ciência em heidegger

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  • Natal, v.17, n.27, jan./jun. 2010, p. 97-112

    Heidegger e o significado ontolgico-existencial da cincia

    Rodrigo Ribeiro Alves Neto* Resumo: O objetivo deste artigo investigar o significado ontolgico-existencial da cincia na obra de Heidegger. Trata-se de interpretar a problemtica relao entre a filosofia e a cincia a partir de um contexto bem determinado na obra do filsofo, qual seja: a tematizao do conceito de transcendncia enquanto o limite intrnseco da cincia. Palavras-chave: Cincia; Filosofia; Heidegger; Transcendncia Abstract: The objective of this article is to analyze the ontological-existential meaning of science in Heideggers works. It makes an investigation in the complex relation between philosophy and science through the topic of the limits of science in Heideggers concept of transcendence. Keywords: Heidegger; Philosophy; Science; Transcendence O problema a ser aqui investigado no interior da obra de Heidegger encontra a sua formulao mais geral nos termos da seguinte indagao: O que a cincia e como ela se relaciona com a filosofia? No almejo reconstruir todo o complexo percurso de questionamento da relao entre filosofia e cincia presente na obra heideggeriana antes e depois da inflexo do seu pensamento, que desemboca em um amplo diagnstico crtico da modernidade centrado na meditao sobre a metafsica da subjetividade e sobre a essncia da tcnica moderna. Meu intuito mais primordial consiste em permitir que a abordagem inicial que Heidegger faz das relaes entre filosofia e cincia se torne efetivamente para ns uma questo. Para uma abordagem adequada desse problema necessrio comear pelo estranhamento dessa pergunta. Por que precisamos perguntar o que a cincia e por que seria importante para a filosofia questionar a sua relao com a cincia? Trata-se antes de mais nada de uma indagao epocal, isto , uma questo que s se tornou possvel a partir do sculo XVII

    * Doutor em Filosofia pela PUC-Rio e Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da

    UFRN. E-mail: [email protected] Artigo recebido em 30.04.2010, aprovado em 01.06.2010.

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    com o advento da moderna cincia fsico-matemtica da natureza. No que a filosofia tenha se tornado, desde ento, uma mera teoria do conhecimento ou uma epistemologia, mas o impacto sobre o todo do conhecimento humano proveniente do surgimento da racionalidade cientfica vem acompanhado de uma crescente necessidade, por parte da filosofia, de redefinir os prprios conceitos de ser e razo. A racionalidade da cincia inseriu o todo da existncia humana em um processo frentico de transformaes cuja expanso atinge hoje uma dimenso planetria. Estamos hoje inteiramente imersos no interior desse processo ao qual damos o nome de tempos modernos. Ao longo dos sculos dessa modernidade, a cincia nunca foi um mero desempenho cultural do homem, mas, como diz Heidegger: um modo decisivo de se apresentar tudo que e est sendo1, um modo de deixar vir o ente presena sob a forma de efeitos e resultados, um modo epocal de desvelamento, um modo de instaurao da verdade do ente como objeto (Gegenstand). Portanto, somente a partir do advento desta verdade cientfica se tornou possvel at mesmo a expresso Filosofia e Cincia em nosso ttulo, pois uma tendncia caracteristicamente moderna a separao entre filosofia e cincia e a concepo da prpria filosofia como uma cincia universal ou uma cincia absoluta2. O que Heidegger se esfora por nos fazer compreender que, na Antigidade, a filosofia no recaa no gnero das cincias, mas ao contrrio, so as cincias que se mostravam a como filosofias de um tipo determinado. Para dizer com o filsofo: Deve-se observar que desde a fundao da academia, por Plato, e desde a fundao da escola peripattica, por Aristteles, o que hoje recebe o ttulo distintivo de filosofia surge numa relao bem cultivada com o que chamamos de cincias. A partir de ento, essa imbricao da filosofia com as cincias tornou-se decisiva tanto para a prpria filosofia como para as cincias.

    1 Heidegger, M. Cincia e Pensamento do Sentido. In: Ensaios e Conferncias. Petrpolis:

    Vozes, trad. Carneiro Leo, Gilvan Fogel e Mrcia Cavalcante, 2002, p. 39. 2 Em sua carta sobre o humanismo Heidegger diz que ao longo da modernidade a Filosofia

    sente, constantemente, a necessidade de justificar sua existncia diante das cincias. E cr faz-lo, da forma mais segura, elevando-se condio de cincia. [...] A Filosofia perseguida pelo medo de perder em prestgio e importncia, caso no seja cincia. O que se considera uma deficincia, idntica incincia (Unwissenschaftlichkeit). Heidegger, M. Sobre o Humanismo. Trad. de Emanuel Carneiro Leo. Petrpolis: Vozes, 1995, p. 26-27.

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    Desde ento so abundantes as tentativas de se pensar a filosofia como uma espcie de cincia, como a mais universal, a mais rigorosa, como cincia mais elevada. [...] O curioso que aquilo que no passa de conseqncia de um fundamento e somente pode ser sua conseqncia, a cincia, passa a imperar sobre o fundamento, isto , sobre a filosofia, invertendo a relao entre fundamento e conseqncia3. At o sculo XVIII, o termo filosofia ainda era utilizado como sinnimo de conhecimento, lembremos do ttulo da obra de Newton Princpios Matemticos de Filosofia Natural; mas a partir da segunda metade do sculo XIX, os termos Filosofia e Cincia se colocaram em uma definitiva posio de conflito e isso de um tal que os progressistas mais convictos anunciaram o fim da filosofia e reivindicaram a necessidade de releg-la aos museus do Ocidente por se tratar apenas da infncia ou no mximo da adolescncia do esprito. Como explica Gadamer: desde o sculo XVII o que, na atualidade, chamamos de Filosofia se encontra numa situao diferente. Diante das cincias, ela se v necessitada de legitimao, coisa que antes nunca lhe sucedeu; durante dois sculos at a morte de Hegel e Schelling, ela foi se elaborando, reflexivamente, em um processo de autodefesa frente s cincias. As construes sistemticas dos ltimos dois sculos constituem uma densa srie de esforos tendentes a reconciliar a herana metafsica com o esprito da cincia moderna4. O desenvolvimento crescente das cincias fez o homem moderno passar a proclamar uma independncia da racionalidade cientfica. Heidegger esclarece que o desenvolvimento das cincias , ao mesmo tempo, sua independncia da Filosofia e a inaugurao de sua autonomia. Este fenmeno pertence ao acabamento da Filosofia. Seu desdobramento est hoje em plena marcha, em todas as esferas do ente5. Cada vez mais a cincia se multiplicou e exacerbou o seu rigor na disciplinaridade de suas investigaes. A especializao no uma decadncia ou uma degenerao da cincia, pois, na disciplinarizao, as cincias asseguram a especificidade

    3 Heidegger, M. Herclito: a origem do pensamento ocidental: lgica: a doutrina heracltica do

    lgos. Trad. Mrcia Cavalcante. Rio de janeiro: Relume Dumar, 1998, p. 239 (grifo meu). 4 Gadamer, Hans-Georg, A Razo na poca da Cincia. Petrpolis: Vozes, 1983, p. 13. 5 Heidegger, M. O Fim da Filosofia e a Tarefa do Pensamento. In: Conferncias e Escritos

    Filosficos. So Paulo: Nova Cultural, col. Os Pensadores, tradues e notas de Ernildo Stein, 1996, p. 96.

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    de seus objetos. A especializao, enquanto o asseguramento operativo da objetividade do real, pertence essncia da cincia moderna. Somente a disciplinarizao transforma a cincia em processo de objetivao, operacionalizao e elaborao do real. Inserida nesse processo, a universidade, enquanto o mbito de organizao e transmisso do saber, fragmenta-se em especialismos incontornveis e, por sua vez, cria outro tipo de homens, j que desaparece o sbio e o substitui o investigador que trabalha em algum projeto6. Em 1929, correspondendo ao clima de enorme insatisfao na atividade acadmica nas universidades alems, Heidegger critica o isolamento e a esclerose das cincias em disciplinas separadas7 e a compartimentao de matrias, sustentando o que tem de mesquinho e de baixo uma formao superficial que no visa mais do que desembocar numa profisso8. No momento culminante desse cientificismo, a cincia encontra-se despojada de dignidade terica, reduzida a instrumento. Toda justificao terica do conhecimento ficava vinculada eficcia com que se realiza sua utilidade. Para dizer com Carneio Leo: Transformada em modelos econmicos, transplantada em paradigmas polticos, armada de recursos tecnolgicos, veiculada por matrizes de conhecimento, a universalidade planetria da Cincia se lana a construir um s mundo e impe a toda a terra um nico padro de valor: o desenvolvimento9. Sobre esse vigor planetrio da racionalidade cientfica, Heidegger afirma: teoria significa agora: suposio de categorias a que se reconhece apenas uma funo ciberntica, sendo-lhe negado todo sentido ontolgico. Passa a imperar o elemento racional e os modelos prprios do pensamento que apenas representa e calcula10. nesse contexto em que a filosofia se v carente de legitimar sua posio na ordem do conhecimento imbuda da tarefa de reconciliao

    6 Heidegger, M. La poca de la imagen del mundo. In: Caminhos de Bosque. Madrid: Alianza,

    1998, p. 70. 7 Heidegger, M. Discurso do reitorado. In: Escritos Polticos. Lisboa, Instituto Piaget, 1997,

    p. 97. 8 Ibidem, p. 101. 9 Leo, E. Carneiro. Para uma crtica da interdisciplinaridade. Rio de Janeiro: Revista Tempo

    Brasileiro, outubro/dezembro, 1992, p. 14. 10 Heidegger, M. O Fim da Filosofia e a Tarefa do Pensamento. Op. Cit., p. 97.

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    entre filosofia e cincia que est inserida a obra de Heidegger. Tal como no projeto filosfico de seu professor Edmund Husserl, Heidegger acreditou que a filosofia precisava recuperar o seu estatuto na ordem do conhecimento, pois as cincias positivas entregues a elas mesmas jamais poderiam compreender seus prprios fundamentos. Para Husserl, o cientificismo e o predomnio da interpretao tecnolgica do conhecimento so o fruto e a expresso mxima da profunda crise das prprias idias de cincia e razo. A reflexo de Heidegger est inicialmente inserida no contexto da tarefa hermenutica e fenomenolgica de desnaturalizao da experincia humana, em sintonia com as obras de Dilthey e Husserl. Trata-se de criticar a naturalizao cientificista que reduz a formao do conhecimento humano a um simples processo que se desenvolve no interior do prprio mundo dos fatos, isto , um processo que pressupe a constituio prvia da realidade objetiva das cincias positivas. Assim, ao longo dos anos vinte, o relacionamento entre filosofia e cincia comparece na obra de Heidegger a partir da tarefa de superao da reduo positivista de toda compreensibilidade ao mtodo das cincias da natureza. Para Heidegger, o homem moderno padece de desorientao geral quanto significao da cincia e sua relao com o todo da existncia humana. Por isso preciso recuperar o mundo vivenciado, rejeitando a autonomia do mtodo explicativo ou indutivo-causal e buscando descrever os fenmenos em sua apario imediata na vivncia ftica. O mundo vivenciado est sempre j manifesto antes de qualquer postura terica que venhamos a fazer dele e seria artificial faz-lo derivar de um mtodo explicativo. Sem esse ponto de partida fenomenolgico, a cincia acaba perdendo a conscincia de seu prprio comeo: a postura terica comeou a investigar e, assim, no pode ignorar a sua investigao como tendo sido iniciada no mundo circundante. Por isso as cincias positivas no podem ser jamais um incio, visto que a realidade objetiva no um dado absoluto, uma realidade independente e anterior imediata vivncia ftica do mundo circundante. Enquanto esclarecimento hermenutico e fenomenolgico do comportamento pr-cientfico originrio do homem em relao ao mundo, a filosofia coloca-se na ordem do conhecimento antes de toda cincia positiva. Dessa forma, Heidegger rejeita a concepo naturalista de que o nico conhecimento vlido aquele produzido pelas cincias positivas e

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    reivindica os direitos de uma experincia prvia ou mais originria dos fenmenos, a partir da qual as cincias se manifestam como posturas derivadas e secundrias, carentes de uma fundamentao filosfica. No incio dos anos vinte, Heidegger define a posio da filosofia na ordem do conhecimento como cincia originria, pois elabora uma hermenutica fenomenolgica da vivncia como fundamento da compreensibilidade da experincia humana em geral. Trata-se de esclarecer de que modo a objetivao cientfica promove uma radical negao da vivncia ftica inicial dos fenmenos sempre j inseridos no mundo circundante daquele que os vivencia. O mundo definido aqui como um campo transcendental de apario dos fenmenos vivenciados, de tal modo que a converso cientfica do mundo em objeto de investigao necessita de uma dissipao da apreenso no-temtica e imediata dos entes na vivncia, instaurando inevitavelmente um encobrimento do mundo circundante em seu acontecimento ftico. O comportamento terico prprio das cincias no pode ser o modelo unilateral de toda relao do homem com o ser, pois est fundado nesse acontecer prvio do mundo circundante. A postura cognitiva sempre tardia em relao ao campo fenomenal de manifestao dos fenmenos que condiciona previamente no s todos os comportamentos humanos, mas tambm todas as possibilidades de determinao do ser dos entes. A cincia no possui, assim, uma completa autonomia em relao ao mundo ftico no tematizado, pois j sempre pressupe esse mundo como instncia prvia a partir da qual se constituem as diversas significaes dos entes que vm ao nosso encontro e os diferentes comportamentos assumidos em relao a eles. Heidegger almejava elucidar a essncia existencial da cincia, ou seja, elaborar a compreenso originria da cincia como uma possibilidade essencial da existncia humana. Essa tarefa de uma fundamentao existencial das cincias positivas implica, portanto, na hermenutica fenomenolgica daquilo que torna possvel o comportamento cognitivo. O que caracteriza esse tipo de comportamento existencial no qual a atitude terica da cincia se torna possvel? Qual o trao distintivo do tipo de existncia no qual ocorre a atitude terica da cincia? Em que perspectiva se apreende os entes quando eles so vistos e abordados cientificamente? Por imposio do seu prprio modo de ser, a cincia precisa abrir um setor prvio de objetividade que sempre pressuposto por ela, antes

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    mesmo da investigao propriamente dita. Este setor previamente posto e constitudo se define como um positum, isto , uma autofundao que instaura o ente enquanto natureza, histria, vida, linguagem, etc. A cincias positivas so nticas porque se dirigem a esses setores do ente, mas elas se movem sempre j no interior de um projeto ontolgico prvio e inquestionado que pe diante delas seus diferentes domnios de objetos. Assim, as cincias positivas s tm acesso a seu domnio de objetos pela determinao prvia do ser desses objetos. Para Heidegger, nessa dimenso por si mesma pr-cientfica na qual se instauram os conceitos fundamentais que as cincias positivas carecem, sobretudo nos seus momentos de crise, da filosofia enquanto cincia ontolgica. A postura terica promove uma mudana no modo pelo qual os entes vm ao nosso encontro mundo. Todo comportamento cientfico assenta-se sobre a base de um comportamento j existente em relao ao ente, pois o homem no se comporta em relao ao ente em razo da cincia. Na mudana da compreenso de ser, na transio da apreenso da coisa de uso para a apreenso da natureza, realiza-se um projeto prvio de constituio de ser. Porm, esse projeto de constituio ontolgica do ente como natureza, no expressamente objeto de questo para a cincia, sendo, portanto, no objetivo, e ao mesmo tempo demarcador e fundamentador de um campo de objetos. Nesse e com esse projeto o ente em questo torna-se pela primeira vez manifesto como algo que se acha a defronte para uma investigao concreta. O ente manifesto como algo posto diante de, como positum. Somente se o ente se manifesta dessa maneira se d o conhecimento cientfico, isto , o conhecimento positivo. A essncia da verdade na cincia reside na sua positividade. Na cincia, o ente no est mais mo para o processamento prtico-tcnico, mas se mostra puramente como uma coisa apenas presente, o ente se torna natureza. A converso do ente em natureza nasce de uma determinao do ser que antecede a experincia do ente. Heidegger encontra esse carter antecedente ou antecipador do comportamento terico no projeto (Entwurf) matemtico da cincia. A essncia matemtica da cincia moderna deve ser entendida aqui em sentido amplo, pois Heidegger lembra que ta matemata, ou seja, o matemtico aquele conhecimento que temos de modo antecipado sem que o tenhamos adquirido de entes singulares dados na experincia sensvel. O matemtico um saber que no

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    comeamos por buscar s coisas sensveis, mas que, de certo modo, levamos conosco at elas. A fsica moderna matemtica porque, de certo modo, ela vem determinada a priori11, considera Heidegger. O matemtico um saber no qual tomamos de algo aquilo que, de certo modo, j temos. Esse projeto matemtico se define como um trao fundamental da moderna cincia da natureza e isso no porque esta cincia utilize o clculo, mas porque nela se estabelece de tal modo uma interveno antecipadora (Vorausgriff) que, em conseqncia disso, a matematizao dos fenmenos se faz necessria. O carter matemtico da cincia fsica moderna reside no fato de suas proposies no serem apenas meios para atingir um objeto previamente existente, pois a natureza no fala por si mesma, ela responde apenas quando interrogada segundo questes para as quais e pelas quais esse prprio domnio de objetividade chamado natureza foi previamente elaborado12. Eis em que consiste a interveno antecipadora que assegura e garante a objetividade do ente. Na projeo matemtica, a investigao ultrapassa a simples percepo qualitativa e imediata dos fenmenos e abre, de modo prvio, um espao ou domnio, no interior do qual os fatos se tornam acessveis. Como explica Heidegger: como teoria, no sentido de tratar, a cincia uma elaborao do real terrivelmente intervencionista [...] A cincia corresponde a esta regncia objetivada do real na objetividade. A cincia pe o real. E o dis-pe a pro-por-se num conjunto de operaes e processamentos, isto , numa seqncia de causas aduzidas que se podem prever. Desta maneira, o real pode ser previsvel e tornar-se perseguido em suas conseqncias. como se assegura do real em sua objetividade13. Os fatos e os resultados dessa nuova scientia no so imediatamente acessveis por uma viso direta qualquer, pois so produtos de uma

    11 Heidegger, M. Introduo Filosofia. So Paulo: Martins Fontes, trad. de Marco

    Casanova, 2008, p. 200. 12 Como diz Heidegger: A idia de Galileu, uma idia epocal, uma idia que marca uma

    poca, consistiu em dar-se conta de que se, atravs do experimento, quero interrogar a natureza acerca do que ela e como , tenho primeiro que ter um conceito do que entendo por natureza, isto , toda investigao de fatos e todo experimento precedido por uma delimitao do que se entende por natureza. Heidegger, M. Introduo Filosofia, Op. Cit., p. 200.

    13 Heidegger, M. Cincia e Pensamento do Sentido. Op. Cit., p. 51.

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    interveno antecipadora que instaura o espao para a constituio da objetividade dos objetos. Portanto, no se trata de exigir para todas as cincias a adoo do mtodo matemtico, e sim esclarecer que toda cincia precisa ter em vista o fato do ente que ela transforma em objeto j precisar estar, de antemo, suficientemente definido em sua essncia para que toda questo concreta possa encontrar um fio condutor que localize o que objeto nessa cincia. Mas qual a possibilidade interna da positividade das cincias? Em que est fundado este projeto, no-objetivado, demarcador e fundamentador de um campo de objetos? Como que esse projeto encontra-se disposto no contexto do ser-a humano enquanto tal?

    Vimos que somente a partir de uma mudana na constituio ontolgica do ente algo pode se tornar por fim objeto da cincia. A cincia, como um modo de ser da verdade, transforma o desvelamento do ser-a (Dasein) em um desvelamento de outro tipo. Se a cincia , pois, um tipo de verdade e se ela pressupe a verdade pr-cientfica, preciso que uma transformao da verdade ocorra com ela e atravs dela. O ser-a pr-cientfico tem a sua verdade especfica e a verdade cientfica no nem a nica espcie de verdade nem a mais elevada. Se a positividade da cincia um tipo de verdade e se a verdade no sentido originrio pertence constituio ontolgica do ser-a existente, ento, a cincia um tipo de desvelamento do ser-a, ou seja, um modo da existncia humana. por isso que a analtica existencial o horizonte fundamental para esse conceito de cincia. O ser-a aquele ente determinado em seu ser pela irrupo do a, pelo desvelamento do ente na totalidade. O ser-a de modo exemplar, ou seja, de tal modo que, em sendo, nele se realiza e se abre uma compreenso do ser. O termo compreenso (verstehen) no tem aqui o sentido tradicional de exerccio dos poderes autnomos do entendimento. Heidegger escreve algumas vezes ver - hfen - stehen (onde stehen diz ficar de p, manter-se em) para enfatizar que compreender o ser significa descerrar o ente na totalidade, estar exposto ao ente e manter-se nesse desvelamento. O ser-a um ente descerrado que se comporta em relao ao ente manifesto. Mas descerrar no significa conceber o ser, pois o desvelamento do ente no consiste no ser-apreendido do ente. Toda apreenso est fundada no desvelamento prvio que subsiste sem apreenso temtica. O ser se manifesta para o ser-a descerrado, sem que ele esteja

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    expressamente em posio de apreenso ou tematizao do ser. O homem se relaciona com o ente compreendendo previamente o ser e apenas essa compreenso no-temtica ilumina e dirige todo comportamento em relao ao ente. Embora a compreenso do ser pertena constituio ontolgica do ser-a no se trata de nenhuma concepo sobre a verdade terico-conceitual do ser e sim de uma dimenso pr-ontolgica. Ora, se a cincia uma possibilidade existencial do ente que compreende o ser e, assim, possui o modo de ser desse ente, ento, ela um modo de tornar o ente manifesto e seu projeto de constituio ontolgica do ente enquanto positum precisa ser concebido como um tipo de compreenso do ser ou desvelamento do ser. A atitude cientfica, constituindo o ente como objeto, um comportamento ntico. Conhecimento do ente, do on nele mesmo, conhecimento ntico14, diz Heidegger. Tambm o saber fazer ou o manejo tcnico com as coisas na lida cotidiana orientada pela circunviso um comportamento dirigido ao ente em seu carter desvelado. Mas a compreenso do ser pr-ontolgica que ilumina e conduz todo comportamento ntico, pode assumir a forma de uma apreenso e de uma concepo expressa do prprio ser: ela pode se tornar uma compreenso ontolgica. O conhecimento positivo levado a cabo no projeto demarcador do campo natureza se situa em um peculiar espao intermedirio entre a compreenso pr-ontolgica e a concepo ontolgica. Assim, fica claro que a positividade efetiva que apreende os entes como objetos se situa em um desvelamento do ente por si subsistente ou em uma verdade ntica, ao passo que a meditao que investiga o projeto prvio no-objetivado como possibilidade interna da positividade se move no mbito da verdade ontolgica ou pr-ontolgica. A verdade ntica da cincia se funda em uma verdade ontolgica inquestionvel cientificamente. A verdade ontolgica possibilitadora da verdade ntica ou do carter manifesto do ente. Assim sendo, no somente na formao da atitude cientfica, mas em todo comportamento ftico do ser-a em relao ao ente se abre um projeto de constituio ontolgica que possibilita uma verdade ntica ou uma manifestao do ente. Isso significa dizer que o ser-a projetante, ou

    14 Heidegger, M. Introduo Filosofia. Op. Cit., p. 215.

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    seja, enquanto existe, o ser-a projeta ontologicamente mundo ou o ente na totalidade. Como ente projetante ou formador de mundo, o ser-a a condio de possibilidade de toda e qualquer ontologia. Por isso a ontologia fundamental deve ser preparada e primeiramente buscada em uma analtica existencial do ser-a. Tal como no tipo especfico de projeto de constituio ontolgica da cincia, o ser-a j precisa ter compreendido o ser para que possa se comportar em relao ao ente. Existir significa para o ser-a deixar ser o que vem ao seu encontro no mundo ftico a partir do ser j previamente projetado ou compreendido. Sem a compreenso prvia ou a projeo pr-ontolgica do ser nada viria ao nosso encontro, nenhuma verdade ntica seria descoberta, mas quanto mais nos ocupamos com o ente em seu carter desvelado ou descoberto, tanto mais se encobre e se vela a verdade ontolgica. Isso significa dizer que quanto mais nos encontramos imersos e inseridos na ocupao com os entes descobertos pela circunviso ou na positividade que descobre o ente como objeto, tanto mais se aprofunda o encobrimento dessa dimenso mais originria do ser-a que consiste justamente em sempre ultrapassar de antemo o ente em meio ao projeto prvio de ser. Mas somente por que existimos sempre continuamente a partir dessa ultrapassagem originria do ente que pode ocorrer esse encobrimento, essa decadncia na qual nos encontramos imediatamente imersos no comportamento ntico, seja prtico-tcnico ou cientfico. Heidegger denomina essa ultrapassagem que projeta a constituio ontolgica do ente, essa ultrapassagem que constantemente e em qualquer situao nos atravessa e nos domina, ainda que no receba de nossa parte a ateno que propriamente merece, com o termo transcendncia. O ser-a transcendendo transcendente. A essncia fundamental da constituio ontolgica do ente que ns mesmos somos a ultrapassagem do ente15, dia Heidegger. O projeto prvio de ser s possvel por meio dessa transcendncia do ser-a. Transcender no , de modo algum, sair da subjetividade e passar para o domnio da objetividade. A cincia positiva faz o ente advir presena como objeto de uma investigao sob a base do projeto ontolgico prvio, mas essa presena s possvel, por sua vez, mediante a transcendncia como constituio ontolgica do ser-a. O

    15 Heidegger, M. Introduo Filosofia. Op. Cit., p. 221.

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    mundo no o conjunto de todos os objetos da existncia possvel ou a totalidade do ente criado, mas sim a abertura do ente que vai alm dos entes ou ultrapassa os entes simplesmente dados. O mundo o horizonte em direo ao qual acontece constantemente essa ultrapassagem do ente. O projeto ontolgico fundado na transcendncia antecede e abarca o ente na totalidade. Assim, o ente se revela de tal forma que ns s nos deparamos com o que deixamos vir ao nosso encontro como ente a partir da sua ultrapassagem. O ente desvelado ou o mundo mesmo, portanto, no um ente simplesmente dado, pois a abertura do mundo faz irromper a diferena ontolgica entre ser e ente. O ser-a transcende porque sua existncia projetante ou formadora de mundo, ou seja, enquanto existe, o ser-a instaura e mantm aberto o ente enquanto tal na totalidade. Porm isso no ocorre ocasionalmente sob a forma de uma descoberta de que h a coisas simplesmente dadas na totalidade. Na medida mesmo em que ultrapassa o ente, o ser-a descerra o horizonte a partir do qual os entes se manifestam: na medida em que ek-siste, o ser-a libera o mundo como campo de manifestao dos entes em geral, como espao de abertura do ente na totalidade. O ser-a no nada previamente constitudo em seu ser, mas algo que se decide em meio prpria mobilidade ftica da existncia, posto para fora de si. Contudo, esse fora (Da), em que o homem insiste, no se define como um mundo externo ou uma objetividade contraposta a um sujeito auto-suficiente. Ao contrrio, esse fora anterior separao entre sujeito e objeto e se afasta tambm de toda imanncia ou intencionalidade de uma conscincia. O mundo originariamente um destino da finitude do homem e no tem nada a ver com um ente simplesmente dado e contraposto a um sujeito conhecedor. O comportamento terico da cincia s consegue efetuar sua objetivao a partir do transcender no qual o ser-a se comporta em relao ao ser. A cincia sempre conhecimento particular do ente previamente aberto pela positividade de um projeto matemtico que, por sua vez, est fundado em algo que j no se lhe acha mais acessvel com os seus meios. Para dizer com Heidegger: a clareza relativa do conhecimento cientifico do ente est envolta pela obscuridade da compreenso de ser16. O projeto

    16 Heidegger, M. Introduo Filosofia. Op. Cit., p. 228.

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    fundado na transcendncia est sempre velado para a cincia. A transcendncia nos leva a reconhecer o limite intrnseco da cincia, isto , algo que, embora tenha sido trazido pela prpria cincia, no pode, porm, ser concebido por ela como cincia, ou mesmo questionado como tal. Portanto, compreendido corretamente, esse limite deixa clara a finitude da cincia em um sentido originrio; ou seja, ela torna manifesto que a cincia uma possibilidade existencial de um ser constitutivamente finito. preciso defrontar-se com os limites da cincia, em meio ao esclarecimento de sua essncia, a fim de encontrar nessa delimitao algo distinto da prpria cincia. Importa elaborar um conceito existencial de cincia, a fim de encontrar no interior da prpria cincia um limite que nos permita ver concretamente que para a cincia vir a ser o que ela , ela precisa ser algo diverso e mais originrio. E esse algo diverso se revela como filosofia. Heidegger define a reflexo filosfica justamente como o esforo por transformar em acontecimento tomado expressamente a implicitamente velada transcendncia que instaura a compreenso de ser na qual de incio e imediatamente sempre estamos. A filosofia um despertar da compreenso do ser ou o despertar para o ente enquanto ente. Embora em todos os comportamentos com os entes, o homem seja atravessado e dominado pela ultrapassagem do ente como fundamento da compreenso do ser, raramente ela se nos apresenta como tal e se abre para um questionamento. Na filosofia est posto em causa o despertar para o que torna possvel o acontecimento do ente enquanto ente. O homem est to continuamente imerso e inserido nesse acontecimento que o faz pertencer ao ser que Heidegger considera que existir significa filosofar. Por isso at mesmo impossvel falar em uma introduo filosofia, pois a reflexo filosfica o despertar questionador para um mbito do qual jamais samos. Para dizer com Heidegger: somente o homem, em meio a todos os entes, experimenta, chamado pela voz do ser, a maravilha de todas as maravilhas: que o ente 17. Trata-se de uma experincia para a qual quanto mais ns continuamente nos abrimos tanto mais profundo torna-se, de incio e na maioria das vezes, o seu adormecimento. A filosofia um inserir-se questionador ou conceptivo na totalidade, ou seja, um inserir-se conceptivo

    17 Heidegger, M. Que metafsica? In: Conferncias e Escritos Filosficos. So Paulo: Nova

    Cultural, col. Os Pensadores, tradues e notas de Ernildo Stein, 1996, p. 69.

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    que almeja tornar ontolgica a compreenso pr-ontolgica na qual o ser-a j sempre se mantm. E por que Filosofia e o ser-a esto sempre j um dentro do outro que os conceitos filosficos abarcam aquele que questiona no seu questionamento. Por isso a filosofia um despertar, isto , a compreenso do ser que interrogada e torna-se palavra na filosofia no foi fabricada pela filosofia, mas antes, nasce daquilo que o homem j antes de toda filosofia expressa e sem a qual o homem no poderia simplesmente comportar-se com os entes em geral. Como explica Heidegger: Ns residimos, sem dvida, sempre e em toda parte, na correspondncia ao ser do ente; entretanto, s raramente somos atentos inspirao do ser. No h dvida que a correspondncia ao ser do ente permanece nossa morada constante. Mas s de tempos em tempos ela se torna um comportamento propriamente assumido por ns e aberto a um desenvolvimento18. A transcendncia pertence ao ser-a de tal modo que, embora ele compreenda o ser, no obstante, ele no chega conceb-lo. Por isso o transcender como um transcender expresso no outra coisa seno filosofar, diz Heidegger. Filosofar transcender porque consiste em um sempre reiterado indagar pelo ente em seu ser, pelo que possibilita a compreenso de ser. Como diz Heidegger: a questo fundamental da Filosofia a seguinte: Que significa ser? A partir de que o ser em geral se torna inteligvel? Como a compreenso do ser em geral possvel?19. O que diz, afinal, essa tamanha abstrao nomeada com o nome ser? Ser uma palavra vazia? Ou ser que na questo do ser se movimenta o vigor histrico do pensamento ocidental tanto outrora quanto agora e sempre? Na questo do ser, como diz Heidegger: afastamo-nos inteiramente de qualquer ente particular, enquanto este e aquele. Intencionamos sim o ente em seu todo mas sem qualquer preferncia. Apenas um dentre eles sempre de novo se insinua estranhamente: o homem, que investiga a questo 20. A cincia um conhecimento direcionado para o ente, mas a filosofia um esforo por

    18 Heidegger, M. Que isto, a Filosofia? In: Conferncias e Escritos Filosficos. So Paulo:

    Nova Cultural, col. Os Pensadores, tradues e notas de Ernildo Stein, 1996, p. 36. 19 Heidegger, M. Les problmes fundamentaux de la phnomnologie. Paris: Gallimard, trad.

    Courtine, 1985, p. 32. 20 Heidegger, M. Introduo Metafsica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, trad. de

    Carneiro Leo, 1987, p. 35.

  • Heidegger e o significado ontolgico-existencial da cincia

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    conceber expressamente o fundamento essencial da compreenso do ser. Trata-se de um esforo que acontece na essncia mesma do ser-a, uma ao livre a partir do fundamento do ser-a, mas justamente por acontecer a, carece de muito cultivo e de um processo de libertao. O homem responde imediatamente requisio dos entes que vm ao seu encontro a partir de uma forma determinada de se ocupar com eles. No modo de ser com os outros e na ocupao cotidiana do homem com este ou aquele ente em seu carter desvelado, ocorre o encobrimento do fenmeno originrio da transcendncia. Nesse encobrimento a compreenso do ser no desaparece, mas desenraiza-se ou deturpa-se. por isso que somente o esforo de explicitao hermenutica da transcendncia revela que ser o lugar (Da) da manifestao do ente na totalidade (Sein) no significa ser um ente presente-subsistente, mas estar inserido numa dinmica de apropriao de si mesmo, de ter que vir a ser, a cada vez, o poder-ser que se , precisando sempre e a cada vez liberar as suas prprias possibilidades existenciais. A projeo ontolgica do mundo acontece na dinmica existencial do ser-a. Mas isso no quer dizer que o mundo uma projeo subjetiva do homem. O homem traz consigo o mbito do a que finitiza o ser e, enquanto ele existe, insiste no interior dele. A ultrapassagem do ente a mais ntima essncia da finitude expressa na relao do homem com o ser. Para Heidegger, nessa ultrapassagem que acontece a apropriao recproca entre o homem e a abertura manifestativa do ser, no interior da qual o homem o prprio (eigen) do ser e, ao mesmo tempo, o ser o prprio do homem, que se realiza o espao de configurao do mundo e o acontecimento originrio da histria. neste sentido que Heidegger considera que somente onde o prprio ente expressamente elevado e mantido em seu desvelamento, somente l onde tal sustentao compreendida luz de uma pergunta pelo ente enquanto tal, comea a histria. O desvelamento inicial do ente em sua totalidade, a interrogao pelo ente enquanto tal e o comeo da histria ocidental so uma e mesma coisa; eles se efetuam ao mesmo tempo, mas este tempo, em si mesmo no mensurvel, abre o espao de toda medida21.

    21 Heidegger, M. Sobre a essncia da verdade. In: Conferncias e Escritos Filosficos. So

    Paulo: Nova Cultural, col. Os Pensadores, tradues e notas de Ernildo Stein, 1996, p. 162.

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    A filosofia , para Heidegger, um dilogo derradeiro do homem que se esfora por recuperar o fundamento do ser-a como sempre de novo digno de ser pensado. Despertar para a transcendncia como questo consiste em recuperar a existncia histrica do homem como sempre de novo digna de ser pensada em sua fora de constituio que jamais se esgota em formas constitudas. No se trata de depor a cincia, mas de rep-la em seu fundamento de possibilidade. A cincia possibilitada pelo velado acontecimento da transcendncia finita e somente a filosofia pode levar acontecer linguagem. A filosofia no uma cincia do absoluto, no nos fornece um referencial de certeza e verdade e no nos d segurana alguma, pois abarca sempre aquele mesmo que questiona. Perguntar pela cincia e sua relao com a filosofia nos levou, portanto, no somente a uma delimitao da cincia, mas a um questionamento sobre o prprio fundamento do ser-a em sua relao com o ser que permanece, no entanto, essencialmente questo. Mas por que a filosofia no responde de uma vez por todas essa questo at que um dia possamos definitivamente cessar de question-la? que a questo do ser no fruto de uma ignorncia que seria resolvida com uma resposta suficiente. A filosofia o acontecimento dessa pergunta sem resposta que parece sempre uma insanidade ou um no-saber diante da cincia. A incompletude dessa resposta , contudo, a incompletude que reside no seio da essencializao do ser-a em sua finitude. O ser-a um ente por si mesmo filosfico por que insiste na referncia ao ente por uma ultrapassagem que, todavia, jamais nos permitir possuir, dominar, dizer e esgotar o que o ser. Essa referncia sempre histrica justamente porque efeito de um acontecimento originrio: a diferena entre ente e ser. Existir transcender, ser-no-mundo, descerrando um espao de realizao e manifestao do ente, mas sempre a partir de uma diferena ontolgica para com o ser. Existir insistir na dinmica de diferena e referncia entre ser e ente.