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1 Reflexões sobre o associativismo étnico em Dourados-MS 1 Ellen Cristina de Almeida (UFGD/MS) 2 O associativismo étnico tem despontado, desde o final da década de 1980, como mais uma alternativa de organização política em que os grupos étnicos tem se mobilizado para acessar políticas públicas. Essa categoria de participação é marcada pelo paradigma da autonomia e do protagonismo indígena garantido pela Constituição de 1988, pelos Artigos 231 e 232. Neste sentido, os povos indígenas e suas associações constituem novos sujeitos que buscam tanto reconhecimento, quanto melhores condições nas Terras Indígenas. Diante do fato de que essas organizações articuladoras são reconhecidas pelo Estado nacional brasileiro, através do regulamento cartorial, este trabalho tem por objetivo refletir sobre os impactos, os desafios e as potencialidades desse tipo de organização, como também apresentar reflexões sobre a relação dessas organizações com instituições estatais e não-governamentais. Palavras-chave: 1- Associações indígenas, 2- Reserva Francisco Horta Barbosa, 3- Dourados-MS. Introdução O trabalho que se segue faz parte da minha pesquisa de mestrado no PPGAnt/UFGD, cujo tema é o associativismo étnico na Terra Indígena Francisco Horta Barbosa, em Dourados-MS. Como anuncio no resumo, as associações indígenas surgem como mais um referencial para a organização política da população indígena, no sentido tanto de reconhecimento, quanto de atendimento das demandas nas Terras Indígenas em território brasileiro. Mas falar de associações indígenas implica pensar em várias questões, como por exemplo, a contextualização a partir do Movimento Indígena e também refletir sobre os desafios desse tipo de organização. Max Weber contribui com a definição de conceitos sociológicos importantes para pensar as categorias presentes na sociedade ocidental, entre elas as associações. Diferenciando a “relação comunitária” da “associativa”, Weber destaca: “quando e na medida em que a atitude na ação social repousa num ajuste ou numa união de interesses racionalmente motivados (com referência a valores ou afins) (...)” (WEBER, 1999, p.25). Essa relação associativa” quando apresentada em um tipo de “relação social fechada, segundo Weber, implica pensar uma organização com base em fundamentos específicos a partir de uma estrutura formada pelo “dirigente” e pelo “quadro 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN. 2 Bolsita da Fundect (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul) mais especificamente pelo edital FUNDECT/CAPES n° 010/2013 Mestrado.

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Page 1: ciando a “relação comunitária” da “associativa”, Weber ... · ancestralidade pré-colombiana ou précolonial, nos esforços altamente reflexivos de gestão da tradição

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Reflexões sobre o associativismo étnico em Dourados-MS1

Ellen Cristina de Almeida (UFGD/MS)2

O associativismo étnico tem despontado, desde o final da década de 1980, como mais

uma alternativa de organização política em que os grupos étnicos tem se mobilizado

para acessar políticas públicas. Essa categoria de participação é marcada pelo paradigma

da autonomia e do protagonismo indígena garantido pela Constituição de 1988, pelos

Artigos 231 e 232. Neste sentido, os povos indígenas e suas associações constituem

novos sujeitos que buscam tanto reconhecimento, quanto melhores condições nas Terras

Indígenas. Diante do fato de que essas organizações articuladoras são reconhecidas pelo

Estado nacional brasileiro, através do regulamento cartorial, este trabalho tem por

objetivo refletir sobre os impactos, os desafios e as potencialidades desse tipo de

organização, como também apresentar reflexões sobre a relação dessas organizações

com instituições estatais e não-governamentais.

Palavras-chave: 1- Associações indígenas, 2- Reserva Francisco Horta Barbosa, 3-

Dourados-MS.

Introdução

O trabalho que se segue faz parte da minha pesquisa de mestrado no

PPGAnt/UFGD, cujo tema é o associativismo étnico na Terra Indígena Francisco Horta

Barbosa, em Dourados-MS. Como anuncio no resumo, as associações indígenas surgem

como mais um referencial para a organização política da população indígena, no sentido

tanto de reconhecimento, quanto de atendimento das demandas nas Terras Indígenas em

território brasileiro. Mas falar de associações indígenas implica pensar em várias

questões, como por exemplo, a contextualização a partir do Movimento Indígena e

também refletir sobre os desafios desse tipo de organização.

Max Weber contribui com a definição de conceitos sociológicos importantes

para pensar as categorias presentes na sociedade ocidental, entre elas as associações.

Diferenciando a “relação comunitária” da “associativa”, Weber destaca: “quando e na

medida em que a atitude na ação social repousa num ajuste ou numa união de interesses

racionalmente motivados (com referência a valores ou afins) (...)” (WEBER, 1999,

p.25). Essa “relação associativa” quando apresentada em um tipo de “relação social

fechada”, segundo Weber, implica pensar uma organização com base em fundamentos

específicos a partir de uma estrutura formada pelo “dirigente” e pelo “quadro

1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de

agosto de 2014, Natal/RN. 2 Bolsita da Fundect (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado

de Mato Grosso do Sul) mais especificamente pelo edital FUNDECT/CAPES n° 010/2013 – Mestrado.

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administrativo”3. Neste sentido, a ordem que legitima essa associação pode ser atribuída

à afetividade, à religião ou à racionalidade. Nesse último sentido, Weber destaca o

direito como um fator de “coação”, que por fim é legitimado pelos participantes da

associação.

No caso das organizações/associações regulamentadas em território nacional têm

sua formulação a partir do Código Civil Brasileiro de 2002, na parte das Pessoas

Jurídicas, no Art.53 mais especificamente, que define a associação da seguinte maneira:

“constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não

econômicos” (BRASIL, 2014). Além disso, é a mesma legislação que orienta o

conteúdo que deve estar presente no estatuto de sua fundação.

Sendo assim, a não adequação da associação conforme a lei, acarreta no não

reconhecimento da mesma pelo Estado brasileiro. A “coação” específica para as

associações é a negação do acesso às das políticas públicas de incentivo a realização de

projetos nas aldeias, no caso indígena. Neste sentido, a antropóloga Mariza Peirano, faz

uma reflexão sobre o significado dos de que documentos no Brasil enquanto “emblemas

de identidade cívica” (PEIRANO, 2006, p.123) que separam os marginais dos cidadãos.

Assim, o registro cartorial legitima quais organizações podem participar das relações

políticas e, consequentemente, quais podem executar projetos financiados por órgãos e

instituições nacionais e internacionais.

Para discutir sobre essa forma de organização entre populações indígenas, Sidnei

Peres contribui com a reflexão de que as associações indígenas são “novos atores

políticos” que atuam no enfrentamento das desigualdades, buscando o atendimento e a

criação de políticas públicas:

“É neste sentido que entendo o fenômeno associativo indígena como

um desenho participativo, horizontal e descentralizado de

implementação de políticas étnicas de mobilização coletiva, mas

também altamente formalizado (diretoria, conselho fiscal, assembléia)

e dependente mesmo de uma base cartorial (registro no Cadastro

Nacional de Pessoas Jurídicas/CNPJ), enquanto modalidade de

reconhecimento oficial, e de assessoria profissional como condições

de acesso a redes de cooperação internacional. A associação indígena

é uma forma voluntária de engajamento, com diferentes níveis de

adesão, baseada na livre decisão em assumir publicamente uma

ancestralidade pré-colombiana ou précolonial, nos esforços altamente

reflexivos de gestão da tradição e da identidade étnica num campo de

3 Para Weber, essa formação pode ser localizada em uma única organização ou uma organização

apresentar uma das duas formas.

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produção da indianidade marcado por estratégias de politização da

cultura e formação de alianças nas esferas públicas não-estatais

globalizadas” (PERES, 2003, p.37)

Para além de apresentar questões pertinentes que perpassam o tema do

associativismo étnico, trago para o debate especificidades que surgiram durante o

trabalho de campo que fazem parte da realidade das associações indígenas. Refiro-me

ao processo de regulamentação de uma associação em que qualquer grupo, seja indígena

ou não, passa para se ter o reconhecimento do Estado brasileiro, bem como a

necessidade de pensar o papel das instituições que trabalham com as associações

indígenas. Tais discussões ficaram evidentes quando iniciei o trabalho de campo com a

expectativa de mapear a rede de apoio das associações indígenas.

Vale destacar que desde o ano de 2009 venho refletindo sobre o tema do

associativismo étnico, quando iniciei um PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de

Iniciação Científica) na Associação de Mulheres Indígenas de Dourados/AMID, com a

orientação da antropóloga Cíntia Müller. Portanto, meus dados estão relacionados ao

tempo de observação que antecede o projeto de mestrado, como também, meus

interlocutores vêm sendo encontrados nessa trajetória. Ainda destaco o fato de que

morar em Dourados faz com que eu tenha acesso a várias informações no cotidiano.

Estas, coletadas nos mais variados espaços, desde eventos na universidade, encontros

informais em supermercados, órgãos públicos e encontros com outros pesquisadores.

Neste sentido, telefonemas, caronas, e-mail’s, fazem parte desse campo amplo de

intensas relações interétnicas travadas cotidianamente por quem mora nessa cidade.

Tendo apresentado os temas de discussão deste trabalho, sigo com uma breve

apresentação dos momentos históricos que foram fundamentais para incentivar as

populações indígenas a se organizarem em associações.

Do Movimento Indígena ao associativismo étnico

Os estudos sobre movimentos sociais ganham espaço nas discussões

acadêmicas, principalmente a partir da década de 1970. Para a socióloga Kauchakje

movimento social representa:

(...) formas de ação coletiva com algum grau de organização e

representam o conflito ou a contradição entre setores da população

pela conquista e/ou administração de recursos e bens econômicos,

culturais e políticos e, também, para promover modificações e

transformações das relações instituídas de uma sociedade (...)

emergem das contradições fundamentais da sociedade e/ou de

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demandas conjunturais decorrentes de carências econômico-culturais

(KAUCHAKJE, 2008, p.275).

Conceitualmente, a primeira ideia de movimento social estava ligada aos

movimentos socialistas e trabalhistas pós Revolução Industrial. Neste sentido,

pensadores acreditavam na constituição de um movimento social a partir das lutas de

classe, das reivindicações trabalhistas.

Para Kauchakje, a mudança conceitual do que se entende por movimento social

ocorre “conforme avança a segunda metade do século XX, o campo teórico dos

movimentos sociais foi se alterando, sob a influência de novas e profundas

modificações socioculturais e político-econômicas (IDEM, 2008, p.671)”. Ou seja, a

autora refere-se à incorporação de novos temas no debate dos movimentos sociais. Eram

os movimentos de matriz étnica, de gênero e outros que entravam na cena política

mundial no final do século XX configurando o que é chamado de Novos Movimentos

Sociais.

Kauchakje fala de um período em que os movimentos tiveram que se apoiar para

alcançarem seus objetivos e destaca algo que é inerente às mobilizações no Brasil, a luta

pela terra. Afinal, essa foi e é uma pauta não só dos grupos étnicos como também é

objetivo de vários setores da sociedade brasileira (movimentos por reforma agrária). Por

essa centralidade da questão da terra, se deu em determinados momentos, a união entre

o movimento indígena e outros movimentos sociais (SANT’ANA, 2010, p.96).

Paralelamente à mobilização de vários segmentos no Brasil, o Movimento

Indígena4 agiu apresentando as especificidades das populações indígenas. O pesquisador

Gersem Luciano caracteriza o movimento a partir de um “conjunto de estratégias e

ações que as comunidades e organizações indígenas desenvolvem em defesa de seus

direitos e interesses coletivos” (LUCIANO, 2006, p. 58). Segundo o autor essas ações

foram de extrema importância para que os indígenas tivessem espaço na discussão

política no período de redemocratização do país.

Neste cenário de mobilização, os grupos étnicos do Brasil se articularam e

apresentaram suas demandas por reconhecimento e garantias de direitos. Nesse primeiro

momento, na década de 1970 e início de 1980, o Movimento Indígena, constituído pelas

4 Utilizo Movimentos no plural para caracterizar um período de vários movimentos étnicos em todo o

território brasileiro, enquanto Movimento, no singular, corresponde ao fato de que esses movimentos

tornaram-se um único para buscar direitos tradicionais no período pré Constituição.

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lideranças de várias etnias e pelas instituições parceiras, buscava o reconhecimento de

identidade e de direitos (BAINES, 2012). Várias instituições foram apoiadoras do

Movimento Indígena nacional, nesse período oferecendo a “realização de encontros e

assembleias indígenas, como espaços de intercambio entre as comunidades e os povos”

(LUCIANO, 2006, p.73).

Ainda sobre esse primeiro momento de participação política dos grupos étnicos,

Luciano caracteriza como “indigenismo não-governamental”, sendo a fase das grandes

mobilizações patrocinadas por organizações não-governamentais. Para o antropólogo

esse período “culminaria em importantes conquistas na Constituição de 1988”

(Idem,p.73). Após o período de promulgação da nova Constituição, amplia-se a relação

entre Estado e povos indígenas, pois nesse interim é quebrada a hegemonia da FUNAI

no que se refere ao atendimento das populações indígenas envolvendo outros

ministérios5.

É a partir da nova Constituição que é superado o regime de tutela, pois a Carta

Magna reconhece as organizações políticas dos indígenas em seu artigo 2326. A nova

Constituição é um marco separador, “divisor de águas” para a organização política dos

grupos étnicos no Brasil. Antes dela a luta do Movimento Indígena era por

reconhecimento étnico e garantias de direitos específicos e depois dela os grupos se

mobilizam para efetivar seus direitos. Em virtude desse marco, surgem as primeiras

associações indígenas no país.

Para o antropólogo Stephen Baines, a mobilização indígena foi responsável para

que ocorressem as principais mudanças na relação entre Estado e indígenas. O autor

sintetiza essas transformações evidenciando duas inovações lançadas na Constituição. A

primeira seria o abandono da perspectiva assimilacionista e a outra diz respeito ao

rompimento do regime tutelar (BAINES, 2012). Para Baines, essas inovações

permitiram que se desenvolvesse um protagonismo indígena, principalmente no que se

refere às organizações indígenas.

No Mato Grosso do Sul esse protagonismo indígena pode ser destacado pelas

formas de organização política dos grupos étnicos em torno de suas reivindicações. O

5 A educação escolar indígena passa a ser atribuição do Ministério da Educação e a saúde passa para o

Ministério da Saúde para a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). 6 Na década de 1990 acontece outro grande avanço para a política indígena no país com a ratificação de

convênios internacionais, por exemplo em 1993 o Brasil assina a Convenção 169 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT).

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movimento indígena surgido na região sul do estado estava (ainda está) ligado à

retomada das terras tradicionais. O antropólogo Fabio Mura sintetiza a centralidade do

movimento de retomada:

“o sistemático desmatamento da região, a conseqüente expulsão de

famílias indígenas de lugares tradicionalmente por elas ocupados e a

situação dramática das reservas, conformavam uma situação

insustentável para a vida guarani, o que se revela na organização de

seu movimento de reivindicação por terras” (MURA, 2005, p.57).

Em meio a um contexto de perda e retomada dos Tekoha duas formas de

organização política surgem e ganham destaque no âmbito dos movimentos sociais

como organizações fortes e respeitadas: o Movimento dos professores Guarani e

Kaiowá e a Aty Guasu. Ambos são movimentos de caráter étnico e estão entrelaçados.

Os participantes do Movimento de Professores são também participantes da Aty Guasu.

A primeira organização é voltada para a educação e teve uma importante participação

na década de 1990 para a constituição de dois cursos específicos para os Guarani e

Kaiowá7. A outra organização é a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá - Aty Guasu,

na qual as lideranças de toda a região sul do estado participam. São discutidos todos os

assuntos que dizem respeito ao cotidiano nas reservas, aldeias e acampamentos. Na

atualidade, a Aty Guasu representa um grande espaço de discussão política dos grupos,

principalmente no que se refere às relações interétnicas, pois várias instituições estatais

e não-governamentais são convidadas para participarem do evento.

As associações indígenas não formam um modelo de organização que foge aos

outros tipos de organização, no sentido que elas também apresentam o caráter étnico em

sua formação, além disso, apresentam demandas para aldeia, que implicam na

ampliação dos territórios. Entretanto, o ponto diferencial das associações é a ideia do

caráter relacional que elas constituem com as instituições estatais, principalmente pelo

atrelamento direto através do registro cartorial, que permite o controle do Estado no que

refere as atividades desenvolvidas (ALMEIDA, 2012).

É nesse contexto de fortalecimento das organizações indígenas, pós

Constituição, que o associativismo étnico surge como mais uma forma dos grupos

apresentarem suas demandas e vê-las atendidas. As associações formadas possuem o

intuito de acessar políticas públicas de sustentabilidade e, consequentemente, a melhoria

7 Curso de Nível Médio Ará Verá ligado ao Estado em parceria com os municípios, e o Curso de

Licenciatura Indígena Teko Arandu, Curso regular da Universidade Federal da Grande Dourados,

também com parcerias do Estado, dos Municípios e outros.

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das condições materiais das famílias e da aldeia, ao mesmo tempo em que apresentam

em um campo de interlocução com não-indígenas a autenticidade indígena (PERES,

2003).

Neste sentido, as associações acabam formando um capítulo a parte do processo

de organização política dos povos indígenas. Como demonstra o antropólogo Bruce

Albert, só na Amazônia, depois da promulgação da Constituição, houve uma

multiplicação de associações indígenas, principalmente na categoria de OSCIP

(Organização de Sociedade Civil de Interesse Público). De 10 associações no final da

década de 1980, passaram para 180 em 2000, regularizadas ou em processo de

regularização em cartório. Algo importante que Albert relata e que pode ser observado

em Dourados-MS é que muitas vezes essas associações desempenham funções políticas

de representação e discussão das políticas públicas nas aldeias. O antropólogo enfatiza

que:

“O recente boom das associações indígenas tem, portanto, como

condições fundamentais de possibilidade, por um lado, o quadro

jurídico progressista da nova Constituição e, do outro, o “mercado de

projetos” aberto pela cooperação bi e multilateral e pelas ONGs

internacionais, seguidas pelos crescentes investimentos públicos

nacionais no setor das OSC (Ministérios do Meio Ambiente, da Saúde

e da Educação)” (ALBERT, 2013, s/p).

O surgimento das associações indígenas na Amazônia, bem como no MS está

ligado a um contexto sócio-cultural, demonstrando assim o porquê de na atualidade das

reservas e aldeias essa forma de organização ser uma das mais presentes. Os grupos

dialogam tanto com o governo quanto com as instituições internacionais.

Assim o associativismo étnico é estimulado por ações e políticas externas, e

nesse sentido, não se diferencia tanto as realidades em Dourados e em outros locais,

como apresento nos próximos tópicos.

Em Dourados, na Terra Indígena Francisco Horta Barbosa, as associações

também cumprem a função de buscar/acessar verbas públicas, como também formam

organizações que representam os grupos nas questões de desenvolvimento da

agricultura ou criação de animais, fazendo frente principalmente na distribuição do uso

dos tratores para o preparo da terra, na distribuição de sementes, via FUNAI ou

Embrapa (PASSOS, 2006).

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Essas distribuições são acessadas por diferentes agentes em diferentes contextos

históricos. Durante as décadas de os anos 1970 e 1980 era o capitão8 quem

intermediava, principalmente no que referia à relação entre indígenas e FUNAI. Nesse

contexto, trabalhos agrícolas, sementes, óleo, trator, veneno, e outros insumos agrícolas,

eram distribuídos pelo capitão conforme suas relações parentais e políticas. (PASSOS,

2006, p. 143). A partir da década de 1990 os grupos vinculados a associações começam

a se representar através de outras lideranças e associações.

Faz-se necessário apresentar, mesmo que sucintamente, o universo de pesquisa

das duas aldeias que compreende a Terra Indígena de Dourados – Francisco Horta

Barbosa.

Notas sobre a Terra Indígena de Dourados e suas associações

No início do Século XX, oito reservas foram demarcadas pelo antigo SPI

(Serviço de Proteção ao Índio) na região sul do que hoje corresponde ao estado do Mato

Grosso do Sul. Tais ações estavam de acordo com a estratégia de liberar a terra para

atuação da colonização (BRAND, 2004). Criada em 1917 para indígenas da etnia

Kaiowá, logo após sua demarcação, a Terra Indígena começa a se configurar como

“sistema multiétnico” (PEREIRA, no prelo). Isso porque começam a chegar os Guarani

e Terena que já estavam na região de Dourados, em decorrência do deslocamento

demográfico provocado pela guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1865 - 1870).

Para Pereira, um dos fatores da complexidade do universo de pesquisa foi que os grupos

mantiveram suas características étnicas, como língua e organização social, mesmo

quando ocorriam os casamentos interétnicos.

A Terra Indígena é dividida em duas aldeias, Jaguapiru e Bororó. A aldeia

Jaguapiru é composta etnicamente, mas não unicamente, por grupos Guarani e Terena.

Essa aldeia é facilmente acessada pela região central da cidade de Douradosatravés da

rodovia MS 156. A aldeia Bororó é composta (também não exclusivamente) por

indígenas Kaiowá. Até mais ou menos uma década atrás essa aldeia era tida como a de

mais difícil acesso, no entanto, a crescente urbanização da cidade e a construção da

perimetral norte “Ivo Anunciato Cersósimo” fez com que a Bororó se aproximasse

geograficamente de bairros da cidade (Monte Carlo, Santa Fé e Parque Alvorada).

Em relação à realidade da TI Francisco Horta Barbosa, destaco um trecho de um

texto inédito do antropólogo Levi Marques Pereira:

8 Figura criada pelo SPI para fazer o diálogo entre a população e o órgão estatal (BRAND, 2004).

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“Por conta da proximidade da cidade de Dourados e da dependência

em relação a sociedade nacional, as famílias das três etnias mantêm

interação freqüente e intensa com os não-índios que vivem fora da

Terra Indígena, mas cujos interesses estão de alguma forma voltados

para a população que vive na Terra Indígena, tais como comerciantes,

agenciadores de mão-de-obra, políticos, funcionários públicos, ONGs,

pesquisadores, universidades, religiosos, etc. Os indígenas, por sua

vez, transitam quase que cotidianamente pela cidade por diversos

motivos, tais como: estudo, trabalho, diversão, vendas de artesanato e

produtos agrícolas, compra de alimentos, dentre outros motivos. Os

meios de comunicação de massa como a TV e o rádio fazem parte do

dia-a-dia das famílias, sendo comum presenciar situações em que as

formas de conduta indígena se inspiram diretamente em programações

veiculadas pela mídia” (PEREIRA, no prelo)

A partir desse texto pode-se perceber a pluralidade de questões quando se

fala/pensa/age em relação às duas aldeias em Dourados. Isso porque envolve refletir

sobre relação entre etnias, formação de grupos/parentelas, alianças políticas contextuais,

relações com as instituições públicas e não governamentais; e ainda os espaços

interculturais que implicam uma imbricação da cidade na aldeia, e da aldeia na cidade

ao mesmo tempo (MOURA, no prelo). Enfim, relações de interdependências, conflitos e

alianças.

Trago para a discussão a noção de campo social de Max Gluckman, que serve

para pensar o campo e, consequentemente, as associações indígenas no contexto plural

de Dourados. Desta forma, a ideia de campo social9 torna-se importante por evidenciar

as relações de interdependência entre grupos e atores em uma relação estabelecida sob

várias conexões. Esse conceito se torna importante para pensar Dourados, por dar ênfase

também aos conflitos e mudanças sociais.

A Terra Indígena tem uma superpopulação de 12 mil indígenas (MEYER, 2014)

de 3 etnias10

, considerada um espaço multiétnico pelo fato de que muitas famílias estão

“misturadas” pelos casamentos interétnicos, pelas alianças políticas, e estão inseridas

em redes de apoio indigenista configurando interdependência em várias situações.

Pensando nessa interdependência que propõe Gluckman através da noção de campo

social, já mencionado, trago para o texto uma ideia apresentada pela historiadora Marta

Troquez.

9 Para João Pacheco de Oliveira, os recortes de Gluckman sobre “campo e situação social são conceitos

solidários, que tendem a se identificar no processo da pesquisa. Toda análise situacional acaba por

delimitar (anda que implicitamente) um campo, todo campo supõe uma multiplicidade de contextos que

poderiam ser decompostos em situações sociais” (OLIVEIRA, 1988, p.56). 10

O recente trabalho da antropóloga Luiza Meyer aponta que além três etnias, outras identidades étnicas

foram citadas no Censo 2010.

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A partir da leitura de Troquez (2006) sobre a Terra Indígena de Dourados, penso

que a convivência entre as três etnias aparece ora como harmoniosa, ora como

conflituosa. Isso por que, segundo Troquez, em um determinado momento histórico a

presença da etnia Terena era vista como um fator importante para o desenvolvimento

local, consequentemente, os indígenas dessa etnia possuíam um status superior em

relação ao demais. No entanto, no final da década de 80, outras características foram

selecionadas como fator de “indianidade”, e a partir desse momento, os Kaiowá, que

eram vistos como atrasados tiveram uma ascensão de status11

(TROQUEZ, 2006).

Todas essas questões sui generis podem ser pensadas como consequências

geradas pelas políticas de assimilação executadas na reserva, que visava transformar os

indígenas em mão-de-obra trabalhadora – além de liberar as terras para

empreendimentos pecuários e agrícolas. Várias dessas práticas e consequências são

destacadas pelo antropólogo Levi Pereira (No prelo), por Fábio Mura(2005), Marta

Troquez(2006) e outros pesquisadores.

Diante desse quadro que evidencia a complexa relação em Dourados entre índios

e não índios, as associações formadas nesse universo também apresentam caraterísticas

diversificadas desde sua formação – segundo suas especificidades étnicas – até o modo

como acionam uma parceria, criando uma rede ampla que envolve várias instituições.

Além disso, ainda destaco o fator da justaposição em relação à atuação de determinados

indígenas nesse contexto. Essa hipótese diz respeito ao acúmulo de organizações

indígenas desenvolvida paralelamente, isto significa que a atuação em uma associação é

uma atividade paralela à atuação dos mesmos sujeitos em movimentos étnicos.

Nas aldeias em Dourados, as associações são criadas para atender às

necessidades, como a geração de renda, e reproduzem lógica organizacional indígena.

Nesse sentido, as associações Guarani e Kaiowá organizam suas associações a partir de

suas parentelas, o que implica na formação de “dependência econômica, de alianças

políticas e religiosas, entre outras, que podem variar segundo as circunstâncias mais

imediatas” (PEREIRA, 2004, p.46). Isso demonstra que as ações da associação são

voltadas para o núcleo dos que formaram a associação.

11

Essa ideia de Troquez é apresentada pelas formas de pirâmides que corresponde aos status das etnias

em Dourados. No entanto, uma observação feita por outro antropólogo, Pereira (No prelo) é que essas

duas pirâmides ainda podem ser reconhecidas em Dourados. Essa será uma das questões discutidas na

dissertação, que necessita de observação.

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11

Em relação à formação de associações regulamentadas Terena, a antropóloga

Lilianny Passos não observou uma associação unicamente Terena, mas as que estavam

regularizadas possuíam membros de outras etnias. Segundo Passos, os Terena

“constituem associações como espaço em que operam relações interétnicas e, dessa

maneira, reproduzem suas relações de predação, fontes de aliança e prestígio, valores

fundamentais na reprodução da sociabilidade Terena” (PASSOS, 2006, p.10). Durante o

tempo que estive em campo com a AMID – que é reconhecida pelos moradores da

aldeia Jaguapiru enquanto uma associação Terena – percebi a participação de mulheres

guarani e uma kaiowá, o que colabora com a observação de Passos.

Assim, as associações na Terra Indígena de Dourados apresentam as demandas

sociais da aldeia a partir de suas configurações étnicas, pressupondo alianças políticas

mutáveis e contextuais. O que implica, se for preciso, deixar uma associação inativa

para iniciar outra, com outro projeto e outros parceiros. O interessante de pensar o

associativismo étnico em Dourados é que suas demandas estão de acordo com os

problemas sociais vivenciados por todos naquele contexto. Um exemplo disso diz

respeito ao fator de geração de renda via projetos que são disponibilizados para eles,

que implica no acesso de bens materiais necessários para o cotidiano, como também do

bem simbólico, de representação política e consequentemente, status diferenciado nas

aldeias.

Associações enfrentamentos e potencialidades

Alguns trabalhos sobre associações indígenas têm indicado que um dos maiores

problemas apresentados por essas organizações são os entraves burocráticos para a

constituição e funcionamento da associação. O estudo do antropólogo Renato Soares

aponta algumas questões sobre o tema,

“atuação nessa esfera burocrática apresenta dificuldades, pois estudos

conhecidos sobre políticas ameríndias indicam um descompasso entre

nossa concepção de política, que envolve noções como representação,

eleição, assembleias, legislatura, e as dos povos indígenas que essas

organizações devem representar. Além disso, a assimilação e gestão

de um modelo associativista com feições burocráticas pressupõe o

domínio da língua portuguesa, de legislação e de relações

interinstitucionais que regem o universo das entidades políticas da

sociedade civil brasileira” (SOARES, 2012, p.32/33).

Como destacado por Soares existem duas lógicas que evidenciadas em relação às

associações indígenas. Uma delas está de acordo com tipo de modelo sócio-político da

formação do Estado “moderno”, onde não há diálogo, apenas as regras em que todas as

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associações, indígenas ou não, devem seguir. Neste caso, as regras e normas estão de

acordo com a Lei 10.406 do Código Civil de 2002 que determina que os grupos que

querem se estabelecer em associação, primeiramente, devem fazer o registro em cartório

conforme os dispositivos da própria norma.

Alguns documentos são necessários para o cadastramento da associação no

Cartório de Registro e Ofício de Dourados, entre eles, destaco o requerimento, as cópias

da Ata de Fundação, eleição e posse, o estatuto e a declaração de que cada documento é

cópia original de determinada folha do livro ata. Todos os documentos devem ser

assinados pelo presidente, secretário e um advogado. O registro tem um custo, pois

todos os documentos devem ter suas assinaturas reconhecidas e cada assinatura tem

preço, além disso, existe a taxa da confecção do registro.

Narrando dessa forma parece um processo simples e rápido. No entanto, essa

primeira fase para a regulamentação de uma associação pode levar mais tempo do que

os 30 (trinta) dias previstos pelo cartório. Todo esse processo envolve trâmites, pois

cada documento é analisado conforme a lei. Nessa fase, erros de grafia são suficientes

para que a cartorária entregue uma nota devolutiva indicando os erros para que o grupo

refaça os documentos incorretos. Tais trâmites fazem com que o trânsito no cartório seja

frequente, não só de indígenas, como de outros grupos.

Para falar dos problemas que envolvem a constituição das associações (grande

burocracia, altos custos dos cartórios, organizar projetos dentro das normas), Passos

escreve sobre a necessidade de apoio de não-indígenas aos indígenas, entre eles,

professores, advogados, contadores, órgãos públicos do Estado (Prefeituras, FUNAI,

Secretaria Municipais, Estaduais, MP) e também missionários e ONGs.

Depois da associação formalizada e em pleno funcionamento a captação de

recursos e a prestação de contas são os principais fatores que geram desafios. No caso

das organizações indígenas a via de captação de recurso é a concorrência aberta aos

editais das agências do governo e de organizações não-governamentais nacionais e

internacionais.

Em 2010 tive a oportunidade de participar de uma ação para elaboração de

projetos para a chamada pública da Carteira Indígena12

, um edital específico para

12

O projeto Carteira Indígena teve início em 2003, oferecida por dois ministérios, a saber, o Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA).

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mulheres indígenas. Esta ação foi desenvolvida pela Escola de Conselhos13

, organização

que trabalha na área dos Direitos Humanos ligada à pró-reitoria de extensão da

Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS – em parceria com a

Organização Internacional do Trabalho (OIT). O evento foi realizado em uma das

escolas da aldeia Jaguapiru. Quatro pessoas formavam a equipe de capacitadores, duas

de Campo Grande e duas da região de Dourados, para elaborar os projetos de 7 grupos

indígenas, sendo 1 da Bororó, 5 da Jaguapiru e 1 misto (pessoas das duas aldeias).

Durante a oficina, questões pontuais chamaram minha atenção em relação aos

grupos que estavam elaborando os projetos. A primeira foi que nem todos que estavam

na oficina faziam parte de alguma associação estruturada, justificavam que suas

associações se encontravam inativas. Portanto, surgiu a necessidade dos grupos serem

representados por outras organizações regulamentadas, entre elas duas APM

(Associações de Pais e Mestres) e uma OSCIP (Organização de Sociedade Civil

Pública). Outro fator que chamou minha atenção naquele evento foi que os projetos

pensados pelos grupos estavam voltados, em sua maioria, para geração de renda na

aldeia.

Pela oficina pude perceber que além das barreiras burocráticas que as

associações indígenas enfrentam para regularizar-se, existia também a dificuldade de

escrever o projeto de acordo com as diretrizes do edital. Para participar da ação tive

acesso ao edital e ao modelo que deveria ser preenchido, e também pude observar que

muitas das perguntas exigidas no projeto fugiam à noção de organização social e

política dos grupos que estavam presentes. Exemplo disso é a ideia de que um projeto

bom para aprovação tinha que beneficiar o maior número de famílias.

Constatei que as associações indígenas enfrentam uma série de barreiras para se

tornarem captadoras de recursos, tais como: (1-) regulamentar e manter ativa a

associação, (2-) acessar editais, elaborar projetos, executá-los; (3-) prestar conta para

poder recomeçar o ciclo.

Algo que gostaria de destacar é um resumo das críticas que ouvi em relação ao

associativismo de organizações indígenas. Essas falas foram relatadas em conversas

informais com indigenistas que atuam há muitos anos na região, principalmente com os

13

A Escola de Conselho constitui um grupo que dialoga com várias instituições desenvolvendo projetos,

suas atividades estão voltadas para o trabalho com minorias étnicas e raciais, mas principalmente em

ações que se refere às políticas públicas para crianças e adolescente. Informações sobre a instituição:

http://www.escoladeconselhos.ufms.br/?section=program

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Guarani e os Kaiowá. Nos relatos dessas pessoas a associação é vista como um tipo de

organização que rompe as organizações de caráter étnico e acentuam os conflitos,

principalmente nas reservas. Essas críticas podem ser observadas quando se foca na

configuração política do universo de pesquisa, pois os grupos que mantém suas

associações ativas são aqueles cujas lideranças dialogam com o externo, seja como

participante de movimentos indígenas, ou aqueles que constroem suas redes com atores

políticos da região.

No entanto, mesmo com as adversidades, as associações indígenas tem

potencialidade para movimentar os grupos e produzir mudanças nas aldeias. Através de

outras leituras tenho percebido o quanto as associações têm ocupado espaço na

elaboração de projetos com verbas, desenvolvendo ações em várias áreas, dialogando

com várias instituições.

Como aponta Albert enfocando os índigenas da Amazônia, essa atualidade das

associações foi possível por um processo que perpassa pela mudança na legislação e na

atuação do Estado brasileiro. Para o autor, o aumento de associações na Amazônia

“tem sua origem na encruzilhada de vários processos sóciopolíticos

gerais, interagindo em âmbito nacional e internacional. No plano

interno, deve-se salientar, primeiro, a promulgação da Constituição de

1988, cujo artigo 232 abriu a possibilidade destas associações se

constituírem como pessoas jurídicas. O segundo fator importante, no

âmbito nacional, foi o processo de retração do Estado da gestão direta

da “questão indígena” no país (restringindo-se, basicamente, a

responsabilidades em matéria territorial) 2 e o esvaziamento político-

orçamentário da administração indigenista tutelar, criada há três”

(ALBERT, 2014, s.p)

É possível visualizar pelo trabalho de Bruce Albert que a atuação política do

Estado implica na forma de atuação da população indígena. Trazendo essa discussão

para o contexto local, onde a realidade é específica, mas, que têm algumas semelhanças,

pois percebo que o associativismo étnico em Dourados destaca-se a partir de uma

conjuntura política local.

A antropóloga Lilianny Passos, quando estudou as associações na Terra Indígena

de Dourados, destacou que várias associações foram criadas no começo da década

passada, 2002/2003 e indica como favorecimento para a situação o alinhamento político

nacional na época com a prefeitura local, o governo estadual e o governo federal, todos

sob a gestão do Partido dos Trabalhadores (PT). Nesse período, registra-se um aumento

considerável no número de associações indígenas. Os relatos de indígenas da Reserva

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demonstram que à época havia um quadro de funcionários que trabalhava com a

assessoria das organizações, o que contribuiu para o desenvolvimento de muitos

projetos, pensados e executados pelas associações nas aldeias em conjunto com a

Secretaria de Agricultura Familiar do município.

Durante o campo com a AMID, em 2010, observei em um encontro informal

com a presidente da associação próximo à casa onde morava, chama atenção para a

discussão dessa conjuntura política. Nesse dia encontramos um senhor, conhecido da

Presidenta da Associação, que ao saber que estava pesquisando a associação logo se

pronunciou de forma positiva sobre o trabalho, afinal, como ele mesmo disse, “a AMID

era uma das poucas associações que ainda funcionava daquele boom de associações

criadas na reserva”. Se referindo ao período do mandato da Prefeitura do PT.

Hoje, durante a pesquisa de mestrado percebo que aquele momento foi

importante para a criação das associações na Reserva de Dourados. Buscarei

compreender se era uma orientação do mandato do Prefeito e de seu partido ou se fora

um movimento interno das pessoas que trabalhavam com associações na aldeia,

formando uma rede; ou se era resultado de uma situação do destaque em que Dourados

teve que pensar em ações para reverter a situação de muitos casos de desnutrição

infantil, como pensa Passos. Estas questões ainda chamam minha atenção para tentar

compreender como se dava essa relação. Soma-se a essa curiosidade antropológica o

fato de ter interlocutores no partido.

Essas questões são resultados de pesquisa tanto de fontes bibliográficas, como

do campo na AMID e no cartório. Assim como Passos demostrou, as associações

indígenas em Dourados acionam redes amplas, complexas e “mutáveis”, e ensejam uma

reflexão acerca do domínio de códigos não-indígenas rígidos, lógica por vezes

ininteligível mesmo para não-indígenas.

Para demonstrar esse conflito de lógicas organizacionais, o antropólogo Fábio

Mura lança algumas questões importantes para pensar o porquê do “fracasso” de certos

projetos entre os Guarani e Kaiowá. Para Mura,

“[as] dinâmicas sociais que têm caracterizado a vida guarani de Mato

Grosso do Sul na atualidade são da maior importância e devem ser

levadas em conta, já que são determinantes para compreender as

condições em que são desenvolvidos projetos tecno-econômicos e de

gestão territorial” (MURA, 2005, p.65)

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Além de considerar as dinâmicas sociais que caracterizam os Guarani, no

passado e no presente, Mura chama a atenção para as temporalidades diferentes na

execução de um projeto pelos indígenas (e financiados pelas agências), pois não seguem

a lógica da sequencia cartesiana em que esses projetos são pensados, mesmo quando

para a população indígena, tendo que traçar planos, metas, etapas e resultados.

Sendo assim, as instituições que desenvolvem projetos entre os Guarani teriam

que adaptar esses dois modos de produção para dar um resultado positivo. Neste

sentido, fomentar a criação de associações pode ser uma ação sem resultado, afinal

existem outros desafios a serem enfrentados pelas associações. Pois além de demandar

recursos, muitas associações necessitariam de assessoria.

O papel das instituições

A partir da leitura de uma bibliografia sobre o debate que envolve o

associativismo étnico e interessada em mapear as redes de apoio, listei possíveis

instituições pela quais as associações se relacionam. Assim, fui ao cartório como

atividade de início do trabalho de campo, para mapear a quantidade de associações, para

perceber o que significava essa linguagem burocrática e também compreender a

necessidade/obrigatoriedade dessa etapa para a criação das associações indígenas.

O que foi previsto no cronograma de pesquisa com um prazo de um mês para

obtenção desses dados, já tomou um semestre sem respostas centrais. Pois até o

momento de envio deste trabalho não tive o acesso ao quantitativo de associações da

Terra Indígena Francisco Horta Barbosa. No campo do cartório me vi inserida em uma

relação de poder, onde o cartório não só detém o controle da legitimação das

associações, como também controla a forma como os documentos relativos a essas

associações são expostos.

Desde o mês março/2014 tenho frequentado o cartório, e nesse espaço de tempo

aconteceram fatos que envolveram inclusive a coordenação do curso de pós-graduação

em antropologia onde sou discente. Tudo aconteceu por causa de um ofício

especificando quais eram meus objetivos no cartório, entre eles estava quantitativo das

associações indígenas. A resposta, por telefone, foi no sentido de avisar que a equipe da

instituição não poderia fornecer os dados, pois não teriam condições de procurar nos

dois mil documentos armazenados quais eram as associações indígenas. A alternativa

seria que eu levasse os nomes das associações para que a busca fosse feita pelo sistema

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17

e depois, com o número da pasta em mãos, eles forneceriam as cópias das atas e do

estatuto.

Para não perder o contato e sem querer levar a solicitação para outra instancia,

elaborei uma lista de 14 associações14

e continuei frequentando o cartório. Dessas, estou

com cópias de 10 associações em processo de leitura e análise. A grande questão dessa

parte do campo é a postura por parte do cartório de que não está negando informações,

já que eles não poderiam, por trabalharem com documentos públicos. E assim, até o

momento do fechamento deste trabalho, a possibilidade de acessar os documentos do

total de associações indígenas só apareceu em tom de brincadeira no cartório, alguém,

em tom jocoso até externou que para obter todas as informações que eu preciso, teria

que trabalhar no cartório.

Outra entidade que tive acesso nesse período da pesquisa em instituições foi o

Programa Escola de Conselhos ligada a UFMS. Sabedora de que 5 projetos foram

aprovados no edital da carteira indígena, e que a oficina tinha sido desenvolvida a partir

do financiamento da OIT fui a Campo Grande estabelecer contato. No final do mês de

março estive na sede do Programa, instalada dentro da UFMS na tentativa de conversar

com o coordenador do setor. Logo que cheguei fui recebida pelo servidor e assim que

expliquei o motivo da visita se prontificou a contribuir com a pesquisa, me passando os

arquivos dos projetos enviados e os relatórios técnicos produzido pela equipe que

trabalhava com ele na época.

Além disso, nosso bate-papo de 1 hora foi importante por chamar atenção para

questões que serão aprofundadas na dissertação, como por exemplo, a discussão de

políticas num plano internacional que fomenta articulações no cotidiano das reservas.

Neste caso em específico, a partir de um edital lançado pelo governo federal com o

objetivo de promover a autonomia econômica, uma outra organização – internacional –

participa dessa ação nacional através do financiamento para instituições regionais

trabalharem na parte mais técnica desse acesso a políticas públicas. Desse projeto,

segundo o relato do interlocutor, era para ter se desenvolvido outro projeto de assessoria

das organizações que executariam o projeto.

Pois bem, dos sete grupos que estavam na oficina e que tiveram projetos

elaborados, seis não constituíam associações formalizadas, apenas uma teria e mesmo

14

Dessas 14, 10 já foram publicadas por Lilianny Passos (2006) e 3 seriam as que ouvi falar que

existiriam.

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assim estava inativa. A opção nesse caso seguida pela equipe foi a de mandar os

projetos via outra “organização proponente”, já que o edital permitia esse tipo de

parceria15

. No final, foram enviados quatro projetos por uma OSCIP de Dourados-MS,

dois projetos por uma APM (Associação de Pais e Mestres) da aldeia Jaguapiru e uma

proposta pela APM da aldeia Bororó16

.

Os grupos que estavam presentes e que mandaram os projetos não estavam

constituídos em associações, no entanto, essas pessoas estavam formadas em parentelas

ou alianças políticas, em que sua liderança17

atua politicamente dentro e fora da Terra

Indígena. Tal afirmação será desenvolvida na apresentação deste trabalho por

considerar que o limite de laudas já foi atingido.

Algo interessante que destaco desse encontro com o Programa Escola de

Conselhos é o fato, frisado pelo coordenador, de que os projetos aceitos (com

condicionantes) teriam que se regulamentar e que essa formalização estava prevista nas

atividades do Programa. Isso tem se mostrado um importante objetivo da pesquisa de

campo, já que uma possível assessoria da Escola de Conselhos não foi realizada, agora,

cabe investigar quais desses projetos foram executados.

Outro fator interessante para reflexão é que as atividades lançadas nos projetos

não caem de paraquedas, por exemplo, o de criação de galinhas já era uma prática

existente. Além disso, os grupos que propuseram trabalhar com artesanato, também já

atuavam (e continuam) atuando nesta seara.

Sendo assim, passo para as considerações finais ciente de que muitas questões

aqui apresentadas necessitam de reflexão mais sistematizada e também de confirmações

através do trabalho de campo.

Considerações finais

Depois de apresentadas às questões que estão presentes nessa primeira fase de

construção da dissertação, seguem algumas considerações.

A primeira delas, pensando no contexto da Terra Indígena de Dourados, é

constatar o quanto o cotidiano dessa população é plural, e para enxergar essa pluralidade

15

Mesmo assim a equipe executora teria que justificar e indicar a proximidade entre as organizações no

próprio projeto. 16

Os projetos enviados foram: pelas APM’s 1- criação de galinha para consumo e abate (aprovado); 2-

capacitação de mulheres indígenas com cursos de culinária, pintura de tecido, produção de roupas típicas,

cultivo de hortaliças (aprovado) e 3- trabalho com materiais recicláveis em artesanato. Pela OSCIP: 1-

projeto de um grupo que visava fortalecimento da agricultura familiar e produção de artesanato

(aprovado); 2- outro grupo de mulheres para capacitação em corte e costura (aprovado); 3- padaria

comunitária; e 4- Agricultura e produção de artesanato na etnia Kaiowá (associação inativa) (aprovado). 17

Líder do projeto. Pessoa indicada como responsável do grupo que executaria o projeto.

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é preciso deixar de lado os preconceitos em relação aos moradores, negar os estigmas de

“aculturação” e do atraso, e ainda, evidenciar sua complexa configuração social onde

espaços de atuação são também interculturais. Sendo assim, as associações, por

dialogarem com interlocutores internos e externos acabam por constituir um encontro

com o “outro”, que pode ser o Estado e outras instituições.

Neste sentido pensar as redes de parcerias requer o esforço de visualizar a

pluralidade de instituições, onde grupos e parentelas acessam redes diferentes para

atender suas demandas, como por exemplo a FUNAI, o Ministério Público Federal

(MPF), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Prefeitura, políticos da região e

tantos outros com tantos interesses em jogo.

Talvez, por essa lógica, é possível perceber, assim como Albert (2014), Baines

(2012) e Sant’Ana (2010) a diversidade dessas organizações, como as associações de

mulheres, de estudantes, de professores, produtores. E o que esses autores apontam é

que essas organizações trabalham na defesa de especificidades, assim como em

Dourados as associações apresentam suas demandas. Além disso, destacam os

problemas enfrentados pela população.

Uma segunda e última questão pode ser pensada a partir dos projetos acessados

via Escola de Conselhos. Primeiro, os projetos além de apresentarem a especificidade

étnica focaram no que consideram os problemas nas aldeias, dentre eles, a geração de

renda, as atividades para os jovens, a eliminação da situação de desnutrição. Isso

demonstra a consciência desses grupos em enfrentar seus problemas.

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