cheiro de chuva 15

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Sob o calor de Ribeirão Preto, sob as aparências, nada é tão tranquilo como parece. Um professor recém-aposentado, viúvo, sem filhos e sem família, fica satisfeito pela disposição e liberdade de procurar novos rumos para sua vida. Poderá alguém procurando a liberdade encontrar seu oposto? Na mata nativa de Santa Tereza uma bela e rica jovem é brutalmente assassinada. Que circunstâncias levaram a esse crime?...

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Cheiro de Chuva

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Juarez Velasco Cunha

São Paulo – 2015

Cheiro de Chuva

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Copyright © 2015 by Editora Baraúna SE Ltda.

Capa Camila C. Morais

Diagramação Camila C. Morais

Revisão Alessandra Angelo Primavera

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

________________________________________________________________C978c

Cunha, Juarez Velasco Cheiro de Chuva/Juarez Velasco Cunha. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2015.

ISBN 978-85-437-0388-6

1. Romance brasileiro. I. Título.

15-22150 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3________________________________________________________________27/04/2015 04/05/2015

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTAEDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua da Quitanda, 139 – 3º andarCEP 01012-010 – Centro – São Paulo – SPTel.: 11 3167.4261www.EditoraBarauna.com.br

Todos os direitos reservados.Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio, sem a expressa autorização da Editora e do autor. Caso deseje utilizar esta obra para outros fins, entre em contato com a Editora.

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Dedico esse livro à minha filha Ana Beatriz Toledo Cunha, às minhas irmãs, Celene, Diva Helena, Silvia He-lena e Maria de Lourdes Velasco Cunha; e a Paulo Afonso Sampaio Mattos.

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A cidade nessa história é Ribeirão Preto. Todos os personagens são fictícios.

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Capítulo 1

O professor Prometeu era uma figura diferente de seus pares. De tarde ao retornar da universidade, caminha-va observando meticulosamente a paisagem ao seu redor. Enquanto sua expressão, para uma pessoa que o observasse, seria provavelmente a de alguém ruminando algum proble-ma muito absorvente, tal observação seria incorreta, pois, se havia um momento em que o professor conseguia não pensar em nada que considerasse importante era esse, o da sua caminhada diária. Árvores, pessoas e animais não esca-pavam aos seus olhos curiosos enquanto voltava para casa.

Seu tipo físico não era de impressionar ninguém. De estatura mediana, magro e com as costas recurvadas como sob o peso de uma enorme carga. Caminhava sem olhar para algum ponto específico por muito tempo. Era assim no trabalho e em casa. Costumava conversar com

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as pessoas sem olhar para os olhos, atitude que incomo-dava alguns colegas. Seu rosto era comprido e os olhos grandes e profundos, sua voz fraca e sibilante. Uma figura que, após o primeiro contato com alguém, sentia devido à sua consciência que em posteriores encontros tiraria a má impressão que deixava. Geralmente conseguia.

Era o mês de fevereiro e, enquanto caminhava e ob-servava as pessoas, sentia-se um pouco melancólico. Talvez fosse porque as festas do ano terminariam e aquela alegria interior que costumava contagiá-lo nessa época estava com os dias contados. Durante o verão percebia que as pesso-as ficavam mais espontâneas e as garotas mais bonitas em roupas mais leves, que permitiam que se apreciassem me-lhor suas formas e graça. No verão o país diminuía o ritmo devido às datas comemorativas, Natal, Ano Novo, Carna-val e férias escolares. Tudo isso, aos olhos dele, transfor-mava o ambiente e as pessoas, conferindo às pessoas mais naturalidade e à natureza mais luz e cor. O ano, portanto, em seu entender, começaria depois do Carnaval.

Em casa, como era de costume, sentou-se na pol-trona, deu um longo suspiro, olhou ao redor e sentiu-se mais cansado e desanimado do que nunca. Definitiva-mente estava convencido de que se encontrava diante de uma vida solitária e sem objetivo. De súbito deu um salto e saiu a procurar pequenas tarefas domésticas para fazer. Era sua alternativa para evitar tal estado de espírito. Sabia que pequenas atividades aliviariam seu desânimo até que mais tarde chegasse o momento do confronto final com a insônia, que o torturaria até de madrugada, quando en-tão, vencida, o deixaria em paz por algumas horas.

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Prometeu já havia percebido que ultimamente, quan-do em casa, sua estratégia para se desligar de preocupações não vinham mais dando certo. Ficava atordoado só de ima-ginar o que seria quando não pudesse mais contar com elas. Um medo indefinido e irracional surgia e então ele procu-rava dissipar a preocupação. Dessa maneira, sua mente en-veredava por um caminho vicioso com descansos cada vez mais breves. Mas agora ele sabia que tinha realmente que tomar uma atitude. Enfrentar suas preocupações, seus te-mores, seu futuro. Fazer um balanço de sua vida. Prometeu havia decidido encarar esse desafio. Não havia outro jeito. A vida se transformara em algo tão desprovido de boas emo-ções, que piorar, decidiu ele, talvez fosse uma coisa interes-sante que o livraria dessa profunda apatia.

Esse não era um dia como outro qualquer. Percebeu que uma ligeira sensação de liberdade começava a alterar a sua disposição. Tomara uma atitude que ensaiava havia muito tempo. De hoje em diante não daria mais aulas. O dia seguinte seria seu primeiro dia de aposentado. Ape-sar de não se sentir propriamente feliz com isso, estava aliviado. Uma nova perspectiva se abria para ele. Mudar sua maneira de agir. Talvez assim conseguisse ter emoções diferentes das quais estava acostumado.

Retornou à cadeira e começou a pensar no que faria dali para frente. De uma coisa sabia, não precisava mais se preocupar com a insônia. No dia seguinte não teria de acordar cedo e descansado. Achou que seria uma boa ideia dar uma organizada na casa. Arrumou impecavel-mente todas as suas coisas e mudou a disposição dos mó-veis. Não pensou, a princípio, que demoraria tanto. Po-

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rém, ao terminar, estava satisfeito com o resultado. Com fome, foi à cozinha preparar algo para comer. Usou o que tinha à disposição na geladeira. Esquentou arroz e fez uma omelete com cebola, cheiro-verde, queijo, presunto e azeitonas secas; omelete era sua especialidade. Degustou a simples refeição como se fosse uma iguaria. Sentiu pra-zer nos gestos que fazia, exagerando o prazer que sentia. Era como se assistisse a si próprio comendo. Ao terminar sorriu, afinal descobriu-se com talento para ator. Em se-guida, abriu a garrafa de um vinho que guardava fazia bom tempo, tomou-o vagarosamente. Ao contrário dos últimos dias, nesse momento não estava ansioso. Chegou a pensar ter superado a grande desilusão amorosa que so-frera. Como não estava com sono escolheu na estante um livro para ler. A ideia de reler algum livro que o marcara na adolescência entusiasmou-o. Depois de separar vários títulos, escolheu pelo autor. Um escritor que admirava por ter levado uma vida cheia de aventuras, algo inexis-tente na vida que levava até então. Ajeitou-se na poltrona para reler: “O Chamado da Floresta”, de Jack London. Tentou, mas não conseguia se concentrar no livro.

Deitado na cama começou a pensar na vida. Refletiu que talvez a questão fosse nunca ter prezado realmente tudo que tinha a seu alcance. Estava apenas acostumado com a rotina que havia estabelecido para si. Sua cons-ciência atual não permitiria que ele continuasse assim. Sabia havia muito tempo, ter um vazio em sua alma que não o deixava ser realmente feliz. Nunca soube o que era isso. E sabia, também, estar sempre se desviando desse vazio. Atitude que ao invés de aliviar agravava cada vez

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mais sua extinta paz de espírito. Principalmente depois de chegar tão perto de preencher esse vazio com a bela Maristela. Infelizmente tivera azar. Tinha experimentado o doce sabor da felicidade. Depois de perdê-la, o vazio lhe pareceu muito maior. Sabia que não suportaria con-tinuar a levar a vida que tinha. Por isso a atitude radical. Querer mudar e não querer abandonar nada do passado era uma incongruência. Se não fosse capaz de abrir mão de nada, não haveria mudança. Por fim, concluiu que não devia complicar, estava em um conflito interno em que já objetivamente tomara a decisão: mudar. Enquanto refletia surgiu a esperança que o dia seguinte poderia, fi-nalmente, ser diferente dos demais.

Fazia uma bela noite do lado de fora de sua casa. Lua cheia e céu sem nuvens. Uma brisa refrescante percorria as folhagens das árvores e arbustos produzindo um suave farfalhar. Somente a essa hora da madrugada a tempera-tura estava amena. Durante o dia foi muito alta. Alguns gatos vagavam pelas ruas aproveitando essa trégua.

Prometeu levantou-se logo que despertou. Estava com muita vontade de tomar um cafezinho bem quente e de fumar. Tragava profunda e prazerosamente enquanto preparava o café. Não sentiu vontade de ler os jornais do dia. Saber da crise econômica que o país atravessava, dos altos índices de desemprego, de corrupção e violência era algo que poderia dispensar sem prejuízo, pelo menos por enquanto. Tomou um banho quente, fez a barba capri-chosamente e sentou-se no jardim interno de sua casa. Escutou o alvoroço dos passarinhos. Um bando de ma-ritacas barulhentas pousou na árvore da vizinha que se

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sobrepunha ao muro. Admirava os pássaros irrequietos e pensava no que faria. Em pouco tempo muito lhe ocor-reu, porém por mais que pensasse em coisas agradáveis sentia-se mais inclinado a fazer algo prático e útil. Ques-tionou o pouco interesse que tinha em fazer coisas agra-dáveis, só de se imaginar correndo, andando de bicicleta, ou passeando, sentia-se tolo. Decidiu que prepararia com muito capricho e sem pretensão imediata, um novo cur-rículo, se uma boa oportunidade surgisse, não seria má ideia voltar a trabalhar em outra atividade. Depois dessa tarefa, estaria liberado para algo “inútil”.

Ao manusear a máquina de escrever, percebeu que a fita se desgastara. Rebobinou-a para um lado e para o ou-tro, constatou que não valeria a pena escrever com a tinta fraca. Pensou que estava defasado por não ter um compu-tador pessoal, a maioria dos professores tinha, mas se nun-ca se importara com isso, não seria agora que se importaria. Animou-se com a ideia de ir até a papelaria comprar outra fita, assim faria algo útil e de quebra daria um passeio.

Enquanto caminhava ia pensando em como seria bom se estivesse longe da cidade. Preferencialmente no campo. Para poder desfrutar melhor o lindo dia que fazia, decidiu que após passar na livraria sairia da cidade. Mui-to animado com a ideia escolheu ir para a mata de Santa Tereza. Uma mata nativa preservada, próxima da cidade. Queria caminhar sozinho, bem distante da cidade e de pessoas que pudessem fazê-lo lembrar-se do passado. Re-centemente havia passado de carro pela mata a caminho de uma cidade vizinha, uma estrada de terra passava por ela. Queria refletir um pouco. Lembrou-se de uma frase de

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Nietzsche: “Na solidão, o solitário se devora a si mesmo; na multidão, devoram-no inúmeros. Então escolhe”.

Pegou o ônibus circular Jardim Progresso que o deixou na rodovia próxima de Santa Tereza. Sentiu um enorme alívio ao penetrar na estrada de terra que atraves-sa a mata. No caminho reparou que ela estava razoavel-mente limpa, apesar de tão próxima da cidade. Pôde sen-tir o frescor da sombra, então se deu conta de que aquela sutil ansiedade que vinha sentindo enquanto estava na cidade já não existia mais.

***

A mata de Santa Tereza de Ribeirão Preto é um dos fragmentos de uma vegetação pertencente ao bioma da Mata Atlântica do interior, sendo condicionado por uma estação de chuvas de verão, seguidas por um período de estiagem, possuindo espécies como jatobás, jequitibás, perobas-rosa, jacarandás-paulistas, cedros, faveiros, mon-joleiros... Há registros de mais de 250 espécies vegetais incluindo árvores, arbustos, epífitas, fetos arborescentes, herbáceas, lianas, palmeiras e taquaras. Estudos registra-ram a ocorrência de cinco espécies de mamíferos e 104 espécies de aves. Outras quatro espécies de mamíferos e 22 de aves, mediante dados secundários. Dentre a avi-fauna, quatro espécies se encontram em algum grau de ameaça de extinção: o papagaio-grego, o pica-pau-de-to-pete-vermelho, o pipira-da-taoca e o taperá-do-buriti. O maior problema da mata é que está inserida na Zona de Expansão Urbana do Município. É atravessada por uma