chuva de versos n. 357

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Almanaque n. 357 José Feldman

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Page 1: Chuva de Versos n. 357

Almanaque

n. 357

José Feldman

Page 2: Chuva de Versos n. 357

1

Pesquisa, seleção, layout e criação: José Feldman Revisão: Dorothy Jansson Moretti e Therezinha Dieguez Brisolla

Page 3: Chuva de Versos n. 357

2

Uma Trova de Maringá/PR

A. A. de Assis

Na minha idade avançada,

ser sensato é insensatez...

– Agora ou é tudo ou nada:

sou feliz ou perco a vez!

Uma Trova de Pindamonhangaba/SP

José Valdez de Castro Moura

Senhor, me deste um presente,

o meu berço nordestino:

- meu passado que é presente

tão presente em meu destino!

Um Poema da Bahia

Castro Alves

Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

A Duas Flores

São duas flores unidas,

São duas rosas nascidas

Talvez no mesmo arrebol,

Vivendo no mesmo galho,

Da mesma gota de orvalho,

Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas

Das duas asas pequenas

De um passarinho do céu...

Como um casal de rolinhas,

Como a tribo de andorinhas

Da tarde no frouxo véu.

Unidas, bem como os prantos,

Que em parelha descem tantos

Das profundezas do olhar...

Como o suspiro e o desgosto,

Como as covinhas do rosto,

Como as estrelas do mar.

Unidas... Ai quem pudera

Numa eterna primavera

Viver, qual vive esta flor.

Juntar as rosas da vida

Na rama verde e florida,

Na verde rama do amor!

Uma Trova Humorística de São Paulo/SP

Therezinha Dieguez Brisolla

Ao operar seu nariz

perdeu um olho, o Batista.

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3

Vem outro louco e, então, diz

que o pagamento era... a vista!

Uma Glosa de Fortaleza/CE

Nemésio Prata

Glosando Jorge Murad (RJ)

Mote:

O beco é tão estreitinho,

lá onde mora o Janjão,

que da janela o vizinho cumprimenta dando a mão!

Glosa:

O beco é tão estreitinho,

que Janjão, sempre, ao cruzar,

de manhã, com seu vizinho,

tem que nele se esfregar!

Tem um beco tão estreito

lá onde mora o Janjão,

que ninguém passa direito

sem levar um esfregão!

Janjão curte estar sozinho,

mas o beco é tão estreito

que da janela o vizinho

vê tudo. Quem vai dar jeito?

Pense num beco estreitinho,

este, onde mora o Janjão;

que, ao sair, o seu vizinho

cumprimenta dando a mão!

Um Poema da Bahia

Castro Alves

Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

A Luís

(no dia de seu natalício)

A imaginação, com o vôo ousado, aspira a principio à eternidade...

Depois um pequeno espaço basta em breve

para os destroços de nossas esperanças iludidas! .. Goethe

Como um perfume de longínquas plagas

Traz o vento da pátria ao peregrino,

Ó meu amigo! que saudade infinda

Tu me trazes dos tempos de menino!

É o ledo enxame de sutis abelhas

Que vem lembrar à flor o mel d'aurora...

Acres perfumes de uma idade ardente

Quando o lábio sorri... mas nunca chora!

Page 5: Chuva de Versos n. 357

4

Que tempos idos! que esperanças louras! Que cismas de poesia e de futuro! Nas páginas do triste Lamartine

Quanto sonho de amor pousava puro! ..

E tu falavas de um amor celeste,

De um anjo, que depois se fez esposa...

— Moça, que troca os risos de criança

Pelo meigo cismar de mãe formosa.

Oh! meu amigo! neste doce instante

o vento do passado em mim suspira,

E minh'alma estremece de alegria,

Como ao beijo da noite geme a lira.

Tu paraste na tenda, ó peregrino! Eu vou seguindo do deserto a trilha;

Pois bem... que a lira do poeta errante

Seja a bênção do lar e da família.

Uma Trova Popular

Autor Anônimo

Ó alegria do mundo

por onde é que tens andado?

Tenho corrido mil terras,

e não te tenho encontrado...

Uma Trova Hispânica da Espanha

Maria Oreto M. Sanches

Quimérica juventud,

pájaro alado de sueños! Tuya es la excelsa virtud,

conquistadora de empeños.

Um Poema da Bahia

Castro Alves

Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

A meu irmão Guilherme de Castro Alves

Na Cordilheira altíssima dos Andes

Os Chimborazos solitários, grandes

Ardem naquelas hibernais regiões.

Ruge embalde e fumega a solfatara...

É dos lábios sangrentos da cratera

Que a avalanche vacila aos furacões.

A escória rubra com os geleiros brancos

Misturados resvalam pelo francos

Dos ombros friorentos do vulcão...

..............................................................

Assim, Poeta, é tua vida imensa,

Cerca-te o gelo, a morte, a indiferença...

E são larvas lá dentro o coração.

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5

Trovadores que deixaram Saudades

Hermoclydes Siqueira Franco

Niterói/RJ (1929 – 2012) Nova Friburgo/RJ

A vagar pela cidade,

Desde os tempos de menino,

Procuro a felicidade

Que mora além do destino!…

Uma Trova de Natal/RN

Heder Rubens Silveira e Souza

Numa garrafa vazia,

entregue ao mar, confidente,

um retrato reunia

seu passado ao meu presente...

Um Poema da Bahia

Castro Alves

Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

A Volta da Primavera

Aime, et tu renaítras; fais-toi fleur pour éclore,

Après avoir souffert, il faut souffrir encore; Il faut aimer sans cesse, après avoir aimé.

A. DE MUSSET

AI! Não maldigas minha fronte pálida,

E o peito gasto ao referver de amores.

Vegetam louros — na caveira esquálida

E a sepultura se reveste em flores.

Bem sei que um dia o vendaval da sorte

Do mar lançou-me na gelada areia.

Serei... que importa? o D. Juan da morte

Dá-me o teu seio — e tu serás Haidéia!

Pousa esta mão — nos meus cabelos úmidos!...

Ensina à brisa ondulações suaves! Dá-me um abrigo nos teus seios túmidos!

Fala!... que eu ouço o pipilar das aves!

Já viste às vezes, quando o sol de maio

Inunda o vale, o matagal e a veiga?

Murmura a relva: "Que suave raio!"

Responde o ramo: "Como a luz é meiga!"

E, ao doce influxo do clarão do dia,

O junco exausto, que cedera à enchente,

Levanta a fronte da lagoa fria...

Mergulha a fronte na lagoa ardente ..

Se a natureza apaixonada acorda

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Ao quente afago do celeste amante,

Diz!... Quando em fogo o teu olhar transborda,

Não vês minh'alma reviver ovante?

É que teu riso me penetra n'alma —

Como a harmonia de uma orquestra santa —

É que teu riso tanta dor acalma...

Tanta descrença!... Tanta angústia!... Tanta!

Que eu digo ao ver tua celeste fronte,

"O céu consola toda dor que existe.

Deus fez a neve — para o negro monte! Deus fez a virgem — para o bardo triste!‖

Uma Trova de Rio Novo/MG

Eugênia Maria Rodrigues

Sinto que chegas... me abraças...

porém tu finges... sem dó...

e a Saudade brinda as taças

do vinho que eu bebo só...

Um Haicai de Manaus/AM

Zemaria Pinto

(as mãos da amada)

conduzem a fala

na luz rubra da manhã

- papoulas ao vento

Um Poema da Bahia

Castro Alves

Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

Adormecida

Ses longs cheveux épars Ia couvrent tout entière. La croix de son collier repose dans sa main,

Comme pour témoigner qu'elle a fait sa prière, Et qu'elle va Ia faire en s'éveillant demain.

(A. de Musset)

Uma noite, eu me lembro... Ela dormia

Numa rede encostada molemente...

Quase aberto o roupão... solto o cabelo

E o pé descalço do tapete rente.

'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste

Exalavam as silvas da campina...

E ao longe, num pedaço do horizonte,

Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,

Indiscretos entravam pela sala,

E de leve oscilando ao tom das auras,

Iam na face trêmulos — beijá-la.

Page 8: Chuva de Versos n. 357

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Era um quadro celeste!... A cada afago

Mesmo em sonhos a moça estremecia...

Quando ela serenava... a flor beijava-a...

Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...

Dir-se-ia que naquele doce instante

Brincavam duas cândidas crianças...

A brisa, que agitava as folhas verdes,

Fazia-lhe ondear as negras tranças!

E o ramo ora chegava ora afastava-se...

Mas quando a via despeitada a meio,

Pra não zangá-la... sacudia alegre

Uma chuva de pétalas no seio...

Eu, fitando esta cena, repetia

Naquela noite lânguida e sentida:

"Ó flor! - tu és a virgem das campinas! "Virgem! - tu és a flor de minha vida!..."

Uma Trova de Porto/Portugal

Emilia Peñalba de A. Esteves

No meu reino de ilusão

tu és o rei, és o dono!...

E eu sou, em teu coração,

uma rainha... sem um trono!

Um Poema da Bahia

Castro Alves

Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

Dedicatória

A pomba d'aliança o voo espraia

Na superfície azul do mar imenso,

Rente... rente da espuma já desmaia

Medindo a curva do horizonte extenso...

Mas um disco se avista ao longe... A praia

Rasga nitente o nevoeiro denso!...

Ó pouso! ó monte! ó ramo de oliveira!

Ninho amigo da pomba forasteira! ...

Assim, meu pobre livro as asas larga

Neste oceano sem fim, sombrio, eterno...

O mar atira-lhe a saliva amarga,

O céu lhe atira o temporal de inverno. . .

O triste verga à tão pesada carga! Quem abre ao triste um coração paterno?...

É tão bom ter por árvore — uns carinhos! É tão bom de uns afetos — fazer ninhos!

Pobre órfão! Vagando nos espaços

Embalde às solidões mandas um grito!

Que importa? De uma cruz ao longe os braços

Vejo abrirem-se ao mísero precito...

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Os túmulos dos teus dão-te regaços!

Ama-te a sombra do salgueiro aflito...

Vai, pois, meu livro! e como louro agreste

Traz-me no bico um ramo de... cipreste!

Uma Trova de Coimbra/Portugal

Ernesto Lopes Nunes

O reino que o mundo almeja

terá sempre este defeito:

- a um só trono que se veja,

reclamam mil o direito!

Uma Glosa do Rio de Janeiro/RJ

Gilson Faustino Maia

Glosando Renato Alves (RJ)

Mote:

Quem não tem medo da morte,

quem nunca faz nada em vão,

quem, antes de tudo é um forte...

Este é o homem do sertão!

Glosa:

Quem não tem medo da morte,

querendo ir ao além,

sem dinheiro, mas com sorte,

vai de carona no ―trem‖.

Quem só quer levar vantagem,

quem nunca faz nada em vão,

quem só pensa em vadiagem,

não serve para o Sertão.

.

De ninguém tem um suporte,

vai seguindo a sua estrada.

Quem, antes de tudo é um forte...

Só teme a Deus e mais nada.

Desce da fronte o suor,

mas diz em sua oração:

- Amanhã será melhor!

Este é o homem do sertão!

Um Poema da Bahia

Castro Alves

Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

O crepúsculo sertanejo

A tarde morria! Nas águas barrentas

As sombras das margens deitavam-se longas;

Na esguia atalaia das árvores secas

Ouvia-se um triste chorar de arapongas.

A tarde morria! Dos ramos, das lascas,

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Das pedras, do líquen, das heras, dos cardos,

As trevas rasteiras com o ventre por terra

Saíam, quais negros, cruéis leopardos.

A tarde morria! Mais funda nas águas

Lavava-se a galha do escuro ingazeiro...

Ao fresco arrepio dos ventos cortantes

Em músico estalo rangia o coqueiro.

Sussurro profundo! Marulho gigante!

Talvez um — silêncio!... Talvez uma — orquestra...

Da folha, do cálix, das asas, do inseto...

Do átomo — à estrela... do verme — à floresta!...

As garças metiam o bico vermelho

Por baixo das asas, — da brisa ao açoite —;

E a terra na vaga de azul do infinito

Cobria a cabeça co'as penas da noite!

Somente por vezes, dos jungles das bordas

Dos golfos enormes, daquela paragem,

Erguia a cabeça surpreso, inquieto,

Coberto de limos — um touro selvagem.

Então as marrecas, em torno boiando,

O vôo encurvavam medrosas, à toa...

E o tímido bando pedindo outras praias

Passava gritando por sobre a canoa!…

Um Haicai de João Pessoa/PB

Saulo Mendonça

Não me comoveu

A morte daquela noite.

O galo cantou

Uma Trova de São Paulo/SP

Domitilla Borges Beltrame

Numa página, a saudade;

no verso – não tem escolha –

quase sempre a mocidade

faz parte da mesma folha!...

Um Poema da Bahia

Castro Alves

Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

O "Adeus" de Teresa

A vez primeira que eu fitei Teresa,

Como as plantas que arrasta a correnteza,

A valsa nos levou nos giros seus

E amamos juntos E depois na sala

"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala

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E ela, corando, murmurou-me: "adeus."

Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .

E da alcova saía um cavaleiro

Inda beijando uma mulher sem véus

Era eu Era a pálida Teresa! "Adeus" lhe disse conservando-a presa

E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"

Passaram tempos sec'los de delírio

Prazeres divinais gozos do Empíreo

... Mas um dia volvi aos lares meus.

Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "

Ela, chorando mais que uma criança,

Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"

Quando voltei era o palácio em festa!

E a voz d'Ela e de um homem lá na orquesta

Preenchiam de amor o azul dos céus.

Entrei! Ela me olhou branca surpresa! Foi a última vez que eu vi Teresa!

E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"

Recordando Velhas Canções

Uirapuru

(toada, 1963)

Jacobina e Murilo Latini

Uirapuru, Uirapuru

Seresteiro, cantador de meu sertão

Uirapuru, Uirapuru

Ele canta as mágoas do meu coração

A mata inteira fica muda ao teu cantar

tudo se cala para ouvir tua canção

Que vai ao céu numa sentida melodia

Vai a Deus em forma triste de oração

Uirapuru, Uirapuru

Seresteiro, cantador de meu sertão

Uirapuru, Uirapuru

Ele canta as mágoas do meu coração

Se Deus ouvisse o que te sai do coração

Entenderia o que é dor tua canção

E dos teus olhos tanto pranto rolaria

Que daria para salvar o meu sertão

Uirapuru, Uirapuru

Seresteiro, cantador de meu sertão

Uirapuru, Uirapuru

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Ele canta as mágoas do meu coração

Uma Trova de São Paulo/SP

Héron Patrício

A saudade é uma andorinha

em teimosa migração:

vem do Passado... e se aninha

nos beirais do coração.

Um Poema da Bahia

Castro Alves

Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

O Coração

O coração é o colibri dourado

Das veigas puras do jardim do céu.

Um — tem o mel da granadilha agreste,

Bebe os perfumes, que a bonina deu.

O outro — voa em mais virentes balsas,

Pousa de um riso na rubente flor.

Vive do mel — a que se chama — crenças —,

Vive do aroma — que se diz — amor. —

Um Haicai de Salvador/BA

Oldegar Franco Vieira

(1915-2006)

Um Filósofo

Um velho coqueiro

– interrogativamente –

mira-se no brejo.

Uma Trova do Rio de Janeiro/RJ

Edmar Japiassú Maia

A despedida foi breve

e o nosso adeus sem afrontas...

Mas a saudade se atreve

a vir cobrar velhas contas!

Um Poema da Bahia

Castro Alves

Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

Último Fantasma

Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,

Que te elevas da noite na orvalhada?

Tens a face nas sombras mergulhada...

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Sobre as névoas te libras vaporoso...

Baixas do céu num voo harmonioso!...

Quem és tu, bela e branca desposada?

Da laranjeira em flor a flor nevada

Cerca-te a fronte, ó ser misterioso!...

Onde nos vimos nós?... És doutra esfera?

És o ser que eu busquei do sul ao norte...

Por quem meu peito em sonhos desespera?...

Quem és tu? Quem és tu? — És minha sorte! És talvez o ideal que est'alma espera!

És a glória talvez! Talvez a morte!...

Hinos de Cidades Brasileiras

Itaboraí/RJ

Pedra Bonita,

foi assim que te chamaram

Certa vez em Guarani

Terra bendita,

é assim que hoje

te chamo minha Itaboraí

Tens uma porta aberta para o mar

És a janela do nosso país

Quem vem de longe aprende a te amar

Quem nasce aqui é a tua raíz

Com a argila do teu solo

O calor do teu colo

E o suor do teu povo

Vamos seguir com firmeza

E ajudar com certeza

A construir um mundo novo

És um eterno poema

Que tem como tema a felicidade

Escrito pelo criador,

que te transformou nesta bela cidade (Bis)

Teus laranjais,

teus imortais

A tua história é um hino de amor

És a própria paz,

porque sempre estás

nas mãos de nosso senhor (Bis)

Itaboraí, Itaboraí!

Uma Trova de Felgueiras/Portugal

Arlindo Brito

És rainha. És soberana.

Porque só, por teu anelo,

a nossa humilde choupana

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tem nobreza dum castelo.

Um Poema da Bahia

Castro Alves

Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

O Fantasma e a Canção

Orgulho! desce os olhos dos céus

sobre ti mesmo, e vê como os nomes

mais poderosos vão se refugiar numa canção. BYRON.

— Quem bate? — "A noite é sombria!"

— Quem bate? — "É rijo o tufão! ..

Não ouvis? a ventania

Ladra à lua como um cão."

— Quem bate? — "0 nome qu'importa?

Chamo-me dor... abre a porta! Chamo-me frio... abre o lar!

Dá-me pão... chamo-me fome! Necessidade é o meu nome!"

— Mendigo! podes passar!

"Mulher, se eu falar, prometes

A porta abrir-me?" — Talvez.

— "Olha... Nas cãs deste velho

Verás fanados lauréis.

Há no meu crânio enrugado

O fundo sulco traçado

Pela c'roa imperial.

Foragido, errante espectro,

Meu cajado — já foi cetro! Meus trapos — manto real!"

— Senhor, minha casa é pobre...

Ide bater a um solar!

— "De lá venho... O Rei-fantasma

Baniram do próprio lar.

Nas largas escadarias,

Nas vetustas galerias,

Os pajens e as cortesãs

Cantavam! ... Reinava a orgia! ..

Festa! Festa! E ninguém via

O Rei coberto de cãs!"

— Fantasmas! Aos grandes, que tombam,

É palácio o mausoléu! — "Silêncio! De longe eu venho...

Também meu túmulo morreu.

O séc’lo — traça que medra

Nos livros feitos de pedra —

Rói o mármore, cruel.

O tempo — Átila terrível Quebra co'a pata invisível

Sarcófago e capitel.

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"Desgraça então para o espectro,

Quer seja Homero ou Solon,

Se, medindo a treva imensa

Vai bater ao Panteon...

o motim — Nero profano —

No ventre da cova insano

Mergulha os dedos cruéis.

Da guerra nos paroxismos

Se abismam mesmo os abismos

E o Morto morre outra vez!

"Então, nas sombras infindas,

S'esbarram em confusão

Os fantasmas sem abrigo

Nem no espaço, nem no chão...

As almas angustiadas,

Como águias desaninhadas,

Gemendo voam no ar.

E enchem de vagos lamentos

As vagas negras dos ventos,

Os ventos do negro marl

"Bati a todas as portas

Nem uma só me acolheu!..."

— "Entra! —: Uma voz argentina

Dentro do lar respondeu.

— "Entra, pois! Sombra exilada,

Entra! O verso — é uma pousada

Aos reis que perdidos vão.

A estrofe — é a púrpura extrema,

Último trono — é o poema! Último asilo — a Canção!...‖

Uma Grinalda de Trovas de Itanhaém

Filemon F. Martins

Mulher

Segue uma estrada florida

quem, na verdade, tiver

a glória de ter, na vida,

um coração de mulher!

**************

Quero seguir meu destino

com minha cabeça erguida,

quem ama o bem, imagino,

segue uma estrada florida.

Segue uma estrada florida,

quem é da paz e requer

a esperança protegida,

quem, na verdade, tiver.

Quem, na verdade, tiver

uma paixão desmedida,

felicidade é mister

a glória de ter, na vida.

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A glória de ter, na vida,

um amor minha alma quer,

numa paixão incontida

um coração de mulher!

A caminho do infinito,

prossigo a minha viagem...

Levo o que é de mais bonito:

O nosso amor na bagagem!

A chama já consumia

a casa do seu Arlindo,

quando psiu... ele dizia:

" Minha sogra está dormindo"!...

A minha sogra eu veria,

não importa em que planeta,

se pudesse, todo dia...

Claro, por uma luneta!!!

Amor, estranha magia,

do coração e da mente.

Com toda sua alquimia,

nos faz um adolescente.

À noite, em frente á TV,

a vovó e o manto dela...

Ela dorme e nada vê,

o manto assiste à novela...

A paz que tanto nos falta,

deixando a vida feroz,

é uma criança peralta,

oculta dentro de nós!

A vida é um fogo de palha

e o tempo se mostra algoz,

mais parece uma fornalha

Page 17: Chuva de Versos n. 357

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onde a palha... somos nós! …

"Bate" a inspiração na gente...

Verso nenhum se aquieta,

quando Deus, onipotente,

nos permite ser poeta!

Deixa o que passou "de lado",

a vida é um ensinamento...

Pois lamentar o passado

é correr atrás do vento!...

Dentre as forças deste mundo,

procurando paz, eu vim,

encontrá-la aqui no fundo,

de onde crio a força em mim.

De político do “avesso”,

a gente já tem calombo...

pois, quando ele dá tropeço,

é o povo que leva o tombo!!!

E o velhinho gritou: “Opa!...”

Depois de tanta procura...

no prato de sua sopa,

encontrou a dentadura.

Na despedida, o teu lenço

deixou o meu com “revolta”!

Nem viu, num adeus intenso...

que o meu...acenava: Volta!!!

Nossos olhares ousados,

já perceberam que são

dois desejos conjugados

num “ jogo de sedução”!…

O amargor da despedida

de alguém que amamos demais,

é ter o sabor na vida

do “gosto de nunca mais”!…

O "bebum" vai ao velório

e abraça a "booooa” comadre,

dando um pesar vexatório:

"Me solta, que eu sou o Padre!!!”

O chão do quarto molhado...

A sogra pagou o mico

após seu grito abafado:

" Meu Deus! Errei o penico"!!!

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O destino escreve a escolha

do amor de nós dois assim:

Páginas da mesma folha...

Tu... de costas para mim!…

O silêncio traz a paz

do universo e se engrandece,

com amor que o homem faz

do silêncio sua prece!

O teatro é fantasia,

mas, às vezes, como tal,

ninguém o diferencia

da nossa vida real...

O vento faz serenata

e o mar se põe a cantar

versos, em ondas de prata,

de uma poesia... ao luar…

Partiste... E a nossa amizade

no infinito se enternece...

Tu me mandas a saudade,

eu te mando a minha prece!…

Político que faz "rolo",

bem ou mal ele se arranja,

pois no meio do seu "bolo",

tem recheio de "laranja"!!!

Pra aquela visita chata,

o que me deixa mais louco,

é ouvir a frase insensata:

"Já vai? Fica mais um pouco"!...

Pra que a filha não se “perca”,

meu vizinho fica alerta...

De que vale “fazer cerca”

pra quem tem porteira aberta?!

Sobre a parreira, o luar

no sereno te retrata…

E os teus olhos a brilhar:

“Duas uvas”… cor de prata…

Ter “gandula bonitinha”,

rebolando, só piora...

O jogo quase não tinha:

- por tantas bolas pra fora! ...

Teu abraço me agasalha

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com carinho tão profundo...

sinto em volta uma muralha,

separando-nos do mundo!…

Teu “jogo de amor” peralta,

por ciúme, nos devora:

- tu cobraste a minha falta,

batendo o “pênalti” fora! …

Um amor que já floresce,

escondido, não se assume.

É uma flor que nem parece...

Mas que exala seu perfume!

Um casal tão agitado

no sofá de namorico,

parecia ter tomado

um banho de pó-de-mico!...

Vive a "página da vida"

nem que seja a "solavanco"!...

Pior é quem na "partida",

carimba a página: "Em branco"!

Olympio S. Coutinho (Histórias

da trova) Capítulo II – (5a. Parte, final) Meus Irmãos, os Trovadores e Capítulo III – (1a. Parte) Trovadores cantam a força da imprensa

Ainda em 1966, sempre entusiasmado com o movimento, editei uma segunda edição do ―Festival de Trovas‖, com capa azul, com muitas das 101 trovas da primeira edição e outras novas. Na abertura, como prefácio, o artigo escrito pelo JG em 1961 sobre minhas trovas e, no final do livro, trechos de outros artigos publicados e cartas recebidas falando da primeira edição do livro. E parei por aí: envolvido com a minha nova vida de repórter de jornal e com as aventuras do exercício da profissão, então romântica, deixei de frequentar a Academia e não procurei a seção mineira da UBT para inscrever-me. Acreditei também que o movimento trovadoresco havia arrefecido e deixei de fazer trovas regularmente.

Só em 2008, ao tomar conhecimento de que o movimento estava mais vivo que nunca, principalmente depois de conhecer o

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falandodetrova, voltei a participar dos concursos, tornei-me associado da UBT e, desde então, ando beliscando umas premiações, mas tenho viajado pouco para voltar a conviver com ―meus irmãos, os trovadores‖ e reviver, com outros, aqueles bons tempos de confraternização e congraçamento.

Capítulo III – Trovadores cantam a força da imprensa

Trovadores de várias partes do país estiveram recentemente em Belo Horizonte para receber prêmios (troféus, medalhas e diplomas) conquistados no XXI Concurso Nacional/Internacional de Trovas ―Cidade de Belo Horizonte‖, promovido pela União Brasileira dos Trovadores - seção de Minas Gerais, que teve como tema, no âmbito nacional/internacional, a palavra ―imprensa‖. Vejam bem: XXI Concurso, o que significa que há 21 anos Belo Horizonte promove anualmente um concurso de trovas. Nova Friburgo, a chamada ―Suiça Brasileira‖ promoveu este ano o seu 51ºJogos Florais, realizados anualmente desde 1960, também sem nenhuma interrupção. Em todo o Brasil, realizam-se anualmente cerca de 50 concursos de trovas, aos quais concorrem milhares de poetas e trovadores brasileiros e brasileiras.

Antes que meus caros colegas jornalistas desistam da leitura, não seduzidos pelo tema, deixem-me explicar porque estou escrevendo este ―artigo‖: tenho 72 anos e sou jornalista desde 1967 (formado pela então Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais (hoje UFMG). Andei fazendo trovas entre os 17 e 21 anos, ainda em Ubá, onde nasci, mas depois o jornalismo tomou conta e passei pela Última Hora (bons tempos os de antes de 1964), Folha de Minas, O Diário, Diário de Minas e Estado de Minas (onde entrei em 1967 e sai em 2003). Criei, depois, um jornal de bairro (Jornal Sion, que continua circulando) e, em 2004, passei alguns meses na redação de O Tempo, estagiando, numa volta ao passado.

A trova (quatro versos setissílabos rimando o primeiro com o terceiro e o segundo com o quarto) e é uma das mais antigas manifestações poéticas, sendo considerada até hoje a forma mais popular da poesia, devido, principalmente, ao fato de ser de fácil memorização.

Durante séculos, foi usada, inclusive, como meio de comunicação entre governantes e deles com seus familiares, em longas cartas, sendo utilizada também para noticiar fatos e descrever acontecimentos.

No Brasil, a partir da década de 60, ganhou impulso através de trovadores como Luiz Otávio

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(pseudônimo do dentista Gilson de Castro) e J. G. de Araújo Jorge, este, na época, um fenômeno na edição e venda de livros de poesia, principalmente para os então românticos adolescentes.

Foram eles que, ao lado de outros ‖pioneiros‖, deram um grande impulso à trova, primeiro fortalecendo o Grêmio Brasileiro dos Trovadores (que tinha sede em Salvador, na Bahia) e, mais tarde, criando a União Brasileira de Trovadores –que se mantém até hoje com seções em praticamente todos os Estados brasileiros e sub-seções em centenas de municípios. Os concursos de trovas (ou Jogos Florais) se multiplicaram pelo País e a edição de livros de trovas e/ou antologias com participação de vários trovadores ganhou dimensão nacional, com o apoio de editoras como Vecchi, Freitas Bastos, Minerva e outras, enquanto a imprensa escrita e falada focalizava a trova em colunas (por exemplo, Porta de Livraria, de Antônio Olinto, no O Globo); e em programas de rádio (Luiz de Carvalho, Rádio Globo), entre outros veículos de divulgação.

Hoje, os concursos de trovas, que servem para disseminar o gênero e também para revelar novos trovadores, se espalham por todo o País, sendo os principais, além de Friburgo e Belo Horizonte, os de São Paulo (SP), Natal (RN), Curitiba (PR), Niterói (RJ), Bandeirantes (PR), Maringá (PR), Balneário

Camboriú (SC) e Guaxupé (MG), entre muitos outros. E multiplicam-se também os sites sobre o movimento, destacando-se entre eles o www.falandodetrova.com.br, criado e mantido pelo poeta e trovador José Ouverney e seu filho, José Ouverney Júnior, de Pindamonhangaba (SP).

continua…

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Chuveirão Biográfico do Poeta

Antônio Frederico de Castro Alves nasceu na

fazenda Cabaceiras, antiga freguesia de Muritiba, perto da

vila de Curralinho, hoje cidade Castro Alves, no Estado da Bahia, a 14 de março de 1847. Era filho do médico Antônio

José Alves, mais tarde professor na Faculdade de Medicina de Salvador e Clélia Brasília Castro.

Sua mãe faleceu em 1859.

O pai se casou pela segunda vez em 1862 com a viúva Maria Rosário Guimarães. Temendo que seu filho fosse acometido pelo Mal do Século, Antônio José embarca, no dia

seguinte ao do seu casamento, o poeta e seu irmão Antônio José para o Recife.

Em 1863, submeteu-se à prova de admissão para o ingresso na Faculdade de Direito do Recife mas foi reprovado.

Neste ano, a atriz portuguesa Eugénia Câmara se apresentou no Teatro Santa Isabel. Influência decisiva em

sua vida exerceria a atriz, vinda ao Brasil com Furtado Coelho.

Em maio, Castro Alves publicou no primeiro número de

A Primavera seu primeiro poema contra a escravidão: A canção do africano.

Em 62 escrevera o poema "A Destruição de Jerusalém",

em 63 "Pesadelo", "Meu Segredo", já inspirado pela atriz Eugênia Câmara, "Cansaço", "Noite de Amor" e outros.

A tuberculose se manifestou e em 1863 teve uma primeira hemoptise.

No Recife seria tribuno e poeta sempre requisitado nas

sessões públicas da Faculdade, nas sociedades estudantis, na plateia dos teatros, incitado desde logo pelos aplausos e ovações, que começava a receber.

Viaja para a Bahia, só retornando ao Recife em março de

1865, acompanhado por Fagundes Varela. Recitou O Sábio na Faculdade de Direito e se ligou a

uma moça desconhecida, Idalina. Alistou-se no Batalhão Acadêmico de Voluntários para a

Guerra do Paraguai.

Em dezembro, voltou com Fagundes Varela a Salvador. Seu pai morreu no ano seguinte, janeiro de 1866.

Castro Alves voltou ao Recife, matriculando-se no segundo ano da faculdade. Nessa ocasião, fundou com Rui Barbosa e outros amigos uma sociedade abolicionista.

Em 1866, tornou-se amante de Eugénia Câmara. Teve fase de intensa produção literária e a do seu

apostolado por duas grandes causas: uma, social e moral, a

da abolição da escravatura; outra, a república, aspiração política dos liberais mais exaltados.

Data de 1866 o término de seu drama Gonzaga ou a Revolução de Minas, representado na Bahia e depois em São Paulo, no qual conseguiu consagrar as duas grandes

causas de sua vocação. Parte para Salvador, acompanhado de Eugênia. Na

estreia de Gonzaga, dia 7 de setembro, no Teatro São João, foi coroado e conduzido em triunfo.

Em janeiro de 1868, embarcou com Eugênia Câmara

para o Rio de Janeiro, sendo recebido por José de Alencar e visitado por Machado de Assis. A imprensa publica troca de cartas entre ambos, com grandes elogios ao poeta. Em

março, viajou com Eugênia para São Paulo. Decidira ali - na Faculdade de Direito de São Paulo - continuar seus estudos,

e se matriculou no terceiro ano. Continuou principalmente a produção intensa dos seus

poemas líricos e heroicos, publicados nos jornais ou

recitados nas festas literárias, que produziam a maior e mais arrebatadora repercussão.

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Basta lembrar os nomes de Fagundes Varela, Ruy

Barbosa, Joaquim Nabuco, Afonso Pena, Rodrigues Alves, Bias Fortes, Martim Cabral, Salvador de Mendonça, e tantos

outros, que lhe assistiram aos triunfos e não lhe disputaram a primazia.

É que ele, na linguagem divina que é a poesia, lhes dizia

a magnificência de versos que até então ninguém dissera, numa voz que nunca se ouvira, como afirmou Constâncio

Alves. Possuía uma voz dessas que fazem pensar no glorioso arauto de Agamenon, imortalizado por Homero, Taltibios, semelhante aos deuses pela voz…, como disse Rui Barbosa.

Pregava o advento de uma "era nova", segundo Euclides da Cunha.

Em 7 de setembro de 1868 fez a apresentação pública de

Tragédia no mar, que depois ganharia o nome de O Navio Negreiro.

Disse Joaquim Nabuco: “Quem visse Castro Alves em um desses momentos em que se inebriava de aplausos, vestido de preto para dar à fisionomia um reflexo de tristeza, com a fronte contraída como se o pensamento a oprimisse, com os olhos que ele tinha profundos e luminosos fixos em um ponto do espaço, com os lábios ligeiramente contraídos de desdém ou descerrados por um sorriso de triunfo, reconheceria logo o homem que ele era: uma inteligência aberta às nobres ideias, um coração ferido que se procurava esquecer na vertigem da glória.”

No dia 25 de outubro, foi reapresentada sua peça Gonzaga no Teatro São José, musicada pelo compositor mineiro, então residente em São Paulo, Emílio do Lago.

Desfaz-se em agosto de 1868 sua ligação com Eugênia Câmara.

Castro Alves foi aprovado nos exames da Faculdade de

Direito e em novembro - tragédia de grandes consequências.

Tuberculoso, aventara uma estadia na cidade de Caetité,

onde moravam seus tios e morrera o avô materno (o Major Silva Castro, herói da Independência da Bahia), dois

grandes amigos (Otaviano Xavier Cotrim e Plínio de Lima), de clima salutar. Mas, antes, ainda em São Paulo, na tarde de 11 de novembro, resolveu realizar uma caçada na várzea

do Brás e feriu o pé com um tiro. Disso resultou longa enfermidade, cirurgias, chegando ao Rio de Janeiro no

começo de 1869, para salvar a vida, mas com o martírio de uma amputação. Em março de 1869, matriculou-se no quarto ano do curso jurídico, mas em maio, tendo piorado

seu estado, decidiu viajar para o Rio de Janeiro, onde amputaram seu membro inferior esquerdo sem qualquer anestesia.

No dia 31 de outubro, assistiu a uma representação de Eugénia Câmara, no Teatro Fênix Dramática. Ali a viu por

última vez, pois a 25 de novembro decidiu partir para Salvador. Mutilado, estava obrigado a procurar o consolo da família e os bons ares do sertão.

Em fevereiro de 1870 seguiu para Curralinho para melhorar a tuberculose que se agravara, viveu na fazenda

Santa Isabel, em Itaberaba. Em setembro, voltou para Salvador. Ainda leria, em

outubro, A cachoeira de Paulo Afonso para um grupo de

amigos, e lançou Espumas flutuantes. Mas pouco durou. Sua última aparição em público foi em 10 de fevereiro de

1871 numa récita beneficente. Morreu em Salvador, Bahia,

em 6 de julho de 1871. Seus escritos póstumos incluem apenas um volume de

versos: A Cachoeira de Paulo Afonso (1876), Os Escravos (1883) e, mais tarde, Hinos do Equador (1921).

É patrono da cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras.

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O trabalho de resgate e preservação de suas obras foi

fruto da dedicação do antigo colega e amigo Ruy Barbosa e fruto da campanha abolicionista, que tomou corpo a partir

de 1881. Posteriormente, Afrânio Peixoto, ex-presidente da Academia, reuniu em dois volumes toda a produção do poeta, bem como escritos diversos (sob os títulos de

"Relíquias" e "Correspondência"). O aspecto social da poesia de Castro Alves, em poemas

como "O Navio Negreiro" e "Vozes d'África", ambos publicados no livro Os Escravos, foi um dos motivos principais para a sua popularização. Nesse sentido, autores

como Mário de Andrade, no modernismo, dedicaram-lhe inúmeros ensaios.

Numa das obras mais belas da literatura de nosso

continente, "Canto Geral", do poeta chileno Pablo Neruda, é dedicado um poema a Castro Alves. O poeta condoreiro é

lembrado por Neruda como aquele que, ao mesmo tempo em que cantou às flores, às águas, à formosura da mulher amada, fez com que sua voz batesse "em portas até então

fechadas para que, combatendo, a liberdade entrasse". Portanto, termina o poeta chileno, "tua voz uniu-se à eterna

e alta voz dos homens. Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar". Como dá para perceber, Neruda reverencia Castro Alves por ter cantado àqueles que não tinham voz: os

escravos. O poema chama-se "Castro Alves do Brasil". Castro Alves já foi retratado como personagem no

cinema e na televisão, no filme Vendaval Maravilhoso (1949)

e Castro Alves - Retrato Falado do Poeta (1999). Características Literárias

A obra de Castro Alves, tendo como relevância a sua poesia, difere muito da obra indianista de Gonçalves Dias ou do ultra-romantismo de Álvares de Azevedo. A temática do

amor, por exemplo, deixa de ser idealizada para se tornar mais real, carnal e concreta. A mulher perde a já tão gasta

imagem de musa desejada, impossível e distante para se

tornar mais acessível, fruto de lembranças amorosas, ou mais acessível às paixões e desejos do poeta. A morte não é

mais uma fuga e sim um temível e amargo obstáculo às realizações e sonhos. A depressão e melancolia estão presentes, mas perdem espaço para a exaltação da

natureza, sempre grandiosa e em harmonia com os estados de espírito do poeta. A referência às grandes aves,

principalmente à águia e ao condor (símbolo da terceira geração romântica: a condoreira), é constante, expressando a liberdade, as alturas que a sua poesia pode atingir.

Mas o forte da poesia de Castro Alves está na crítica social, inspirada principalmente pelo poeta francês Victor Hugo. Sua poesia perde a maior parte do caráter evasivo e

distante da realidade tipicamente românticos para ganhar uma voz mais participante dentro da sociedade. O caráter

crítico de sua obra, principalmente ligado às causas da abolição, rendeu-lhe o título de "Poeta dos escravos." Isso é notório no longo poema "O navio negreiro" [ver Antologia],

onde há a denúncia das péssimas condições com que os negros escravos eram transportados. Embora tenha sido um

escritor do Romantismo, suas poesias, na verdade, já continham os primeiros indícios da transição do Romantismo exacerbado e depressivo para o Realismo

crítico, que já contava com sua força máxima na Europa. Ao livro "Os Escravos" pertenceriam "Vozes d'África" e "O

Navio Negreiro", os dois poemas em que o poeta atingiu a

maior altura de seu estro. O primeiro é uma soberba apóstrofe do continente escravizado, a implorar justiça de

Deus. O que indignava o poeta era ver que o Novo Mundo, "talhado para as grandezas, pra crescer, criar, subir", a América, que conquistara a liberdade com formidável

heroísmo, se manchava no mesmo crime da Europa.

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No "O Navio Negreiro" evocava o poeta os sofrimentos

dos negros na travessia da África para o Brasil. Sabe-se que os infelizes vinham amontoados no porão e só subiam ao

convés uma vez ao dia para o exercício higiênico, a dança forçada sob o chicote dos capatazes.

Em Castro Alves cumpre distinguir o lírico amoroso, que

se exprimia quase sempre sem ênfase e às vezes com exemplar simplicidade, como no formoso quadro do poema

"Adormecida", o poeta descritivo, pintando com admirável verdade e poesia a nossa paisagem, tal em "O Crepúsculo Sertanejo", cumpre distingui-lo do épico social desmedindo-

se em violentas antíteses, em retumbantes onomatopeias. A este último aspecto há que levar em conta a intenção pragmática dos seus cantos, escritos para serem

declamados na praça pública, em teatros ou grandes salas —, verdadeiros discursos de poeta-tribuno. E há que

reconhecer nele, mau grado os excessos e o mau-gosto

ocasional, a maior força verbal e a inspiração mais generosa

de toda a poesia brasileira. (Manuel Bandeira)

Obras

Poesia

Espumas Flutuantes, 1870

A Cachoeira de Paulo Afonso, 1873

Os Escravos, 1883

Hinos do Equador, em edição de suas Obras Completas (1921)

Tragédia no Mar

O Navio Negreiro, 1869

Teatro

Gonzaga ou a Revolução de Minas, 1875

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