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72 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL Junho 2010 ANDY CRAWFORD Getty Images A dieta de mais de 800 milhões de pessoas não se concentra no trigo nem no milho ou arroz. Em muitos países o principal ali- mento consiste em raízes com muito amido de uma planta que tem nomes como mandioca, cas- sava, tapioca, macaxeira, aipim ou iúca (que não deve ser confundida com uma outra, ornamental, chamada yucca). Na realidade, a mandioca con- tribui mais para o balanço mundial de calorias do que qualquer outro alimento, com exceção do ar- roz e trigo, o que a torna um recurso praticamen- te insubstituível contra a fome. Nos países tropicais, as famílias costumam plantá- la em pequenas faixas de terra para consumo próprio, embora na Ásia e em partes da América Latina a mandioca também seja cultivada comercialmente para uso como ração animal e produtos feitos com amido. O valor nutricional da raiz, contudo, é pobre: contém pouca proteína, vitaminas ou nutrientes como o ferro. Por isso, variedades melhoradas da mandioca poderiam reduzir efetivamente a subnutri- ção em boa parte dos países em desenvolvimento. Com base nessa promessa, nós dois, nossos cole- gas da Universidade de Brasília e outros pesquisado- CONCEITOS-CHAVE Raízes de mandioca são a principal fonte de calorias para milhões de pessoas que vivem nos trópicos, mas são pobres em proteína, vitami- nas e outros nutrientes. Cientistas criaram variedades de mandioca com valor nutri- cional maior, rendimento mais alto e resistência a pragas e doenças. Uma combinação de reprodu- ção tradicional da planta, de genômica e de técnicas de biologia molecular poderia conduzir a mais avanços. Os editores CIÊNCIA ALIMENTAR A terceira maior fonte mundial de calorias tem potencial para se tornar uma cultura mais produtiva e mais nutritiva, reduzindo a subnutrição em boa parte dos países em desenvolvimento Por Nagib Nassar e Rodomiro Ortiz Melhorar a Mandioca

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72 SC IE NTIF IC AME RIC AN BR A SIL Junho 2010

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A dieta de mais de 800 milhões de pessoas não se concentra no trigo nem no milho ou arroz. Em muitos países o principal ali-

mento consiste em raízes com muito amido de uma planta que tem nomes como mandioca, cas-sava, tapioca, macaxeira, aipim ou iúca (que não deve ser confundida com uma outra, ornamental, chamada yucca). Na realidade, a mandioca con-tribui mais para o balanço mundial de calorias do que qualquer outro alimento, com exceção do ar-roz e trigo, o que a torna um recurso praticamen-te insubstituível contra a fome.

Nos países tropicais, as famílias costumam plantá-la em pequenas faixas de terra para consumo próprio, embora na Ásia e em partes da América Latina a mandioca também seja cultivada comercialmente para uso como ração animal e produtos feitos com amido. O valor nutricional da raiz, contudo, é pobre: contém pouca proteína, vitaminas ou nutrientes como o ferro. Por isso, variedades melhoradas da mandioca poderiam reduzir efetivamente a subnutri-ção em boa parte dos países em desenvolvimento.

Com base nessa promessa, nós dois, nossos cole-gas da Universidade de Brasília e outros pesquisado-

CONCEITOS-CHAVERaízes de mandioca são a principal fonte de calorias para milhões de pessoas que vivem nos trópicos, mas são pobres em proteína, vitami-nas e outros nutrientes.

Cientistas criaram variedades de mandioca com valor nutri-cional maior, rendimento mais alto e resistência a pragas e doenças.

Uma combinação de reprodu-ção tradicional da planta, de genômica e de técnicas de biologia molecular poderia conduzir a mais avanços.

— Os editores

CIÊNCIA ALIMENTAR

A terceira maior fonte mundial de calorias tem potencial parase tornar uma cultura mais produtiva e mais nutritiva, reduzindoa subnutrição em boa parte dos países em desenvolvimento Por Nagib Nassar e Rodomiro Ortiz

Melhorar a Mandioca

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do gênero Manihot têm origem no Brasil. Povos in-dígenas foram os primeiros a cultivá-la e navegado-res portugueses levaram-na para a África no século 16. Do continente africano ela se espalhou para a Ásia tropical, chegando até a Indonésia. A África produz hoje mais da metade (51%) da safra mun-dial, estimada em mais de 200 milhões de toneladas por ano. América Latina e Ásia colhem 34% e 15%, respectivamente.

As raízes, semelhantes a batatas-doces alonga-das, podem ser comidas cruas, cozidas ou transfor-madas em grãos, massas ou farinhas. Na África e algumas partes da Ásia, as pessoas também conso-mem as folhas, como hortaliças, que fornecem pro-teína – uma folha seca de mandioca tem até 32% de proteína – e vitaminas A e B.

A mandioca requer baixo investimento de capital e trabalho, tolera razoavelmente bem solos secos, ácidos ou inférteis, recupera-se rapidamente de da-nos causados por pragas ou doenças e é efi ciente na conversão da energia do sol em car boi dratos.

res estamos empenhados em criar variedades mais re-sistentes, produtivas e nutritivas e torná-las ampla-mente disponíveis para os agricultores nos países em desenvolvimento. Nossa equipe se concentra em apli-car técnicas tradicionais de reprodução para formar híbridos entre a mandioca e seus parentes selvagens, aproveitando as características que evoluíram nas plantas selvagens ao longo de milhões de anos.

Essa abordagem é menos dispendiosa do que a engenharia genética e não desperta preocupações sobre segurança alimentar que fazem com que mui-tas pessoas sejam reticentes em relação a produtos geneticamente modifi cados. Com o mesmo objeti-vo, pesquisadores e organizações sem fi ns lucrativos no mundo em desenvolvimento começaram a se in-teressar pela questão e produziram variedades de mandioca. A recente conclusão de um esboço do se-quenciamento do genoma da mandioca poderá abrir caminho para mais melhoramentos.

A planta arbustiforme Manihot esculenta – nome científi co da mandioca – e seus parentes selvagens

e Alimentar os Pobres

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ta em seu ambiente original. Então, decidiu mudar-se para o país, naturalizando-se brasileiro tempos depois. Em 1975, na Universidade de Brasília, com uma pequena subvenção do Centro Internacional de Desenvolvimento da Pesquisa, do Canadá, ele começou a reunir uma coleção de plantas vivas de espécies da Manihot selvagem, que poderiam servir como uma biblioteca de características úteis passí-veis de ser adicionadas à mandioca.

Viajando pelo país, frequentemente a pé ou de bi-cicleta, ele coletou espécimes e as levou para Brasília, onde com seus colaboradores acabou produzindo 35 diferentes espécies. Essa fonte de biodiversidade se mostraria crucial no desenvolvimento de novas va-riedades, tanto na universidade como em outros lu-gares. Um dos primeiros resultados alcançados pela equipe foi a criação, em 1982, de um gênero híbrido com alto conteúdo de proteína.

Raízes de mandioca têm normalmente apenas 1,5% de proteína, enquanto o trigo tem 7% ou mais. São especialmente defi cientes em aminoáci-dos essenciais sulfurados, tais como metionina, li-sina e cisteína. A nova variedade híbrida tinha até 5% de conteúdo proteico. O governo brasileiro está agora buscando meios de reduzir a dependência do

Na realidade, enquanto a parte co-mestível das safras de grãos corresponde no máximo a 35% do peso líquido total da planta, na mandioca esse aproveita-mento é de quase 80%. Além disso, o plantio da mandioca ocorre em qualquer época do ano e a colheita pode ser postergada por meses ou até mesmo um ano. Por isso, os camponeses costumam deixar algumas plantas na terra como um tipo de se-guro contra uma imprevista escassez de alimento. Não admira que a planta tenha se transformado na predileta da agricultura de subsistência em pratica-mente toda região onde possa vingar e seja parte in-tegral de tradições locais.

O cultivo, no entanto, também apresenta desvan-tagens. Ela tem curto período de vida e, se não for processada, normalmente estraga de um dia para ou-tro. Além do mais, plantas de mandioca em determi-nada região tendem a ser geneticamente uniformes, o que torna as lavouras vulneráveis: uma doença ou praga que afete uma planta provavelmente vai con-taminar todas. Mas, acima de tudo, a escassez de ou-tros nutrientes, a não ser carboidratos, faz com que seja arriscado demais depender muito dela.

Um dos autores (Nassar) começou a se interessar em melhorar a mandioca quando era um jovem agrônomo no Egito, sua terra natal. No início dos anos 70 – época de fome em grande escala na Áfri-ca subsaariana – visitou o Brasil para estudar a plan-

[PRODUÇÃO MUNDIAL]

É PRECISOMELHORAR Embora a mandioca seja uma fonte prontamente disponível de calorias para muita gente nos países pobres, a dependência excessiva dela pode resultar em subnutrição. Trata-se de uma fonte pobre em proteína, vitaminas A e E, ferro e zinco. A planta tem outras defi ciências:

É altamente perecível.

Normalmente é plantada a partir de mudas, o que resulta em uniformi-dade genética e vulnerabilidade a pragas e doenças.

Se algumas variedades não são cozidas adequadamente, podem causar envenenamento por cianure-to e provocar paralisia e morte.

Quem Cultiva?A mandioca é item básico da agricultura de subsistência nos trópicos, especialmente na África, onde se concentra mais da metade da produção. A planta cresce facilmen-te a partir de pequenas mudas, tolerando secas e solos inférteis. Suas raízes são um meio fácil e rápido de obtenção de calorias e podem ser extraídas em qualquer época do ano. Como o macarrão, pão ou arroz, acompanha uma enorme variedade de pratos. Em alguns países também é cultivada para comercialização.

Menos de 100.000Entre 100.000 e 1.000.000Mais de 1.000.000

PRODUÇÃO ANUAL DE MANDIOCA (em toneladas métricas)

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são comestíveis. O segundo tipo de raiz penetra mais no solo, podendo alcançar fontes de água mais profundas. Essas características colocam os híbridos entre as melhores variedades de mandio-ca para uso em regiões semiáridas, como o Nor-deste do Brasil, ou certas partes das regiões de sa-vana na África subsaariana.

A equipe está agora melhorando esses híbridos para combinar alto rendimento e tolerância à seca por meio do retrocruzamento delas com uma varie-dade produtiva de mandioca.

Um tipo diferente de manipulação – a consagra-da técnica do enxerto – é uma outra maneira de ele-var o rendimento de raízes tuberosas da mandioca, como descobriram pela primeira vez agricultores in-donésios nos anos 50. Talos de enxertos de espécies da maniçoba (como a M. glaziovii ou M. pseudo-glaziovii, ou híbridos das duas) em linhagens de mandioca aumentaram até em sete vezes a produ-ção de raízes em canteiros de testes. Infelizmente, em muitos países a prática do enxerto é difi cultada por falta de disponibilidade desses híbridos.

país em trigo importado por meio da adição de fa-rinha de mandioca à de trigo. O uso da mandioca de maior proteína ajudaria a preservar a dieta diá-ria de proteína de milhões de brasileiros.

A hibridização da mandioca com parentes selva-gens, como também a reprodução seletiva de dife-rentes variedades da mandioca, também pode aju-dar a criar plantas com outros importantes nutrien-tes. A equipe de Brasília demonstrou que certas espécies da Manihot selvagem são ricas em amino-ácidos essenciais, ferro, zinco e carotenoides como a luteína, betacaroteno e licopeno. O betacaroteno, em particular, é uma importante fonte de vitamina A, cuja falta resulta em progressivo dano à visão –um problema sério e disseminado nas áreas tropi-cais da África, Ásia e América Latina.

Considerando o status da mandioca como alimen-to essencial nos trópicos, variedades com alto teor de carotenoides poderiam contribuir signifi cativamente para solucionar defi ciências de vitamina A no mundo em desenvolvimento. Nos últimos três anos a equipe cultivou variedades de mandioca altamente produti-vas, contendo até 50 vezes mais betacaroteno do que uma mandioca comum, e está atualmente em fase de teste dessas variedades com agricultores locais.

Outro grande projeto tem como foco a mudan-ça do ciclo reprodutivo da planta. O modo comum de reprodução, por polinização, produz mudas de tipos não idênticos à planta-mãe e frequentemente com rendimento mais baixo. Por isso, os agriculto-res costumam extrair mudas dos pés de mandioca em vez de plantar sementes. No entanto, a extração permite que vírus e bactérias contaminem a planta. Geração após geração os microrganismos se acu-mulam, o que pode acabar prejudicando o rendi-mento de uma planta. Como muitas outras angios-permas, certas espécies de Manihot selvagem, in-cluindo a maniçoba (M. glaziovii), parente arbórea da mandioca, procriam tanto sexuada como asse-xuadamente, e as sementes produzidas assexual-mente se transformam em plantas que nada mais são que clones da planta-mãe. Em mais de uma dé-cada de esforços concentrados na criação interes-pécies, os pesquisadores de Brasília obtiveram faz pouco uma variedade de mandioca que pode repro-duzir-se tanto sexualmente como assexualmente, dando origem a dois tipos de sementes, assim como sua parente selvagem. Assim que novos trabalhos nessa pesquisa estiverem completos, essa variedade estará pronta para ser distribuída a agricultores.

A maniçoba tem outros genes úteis que podem ajudar a alimentar milhões de pessoas vivendo em terras áridas. Um híbrido da maniçoba com a man-dioca típica revela dois tipos de raízes. Algumas, como aquelas na mandioca, se enchem de amido e AGRICULTOR EXAMINA cultivo, em Huila, nos Andes colombianos.

[OS AUTORES]

Nagib Nassar é natural do Cairo e tem Ph.D. em genética pela Universi-dade de Alexandria, no Egito. Faz pesquisas com mandioca desde 1975 pela Universidade de Brasília, criando variedades que vêm sendo adotadas por agricultores no Brasil e exportadas para a África. Rodo-miro Ortiz nasceu em Lima, Peru. É Ph.D. em reprodução de plantas e genética pela University of Wiscon-sin-Madison e ex-diretor de mobili-zação de recursos do Centro Interna-cional de Aperfeiçoamento do Trigo e Milho, em Texcoco, México.

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Seguro contra PragasAlém de ampliar a produção e nutrição, a reprodução seletiva e o cruzamento com espécies selvagens têm sido cruciais para contra-atacar a disseminação de pregas e doenças. Melhorar a resistência ao vírus mosaico africano da mandioca é uma das mais impor-tantes conquistas na ciência da mandioca. Nos anos 20, a disseminação do mosaico africano no território da Tanganica (atualmente, Tanzânia), no leste da África, desencadeou a fome. Dois cientistas ingleses, trabalhando na Tanzânia, hibridizaram a mandioca com a maniçoba, salvando a colheita depois de qua-se sete anos de esforços.

Nos anos 70, o vírus do mosaico retornou e ameaçou áreas na Nigéria e no Zaire (atual Repú-blica Democrática do Congo-RDC). Pesquisadores do Instituto Internacional de Agricultura Tropical, na Nigéria, usaram a maniçoba e seus híbridos ori-ginários da coleção da Universidade de Brasília e novamente produziram uma mandioca resistente ao mosaico. Aquela variedade recém-criada deu lugar a uma família de variedades resistentes ao vírus do mosaico, agora cultivadas em mais de 4 milhões de hectares na África subsaariana. Nas décadas que transcorreram, a Nigéria se tornou o maior produtor mundial de mandioca. Ainda assim, os vírus passam por frequentes mutações genéticas e algum dia novas cepas do mosaico provavelmente romperão as linhas de resistência das variedades da mandioca. Por essa razão, um trabalho preventivo de reprodução de plantas será sempre necessário para fi car à frente da doença. A cochonilha da mandioca (Phenacoccus manihoti) é uma das pragas mais viru-lentas que ataca esse cultivo na África subsaariana. Esse inseto, que mata as plantas ao sugar a linfa, foi especialmente devastador na década de 70 e começo dos anos 80. Destruiu plantações e viveiros em tal pro-porção que a produção praticamente parou. Perto do fi m dos anos 70, o instituto nigeriano e pesquisadores parceiros de outras partes da África e América do Sul introduziram uma vespa predadora da América do Sul que deposita ovos em cochonilhas da mandioca, de modo que a larva da vespa acabasse devorando a cochonilha a partir de seu interior. Como resultado desse esforço, a cochonilha da mandioca foi detida na maioria das áreas produtoras da planta na África em boa parte dos anos 80 e ao longo dos anos 90. Em algumas pequenas áreas do Zaire esse sistema não funcionou bem por causa de um aumento dos pró-prios predadores da vespa parasita.

Em meados da década passada, a equipe de Brasí-lia procurou espécies selvagens da Manihot para uma solução confi ável para esse problema e encontrou características de resistência à cochonilha – e nova-mente em uma maniçoba. Variedades resistentes à

O Antigo Encontra o Moderno Parentes selvagens da mandioca, incluindo a arbustifor-me maniçoba Manihot glaziovii (à esquerda), costumam apresentar características que benefi ciariam a safra, mas não têm muitas outras também necessárias, encontra-das nas espécies domesticadas. Na consagrada técnica de retrocruzamento, os reprodutores obtêm a combina-ção certa de todas as características ao produzir muitas gerações de híbridos, muitas vezes com o auxílio de modernas ferramentas, tais como marcadores genéticos, os quais revelam a presença de determinada característi-ca de uma muda sem a necessidade de cultivá-la.

[REPRODUÇÃO CONVENCIONAL]

Híbrido

Características genéticas nas mudas

Muda com todas as características desejáveis

ProdutivaMuito calórica

PalatávelResistente a vírus

Muita proteína

●1 São identifi cados marcadores genéticos para as características desejadas na mandioca e em uma espécie selvagem (o ponto colorido signifi ca que o marcador está presente).

●2 Cruzam-se e testam-se geneti-camente mudas para as características relevantes. Cada muda terá uma combinação ao acaso de características.

●3 É criada uma planta a partir da muda híbrida mais desejável e reproduzida novamente com a mandioca.

●4 As mudas resultantes são testadas geneticamente: algu-mas podem ter todas as caracte-rísticas desejáveis. (A reprodução poderá ser repetida por múltiplas gerações até que a característica certa seja obtida.)

Mandioca

COMO FUNCIONA A REPRODUÇÃO COM O USO DE MARCADORES

ProdutivaMuito calóricaPalatávelResistente a vírusMuita proteína

Parente selvagemMandioca

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mente bem a áreas semiáridas. A mandioca deveria ter alta prioridade na ciência agrícola, mas tradicio-nalmente não tem sido assim.

Somente alguns laboratórios de pesquisa estuda essa planta, talvez por ser cultivada nos trópicos, lon-ge dos lugares onde a maioria dos cientistas do mun-do desenvolvido trabalha. Essa carência de investi-mento em pesquisa faz com que a média anual de produção na América Central e do Sul e na África não supere 14 toneladas por hectare, mesmo que estudos de campo tenham demonstrado que, com algumas melhorias, a mandioca poderia ter uma fertilidade quatro vezes maior.

O sequenciamento do genoma da mandioca, que está agora em seu primeiro esboço publicado, vai provavelmente dar impulso ao desenvolvimento da mandioca transgênica. Vai também ajudar progra-mas convencionais de reprodução seletiva por meio de uma técnica que consiste em informação recolhi-da de análise genética para guiar a reprodução de características desejadas. Estabelecer uma rede mun-dial para coordenar esforços de todas as instituições que realizam experiências com mandioca vai assegurar que o potencial desse cultivo não seja jogado fora. ■

cochonilha estão sendo agora cultivadas por peque-nos agricultores na região do entorno de Brasília e podem ser exportadas para outros países no caso de essa praga retornar.

Olhando para a frente, antevemos que caracterís-ticas novas, valiosas podem surgir da criação de qui-meras. Uma quimera é um organismo com dois ou mais tecidos distintos geneticamente crescendo den-tro de si. Há dois tipos principais de quimeras.

Em quimeras setoriais, dois diferentes setores lon-gitudinais de tecido são visíveis em um órgão da plan-ta, mas seu crescimento não é estável porque um dos tecidos cresce mais rápido do que o outro e pode, em breve, ocupar o rebento inteiro. No segundo tipo de quimera, chamado periclinal, a parte externa do rebento cerca a parte interna e pode ser mais estável do que uma quimera setorial.

Estão sendo realizadas experiências em Brasília para desenvolver um método de enxerto que produ-zirá quimeras periclinais estáveis usando tecidos da maniçoba. Tal abordagem pode conduzir à contínua expansão da raiz toda vez que um talo de quimera for plantado. Até agora as quimeras vêm mostrando pro-dutividade promissora e parecem adaptar-se especial-

PARA CONHECER MAIS

De volta para o futuro dos cereais. Stephen A. Goff e John M. Salmeron, em SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL, setem-bro de 2004, edição 28.

Agricultura do futuro: um retorno às raízes?. Jerry D. Glover, Cindy M. Cox e John P. Reganold, em SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL, setembro de 2007, edição 64.

Failure to yield: evaluating the per-formance of genetically engineered crops. Doug Gurian-Sherman. União dos Cientistas Preocupados, 2009. Dis-ponível em www.ucsusa.org/food_and_agriculture

A engenharia genética, agora amplamente adotada na agricultura dos Estados Unidos, está começando a mostrar resultados também na mandio-

ca. Mas é improvável que versões geneticamente modifi cadas estejam disponí-veis em larga escala em breve, e há quem tema que o fi nanciamento da pesqui-sa não esteja sendo direcionado para métodos tradicionais, mais baratos, de desenvolvimento de novas variedades.

Grandes avanços surgem de um trabalho de cooperação internacional chamado BioCassava Plus. O grupo criou variedades de mandioca ricas em zinco, ferro, proteína, betacaroteno (uma fonte de vitamina A) e vitamina E por meio do uso de genes de outros organismos –incluindo alga, bactéria e outras plantas.

“Nós atingimos nossa meta”, diz Richard Sayre, principal pesquisador do BioCassava Plus, do Centro de Ciência da Planta Donald Danforth, em St. Louis. Todas as novas varie-dades transgênicas são agora experimentos de campo em canteiros de teste em Porto Rico, e o programa recebeu sinal verde para iniciar experimentos de campo na Nigéria. A reprodução tradicional pode proporcionar betacaroteno à mandioca, diz ele, mas, quanto a ferro e zinco, somente a engenharia genética obteve resultados até agora.

Enquanto isso, a equipe de Sayre está trabalhando na combinação de todas as novas características em uma única variedade. O projeto é fi nanciado pela Funda-ção Bill & Melinda Gates e pela Monsanto (o apoio da Monsanto veio com condi-ções impostas: a corporação se reserva o direito de cobrar pelo uso das variedades se a renda bruta do agricultor exceder US$ 10 mil por ano).

Peter Beyer, da Universidade de Freiburg, na Alemanha, qualifi ca como avanço importante as conquistas do BioCassava Plus. Mas acrescenta: “O passo daqui até o produto, contudo, ainda é dos grandes”. Beyer deve saber: o “arroz doura-do”, rico em betacaroteno, que ele e seus colegas foram os primeiros a anunciar em 2000, ganhando a capa da revista Time, somente agora está perto da aprova-

ção em vários países.Engendrar novos organismos

pode ser rápido, ele observa, mas demonstrar que eles são seguros para o ambiente e o consumo e reproduzi-los como variedades que sejam palatáveis para gostos locais não é: de 10 a 12 anos é a norma. “Os reguladores simplesmente não permitem que você proceda de modo tão rápido como com uma variedade que tenha sido criada por método tradicional”, diz Beyer. Além de não ser necessariamente mais rápida que a reprodução convencio-nal, a engenharia genética é muito mais cara e, às vezes, genes que

funcionam bem em um organismo não se saem tão bem em outro.“Muita gente parece ter tomado uma bebida que os faz acreditar em tudo”,

diz Doug Gurian-Sherman, da União dos Cientistas Preocupados, referindo-se à promessa da engenharia genética. Consequentemente, ela tende a obter uma quantia desproporcional de fi nanciamento à pesquisa. “Acho que colocar todos os seus ovos em uma cesta é um enorme erro”, comenta ele, acrescentando que agências públicas de fi nanciamento deveriam ajudar a restabelecer um equilíbrio.

[MANDIOCA GENETICAMENTE MODIFICADA]

O Caminho Biotecnológico

SEMENTES TRABALHADAS em laboratório.

– Davide Castelvecchi, editor