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Sinopse novela CHEIRO DA PELE

Todos os direitos reservados a Alcione Carvalho 1

AÇÃO

O senhor de pele alva, porte altivo e olhos azuis caminha pelos salões do Museu de História Nacional no Rio de Janeiro na companhia de três

crianças mulatas. Diante do retrato da Família Imperial o grupo para. O olhar dele se abstrai no óleo sobre a tela como se a obra o levasse para outro tempo. As crianças o observam. A menina bela de cabelos negros, crespos e abundantes a cair sobre os ombros, de olhos azuis como os do senhor, chama a atenção dele trazendo-o de volta. Então, ele decide contar certa história.

VOLTA NO TEMPO

Tudo começa quando Lorde Charles Hampton, Conde de Mountbytten, jovem culto, frio e sedutor deixa a Grã-Bretanha para visitar o irmão

Phillip Hampton na América do Sul, refugiado no Brasil depois de dissipar parte da fortuna da família num cassino escocês. Durante a viagem de navio, Charles escreve várias cartas à irmã Catarina na Europa e numa delas diz: “Tenho a sensação de que algo de encantador e de terrível está por vir. Talvez eu esteja contaminado pelas suas ideias sobre o amor”.

1920

1865



No Rio de Janeiro, Charles Hampton é inserido na corte de Pedro II pelo irmão já aclimatado aos trópicos e tido como uma das figuras mais extrovertidas dos salões da nobreza. Gordo, metro e meio de altura, muito branco e irrequieto, sustenta com bom humor o apelido de Senhor Bola de Neve. É admirado pelo caráter alegre e generoso, esteja com a sorte a favor ou contra. Jogar é seu grande prazer mundano e, com deleite, vive na capital do Brasil como proprietário oculto de hotel-cassino e respeitado criador de cavalos, transitando e negociando nos meios abastados.

Phillip Hampton existe feliz com o que a vida lhe reserva no país, sempre citado por sua coleção de carros, seus animais de raça e amando freneticamente fora do casamento. Tem quatro filhos brasileiros, três com a esposa Mary Anne Hampton, duquesa de Woodlessland, e um com Madame Babelle Le Bon, polaca de nascença e francesa por necessidade profissional, dona do estabelecimento mais trepidante da cidade: o cabaré La Couleur de La Vie.

A vida no Brasil na época imperial, o clima tropical, o exotismo e a sensualidade do povo surpreendem e encantam o visitante Charles Hampton, postergando sua volta à Grã-Bretanha.

O ano corre quando Phillip, Mary Anne e Charles Hampton visitam a fazenda Campo Alegre no interior da Província do Rio de Janeiro, a convite do proprietário, Comendador José Antonio



Cintra Moraes de Oliveira, cafeicultor, amante de cavalos e cliente do haras de Phillip. Charles então faz contato com o esplendor da vida campesina do Brasil na era do café e trabalho escravo, admirando-se verdadeiramente com o que encontra.

Chegando à fazenda, ainda ao longe, nota o magnífico solar de cor amarelo-claro implantado em meio aos jardins, dominando a esfera bucólica do cenário. Ao se aproximar, atravessando a ponte de dois vãos sobre o translúcido e ruidoso rio frente à mansão, o alvo inglês de olhos azuis vê pela primeira vez a brasileira Maria América Gomes Cintra Moraes de Oliveira, a Mequita.

Mequita, jovem de pele e olhos amendoados, corpo delgado, cabelos levemente ondulados e escuros, observa o grupo se aproximar conduzido por seu pai. Mequita está junto à entrada principal do solar. Porta alta e larga, encimada por bandeira em arco e ladeada por duas figuras femininas em tamanho natural, estátuas de origem francesa. Mequita monta Juba, imponente égua manga-larga branca salpicada de cinza em vários tons.

Mequita é a mais nova das três Marias. Maria de França, Maria Itália e Maria América, filhas dos senhores da casa grande, dona Ruth e o Comendador José Antonio. Jovem, culta e desenvolta, fala com fluência o idioma inglês, o francês e o latim.



Um abalo sísmico e irrefreável toma conta de Charles Hampton ao avistar Mequita. De imediato a faz a preferida, entre tantas senhoritas que já havia cortejado. Aproxima-se e, cego a tudo e a todos, apeia-a de Juba com delicadeza.

Mequita aceita a corte de Charles.

Os dias se sucedem na fazenda Campo Alegre sem que Charles deseje encerrar sua estada ali. Para Mequita não é diferente. Logo nas primeiras horas do dia já estão juntos. Fruem as alamedas serenas, cavalgam e visitam a senzala onde vivem grosas de escravos.

A Família Imperial retratada em óleo sobre tela e eternizada na parede do solar presta-se a testemunha da alegria no convívio entre Mequita e Charles. Juntos visitam as obras e os objetos de arte espalhados pelos salões do solar, que enriquecem o patrimônio da família e a prosa fina.

O grande espelho de cristal veneziano na sala de almoço reflete os sorrisos e amabilidades trocados durante as refeições. E à tarde, depois da sesta, voltam a se encontrar. Aconchegados à mobília confortável da biblioteca, Mequita ouve corando Charles ler em voz alta, fitando seus olhos a cada pausa provocada pela pontuação.



“Minha América! Minha terra à vista, reino de paz, se um homem só a conquista, minha mina preciosa, meu império, feliz de quem penetra o teu mistério.”

Não raro Mequita exibe seu talento de pianista interpretando a obra de Bach para o inglês perdidamente atraído. Mequita o surpreende e ele não esconde o encantamento. Depois do jantar ficam na varanda ouvindo o som ritmado do batuque dos escravos ao longe, trazido pela brisa morna. E quando a noite chega, não acendem as lâmpadas. Os pirilampos, aos milhares, dão bastante claridade. O aroma do mato e da terra úmida pelo sereno invade e seduz o olfato com a alegria de viver. Começa assim, numa atmosfera de esplendor, distinção e sensações nunca antes experimentadas por Charles e Mequita, um delicado conto de amor.

O casamento vem seis meses após o primeiro encontro.

É realizado na Fazenda Campo Alegre numa manhã de primavera, por Frei Lopes, amigo e conselheiro da família. Presentes a nobreza brasileira, Phillip Hampton e família, o baronato do café do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Contam-se quinhentas pessoas a assistir o matrimônio dos jovens apaixonados.

Mequita tem 18 anos e Charles 24.



Após as bodas, o casal viaja para a Grã-Bretanha levando com eles a felicidade. A viagem encanta aos dois. Charles quer rever a família e Mequita deseja conhecer o mundo do marido.

A vida em Londres, o grupo da família Hampton e os salões da corte da Rainha Vitória emolduram a vida de Charles e Mequita. Ela não tarda a brilhar. Não encontra dificuldades em se adaptar aos usos e costumes dos Hampton e da nobreza europeia. Os sogros, Albert e Guilhermina Hampton, aceitam Mequita de imediato, aliviados do temor de ter em casa uma silvícola sul-americana trazida pelo filho mimado.

Mesmo o inverno constante, a ausência do sol, os dias curtos e úmidos e as noites geladas não incomodam Mequita. Está feliz com seu casamento e com o amor que constrói no cotidiano com Charles.

Mequita encontra na cunhada uma referência feminina até então desconhecida para ela. Mesmo assim, não deixa de apreciar Catarina na sua maneira de ser e estar no mundo. Não raro ajuda Catarina a lidar com as dificuldades que tem com os pais, inconformados com suas liberdades e seu romance com Wladimir Adley, filho de pai inglês proletário e mãe moscovita, operário socialista e líder do sindicato dos trabalhadores da indústria de máquinas a vapor.



Três anos após a chegada de Mequita e Charles à Grã-Bretanha, ele é convocado para ingressar nas frentes de batalha no Oriente. Mequita se desespera, implora que voltem imediatamente ao Brasil. Mas o marido parte para a guerra sem que ela consiga realizar seu grande sonho, dar um filho a Charles, apesar da paixão que os une. Com Charles longe dela, Mequita pensa em voltar sozinha para o Brasil. Escolhe permanecer em Londres, aonde as cartas do marido chegarão mais depressa.

Catarina está cada vez mais sem juízo aos olhos dos pais, desonrando a linhagem Hampton com suas ideias “sem vergonha e sem compostura”, como Guilhermina costumava dizer. A filha é alvo de mexericos nos salões da alta sociedade constrangendo a família, que se recolhe em casa. Albert preocupa-se com sua reputação, com seus negócios, e teme que a filha acabe presa por atentado ao pudor. Lamenta ter mais um filho sem prudência.

Cate, como Catarina é chamada em casa, dá trabalho. Recusa-se a casar apesar dos 30 anos, a formar família, a assumir as convenções e os compromissos do matrimônio. Frequenta as rodas de artistas e intelectuais. Escreve em jornais sobre o amor romântico. Prega o sexo feito com afeto, não importando se com um ou mais parceiros, dentro ou fora do casamento. Critica a burguesia e as aparências que impedem que os sentimentos prosperem. Lidera grupos de mulheres insubordinadas e distribui panfletos em feiras livres contra o trabalho doméstico, que



considera escravo. Sofre oposição cada vez mais forte de Albert e Guilhermina ao relacionamento com Wladimir Adley. Os Hampton estudam a hipótese de internar a filha num hospício na Irlanda.

No Brasil, o Comendador José Antônio colhe sua pior safra de café desde que o avô começara o cultivo há 60 anos. Sua situação financeira não é boa e recorre a Phillip Hampton, que lhe empresta uma soma vultosa.

Mary Anne, grávida do terceiro filho, está contrariada. Por alguns meses não poderá posar nua, apenas vestida com as máscaras venezianas do pintor italiano Marco Grecco. A esposa de Phillip frequenta o ateliê do artista todas as tardes, às escondidas do marido.

No cabaré La Couleur de La Vie, a cegonha também está por vir.

Madame Babelle Le Bon espera um filho do opulento e bon vivant Phillip Hampton, cada vez mais endinheirado com a exploração do jogo, a criação de cavalos e sua nova atividade: a agiotagem. Empresta dinheiro a custo alto para os endividados em seu hotel-cassino, a ele encaminhados por um empregado diligente e apiedado.

A Viscondessa francesa Samanta De Bouqueville afoga suas mágoas em champanhe. Vive frustrada com o marido Alfonse De Bouqueville, que prefere o pintor de Mary Anne a ela. Alfonse e



Marco Grecco mantêm um caso desde que o artista chega ao Brasil, vindo da Argentina. Alfonse, encantado pelo talento e pelo nariz romano do pintor, tornou-se seu mecenas. Marco Grecco faz fortuna pintando retrato de casais opulentos.

Maria de França, irmã mais velha de Mequita, de temperamento e ideias generosas, encarna os ideais “liberté, egalité, fraternité”. Acredita no livre-arbítrio, no direito de cada um e na harmonia entre os homens. Casa-se com Arnaldo Lins, paulista, advogado, escritor, liberal, contrário à escravatura. Com ele terá duas filhas, Isabel e Ana.

Na Grã-Bretanha, Mequita refugia-se na música para suportar a ausência de Charles e o drama familiar dos Hampton com o comportamento de Cate. Toca piano incessantemente, a qualquer hora da noite ou do dia. Escreve dezenas de cartas, que são enviadas ao front e ficam sem resposta. Aos poucos vai perdendo o apetite e a saúde vai se debilitando até que abandona por completo a música e as cartas. Mequita chega a passar até uma semana sem se levantar da cama, nem mesmo para fazer a higiene pessoal. Está fechada para o mundo e para ela mesma.

Os sogros, receosos do estado de debilidade de Mequita, resolvem pedir auxílio à dona Ruth e ao Comendador José Antonio. O casal viaja para Londres, em companhia do médico da família, Dr. Ângelo de Freitas. O diagnóstico não é bom, anemia e melancolia. O prognóstico também não. A anemia se resolve com



alimentação, medicamentos e sol, mas para a melancolia não há remédio. Mequita apenas se restabelecerá com a volta do marido, vaticina o clínico.

Os Cintra Moraes de Oliveira querem trazer a filha de volta ao Brasil, para que fique sob os cuidados da família e desfrute o clima ameno no interior do Rio de Janeiro. Mas Mequita se opõe, na esperança de rever Charles em breve.

Os Hampton e os Cintra Moraes de Oliveira então decidem reanimar Mequita a qualquer custo e engambelam a jovem com a possibilidade de encontrar o marido no Egito, após fazer um curso de enfermagem e servir na guerra como voluntária. Mequita aceita e aos poucos vai se reerguendo, movida pela falsa esperança engendrada pela família.

De volta ao Brasil, os Cintra Moraes de Oliveira têm outro baque. Uma das três Marias, Maria Itália, quer recolher-se ao convento. Deflorada, assustada, envergonhada, teme que os pais descubram o que acontecera na ausência deles. Acredita que tornar-se freira por iniciativa própria poupará a si e ao pai do sofrimento de enviá-la à força para o convento. Vai se confessar com Frei Lopes que a desaconselha da iniciativa, por não ver na jovem qualquer vocação religiosa. Dona Ruth, desconfiada, aperta Maria Itália até que fale.



Maria Itália confessa: deixou de ser virgem, deitou-se com o filho da mucamba Mãe Bené. Dona Ruth quase desfalece sob o impacto da revelação e apoia incontinenti a decisão da filha. Antes freira que mãe de mulatinhos.

Mãe Bené, escrava de estimação de dona Ruth, teve três filhos que vingaram. Augusto, o Zunha, primogênito; Luz, a penúltima; Socorro, a caçula, mãe de Camélia, nascida de bunda e criada na barra das saias da avó na casa grande.

Mãe Bené amamentou no seio as três Marias e tem pelas sinhazinhas afeto de mãe legítima. Mesmo sabendo que seu filho legítimo corre perigo, tenta dissuadir Maria Itália. Diz a ela em segredo: – “Não vá para o convento, minha menina... A sinhazinha não vai encontrar felicidade lá.” – De nada adiantou. Maria Itália recolhe-se ao claustro, conduzida por Frei Lopes e Sóror Teresa Imaculada. Os dias para a moça passarão com muita tristeza.

Na volta da viagem que levou Maria Itália ao convento, dona Ruth relata ao marido o que acontecera entre a filha e o escravo. O Comendador José Antonio, transtornado pela cólera, ordena que Zunha vá para o tronco. E a fazenda Campo Alegre entristece, vivendo um momento de profundo pesar com os gritos do negro açoitado.



Maria de França e Arnaldo Lins, principais artífices da relativa liberdade de que os escravos da fazenda gozam, intervêm. Retiram Zunha do pelourinho. O Comendador não perdoa a filha e o genro. Mesmo simpatizando com as regalias concedidas a seus escravos, fora desautorizado publicamente. Grave infração diante do prelado que mantinha na fazenda.

Em Londres, Mequita frequenta o curso de enfermagem. E certo dia, ao chegar à casa, encontra uma grande caixa endereçada a ela, vinda do Oriente. Era um presente de Charles Hampton para a esposa. Ao abrir a caixa, os olhos de Mequita cintilaram. A túnica cor de cereja bordada com fios de ouro à maneira dos egípcios lhe convém com perfeição pelo alcance do bom gosto e elegância.

A carta que Charles havia juntado ao presente, manifesta o grande amor pela doce esposa e relata a conquista do vestuário. Adquirira a peça de uma caravana que o levava a um palácio, para alinhar sua princesa. Mequita escreve ao marido dizendo que se engalanará com a esplendorosa vestimenta no dia que voltarem juntos ao Brasil, se isto algum dia for possível. E revela que se prepara para ingressar, em breve, na guerra que os separou.

Charles não suporta a idéia de ver a meiga e frágil esposa exposta aos horrores do combate. Sofre noite e dia sem saber que Mequita jamais irá encontrá-lo, ludibriada que foi pela artimanha



dos pais e sogros para fazê-la reagir à doença, e dispostos a mantê-la sã e salva longe do front.

Ao retornar da guerra, Charles encontra a esposa em desacordo com Albert e Guilhermina. Cate, grávida de Wladimir Adley, fora deserdada, expulsa de casa com a roupa do corpo, enxovalhada. Mequita não quer mais viver na companhia dos sogros e presenciar a crueldade contra a própria filha. Mequita quer voltar imediatamente ao Brasil.

A mudança também agrada a Charles, pela aventura de estabelecer-se em outro continente e pela afeição que nutre pelo país onde encontrara o amor por uma mulher. A fazenda Campo Alegre significava para ele poder viver a doce felicidade doméstica, esquecer os horrores da guerra, se inteirar do plantio e do beneficiamento do café, opulentar a terra com o trabalho de escravos. Ascenderia na corte de Pedro II, viveria com esplendor e fidalguia como vivera na corte da Rainha Vitória. Voltar ao Brasil agrada e estimula Charles.

Viver no Brasil, quem sabe, morrer no Brasil...

PASSAGEM DE TEMPO



De volta ao Brasil, Mequita e Charles se instalam numa ampla e soberba mansão em Botafogo, no Rio de Janeiro. Mesmo nas capitais da

Europa não se vê ambiente tão particularmente requintado e tão perfeita anfitriã. A suntuosa residência de Mequita e Charles logo passa a ser palco de recepções e bailes memoráveis. Mequita é a personificação da graça, da sedução e da amabilidade ao receber a alta sociedade e firma-se como grande dama.

Na recepção inaugural da mansão, representantes do Império se misturam a ricos comerciantes, intelectuais, artistas e familiares: Dona Ruth e o Comendador José Antonio, a irmã Maria de França e o cunhado Arnaldo Lins, Phillip e Mary Anne Hampton. Presentes também Frei Lopes, o Visconde e a Viscondessa De Bouqueville e o pintor Marco Grecco. Para aquela noite, tudo está preparado com apuro, refinamento e arte para encantar os olhos e o espírito dos privilegiados que se fazem presentes.

Os jardins ao redor da casa, viveiros de raras espécies nativas com suas árvores de copas frondosas e iluminadas de baixo para cima, quase encobrem a mansão. Por sob elas, os convidados passam em direção ao interior da casa. Damas desfilam vestuários luxuosos. Sedas, tafetás e organzas em abundância nos vestidos rentes ao chão, sobre camadas volumosas de anáguas de pontas

1875



rendadas e sapatos forrados de cetim, ornados com enfeites reluzentes. Decotes generosos deixam à vista belos colos, servindo como suportes para jóias valiosas. Cabelos e maquiagens em perfeito acordo. Distintos cavalheiros engalanados seguem de pertos suas senhoras. Nos vastíssimos salões ricamente decorados, os objetos de valor e obras arte da renascença italiana se descobrem sob a luz estudada e construída com afinação. O olhar tem muito a admirar naquele autêntico palácio, cuja dona assina cada detalhe da recepção.

Quando Mequita desce a larga escadaria de mármore, deslizando a mão esquerda pelo corrimão de metal ouro velho, ostenta anel e bracelete encravados com dezenas de pequenos diamantes. Vem conduzida pelo lorde que a ama e por ela é correspondido. Traja uma túnica cor de cereja rente ao corpo, bordada com fios de ouro à maneira dos egípcios, que lhe convém com perfeição pelo alcance do bom gosto e elegância.

Por algum instante, não se ouve ruído no salão, como numa cena muda. Apenas Mequita e Charles, se movimentando lentamente sob os olhares de admiração dos convidados quase estáticos, caminhando em direção à filha do imperador e seu marido, presentes em sua casa. Mequita conhece o alcance do seu poder de sedução. E Charles dela tem orgulho.

A meiguice da anfitriã é um dom natural. Tem o talento de pôr à vontade os que com ela convivem. Sempre assistida pelo marido,



um nobre inglês proveniente da vida mundana na Europa, com passagem pelas frentes de batalha no Oriente, agora pretendente a cafeicultor sobre as terras do Brasil. O tom de admiração por Mequita e sua residência não desce durante toda a noite. Tudo é belo, magnífico, artístico.

O grandioso baile encanta ao ritmo da orquestra numerosa e de brilhante execução, conduzindo casais na cadência da valsa e da polca sobre pisos de mármore cor-de-rosa de origem portuguesa. O serviço é dirigido por Monsieur Dubois, francês empregado da família há já 30 anos, conhecedor de todos os segredos dos Cintra Moraes de Oliveira e comandante impecável de uma legião de servos encasacados.

Charles Hampton, em pouco tempo, integra-se à administração da fazenda Campo Alegre e ali fixa sua residência de campo com a esposa. As grandes salas, as pinturas e gravuras, o grande espelho de cristal veneziano, a mobília, a sala de armas, a de bilhar, os quartos dos hóspedes, as cavalariças, o jardim fronteiro e o pomar ao fundo, tudo parece intocado aos olhos de Charles. Como se o tempo não houvesse passado por aquelas paragens.

Durante muitas tardes o casal posa para o pintor Marco Grecco. Mequita sobre Juba e Charles Hampton a apeá-la com delicadeza. Imortalizando o primeiro encontro.



Assim como na mansão de Botafogo, Mequita e Charles recebem na fazenda Campo Alegre os representantes das casas reinantes européias que, ao partir, levam recordações gratas e desejos de retornar. Contemplar a calma natureza, sentir a serenidade sob o Cruzeiro do Sul brilhando na noite sem nuvens e respirar a plenos pulmões a atmosfera das florestas tropicais é um sonho para os convivas afortunados.

Mequita e Charles sentem saudades de Catarina e por ela têm apreensões. Gostariam que viesse estar com eles no Brasil, onde tudo seria mais fácil, pensam. Cate tivera a pequena Diana, sua filha com Wladimir Adley, num hospital público em Londres. Contraíra eclampsia e agora tem a perna esquerda levemente paralisada. Sua silhueta, antes perfeita, agora carrega uma perna pesada.

Dois dias após o parto seu companheiro fora preso. Wladimir Adley projetara-se como grande pensador do proletariado, defendendo um novo sistema econômico e uma nova ordem política e social. Tem como ideal e doutrina criar uma sociedade sem diferença de classes, baseada no domínio comum dos meios de produção, controlados pelos trabalhadores. Gritava, na porta da fábrica de motores a vapor - “Abaixo a burguesia!”, “Por uma sociedade livre, sem classes e sem governo!” quando foi preso por incitar a desordem. Solto um mês depois, desempregado e com a recomendação de sair de Londres, o que naturalmente não acata,



muda-se com Catarina e Diana para um porão cedido por amigos no subúrbio londrino.

Mequita lamenta a sorte da cunhada e critica a falta de apoio dos sogros a Cate. Albert e Guilhermina também sofrem com o destino da filha, mas preferem vê-la morta a ter de suportar a presença de Wladimir Adley, a quem se referem como o “desencaminhador” de Cate e único responsável por todos os malefícios que se abateram sobre ela e a família. Escondem da sociedade o paradeiro de Catarina e a existência de Diana, já não sabendo mais o que inventar.

Charles, com freqüência, escreve à irmã pedindo que venha com Wladimir e Diana para o Brasil, onde serão acolhidos sem reservas. Mas Catarina responde que não poderia suportar a vida em lugar de atmosfera tão abusiva, numa propriedade onde dezenas de negros servem à exploração e opressão dos senhores. Ao longo de vários anos, Catarina e Charles se correspondem. Suas cartas tornaram-se relatos históricos.

No Brasil, o reinado de Pedro II e a vida nos salões da aristocracia; o ciclo do café e sua decadência; o trabalho escravo e a Lei do Ventre Livre; o início das comunicações por telefone; o fim do Império, a primeira República e a Lei Áurea; a origem das favelas.



Na Europa, o reinado de Vitória e o cotidiano das famílias da aristocracia; a potência marítima francesa contra a inglesa; o crescimento da comunicação telefônica por cabos; o surgimento do conceito de amor romântico; os transtornos da revolução industrial e o avanço do socialismo.

Mas não é apenas Catarina que deixa Charles em desassossego. Mequita e o café também. A terra demonstra exaustão pela exploração no plantio por décadas sucessivas, e pelo quinto ano consecutivo dá prejuízo. As dívidas se acumulam. E Mequita, para desespero dela mesma, não consegue engravidar.

Charles já não sente Mequita como a mulher que o ama e sim, como alguém que desejava fecundar a qualquer custo. Mequita tenta a fecundação obsessivamente. Bebe todo tipo de chás e efusões preparados por Mãe Bené, faz simpatias na lua cheia, oferendas para antepassados nas segundas-feiras, e intermináveis novenas indicadas pela irmã Maria Itália.

Dr. Ângelo acompanha o caso, desanimado, desde que Mequita e Charles voltaram para o Brasil. Faz exames, medica, troca os medicamentos que ele próprio manipula. Ainda assim, nada. As crenças não ajudam e a ciência também não. Mequita não engravida. Estéril, quase histérica.

O Comendador José Antonio passa por um mau momento sob a pressão dos credores, entre eles Phillip Hampton, o irmão de seu



genro. Morre de ataque cardíaco fulminante, caindo de sobre o cavalo pouco depois de cruzar a ponte de dois vãos sobre o rio que corre diante do solar.

Quando Mãe Bené prepara o corpo para o velório, encontra uma carta no bolso das calças do Comendador e entrega o documento a Charles Hampton, o único que não está transtornado naquele momento.

Depois do enterro, Charles se recolhe à biblioteca, abre a carta e lê. Ao final, está atônito. Seu irmão Phillip intima o Comendador a entregar em prazo curto a fazenda Campo Alegre, de porteira fechada, as terras que tinha no interior de São Paulo, a mansão no Rio de Janeiro e os carros como parte do pagamento das dívidas. Charles guarda a carta. O motivo da morte do sogro será segredo mantido por ele.

Charles procura Phillip e determina que o irmão conserte o erro. Que suspenda a cobrança e devolva o que extorquiu da família até então, sob pena de ser delatado por prática de negócio ilícito e responsável pela morte do sogro.

Phillip Hampton fica preocupado com as ameaças de Charles, faz as malas e viaja de súbito para a América do Norte na companhia de Mary Anne, e dos filhos Phillip Jr, Ellen e Richard. Leva com eles a bordo do navio a vaca de estimação e o empregado hábil em ordenhá-la todas as manhãs, para tirar o leite fresco que a



família bebe no desjejum. Phillip Hampton deixa Madame Babelle Le Bon à frente de seus negócios no Rio de Janeiro, com procuração juramentada em cartório.

Com a morte do pai Maria Itália abandona o hábito e volta a viver na fazenda para fazer companhia a dona Ruth, abalada pela perda do marido. Maria de França e Arnaldo Lins implantam na Fazenda Campo Alegre o que chamaram de “idade da escolha”, promovendo uma espécie de abolição particular da escravatura. Antecipam-se à Lei do Ventre Livre, à Lei Áurea e à própria história do Brasil.

Os escravos da fazenda Campo Alegre estão livres para partir ou para ficar. Aqueles que ficarem atuarão como sócios investidores da fazenda ora falida, trabalhando dobrado e comendo menos. Em contrapartida receberão um quinto da propriedade, que será loteada em cinco partes. Cabendo uma para dona Ruth, três para cada uma das três Marias e uma para os sócios investidores, como os negros passaram a ser chamados. Todos ficam menos Zunha, amofinado pela paixão que sentia por Maria Itália tornada freira e agora de volta à fazenda. Zunha então vai servir na casa de Botafogo.

Mequita decide leiloar o retrato da Família Imperial que se acostumara a ver num dos salões do solar, desde que nascera. Charles é contra. Tenta levantar dinheiro na Grã-Bretanha, mas



os Hampton também estão falidos, praticamente vivendo de aparências.

As dificuldades financeiras, a terra improdutiva exaurida pelo ciclo do café e, sobretudo, a angústia por não engravidar, abalam a esposa de Charles. Mequita começa a apresentar o mesmo quadro de anemia e melancolia registrado em Londres anos atrás, quando Charles estava na guerra. Não come, não bebe, não sai da cama nem para fazer a higiene pessoal. Sua saúde se debilita rapidamente. Dr. Ângelo anuncia de novo anemia e melancolia. Mequita crê que Charles a deixará se ela não engravidar, prefere morrer.

PASSAGEM DE TEMPO

Mequita beira os 40 anos sem ter dado filhos a Charles. Sua saúde está cada vez mais frágil e abalada pelo desgosto. Dr. Ângelo não controla a

anemia e a melancolia recorrentes. Quando consegue se levantar Mequita monta em Juba, precisando de auxílio, e marcha solitária pelo campo.

1885



Volta com os olhos inchados de chorar e recolhe-se ao leito em profunda tristeza. Como último recurso para tentar animá-la e quem sabe, gerar o filho tão desejado pela esposa, Charles decide fazer uma viagem em busca da cura.

A filha do imperador também tivera dificuldades para ser mãe e “fornecer” um herdeiro à Coroa, recorrendo às águas virtuosas que brotavam nas fontes do arraial de São Cipriano, ao sul de Minas Gerais.

A própria princesa certa vez aconselhou Mequita: “Vá, Maria América, e conheça aos arredores, são encantadores para uma excursão a cavalo. Os dias são de deliciosa primavera e dificilmente se encontra recanto mais bonito. Quem sabe você, assim como eu, depois de chegar às fontes de águas borbulhantes e delas beber não trará de arraial de São Cipriano o primogênito no ventre.” Mequita e Charles viajam. Na bagagem, a esperança e o desgaste no convívio.

De volta ao Rio de Janeiro Mequita refugia-se como mulher fracassada na casa de Botafogo. É oca, não tem dúvidas. Passa a viver de suco de carambola, torradas com mel e recordações de um tempo onde ela e Charles foram felizes. Jovens arrebatados, admirados e invejados na corte. Bastante diferente agora, Mequita está oprimida por ela mesma sem o saber. Não recebe, não oferece recepções ou bailes, não brilha, não abre cartas, não atende ao telefone. Não come, não dorme.



Vive vestida com a túnica cor de cereja, bordada com fios de ouro à maneira dos egípcios, presente de Charles. Assim adornada senta-se ao piano e toca mecanicamente por horas a fio, relembrando. Vê-se na fazenda Campo Alegre, caminhando pelas alamedas serenas e salões suntuosos, na companhia do estrangeiro que lá chegara trazido pelo pai. Transporta-se para as noites iluminadas por pirilampos na varanda. Vaga mentalmente pela biblioteca onde o jovem e sedutor inglês lia poemas que a faziam enrubescer. O casamento, a viagem para Londres, a guerra, o retorno ao Brasil com o marido. Ela, nos braços de Charles a quem amou e foi amada com ardor. Agora não mais, acredita. Sente-se solitária sem o marido e os filhos que não pudera ter. Jaz assistida pelo mordomo Monsieur Dubois, pela criada Carmem e por Zunha, testemunhas do seu declínio. Mequita perdeu Mequita.

Charles Hampton permanece na fazenda Campo Alegre, onde passa os dias trabalhando na biblioteca, sempre acompanhado por Maria de França, Arnaldo Lins e o contador Carvalho. Fazem o caixa, calculam juros das dívidas, renegociam pagamentos junto aos bancos, reviram papéis e documentos, em busca de pistas para entender como o Comendador havia chegado a tal ponto de endividamento. Charles conhece a causa, mas nunca a revelaria. Quando Charles fica só, também é assaltado pelas lembranças. Remonta ao tempo distante onde a jovem Mequita corava diante de seus poemas galantes naquela mesma biblioteca.



Camélia, a neta de Mãe Bené, menina criada na casa dos senhores, agora tem a mesma idade de Mequita quando Charles a conheceu. 18 anos. Charles havia chamado a atenção de Camélia já em tenra idade, ao ver pela primeira vez os olhos do inglês, assombrando-se. Até então, a pequena nascida filha de escrava jamais vira alguém de olhos azuis. Pensou que não fossem de verdade, mais parecidos que eram com as contas dos colares da avó. Camélia sente-se atraída por Charles desde sempre.

Charles também a nota. Vê Camélia crescer, encorpar, criar coxas e seios. Por duas vezes a salva da morte, antes mordida por cobra e depois atacada de caxumba. Aos poucos os dois se aproximam, Camélia o serve na biblioteca e Charles encontra motivos para mantê-la ali. Ora para retirar certa poeira inexistente sobre a mesa, ora para limpar o café derramado de propósito sobre o tapete. Camélia percebe as intenções de Charles e nelas se compraz. Ao se recolher no fim do dia, leva consigo a vontade de que a manhã logo chegue e o senhor de olhos azuis se junte a ela.

Mãe Bené logo percebe a aproximação de Camélia e Charles. Embora ame Mequita como filha, sabe que ela se perdeu por não ter filhos. Mãe Bené não apoia o interesse da neta pelo senhor, mas também não a desestimula. A tudo vê, sem nada comentar. Socorro, a mãe de Camélia, teme: – “O que um nobre inglês quer com uma moça negra, senão satisfazer o desejo?” Acende o juízo de Camélia, sem efeito.



Camélia e Charles passam a se encontrar todas as noites no campo, lá permanecendo deitados sob o céu aberto coalhado de estrelas. Aconchegado no colo de Camélia, Charles ouve o acalanto entoado para ele. “Vai-te Côca, vai-te Côca, pra cima do telhado, deixa dormir o menino, um soninho sossegado.”

Na casa de Botafogo Mequita está alheia ao que se passa na fazenda. Enlouquece mais. Olha-se no espelho e nota o ventre crescer. Está grávida, acredita. Decide abrir um rombo na túnica cor de cereja bordada com fios de ouro à maneira dos egípcios, para desapertar o filho. Dará um filho a Charles e salvará o seu casamento. O casal sem retoques que antes existia e exibiam, de novo existirá. Torna-se eufórica, tocando piano descontroladamente. Come com compulsão para alimentar a criança que acredita crescer dentro dela. Ordena a Zunha, aos berros, que vá avisar Charles na fazenda. Mas todos sabem que Mequita está de ventre vazio. Tentam acalmá-la, dizendo que Charles está viajando e em breve virá estar com ela. Em vão.

Monsieur Dubois telefona para dona Ruth, informando sobre o estado débil da Senhora. A mãe de Mequita não tarda a chegar, acompanhada de Maria Itália e do médico Dr. Ângelo. Charles recusa-se a ir e presenciar o destrambelhamento da esposa, alegando que de nada adiantaria sua presença, a não ser para gerar mais sofrimento para ambos. Ele não pode fazer nada por Mequita, apenas Mequita pode fazer por ela.



Na ausência de dona Ruth e Maria Itália da fazenda, Charles e Camélia trocam as noites no campo pelos aposentos do inglês. No quarto onde ele e Mequita amaram-se intensamente há o retrato do casal assinado por Marco Grecco, frente à cama de dossel que agora recebe Camélia.

Os negros sabem do romance de Camélia e Charles, comentado à boca pequena. Porém um descuido faz a notícia parar nos ouvidos de Maria de França, ao entrar na cozinha sem aviso prévio. “Não posso aceitar, minha irmã, Camélia cedendo ao inglês” – diz Socorro a Luz. Maria de França comunica o fato ao marido Arnaldo Lins, que vai ter com Charles Hampton na biblioteca. O colóquio é ameno. Charles confessa o vazio provocado pela ausência de Mequita e seus sentimentos por Camélia. Armando compreende sem censura.

Durante a estada de dona Ruth, Maria Itália e Dr. Ângelo assistindo Mequita na casa de Botafogo, Charles recebe notícias da Grã-Bretanha. Albert liga para o filho e comunica que Catarina está na companhia deles, ferida de morte. Nem tanto pela bala que a atingiu, mas pelo falecimento de Wladimir Adley, alvo de um matador encomendado para pôr fim às atividades socialistas do casal. Por sorte, Cate escapara com vida. Charles então resolve viajar para a Grã-Bretanha e levar Camélia com ele.

Phillip Hampton, Mary Anne e os filhos estão de volta ao Brasil. No Cabaré La Couleur de La Vie, tudo corre sem imprevistos até



então. Nicolau, o filho de Madame Babelle Le Bon e Phillip Hampton cresce à semelhança do pai, o Senhor Bola de Neve. Baixo, gordo, muito branco, bem humorado e paparicado pelas moças. Sua preferida é Blue, porque é cor de homem. Rose é a única que não tinha vez com Nicolau.

Blanc, Rose, Violet, Gris, Vert, Jaune, Rouge e Blue estão no palco ensaiando um número de Cancã quando Phillip Hampton desponta na porta. Madame Le Bon não fica contente ao vê-lo, mas disfarça. Faz Nicolau sentar-se no colo do pai e exibir seu conhecimento do idioma paterno, aprendido com professora particular.

Madame Babelle Le Bon serve doses generosas de uísque a Phillip e faz com que as moças o aqueçam, enquanto pensa numa ação rápida e definitiva. Ela sabe que terá de prestar contas dos negócios a Phillip e não será fácil. Àquela altura o inglês está sem réis, depauperado por ela.

Mary Anne abre a porta e vê o funcionário do governo trazendo um aviso, estão despejados. A hipoteca e os impostos não foram pagos, a mansão não lhes pertence mais. Aturdida, sai atrás do marido pelas ruas. Dirige-se ao escritório de Phillip, antes instalado numa suntuosa casa no centro da cidade, e que agora abriga sofisticada loja de produtos importados. Mas como? Mary Anne indaga-se.



Vai ao haras e descobre que não há cavalos e empregados, tudo foi esvaziado. O mesmo aconteceu com o dinheiro e as jóias antigas, há mais de dois séculos em poder de sua família e sob a guarda do banco, por segurança. O gerente fala sobre a senhora francesa que fez os saques mediante procuração, mas não se recorda o nome dela. Quando Mary Anne volta para casa, encontra os filhos com fome e se dá conta que não tem como alimentá-los.

No cabaré La Couleur de La Vie, Phillip Hampton é abanado pelas moças, desmaiado, depois de amar freneticamente a todas ao mesmo tempo. Madame Babelle Le Bon espera sinceramente que ele não se recupere. E Phillip Hampton não se recupera, morre pouco depois no hospital. Madame Le Bon havia ordenado, por cautela, que Violet, Gris e Blanc levassem Phillip para o pronto-socorro. Não deseja que seu estabelecimento seja lembrado como palco do óbito de um nobre inglês desejoso de sensações, depois de um longo período longe do calor tropical.

Mary Anne e os filhos são avisados de que o corpo de Phillip está no necrotério do hospital. Que chegara ainda com vida, auxiliado por três senhoritas que disseram tê-lo visto cambaleando na rua, com a mão levada ao peito. Mary Anne então supõe tudo ter entendido.

Acredita que, assim como ela, o marido também constatara o roubo e seu pobre coração não suportara o impacto. Mary Anne



jamais soube a verdadeira causa da morte de Phillip, nem que partira dele o próprio infortúnio, ao dar a procuração a Madame Le Bon. Mary Anne também jamais tomou conhecimento da existência de Nicolau. Muito menos soube das verdadeiras atividades com que Phillip mantivera a vida de luxo desfrutada pelo casal e filhos. Em Londres, os Hampton reunidos receberam a notícia da morte de Phillip com frieza.

Mequita, ao tomar conhecimento da situação de Mary Anne e dos filhos, acolhe a cunhada e os sobrinhos de Charles com candura. A presença da família do marido traz a ela novo ânimo. Parte de Charles está presente em sua casa e em sua vida outra vez. Aos poucos vai se reerguendo, retomando os cuidados consigo mesma e com a música, passa a sair de casa. Numa noite no Teatro Lírico Fluminense, toma a decisão que talvez tenha sido a mais importante de sua vida. Tocar piano para o público. Logo Mequita viaja para a Europa.

Mary Anne consente que Marco Grecco e Alfonse de Bouqueville exponham sua coleção de retratos até então oculta. Precisa angariar fundos para retornar à Grã-Bretanha. A obra faz sucesso estrondoso. Todas as telas são vendidas na noite de vernissage. A galeria de Marco torna-se a mais importante do Rio de Janeiro, e Mary Anne e os filhos partem para Londres.



A viscondessa De Bouqueville quer a separação de Alfonse, exigindo a metade da galeria, não consegue. Decide manter o casamento de aparências azucrinando o visconde e seu pintor.

Charles, Camélia, Catarina e Diana embarcam no porto de Dover, Catarina aceita vir com eles. Quer conhecer o trabalho que Maria de França e Arnaldo Lins fazem pela colocação dos negros na sociedade, libertos pela Lei Áurea havia 10 anos e até então sem função digna e espaço na coletividade.

Durante a viagem Camélia sente-se mal, está tonta e enjoada. Charles e Catarina pensam que a moça está mareada, o médico de bordo não concorda. Camélia está grávida. O inglês exulta. Beija os pés da negra, nascida filha de escrava num país dos trópicos. Espera que seja menina. Bela como a mãe, pele e cabelos negros, crespos e abundantes a caírem sobre os ombros. Com sorte trará olhos azuis como os dele, que tanto encantaram Camélia na infância, assim deseja.

Catarina fica surpresa com a revelação. Durante a estada em Londres, o casal manteve a discrição. Ele dormindo em seu quarto e Camélia nos aposentos dos criados. Mas todas as noites Camélia vai se aninhar a ele. Charles está feliz com a paternidade, mas pernoita sozinho no convés, pensando em Mequita. Seus sentimentos são confusos. Chora.



Na fazenda Campo Alegre, a família recebe Charles, Catarina e Diana de braços abertos. Depois do jantar, Maria de França e Arnaldo Lins convidam Charles para a biblioteca e o colocam a par da esposa. Mequita está na Europa, determinada a se tornar pianista profissional. Na manhã seguinte, Charles informa a dona Ruth, acompanhada por Frei Lopes, que deseja separar-se oficialmente de sua filha. A sogra não aceita. Encerra ali a relação com o genro. Jamais irão se falar de novo.

Maria de França, Arnaldo Lins e o contador Carvalho estão reunidos na biblioteca, Charles entra. Fica sabendo que a fortuna esvaiu-se. Todas as propriedades estão à venda. A fazenda Campo Alegre já está negociada. O dinheiro das partes que cabiam a dona Ruth e às três Marias já foi entregue aos credores. A parte de Mequita foi destinada à carreira de pianista e a parte que cabia aos antigos escravos, tornados sócios investidores, já está em poder deles.

Dona Ruth e Maria Itália estão prontas para deixar a fazenda. Vão morar com Maria de França, o marido e as netas na casa do casal no Rio de Janeiro. Charles, Catarina e Diana devem procurar imediatamente um lugar para viver. Charles precisa de um emprego para sustentar a si e à família.

Catarina logo começa a trabalhar no Rio de Janeiro, dando aulas de inglês. Tem entre seus alunos Nicolau Le Bon, seu sobrinho e primo da filha Diana. Mais tarde vem a conhecer a origem do



menino e a verdadeira história sobre a morte de Phillip depois de depauperado por Madame Babelle Le Bon, e revelada por Violet ao amante: o contador Carvalho, antigo empregado dos Cintra Moraes de Oliveira.

Catarina procura o irmão e revela o que sabe. Charles conta a ela sobre a carta encontrada junto ao corpo do sogro. Concluem que parte da fortuna dos Cintra Moraes de Oliveira fora parar na bolsa de Madame Babelle Le Bon. Não querem revolver a história.

Quando Catarina domina o idioma brasileiro passa a escrever em jornais como fazia em Londres. É reconhecida como uma das mulheres mais influentes na formação de opinião na República. Transita nos meios artísticos e acadêmicos. Cria e forma a filha. Diana, mais tarde, vai morar com a avó paterna em Moscou e ingressa no Ballet Bolshoi. Catarina acolhe os pais Albert e Guilhermina na velhice, no Rio de Janeiro.

Charles Hampton consegue emprego na galeria de Marco Grecco e Alfonse De Bouqueville em Laranjeiras e vai morar com Camélia no andar de cima. Nunca terá outro trabalho e endereço. Ali nascerão Luiz e Luiza, de pele morena, cabelos escuros e ondulados, que mais tarde lhes darão três netos:

Vicente, Noel e Cândida.



Charles e Camélia vivem juntos, sem nunca se casar. Gozam da vida simples e sem sobressaltos. Charles gosta de fechar a galeria à noitinha e subir para casa. Depois do jantar coloca os filhos na cama, lê histórias infantis em seu idioma e entoa o acalanto que aprendeu com Camélia nas noites de luar. Aos domingos, leva a família para passear na floresta da Tijuca ou tomar banho de mar na praia de Copacabana. Camélia ajuda no orçamento doméstico, fazendo feijoada aos sábados nas casas grã-finas do Rio de Janeiro.

Charles nunca mais viu Mequita, desde que retornaram do arraial de São Cipriano, aonde levara a esposa para tomar as águas virtuosas. Mas jamais deixou de amá-la. Ao longo dos anos, seguiu a carreira da pianista noticiada pelos jornais, tocando para as platéias mais seletas do mundo. Muitas vezes Charles pensou em procurá-la. Não o fez por temer o encontro.

VOLTA AO PONTO DE PARTIDA

Diante do retrato da Família Imperial no Museu de História Nacional, no Rio de Janeiro, estão o senhor e as três crianças mulatas, surpresas com a

história. Ele tira o lenço do bolso e enxuga os olhos. A menina bela de cabelos negros, crespos e abundantes a cair sobre os

1920



ombros, e de olhos azuis como os do senhor, pergunta com ingenuidade – “Então o senhor é conde, vovô?” O avô sorri para a neta com candura. Vai responder, mas as palavras faltam a Charles. Mequita está ali, diante dele. Linda aos setenta e três anos e transpirando paz. A dama então responde pelo cavalheiro. Diz para a neta daquele que um dia fora seu marido.

– “Yes, but it wasn't the most important to him”.

FIM

cheiro da pele€¦ · estátuas de origem francesa. mequita monta juba, imponente égua...

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