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CIÊNCIAS DA NATUREZA E EDUCAÇÃO DO CAMPO: caminhos entrelaçados pela trajetória docente Néli Suzana Britto UFSC [email protected] Rejane Maria Ghisolfi da Silva UFSC [email protected] Resumo Este trabalho tem por propósito apresentar algumas reflexões e análises acerca do recente cruzamento de trajetórias docentes entre duas profissionais: uma professora de Biologia e outra de Química e suas interfaces com a formação acadêmica específica de cada uma e o desafio de co-ministrar a disciplina Ciclos Biogeoquímicos Produção da Vida no curso de Licenciatura Educação do Campo Áreas: Ciências da Natureza e Matemática, e Ciências Agrárias, na Universidade Federal de Santa Catarina. São analisados os desafios de articular e sintonizar diferentes campos de conhecimento na formação docente. Para isso inspira-se na abordagem qualitativa e nos três princípios metodológicos propostos por Rey (2002) para dar conta da singularidade, dinamicidade e abrangência do foco de estudo. Tal foco foi compreendido como processo de criação, num contexto intersubjetivo de múltiplas interações entre o grupo de docentes universitários e a proposta pedagógica do curso de licenciatura de Educação do Campo. A forma como os docentes tem desenvolvido suas atividades permite evidenciar as múltiplas possibilidades interativas entre os conhecimentos que compõe a matriz curricular do curso de Licenciatura no Campo. Tais possibilidades se configuram a partir das relações entre grupos humanos e meio ambiente/natureza, com a terra, cultura e o mundo do trabalho; do diálogo entre diferentes áreas de conhecimento dando conta das especificidades de cada campo sem perder a visão do todo. Educação no Campo, formação docente, Área de Ciências da Natureza

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CIÊNCIAS DA NATUREZA E EDUCAÇÃO DO CAMPO: caminhos entrelaçados pela

trajetória docente

Néli Suzana Britto

UFSC

[email protected]

Rejane Maria Ghisolfi da Silva

UFSC

[email protected]

Resumo

Este trabalho tem por propósito apresentar algumas reflexões e análises acerca do recente

cruzamento de trajetórias docentes entre duas profissionais: uma professora de Biologia e

outra de Química e suas interfaces com a formação acadêmica específica de cada uma e o

desafio de co-ministrar a disciplina Ciclos Biogeoquímicos – Produção da Vida no curso de

Licenciatura Educação do Campo – Áreas: Ciências da Natureza e Matemática, e Ciências

Agrárias, na Universidade Federal de Santa Catarina. São analisados os desafios de articular e

sintonizar diferentes campos de conhecimento na formação docente. Para isso inspira-se na

abordagem qualitativa e nos três princípios metodológicos propostos por Rey (2002) para dar

conta da singularidade, dinamicidade e abrangência do foco de estudo. Tal foco foi

compreendido como processo de criação, num contexto intersubjetivo de múltiplas interações

entre o grupo de docentes universitários e a proposta pedagógica do curso de licenciatura de

Educação do Campo. A forma como os docentes tem desenvolvido suas atividades permite

evidenciar as múltiplas possibilidades interativas entre os conhecimentos que compõe a matriz

curricular do curso de Licenciatura no Campo. Tais possibilidades se configuram a partir das

relações entre grupos humanos e meio ambiente/natureza, com a terra, cultura e o mundo do

trabalho; do diálogo entre diferentes áreas de conhecimento dando conta das especificidades

de cada campo sem perder a visão do todo.

Educação no Campo, formação docente, Área de Ciências da Natureza

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Introdução

Este trabalho tem por propósito apresentar algumas reflexões e análises acerca do

recente cruzamento de trajetórias docentes entre duas profissionais: uma professora de

Biologia e outra de Química e suas interfaces com a formação acadêmica específica de cada

uma e o desafio de co-ministrar a disciplina Ciclos Biogeoquímicos – Produção da Vida no

curso de Licenciatura Educação do Campo – Áreas: Ciências da Natureza e Matemática, e

Ciências Agrárias, na UFSC1. O que motivou a reflexão e análise das práticas de formação

das professoras foi o desafio de desenvolver uma prática pedagógica menos fragmentada,

capaz de romper com os limites entre os componentes curriculares sob a perspectiva de uma

visão mais unitária dos conhecimentos.

Os processos formativos tem suscitado inúmeras discussões e anseios de mudanças

nas quais se fazem presentes preocupações em buscar outras lógicas de organização do

conhecimento. Nessa discussão, está em pauta a integração dos diferentes campos de

conhecimento. “Não se trata de somá-los, mas de ligá-los, articulá-los e interpretá-los”.

(MORIN, 2007, p. 17). Nesse sentido, "a exigência interdisciplinar impõe a cada especialista

que transcenda sua própria especialidade, tomando consciência de seus próprios limites para

colher as contribuições das outras disciplinas". (GUSDORF, 1976, p.26). Como isso se aplica

de forma prática na formação de professor@s2? Como se faz isso exatamente?

As dificuldades logo se evidenciaram, inicialmente, ao discutir teoricamente e, depois, ao

organizar as ações formativas de forma integrada entre os diferentes campos de saber, visto que

usualmente os conhecimentos são abordados de forma desarticulada, ou seja, estudam-se os

fenômenos do meio real como fatos isolados. Esse quadro justifica uma reflexão sobre as

experiências de práticas que busca articular e relacionar os diferentes conhecimentos.

Nessa perspectiva, as questões interrogativas, os propósitos assumidos nos conduziram

a optar por uma abordagem qualitativa apoiada nos três princípios metodológicos propostos

por Rey (2002). O primeiro deles considera o conhecimento uma produção construtiva-

interpretativa. “A interpretação é um processo em que o pesquisador integra, reconstrói e

apresenta em construções interpretativas, diversos indicadores obtidos durante a pesquisa, os

quais não teriam nenhum sentido se fossem tomados de forma isolada, como constatação

1 Universidade federal de Santa Catarina 2 O símbolo @ é utilizado com artifício nas palavras que devem ser lidas o/a(s) no sentido de

evidenciar a importância de alterarmos a tendência sexista de manter todas as palavras no masculino,

mesmo em situações que o universo é majoritariamente feminino

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empírica”. (REY, 2002, p. 31). O outro é o caráter interativo do processo de produção do

conhecimento, que outorga “valor especial aos diálogos que nela se desenvolvem e nos quais

os sujeitos se envolvem e se comprometem” (REY, 2002, p. 34) com a produção dos

conhecimentos. E, por fim, a significação da singularidade como nível legítimo da produção

do conhecimento.

Tais princípios permitem dar conta da singularidade, dinamicidade e abrangência do

nosso foco de estudo, compreendido como processo de criação, num contexto intersubjetivo

de múltiplas interações entre o grupo de docentes universitários e a proposta pedagógica do

curso de licenciatura de Educação do Campo.

As reflexões neste trabalho foram construídas com base na prática educativa que vem

sendo realizada por nós professoras no âmbito do curso de Licenciatura do Campo, permeadas

pelas suas experiências ao longo de suas trajetórias docentes.

Uma é professora há 22 anos. Sua atuação como professora de Ensino de Ciências

(EC) teve início após seis meses de conclusão do curso de Biologia e licenciatura em Ciências

na UFRGS3 (Porto Alegre/RS), em 1988, na Rede Municipal de Ensino em Florianópolis

(RME) em uma escola que se localizava na praia da Armação, a uns dois quilômetros da

extensa Lagoa do Peri. Essa escola era constituída por um belo mosaico cultural - um grupo

de alun@s jovens vivazes, criativos, curiosos, e também professor@s, sujeitos oriundos de

diversos lugares e com diferentes histórias, integrando assim uma das comunidades do Sul da

Ilha. Um cenário que encantava, mas também requisitava outros conhecimentos de Ciências -

certamente não contemplados no livro didático disponível na escola, e que não eram

pertinentes à formação de uma bióloga.

Foi nesse cenário que se estabeleceu o desafio de exercer a docência num contexto de

confronto entre a formação em Biologia e inquietações pedagógicas que foram se constituindo

desde então, tais como: estar professora de 5ª a 8

ª séries e o significado de ensinar ciências;

uma escola pública e o exercício do diálogo coletivo; um processo de formação continuada na

RME – o Movimento de Reorientação Curricular (MRC) 4 e a atuação junto a outros

processos de formação continuada em outras redes pública de ensino; o olhar observador de

pesquisadora no mestrado e no doutorado e os cursos de licenciatura e Pedagogia; a docência

3 Universidade Federal do Rio Grande do Sul

4 A Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis (SME) - Gestão 93/96 (Administração

realizada pelo Governo da Frente Popular), teve como proposta para formação continuada de

professor@s da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (RME) um conjunto de ações chamado Movimento de Reorientação Curricular (MRC). Entre estas ações se tinha a realização de Seminários;

Grupos de Estudo e de Formação por área de conhecimentos; palestras; cursos; etc. (BRITTO, 2000).

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em disciplinas na formação inicial e na formação continuada de professor@s de Educação

Infantil e/ou dos Anos Iniciais e a coordenação do Projeto Gênero na Educação: Espaço para

diversidade, realizado através da ONG GENUS - Pesquisa, Assessoria e Estudos de Gênero5.

A outra é professora há 32 anos. Iniciou sua trajetória profissional na rede pública de

ensino atuando no ensino básico. E, como em quase toda tarefa a ser assumida, uma das

questões cruciais para a professora consistia em saber a que práticas deveria se reportar na

definição e organização das situações de ensino e aprendizagem de seus alun@s. Nesse

período, vivia-se sob o clima do pedagógico, este entendido como a tábua de salvação para os

problemas de ordem social. Com isso, as discussões que se faziam em relação à problemática

de ensino e aprendizagem eram postas em torno da questão do método. A saber, em relação à

metodologia, discutia-se qual seria o método mais adequado para a alfabetização, numa

concepção ritualística que situava @s professor@s como aquel@s que executam servilmente

práticas predefinidas por outr@s. Viveu um período cujo clima era de controle sobre as

escolas, principalmente sobre as que se localizavam na zona rural. O professor não tinha

liberdade de definir “o que e como” trabalhar os conteúdos de ensino, bem como não

elaborava as avaliações de seus alun@s.

Nesse período, as próprias tentativas que se faziam para incorporar professor@s nos

debates sobre o ensino mascaravam o tecnicismo e o centralismo na condução da educação

por parte dos órgãos públicos. Desse modo, os reflexos da racionalidade instrumental

transpareciam na uniformização de normas de agir e procedimentos que se configuravam em

treinamento de professor@s e objetivavam a perpetuação da cultura pela transmissão do

conhecimento.

Com a formação em Ciências/Química outras inquietações suscitaram discussões,

entre elas a preocupação em romper com o “mito de um método todo poderoso,

universalmente fecundo, especial, mecânico, perene a que os cientistas recorrem para chegar à

verdade; mito de um método que pretende fazer dos alunos pequenos cientistas”. (SANTOS,

1991, p. 32). Essa preocupação desafiou a professora a descobrir novos caminhos. Tais

caminhos levaram a organização de grupos de estudo que possibilitou o trabalho coletivo e

oportunizou a criação de espaços de discussão e proposição de projetos que configuravam

outro olhar sobre o ensino de Ciências.

Uma longa caminhada foi sendo tecida pelas professoras numa trama de outras

tantas inquietações reveladoras e problematizadoras da prática pedagógica e da importância

5 Maiores informações sobre esta ONG e seus projetos, acesse www.genus.org.br

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de se estabelecer diálogos entre os espaços de formação inicial e continuada favorecendo a

localização de alguns indicativos que levam a reflexão, o debate e a ação do/no cotidiano

educativo, por exemplo: Como planejar e implementar com mais solidez novas propostas?

Onde e como buscar apoio para as demandas contemporâneas? Como envolver outros pares

nas inquietações e nos novos encaminhamentos acerca das desigualdades de classe, gênero e

étnicas?

As trajetórias se cruzam...

O exercício da docência no curso de Licenciatura em Educação do Campo tem

exigido uma dedicação bastante intensiva por parte do coletivo de educador@s nas atividades

de ensino e pesquisa, pois se trata de um curso novo na UFSC, o que remete a um processo

contínuo de avaliação para ajustes e consolidação de seu Projeto Político Pedagógico e matriz

curricular6.

Sob uma organização curricular de alternância, o curso tem uma dinâmica singular,

o que exige predominantemente estudos concentrados num período, e viagens de campo e

atitude investigativa no outro. Suas atividades - científico-acadêmicas e de cunho didático-

pedagógico - são debatidas pelo coletivo de professor@s envolvidos com o curso e o conjunto

dos componentes curriculares7 referentes à organização curricular do mesmo. O planejamento

coletivo é uma prática presente no cotidiano educativo do curso, que vem procurando manter-

se coerente com a proposta curricular definida em seu Projeto Político Pedagógico. O grupo

de professor@s reúne-se periodicamente para planejar, acompanhar e avaliar

sistematicamente todas as atividades desenvolvidas, pois há o entendimento que essa é uma

das formas para transpor da organização do conhecimento por disciplinas para outra forma

organizada por áreas e, necessita, pelo caráter inovador da proposta, de discussões e o

desenvolvimento de um trabalho sistemático, coletivo, instituído por meio da criação de

“equipe docente” que acompanhe, avalie e realimente a implantação do curso.

6 A organização curricular está sob os princípios da pedagogia da alternância, que se estrutura

alternando Tempos Universidades - aulas presenciais e em tempo integral, concentradas no campus

universitário-, e Tempos Comunidades – período em que @s educand@s realizam pesquisa empírica e atividades de campo, preferencialmente nos municípios de origem, acompanhados e orientados por

professor@s. 7 A matriz curricular do curso está organizada em três módulos que ultrapassam um semestre letivo

constituído pelos componentes curriculares - assim denominados, pois não se restringem a um único campo disciplinar, por exemplo: Ciclos Biogeoquímicos I envolve o planejamento e a atuação

compartilhada das professoras de Química e Biologia.

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O curso de Licenciatura em Educação do Campo desenvolvido na UFSC se integra

às ações articuladas pelo Instituto de Educação do Campo - FOCEC (Fórum Catarinense de

Educação no Campo), Observatório; Programa Escola Ativa; Programa Pro – jovem/ Saberes

da Terra; PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária)-, as quais

envolvem os Departamentos de Metodologia Ensino e de Estudos Especializados no Centro

de Ciências da Educação e visam à melhoria da Educação Básica e superação de um processo

de desvantagem educacional que tem demarcado a trajetória escolar das populações do

campo. Diante desse cenário contemporâneo, onde a grande maioria das crianças e jovens é

excluída do acesso aos bens produzidos, e instituições educativas que ainda ensinam

conteúdos marcados por uma visão de homem masculino, heterossexual, branco, europeu e

bem sucedido economicamente, os desafios emergem e são imensos, principalmente no

âmbito dos cursos de formação de professor@s e suas interfaces com as temáticas atuais.

Nessa direção, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do

Campo (2001) contemplam e refletem um conjunto de preocupações conceituais e estruturais

presentes historicamente nas reivindicações dos movimentos sociais. Entre elas, podemos

citar o reconhecimento e valorização da diversidade dos povos do campo, a formação

diferenciada de professor@s, a possibilidade de diferentes formas de organização da escola, a

adequação dos conteúdos às peculiaridades locais, o uso de práticas pedagógicas

contextualizadas, a gestão democrática, a consideração dos tempos pedagógicos

diferenciados, a promoção, através da escola, do desenvolvimento sustentável e do acesso aos

bens econômicos, sociais e culturais.

Ao mesmo tempo, ainda é comum o ponto de partida do exercício docente tendo

como orientação para o planejamento de ensino o programa de conteúdos do livro didático de

Ensino de Ciências (ou de Química ou de Biologia) disponível na biblioteca da escola, o que

pode ser tomado de um modo automatizado ou gerador de certa inquietude e muitas

interrogações, quando é percebido que tal encaminhamento desconsidera o contexto e entorno

da escola, por exemplo, quando está localizada numa região litorânea ou no campo repleta de

paisagens representativas de uma riquíssima bio e sócio diversidade, que exige conhecimentos

para além do livro didático e suas explicações pontuais de conteúdos fragmentados.

Evidenciando-se uma constante e polêmica questão das discussões realizadas pel@s

professor@s de ECN (Ensino de Ciências da Natureza), principalmente em processos de

formação inicial e continuada sobre o que ensinar em Ciências. Principalmente nas práticas

pedagógicas em que os conteúdos de Ciências são trabalhados e ensinados de maneira

bastante fragmentada e desvinculada da realidade, nas diferentes séries, distribuídos ou talvez

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reduzidos a quatro blocos: o corpo humano; os seres vivos (centrados em sua classificação,

importância e utilização, reprodução); os seres não vivos (restrito a alguns aspectos sobre ar;

água; solo; sol); meio ambiente (recursos da natureza; poluição). Pois essa abordagem de tais

conteúdos está longe de uma aproximação efetiva sobre as demandas do contexto em que @s

alun@s estão inserid@s, à medida que a escola mantém-se sob uma perspectiva tradicional8

de currículo, mesmo aquel@s professor@s que procuram modificar sua prática docente ainda

encontram muitas dificuldades para lidar com o cotidiano educativo contemporâneo.

Entretanto, caso esse modelo de ensino, seus conteúdos e atividades sejam objeto de

insatisfação partilhada e provocador de “inquietações pedagógicas” em muit@s ou pouc@s

professor@s, há possibilidades que se estabeleça uma trama de cumplicidade em torno do

desejo por uma escola que, de alguma forma, contribua com a melhoria da qualidade de vida

de tod@s. E desse modo seja percebida a necessidade da criação de um espaço para estudos

sobre as práticas de ensinar, diferentemente de cursos pontuais (definidos por assuntos ou por

uma listagem linear de conteúdos), desarticulados do universo curricular em que se inscreve

de fato, qual seja, as práticas educativas das escolas públicas.

Uma condição que pode vir a resultar no desenvolvimento de novas práticas

pedagógicas produzidas no âmbito do planejamento didático compartilhado e da atuação nas

aulas, por meio de atividades mobilizadoras de uma nova relação d@s alun@s e professor@s

com o conhecimento das disciplinas. Em meio a esse exercício de diálogo coletivo sobre o

processo de ensino, o grupo de professor@s da escola pode partilhar um modo mais complexo

de observação e de explicação sobre o modelo de organização dos conteúdos.

O que promove a conscientização da importância de definir critérios para seleção dos

conhecimentos, recursos, estratégias e atividades trabalhadas para possibilitar aos alun@s a

percepção crítica da realidade, assim como minimizar o distanciamento, a fragmentação e a

desarticulação dos conhecimentos escolares. Outros aspectos bastante específicos à

organização curricular e que podem ser considerados: hierarquização dos saberes e

consequentemente das áreas disciplinares; dificuldades na realização de um planejamento

coletivo; aspectos referentes aos sujeitos e as limitações da formação inicial d@s

profissionais; e, ainda, um forte questionamento sobre o porquê da busca e do desejo de

soluções por parte de alguns d@s profissionais, em contraposição ao descompromisso de

outr@s.

8 Segundo José Pacheco (2005), refere-se à organização curricular entre espaço/tempo/ conhecimento

que se mantem de modo linear, fragmentada e repetitiva, na qual o conhecimento escolar privilegia a estrutura das disciplinas e secundariza os saberes ligados aos sentidos político, social e moral da ação

humana.

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Ademais, temos que considerar as denúncias dos movimentos sociais em relação as

desigualdades sócio-econômicas tanto dos sujeitos da cidade como do campo e o

silenciamento secular de muitos segmentos da sociedade. Nesse bojo se insere o movimento

social pela Reforma Agrária que denuncia as desigualdades presentes nas relações com o

campo provenientes da concentração de renda e de terras por pouc@s e a exploração de

muit@s trabalhador@s.

No que se refere à relação entre o ECN e esses movimentos de reorganização

curricular, constata-se a participação expressiva de educador@s/pesquisador@s das

universidades brasileiras no campo de estudos da Educação em Ciências que referenciaram e

assessoraram esses processos, principalmente aquel@s atuantes nas disciplinas dos cursos de

formação inicial de professor@s, da pós-graduação em educação e formação continuada.

Foram importantes as colaborações daquel@s que realizavam seus estudos pautados nas

categorias: dialogicidade, problematização, contradição e interdisciplinaridade como

orientadoras das reflexões/ações na prática educativa desenvolvidas na interface entre as

teorias freireanas, currículo e Ensino de Ciências.

Assim, tais estudos estimulam processos de reflexão e reorganização curricular nos

cursos de formação inicial de professor@s, e também de formação continuada de educador@s

caracterizado como espaço contínuo de reflexão e de estudo acerca das práticas educativas

cotidianas, permitindo assim que os educador@s pudessem repensá-las. E, ao mesmo tempo,

permitem reafirmar a prática educativa “transformadora” de muitos professor@s, em foco os

de ECN, visando à possibilidade de superação das práticas educativas tradicionais e

conservadoras, à medida que esses movimentos de reorganização curricular reforçaram a

vontade de mudança latente que já havia por parte de muit@s profissionais, havendo, assim,

ressonância de algo já existente, por conta da singularidade das diferentes trajetórias docentes.

(BRITTO, 2010).

A construção coletiva de uma prática educativa

Num processo de construção e desenvolvimento de uma prática dialógica, a nossa

prática educativa foi desenvolvida no âmbito do componente curricular Ciclos

Biogeoquímicos da Produção da Vida I e II no curso de Licenciatura Educação do Campo,

utilizando os espaços de reunião e encontros informais presenciais e a distância (internet). A

construção dos programas e planos de ensino foi de forma colaborativa e reflexiva.

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Inicialmente, traçou-se um cronograma de reuniões/encontros entre os professor@s com o

intuito de “submergir em uma dada realidade, conhecê-la para poder transformá-la”.

(FREIRE, 1987). Desse modo, para desencadear o processo de produção expomos as nossas

experiências e passamos a pensar em um projeto de formação como interface da ação,

mudança e intervenção no campo.

Nessa perspectiva, delineamos algumas proposições para a elaboração dos planos

curriculares. Entre elas podemos citar a necessidade de diálogo entre as diferentes áreas de

conhecimento buscando superar a visão fragmentada dos tradicionais currículos de formação

docente; a seleção de temas integradores e/ou articuladores de conceitos referentes ao módulo

I - Ecossistemas9; a pesquisa como princípio educativo; a relação teoria/prática.

Sob tais reflexões esboçamos e propomos as seguintes orientações para o planejamento

desses componentes curriculares tendo como finalidades: formar professor@s

comprometid@s com a realidade de seu tempo a fim de atuarem em prol de uma educação no

campo mais consciente, justa e democrática, valendo-se de um corpo de conhecimentos dos

fenômenos químicos, físicos e biológicos do mundo vivido dos alun@s.

Através do estudo de elementos constituidores do nosso Planeta (meio ambiente): terra,

água, ar, luz e as diferentes formas de vida (diversidade biológica). A teia de relações

complexas entre os organismos e os fenômenos da natureza, sob os efeitos dos múltiplos

fatores como a sócio-biodiversidade, as regularidades/ transformações e a produção de

energia. A ação humana “cuidadora” e/ou devastadora do/no equilíbrio dinâmico dos recursos

naturais e os diversos ecossistemas.

Tendo como conhecimentos-chave: ecossistemas; ciclos; espécie humana; energia;

evolução; reprodução; reciclagem; natureza/ sociedade; através de temas aglutinadores

como: O planeta Terra e a sócio-biodiversidade; Os processos cíclicos da/na vida; A

reciclagem dos recursos naturais. E a indicação de desdobramento nos Conteúdos

pedagógico-escolares: origens e evolução das espécies vivas; a espécie humana; os

fenômenos naturais; ciclos: oxigênio, água, nitrogênio, fósforo, enxofre, carbono; ciclos e

funções vitais dos organismos; sucessão vegetal; cadeia alimentar...

A realização de momentos de estudo e reflexão propiciaram a compreensão de que o

currículo não se restringe ao programa de conteúdos, mas é algo que está implicado em

relações de poder, classe, gênero e raça, vinculado à organização da sociedade e da educação.

9 A matriz curricular está organizada por três módulos: Ecossistemas – 1ª. e 2ª. fases – se estabelece

pela relação homem/trabalho/meio ambiente; Fundamentos da Ciência -3ª. a 6ª. fases – relações com

os saberes e os processos de sustentabilidade; e Agroecologia – 7ª. e 8ª. fases.

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Sendo compromisso dos processos de formação inicial e continuada garantir a articulação de

muitas ações que vão se tramando e cercando as necessidades do cotidiano escolar para

possibilitar a urgente qualificação social das escolas públicas da cidade e do campo.

Sob esta perspectiva, se evidenciou o quanto devem ser ampliadas e priorizadas as

discussões sobre o ECN em espaços de interlocução coletiva, possibilitando aos professor@s

a atualização sobre os novos conhecimentos científicos e tecnológicos para que se possam

selecionar os conhecimentos necessários e adequados à realidade vivenciada pel@s alun@s.

Mostrou ser imprescindível refletir sobre o papel d@s professor@s no ECN, no sentido de

evidenciar o compromisso que ess@s tem ao ensinar e favorecer à apropriação do

conhecimento historicamente e culturalmente elaborado e a compreensão da realidade que os

cerca, assim como explicitar a dinamicidade e a historicidade das práticas sociais que

compõem a realidade e que, evidentemente, perpassa o ECN.

É importante condicionar essas reflexões à clareza de uma concepção de Ciência,

compreendida como uma atividade humana, ou seja, social, histórica e cultural, que não é

neutra nem linear e é produzida a partir da interação entre sujeito e realidade social,

contrapondo-se a visão mecanicista da Ciência.

O percurso trilhado foi reafirmando a importância da formação de professor@s que

favoreçam a construção de subsídios que situem e fundamentem uma prática no ECN que

permita a apropriação de conhecimentos científicos e tecnológicos significativos aos alun@s,

ou seja, que el@s possam analisar e compreender melhor a relação

homem/natureza/sociedade e a ocorrência de fenômenos nos diferentes ambientes. Tal

formação permite outro posicionamento diante dos aspectos sócio-político-econômicos que

envolvem as questões ambientais, étnicas, saúde/doença, gênero/sexualidade, etc.

Sob esta condição, as demandas contemporâneas requerem um ECN

[...] que rompa com a visão limitada de um corpo humano e passe a trabalhar

com a espécie humana como um ser vivo que se diferencia dos outros

animais pelo polegar opositor nas mãos, posição ereta, pensamento e

linguagem específica que lhe possibilita uma inserção diferenciada sobre a natureza, mas ao mesmo tempo não lhe cabe o lugar do topo da escala

evolutiva. Nossa espécie realiza atividades sociais, culturais, políticas e

históricas produzindo conhecimento que permitem interpretar e agir sobre a realidade, neste sentido temos que ultrapassar a visão biológica do corpo

humano, percebendo as diferentes dimensões relacionadas à espécie humana

como as relações de gênero e outros aspectos da sexualidade, as relações de poder e classes que influenciam nas possibilidades ou não de escolha e uso

da capacidade de pensar e se comunicar, as diferenças raciais e de etnias

acentuadas e/ou mascaradas pelos preconceitos. (BRITTO, 2004, p.3)

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Dessa maneira nosso exercício da docência foi se consolidando, à medida que se

agregaram outras reflexões sobre a atuação no ensino superior em cursos de licenciaturas e

Pedagogia. As ações e reflexões sobre tais experiências foram desencadeadoras do interesse

em pesquisar e contribuir com a ampliação dos estudos sobre a formação e o exercício da

docência, e também os desafios à prática educativa comprometida com a democratização do

acesso à produção cultural, científica e tecnológica; bem como a contestação às desigualdades

sociais. O entrecruzamento da atuação, investigação e ampliação de estudos no âmbito da

formação inicial e continuada na área de ECN: Biologia e Química foi evidenciando alguns

princípios e, consequentemente, apontando os múltiplos espaços que se entrelaçavam na

tessitura de um determinado lugar como profissional da educação e suas possibilidades de

ampliação da prática docente.

As oportunidades de ocupar diferentes espaços favoreceram a troca de idéias e

muitos diálogos que foram traçando novas parcerias e cumplicidades referentes ao significado

do exercício docente e da ação educativa, assim como permitiram aproximações com

referenciais teóricos provocativos e mobilizadores de uma re-significação da prática

educativa. .

A aproximação vinculada à área de conhecimento específica de formação e atuação -

ECN: Biologia e Química - e seus desdobramentos levou a estudos sobre a abordagem

metodológica; a seleção de conteúdos e sua relação com a atualização sobre os novos

conhecimentos científicos e tecnológicos; o papel d@s professor@s no ECN diante do desafio

de ensinar e favorecer a apropriação do conhecimento historicamente e culturalmente

elaborado, assim como sua vinculação à compreensão da realidade pelos alun@s. De acordo

com uma concepção de Ciência, compreendida como atividade humana imbricada pelas ações

culturais, por conseguinte indissociável dos aspectos sociais, econômicos e políticos que

interagem na relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade.

O olhar diferenciado sobre a área de conhecimentos das Ciências da Natureza é uma

das alavancas iniciais para o distanciamento e reflexão sobre alguns traços marcantes na

formação nessa área. Segundo Sandra Selles (2008), os primeiros cursos na área biológica

foram pautados por uma concepção idealizada de ação docente sob o modelo de

racionalidade técnica que ordenava a seleção de conteúdos e a prática pedagógica nas

disciplinas científicas, numa sociedade em processo de industrialização – realidade brasileira

da década de 1930 – quando foram institucionalizados os cursos de licenciatura / formação de

professor@s. A autora salienta o quanto foram intensas essas marcas ao afirmar que

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Tamanho mergulho na vivência de aprendizado científico e nessa esfera

cultural não vai passar incólume no estabelecimento de um referencial de

professor e, em particular de professor de Biologia, que estava se formando e deixará marcas que afetarão não apenas sua prática quanto os próprios rumos

da disciplina escolar. A organização primeira de nossas licenciaturas

atreladas ao bacharelado foi um legado que atravessou o século XX e do

qual não conseguimos ainda hoje nos autonomizar, seja por razões epistemológicas, seja por razões políticas. (SELLES, 2008, p. 599).

Destaca-se sobre a formação docente a importância desses espaços como

facilitadores de interlocução coletiva, nos quais as discussões sobre o Ensino de Ciências são

ampliadas e priorizadas, possibilitando aos professor@s elencar e debater sobre os

conhecimentos necessários e pertinentes à realidade vivenciada pel@s alun@s. A busca de

referenciais sobre formação de professor@s e a diferenciação conceitual dos processos de

formação inicial e continuada, levou a uma melhor compreensão da relação desses processos

com a formação de professor@s transformador@s e a realização de uma prática educativa

reflexiva, a medida que ocorre o reconhecimento pel@s professor@s de que são sujeitos que

integram e fazem o cotidiano escolar. O exercício docente se qualifica quando el@s se

reconhecem como profissionais reflexivos, criativos e transformadores da ação pedagógica,

sendo isto um modo diferenciado e comprometido para lidar com a realização do processo

educativo, implicando em outras possibilidades de análise de práticas reflexivas movidas pelo

Desejo de superar a relação linear entre o conhecimento científico-técnico e

a prática na sala de aula. Dito de outro modo: parte-se da análise das práticas dos professores quando enfrentam problemas complexos da vida escolar,

para a compreensão do modo como utilizam o conhecimento científico,

como resolvem situações incertas e desconhecidas, como elaboram e

modificam rotinas, como experimentam hipóteses de trabalho, como utilizam técnicas e instrumentos conhecidos e como recriam estratégias e

inventam procedimentos e recursos. (GÓMEZ, 1995, p.102).

Os estudos sobre as questões apresentadas acima foram revelando o seu

imbricamento com outras mais amplas e complexas que os debates restritos e produzidos

especificamente sobre a área de conhecimentos Ensino de Ciências. Ao considerar a trama de

disciplinas que constituem a estrutura curricular prescrita, assim como a trama de ações

praticadas pelos inúmeros sujeitos integrantes do/no cotidiano escolar. Sendo que esse

contexto da escola foi se materializando de diferentes maneiras ao longo dos tempos, assim

como os campos de estudos da educação, da didática, do currículo e das ciências foram sendo

produzidos e também se re-configurando ao longo da história.

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Finalizando as reflexões... Delineando caminhos...

A caminhada realizada exigiu a busca de referenciais teóricos que propiciassem

sistematização e reflexões sobre o significado da elaboração e implementação de propostas

curriculares, em especial quando essas ocorrem no âmbito das Redes Públicas de Ensino.

Desafios foram surgindo e exigindo respostas que viessem ao encontro das demandas que se

apresentava à medida que se estreitavam contatos com novos grupos de professor@s, que

traziam muitas dúvidas e, ao mesmo tempo, pouca visibilidade do que efetivamente

significava traduzir em ações um currículo sob uma perspectiva reflexiva e inovadora nos

ambientes educacionais.

A atuação docente em cursos de licenciaturas e de Pedagogia estabeleceu alguns

parâmetros que sugerem a importância de diálogos entre os espaços de formação inicial e de

formação continuada. Tudo isto favoreceu a localização de alguns indicativos que

intensificaram a reflexão, o debate e a ação do/no cotidiano educativo e suas necessidades

reveladoras e problematizadoras da prática pedagógica realizada nos cursos de formação de

professor@s, particularmente na licenciatura de Educação do Campo

A docência e o estabelecimento de diálogos entre os diferentes espaços de formação

mobilizaram outras tantas inquietações sobre a prática educativa para além da especificidade

de ensinar conteúdos escolares de Ciências da Natureza, remetendo à importância de

investigar e refletir sobre o lugar ocupado pela prática pedagógica nas disciplinas que

abordam o ECN nos currículos dos cursos de formação de professor@s.

Nesse contexto, como formadoras de professor@s para escolas do/no campo, do

curso de Licenciatura. Educação do Campo - habilitação nas áreas de Ciências Natureza e

Matemática, e Ciências Agrárias - temos como preocupação constante e central, a construção

de um projeto formativo que supere a compreensão generalista, na qual predomina uma visão

única e fragmentada de conhecimentos, de pensamento, de verdade e de ciência. Tal

preocupação se manifesta no sentido de encontrar, tanto no plano epistemológico como

metodológico, modelos e formas de organização dos conhecimentos químicos, biológicos e

matemáticos mais adequados para uma formação que permita aos futuros professor@s uma

visão globalizada do conhecimento. Na verdade, “trata-se de um gigantesco, mas

indispensável esforço que muitos pesquisadores realizam para superar o estatuto de fixidez

das disciplinas e para fazê-las convergir pelo estabelecimento de elos e de pontes entre os

problemas que elas colocam”. (JAPIASSU, 1976, p.52).

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Focalizar a área de Ciências da Natureza foi proveniente de observações realizadas

durante a nossa formação e experiência profissional nessa área de conhecimentos, e também

pela relevância dos conceitos e temas que podem ser trabalhados, diretamente vinculados à

realidade das crianças, jovens e da população do campo, mas que permanecem ignoradas

diante da impossibilidade de perceber que a realidade é cognoscível.

A constatação e reflexão acerca de diversas inquietações evidenciam que, embora

para algumas já se tenham elaborado muitas respostas e realizadas ações, muitas outras ainda

permanecem como parte integrante do cotidiano de várias instituições educativas de Educação

Básica, originando novas questões. E muitas outras ainda compõe o conjunto de questões

educativas que até pouco tempo estavam praticamente ausentes e/ou no anonimato dos

debates acadêmicos, ou timidamente restritos a grupos envolvidos com os estudos dos

Movimentos Sociais, nesse caso a Educação no Campo e as condições de precariedade e

quase extinção das Escolas Rurais, aliadas a ausência de política públicas que apoiassem a

formação de pouc@s professor@s que se inseriam no desafio de atuar em tais escolas.

De acordo com Lima (2010) precisamos estar atent@s que iremos formar

professor@s para atuar nos anos finais da Educação Fundamental e Média, porém com o

diferencial que não se trata de uma formação específica em Biologia ou Química, mas

referenciado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais quanto à proposição por áreas de

conhecimentos. Desse modo a autora destaca que estamos tratando de uma formação de

professor@s comprometida com a história de quem vive e trabalha no campo e de

professor@s que irão educar crianças, jovens e adult@s seja numa sala de aula de uma escola

num assentamento ou acampamento do MST; ou numa escola nucleada ou não que atende

agricultor@s familiares; ou ainda em instituições de gestão pública de educação.

Dessa maneira esperamos que esse artigo seja instrumento de diálogo com o coletivo

de professor@s e alun@s dos diferentes cursos/ações que tem como foco a Educação do

Campo para que possamos compartilhar nossas reflexões e tecendo nossas ações na formação

de professor@s. Assim, concluímos esse artigo dialogando mais uma vez com a autora Lima

(2010), cujas palavras corroboramos quando afirma que a inversão se estabelece desde

quando se parte daquilo que os sujeitos julgam que precisam aprender ao invés de partir

daquilo que julgamos importante e queremos ensinar. “O desafio atual do currículo de

ciências é tratar uma gama de conhecimentos a partir de suas dimensões mais amplas como

formação histórica e epistemológica, bem como encontro de diferentes racionalidades.”

(LIMA, 2010: 178).

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