividadesperigosas. As seqüelas são visíveis na saúde, na segurança,na convivência familiar e no acesso, na permanência enos resultados educacionais.

O projeto “Novos papéis da educação para diminuiro trabalho infantil”, que é sistematizado neste documento,propões novas contribuições e papéis diante da questão,a partir do ângulo da educação. Sabemos que a escolanão resolverá tanta complexidade por si mesma, mascremos que, a partir dela, se pode contribuir muito comatores educacionais sensíveis à situação social do seuentorno e do país.

A sistematização recupera a prática e o sentido dasONGs que se somaram ao esforço: CAFNIMA, daGuatemala; CASA ESPERANZA, do Panamá; DYA, doEquador; CESIP, do Peru; y GLOBAL INFANCIA, do Paraguai.Sua experiência, estratégias, gestão e sucessos têm sinaiscomuns e particulares. Como tudo em nossa AméricaLatina, tão diferente e tão parecido.

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