cicatrizes e ganhos

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Não demorou muito para o banco estivesse próximo dela. Estava em um parque onde muitos deste havia e por isto logo um esteve perto o sufciente para que ela pudesse se acomodar nele. Acomodar, não se sentar. Era claro o quã o con ortá vel ela estava ali, completamente esticada enquanto sentada, ftando o cu como um quadro di!cil de entender em um museu. " vento brinca va com seu cabelo, as pes soas iam e voltavam, as olhas dan#avam pela trilha e o mundo continuava a girar, porm nada tirava sua aten#ão do cu. $as afnal, o que ela pensava% Eu, em outro banco, a observava curioso. Nunca vira algum aproveitar tão bem seu tempo no pa rq ue como ela, concentrado em nada de sumo import&ncia. " que era o cu% 'ó aquele espa#o acima de nós, nada mais. Eu (á vira coisas demais na vida para ainda acreditar haver algo maior que nós mesmos, algo que rege tudo o que acontece na vida, algo invis!vel a olhos mundanos. 'e existia algo deste tipo seria a pessoa por trás desse sistema alido, que me enfou naquela enrascada idiota. E ainda não sabia o que a garota queria com aquele observar do cu. "usei fta)lo um pouco para entend*)lo, mas nenhuma resposta me veio. +edui que o cu osse o plano de undo de seus pensamentos, uma un#ão melhor para este. A naturea em si sempre ora o plano de undo da minha vida, por isto nunca entendia bem toda aquela vontade de contemplá)la. "lhe, uma praia- Alguns diriam com grande anima#ão. Eu só conseguia pensar na textura da praia, que melhor tática poderia usar sobre ela, como correr para o mar pa ra me esconder, como usá)la para cegar meu inimigo , como sobreviver. 'im, não tenho vergonha de assumir que eu somente existo nesta dimensão, não ve(o nenhum mal em cada dia somente seguir meus instintos de sobreviv*ncia. Afnal, vivera muitos anos assim. ansado da complica#ão que era a mente da estranha resolvi procurar outro ob(eto para ver. Antes de decidir um mosquito me picou exatamente sobre uma das minhas muitas cicatr i es. /i nguei)o em si l*ncio enquanto procurava por este para mata)lo, (á que inelimente ele ora rápido em seu trabalho. $as de repente, talve inspirado por aquele ar also relaxante que os parques burgueses t*m, me dediquei a meditar sobre minhas marcas. 0embrava)se de como cada uma delas nasceu. A que o mosquito mordera, por exemplo, oi um 1ltimo ato de meu pretenso inimigo, sua tentativa, para a minha sorte alha, de manter)se vivo. Não que muitas outras não tivessem sido assim, mas aquela ora a 1nica que realmente me e indagar por que raios eu tinha que mata)lo. 2oi a primeira ve que senti algo. 2ora treinado para nada sentir, e nisto o sistema não alh ou- 2ui excelente neste sentido, ex cepci onal, capa de matar qualquer pessoa sem me culpabiliar ou analisar a valide disso... At aquela cicatri. 3uantas vidas minhas mãos (á haviam surrupiado eu não sabia ao certo, só que eram muitas. Era primeira ve tambm que não pensava em muitas, mas sim demais. Era tambm a primeira ve, e neste momento eu não sinto vergonha de repetir esta senten#a, que eu quase

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Page 1: Cicatrizes e Ganhos

 

Não demorou muito para o banco estivesse próximo dela. Estava em um

parque onde muitos deste havia e por isto logo um esteve perto o sufciente

para que ela pudesse se acomodar nele. Acomodar, não se sentar. Era claro

o quão conortável ela estava ali, completamente esticada enquanto

sentada, ftando o cu como um quadro di!cil de entender em um museu. "

vento brincava com seu cabelo, as pessoas iam e voltavam, as olhas

dan#avam pela trilha e o mundo continuava a girar, porm nada tirava sua

aten#ão do cu. $as afnal, o que ela pensava%

Eu, em outro banco, a observava curioso. Nunca vira algum aproveitar tão

bem seu tempo no parque como ela, concentrado em nada de sumo

import&ncia. " que era o cu% 'ó aquele espa#o acima de nós, nada mais.

Eu (á vira coisas demais na vida para ainda acreditar haver algo maior que

nós mesmos, algo que rege tudo o que acontece na vida, algo invis!vel a

olhos mundanos. 'e existia algo deste tipo seria a pessoa por trás desse

sistema alido, que me enfou naquela enrascada idiota.

E ainda não sabia o que a garota queria com aquele observar do cu. "usei

fta)lo um pouco para entend*)lo, mas nenhuma resposta me veio. +edui

que o cu osse o plano de undo de seus pensamentos, uma un#ão melhor

para este. A naturea em si sempre ora o plano de undo da minha vida,

por isto nunca entendia bem toda aquela vontade de contemplá)la. "lhe,

uma praia- Alguns diriam com grande anima#ão. Eu só conseguia pensar na

textura da praia, que melhor tática poderia usar sobre ela, como correr para

o mar para me esconder, como usá)la para cegar meu inimigo, como

sobreviver. 'im, não tenho vergonha de assumir que eu somente existo

nesta dimensão, não ve(o nenhum mal em cada dia somente seguir meus

instintos de sobreviv*ncia. Afnal, vivera muitos anos assim.

ansado da complica#ão que era a mente da estranha resolvi procurar outro

ob(eto para ver. Antes de decidir um mosquito me picou exatamente sobre

uma das minhas muitas cicatries. /inguei)o em sil*ncio enquanto

procurava por este para mata)lo, (á que inelimente ele ora rápido em seu

trabalho. $as de repente, talve inspirado por aquele ar also relaxante que

os parques burgueses t*m, me dediquei a meditar sobre minhas marcas.

0embrava)se de como cada uma delas nasceu. A que o mosquito mordera,

por exemplo, oi um 1ltimo ato de meu pretenso inimigo, sua tentativa, para

a minha sorte alha, de manter)se vivo. Não que muitas outras não tivessem

sido assim, mas aquela ora a 1nica que realmente me e indagar por que

raios eu tinha que mata)lo.

2oi a primeira ve que senti algo. 2ora treinado para nada sentir, e nisto o

sistema não alhou- 2ui excelente neste sentido, excepcional, capa de

matar qualquer pessoa sem me culpabiliar ou analisar a valide disso... At

aquela cicatri. 3uantas vidas minhas mãos (á haviam surrupiado eu não

sabia ao certo, só que eram muitas. Era primeira ve tambm que não

pensava em muitas, mas sim demais. Era tambm a primeira ve, e neste

momento eu não sinto vergonha de repetir esta senten#a, que eu quase

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molhei meu rosto com o l!quido salgado do racasso. 4or sorte tambm oi

quando os anos de erro acabaram. Era o fm da guerra.

+e repente uma mão que não minha passava os dedos sobre aquela

cicatri, surpreendendo)me. Após expressar o susto percebi que era a

garota que olhava o cu, agora sentada ao meu lado a observar a minha

marca na pele. 'eus olhos continuavam tão pensativos quanto antes, talve

at mais agora que viam aquelas linhas de horror. $as ainda assim

mantinham aquele brilho de compreensão que me deixava torturantemente

curioso. Eu, sempre incomodado com o invadir de meu espa#o pessoal,

treinado para matar quem assim o fesse, fquei ainda mais conuso a me

ver sem rea#ão 5quela proximidade.

) 6antas cicatries voc* carrega, senhor. 4rincipalmente estas em sua

mente. 7 'uas mãos subiram para o meu rosto e o segurou com cuidado e

carinho, daquele tipo que desconhecidos só se oerecem no natal ou quando

havia um interesse por trás. Era este o caso dela% +e qualquer orma era

melhor cortar o mal pela rai, eu pensei, todavia não o pus em prática. om

um leve atraso minha mente oi inebriada por sua segunda rase. " que%

3uais% At parecia que ela vira sua memória da culpa e das quase lágrimas,

mas se bem entendia aquilo era uma lembran#a e nada mais, não havia

mais marcas disto alm das que estavam sobre minha pele.

 6entei abrir minha boca. 6entei, (á que na verdade ao invs disto eu comecei

a divagar no meu re8exo nos olhos dela. Antes ela olhava o cu, em seguida

minha cicatri e agora eu. omo em poucos instantes de dieren#a estas

tr*s coisas a instigavam% 'eria eu tão interessante quanto o cu, e por isto

um in1til, um plano de undo% 'eria algo em meus olhos, que eram auis,

que lembravam aquele teto da terra% 'eria a solidão dos tr*s%

'il*ncio. Não sei como a desconhecida e meu crebro pausar pelo tempo

que seus dedos percorreram minhas cicatries expostas, terminando na que

tinha abaixo do meu olho, curiosamente parecida com uma lágrima. Ao

voltar a pensar eu respirei undo, sentindo)se realmente relaxado. 4isquei

algumas vees ao acordar desse sonho intenso sobre o nada, vendo)se não

mais inebriado pelo seu olhar, mas somente com um banco. Ao procurar por

ela pelo parque nada vi, a exce#ão por uma olha que ca!ra onde ela antes

estava sentada. 9i. 0evantei)me e ui embora, nada mais tinha que aer ali.

'abia que estava deixando ali minha suposta sanidade, o que ganhara com

isto...