chauÍ - períodos da história da filosofia

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Períodos da História da Filosofia Convite à Filosofia De Marilena Chaui Ed. Ática, São Paulo, 2000. Unidade 1 A Filosofia Capítulo 3 Campos de investigação da Filosofia Os períodos da Filosofia grega A Filosofia terá, no correr dos séculos, um conjunto de preocupações, indagações e interesses que lhe vieram de seu nascimento na Grécia. Assim, antes de vermos que campos são esses, examinemos brevemente os conteúdos que a Filosofia possuía na Grécia. Para isso, devemos, primeiro, conhecer os períodos principais da Filosofia grega, pois tais períodos definiram os campos da investigação filosófica na Antigüidade. A história da Grécia costuma ser dividida pelos historiadores em quatro grandes fases ou épocas: 1. a da Grécia homérica, correspondente aos 400 anos narrados pelo poeta Homero, em seus dois grandes poemas, Ilíada e Odisséia; 2. a da Grécia arcaica ou dos sete sábios, do século VII ao século V antes de Cristo, quando os gregos criam cidades como Atenas, Esparta, Tebas, Megara, Samos, etc., e predomina a economia urbana, baseada no artesanato e no comércio; 3. a da Grécia clássica, nos séculos V e IV antes de Cristo, quando a democracia se desenvolve, a vida intelectual e artística entra no apogeu e Atenas domina a Grécia com seu império comercial e militar; 4. e, finalmente, a época helenística, a partir do final do século IV antes de Cristo, quando a Grécia passa para o poderio do império de Alexandre da Macedônia, e, depois, para as mãos do Império Romano, terminando a história de sua existência independente.

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Convite Filosofia 04 - Unidade 1 - Captulo 3

Perodos da Histria da Filosofia

Convite FilosofiaDe Marilena ChauiEd. tica, So Paulo, 2000.

Unidade 1A Filosofia

Captulo 3Campos de investigao da Filosofia

Os perodos da Filosofia grega

A Filosofia ter, no correr dos sculos, um conjunto de preocupaes, indagaes e interesses que lhe vieram de seu nascimento na Grcia.

Assim, antes de vermos que campos so esses, examinemos brevemente os contedos que a Filosofia possua na Grcia. Para isso, devemos, primeiro, conhecer os perodos principais da Filosofia grega, pois tais perodos definiram os campos da investigao filosfica na Antigidade.

A histria da Grcia costuma ser dividida pelos historiadores em quatro grandes fases ou pocas:

1. a da Grcia homrica, correspondente aos 400 anos narrados pelo poeta Homero, em seus dois grandes poemas, Ilada e Odissia;

2. a da Grcia arcaica ou dos sete sbios, do sculo VII ao sculo V antes de Cristo, quando os gregos criam cidades como Atenas, Esparta, Tebas, Megara, Samos, etc., e predomina a economia urbana, baseada no artesanato e no comrcio;

3. a da Grcia clssica, nos sculos V e IV antes de Cristo, quando a democracia se desenvolve, a vida intelectual e artstica entra no apogeu e Atenas domina a Grcia com seu imprio comercial e militar;

4. e, finalmente, a poca helenstica, a partir do final do sculo IV antes de Cristo, quando a Grcia passa para o poderio do imprio de Alexandre da Macednia, e, depois, para as mos do Imprio Romano, terminando a histria de sua existncia independente.

Os perodos da Filosofia no correspondem exatamente a essas pocas, j que ela no existe na Grcia homrica e s aparece nos meados da Grcia arcaica. Entretanto, o apogeu da Filosofia acontece durante o apogeu da cultura e da sociedade gregas; portanto, durante a Grcia clssica.

Os quatro grandes perodos da Filosofia grega, nos quais seu contedo muda e se enriquece, so:

1. Perodo pr-socrtico ou cosmolgico, do final do sculo VII ao final do sculo V a.C., quando a Filosofia se ocupa fundamentalmente com a origem do mundo e as causas das transformaes na Natureza.

2. Perodo socrtico ou antropolgico, do final do sculo V e todo o sculo IV a.C., quando a Filosofia investiga as questes humanas, isto , a tica, a poltica e as tcnicas (em grego, ntropos quer dizer homem; por isso o perodo recebeu o nome de antropolgico).

3. Perodo sistemtico, do final do sculo IV ao final do sculo III a.C., quando a Filosofia busca reunir e sistematizar tudo quanto foi pensado sobre a cosmologia e a antropologia, interessando-se sobretudo em mostrar que tudo pode ser objeto do conhecimento filosfico, desde que as leis do pensamento e de suas demonstraes estejam firmemente estabelecidas para oferecer os critrios da verdade e da cincia.

4. Perodo helenstico ou greco-romano, do final do sculo III a.C. at o sculo VI depois de Cristo. Nesse longo perodo, que j alcana Roma e o pensamento dos primeiros Padres da Igreja, a Filosofia se ocupa sobretudo com as questes da tica, do conhecimento humano e das relaes entre o homem e a Natureza e de ambos com Deus.

Filosofia Grega

Pode-se perceber que os dois primeiros perodos da Filosofia grega tm como referncia o filsofo Scrates de Atenas, donde a diviso em Filosofia pr-socrtica e socrtica.

Perodo pr-socrtico ou cosmolgico

Os principais filsofos pr-socrticos foram:

filsofos da Escola Jnica: Tales de Mileto, Anaxmenes de Mileto, Anaximandro de Mileto e Herclito de feso;

filsofos da Escola Itlica: Pitgoras de Samos, Filolau de Crotona e rquitas de Tarento;

filsofos da Escola Eleata: Parmnides de Elia e Zeno de Elia;

filsofos da Escola da Pluralidade: Empdocles de Agrigento, Anaxgoras de Clazmena, Leucipo de Abdera e Demcrito de Abdera.

As principais caractersticas da cosmologia so:

uma explicao racional e sistemtica sobre a origem, ordem e transformao da Natureza, da qual os seres humanos fazem parte, de modo que, ao explicar a Natureza, a Filosofia tambm explica a origem e as mudanas dos seres humanos.

Afirma que no existe criao do mundo, isto , nega que o mundo tenha surgido do nada (como o caso, por exemplo, na religio judaico-crist, na qual Deus cria o mundo do nada). Por isso diz: Nada vem do nada e nada volta ao nada. Isto significa: a) que o mundo, ou a Natureza, eterno; b) que no mundo, ou na Natureza, tudo se transforma em outra coisa sem jamais desaparecer, embora a forma particular que uma coisa possua desaparea com ela, mas no sua matria.

O fundo eterno, perene, imortal, de onde tudo nasce e para onde tudo volta invisvel para os olhos do corpo e visvel somente para o olho do esprito, isto , para o pensamento.

O fundo eterno, perene, imortal e imperecvel de onde tudo brota e para onde tudo retorna o elemento primordial da Natureza e chama-se physis (em grego, physis vem de um verbo que significa fazer surgir, fazer brotar, fazer nascer, produzir). A physis a Natureza eterna e em perene transformao.

Afirma que, embora a physis (o elemento primordial eterno) seja imperecvel, ela d origem a todos os seres infinitamente variados e diferentes do mundo, seres que, ao contrrio do princpio gerador, so perecveis ou mortais.

Afirma que todos os seres, alm de serem gerados e de serem mortais, so seres em contnua transformao, mudando de qualidade (por exemplo, o branco amarelece, acinzenta, enegrece; o negro acinzenta, embranquece; o novo envelhece; o quente esfria; o frio esquenta; o seco fica mido; o mido seca; o dia se torna noite; a noite se torna dia; a primavera cede lugar ao vero, que cede lugar ao outono, que cede lugar ao inverno; o saudvel adoece; o doente se cura; a criana cresce; a rvore vem da semente e produz sementes, etc.) e mudando de quantidade (o pequeno cresce e fica grande; o grande diminui e fica pequeno; o longe fica perto se eu for at ele, ou se as coisas distantes chegarem at mim, um rio aumenta de volume na cheia e diminui na seca, etc.). Portanto o mundo est em mudana contnua, sem por isso perder sua forma, sua ordem e sua estabilidade.

A mudana - nascer, morrer, mudar de qualidade ou de quantidade - chama-se movimento e o mundo est em movimento permanente.

O movimento do mundo chama-se devir e o devir segue leis rigorosas que o pensamento conhece. Essas leis so as que mostram que toda mudana passagem de um estado ao seu contrrio: dia-noite, claro-escuro, quente-frio, seco-mido, novo-velho, pequeno-grande, bom-mau, cheio-vazio, um-muitos, etc., e tambm no sentido inverso, noite-dia, escuro-claro, frio-quente, muitos-um, etc. O devir , portanto, a passagem contnua de uma coisa ao seu estado contrrio e essa passagem no catica, mas obedece a leis determinadas pela physis ou pelo princpio fundamental do mundo.

Os diferentes filsofos escolheram diferentes physis, isto , cada filsofo encontrou motivos e razes para dizer qual era o princpio eterno e imutvel que est na origem da Natureza e de suas transformaes. Assim, Tales dizia que o princpio era a gua ou o mido; Anaximandro considerava que era o ilimitado sem qualidades definidas; Anaxmenes, que era o ar ou o frio; Herclito afirmou que era o fogo; Leucipo e Demcrito disseram que eram os tomos. E assim por diante.

Perodo socrtico ou antropolgico

Com o desenvolvimento das cidades, do comrcio, do artesanato e das artes militares, Atenas tornou-se o centro da vida social, poltica e cultural da Grcia, vivendo seu perodo de esplendor, conhecido como o Sculo de Pricles.

a poca de maior florescimento da democracia. A democracia grega possua, entre outras, duas caractersticas de grande importncia para o futuro da Filosofia.

Em primeiro lugar, a democracia afirmava a igualdade de todos os homens adultos perante as leis e o direito de todos de participar diretamente do governo da cidade, da polis.

Em segundo lugar, e como conseqncia, a democracia, sendo direta e no por eleio de representantes, garantia a todos a participao no governo, e os que dele participavam tinham o direito de exprimir, discutir e defender em pblico suas opinies sobre as decises que a cidade deveria tomar. Surgia, assim, a figura poltica do cidado. (Nota: Devemos observar que estavam excludos da cidadania o que os gregos chamavam de dependentes: mulheres, escravos, crianas e velhos. Tambm estavam excludos os estrangeiros.)

Ora, para conseguir que a sua opinio fosse aceita nas assemblias, o cidado precisava saber falar e ser capaz de persuadir. Com isso, uma mudana profunda vai ocorrer na educao grega.

Quando no havia democracia, mas dominavam as famlias aristocrticas, senhoras das terras, o poder lhes pertencia. Essas famlias, valendo-se dos dois grandes poetas gregos, Homero e Hesodo, criaram um padro de educao, prprio dos aristocratas. Esse padro afirmava que o homem ideal ou perfeito era o guerreiro belo e bom. Belo: seu corpo era formado pela ginstica, pela dana e pelos jogos de guerra, imitando os heris da guerra de Tria (Aquiles, Heitor, jax, Ulisses). Bom: seu esprito era formado escutando Homero e Hesodo, aprendendo as virtudes admiradas pelos deuses e praticadas pelos heris, a principal delas sendo a coragem diante da morte, na guerra. A virtude era a Arete (excelncia e superioridade), prpria dos melhores, os aristoi.

Quando, porm, a democracia se instala e o poder vai sendo retirado dos aristocratas, esse ideal educativo ou pedaggico tambm vai sendo substitudo por outro. O ideal da educao do Sculo de Pricles a formao do cidado. A Arete a virtude cvica.

Ora, qual o momento em que o cidado mais aparece e mais exerce sua cidadania? Quando opina, discute, delibera e vota nas assemblias. Assim, a nova educao estabelece como padro ideal a formao do bom orador, isto , aquele que saiba falar em pblico e persuadir os outros na poltica.

Para dar aos jovens essa educao, substituindo a educao antiga dos poetas, surgiram, na Grcia, os sofistas, que so os primeiros filsofos do perodo socrtico. Os sofistas mais importantes foram: Protgoras de Abdera, Grgias de Leontini e Iscrates de Atenas.

Que diziam e faziam os sofistas? Diziam que os ensinamentos dos filsofos cosmologistas estavam repletos de erros e contradies e que no tinham utilidade para a vida da polis. Apresentavam-se como mestres de oratria ou de retrica, afirmando ser possvel ensinar aos jovens tal arte para que fossem bons cidados.

Que arte era esta? A arte da persuaso. Os sofistas ensinavam tcnicas de persuaso para os jovens, que aprendiam a defender a posio ou opinio A, depois a posio ou opinio contrria, no-A, de modo que, numa assemblia, soubessem ter fortes argumentos a favor ou contra uma opinio e ganhassem a discusso.

O filsofo Scrates, considerado o patrono da Filosofia, rebelou-se contra os sofistas, dizendo que no eram filsofos, pois no tinham amor pela sabedoria nem respeito pela verdade, defendendo qualquer idia, se isso fosse vantajoso. Corrompiam o esprito dos jovens, pois faziam o erro e a mentira valer tanto quanto a verdade.

Como homem de seu tempo, Scrates concordava com os sofistas em um ponto: por um lado, a educao antiga do guerreiro belo e bom j no atendia s exigncias da sociedade grega, e, por outro lado, os filsofos cosmologistas defendiam idias to contrrias entre si que tambm no eram uma fonte segura para o conhecimento verdadeiro. (Nota: Historicamente, h dificuldade para conhecer o pensamento dos grandes sofistas porque no possumos seus textos. Restaram fragmentos apenas. Por isso, ns os conhecemos pelo que deles disseram seus adversrios - Plato, Xenofonte, Aristteles - e no temos como saber se estes foram justos com aqueles. Os historiadores mais recentes consideram os sofistas verdadeiros representantes do esprito democrtico, isto , da pluralidade conflituosa de opinies e interesses, enquanto seus adversrios seriam partidrios de uma poltica aristocrtica, na qual somente algumas opinies e interesses teriam o direito para valer para o restante da sociedade.)

Discordando dos antigos poetas, dos antigos filsofos e dos sofistas, o que propunha Scrates?

Propunha que, antes de querer conhecer a Natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. A expresso conhece-te a ti mesmo que estava gravada no prtico do templo de Apolo, patrono grego da sabedoria, tornou-se a divisa de Scrates.

Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens tm de si mesmos a condio de todos os outros conhecimentos verdadeiros, que se diz que o perodo socrtico antropolgico, isto , voltado para o conhecimento do homem, particularmente de seu esprito e de sua capacidade para conhecer a verdade.

O retrato que a histria da Filosofia possui de Scrates foi traado por seu mais importante aluno e discpulo, o filsofo ateniense Plato.

Que retrato Plato nos deixa de seu mestre, Scrates?

O de um homem que andava pelas ruas e praas de Atenas, pelo mercado e pela assemblia indagando a cada um: Voc sabe o que isso que voc est dizendo?, Voc sabe o que isso em que voc acredita?, Voc acha que est conhecendo realmente aquilo em que acredita, aquilo em que est pensando, aquilo que est dizendo?, Voc diz, falava Scrates, que a coragem importante, mas: o que a coragem? Voc acredita que a justia importante, mas: o que a justia? Voc diz que ama as coisas e as pessoas belas, mas o que a beleza? Voc cr que seus amigos so a melhor coisa que voc tem, mas: o que a amizade?

Scrates fazia perguntas sobre as idias, sobre os valores nos quais os gregos acreditavam e que julgavam conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores embaraados, irritados, curiosos, pois, quando tentavam responder ao clebre o que ?, descobriam, surpresos, que no sabiam responder e que nunca tinham pensado em suas crenas, seus valores e suas idias.

Mas o pior no era isso. O pior que as pessoas esperavam que Scrates respondesse por elas ou para elas, que soubesse as respostas s perguntas, como os sofistas pareciam saber, mas Scrates, para desconcerto geral, dizia: Eu tambm no sei, por isso estou perguntando. Donde a famosa expresso atribuda a ele: Sei que nada sei.

A conscincia da prpria ignorncia o comeo da Filosofia. O que procurava Scrates? Procurava a definio daquilo que uma coisa, uma idia, um valor verdadeiramente. Procurava a essncia verdadeira da coisa, da idia, do valor. Procurava o conceito e no a mera opinio que temos de ns mesmos, das coisas, das idias e dos valores.

Qual a diferena entre uma opinio e um conceito? A opinio varia de pessoa para pessoa, de lugar para lugar, de poca para poca. instvel, mutvel, depende de cada um, de seus gostos e preferncias. O conceito, ao contrrio, uma verdade intemporal, universal e necessria que o pensamento descobre, mostrando que a essncia universal, intemporal e necessria de alguma coisa.

Por isso, Scrates no perguntava se tal ou qual coisa era bela - pois nossa opinio sobre ela pode variar - e sim: O que a beleza? Qual a essncia ou o conceito do belo? Do justo? Do amor? Da amizade?

Scrates perguntava: Que razes rigorosas voc possui para dizer o que diz e para pensar o que pensa? Qual o fundamento racional daquilo que voc fala e pensa?

Ora, as perguntas de Scrates se referiam a idias, valores, prticas e comportamentos que os atenienses julgavam certos e verdadeiros em si mesmos e por si mesmos. Ao fazer suas perguntas e suscitar dvidas, Scrates os fazia pensar no s sobre si mesmos, mas tambm sobre a polis. Aquilo que parecia evidente acabava sendo percebido como duvidoso e incerto.

Sabemos que os poderosos tm medo do pensamento, pois o poder mais forte se ningum pensar, se todo mundo aceitar as coisas como elas so, ou melhor, como nos dizem e nos fazem acreditar que elas so. Para os poderosos de Atenas, Scrates tornara-se um perigo, pois fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as leis. Levado perante a assemblia, Scrates no se defendeu e foi condenado a tomar um veneno - a cicuta - e obrigado a suicidar-se.

Por que Scrates no se defendeu? Porque, dizia ele, se eu me defender, estarei aceitando as acusaes, e eu no as aceito. Se eu me defender, o que os juzes vo exigir de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu prefiro a morte a ter que renunciar Filosofia.

O julgamento e a morte de Scrates so narrados por Plato numa obra intitulada Apologia de Scrates, isto , a defesa de Scrates, feita por seus discpulos, contra Atenas.

Scrates nunca escreveu. O que sabemos de seus pensamentos encontra-se nas obras de seus vrios discpulos, e Plato foi o mais importante deles. Se reunirmos o que esse filsofo escreveu sobre os sofistas e sobre Scrates, alm da exposio de suas prprias idias, poderemos apresentar como caractersticas gerais do perodo socrtico:

A Filosofia se volta para as questes humanas no plano da ao, dos comportamentos, das idias, das crenas, dos valores e, portanto, se preocupa com as questes morais e polticas.

O ponto de partida da Filosofia a confiana no pensamento ou no homem como um ser racional, capaz de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de reflexo. Reflexo a volta que o pensamento faz sobre si mesmo para conhecer-se; a conscincia conhecendo-se a si mesma como capacidade para conhecer as coisas, alcanando o conceito ou a essncia delas.

Como se trata de conhecer a capacidade de conhecimento do homem, a preocupao se volta para estabelecer procedimentos que nos garantam que encontramos a verdade, isto , o pensamento deve oferecer a si mesmo caminhos prprios, critrios prprios e meios prprios para saber o que o verdadeiro e como alcan-lo em tudo o que investiguemos.

A Filosofia est voltada para a definio das virtudes morais e das virtudes polticas, tendo como objeto central de suas investigaes a moral e a poltica, isto , as idias e prticas que norteiam os comportamentos dos seres humanos tanto como indivduos quanto como cidados.

Cabe Filosofia, portanto, encontrar a definio, o conceito ou a essncia dessas virtudes, para alm da variedade das opinies, para alm da multiplicidade das opinies contrrias e diferentes. As perguntas filosficas se referem, assim, a valores como a justia, a coragem, a amizade, a piedade, o amor, a beleza, a temperana, a prudncia, etc., que constituem os ideais do sbio e do verdadeiro cidado.

feita, pela primeira vez, uma separao radical entre, de um lado a opinio e as imagens das coisas, trazidas pelos nossos rgos dos sentidos, nossos hbitos, pelas tradies, pelos interesses, e, de outro lado, as idias. As idias se referem essncia ntima, invisvel, verdadeira das coisas e s podem ser alcanadas pelo pensamento puro, que afasta os dados sensoriais, os hbitos recebidos, os preconceitos, as opinies.

A reflexo e o trabalho do pensamento so tomados como uma purificao intelectual, que permite ao esprito humano conhecer a verdade invisvel, imutvel, universal e necessria.

A opinio, as percepes e imagens sensoriais so consideradas falsas, mentirosas, mutveis, inconsistentes, contraditrias, devendo ser abandonadas para que o pensamento siga seu caminho prprio no conhecimento verdadeiro.

A diferena entre os sofistas, de um lado, e Scrates e Plato, de outro, dada pelo fato de que os sofistas aceitam a validade das opinies e das percepes sensoriais e trabalham com elas para produzir argumentos de persuaso, enquanto Scrates e Plato consideram as opinies e as percepes sensoriais, ou imagens das coisas, como fonte de erro, mentira e falsidade, formas imperfeitas do conhecimento que nunca alcanam a verdade plena da realidade.

O mito da caverna

Imaginemos uma caverna subterrnea onde, desde a infncia, gerao aps gerao, seres humanos esto aprisionados. Suas pernas e seus pescoos esto algemados de tal modo que so forados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas para frente, no podendo girar a cabea nem para trs nem para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar o que se passa no interior.

A luz que ali entra provm de uma imensa e alta fogueira externa. Entre ela e os prisioneiros - no exterior, portanto - h um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas.

Por causa da luz da fogueira e da posio ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as prprias estatuetas, nem os homens que as transportam.

Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas so as prprias coisas. Ou seja, no podem saber que so sombras, nem podem saber que so imagens (estatuetas de coisas), nem que h outros seres humanos reais fora da caverna. Tambm no podem saber que enxergam porque h a fogueira e a luz no exterior e imaginam que toda luminosidade possvel a que reina na caverna.

Que aconteceria, indaga Plato, se algum libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, comearia a caminhar, dirigindo-se entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, nele adentraria.

Num primeiro momento, ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade a luz do sol e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a claridade, veria os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as prprias coisas, descobrindo que, durante toda sua vida, no vira seno sombras de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente agora est contemplando a prpria realidade.

Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria caverna, ficaria desnorteado pela escurido, contaria aos outros o que viu e tentaria libert-los.

Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, no acreditariam em suas palavras e, se no conseguissem silenci-lo com suas caoadas, tentariam faz-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por mat-lo. Mas, quem sabe, alguns poderiam ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, tambm decidissem sair da caverna rumo realidade.

O que a caverna? O mundo em que vivemos. Que so as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos. Quem o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filsofo. O que a luz exterior do sol? A luz da verdade. O que o mundo exterior? O mundo das idias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o instrumento que liberta o filsofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A dialtica. O que a viso do mundo real iluminado? A Filosofia. Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o filsofo (Plato est se referindo condenao de Scrates morte pela assemblia ateniense)? Porque imaginam que o mundo sensvel o mundo real e o nico verdadeiro.

Perodo sistemtico

Este perodo tem como principal nome o filsofo Aristteles de Estagira, discpulo de Plato.

Passados quase quatro sculos de Filosofia, Aristteles apresenta, nesse perodo, uma verdadeira enciclopdia de todo o saber que foi produzido e acumulado pelos gregos em todos os ramos do pensamento e da prtica considerando essa totalidade de saberes como sendo a Filosofia. Esta, portanto, no um saber especfico sobre algum assunto, mas uma forma de conhecer todas as coisas, possuindo procedimentos diferentes para cada campo de coisas que conhece.

Alm de a Filosofia ser o conhecimento da totalidade dos conhecimentos e prticas humanas, ela tambm estabelece uma diferena entre esses conhecimentos, distribuindo-os numa escala que vai dos mais simples e inferiores aos mais complexos e superiores. Essa classificao e distribuio dos conhecimentos fixou, para o pensamento ocidental, os campos de investigao da Filosofia como totalidade do saber humano.

Cada saber, no campo que lhe prprio, possui seu objeto especfico, procedimentos especficos para sua aquisio e exposio, formas prprias de demonstrao e prova. Cada campo do conhecimento uma cincia (cincia, em grego, episteme).

Aristteles afirma que, antes de um conhecimento constituir seu objeto e seu campo prprios, seus procedimentos prprios de aquisio e exposio, de demonstrao e de prova, deve, primeiro, conhecer as leis gerais que governam o pensamento, independentemente do contedo que possa vir a ter.

O estudo das formas gerais do pensamento, sem preocupao com seu contedo, chama-se lgica, e Aristteles foi o criador da lgica como instrumento do conhecimento em qualquer campo do saber.

A lgica no uma cincia, mas o instrumento para a cincia e, por isso, na classificao das cincias feita por Aristteles, a lgica no aparece, embora ela seja indispensvel para a Filosofia e, mais tarde, tenha se tornado um dos ramos especficos dela.

Os campos do conhecimento filosfico

Vejamos, pois, a classificao aristotlica:

Cincias produtivas: cincias que estudam as prticas produtivas ou as tcnicas, isto , as aes humanas cuja finalidade est para alm da prpria ao, pois a finalidade a produo de um objeto, de uma obra. So elas: arquitetura (cujo fim a edificao de alguma coisa), economia (cujo fim a produo agrcola, o artesanato e o comrcio, isto , produtos para a sobrevivncia e para o acmulo de riquezas), medicina (cujo fim produzir a sade ou a cura), pintura, escultura, poesia, teatro, oratria, arte da guerra, da caa, da navegao, etc. Em suma, todas as atividades humanas tcnicas e artsticas que resultam num produto ou numa obra.

Cincias prticas: cincias que estudam as prticas humanas enquanto aes que tm nelas mesmas seu prprio fim, isto , a finalidade da ao se realiza nela mesma, o prprio ato realizado. So elas: tica, em que a ao realizada pela vontade guiada pela razo para alcanar o bem do indivduo, sendo este bem as virtudes morais (coragem, generosidade, fidelidade, lealdade, clemncia, prudncia, amizade, justia, modstia, honradez, temperana, etc.); e poltica, em que a ao realizada pela vontade guiada pela razo para ter como fim o bem da comunidade ou o bem comum.

Para Aristteles, como para todo grego da poca clssica, a poltica superior tica, pois a verdadeira liberdade, sem a qual no pode haver vida virtuosa, s conseguida na polis. Por isso, a finalidade da poltica a vida justa, a vida boa e bela, a vida livre.

Cincias teorticas, contemplativas ou tericas: so aquelas que estudam coisas que existem independentemente dos homens e de suas aes e que, no tendo sido feitas pelos homens, s podem ser contempladas por eles. Theoria, em grego, significa contemplao da verdade. O que so as coisas que existem por si mesmas e em si mesmas, independentes de nossa ao fabricadora (tcnica) e de nossa ao moral e poltica? So as coisas da Natureza e as coisas divinas. Aristteles, aqui, classifica tambm por graus de superioridade as cincias tericas, indo da mais inferior superior:

1. cincia das coisas naturais submetidas mudana ou ao devir: fsica, biologia, meteorologia, psicologia (pois a alma, que em grego se diz psych, um ser natural, existindo de formas variadas em todos os seres vivos, plantas, animais e homens);

2. cincia das coisas naturais que no esto submetidas mudana ou ao devir: as matemticas e a astronomia (os gregos julgavam que os astros eram eternos e imutveis);

3. cincia da realidade pura, que no nem natural mutvel, nem natural imutvel, nem resultado da ao humana, nem resultado da fabricao humana. Trata-se daquilo que deve haver em toda e qualquer realidade, seja ela natural, matemtica, tica, poltica ou tcnica, para ser realidade. o que Aristteles chama de ser ou substncia de tudo o que existe. A cincia terica que estuda o puro ser chama-se metafsica;

4. cincia terica das coisas divinas que so a causa e a finalidade de tudo o que existe na Natureza e no homem. Vimos que as coisas divinas so chamadas de theion e, por isso, esta ltima cincia chama-se teologia.

A Filosofia, para Aristteles, encontra seu ponto mais alto na metafsica e na teologia, de onde derivam todos os outros conhecimentos.

A partir da classificao aristotlica, definiu-se, no correr dos sculos, o grande campo da investigao filosfica, campo que s seria desfeito no sculo XIX da nossa era, quando as cincias particulares se foram separando do tronco geral da Filosofia. Assim, podemos dizer que os campos da investigao filosfica so trs:

1. O do conhecimento da realidade ltima de todos os seres, ou da essncia de toda a realidade. Como, em grego, ser se diz on e os seres se diz ta onta, este campo chamado de ontologia (que, na linguagem de Aristteles, se formava com a metafsica e a teologia).

2. O do conhecimento das aes humanas ou dos valores e das finalidades da ao humana: das aes que tm em si mesmas sua finalidade, a tica e a poltica, ou a vida moral (valores morais) e a vida poltica (valores polticos); e das aes que tm sua finalidade num produto ou numa obra: as tcnicas e as artes e seus valores (utilidade, beleza, etc.).

3. O do conhecimento da capacidade humana de conhecer, isto , o conhecimento do prprio pensamento em exerccio. Aqui, distinguem-se: a lgica, que oferece as leis gerais do pensamento; a teoria do conhecimento, que oferece os procedimentos pelos quais conhecemos; as cincias propriamente ditas e o conhecimento do conhecimento cientfico, isto , a epistemologia.

Ser ou realidade, prtica ou ao segundo valores, conhecimento do pensamento em suas leis gerais e em suas leis especficas em cada cincia: eis os campos da atividade ou investigao filosfica.

Perodo helenstico

Trata-se do ltimo perodo da Filosofia antiga, quando a polis grega desapareceu como centro poltico, deixando de ser referncia principal dos filsofos, uma vez que a Grcia encontra-se sob o poderio do Imprio Romano. Os filsofos dizem, agora, que o mundo sua cidade e que so cidados do mundo. Em grego, mundo se diz cosmos e esse perodo chamado o da Filosofia cosmopolita.

Essa poca da Filosofia constituda por grandes sistemas ou doutrinas, isto , explicaes totalizantes sobre a Natureza, o homem, as relaes entre ambos e deles com a divindade (esta, em geral, pensada como Providncia divina que instaura e conserva a ordem universal). Predominam preocupaes com a tica - pois os filsofos j no podem ocupar-se diretamente com a poltica -, a fsica, a teologia e a religio.

Datam desse perodo quatro grandes sistemas cuja influncia ser sentida pelo pensamento cristo, que comea a formar-se nessa poca: estoicismo, epicurismo, ceticismo e neoplatonismo.

A amplido do Imprio Romano, a presena crescente de religies orientais no Imprio, os contatos comerciais e culturais entre ocidente e oriente fizeram aumentar os contatos dos filsofos helenistas com a sabedoria oriental. Podemos falar numa orientalizao da Filosofia, sobretudo nos aspectos msticos e religiosos.

Captulo 4Principais perodos da histria da Filosofia

A Filosofia na Histria

Como todas as outras criaes e instituies humanas, a Filosofia est na Histria e tem uma histria.

Est na Histria: a Filosofia manifesta e exprime os problemas e as questes que, em cada poca de uma sociedade, os homens colocam para si mesmos, diante do que novo e ainda no foi compreendido. A Filosofia procura enfrentar essa novidade, oferecendo caminhos, respostas e, sobretudo, propondo novas perguntas, num dilogo permanente com a sociedade e a cultura de seu tempo, do qual ela faz parte.

Tem uma histria: as respostas, as solues e as novas perguntas que os filsofos de uma poca oferecem tornam-se saberes adquiridos que outros filsofos prosseguem ou, freqentemente, tornam-se novos problemas que outros filsofos tentam resolver, seja aproveitando o passado filosfico, seja criticando-o e refutando-o. Alm disso, as transformaes nos modos de conhecer podem ampliar os campos de investigao da Filosofia, fazendo surgir novas disciplinas filosficas, como tambm podem diminuir esses campos, porque alguns de seus conhecimentos podem desligar-se dela e formar disciplinas separadas.

Assim, por exemplo, a Filosofia teve seu campo de atividade aumentado quando, no sculo XVIII, surge a filosofia da arte ou esttica; no sculo XIX, a filosofia da histria; no sculo XX, a filosofia das cincias ou epistemologia, e a filosofia da linguagem. Por outro lado, o campo da Filosofia diminuiu quando as cincias particulares que dela faziam parte foram-se desligando para constituir suas prprias esferas de investigao. o que acontece, por exemplo, no sculo XVIII, quando se desligam da Filosofia a biologia, a fsica e a qumica; e, no sculo XX, as chamadas cincias humanas (psicologia, antropologia, histria).

Pelo fato de estar na Histria e ter uma histria, a Filosofia costuma ser apresentada em grandes perodos que acompanham, s vezes de maneira mais prxima, s vezes de maneira mais distante, os perodos em que os historiadores dividem a Histria da sociedade ocidental.

Os principais perodos da Filosofia

Filosofia antiga(do sculo VI a.C. ao sculo VI d.C.)

Compreende os quatro grandes perodos da Filosofia greco-romana, indo dos pr-socrticos aos grandes sistemas do perodo helenstico, mencionados no captulo anterior.

Filosofia patrstica(do sculo I ao sculo VII)

Inicia-se com as Epstolas de So Paulo e o Evangelho de So Joo e termina no sculo VIII, quando teve incio a Filosofia medieval.

A patrstica resultou do esforo feito pelos dois apstolos intelectuais (Paulo e Joo) e pelos primeiros Padres da Igreja para conciliar a nova religio - o Cristianismo - com o pensamento filosfico dos gregos e romanos, pois somente com tal conciliao seria possvel convencer os pagos da nova verdade e convert-los a ela. A Filosofia patrstica liga-se, portanto, tarefa religiosa da evangelizao e defesa da religio crist contra os ataques tericos e morais que recebia dos antigos.

Divide-se em patrstica grega (ligada Igreja de Bizncio) e patrstica latina (ligada Igreja de Roma) e seus nomes mais importantes foram: Justino, Tertuliano, Atengoras, Orgenes, Clemente, Eusbio, Santo Ambrsio, So Gregrio Nazianzo, So Joo Crisstomo, Isidoro de Sevilha, Santo Agostinho, Beda e Bocio.

A patrstica foi obrigada a introduzir idias desconhecidas para os filsofos greco-romanos: a idia de criao do mundo, de pecado original, de Deus como trindade una, de encarnao e morte de Deus, de juzo final ou de fim dos tempos e ressurreio dos mortos, etc. Precisou tambm explicar como o mal pode existir no mundo, j que tudo foi criado por Deus, que pura perfeio e bondade. Introduziu, sobretudo com Santo Agostinho e Bocio, a idia de homem interior, isto , da conscincia moral e do livre-arbtrio, pelo qual o homem se torna responsvel pela existncia do mal no mundo.

Para impor as idias crists, os Padres da Igreja as transformaram em verdades reveladas por Deus (atravs da Bblia e dos santos) que, por serem decretos divinos, seriam dogmas, isto , irrefutveis e inquestionveis. Com isso, surge uma distino, desconhecida pelos antigos, entre verdades reveladas ou da f e verdades da razo ou humanas, isto , entre verdades sobrenaturais e verdades naturais, as primeiras introduzindo a noo de conhecimento recebido por uma graa divina, superior ao simples conhecimento racional. Dessa forma, o grande tema de toda a Filosofia patrstica o da possibilidade de conciliar razo e f, e, a esse respeito, havia trs posies principais:

1. Os que julgavam f e razo irreconciliveis e a f superior razo (diziam eles: Creio porque absurdo).

2. Os que julgavam f e razo conciliveis, mas subordinavam a razo f (diziam eles: Creio para compreender).

3. Os que julgavam razo e f irreconciliveis, mas afirmavam que cada uma delas tem seu campo prprio de conhecimento e no devem misturar-se (a razo se refere a tudo o que concerne vida temporal dos homens no mundo; a f, a tudo o que se refere salvao da alma e vida eterna futura).

Filosofia medieval(do sculo VIII ao sculo XIV)

Abrange pensadores europeus, rabes e judeus. o perodo em que a Igreja Romana dominava a Europa, ungia e coroava reis, organizava Cruzadas Terra Santa e criava, volta das catedrais, as primeiras universidades ou escolas. E, a partir do sculo XII, por ter sido ensinada nas escolas, a Filosofia medieval tambm conhecida com o nome de Escolstica.

A Filosofia medieval teve como influncias principais Plato e Aristteles, embora o Plato que os medievais conhecessem fosse o neoplatnico (vindo da Filosofia de Plotino, do sculo VI d.C.), e o Aristteles que conhecessem fosse aquele conservado e traduzido pelos rabes, particularmente Avicena e Averris.

Conservando e discutindo os mesmos problemas que a patrstica, a Filosofia medieval acrescentou outros - particularmente um, conhecido com o nome de Problema dos Universais - e, alm de Plato e Aristteles, sofreu uma grande influncia das idias de Santo Agostinho. Durante esse perodo surge propriamente a Filosofia crist, que , na verdade, a teologia. Um de seus temas mais constantes so as provas da existncia de Deus e da alma, isto , demonstraes racionais da existncia do infinito criador e do esprito humano imortal.

A diferena e separao entre infinito (Deus) e finito (homem, mundo), a diferena entre razo e f (a primeira deve subordinar-se segunda), a diferena e separao entre corpo (matria) e alma (esprito), O Universo como uma hierarquia de seres, onde os superiores dominam e governam os inferiores (Deus, arcanjos, anjos, alma, corpo, animais, vegetais, minerais), a subordinao do poder temporal dos reis e bares ao poder espiritual de papas e bispos: eis os grandes temas da Filosofia medieval.

Outra caracterstica marcante da Escolstica foi o mtodo por ela inventado para expor as idias filosficas, conhecida como disputa: apresentava-se uma tese e esta devia ser ou refutada ou defendida por argumentos tirados da Bblia, de Aristteles, de Plato ou de outros Padres da Igreja.

Assim, uma idia era considerada uma tese verdadeira ou falsa dependendo da fora e da qualidade dos argumentos encontrados nos vrios autores. Por causa desse mtodo de disputa - teses, refutaes, defesas, respostas, concluses baseadas em escritos de outros autores -, costuma-se dizer que, na Idade Mdia, o pensamento estava subordinado ao princpio da autoridade, isto , uma idia considerada verdadeira se for baseada nos argumentos de uma autoridade reconhecida (Bblia, Plato, Aristteles, um papa, um santo).

Os telogos medievais mais importantes foram: Abelardo, Duns Scoto, Escoto Ergena, Santo Anselmo, Santo Toms de Aquino, Santo Alberto Magno, Guilherme de Ockham, Roger Bacon, So Boaventura. Do lado rabe: Avicena, Averris, Alfarabi e Algazli. Do lado judaico: Maimnides, Nahmanides, Yeudah bem Levi.

Filosofia da Renascena(do sculo XIV ao sculo XVI)

marcada pela descoberta de obras de Plato desconhecidas na Idade Mdia, de novas obras de Aristteles, bem como pela recuperao das obras dos grandes autores e artistas gregos e romanos.

So trs as grandes linhas de pensamento que predominavam na Renascena:

1. Aquela proveniente de Plato, do neoplatonismo e da descoberta dos livros do Hermetismo; nela se destacava a idia da Natureza como um grande ser vivo; o homem faz parte da Natureza como um microcosmo (como espelho do Universo inteiro) e pode agir sobre ela atravs da magia natural, da alquimia e da astrologia, pois o mundo constitudo por vnculos e ligaes secretas (a simpatia) entre as coisas; o homem pode, tambm, conhecer esses vnculos e criar outros, como um deus.

2. Aquela originria dos pensadores florentinos, que valorizava a vida ativa, isto , a poltica, e defendia os ideais republicanos das cidades italianas contra o Imprio Romano-Germnico, isto , contra o poderio dos papas e dos imperadores. Na defesa do ideal republicano, os escritores resgataram autores polticos da Antigidade, historiadores e juristas, e propuseram a imitao dos antigos ou o renascimento da liberdade poltica, anterior ao surgimento do imprio eclesistico.

3. Aquela que propunha o ideal do homem como artfice de seu prprio destino, tanto atravs dos conhecimentos (astrologia, magia, alquimia), quanto atravs da poltica (o ideal republicano), das tcnicas (medicina, arquitetura, engenharia, navegao) e das artes (pintura, escultura, literatura, teatro).

A efervescncia terica e prtica foi alimentada com as grandes descobertas martimas, que garantiam ao homem o conhecimento de novos mares, novos cus, novas terras e novas gentes, permitindo-lhe ter uma viso crtica de sua prpria sociedade. Essa efervescncia cultural e poltica levou a crticas profundas Igreja Romana, culminando na Reforma Protestante, baseada na idia de liberdade de crena e de pensamento. Reforma a Igreja respondeu com a Contra-Reforma e com o recrudescimento do poder da Inquisio.

Os nomes mais importantes desse perodo so: Dante, Marclio Ficino, Giordano Bruno, Campannella, Maquiavel, Montaigne, Erasmo, Toms Morus, Jean Bodin, Kepler e Nicolau de Cusa.

Filosofia moderna(do sculo XVII a meados do sculo XVIII)

Esse perodo, conhecido como o Grande Racionalismo Clssico, marcado por trs grandes mudanas intelectuais:

1. Aquela conhecida como o surgimento do sujeito do conhecimento, isto , a Filosofia, em lugar de comear seu trabalho conhecendo a Natureza e Deus, para depois referir-se ao homem, comea indagando qual a capacidade do intelecto humano para conhecer e demonstrar a verdade dos conhecimentos. Em outras palavras, a Filosofia comea pela reflexo, isto , pela volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer sua capacidade de conhecer.

O ponto de partida o sujeito do conhecimento como conscincia de si reflexiva, isto , como conscincia que conhece sua capacidade de conhecer. O sujeito do conhecimento um intelecto no interior de uma alma, cuja natureza ou substncia completamente diferente da natureza ou substncia de seu corpo e dos demais corpos exteriores.

Por isso, a segunda pergunta da Filosofia, depois de respondida a pergunta sobre a capacidade de conhecer, : Como o esprito ou intelecto pode conhecer o que diferente dele? Como pode conhecer os corpos da Natureza?

2. A resposta pergunta acima constituiu a segunda grande mudana intelectual dos modernos, e essa mudana diz respeito ao objeto do conhecimento. Para os modernos, as coisas exteriores (a Natureza, a vida social e poltica) podem ser conhecidas desde que sejam consideradas representaes, ou seja, idias ou conceitos formulados pelo sujeito do conhecimento.

Isso significa, por um lado, que tudo o que pode ser conhecido deve poder ser transformado num conceito ou numa idia clara e distinta, demonstrvel e necessria, formulada pelo intelecto; e, por outro lado, que a Natureza e a sociedade ou poltica podem ser inteiramente conhecidas pelo sujeito, porque elas so inteligveis em si mesmas, isto , so racionais em si mesmas e propensas a serem representadas pelas idias do sujeito do conhecimento.

3. Essa concepo da realidade como intrinsecamente racional e que pode ser plenamente captada pelas idias e conceitos preparou a terceira grande mudana intelectual moderna. A realidade, a partir de Galileu, concebida como um sistema racional de mecanismos fsicos, cuja estrutura profunda e invisvel matemtica. O livro do mundo, diz Galileu, est escrito em caracteres matemticos.

A realidade, concebida como sistema racional de mecanismos fsico-matemticos, deu origem cincia clssica, isto , mecnica, por meio da qual so descritos, explicados e interpretados todos os fatos da realidade: astronomia, fsica, qumica, psicologia, poltica, artes so disciplinas cujo conhecimento de tipo mecnico, ou seja, de relaes necessrias de causa e efeito entre um agente e um paciente.

A realidade um sistema de causalidades racionais rigorosas que podem ser conhecidas e transformadas pelo homem. Nasce a idia de experimentao e de tecnologia (conhecimento terico que orienta as intervenes prticas) e o ideal de que o homem poder dominar tecnicamente a Natureza e a sociedade.

Predomina, assim, nesse perodo, a idia de conquista cientfica e tcnica de toda a realidade, a partir da explicao mecnica e matemtica do Universo e da inveno das mquinas, graas s experincias fsicas e qumicas.

Existe tambm a convico de que a razo humana capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das paixes e das emoes e, pela vontade orientada pelo intelecto, capaz de govern-las e domin-las, de sorte que a vida tica pode ser plenamente racional.

A mesma convico orienta o racionalismo poltico, isto , a idia de que a razo capaz de definir para cada sociedade qual o melhor regime poltico e como mant-lo racionalmente.

Nunca mais, na histria da Filosofia, haver igual confiana nas capacidades e nos poderes da razo humana como houve no Grande Racionalismo Clssico. Os principais pensadores desse perodo foram: Francis Bacon, Descartes, Galileu, Pascal, Hobbes, Espinosa, Leibniz, Malebranche, Locke, Berkeley, Newton, Gassendi.

Filosofia da Ilustrao ou Iluminismo(meados do sculo XVIII ao comeo do sculo XIX)

Esse perodo tambm cr nos poderes da razo, chamada de As Luzes (por isso, o nome Iluminismo). O Iluminismo afirma que:

pela razo, o homem pode conquistar a liberdade e a felicidade social e poltica (a Filosofia da Ilustrao foi decisiva para as idias da Revoluo Francesa de 1789);

a razo capaz de evoluo e progresso, e o homem um ser perfectvel. A perfectibilidade consiste em liberar-se dos preconceitos religiosos, sociais e morais, em libertar-se da superstio e do medo, graas as conhecimento, s cincias, s artes e moral;

o aperfeioamento da razo se realiza pelo progresso das civilizaes, que vo das mais atrasadas (tambm chamadas de primitivas ou selvagens) s mais adiantadas e perfeitas (as da Europa Ocidental);

h diferena entre Natureza e civilizao, isto , a Natureza o reino das relaes necessrias de causa e efeito ou das leis naturais universais e imutveis, enquanto a civilizao o reino da liberdade e da finalidade proposta pela vontade livre dos prprios homens, em seu aperfeioamento moral, tcnico e poltico.

Nesse perodo h grande interesse pelas cincias que se relacionam com a idia de evoluo e, por isso, a biologia ter um lugar central no pensamento ilustrado, pertencendo ao campo da filosofia da vida. H igualmente grande interesse e preocupao com as artes, na medida em que elas so as expresses por excelncia do grau de progresso de uma civilizao.

Data tambm desse perodo o interesse pela compreenso das bases econmicas da vida social e poltica, surgindo uma reflexo sobre a origem e a forma das riquezas das naes, com uma controvrsia sobre a importncia maior ou menor da agricultura e do comrcio, controvrsia que se exprime em duas correntes do pensamento econmico: a corrente fisiocrata (a agricultura a fonte principal das riquezas) e a mercantilista (o comrcio a fonte principal da riqueza das naes).

Os principais pensadores do perodo foram: Hume, Voltaire, DAlembert, Diderot, Rousseau, Kant, Fichte e Schelling (embora este ltimo costume ser colocado como filsofo do Romantismo).

Filosofia contempornea

Abrange o pensamento filosfico que vai de meados do sculo XIX e chega aos nossos dias. Esse perodo, por ser o mais prximo de ns, parece ser o mais complexo e o mais difcil de definir, pois as diferenas entre as vrias filosofias ou posies filosficas nos parecem muito grandes porque as estamos vendo surgir diante de ns.

Para facilitar uma viso mais geral do perodo, faremos, no prximo captulo, uma contraposio entre as principais idias do sculo XIX e as principais correntes de pensamento do sculo XX.