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Charlene Kathlen de Lemos Bibliotecas Comunitárias Em Regiões De Exclusão Social Na Cidade De São Paulo: Estudo de Caso da Biblioteca Comunitária Solano Trindade Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Conselho de Curso de Biblioteconomia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Biblioteconomia, inserido na linha de pesquisa “Informação e Sociedade”. Orientadora: Profª Drª Maria Helena Toledo Costa de Barros MARÍLIA - 2005 -

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Charlene Kathlen de Lemos

Bibliotecas Comunitárias Em Regiões De Exclusão Social Na Cidade

De São Paulo: Estudo de Caso da Biblioteca Comunitária

Solano Trindade

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Conselho de Curso de Biblioteconomia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Biblioteconomia, inserido na linha de pesquisa “Informação e Sociedade”.

Orientadora: Profª Drª Maria Helena Toledo Costa de Barros

MARÍLIA - 2005 -

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CHARLENE KATHLEN DE LEMOS

Bibliotecas Comunitárias Em Regiões de Exclusão Social Na Cidade

de São Paulo: Estudo de Caso da Biblioteca Comunitária Solano

Trindade

MARÍLIA - 2005 -

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Lemos, Charlene Kathlen de L557b Bibliotecas comunitárias em regiões de exclusão social na cidade

de São Paulo : estudo de caso da Biblioteca Comunitária Solano Trindade / Charlene Kathlen de Lemos. – Marília, 2005.

158f. : il. ; 30 cm

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Filosofia e Ciências – Universidade Estadual Paulista, Marília, 2005.

1. Bibliotecas comunitárias – São Paulo. 2. Exclusão social – São Paulo. 3. Terceiro setor. 4. ONG – Biblioteca comunitária. I. Charlene Kathlen de Lemos II. Bibliotecas comunitárias em regiões de exclusão social na cidade de São Paulo.

CDD 027.622 - 21. ed.

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BIBLIOTECAS COMUNITÁRIAS EM REGIÕES DE EXCLUSÃO SOCIAL NA CIDADE DE SÃO PAULO: Estudo de Caso na Biblioteca Comunitária Solano Trindade

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Conselho de Curso de Biblioteconomia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Biblioteconomia, inserido na linha de pesquisa “Informação e Sociedade”.

Data de aprovação: 19.01.2005

BANCA EXAMINADORA:

Presidente e

Orientadora: Profª Drª. Maria Helena Toledo Costa de Barros

Profª do Departamento de Ciência da Informação, Faculdade de Filosofia e Ciências. Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de Marília.

Membro Titular: Drº Eduardo Ismael Murguia Marañon

Profº do Departamento de Ciência da Informação, Faculdade de Filosofia e Ciências. Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de Marília.

Membro Titular: Drº José Geraldo Alberto Bertoncini Poker

Profº do Departamento de Sociologia e Antropologia, Faculdade de Filosofia e Ciências. Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de Marília.

Local: Universidade Estadual Paulista

Faculdade de Filosofia e Ciências

UNESP – Campus de Marília

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Dedico este trabalho àquele a quem dediquei minha vida: ao Criador, ao Salvador, ao

Redentor, ao Senhor Deus. Aquele que me ensinou o poder e o valor da sua infinita

“Graça” por meio de Cristo Jesus.

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AgradecimentosAgradecimentosAgradecimentosAgradecimentos

Antes de redigir esses agradecimentos pensei em fazê-lo de uma forma geral e sintética exaltando principalmente os benefícios propiciados pela Iniciação Científica. Contudo, ao me deparar com o pensamento abaixo, mudei de idéia:

Estive ao lado de muitas pessoas no leito de morte, quando elas se encontram no limite da eternidade, e jamais ouvi nenhuma delas dizer: “Tragam meus diplomas! Eu quero olhar para eles mais uma vez. Mostre-me meus títulos, minhas medalhas, aquele relógio de ouro que recebi.”. Quando a vida na Terra está no fim as pessoas não se cercam de objetos. Querem em torno de si pessoas – pessoas que amam e com as quais mantém relacionamentos. Em nossos momentos finais, todos percebemos que são os relacionamentos que constituem a vida. Ser sábio é aprender essa verdade o mais rapidamente possível. Não espere até estar no leito de morte para compreender que nada mais é importante. (Rick Warren)

Gostaria de honrar nessas poucas páginas as pessoas que realmente fizeram a diferença na minha vida durante esses quatro anos de universidade, que por sinal se confundem com meus quatro anos de pesquisa de Iniciação Científica, cujo um dos frutos é esse Trabalho de Conclusão de Curso. Agradecer essas pessoas é muito mais do que dizer “muito obrigada” é lembrá-las do quanto marcaram minha vida e que estarão guardadas em meu coração. Em primeiro lugar gostaria de agradecer minha família, ou seja, minha mãe Cacilda, meu irmão Cristiano e meu Padrasto César, pelo amor, orgulho, orações, compreensão e auxílio financeiro. Foi pensando em vocês que estive longe de casa por tanto tempo; foi para mudar a nossa história e confirmar a premissa de que tudo é possível ao que crer. Terminar a Faculdade é somente a primeira de nossas vitórias. Agradeço as minhas eternas amigas Andréia, Ana Paula, Beth, Vanessa, Rosi e Mari pelo fato sonharmos juntas que um dia nos formaríamos. A verdade é que cada uma seguiu um rumo diferente na vida e torço muito para que nossos sonhos continuem se tornando reais. Agradeço também aos amigos que fiz em Marília e desses grandes e maravilhosos amigos que fiz por aqui começarei agradecendo a Silviane pela benção que foi conhecê-la e por toda convivência durante esse período. Lembro-me que chegamos em Marília de um jeito e agora percebo o quanto amadurecemos e aprendemos com todas as lições que a vida colocou em nossa frente. Nunca vou me esquecer dos nossos bate-papos. Desejo que nossa amizade dure para sempre. Agradeço a Vanessa pela convivência e pelo bom humor. Obrigada por sempre nos fazer rir nos momentos mais absurdos. Tenha sempre a certeza que amei conhece-la e estou torcendo para que a sua vida seja um sucesso. Agradeço também à Gabriela, não apenas por nossa amizade, mas por ter sido uma verdadeira irmã para mim. Ajudando-me, encorajando, dando caronas e tantas outras coisas, agradeço não somente a você, mas principalmente à Deus por ter cruzado nossos caminhos. Agradeço a Heloisa pelos momentos maravilhosos que passamos juntas, pelas conversas e brincadeiras. Agradeço às minhas irmãzinhas Tati, Rebeca, Inaiara e Marta por sempre estarem ao meu lado e também pelos momentos deliciosos que tivemos (almoços, lanches, jantares...). Obrigada pela amizade gratuita. Companheiras é o que são e almejo retribuí-las a altura.

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Agradeço a Sumeire (Suti) primeiramente pela amizade, mas também pelo companheirismo, pela compreensão, pela responsabilidade, pelo carinho.Agradeço à Ana Maria pelas caronas depois da aula e principalmente pela amizade que sempre foi demonstrada. Agradeço à Daniele Brene pelos bate-papos, pelos cds emprestados, pelo cristianismo levado a sério, louvo a Deus por termos nos tornado amigas.

Enfim, agradeço à melhor de todas as turmas que já passou pela Faculdade de Filosofia e Ciências: XXV Turma de Biblioteconomia: Aline, Jane, Leila, Ednéia (néia), Minervina (Vina), Rafael, Elisabet, Angélica, Andréia, Daniele Pinheiro, João Paulo, Álvaro, Débora, Guilherme, Cristiane, Vilma, Ana Lúcia, Marcelo, Beatriz, Camila, Juliana,Sandro, Rodrigo Garcia, Rodrigo Rabello, Sônia, Joanita, Daniela Pinto e Renata.

Agradeço também aos amigos de outros anos do curso de biblioteconomia: Hadassa (3º ano), Claudinha (2º ano), Roberta (3º ano).

Sem esquecer dos amigos de outros cursos que muitas vezes me ensinaram a olhar as coisas por outro ângulo, ou seja através da visão de um sociólogo, pedagogo, filósofo, médico etc: Naíra (Ciências Sociais), Juliana (Ciências Sociais), Raquel (Ciências Sociais), Leonardo (Ciências Sociais), Romário (Ciências Sociais), Myrna (Filosofia).

A toda galera do “Expressão Jovem” (Universitários Amigos de Cristo) pelas quartas e sextas-feiras inesquecíveis que passamos juntos e em especial àqueles que se tornaram meus amigos íntimos: André (pedagogia),Vivian (fonoaudiologia), Débora (pedagogia), Andréia (pedagogia), Michele (Medicina), Leandro (pós em educação), Adriana (pedagogia).

Agradeço aos fins de semana incríveis passados com a 5ª Igreja Batista, especialmente ao Pastor Alexandre e sua esposa Miriam, pelas palavras e orações, e com a Congressão da Igreja Presbiteriana Independente do Jardim Cavalari, em especial ao Fabiano, Damaris, Marília e aos universitários.

Agradeço à todos da biblioteca : Vânia, Luzinete,Tininha, Tina, Hiromi, Ilma (babatecária), Lair, Célia,Chico,Zilda, Akiko, Neuza e Durva; pelas caronas, ensinamentos, dicas, bom humor, apoio técnico. Vocês foram verdadeiro mestres, exemplos de profissionais e amigos.

Agradeço aos docentes do Departamento de Ciência da Informação, em especial a Professora Maria Helena pelo apoio durante toda pesquisa, pela paciência dispensada, por acreditar em mim e por muitas vezes colocar meus pés no chão.

Agradeço ao Núcleo Cultural Força Ativa por tão gentilmente se disporem a fazer parte desta pesquisa, em especial ao David, Wellington e Joaquim por toda atenção oferecida.

Agradeço também ao Professor Elie Ghanem e á Vera Lion pela boa vontade de participar desta pesquisa.

Agradeço ao Anderson e Emanuel por ter me ajudado com os mapas, sem vocês boa parte deste trabalho não teria sido realizado.

Agradeço ao Programa de Assistência ao Estudante (PAE) por ao mesmo tempo financiar minha estada em Marília e proporcionar experiências ímpares no meu estágio na Biblioteca do Campus.

Finalmente agradeço ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq, pois ao financiar esta pesquisa me proporcionou passar por experiências enriquecedoras.

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“Porque Dele e por Ele, e para Ele, são todas as coisas; glória, pois, a Ele eternamente.

Amém”.

( Romanos 11:36)

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LEMOS, C. K. Bibliotecas comunitárias em regiões de exclusão social na cidade de São

Paulo. 2005. 158 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade de Filosofia e Ciências,

Universidade Estadual Paulista – UNESP, Marília. 2005.

RESUMO

A inexistência de bibliotecas públicas em regiões de altos índices exclusão social na cidade de São Paulo, fez com que os excluídos criassem uma alternativa de acesso público e democrático à informação, essa é a biblioteca comunitária (BC). Neste trabalho, BCs são instituições criadas, administradas e utilizadas pela sociedade civil, apoiadas pelo terceiro setor sem afastar a atuação esporádica do Estado. Dado seu crescimento exponencial e como objeto de estudo o tema BC ainda é pouco explorado na área de Ciência da Informação; assim nosso objetivo principal foi o de trazer contribuições teóricas e práticas para a maneira de atuar das BCs, alertando o profissional bibliotecário sobre esse possível campo de atuação, bastante específico, como subsídio para a esfera da transformação social. Utilizamos para isso metodologia exploratória, pelo qual desejamos obter dados que nos possibilitem conhecer melhor as BCs em regiões de exclusão social na cidade de São Paulo, assim como verificar o relacionamento dessas com as comunidades onde estão inseridas e como se dá o vínculo entre as ONGs (organizações não-governamentais) e essas referidas bibliotecas. Isso foi possível graças ao estudo de caso realizado com a BC Solano Trindade, localizada no bairro de Cidade Tiradentes. Foram coletados, dados quantitativos (número das BCs existentes na cidade de São Paulo, perfil dos usuários e administradores da BC Solano Trindade) e qualitativos (palavras provenientes de declarações dadas pelos idealizadores e colaboradores da BC Solano Trindade). Dessa maneira, pudemos observar que a harmonia existente entre os ideais das ONGs e dos responsáveis pela Biblioteca foi essencial para se estabelecer a parceria entre ONGs e BC. Estas ajudaram a fundar a BC com recursos materiais, humanos e financeiros para que essa pudesse de certa forma disseminar seus ideais (múltiplas maneiras de aprendizado fora da escola e de direitos humanos) à população de Cidade Tiradentes. Com a BC em funcionamento, verificamos que, apesar de contar com uma série de problemas, entre eles a fala de um bibliotecário, essa interage plenamente com sua comunidade. Após o estudo, comprovamos que as BCs surgem para resolver a problemática da falta de locais próprios para a informação, o lazer e a cultura, dentro de um determinado bairro, agravada pelas limitações impostas pelas escolas e bibliotecas públicas no que diz respeito a esses problemas.

PALAVRAS-CHAVE: exclusão social, inclusão social, desenvolvimento social, participação

comunitária, terceiro setor, organizações não-governamentais, biblioteca pública, biblioteca

comunitária, democratização da informação.

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Lista de Figuras, Quadros, Gráficos, Tabelas e Mapas

Figura 1: Ilustrando o Terceiro Setor.......................................................................................35

Figura 2: Esquema da Biblioteca Pública................................................................................73

Figura 3: Esquema da Biblioteca Comunitária........................................................................78

Figura 4: Retrato da Leitura no Brasil.....................................................................................81

Quadro 1: Terceiro Setor.........................................................................................................35

Quadro 2: Conceituando o Terceiro Setor...............................................................................36

Quadro 3: Quadro Comparativo Referente aos Perfis dos Organizadores e dos

Usuários....124

Quadro 4: Atividades Realizadas pela/na Bibliotecária Comunitária ..................................125

Gráfico 1: Doações..................................................................................................................48

Gráfico 2: Grau de Concordância com Algumas Frases, Referentes ao Trabalho

Voluntário.................................................................................................................................49

Gráfico 3: Avaliação dos Serviços Prestados........................................................................125

Tabela 1: Avaliação dos Serviços Prestados pelos Voluntários............................................122 Tabela 2: Avaliação do Acervo da BC..................................................................................122

Mapa 1: Renda Média em Salários Mínimos em 1997............................................................83 Mapa 2: Percentual de Chefes de Famílias sem Instrução em 1996........................................84 Mapa 3: Biblioteca Públicas da Cidade de São Paulo.............................................................85 Mapa 4: Bibliotecas Comunitárias na Cidade de São Paulo em 2004.....................................89 Mapa 5: Bibliotecas Públicas e Comunitárias.........................................................................90

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Sumário

Introdução..........................................................................................................................13 Capítulo 1 Exclusão Social...............................................................................................19

1.1 A Dinâmica do Espaço Urbano.....................................................................................20 1.1.1 Espaço Urbano Paulistano.........................................................................................23 1.2 Exclusão Social............................................................................................................26 1.2.1 Exclusão Social e a Participação Comunitária...........................................................30 Capítulo 2 Terceiro Setor..................................................................................................32

2.1 Terceiro Setor...............................................................................................................33 2.2 Como Surgiu e o Que é Terceiro Setor........................................................................34 2.3 Função, Objetivos e Campos de Atuação do Terceiro Setor........................................41 2.4 Parcerias e Captação de Recursos................................................................................44 2.5 O Terceiro Setor e sua Legislação................................................................................54 2.6 Segmentos do Terceiro Setor.......................................................................................56 Capítulo 3 Informação e Inclusão Social.........................................................................63

3.1 Informação e Desenvolvimento Social........................................................................64 3.2 A função Social da Biblioteca Pública.........................................................................65 3.3 Alternativas de Biblioteca e Bibliotecas Alternativas..................................................76 3.4 A Informação e os Grupos Sociais Excluídos..............................................................80 3.5 Mapeamento das Bibliotecas Comunitárias em Regiões de Exclusão Social..............85 Capítulo 4 Bibliotecas Comunitárias e o Papel das ONGs, no Contexto do Terceiro Setor....................................................................................................................................92

4.1 Critérios Para Escolha das ONGs Estudadas...............................................................93 4.2 Histórico e Campo de Atuação das ONGs Ação Educativa e IBEAC.........................94 4.3 BCs e ONGs: como e por quê surgiu esse relacionamento?........................................96 4.4 BCs Trabalhando as Filosofias das ONGs...................................................................99 4.5 Principais Problemas Enfrentados pelas ONGs Durante a Execução de seus

Projetos.......................................................................................................................101 4.6 ONGs: Analisando Criticamente a Atuação da BC...................................................103

Capítulo 5 Estudo de caso da Biblioteca Comunitária Solano Trindade......................105

5.1 Objetivos e Metodologias Utilizadas para realização do Estudo de Caso..................106 5.2 Cidade Tiradentes......................................................................................................107

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5.3 Histórico da BC Solano Trindade..............................................................................110 5.3.1 Principais Problemas da Biblioteca Comunitária.....................................................112 5.4 Os organizadores........................................................................................................116 5.5 A comunidade............................................................................................................119 5.6 Análise comparativa: Organizadores X Comunidade................................................124 5.7 Recursos Oferecidos à BC Solano Trindade pelas ONGs..........................................127 5.8 Bibliotecários: um assunto que vale a pena comentar................................................129 Considerações Finais.......................................................................................................132 Referências.......................................................................................................................136 Bibliografia Consultada..................................................................................................143 Apêndice...........................................................................................................................146 Anexos..............................................................................................................................154

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Introdução

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O presente trabalho está inserido na linha “Informação e Sociedade” do Curso de

Biblioteconomia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp - Campus de Marília. Seu

tema é “Biblioteca Comunitária” e tem como foco “Bibliotecas Comunitárias em Regiões de

Exclusão Social na Cidade de São Paulo”.1

A informação é e sempre foi uma condição básica para a sobrevivência humana. É por

meio dela que se podem construir mecanismos para o desenvolvimento social, econômico,

político e cultural da humanidade. Torna-se, deste modo, a matéria-prima para o

conhecimento e a utilização do conhecimento registrado, é o que permite criar novas

informações. É a isso que se denomina ciclo informacional.

O despertar para a consciência da sua importância fez dela o grande astro dos dias de

hoje. Os indivíduos são reconhecidos socialmente como os que têm e os que não têm acesso à

informação. Por conseguinte, a nossa sociedade tornou-se conhecida como “sociedade da

informação”. Segundo Milanesi (2002, p.53) a informação é um

[...] bem desejável e adquirível por qualquer pessoa como alavanca social e pela sociedade como condição fundamental para o seu desenvolvimento. A posse do conhecimento por um indivíduo pode definir a sua colocação na escala social.

Na chamada sociedade da informação, ainda existem pessoas desinformadas, não pela

opção de não quererem fazer parte desse processo, mas porque se vêem privadas do direito de

participação. Isso se deve ao fato de que a informação só está acessível a quem pode pagar

por ela, pois a informação está contida em suportes (Internet, livros, revistas etc.) cujo valor

ultrapassa a situação econômica de parcelas majoritárias da população.

Dessa maneira, os que são desprovidos do acesso à informação também o são das

demais riquezas produzidas pela sociedade. O emprego, a educação, a cultura, entre outros,

estão intimamente ligados à acessibilidade e ao uso adequado da informação. Suaiden (2000,

p. 52) confirma essa premissa ao dizer que historicamente o acesso à informação no Brasil

sempre foi definido pelo poder aquisitivo.

Surge, porém, uma questão: é possível disponibilizar acesso gratuito e democrático às

populações “excluídas”, levando-as a fazerem parte da “sociedade da informação”, já que não

dispõem de recursos (financeiros, inclusive) para aquisição da informação?

Ideologicamente, a biblioteca pública é o melhor canal democratizador de

1 Este trabalho é fruto das pesquisas Bibliotecas Comunitárias em Regiões de Exclusão Social na cidade de São Paulo: estudo de caso da Biblioteca Comunitária Solano Trindade, financiada pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica CNPq/PIBIC, de Julho de 2002 a Julho de 2003, e Bibliotecas Comunitárias em Regiões de Exclusão Social na cidade de São Paulo: o papel das Organizações Não-Governamentais, no contexto do terceiro setor, financiada pelo CNPq/PIBIC, no período de Julho de 2003 a Julho de 2004.

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disseminação da informação, pois ela é de caráter público, ou seja, não é necessário pagar

para usar os registros que a compõem; por ser liberal, todo o cidadão, sem exceções, pode se

beneficiar de seus serviços e atividades.

Todavia, na realidade cotidiana, percebemos que essa entidade tem vários problemas

que a distanciam das populações excluídas, dentre eles: localização geográfica na cidade

(essas se encontram, principalmente, no centro e/ou em bairros nobres), acervo defasado, falta

de recursos humanos habilitados, poucos (ou nenhum) computadores para o acesso à Internet.

Dentre os problemas levantados, o que atinge mais as pessoas que vivem em regiões

de altos índices de exclusão social na cidade de São Paulo está o distanciamento físico entre

essas comunidades e a biblioteca pública. Para esses cidadãos, fazer uma pesquisa representa

um “martírio”, pois deslocar-se até a biblioteca pode ser muito difícil.

Segundo Velázquez (informação verbal, 2001)1, quanto mais afastada está uma

população de um serviço que ela considera de extrema importância, igualmente proporcional é

a distância social que existe entre aquela e grupos que encontram maior facilidade para

usufruir o mesmo serviço; pois, além do tempo, o deslocamento acaba por exigir um

determinado custo, elevando o valor inicial que aquele serviço teria, privando pessoas de baixo

poder aquisitivo de obtê-lo.

Apesar dos serviços de extensão das bibliotecas públicas, como o bibliobus e a caixa-

estante, as comunidades preferiram resolver de outra forma seu problema informacional, pois,

os serviços de extensão resolviam apenas uma parte, oferecendo livros e periódicos com

finalidades recreacionais, mas não conseguiam atender a demanda daqueles que quisessem

fazer pesquisas, para as mais diversas finalidades. Um outro problema encontrado era esses

serviços não conseguirem criar vínculos com a comunidade, nem mesmo identificar suas reais

necessidades informacionais, pois sua existência no bairro é de caráter efêmero.

A solução encontrada para o problema foi a iniciativa das comunidades em construir

BCs (Bibliotecas Comunitárias) já que essas conseguem reunir em seus acervos as

informações que realmente interessam de perto à comunidade. Sobretudo, elas despertam o

sentimento de participação comunitária, tonando-se uma verdadeira biblioteca democrática,

onde todos a edificam e se beneficiam de seus serviços.

Ao contrário da biblioteca pública, as comunitárias são mantidas através dos recursos

1 Palestra descrita como ”Qualidade de vida e fragmentação na Argentina dos Anos Noventa”, proferida aos alunos da Unesp no dia 16 out. 2001; pelo Professor Doutor Guillermo Angel Velázquez, Diretor do Centro de Investigações Geográficas da Universidade Nacional do Centro da Província de Buenos Aires, Argentina.

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do terceiro setor2, que as vêem como locais que favorecem a articulação, a renovação e o

fortalecimento das representações da sociedade civil.

Diante desse contexto, fomos incomodados por três questionamentos relacionados às

BCs, que são a razão de existir dessa pesquisa; são eles: o que é e onde estão localizadas às

BCs na cidade de São Paulo? Qual é o papel que as Organizações Não-Governamentais

(ONGs), como representantes do terceiro setor, exercem durante a implantação, o

desenvolvimento e a manutenção de uma BC? Como se dá o relacionamento entre uma BC e

uma comunidade considerada excluída socialmente?

A partir desses questionamentos, nosso intuito geral, ao construirmos essa

investigação, foi o de trazer contribuições teóricas e práticas para a maneira de atuar das BCs,

alertando o profissional bibliotecário sobre esse possível campo de atuação, bastante

específico, como subsídio para a esfera da transformação social.

Com base nesse objetivo, delineamos o caminho a ser percorrido, ao longo de todo o

trabalho, seguindo a tipologia da metodologia exploratória, pelo qual desejamos obter dados

que nos possibilitem conhecer melhor as BCs em regiões de exclusão social na cidade de São

Paulo, assim como verificar o relacionamento dessas com as comunidades onde estão

inseridas e como se dá o vínculo entre as ONGs e essas referidas bibliotecas.

Inicialmente, de acordo com o cronograma de pesquisa, nos propusemos a fazer uma

revisão de literatura, em torno dos seguintes termos-chave: exclusão social, inclusão social,

desenvolvimento social, participação comunitária, terceiro setor, organizações não-

governamentais, biblioteca pública, biblioteca comunitária, democratização da informação.

A revisão de literatura em todas as etapas da pesquisa, como um todo, foi realizada

com fins de construir conhecimentos teóricos sobre os temas “bibliotecas comunitárias”,

“exclusão social”, “bibliotecas públicas”, “terceiro setor” e “ONGs”.

Para isso, utilizamos material bibliográfico das áreas de estudo de Ciência da

Informação, Sociologia e Serviço Social, colhidos junto às fontes:

a) primárias: periódicos, anais de congressos, dissertações, teses etc.

b) secundárias: base de dados (PROBE, CAPES, Web of SCIENCE,

UNIBLI, Portal da Pesquisa), livros etc.

2 O debate em torno do conceito de terceiro setor pode ser conferido a partir da página 33.

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Após os estudos teóricos e baseados nestes, foi realizada a coleta de dados, que, por

sua vez, foi divida em três etapas: mapeamento das BCs da cidade de São Paulo; a

participação das ONGs Ação Educativa e IBEAC (Instituto Brasileiro de Estudos e Ação

Comunitária) durante a implantação, o desenvolvimento e, a manutenção da BC Solano

Trindade e, por fim, estudo de caso da mesma BC, já que essa se encontra localizada em

região de exclusão social, no que diz respeito ao relacionamento dessa com a sua comunidade

usuária.3

Sendo assim, nossa pesquisa se estrutura em cinco assuntos principais. No primeiro

tópico, intitulado “Exclusão social”, abordaremos a dinâmica urbana e os processos de

segregação dentro da Cidade, que nos ajudarão a visualizar a topografia social da mesma.

Discutiremos também o processo de segregação urbana, que por si só, não configura a

exclusão social (mas é uma das partes do processo), por isso entraremos em um debate em

torno do conceito de exclusão social, que nos fará refletir sobre qualidade de vida e cidadania

de milhares de pessoas.

Em seguida, veremos como o terceiro setor, também conhecido como setor social,

está contribuindo para reverter o quadro de exclusão social. Debateremos a problemática em

torno de seus conceitos e conheceremos as instituições que fazem parte de seus segmentos,

dando especial destaque as ONGs.

Levantaremos também a questão do relacionamento entre “Informação e Inclusão

Social”. Veremos quais são as exigências vinculadas ao paradigma da sociedade informação e

como historicamente o ideal de biblioteca pública poderia satisfazer grande parte dessas.

Contudo, compreenderemos que esse ideal é uma utopia dentro da cidade de São Paulo. Pois,

a biblioteca pública ainda se mantém afastada daqueles que mais necessitam de seus serviços.

Para suprir essa deficiência, criam-se alternativas de bibliotecas, entre elas a BC.

A biblioteca pública configura-se, portanto como um objeto pertencente à dinâmica do

espaço urbano paulista; ou seja, favorece a uns e desfavorece a outros. Para comprovação

dessa afirmação, são resgatados dados censitários colhidos por Sposati (2000) e comparados

com o mapa das bibliotecas públicas paulistanas. Se a biblioteca pública faz parte da dinâmica

sócio-espacial da Cidade, podemos dizer que ela é também um dos objetos do conflito de

interesses das classes sociais. Por isso, enfocaremos a necessidade dos excluídos sociais em

ter em sua comunidade um serviço público de informação.

3 As coletas de dados foram colhidas com metodologias distintas que poderão ser conferidas em detalhes nos capítulos: Informação e Inclusão Social (mapeamento das BCs); BC e o papel das ONGs, no contexto do terceiro setor e Estudo de Caso da Biblioteca Comunitária Solano Trindade.

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Ao longo do estudo, foi possível identificarmos que as BCs da cidade de São Paulo

são auxiliadas e muitas vezes financiadas por instituições do terceiro setor, entre elas as

ONGs. Por isso, a quarta parte abordará a temática “Bibliotecas Comunitária e o papel das

ONGs, no contexto do terceiro setor”. Especificamente tratamos do caso da BC Solano

Trindade e das ONGs Ação Educativa e IBEAC.

Dizer que a BC é um instrumento que contribui para a democratização da informação

é uma afirmação que precisa ser confirmada. Por isso, realizamos um estudo de caso sobre

uma BC que nos levou a entender como essa vem suprindo as necessidades informacionais de

uma comunidade desfavorecida em termos do acesso aos serviços de informação. Logo, o

“Estudo de Caso da Biblioteca Comunitária Solano Trindade” enfoca e analisa o

relacionamento existente entre a comunidade e a BC.

Logo após, fazemos nossas considerações em torno das principais problemáticas

levantadas no trabalho.

Lembramos que a construção de conhecimentos teóricos sobre os temas desta pesquisa

é de extrema relevância para área de Ciência da Informação, sobretudo para a

Biblioteconomia, pois, apesar, de sua importância social, ela é pouco abordada pela literatura

da área da Ciência da Informação. Portanto, os frutos deste trabalho poderão levar outras

pessoas, principalmente os bibliotecários, a refletirem, cada vez mais, sobre a problemática da

má distribuição da informação, no país e no mundo, suas conseqüências e possíveis

perspectivas a respeito, num futuro próximo.

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Capítulo 1 Exclusão Social

Fonte: www.huaraz.com/brasil/

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1.1 A Dinâmica do Espaço Urbano Falar de exclusão social na cidade de São Paulo requer, antes de qualquer coisa, que

falemos, de uma forma geral, da dinâmica sócio-espacial da organização das cidades.

A cidade constitui-se em si mesma o espaço urbano. Essas que são nos dias atuais

lugares onde estão concentrados os maiores contingentes populacionais do mundo.

O espaço urbano não é estático possuí um dinamismo, caracterizador de sua

compleição e de suas constantes modificações. Para visualizarmos isso, basta estudarmos o

percurso histórico de qualquer cidade, neste estudo estaremos enfocando o caso específico da

cidade de São Paulo. No entanto, antes de adentrarmos esse caso, vamos conhecer melhor

essa dinâmica própria de qualquer espaço urbano.

Côrrea (2002, p. 11) assinala o espaço urbano como um lugar “[...] fragmentado,

articulado, reflexo, condicionante social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e

engendradas por agentes que produzem e consomem espaço”.

Segundo esse mesmo autor, a fragmentação da cidade diz respeito aos usos

diferenciados que se faz da terra. Por exemplo: a simples designação que uma região é

comercial, residencial, industrial e assim por diante, é o resultado dessa fragmentação.

Contudo, essas áreas fragmentadas se articulam entre si, pois seus agentes estão

constantemente se locomovendo e interagindo nessas áreas. E, por conseguinte, essa divisão e

articulação refletem a sociedade e todos os seus processos sociais, como é o caso da

desigualdade que constitui, em característica própria, o chamado espaço urbano capitalista. Os

processos de produção capitalista e reprodução das classes sociais desempenham um papel

fundamental na composição do espaço urbano, porque eles condicionam o espaço, ou seja,

são criadas regiões exclusivas para instalação das indústrias ou para moradia dos

trabalhadores, entre outras. A cidade também cria uma dimensão simbólica do espaço; alguns

lugares são destinados à memória; como monumentos, lugares santos etc. E por último, o

espaço urbano se torna o principal cenário dos conflitos sociais. (CÔRREA, 2000, p.7-11).

Pelo fato da cidade ter sua maior área construída constituída de casas, dá para perceber

que essas explicitam melhor a dinâmica espacial urbana. Falar da cidade implica falar das

formas de habitar existente (NAKANO, 2002). A construção do espaço de moradia obedece a

regras implícitas da sociedade. Como nos afirma Caldeira (2000, p. 211):

As regras que organizam o espaço urbano são basicamente padrões de diferenciação social e de separação. Essas regras variam cultural e historicamente, revelam os princípios que estruturam a vida pública e indicam como os grupos sociais se inter-relacionam.

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Essa regulamentação acontece por intermédio dos agentes sociais que atuam como

modificadores do espaço. São eles: proprietários dos meios de produção, proprietários

fundiários, promotores imobiliários, Estado e grupos sociais excluídos. Cada um desses

agentes desempenha um papel diferente na dinâmica urbana, cada agente procura transformar

a cidade, moldando-a, segundo seus interesses. Convém lembrar uma ressalva que Côrrea

(2000, p.13) nos faz, quando diz que:

[...] a tipologia apresentada é muito mais de natureza analítica do que efetivamente absoluta. No estágio atual do capitalismo, os grandes capitais industrial, financeiro e imobiliário podem estar integrados indireta e diretamente, neste caso em grandes corporações que, além de outras atividades, compram, especulam, financiam, administram e produzem espaço urbano.

O fato é que a cidade está organizada de forma díspar representando, como já foi dito,

os processos sociais, em que as desigualdades sociais ficam visíveis espacialmente, através do

arranjo do espaço urbano. Assim, tendem-se a se concentrar em uma determinada região

grupos homogêneos, causando logo uma organização do espaço urbano segregatória, onde

esses grupos buscam cada vez mais se separarem uns dos outros.

Para O’Neill apud Côrrea (2000, p.65), existem dois tipos de segregação: a auto-

segregação e a segregação imposta. A primeira refere-se à segregação da classe dominante e a

segunda à dos grupos sociais cujas opções de como ou onde morar são pequenas ou nulas.

Harvey apud Côrrea (2000, p. 65) define assim segregação sócio-espacial:

-diferenciação residencial significa acesso diferenciado a recursos necessários para adquirir oportunidades de ascensão social. As oportunidades, como educação, podem estar estruturadas de modo que um bairro de classe operária seja “reproduzido” em outro bairro ou no mesmo bairro na próxima geração. A diferenciação social produz comunidades distintas com valores próprios do grupo, valores estes profundamente ligados aos códigos moral, lingüístico, cognitivo e que fazem parte do equipamento conceitual com o qual o indivíduo “enfrenta”o mundo. A estabilidade de um bairro e dos seus sistemas de valores leva à reprodução e permanência de grupos sociais dentro de estruturas residenciais; -segregação significa diferencial de renda real - proximidade às facilidades de vida urbana, como água, esgoto, áreas verdes, melhores serviços educacionais etc., e ausência de proximidade aos custos da cidade como crime, serviços educacionais inferiores, ausência de infra-estrutura etc. Se já há diferença de renda monetária, a localização ainda maior no que diz respeito à renda real.

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A dinâmica do espaço urbano quase sempre procura favorecer os interesses dos grupos

de maior poder aquisitivo4. Esses querem se distanciar cada vez mais daqueles que lhes

“incomodam”, utilizando para isso varias desculpas, a mais atual é a do medo do crime.

(CALDEIRA, 2000)

Como já relatamos, o processo de segregação é inerente à organização das cidades; no

entanto, por causa da ação dos agentes sociais e as mudanças dos interesses da classe

dominante, a cidade é um lugar que passa por uma constante renovação urbana. Devido a isso,

existem alguns padrões de segregação que dão características às cidades, e, neste trabalho

veremos três deles, que estão relacionados com a dinâmica urbana da Cidade de São Paulo:

segregação por tipo de moradia, segregação centro-periferia e por ultimo, o conceito de

segregação criado recentemente por Caldeira (2000), relativos aos enclaves fortificados.

Os tipos de segregação sócio-espacial constituem um aspecto importante para

entendermos a exclusão social. Entender como isso acontece na cidade de São Paulo nos será

de extrema importância. Já que essa Cidade, além de se constituir como um dos nossos

objetos de estudo, é também a “[...] síntese da problemática socioeconômica brasileira e, até

certo, ponto, mundial” (MIRANDA,2000, p.105).

4 São raras às vezes em que os grupos sociais excluídos conseguem transformar a dinâmica do espaço urbano. A título de ilustração temos o fato de pessoas que insistem em construir e/ou manter favelas em bairros considerados nobres.

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1.1.1 O Espaço Urbano Paulistano

A concepção que temos hoje de espaço urbano deriva do ideal de cidade e vida

moderna criado a partir da reforma de Paris, pelo barão Haussmann, na segunda metade do

século XlX.

Segundo Caldeira (2000, p. 302-308), o conceito de espaço urbano moderno foi

concebido a partir da idéia de igualdade universal dos cidadãos. Dessa forma, a cidade deve

estar aberta a todos e sua sociedade de consumo também deve ser acessível a todos, assim

como a política moderna que deve fornecer a acomodação da diferença.

A cidade de São Paulo abriga um tipo diferenciado de “[...] espaço público que não faz

nenhum gesto em direção à abertura, indeterminação, acomodação de diferenças ou

igualdade, e ao invés disso toma a desigualdade e a separação como valores estruturantes”.

(CALDEIRA, 2000, p.308)

Desde sua fundação no século XVI, a cidade de São Paulo, vem favorecendo alguns

tipos de organização do espaço, de maneira segregatória. “A estabilidade não condiz com o

contexto paulistano e certamente com nenhuma outra cidade existente”. (NAKANO, 2002,

p37) Ao longo de sua história foram verificados três padrões distintos de organização

segregatória, quais sejam: por tipo de moradia, centro-periferia e enclaves fortificados.

Do final século XlX até início do século XX, os limites da Cidade não ultrapassavam

a região central. Por isso, os diversos grupos sociais se encontravam adensados em um mesmo

lugar. Mas, isso não significava o uso igual do espaço urbano, nessa época já era possível

vermos a maneira diferente de interagir dentro da Cidade pelos grupos sociais. A segregação

se dava por meio dos diversos tipos de moradia. A elite habitava mansões ou casas próprias,

enquanto mais de 80% da população morava em casas alugadas, geralmente cortiços;

desprovidos de saneamento básico, entre outros problemas.

Devido à expansão da atividade industrial, a Cidade foi alvo de constantes fluxos

imigratórios e migratórios, nesse período. Eram as mãos-de-obra que vinham em busca de

melhores condições de vida naquela que viria a ser uma das maiores cidades do mundo. Com

isso, além do fato de os cortiços não conseguirem absorver toda a massa humana que agora se

instalava na Cidade, estava sendo criado dentro do coração da elite um sentimento de

“limpeza urbana”. Crescia a vontade de eliminar os pobres do centro, com a desculpa de que

os cortiços eram locais onde proliferavam doenças (devido à falta de saneamento básico) e

onde a promiscuidade dominava.

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Começa-se então a marcha para a periferia. A ampliação do sistema de transporte

(com a construção de rodovias e inserção dos ônibus) foi um dos grandes favorecedores dessa

nova organização da cidade. Aliado a isso se encontrava o desejo da massa de trabalhadores

de possuir, enfim, a tão sonhada casa própria, pois, a distante periferia estava destituída de

uma regulamentação legal, fazendo com que os valores dos terrenos fossem os menores

possíveis. As indústrias também acompanharam a massa de trabalhadores que se acomodaram

na periferia, fazendo com que surgissem complexos industriais rodeados de moradias

operárias. Algumas vezes, os industriais vislumbravam a alternativa da construção de

moradias para seus operários, como uma forma de controlá-los; mascarados, é evidente, por

uma imagem de benfeitores comprometidos com as melhorias da qualidade de vida dos

trabalhadores.

Enquanto o centro estava passando por uma reestruturação (começavam a aparecer os

prédios de apartamentos, com boa infra-estrutura urbana e acesso facilitado aos equipamentos

coletivos), a periferia se encontrava envolta no predomínio de casas autoconstruidas, cortiços

periféricos, favelas e conjuntos habitacionais (que começaram a ser construídos no final da

década de 70 e início dos anos 80) com pouca ou nenhuma infra-estrutura, além de contarem

com um sistema de transporte deficiente.

Para Kowarick (2000, p. 43) as periferias são:

Zonas que abrigam população pobre, onde se gastam várias horas por dia no percurso entre a casa e o trabalho. Lá impera a violência. Dos bandidos, da polícia, quando não dos “justiceiros”. Lá é por excelência o mundo da subcidadania.

No entanto, os moradores da periferia começaram a tomar atitudes reivindicatórias na

Cidade. Os movimentos populares (muitas vezes acompanhados e auxiliados por movimentos

sindicais) começaram a cobrar dos poderes públicos a legalização dos lotes da periferia, assim

como instalações de serviços e equipamentos públicos, infra-estrutura básica, entre outros.

Com isso, inicia-se uma nova organização da Cidade. O Estado, atendendo as reivindicações

dos movimentos populares, inicia o processo de melhoraria de algumas regiões periféricas.

Contudo, essa melhoria da periferia faz cair o ônus social a ela agregado, aumentando

assim o custo de vida na mesma. Os lotes ficam cada vez mais caros, com a legalização dos

terrenos, impostos sofrem aumentos, enfim esses locais transformam-se em regiões para

camadas melhor remuneradas fazendo com que aconteça uma nova expulsão daqueles que

não podem pagar pelo aumento.

Esses por sua vez saem em busca de outros locais, geralmente as extremidades da

Cidade (que ainda não contam com uma infra-estrutura adequada, nem com equipamentos

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públicos); apesar de toda precariedade ali existente, são locais que permitem que os menos

favorecidos se tornem proprietários ou posseiros e resolvam seus problemas de moradia. Uma

prova disso são os conjuntos habitacionais, construídos para oferecer uma alternativa de casa

própria à populações de baixa renda e transformam-se em verdadeiras cidades dormitórios;

onde a população encontra-se excluída de toda e qualquer forma de lazer, cultura etc; outros

ainda que não querem ou não pretendem sair do seu espaço, encontram uma alternativa de

moradia nas várias favelas da Cidade. O local da moradia torna-se, como se pode perceber,

um local de identidade de uma família.

A localização da família no espaço urbano determina sua inserção ou exclusão social, pois é a partir daí que é possível ou não ter acesso a uma serie de benefícios urbanos, tais como água, luz, esgoto, serviços de saúde, educação, cultura, recreação etc. Daí a habitação não poder ser concebida como mero abrigo, pois ela representa a porta de entrada dos serviços urbanos. (SILVA E SILVA apud NAKANO, 2002, p. 45)

Aliada ao encarecimento da periferia, na transformação da organização do espaço

urbano, está a reversão do crescimento demográfico, a partir da década de oitenta, assim como

a desindustrialização (muitas indústrias da Cidade migram para outras cidades do país que

lhes proporcionem maiores benefícios) e expansão das atividades do setor terciário.

Outro dado importante a ser levado em consideração é a desconcentração da classe

média e alta do centro de São Paulo. Grande parte dessa população passa a habitar

condomínios fechados que são “verdadeiras cidades” dentro de São Paulo, e também em

cidades adjacentes.5 Um dos fatores influenciadores desse fato é à difusão do medo do crime:

São Paulo hoje é uma região metropolitana mais complexa, que não pode ser mapeada pela simples oposição centro rico versus periferia pobre. Ela não oferece mais a possibilidade de ignorar as diferenças de classes, antes de mais nada, é uma cidade de muros com uma população obcecada por segurança e discriminação social. (CALDEIRA, 2000 , p. 231)

Essa é, pois, a nova segregação urbana que somada as outras formas de segregação

sócio-espacial (por tipo de moradia e centro-periferia), faz com que às relações sociais dentro

da Cidade se tornem cada vez mais homogêneas, preconceituosas, discriminatórias, ou seja,

excludentes, contrariando toda idéia de modernidade que prevê a igualdade de todos os

cidadãos.

5 Para Caldeira (2000, p. 211) os enclaves fortificados são: [...] os espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo. Lazer e trabalho. A sua principal justificação é o medo do crime violento. Esses novos espaços atraem aqueles que estão abandonando a esfera pública tradicional das ruas para os pobres, os ‘marginalizados’ e os sem-teto.

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1.2 Exclusão Social

Durante toda a história do homem, sempre existiram pessoas à margem de algum lugar

(família, comunidade, mercado etc.). Essas pessoas sempre foram designadas (ou rotuladas)

por um determinado nome que conceituasse toda condição social, política, econômica e

religiosa em que estavam inseridas.

Ao longo do século XX, cientistas sociais se preocuparam em desenvolver conceitos

que refletissem a complexa realidade de grupos desfavorecidos da sociedade. No Brasil, o

debate em torno desses conceitos, iniciou-se com o termo pobreza, passando para o de

marginalidade, eclodindo, na década de noventa, o conceito de exclusão social. Ao

visualizarmos esse quadro de transição, vêm-nos a mente alguns questionamentos: porque

houve a necessidade de se criarem novos conceitos? O que o conceito de exclusão social traz

de novo a esse debate tão antigo?

Segundo Kowarick (1999, p.139) “[...] exclusão, marginalidade, ou o nome que se

queira dar, é o inverso da cidadania, entendida como extensão e consolidação de direitos”.

Se fossemos seguir a lógica de Kowarick, nosso debate terminaria aqui, tendo como

conclusão final os conceitos de marginalidade, pobreza e exclusão como sinônimos mútuos e

indicadores de tudo o que é inverso à cidadania. Apesar desse caminho nos parecer atraente,

pelo fato de não demandar maiores explicações, seguiremos por outra linha.

Cada conceito vem impregnado de significados, pois ele surge tentando explicar um

fato, em um determinado contexto sócio-histórico. Não é uma tarefa fácil representar através

de uma palavra a complexa realidade dos que estão às margens da sociedade; porém, a

princípio, verificaremos o significado de pobreza e marginalidade.

Para Paugam (1999, p. 53)

Quando se fala em pobreza, sempre se procura dimensionar esse fenômeno, a partir da renda. Parte-se do princípio de que há uma população que tem dificuldades de sobreviver porque tem uma baixa e insuficiente renda.

Veras (1999, p. 30-31) nos diz que a marginalidade é fruto de um modelo de

desenvolvimento (e subdesenvolvimento), que resulta na expulsão de pessoas de seu aparato

produtivo principal.

Podemos perceber que esses conceitos, pobreza e marginalidade, tornaram-se

limitados, no momento em que eles não conseguiam mais refletir a realidade. Portanto, via-se

a necessidade de que um novo conceito aparecesse e que este deveria ser amplo para que

englobasse o intrincado mundo dos desfavorecidos.

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O desenvolvimento da ciência nessa área foi a razão da ampliação dos conceitos. À

medida em que se realizavam estudos, iam-se criticando as utilizações deste ou daquele

termo, até chegarmos ao conceito de exclusão. Wanderley (1999, p.17) afirma isso quando diz

que o conceito de exclusão tornou-se tão vasto que é quase impossível delimitá-lo.

A noção de exclusão foi criada por René Lenoir, em 1974, (apud WANDERLEY,

1999, p. 16). Para ele, as causas da exclusão social eram o rápido e desordenado processo de

urbanização, a inadaptação e uniformização do sistema escolar, o desenvolvimento causado

pela mobilidade profissional, as desigualdades de renda e de acesso a serviços.

Para exemplificarmos toda a mudança ocorrida no mundo científico, a partir das

utilizações desse conceito e na tentativa de caracterizá-los, transcrevemos alguns termos que

foram a ele relacionados: novo paradigma social, problema de privação múltipla, processo

dinâmico, multidimensional, conceito denúncia, revelador, entre outros.

Apesar de toda essa amplitude, a definição utilizada por Atkinson é a mais aceita,

inclusive pela União Européia. Ou seja, é a

[...] concepção de exclusão que enfatiza o fato de este ser um processo dinâmico e multidimensional que não se restringe somente à pobreza e ao desemprego, mas engloba também o acesso a recursos e serviços necessários para reprodução social na sociedade contemporânea. (ATKINSON, 1997, p. 108)

Entretanto, Paugam (1999, p.66) nos aconselha a ir além dessa definição. Martins

(1997, p. 25-27) faz exatamente isso ao afirmar que esse conceito é “inconceitual”, impróprio,

e distorce o próprio problema que tenta explicar. Para esse autor não existe exclusão; para ele

só os mortos são excluídos. O que na verdade existe é uma inclusão precária, instável e

marginal.

De um lado estamos em face do aparecimento de uma nova consciência do que está acontecendo na sociedade moderna. E, por outro lado, a palavra nos revela coisas que já estavam lá e não éramos capazes de perceber, coisas que agora somos capazes de perceber. (MARTINS, 1997, p.28)

Martins (1997) faz essa abordagem porque alguns autores começaram a associar o

processo de exclusão às mudanças ocorridas a partir do modelo político-econômico

neoliberal. Principalmente, aquelas referentes ao mundo do trabalho e ao Estado-de–Bem–

Estar-Social.

[A noção de exclusão social] sinaliza o destino excludente de parcelas majoritárias da população mundial, seja pelas restrições impostas pelas transformações no mundo do trabalho seja por situações decorrentes de modelos e estruturas econômicas que geram desigualdades absurdas de qualidade de vida. (WANDERLEY, 1999, p.116, colchetes nosso)

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“Se a questão da exclusão cresce tanto, é porque guarda uma relação com a

instabilidade no trabalho profissional”. (PAUGAM, 1999, p.116)

Realmente o mundo capitalista passou por mudanças; agora vivemos em um outro

modelo político-econômico, que é o Neoliberal. Contudo, Martins (1997) nos fala que não

podemos acusar o modelo neoliberal de ser causador desse problema social, porque, de

qualquer maneira,

[...] o problema da exclusão nasce com a sociedade capitalista [...] que tem como lógica própria tudo desenraizar e a todos excluir porque tudo deve ser lançado no mercado; para que tudo e todos sejam submetidos às leis do mercado. (MARTINS, 1997, p.30)

Todavia, se não foi o modelo político-econômico neoliberal o causador do processo de

exclusão, as medidas neoliberais contribuíram para o desenrolar desse tema. Um bom

exemplo é a questão do desemprego, que antes era tido como temporário, agora passa a

demandar um período relativamente longo para a recolocação do indivíduo no mercado.

Diante disso, a exclusão passa a ser visível, pois à medida que as pessoas vão sendo incluídas

no mercado de trabalho elas precisam se sujeitar a uma certa degradação (diminuição do

salário, perda de benefícios, são os exemplos mais comuns). (MARTINS, 1997)

Como se pode notar, o fenômeno de exclusão reflete a degradação do indivíduo em

todas as áreas da vida social: na habitação, na saúde, na educação, entre outros. Atkinson nos

faz um alerta a esse respeito:

A precariedade em uma área (por exemplo, na vida social) por si mesma não leva necessariamente à exclusão social. No entanto, se ela for reforçada pela precariedade em outras áreas (por exemplo, desemprego) uma espiral viciosa de produção da exclusão pode iniciar-se. (ATKINSON, 1998, p.110)

Os estudos de Paugam (1999) começam a enfocar esse outro lado da exclusão, que

aborda não apenas a vida em sociedade do indivíduo e suas relações com o sistema capitalista,

mas os efeitos da exclusão sobre o indivíduo e os agentes externos que colaboraram com esse

processo. Nesse sentido, o autor utiliza-se de três dimensões para tornar o conceito de

exclusão mais preciso; são eles: trajetória, identidade e território.

A questão da trajetória busca traçar todo o processo de exclusão através da história de

vida do indivíduo, resgatando os momentos determinantes para tal processo como: separação

dos pais, perda do emprego e assim por diante.

Já a identidade se preocupa em analisar a questão do negativismo, da culpabilização,

discriminação e estigmatização na dinâmica da exclusão; para isso, o autor busca respaldo na

psicologia social.

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Outro assunto importante é o do território, pois muitas vezes os processos de exclusão

se configuram em locais específicos. São regiões das cidades que estão segregadas, ou seja,

que concentram grande número de pessoas em regiões problemáticas, aumentando ainda mais

as distâncias sociais.

Diante do exposto, podemos perceber que os estudos realizados apresentaram

dificuldade em definir o conceito de exclusão. Isso se deve ao fato de que a definição desse

conceito deve estar contextualizada no espaço e no tempo ao qual o fenômeno se refere.

(WANDERLEY, 1999, p.18)

Portanto, neste trabalho (considerando essa dificuldade de definição do termo

exclusão), as regiões de exclusão social na cidade de São Paulo foram determinadas a partir

dos estudos de Sposati (2000), que utiliza “[...] uma metodologia de análise geo-espacial de

dados e produção de índices intra-urbanos sobre a exclusão/inclusão social e a discrepância

territorial de qualidade de vida”.(SPOSATI, 2000, p.7)

Com os estudos dos mapas elaborados por Sposati (2000) serão localizadas as regiões

que, além de indicarem um índice péssimo de inclusão, ainda não dispõem de acesso à

unidade de informação que, caso contrário, poderiam significar mudanças na sua situação

social e melhoria da qualidade de vida, já que acreditamos que a utilização adequada da

informação favorece o desenvolvimento social, intelectual, econômico etc.

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1.2.1 Exclusão Social e a Participação Comunitária

Durante as três ultimas décadas, vem sendo desenvolvida uma nova consciência entre

os excluídos; está se tornando cada vez mais comum a politização dos moradores da periferia,

“[...] levando-os a reivindicar seus direitos à cidade.” (CALDEIRA, 2000, p.230)

Os moradores pobres de São Paulo, que haviam sido esquecidos no silêncio das margens da cidade, aprenderam rapidamente que, se pudessem se organizar, provavelmente poderiam melhorar a qualidade de vida nos seus bairros. (CALDEIRA, 2000, p.230)

Mobilização e reivindicação são as palavras-chave que mudam o destino dos

excluídos. Se a luta for individual a força é quase nula; mas, juntos conseguem transformar a

cara da periferia. Abaixo-assinados, passeatas, greves, contatos estratégicos fazem “aparecer”

hospitais, asfaltos, escolas, bibliotecas, delegacias, entre outros. Kowarick (2000, p.63)

confirma isso quando diz:

É óbvio que o despertar da questão urbana como problema político decorre de ações reivindicativas de várias ordens e matizes que numerosos grupos desenvolvem no cenário de nossas cidades: associações de bairro, juntas de vizinhos, clube das mães, grupos de base os mais díspares, que lutam por água, iluminação, pavimentação, saneamento, creches, postos de saúde ou policiamento, contra a alta de aluguéis, pela legalização ou ocupação da terra, despontam em todos os cantos.

Para obter uma efetiva ação do Estado, na solução de seus problemas convêm,

muitas vezes, em realizar uma parceria entre a parte reclamante dos direitos e o Estado. As

formas de parceria são as mais diversas, indo desde propostas administrativas para melhoria

do meio ambiente até a gestão de usos e fundos públicos para o desenvolvimento urbano e

programas sociais.

Mas, e quando o Estado falha? E, quando apesar das lutas, dos abaixo-assinados etc.

não se verifica a ação do Estado com a finalidade de solução do problema?

Então entra em cena algo que Martins (1997, p.36-37) chama de solução neoliberal:

No chamado neoliberalismo, o Estado se torna o estado mínimo, que abre mão de suas responsabilidades sociais; a sociedade civil é que tem de resolver os problemas. [...] Quando pensamos no alternativo, podemos ver que a população mesma está construindo uma alternativa com o includente, não uma alternativa que aprofunde o abismo com o existente, a recusa das contradições da sociedade atual. Uma alternativa includente provoca a necessidade de resolver, de criticar, e recusar a excludência desta nossa sociedade; a recusa sobretudo da dupla sociedade, uma sociedade daqueles que só tem obrigações de trabalho e não tem nenhuma responsabilidade pelo destino dos demais.

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Amostras de soluções neoliberais estão espalhadas por todo o país. Em várias áreas,

a sociedade civil está se organizando para transformar a realidade da comunidade na qual

vivem: para inserção no mercado de trabalho observa-se o crescimento de cooperativas; na

área de serviços, percebe-se o crescimento de escolas comunitárias, BCs, núcleos de saúde

popular, ONGs especializadas em educação e cultura etc.

Com o fortalecimento, estruturação e legalização dessas originou-se o terceiro setor.

Para entendermos o que é esse terceiro setor, também conhecido como setor social, e como

ele vem atuando na sociedade contra a exclusão social, realizamos uma revisão bibliográfica

que poderá ser conferida no próximo capítulo.

No entanto, Boito Junior (1999, p.79) critica as atitudes da sociedade civil para a

solução de seus problemas, alegando que elas contribuem para desburocratização das políticas

públicas, ou seja, para a consolidação do Estado Mínimo.

Nesse caso, qual deve ser o posicionamento da comunidade?

Caso ela comece a resolver seus próprios problemas, estará negando seus direitos

que inclusive são garantidos pela Constituição. Ao receber ajuda da iniciativa privada, a

comunidade estará correndo o risco do que Atkinson (1998) chama exarcebação do

sentimento de marginalização e impotência, aumentando, portanto o conflito.

Muitas comunidades têm resolvido esse impasse com a seguinte fórmula: continuam

insistindo nas suas reivindicações a fim de consolidarem seus direitos. Contudo, se elas não

puderem esperar muito tempo para a solução - ainda que parcial - do problema, criam uma

alternativa efêmera e persistem nos protestos para que o Estado tome a frente.

Desta forma, verificamos que o mais importante é a comunidade enxergar a

alternativa como a solução provisória do problema, pois agindo assim ela não estará

favorecendo o Estado a desburocratizar as políticas públicas; ao contrário, estará se

fortalecendo, portanto terá mais forças para reivindicar atitudes do Estado.

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Capítulo 2 Terceiro Setor

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2.1 Terceiro Setor

O terceiro setor vem crescendo exponencialmente nos últimos anos. Suas temáticas e

áreas de atuação são muitas vezes diversificadas indo desde saúde de crianças no sertão

nordestino até educação de jovens e adultos nas periferias das grandes capitais. Este trabalho

está buscando conhecer como é a atuação das ONGs, como representantes do terceiro setor,

junto às BCs localizadas em regiões de exclusão social na cidade de São Paulo.

Todavia, para fazermos a análise e interpretação dos dados coletados de forma crítica e

consistente é preciso, antes de qualquer coisa, que conheçamos o debate em torno dos

conceitos de terceiro setor e do segmento que é o foco de nossa pesquisa, as ONGs.

O caminho por nós escolhido para esse estudo, o que poderá ser conferido nas seções

seguintes, será o da abordagem do todo (terceiro setor) para as partes (ONGs). Dessa maneira,

veremos:

• Como surgiu o terceiro setor;

• Como está a discussão bibliográfica em torno do conceito de terceiro setor;

• Como é definida a função, os objetivos e o campo de atuação do terceiro setor;

• Como são realizadas parcerias entre as instituições do terceiro setor e demais

setores da sociedade;

• Como acontece a captação de recursos materiais, financeiros e humanos;

• Qual é o respaldo legal disponível para as organizações do terceiro setor;

• Conheceremos no plano teórico as ONGs (um dos mais importantes segmentos

do terceiro setor), traçando suas características e levantando questões sobre

onde, quando e por quem trabalham.

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2.2 Como Surgiu e o que é o Terceiro Setor

A partir da constatação da “falência” do Estado de Bem-Estar, no final dos anos de

1970, entra em cena um velho ator, incumbido de salvar o capitalismo, agora intitulado de

neoliberalismo, que não apenas pregava a não intervenção do Estado na economia bem como,

paralelamente, defendia sua atuação enxuta na área social, tornando-se, dessa forma, o

Estado-Mínimo.

Os neoliberais argumentam que a massiva intervenção do Estado na economia e seu

sistema de proteção e provisão social foram os grandes detonadores da crise econômica

ocorrida a partir do fim dos anos 70. Durante alguns anos, afirma Demo (1998, p.77),

acreditou-se que o Estado teria alguma vocação social. Confiança inocente acrescenta o autor,

que acusa a sociedade de ter depositado nas mãos do Estado a cidadania, em vez de ver na

cidadania o caminho histórico mais concreto de qualificação do Estado.

No Brasil, o Estado de Bem-Estar não chegou a se desenvolver; alguns autores falam

que, na verdade, tivemos um Estado de Mal-Estar Social (COELHO, 2000, p. 37). Passamos

de um país em regime militar intervencionista, com pouca atenção social, para democrático

neoliberal muito “depressa”, o que só produziu um agravamento dos problemas sociais.

Com o Estado coagido a diminuir sua ação na área social, eis que surge um novo

“herói” em 1978, nos Estados Unidos, ao qual Rockefeller (apud COELHO, 2000) nomeou de

terceiro setor (three sector system) que se responsabilizaria pelo desenvolvimento social dos

países. Esse autor chegou a chamá-lo de setor invisível, visto que o Estado (primeiro setor) e

o Mercado (segundo setor) eram facilmente reconhecidos pela sociedade; já o terceiro, apesar

de agrupar grande número de instituições, era, por sua concepção, negligenciado pela

sociedade.

Para Coelho (2000, p.31), as entidades que comporiam, então, o terceiro setor;

antecedem até mesmo ao Estado de Bem-Estar. Sob o prisma da caridade, eram facilmente

associadas às organizações religiosas e étnicas.

Contudo, nas décadas posteriores a 1970, houve um “boom” de instituições

“rotuladas” de terceiro setor. Muitas delas, desvinculadas das instituições religiosas e étnicas,

divulgando como seu carro-chefe a cidadania, o desenvolvimento, a educação e os direitos

humanos, entre outros. Alguns deles surgiram (principalmente na América Latina) dos

movimentos sociais.

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Essa mistura de financiamento privado com finalidade pública ou coletiva, nos leva a

ilustrá-lo da seguinte maneira:

Figura 1: Ilustrando o Terceiro Setor

Já Fernandes (1994) prefere a representação por meio do quadro abaixo:

AGENTES FINS SETOR

Privados Para Privados = Mercado

Públicos Para Públicos = Estado

Privados Para Públicos = Terceiro Setor

Públicos Para Privados = (corrupção)

Quadro 1: Terceiro Setor

Fonte: Fernandes, 1994, p.21

Montaño (2002) crítica tal esquematização afirmando que é radical a separação que se

faz entre o público e o privado, expressa por Fernandes. “O absurdo é tal que além de

‘setorializar’ o Estado, o mercado e a ‘sociedade civil’, a corrupção também vira mais um

‘setor’.” (MONTAÑO, 2002, p. 136)

Para Coelho (2000), o que Fernandes denominou de “setor da corrupção”, é encarado

atualmente como uma forma de parceria entre o Estado e a sociedade civil. Pois, quando o

público (Estado) investe no privado (terceiro setor), ele está criando meios para o

desenvolvimento da área social, como veremos mais adiante na seção “Parcerias e captação

de recursos”.

Mas afinal, o que é o terceiro setor? Como é seu relacionamento com o restante da

sociedade?

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Assim, é de vital importância que analisemos o que a literatura chama de terceiro

setor, cujas definições e problemáticas serão abordados na próxima seção.

Sociedade civil, ONG, filantropia, caridade, associações, voluntariado etc. Esses

termos e muitos outros formam a verdadeira “sopa de letrinhas” que compõe o terceiro setor.

Para os menos familiarizados com esses termos, eles se misturam, tornando-se sinônimos

entre si.

Contudo, um aprofundamento no tema revela que esses termos são apenas fragmentos

de um todo, chamado de terceiro setor. Optamos por organizar algumas conceituações

encontradas na literatura predominante do terceiro setor e depois comentá-las. Vejamos,

então:

Autor Conceituação Visão

Thompson (1997, p.41)

“[...] se trata de todas aquelas instituições sem fins lucrativos que, a partir do âmbito privado, perseguem propósitos de interesse público.”

Visão simplista

Salamon (1997, p. 92)

“Pode-se dizer que o Terceiro Setor é, em primeiro lugar, um conjunto de instituições que encaram os valores da solidariedade e os valores da iniciativa individual em prol do bem comum.”

Conceito ideal

Camargo (2001, p.16)

“Ser Terceiro Setor é atuar como agente transformador social, que, com sua missão ímpar de prestar um serviço coletivo, constrói uma nova consciência caracterizada por reverter indicadores sociais paradoxais à grandeza econômica e à diversidade imensa de recursos naturais que detém o Brasil. Ser Terceiro Setor é combater o paternalismo do Estado e o individualismo social, integrando a sociedade civil com suas próprias problemáticas e soluções. É capacitar o indivíduo, o cidadão. De recursos que o tornem ativos perante as desigualdades.”

Agente de transformação

social

(continua...)

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(continuação)

Fernandes (1994, p. 21)

“[...] o conceito denota um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visem à produção de bens e serviços”.

Generalista

Coelho (2000, p.40)

“O terceiro setor pode ser definido como aquele que atividades não seriam nem coercitivas nem voltadas para o lucro. [...] suas atividades visam ao atendimento de necessidades coletivas e, muitas vezes pública”.

Para além da lógica do Estado

e do Mercado

Quadro 2: Conceituando o Terceiro Setor

Analisando essas definições, percebemos que a maioria desses autores vê o terceiro

setor como um conjunto de organizações e instituições que não pertencem - e negam

categoricamente seu pertencimento - às esferas estatais e ao Mercado, utilizando-se para isso

de expressões como “não-governamental” e “não lucrativo”. Prestar serviço público e/ou

coletivo é o objetivo dessas instituições .6

Como é facilmente perceptível, as tentativas de conceituação de terceiro setor são, até

certo ponto, vagas e imprecisas, refletindo a real problemática em torno da questão. Como

afirma Cardoso (1997, p.7), “O próprio conceito de Terceiro Setor, seu perfil e seus

contornos ainda não estão claros nem sequer para muitos dos atores que o estão compondo.”

Montaño (2002) declara que o conceito de terceiro setor tem clara perspectiva

neopositivista, estruturalista, funcionalista ou liberal, construído a partir de um recorte social

em esferas: Estado (“primeiro setor”), mercado (“segundo setor”) e a sociedade civil

(“terceiro setor”). Para o autor, encarar a sociedade como dividida em partes é “desistoricizar”

a realidade social porque, ao se analisar uma das partes, seria necessário deixar de lado a

visualização do todo, o que certamente prejudicaria a sua compreensão. Desta maneira, a

literatura predominante do terceiro setor, apresenta nítida falta de rigor teórico e distância da

realidade social: identificadas por aquilo que o autor chama de debilidades, veremos quais são

elas, partindo de uma análise da literatura da área.

6 Público, nesse contexto se definiria como o que é de uso de todos na sociedade. E coletivo de uso por um grupo seleto, reduzido, se comparado ao todo que é a sociedade.

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1ª Debilidade- Quem seria o primeiro, o segundo e o terceiro setor?

Para Fernandes (1994), esta questão é “obviamente” respondida, através da afirmação:

Estado como primeiro setor, mercado como segundo e sociedade civil como o terceiro setor.

Autores estudados por Coelho (2000, p. 39) consideram o mercado como primeiro

setor e o governo como segundo; isso por que eles entendem que o mercado foi o primeiro a

constituir-se historicamente.

Contudo, justamente por levar em conta a questão histórica, é que Rifkin (1997, p. 21)

afirma ser o terceiro setor; na verdade, o primeiro, uma vez que é a sociedade que produz as

instituições e não o contrário.

Eis então, o que Montaño caracterizou como a primeira grande debilidade conceitual,

alegando que “Esta falta de rigor só é desimportante para quem não tiver a história como

parâmetro da teoria”. (MONTAÑO, 2002, p.55)

2ª Debilidade - Quais são as entidades que compõem o terceiro setor?

De autor para autor, são excluídas e incluídas instituições. Os parâmetros: a) ser não-

governamental, b) sem fins lucrativos, c) autogovernadas, d) membros diretores voluntários;

não são suficientes para determinar se uma instituição é pertencente ou não ao terceiro setor.

Um bom exemplo são os movimentos sociais que, apesar de terem todas as características

citadas acima, não são considerados, por certos autores, parte do terceiro setor. Isso é

justificado pelo fato de que esses movimentos são considerados efêmeros e contextuais e as

“[...] organizações do terceiro setor, ao contrário, vieram para ficar”. (COELHO, 2000, p.77)

Outros autores, contudo, incluem os movimentos sociais, os sindicatos, os partidos

políticos no terceiro setor. Ao que parece, cada autor segue sua própria lógica ao incluir e

retirar uma instituição do terceiro setor.

3ª Debilidade – Terceiro setor, conceito que antes confunde do que esclarece

Utilizaremos aqui as próprias palavras de Montaño (2002, p. 59)

Este conceito, mais do que uma “categoria” ontologicamente contestável na realidade, representa um constructo ideal que, antes de esclarecer sobre um setor da sociedade, mescla diversos sujeitos com aparentes igualdades nas atividades, porém com interesses, espaços e significados sociais diversos, contrários e até contraditórios.

4ª Debilidade- Não-governamental? Autogovernado? Não lucrativo?

Na área financeira é onde reside o verdadeiro ponto-fraco das organizações do terceiro

setor. Para captar recursos e manter vivas suas atividades, em grande parte das vezes, elas

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precisam assumir parcerias com o Governo e empresas privadas. Seria ingenuidade

pensarmos que esses dois importantes colaboradores do terceiro setor “investem”

financeiramente nele por que acreditam que esse exerce atividades “altruístas”. Sabemos,

todavia, que onde existe dinheiro existem interesses desses dois segmentos da sociedade,

muitas vezes ocultos e/ou mascarados.7

Montaño (2002, p.57) nos diz que, pelo simples fato de o Estado manter parcerias com

uma instituição e não com outra, deixa explícita a forma seletiva, dentro e a partir da política

governamental, o que leva tendenciosamente à presença e à permanência de certas ONGs e

não outras, e determinados projetos e não outros. O que leva a concluir que não é surpresa

nenhuma a perda de autonomia por parte de algumas ONGs que, muitas vezes, com o intuito

ter seus projetos financiados por agências de fomento privadas e estatais, abrem mão de

alguns de seus princípios básicos.

Quanto à lucratividade, não podemos afirmar que as instituições do terceiro setor não

são lucrativas. De certa maneira, elas lucram com os serviços e produtos oferecidos e também

com os financiamentos, mas esses lucros não são divididos entre seus membros diretores,

como fazem as organizações privadas; esse dinheiro retorna para a atividade inicial, ou seja,

como financiamento das atividades da entidade.

5ª Debilidade - Sociedade civil ou terceiro setor?

A primeira vista, pode parecer que o termo sociedade civil seja equivalente a terceiro

setor. Muitos autores, inspirados pelo conceito de sociedade civil de Gramsci e por fatos

sócio-históricos, ocorridos especialmente na América Latina ditatorial, definem sociedade

civil como sendo o terceiro setor.

No período da ditadura militar, o conceito de sociedade civil foi recuperado mediante

as lutas contra o autoritarismo. Sociedade civil era, portanto, tudo aquilo que não era o

governo e que lutava, principalmente, em favor da cidadania e dos direitos humanos.

Recuperada no contexto das lutas pela democratização, a idéia de sociedade civil

serviu para destacar um espaço próprio, não-governamental, de participação nas causas

coletivas. Nela e por ela, indivíduos e instituições particulares exerceram sua cidadania, de

forma direta ou autônoma. Estar na sociedade civil implicaria um sentido de pertença cidadã,

com seus direitos e deveres, num plano simbólico que é logicamente anterior ao obtido pelo

pertencimento político, dado pela mediação dos órgãos do governo. Marcando um espaço de

7 Apenas no ano de 1995, foram gastos no Brasil com o terceiro setor cerca de 10,9 bilhões de reais o que correspondia a 1.4% do Produto Interno Bruto-PIB daquele ano. (ARGUS, 2001)

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integração cidadã, sociedade civil distingui-se, pois, do Estado; mas, caracterizando-se pela

promoção de interesses coletivos, diferencia-se também da lógica do mercado. Forma-se por

assim dizer um ‘terceiro setor’. (FERNANDES, 1997, p.27)

Posicionamentos como os descritos acima são, comumente, inspirados no modelo do

autor marxista italiano, Gramsci. Entretanto, Montaño (2002, p.125) encara isso como uma

interpretação equivocada de Gramsci, que defendia não um modelo teórico tripartite - Estado,

sociedade civil e estrutura econômica - como enfoca a bibliografia do terceiro setor, mas

bipartite - Estado (lato sensu, que integra a sociedade civil e a sociedade política) e estrutura

econômica - não é, portanto, setorialista, mas uma visão de integralidade.

Sherer-Warren (1994, p.67), por sua vez, analisou duas formas de se interpretar a

sociedade civil: a primeira delas é a de sociedade civil como fragmento do terceiro setor

relacionado às demandas por cidadania, democratização e direitos humanos; essa linha de

pensamento foi inspirada pelos movimentos sociais, associações, organizações populares etc.

Já a segunda linha interpreta a sociedade civil como o próprio terceiro setor, sendo esse o

setor social. 8

Segundo Cardoso (1997, p.8), toda essa tensão em torno da discussão do conceito de

terceiro setor nos leva a fazer uma analogia com relação ao caminho histórico de um outro

conceito - o de Terceiro Mundo - que hoje não é mais conhecido como conceito unificador e

identificador.

Nos anos 50, vivíamos uma situação conceitual semelhante ao que vivemos hoje. Todos sabiam o que era o Primeiro Mundo, o conjunto de países capitalistas avançados; todos sabiam o que era o segundo mundo, a área socialista, e havia algo mais, uma realidade nova em formação que não era nem uma coisa nem outra. A essa realidade emergente chamou-se então Terceiro Mundo. Aos poucos, o processo de diferenciação interna desse conjunto foi tornando cada vez mais difícil empregar a expressão, que terminaria por perder sentido. No momento inicial, no entanto, quando referíamos aos Terceiro Mundo afirmávamos uma idéia de diferença, de autonomia, de independência em relação aos dois mundos já claramente estabelecidos.

Acreditamos, como Cardoso, que o debate em torno da noção de terceiro setor está

ocorrendo, mas que isso produzirá ou o fim ou a afirmação desse conceito. Atualmente, é

preciso simplesmente ressaltar que não há previsões rápidas para o término desse impasse.

8 Neste trabalho quando nos referirmos a sociedade civil estaremos seguindo a primeira linha descrita por Sherer-Warren.

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2.3 Função, Objetivos e Campos de Atuação do Terceiro Setor

Mais simples do que conceituar o terceiro setor é traçar características de sua função,

seus objetivos e campos de atuação, possível devido a um “consenso” na bibliografia da área.

Toro (1997, p. 35-39) em seu artigo “O papel do terceiro setor em sociedades de baixa

participação”, descreve as funções do terceiro setor em países como o Brasil. Sua

argumentação se baseia em quatro teses:

1ª Tese: construção de um projeto de nação

O autor acredita que construir a identidade de uma nação é como trabalhar na

construção da personalidade humana. Na América Latina, isso é levantado através dos

desafios:

• Constituição de uma ordem de convivência democrática;

• Conversão em países altamente produtivos, sem “pobreza” interna.

A participação do terceiro setor, nesse caso, é essencial para orientar o trabalho das

organizações com fins de vencer esses desafios.

2ª Tese: formar e fortalecer o comportamento cidadão e da cultura democrática

Outro papel do terceiro setor é construir e fortalecer o comportamento do cidadão.

Contudo, não de um modo assistencialista, autoritário ou clientelista, pois isso afastaria o

indivíduo cada vez mais da chamada cidadania.

É função do Terceiro Setor, no seu conjunto, construir formas de intervenção social democráticas, que convertam os atores sociais em sujeitos sociais, ou seja, em cidadãos. Aqui entendemos como cidadão a pessoa capaz de construir, em cooperação com as outras, a ordem social em que ela mesma quer viver, cumprir e proteger para dignidade de todos. (TORO, 1997, p.36)

3ª Tese: Reinstitucionalização do âmbito público para aumentar a igualdade e fortalecer a

governabilidade

Os setores populares possuem um distanciamento real das instituições públicas. A

população enxerga o Estado como um organismo burocrático, lento e corrupto, onde a voz do

povo nunca é ouvida. Desta maneira, não participa de uma sociedade democrática por que

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simplesmente a desconhece, tornando o Estado, conseqüentemente, um setor cada vez mais

elitista e corporativista.

Segundo o autor, é função do terceiro setor “Fortalecer todos os processos de

informação pública que permitam à população entender, compreender, controlar e usar os

serviços institucionais do Estado.” (TORO, 1997, p.38) Desta forma, promover o acesso igual

ao setor público e assim reinstitucionalizar o Estado.

4ª Tese: Criar condições para a democracia cultural

Ser excluído culturalmente é estar fora do simbologismo dos meios de comunicação e

cultura. No Brasil, milhões de pessoas nunca foram ao teatro, ao cinema, nunca leram

Shakespeare, nem ouviram as músicas de Chopin. Todavia, possuem uma cultura própria, por

vezes, vista com olhos preconceituosos - um exemplo significativo é a cultura Hip-Hop, para

o qual alguns segmentos da sociedade “torcem o nariz”, inclusive associando-lhe a música, a

dança e o graffiti, a marginalidade, o crime. Assim como o Hip-Hop, outros estilos musicais

como o reggae, o pagode, o forró e muitos outros fazem parte de uma importante função do

terceiro setor, que é:

[...] criar condições para que as diferentes formas de ver, produzir e entender o mundo dos setores populares possam circular e competir, em igualdade de condições, assim como circulam os sentidos e símbolos dos setores dominantes. [Pois,] a diversidade cultural e a interação pública de todas as expressões são fatores para o desenvolvimento de um país. (TORO, 1997, p.39)

Todas essas funções descritas por Toro (1997) foram permeadas por objetivos, dentre

eles, o que Fernandes (1994, p.72) chama de sentido principal das instituições do terceiro

setor, que é a de “[...] educação para o desenvolvimento com ênfase na promoção social.”

Conforme o mesmo estudioso, 40,6% das ONGs concentram suas energias na formação

qualificada/assessoria e educação, cumprindo assim o que Fernandes chama de função

pedagógica.

Quem são os beneficiários do terceiro setor? A resposta refere-se aos mais variados

grupos possíveis: crianças, adolescente, idosos, meio ambiente, movimentos étnicos e

religiosos, doentes, viciados, migrantes, desempregados, estudantes, mulheres etc.; são tantos

os grupos quanto as instituições. As ONGs - e podemos dizer que todos os outros segmentos

do terceiro setor - adotaram o discurso de trabalhar em prol da comunidade onde estão

inseridas.

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É ali, no dia-a-dia da comunidade, que se percebem os problemas, as necessidades. É

ali, longe do local de trabalho, que se percebem as fraquezas, os sofrimentos e, muitas vezes,

as alegrias. Eis um dos grandes trunfos do terceiro setor: estar sempre em sintonia com a

micro sociedade, em seu contexto.

Portanto, as quatros teses de Toro (1997, p. 35-39) vêm criar mecanismos para o

fortalecimento de um Estado democrático e participativo como função do terceiro setor, onde

todos os cidadãos interferem nas políticas públicas de forma a utilizá-las de maneira ótima,

aumentando conseqüentemente a igualdade política, cultural e social entre as pessoas.

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2.4 Parcerias e Captação de Recursos

Para realizar seus projetos sociais, as entidades do terceiro setor precisam, assim como

todos os outros ramos da sociedade, de recursos financeiros. O terceiro setor movimenta

anualmente bilhões de reais na economia brasileira, o que certamente evidencia o relevante

papel econômico que esse conjunto de organizações assume. Coelho (2000, p.58-59) nos

lembra que muitos chegam a confundir a noção de terceiro setor com o termo setor terciário

da economia. 9

Todos os anos, tendo em vista esse filão “econômico”, universidades lançam cursos de

gestão do terceiro setor com o objetivo fim de administrar e traçar estratégias de captação de

recursos para as entidades sem fins-lucrativos. No Brasil, uma instituição pioneira foi a

Fundação Getúlio Vargas (FGV). Essas técnicas de captação de recursos foram criadas por

que se entendeu que não bastava apenas pedir, era necessário acima de tudo saber pedir. A

utilização de técnicas e métodos adaptados da administração e do marketing foram os

principais instrumentos.

Segundo Fernandes (1994, p.24), algumas “moedas correntes” que alimentam o

patrimônio do terceiro setor são palavras como: gratidão, lealdade, caridade, amor,

compaixão, responsabilidade, solidariedade, verdade, beleza etc. Como se pode ver, são

palavras persuasivas que ajudam, mas que por si só não garantem os recursos do terceiro

setor. Elas devem vir permeadas por algo que os administradores chamam de marketing

institucional, que consiste em criar estratégias de “[...] motivação à formação de doações

assegurando às pessoas que existe um retorno equivalente ao valor depositado. Questões

como transparência, idoneidade e designação são fortemente evidenciadas.” (CAMARGO,

2001, p. 61)

Vale fazer aqui um questionamento-chave: de onde vêm os recursos movimentados

pelas instituições do terceiro setor?

Os autores, dedicados à temática, afirmam que seus recursos vêm basicamente de

doações, cobranças de taxas de serviços, força de trabalho voluntário, verbas governamentais,

entre outras. Estudemos, então, cada item desses mencionados.

Uma grande parte dos investimentos do terceiro setor é proveniente de doações, de

pessoas físicas ou jurídicas, além das doações feitas por agências financiadoras internacionais.

9 O setor terciário caracteriza-se também por duas negações: não é agricultura (setor primário), nem indústria (setor secundário); contudo, é setor de serviços, transportes e comunicações.

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Camargo (2001, p.78-92) explora o tema, identificando como são realizadas as

doações. Conforme a autora, o Código Civil Brasileiro define doação como:

[...] contrato segundo o qual uma pessoa física ou jurídica, denominada doadora, por espontaneidade transfere um bem do seu patrimônio para o patrimônio de outra, denominada donatário, que o aceita. (CAMARGO, 2001, p. 78)

O ato de doação não pode estar relacionado, de forma alguma, com publicidade por

parte do doador, pois é exatamente nesse ponto que a doação se diferencia do patrocínio.

Camargo (2001, p.90) nos diz que as empresas brasileiras gastam pouco com

filantropia (em média 5 mil reais por ano). Poderiam ser investidas quantias bem maiores,

pois pessoas jurídicas podem deduzir até 4% do Imposto de Renda devido na Declaração de

Ajuste Anual, relativa ao ano-base em que foi realizado algum ato de doação, a entidades que

cumpram, de certo modo, uma demanda coletiva. Um fato interessante é que várias empresas

que realizam doações dificilmente a fazem em dinheiro, pois temem desvios financeiros,

preferindo doar equipamentos, produtos e serviços, que garantem o uso que a organização fará

da doação.

Já as pessoas físicas, importantes doadoras, são tomadas por um espírito de empatia

com os ideais da instituição favorecida. As grandes somas de dinheiro são, contudo,

levantadas, principalmente, em campanhas feitas pela mídia televisiva. Bons exemplos são o

Teleton e o Criança Esperança: o primeiro arrecadou no ano de 2003 a quantia de R$

15.110.310,00 que foi destinada à construção de mais um centro de reabilitação da AACD

(Associação de Assistência à Criança Deficiente); o segundo recebeu, no mesmo ano,

R$9.260.000,00. A somatória de doações, ao longo dos anos, pelo programa Criança

Esperança, já chegou à quantia de 122 milhões de reais, que são repassados para ONGs e

instituições governamentais que trabalham com crianças e adolescentes. (CRIANÇA, 2004)

Além das pessoas físicas e jurídicas, outro importante doador são as agências

financiadoras internacionais que se caracterizam por apoiar e financiar projetos e não

instituições. A maioria de suas beneficiárias são ONGs que trabalham com educação,

desenvolvimento e cidadania, em comunidades “carentes”. O primeiro passo para se

conseguir um desses financiamentos é enviar-lhes projetos contendo prazos, objetivos,

metodologia e público-alvo pré-estabelecido; a partir do momento da seleção e aprovação do

projeto, a ONG se compromete a enviar relatórios periódicos com prestação de contas

financeiras e uma descrição do desenvolvimento do projeto em relação aos objetivos

previamente estabelecidos. (MONTENEGRO, 1994)

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A renovação do financiamento é um ponto importante, já que, apesar de trabalhar com prazos e expectativas de resultados, a maioria dos projetos exige uma continuidade e não conta com recursos próprios. [...] Sendo assim, as ONGs convivem com a expectativa do eterno renovar. E, apesar de poderem contar com outras agências caso uma não renove o financiamento, as escolhas não são muitas, pois cada financiadora elege áreas e regiões prioritárias, (MONTENEGRO, 1994, p. 24-25)

As agências financiadoras estão localizadas, geralmente, nos países desenvolvidos da

Europa e da América do Norte. Para Fernandes (1994, p. 81), as ONGs latino-americanas

acostumaram-se ao relacionamento com múltiplos parceiros internacionais, tendo que

aprender a distinguir entre eles e a argumentar com cada um, interagindo em meio à velada

competição que existe entre os projetos e parcerias. No Brasil, 83% das ONGs ativas recebem

verbas do exterior. (MONTAÑO, 2002, p.214)

Outra forma que as instituições do terceiro setor utilizam para angariar recursos é a

cobrança de taxas de serviços ou produtos. Quando as doações não conseguem suprir suas

despesas, as entidades vêem nas cobranças de taxas um jeito seguro de se auto-sustentar.

Algumas formas são mensalidades cobradas dos sócios, como faz o Greenpeace; outras, são

as vendas de produtos com preço de custo.

O trabalho voluntário é também um dos motores do terceiro setor. Historicamente, ele

sempre existiu, inclusive em várias culturas; muitas vezes, estimulado pelas religiões, era

mais conhecido como trabalho caridoso.

Atualmente, a noção que temos de trabalho voluntário é a mesma definida pela

UNESCO (apud ARGUS, 2001, p.86): voluntariado é uma ação realizada por pessoas que,

movidas por interesse pessoal e/ou espírito cívico, dediquem parte do seu tempo, sem

remuneração alguma, a atividades de bem-estar social ou outro campos.

Nos Estados Unidos, país que possuí uma cultura voluntária há muito tempo, “[...]

90% dos cidadãos americanos já trabalharam ou ainda trabalham voluntariamente em alguma

organização”. (COELHO, 2000, p. 70) Segunda a mesma pesquisadora, o trabalho voluntário

nesse país é tão organizado que existem instituições preocupadas apenas em agrupar e

organizar o trabalho voluntário, bem como recolher e repassar doações de entidades

diretamente à comunidade, como a American Friends e United Way. 10

10 Na cidade de São Paulo, existe uma instituição que trabalha nesse mesmo modelo e é o Centro de Voluntariado São Paulo.

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A United Way, no final da década de 1990, realizou uma pesquisa, nos EUA, para

captar o perfil de seus voluntários, chegando ao seguinte resultado:

• 68% são homens e apenas 32% são mulheres;

• 61% estão na faixa etária dos 30 aos 50 anos;

• 83% estão fazendo ou já completaram o curso superior;

• 85% trabalham em período integral em empresas privadas ou no serviço público.

• A maioria das pessoas tem quinze anos de experiência no serviço voluntário.

No Brasil, esse quadro muda um pouco: apenas 16% da população, acima de dezoito

anos, realiza ou já realizou alguma atividade voluntária. “Se transformamos o total de horas

trabalhadas no equivalente à jornada de tempo integral, teremos um número representativo de

333 mil pessoas”. (MONTAÑO, 2002, p.206)

De pesquisas semelhantes à realizada pela United Way, ainda não se têm notícias no

Brasil; contudo, uma pesquisa realizada pela Data Folha (2001)11, com o objetivo de avaliar o

interesse dos brasileiros pela atividade voluntária, revela que:

• 83% dos entrevistados declararam ser o trabalho voluntário de muita importância.

12% atribuem pouca importância e somente 2% acham nada importante.

• 41% se dizem muito interessados em realizar algum tipo de trabalho voluntário.

34% poucos dispostos a isso e 21% nada dispostos.

• Quando questionados se já haviam participado de alguma instituição ou campanha

como voluntário, prestando serviços à comunidade: 73% disseram que nunca

participaram, 16% já participaram, mas que não participavam mais e 12%

continuam participando.

• 48% declararam ter vontade exercer atividades voluntárias, 52% não partilham a

mesma idéia.

• 38% dos que são voluntários ganham mais de 20 salários mínimos, 29% possuem

curso superior e 24% fazem parte das classes A e B.

• Solicitados a dizer, espontaneamente, o que entendem por trabalho voluntário,

35% disseram que se trata de ajudar o próximo ou os necessitados. Um terço

11 Foram entrevistadas 2830 pessoas de todo país, e a margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

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(30%) dos entrevistados não soube responder à questão. Para 7% trata-se de

trabalhar sem remuneração, mesma taxa dos que se referem a doações e ajuda

financeira (5% deles citam doação de alimentos); 6% citam serviços para a escola

ou para a educação. Prestar serviços à comunidade, a hospitais e entidades de

saúde, ajudar pessoas com problemas de saúde e disponibilizar tempo para

trabalhar são citados por 3% dos entrevistados, cada.

• Outro dado de extrema relevância é a respeito das doações.

Gráfico 1: Doações

Fonte: Data Folha. Disponível em < http://www1.folha.uol.com.br/folha/datafolha/po/trab_volunt_102001b.shtml> Acesso

em: 09 fev. 2004.

• 26% dizem que se tornaram voluntários para ajudar o próximo. 25% que o fizeram

para ajudar as pessoas necessitadas. 12% se tornaram voluntários por que dispunham

de conhecimento ou meios para ajudar. 12% por influência de outrem, sendo que,

destes, 8% citaram a Igreja ou comunidade religiosa e 3% amigos e familiares. 24%

declararam ter outros motivos para iniciar o voluntariado.

• 58% dos entrevistados acreditam que doar coisas substitui o trabalho voluntário e 33%

acham que não substitui.

• O principal motivo alegado para a não realização do trabalho voluntário é a falta de

tempo e de disponibilidade - 32%.

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Gráfico 2: Grau de Concordância com Algumas Frases, Referentes ao Trabalho Voluntário

Fonte: Data Folha. Disponível em

< http://www1.folha.uol.com.br/folha/datafolha/po/trab_volunt_102001b.shtml> Acesso em: 09 fev. 2004.

A conclusão principal dessa pesquisa foi a de que os brasileiros estão até dispostos a

fazer o trabalho voluntário, no entanto não o realizam.

Existem autores (CAMARGO, 2001, p. 113-119) que consideram que o trabalho

voluntariado mais do que fazer bem ao próximo beneficia o próprio voluntário ao ser levado a

exercer a atividade “filantrópica” por motivações pessoais, que podem ser de caráter religioso,

cultural, filosófico, político ou emocional, geralmente motivados por valores como altruísmo

e solidariedade. A “recompensa” para aqueles que exercem o serviço voluntário é o

sentimento do “prazer de servir ao próximo”, “melhoria da auto-imagem”, “antídoto para o

estresse e a depressão”, “aumento da auto-estima”, “valorização da sociedade”, “confirmação

da identidade individual e/ou coletiva”.

No ano de 2001, considerado o ano do voluntariado, vário meios de comunicação

colocaram em evidência a importância da prática social voluntária e os benefícios que eram

produzidos por ela, tanto para o voluntário quanto para as pessoas atendidas. Então, pessoas,

influenciadas pela mídia e movidas por um desejo de ver a sociedade mudar e aumentar a

qualidade de vida da população, foram a campo; todavia, com a mesma rapidez com que

aderiram ao serviço voluntário, muitas delas desistiram, sendo que a razão era praticamente a

mesma: a instituição que necessitava de um trabalhador voluntário nem sempre tinha estrutura

para receber um. “A maior frustração de um voluntário é a falta de organização da entidade.

[...] Os voluntários afastam-se da instituição quando a prática do grupo não satisfaz suas

necessidades”. (CAMARGO, 2001, p.122-123)

Para Camargo (2001, p. 122), esse problema enfrentado pelas instituições do terceiro

setor poderia ser resolvido se houvesse uma “profissionalização” dos voluntários. Isso

aconteceria através dos seguintes passos:

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• Existência de uma política definida, com um conceito claro de voluntariado e

definição precisa dos objetivos;

• Sistema de captação, aperfeiçoamento, avaliação e motivação constantes;

• Sistema de informação eficaz, visando dar retorno da ação.

Dessa forma, as instituições do terceiro setor conseguiriam atrair e manter sua força de

trabalho para que, ao invés de gastar os recursos captados com pagamentos de funcionários,

só aumentassem suas receitas.

Nos Estados Unidos, as grandes empresas privadas estimulam seus funcionários,

concedendo pontos nos currículos, a participarem de serviços voluntários, isso por que eles

vêem o terceiro setor como um “formador profissional essencial”,

[...] pois, como essas organizações funcionam com pouco dinheiro, o indivíduo é freqüentemente obrigado a desenvolver a criatividade, a aprimorar técnicas de gerenciamento, a cumprir mais de uma função, etc. Portanto, as organizações do terceiro setor são vistas como uma importante escola para o trabalhador, tornando essa transposição de valores culturais uma via de mão dupla. (COELHO, 2000, p. 72)

Entretanto, uma dessas vias a que Coelho se refere é um importante argumento contra

o trabalho voluntário, qual seja: “Substitui-se à atividade profissional/assalariada, garantidora

de qualidade e permanência, pelas tarefas voluntárias, fugazes e de qualidade duvidosa que,

por sua vez, são geradoras de ainda mais desemprego”. (MONTAÑO, 2002, p.212)

Outro problema que pode frear a adesão para exercer atividades voluntárias é o

crescente número de causas trabalhistas enfrentados por algumas entidades, já que

Existem inúmeros casos de indivíduos que, depois de trabalharem um certo período de tempo como voluntários, entram na justiça trabalhista contra a entidade, alegando que não receberam os salários devidos. A lei nesses casos favorece os trabalhadores, e mesmo que se faça um contrato afirmando que o indivíduo está oferecendo seus serviços voluntariamente, ele não tem valor legal. (COELHO, 2000, p.75)

Assim, para evitar transtornos, algumas instituições se negam a contratar voluntários,

preferindo remunerar seus trabalhadores. Um dado importante é que, no de 1998, o emprego

remunerado no setor aumentou de 775.384 para um milhão pessoas, “[...] quer dizer, um

incremento de 44%, ao passo que a PEA aumentou, no mesmo período, apenas

19,8%”.(SZAZI, 2000, apud MONTAÑO, 2002, p.206)

Captar recursos humanos voluntários para o terceiro setor é um dos seus mais

complexos desafios.

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Uma grande ironia do terceiro setor é ter o Estado, em todas as suas instâncias:

municipal, estadual, federal, como o seu maior parceiro. A ironia se deve ao fato de alguns

segmentos do terceiro setor crerem em que o “paternalismo estatal” causa dependência nos

indivíduos, fazendo-os acreditar ser o Estado o único provedor dos bens e serviços sociais.

(CAMARGO, 2001)

Se o Estado é paternalista quando investe diretamente seus recursos para a geração de

bens e serviços para área social, o que podemos dizer, então, do Estado que repassa sua verba

para um terceiro setor cujos objetivos são de aplicá-los no mesmo setor social? Temos, dessa

maneira, o que os neoliberais chamam de “O Estado Mínimo”, aquele que abre mão de suas

responsabilidades sociais para repassá-las para um setor que se declara não-governamental,

mas que presta serviços públicos.

Durante as décadas de 70 e 80, os principais parceiros do terceiro setor, na América

Latina, eram as agências de financiamento internacional. Todavia, a partir dos anos 90, essas

agências direcionaram seu foco para os países do Leste Europeu e Asiático (pós-socialistas),

obrigando os países da América Latina a procurar novas parcerias; foi nesse exato momento

que o Estado tornou-se uma das peças-chave na captação de recursos do terceiro setor, tanto

que alguns autores (ARGUS, 2001, p.57) declaram que “sem Estado, o terceiro setor não

existe”, como confirma a citação seguinte:

No todo as doações caritivas estão longe de representar a fonte principal de apoio ao Terceiro Setor nos sete países examinados [Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Hungria e Japão] não é sequer a segunda. A fonte principal de apoio são as taxas e os encargos sobre os serviços, que representam 47% da renda nesses sete países. A segunda mais importante fonte de apoio é o governo, que entra com 43%. As doações de particulares, ao contrário, não passam de 10%. (SALAMON, 1997, p.95)

Como já foi discutido, o Estado representa pouco menos da metade do “combustível”

que faz a máquina do terceiro setor funcionar. Mas, esse relacionamento nem sempre acontece

de forma harmoniosa; segundo Dulany (1997, p. 63), “[...] a parceria funciona melhor quando

os grupos envolvidos possuem mais ou menos o mesmo nível de poder de decisão”. Nós

sabemos que é fato o Estado deter muito mais poder que as instituições do terceiro setor, o

que, para a autora, gera conflitos inevitáveis, que podem ser atenuados ou superados no

decurso de um processo de estabelecimento de confiabilidade entre as partes.

Embora as parcerias, muitas vezes, tragam frutos positivos para ambas as partes, brota

também no coração do Estado um sentimento de temor: de que uma sociedade civil

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amadurecida e fortificada ameace a estabilidade governamental, até mesmo com tentativas de

golpes de deposição. Nesse sentido, o Estado esforça-se “[...] para manter débeis e

desorganizadas as instituições representativas da sociedade civil.” (DULANY, 1997, p. 65)

Os países democratas, ocidentais, seguem outra linha: a de favorecer e financiar o

terceiro setor para, deste modo, “desvencilhar-se” das responsabilidades diretas com a questão

social.

Diante disso, o Estado (mínimo ou enxuto) recebe duras críticas fomentadas por

Coelho (2000, p. 162-164):

1ª) Quando o terceiro setor atua como prestador de serviços coletivos e/ou públicos, as

entidades que o compõem perdem seu caráter reivindicatório para tornarem-se instituições de

assistência social. Gonçalves (1996 apud COELHO, 2000, p. 163) confirma isso com as

seguintes palavras:

Não há ação política social, por melhor estruturada e mais meritória que seja, que possa suprir o vazio de uma política pública, referência necessária para os critérios de eleição de programas e projetos, para a determinação de canais de financiamento, para realização da justiça social.

Coelho (2000, p.163) contra-argumenta dizendo que “[...] uma possível parceria não

significa necessariamente a transferência de funções do Estado para a sociedade civil”.

2ª) Quando as instituições do terceiro setor estabelecem parcerias com o Estado, essas

perdem sua autonomia ao tornarem-se financeiramente dependentes do órgão governamental,

tendo seus objetivos, decisões e até definições modificados pelas determinações políticas do

próprio Estado.

A defesa de Coelho (2000, p. 164) é expressa da seguinte forma:

As agências governamentais definem as áreas em que desejam atuar em forma de parceria. As entidades apresentam, então, projetos que contemplam essas áreas. Nesses projetos estarão definidas as metas e principalmente as formas de atuação. Os projetos serão ou não aprovados pelas agências governamentais, que a eles destinarão recursos. Não há, portanto, o processo de perda de autonomia apontado pelos autores, pois as entidades continuam definindo seus objetivos e formas de atuar.

Segundo Montaño essa transferência de responsabilidades sociais ocorridas entre o

Estado e o terceiro setor é mais conhecido como processo de “passagem”, pela qual os

direitos civis conquistados na área social são perdidos. No entanto, esses direitos são

“compensados” pelo aumento da atividade da sociedade civil. Vale aqui verificar as palavras

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do autor:

Trocando em miúdos: o que é parte substantiva da atual estratégia de reestruturação do capital a desresponsabilização do Estado e do capital com as respostas às seqüelas da “questão social” passa a ser mostrado (e interpretado) como modernização, como aggiornamento, como mecanismo de superação da crise fiscal, como necessidade geral, como processo “natural”. O que é um “recorte” de políticas sociais e assistenciais do Estado e uma redução relativa do seu gasto social passa a ser visto como uma “passagem’ de um setor (o estatal, o “primeiro”) para o outro (o “terceiro setor”, a “sociedade civil”). O que é uma perda- de direitos conquistados- passa a ser considerado como aumento- da atividade civil. (MONTAÑO, 2002, p. 222)

A parceria Estado - terceiro setor pode acontecer de vários modos, entre eles: repasse

de verbas, isenção de impostos, doação de recursos materiais e humanos etc.

Como é possível perceber, sem doações, cobranças de taxas de serviços, força de

trabalho voluntário e verbas governamentais, as entidades do terceiro setor não sobreviveriam,

visto que esses são os principais mecanismos financeiros que sustentam essas instituições,

legalmente constituídas. É exatamente o aspecto legal dessas instituições o tema da nossa

próxima seção.

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2.5 O Terceiro Setor e sua Legislação

A primeira lei ordinária brasileira criada em beneficio das organizações do terceiro

setor foi regulamentada em 1916. Atualmente, a que está vigente é a lei nº 9.790, de 23 de

março de 1999 - que qualifica como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público

(OSCIP) as pessoas jurídicas de direito privado e sem fins lucrativos.12

Segundo essa Lei vigente, para receber a qualificação de OSCIP, as entidades deverão

encaminhar ao Ministério da Justiça um requerimento acompanhado de:

• Estatuto registrado em cartório;

• Ata de eleição atual de sua diretoria;

• Balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício;

• Declaração de isenção do imposto de renda; e

• Inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes/Cadastro Nacional de

Pessoa Jurídica (CGC/CNPJ)

No caso de deferimento do pedido de qualificação, a entidade receberá um certificado

de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. Se a documentação, descrita acima,

não estiver completa ou seus objetivos sociais não condisserem com os de uma OSCIP, o

mesmo será indeferido. Por sua vez, as finalidades de uma OSCIP deverão ser:

• Promoção da assistência social;

• Promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e

artístico;

• Promoção gratuita da educação;

• Promoção gratuita da saúde;

• Promoção de segurança alimentar e nutricional;

• Defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do

desenvolvimento sustentável;

• Promoção do voluntariado;

12 Em 2003, entrou em vigor o Novo Código Civil brasileiro e, com ele, uma modificação nessa lei. Para o Novo Código, as OSCIPs não possuem mais característica não-lucrativa e sim não-econômica. Segundo Martins (2003), “[...] por definição conceitual e legal, quem tenha ‘fins não lucrativos’ também deverá ser considerado como de ‘fins não econômicos’.

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• Promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à

pobreza;

• Experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócios produtivos e

de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;

• Promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e

assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar;

• Promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da

democracia e de outros valores universais;

• Promoção e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas,

produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e

científicos.

Camargo (2001, p. 156-157) esclarece que, para se tornar uma OSCIP, “Não é

mais necessário o título de Utilidade Pública Federal, o Registro de Entidade de Assistência

Social ou o Certificado de Fins filantrópicos. [...] a qualificação passa a ser automática.”

Para autores como Coelho (2000, p. 83), as leis que regulamentam as instituições

do terceiro setor, são criadas pelo Estado como forma desse prover as necessidades sociais,

isso porque ele gera subsídios e isenções fiscais para as entidades.

Já Montaño (2002, p. 204) reforça que a legislação vigente é só mais uma forma de

transferir os recursos públicos para o terceiro setor. Críticas à parte, o fato é que, para receber

benefícios fiscais e recursos financeiros, as entidades do terceiro setor precisam estar

estruturadas e organizadas de maneira a não deixar brechas para possíveis desclassificações.

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2.6 Segmentos do Terceiro Setor

O terceiro setor é composto de vários tipos de organizações, sobre os quais a literatura

predominante ainda não entrou num acordo quanto à classificação das entidades que o

comporiam. Alguns, por exemplo, incluem sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais;

já outros condenam a existência desses no setor.

Para conhecermos melhor as partes que formam o terceiro setor, seguiremos a lógica

abordada por Fernandes (1994, p. 128), que designa assim os segmentos:

1. Formas tradicionais de ajuda mútua;

2. Movimentos sociais e associações civis;

3. Filantropia empresarial;

4. ONGs.

Como se pode perceber há segmentos que existem há milhares de anos e outros que

surgiram no século XX. Vamos conhecê-los.

1. Formas tradicionais de ajuda mútua

Coleguismo, caridade, assistência, entre vizinhos, parentes, amigos, conhecidos, são as

formas tradicionais de ajuda mútua. Essas atitudes por si só não fazem parte do terceiro setor.

Contudo, se elas estiverem subordinadas a alguma instituição, como por exemplo, a Igreja,

elas se tornam o segmento mais antigo do terceiro setor.

2. Movimentos sociais e associações civis

Nas décadas de 1960 a 1980, período do regime militar brasileiro, “lá nas bases da

sociedade”, nasceram inúmeros movimentos sociais. As necessidades das comunidades e dos

trabalhadores eram discutidas no seio desses movimentos.

Tudo começa com os sentimentos de “indignação e revolta” quanto a problemas

sociais, seguidos de esforços para unir a população “vítima”, com o intuito de criar

mecanismos de solução de suas problemáticas. Reivindicar é a ação fundamental dos

movimentos sociais, exigindo que o Estado e o mercado “arrumem” a desordem que foi

criada, a partir de sua lógica, muitas vezes injusta.

Os movimentos são as sementes de todos os outros segmentos do terceiro setor; tudo

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começou com eles (com raras exceções) e é com o seu amadurecimento que surgem as

organizações do terceiro setor. Alteram-se também os discursos: ao invés da expressão

“Vamos lutar e reivindicar”, começam a usar: “Vamos à luta! Não podemos esperar mais nada

do governo e muito menos das empresas privadas!” Adota-se então uma postura mais

“pacifista” e menos “representativa”; por mais que alguns tentem voltar à essência dos

movimentos sociais não é mais possível, devido à mudança nos discursos dos outros setores

sociais. O Estado agora diz: “Quero ajudar os excluídos, mas não temos condições sozinhos,

precisamos da sociedade civil.”

Mas, qual a diferença entre os movimentos sociais e as associações civis?

A associação civil é o segundo estágio evolutivo dos movimentos sociais. Ao

contrário desses, elas são entidades estruturadas, com estatuto próprio, regulamentadas por lei

e, em alguns casos, possuem sede própria.

Essas entidades congregam um certo número de pessoas que partilham o mesmo ideal,

seja ele altruísta - beneficiando assim toda sociedade-, ou egoísta - restringindo-se a um grupo

seleto e homogêneo de associados. Camargo (2001, p.36) as define assim:

Conceitualmente, a associação é uma pessoa jurídica de direito privado voltada para realização de atividades culturais, sociais, religiosas e recreativas, além de outras, cuja existência ocorre com a inscrição de seu estatuto no registro competente, desde que tenha objetivo lícito e esteja regulamente organizada.

As associações podem existir para diversos fins e em todos os ramos da sociedade.

Exemplos ilustrativos são as associações de moradores, associações de pais, associações de

médicos, associações de criadores de pássaros, entre outros.

3. Filantropia empresarial

Durante muitos anos, o Mercado se absteve de envolver-se com a promoção do

desenvolvimento social, já que essa deveria ser uma questão de preocupação exclusiva da

esfera estatal e, em alguns casos, religiosa.

Para Melo Rico (1997, p.62) “[...] a filantropia empresarial, está desenhada de acordo

com um modelo sóciopolítico e econômico.”

As pressões econômicas para enxugar os gastos sociais do Estado, o aumento

alarmante da violência, a destruição predatória do meio ambiente, entre outros fatores, foi o

que levou as empresas privadas a transformarem sua mentalidade passiva, ante os problemas

ocorridos na sociedade, para agentes interferentes na realidade excludente criada por sua

própria lógica. Tudo isso acontece sobre a justificativa da responsabilidade social, noção que

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[...] refere-se às estratégias de sustentabilidade a longo prazo das empresas que, em sua lógica de desempenho e lucro, passam a contemplar a preocupação com os efeitos sociais e/ou ambientais de suas atividades, com o objetivo de contribuir para o bem comum e para a melhora da qualidade de vida das comunidades. (CAMARGO, 2001, p. 92)

Essa “nova” mentalidade restringe-se, ainda, às grandes empresas e, segundo

Fernandes (1994, p. 95-96) a filantropia empresarial não é culturalmente e historicamente,

praticada no Brasil e na América Latina como um todo.

Todavia, as empresas estão percebendo que praticar a filantropia poderá gerar lucros

tangíveis e intangíveis, melhorando estrategicamente a imagem da empresa perante seus

empregados, fornecedores, consumidores, colaboradores, investidores, competidores,

governos e comunidades. (CAMARGO, 2001, p. 94)

Sem estar alienada quanto aos problemas sociais e percebendo os benefícios que a

atitude filantrópica traria aos negócios, a “[...] responsabilidade social, das organizações

tornou-se uma questão de estratégia financeira e de sobrevivência empresarial”.

(CAMARGO, 2001, p.96) Para a mesma autora, a responsabilidade social trouxe os mais

variados retornos, como:

• Melhora da imagem competitiva;

• Criação de ambientes endógenos e exógenos mais favorecidos;

• Redução do absenteísmo e elevação da auto-estima dos empregados;

• Estímulos para melhoria dos processos de produção;

• Incremento da demanda de produtos;

• Serviços e marcas;

• Ganho de participação no mercado;

• Redução das instabilidades política, social e institucional locais.

Juntar o útil ao agradável é o que estão fazendo as empresas que investem no

desenvolvimento social; tornando a melhoria na qualidade de vida em retorno financeiro para

seus negócios.

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4. Organizações não-governamentais

As ONGs, atualmente, são as entidades que mais representam o terceiro setor. Para

Bayma (1995, p.190), “[...] elas significam concretamente o setor privado a serviço do

público”.

Mas, o que são essas organizações que são conceituadas a partir de duas negações,

não-governamentais e não-lucrativas? Por que negar pertencerem a uma ou a outra esfera ao

invés de simplesmente afirmar aquilo que realmente são? Montenegro (1994, p. 10) chega a

afirmar que, “elas são o que não são.”

A nomenclatura ONG apareceu pela primeira vez em 1945, em documentos das

Nações Unidas. Nas décadas de 1970 e 1980, essas organizações tiveram maior visibilidade

na Europa, em função dos movimentos sociais ocorridos nesse continente.

As ONGs da América Latina também tiveram sua gênese nos movimentos sociais

ocorridos nos anos de 1970. Segundo Fernandes (1994, p. 69), “[...] as ONGs tornaram-se um

fenômeno massivo no continente a partir da década de 1970. Cerca de 68% surgiram depois

de 1975.”

No Brasil, seu surgimento foi datado logo em 1960; conforme Bayma (1995, p. 184),

deu-se a partir da experiência adquirida no exterior por lideranças estudantis durante o exílio.

“Essas lideranças retornaram ao país, nos anos 80, trazendo consigo novas idéias e

possibilidades de abertura de canais de financiamento para projetos voltados para setores

carentes de atendimento eficiente por parte dos representantes do poder público.” (BAYMA,

1995, p.184)

Todavia, a expressão - ONG - só tornou-se conhecida entre as massas em 1992, por

causa do advento da ECO-92, quando ONGs ambientalistas realizaram um encontro paralelo,

coberto pela mídia.

Através da literatura da área, percebemos que o conceito de ONG ainda não está

claramente definido, pois os principais autores que abordam o tema preferem caracterizá-la ao

invés de conceituá-la. É dessa forma, então, que a descrevemos como sendo

• Pessoas jurídicas de direito privado; (BRASIL. LEI nº 9.790)

• Sem fins lucrativos para seus organizadores e diretoria, ao contrário das

empresas; (SHERER-WARREN, 1994, p. 9)

• Autogovernadas por intermédio de suas próprias diretrizes; (SHERER-

WARREN, 1994, p. 9)

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• Não representativas; (FERNANDES, 1994, p. 66)

• Plurais e proliferantes; (FISCHER, 1994 apud BAYMA, 1995, p. 183)

Sherer-Warren (1994, p. 8) fala que, as ONGs existem para mediar e assessorar nos

campos educacionais, político, técnico, legal, informacional e similares; articular entre a

sociedade civil e o Estado e/ou agências de financiamento internacional; apoiar de forma

material, ou de serviços, contribuir para a construção de conhecimento (pesquisa) e de

solidariedade a causas humanitárias e de respeito ao meio ambiente; formar redes entre

experiências semelhantes, organizações e movimentos afins ou complementares; e outras

atividades no campo da promoção da cidadania.

É exatamente para o fortalecimento, a autonomia e a organização civil, através do

exercício da cidadania, que as ONGs existem. Agem no sentido de “construir pontes” que

promovam a realização da cidadania, da democracia, da justiça social, do equilíbrio ecológico

e de outros avanços da sociedade civil. (SHERER-WARREN, 1994, p. 8)

Segundo Bayma (1995, p.185), existem dois tipos de ONGs:

Há o grupo de ONG que surgiu dissociado do Estado, durante a ditadura, buscando prestar ajuda na questão dos direitos humanos. O outro grupo surge depois, financiado e vinculado aos governos. Nesse sentido, assemelha-se a organismos estatais.

Acreditamos que essas organizações tornaram-se tão complexas, na atualidade, que

possibilitam a existência de muitos outros tipos além desse dois. Mas, é no campo de atuação

que elas afirmam sua identidade e Sherer-Warren (1994) delimita esse campo da seguinte

forma:

• Filantropia: apesar de algumas ONGs trabalharem com o assistencialismo, muitas

vezes, emergencial, elas se preocupam em não criar nos beneficiários o sentimento de

dependência, mas sim de uma “[...] ‘ação solidária’ dos integrados para com os

excluídos, como meio para construção de uma cidadania mais abrangente”.

(SCHERER-WARREN, 1994, p. 9)

• Desenvolvimento: deixam-se de lado noções de desenvolvimento puramente

econômico e age-se na construção de uma nova ética para um desenvolvimento com

justiça social, assegurando, assim, a sustentabilidade ecológica, política, cultural.

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• Cidadania: as ONGs promovem a democratização do poder local e a participação da

comunidade no estabelecimento das políticas públicas. Buscando, sobretudo, a

consolidação da justiça social dos direitos humanos.

• Educação: criam-se mecanismos de promoção da educação, que geralmente, vai além

do contexto escolar.

Desta maneira, a filantropia, o desenvolvimento, a cidadania e a educação, com todas

as suas complexidades éticas e ideológicas, tornam-se os principais campos de atuação das

ONGs.

Para realização de suas atividades, as ONGs contam com profissionais altamente

qualificados, conforme estudo feito em 1992 pelo Instituto de Estudos Religiosos (ISER)

(BAYMA, 1995, p.185): “Dos 80 mil ‘ongueiros’, 87% têm curso universitário. Segundo o

mesmo estudo, 76% do total desses profissionais vivem do trabalho nas ONGs”.

Montenegro (1994, p. 20) explica esse fato afirmando que isso se relaciona com a

expulsão pelo governo militar, de uma massa intelectual das universidades, na década de

1970, por meio de aposentadoria compulsória, levando-a a buscar projetos profissionais

alternativos e a encontrar nas ONGs a oportunidade de trabalho naquilo de que gosta e condiz

com os próprios ideais, “com maior liberdade de intervir nas decisões da organização”

Esses profissionais qualificados são, comumente, os interlocutores entre as ONGs e as

agências de financiamento internacional. Essas, por sua vez, enxergam as ONGs como pontes

entre os recursos delas e as comunidades “excluídas”, tornando-se, dessa forma, promotoras

do desenvolvimento social.

Já Montaño (2002) as vê como uma ameaça à extinção dos movimentos populares.

Elas, ONGs, que antes captavam recursos, das agências financiadoras para os movimentos

sociais, agora assumem o seu lugar. Petras (1999 apud MONTAÑO, 2002) vai além, ao dizer

que

[...] há uma relação direta entre o crescimento dos movimentos sociais que desafiam o modelo neoliberal e o esforço [das agências do capital] para subvertê-los através da criação de formas alternativas de ação social, através de ONGs. [...] à medida que cresceu a oposição ao Neoliberalismo, no inicio dos anos de 1980, os governos europeus e norte-americanos, juntamente com o Banco Mundial, aumentaram a destinação de verbas para as ONGs.

Independentemente dos problemas e das críticas recebidas, ao que tudo indica, as

ONGs vieram para ficar. Estudar o papel que essas têm na sociedade, como representantes do

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terceiro setor, no que se refere às políticas de disseminação da informação, é um dos objetivos

dessa pesquisa e vem sendo mostrado passo a passo.

Contudo, antes é preciso compreender a relação existente entre informação e

desenvolvimento social. Ou seja, como uso adequado da informação poderá conduzir os

excluídos sociais a exercerem uma real cidadania. Tendo a biblioteca como uma peça-chave

nessa história, pois é um dos mais eficientes canais de disseminação da informação.

Além da problemática levantada acima, veremos também nas próximas páginas, como

os excluídos sociais da cidade de São Paulo, com o apoio do terceiro setor, solucionam seu

problema de falta de acesso à informação criando alternativas de bibliotecas, essas que

geralmente são chamadas de BCs. Logo após, identificaremos onde especificamente estão

localizadas as BCs na Cidade.

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Capítulo 3

Informação e Inclusão Social

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3.1 Informação e Desenvolvimento Social O que é viver sem informação? Ou melhor, é possível viver sem informação?

Antes de entrarmos nesse debate, abordaremos o sentido e a importância que a

informação tem, nos dias de hoje, e como seu uso, ou a falta dele, pode fazer prosperar ou

anular um indivíduo, um povo, uma nação.

A palavra informação deriva do termo latino “informare”, que, por sua vez, expressa o

conceito de forma, formato, criação, representação, con-formação, in-formação, construção ou

transmissão de uma idéia. (FIGUEIREDO, 1997)

Neste trabalho, partimos de uma conceituação de informação que consegue englobar

o que esse termo é para nós e para este estudo, ou seja, a de que informação é:

[...] uma construção social, no sentido que os sujeitos sociais, localizados num determinado contexto sócio-histórico e a partir de determinada situação, atribuem sentido (s) à informação, e através da ação comunicacional se transformam (consciência em si) e podem transformar o contexto (consciência do mundo). (ARAÚJO, 1998, p.3)

Através das palavras acima, é possível compreender que essa noção de informação

vem acompanhada de uma ação, e essa envolve o processo de transformar a si mesmo, o

próximo, o mundo. Desta forma, a informação, dentro de um contexto social, não age por si

só, ela necessita de um agente que irá se apropriar dela para transformar aquilo que convém

aos seus próprios interesses ou de uma coletividade. Para Stonier (1990 apud MCGARRY,

1999, p. 31), “A informação [na acepção pura do termo] existe. Não precisa ser percebida

para que possa existir. Não requer uma inteligência para interpretá-la. Não precisa ter

significado para existir. Ela existe”.

A informação assume, então, o papel de matéria-prima para formação do

conhecimento, caracterizando, por sua vez, um acumulado de informações armazenadas. Pois,

é por meio da seleção e aquisição da informação que o ser humano constrói aquilo que ele

denomina de conhecimento.

A oferta e a acessibilidade à informação resultam, portanto, num capital de

conhecimento acumulado por cada indivíduo, que pode ter um significado positivo ou

negativo, de acordo com cada um. “Em qualquer paisagem social a relação do indivíduo com

a informação pode definir seu papel e status na sociedade em que está integrado”.

(MILANESI, 2002, p.34)

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Pessoas que têm um acesso facilitado à informação obtêm, pressupostamente,

vantagens sobre as menos favorecidas. O uso desigual da informação propicia o

fortalecimento de sociedades “desequilibradas”, nos níveis culturais, políticos, educacionais,

econômicos etc., o que a torna um instrumento de dominação por determinadas classes ou

grupos sociais. Segundo Figueiredo (1997), “[...] saber é poder, e quem detém esse poder

dispõe de conhecimento e informação”. McGarry (1999, p. 112) confirma isso ao dizer que:

Há muito tempo em nossa história descobrimos uma forte e mutuamente sustentável relação entre informação e poder sobre os outros, e o poder sobre os outros em geral (se não sempre) implica privar alguém dos frutos ilimitados do conhecimento humano.

Na sociedade capitalista, ocidental, os setores que possuem maior poder de dominação

são o Estado (com suas agências de informações governamentais) e o mercado (que possui

capital para produzir e comprar a informação de que necessita). Cabe, pois, ao restante da

sociedade criar seus próprios caminhos para a obtenção da informação. O principal objetivo

do Estado ao fazer uso da informação é continuar tendo o “controle” do restante da sociedade.

Já para as empresas privadas, é continuar garantindo a acumulação do capital frente à

selvagem competição no mercado mundial. Mas, e a sociedade civil, para quê quer

informação?

Uma das respostas é a de que a sociedade civil precisa de informação para exercer a

cidadania em sociedades democráticas e contribuir para o desenvolvimento social das

comunidades e conseqüentemente dos países. É importante fazer aqui um esclarecimento: não

é o direito à informação que leva à construção da cidadania; é, por sua vez, o uso que se faz

da informação que provocará a construção da cidadania. (LAERTE, 2000, p.20)

Esse uso implica tomada de decisões que podem ser favoráveis ou ir de encontro aos

interesses dos setores dominadores; talvez seja esse um dos motivos por que tais setores

procuram não compartilhar as informações que estão sob seu domínio.

As camadas desfavorecidas das benesses proporcionadas pela informação

compartilham, ingenuamente, a idéia de que basta ter documento ou poder votar para

conquistar a cidadania. Todavia, para Figueiredo (1997) é justamente o contrário

[...] ato de votar não assegura nenhuma cidadania, caso essa não venha acompanhada de certas condições de nível econômico, político, social e cultural. Essa concepção de cidadania tem servido para escamotear as desigualdades sociais em alguns países ou estados.

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Poder escolher seus governantes, conhecer e reivindicar seus direitos, evoluir

intelectualmente, qualificar-se profissionalmente, não são constituições a partir de uma única

fonte de informação, pois essa, habitualmente, tende a ser parcial e contribui para o

favorecimento dos ideais de alguém. A televisão é um bom exemplo disso: muitas pessoas

buscam a televisão para saciar sua sede de informação e não raro não se preocupam em

confirmar a veracidade das notícias em outros suportes informacionais. O telespectador,

infelizmente, terá sua opinião formada a partir dos valores de uma determinada emissora de

televisão. Se esses valores forem formados com base no amor ao lucro e dominação política, a

opinião do telespectador será moldada para concordar com o que a emissora concorda e

discordar daquilo de que ela discorda, sem poder fazer suas escolhas de forma autônoma e

ponderada. McGarry (1999, p.117), observa que “[...] uma democracia só sobrevive e

prospera numa sociedade onde os cidadãos sejam suficientemente educados e informados para

que possam fazer escolhas sensatas”.

O caráter de formadora de opiniões está sobre a televisão brasileira desde que essa foi

implantada no Brasil, sendo ela a fonte de informação mais utilizada no país. Segundo

Milanesi (2002, p. 43), “Enquanto na Inglaterra a televisão desenvolveu-se sobre quatrocentos

anos de cultura letrada, universidades e bibliotecas, nos países menos desenvolvidos, toda

sofisticação tecnológica impôs-se com o seu conteúdo sobre uma população analfabeta e

semiletrada”.Desta maneira, o indivíduo, para desenvolver-se, precisará ter contato com

diversas fontes de informação.

Aqui vale um questionamento, será possível viver sem informação?

Nesse sentido, Almeida Junior (1997b, p.63) afirma que “[...] informação é produto de

primeira necessidade”. Segundo Milanesi (2002, p.54) a informação é “[...] uma condição

básica de sobrevivência. Os mais fortes são aqueles que sabem mais”.

À primeira vista, as expressões “produto de primeira necessidade” e “condição básica

de sobrevivência” podem parecer fortes, embora quando as colocamos ao lado de palavras

como alimento e/ou água, essas expressões acabam se tornando familiar. Água e comida são o

que garante a sobrevivência biológica do homem, tornando o seu corpo forte e saudável para

as atividades diárias. Se o homem não se alimentar ou o fizer de forma errônea causará sua

própria debilitação, podendo até mesmo levá-lo à morte. Ao longo de sua história, os seres

humanos procuraram mecanismos eficientes para a fabricação de seu alimento e exploraram

as regiões mais longínquas em busca de água. As mais altas tecnologias para o plantio e os

mais sofisticados maquinários para o tratamento e reciclagem da água só foram possíveis

através da utilização adequada dos registros do conhecimento humano. Se um indivíduo não

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souber como adquirir e preparar seu próprio alimento, se não souber um oficio, se não tiver

habilidades para viver em comunidade, ele fatalmente perecerá.

A sobrevivência humana está inteiramente baseada e sustentada por informação. Em

seus primórdios, o indivíduo tem acesso a esse bem através da oralidade, do conhecimento

passado de pai para filho, sem necessidade de outros suportes. Contudo, ao longo da vida,

esse ser precisará aumentar seu repertório de conhecimentos e até construir alguns em prol do

seu desenvolvimento e da humanidade. Então, perceberá que precisará buscar a informação

em novos registros informacionais: livros, periódicos, Internet e outros que se seguirão.

Para McGarry (1999, p. 38), “[...] há uma hora para cada necessidade de informação, e

se essa não for suprida, a privação resultante limitará o progresso individual.” Em algumas

comunidades, estados ou países, o único suporte informacional conhecido é a oralidade. Em

termos de desenvolvimento social e econômico são conhecidas como regiões atrasadas,

precárias (quando não calamitosas), que sobrevivem da assistência de comunidades e povos

“instruídos”. No Brasil temos vários exemplos disso, indo desde o sertão nordestino até a

periferia de grandes, médias e pequenas cidades de outras regiões.

Como se pode perceber, não é possível viver sem informação: muito embora, se viva

mal se não se souber quais os instrumentos para obtê-la, nem onde, nem quando. O que pode

tornar um indivíduo frustrado é ele ter consciência da importância da informação, mas ser

privado de ter acesso a ela, por algum fator.

Se a distribuição de riquezas materiais é injusta, mais ainda é a impossibilidade do acesso a informação - esta que seria o instrumento mais poderoso para superar as condições que tornam os homens desiguais. Excluir a informação das necessidades básicas - vista às vezes como inútil ou perigosa - é cortar pela raiz um direito sem o qual os indivíduos perdem outros. Os bens culturais progressivamente tornam-se onerosos, mas não faz parte da cesta básica de famílias que têm carência alimentar. Antes de morrer de fome, morre-se de ignorância. (MILANESI, 2002, p. 105)

No final do século passado, os países desenvolvidos deram-se conta da importância

social da informação, denominando a era em que vivemos de “sociedade da informação”.

Essa expressão refere-se a um modo de desenvolvimento social e econômico em que a aquisição, armazenamento, processamento, valorização, transmissão, distribuição e disseminação de informação conduzam à criação de conhecimento e à satisfação das necessidades dos cidadãos e das empresas, desempenhando um papel central na atividade econômica, na criação de riqueza, na determinação da qualidade de vida dos cidadãos e de suas práticas culturais. (LIMA, 2003)

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Na realidade, a sociedade sempre foi da informação, mas isso só se tornou notório com

o advento e a popularização da informática. Essa consciência foi o que nos permitiu perceber

as conseqüências do abismo existente entre as pessoas que têm acesso facilitado à informação

e as que não têm.

A partir do século XlX, pessoas com o olhar “mais apurado” já haviam se dado conta

desse disparate e procuraram fazer algo para transformar essa realidade. Mas o que fazer?

Como se poderia contribuir para a democracia informacional?

Primeiramente, era preciso saber como tornar a informação utilizável. McGarry (1999,

p.11) nos oferece esse parâmetro: “A informação deve ser ordenada, estruturada ou contida de

alguma forma, senão permanecerá amorfa e inutilizável. [...] A informação deve ser

representada para nós de alguma forma e transmitida por algum tipo de canal”.

Os suportes informacionais são o que permitem a estruturação, ordenação e utilização

da informação. Para a informação chegar até nós, ela precisará de um canal de disseminação

da informação e, comumente, esses canais possuem armazenado um grande número de

informação. Nos dias de hoje, existem vários canais de disseminação da informação como a

televisão, o rádio, a Internet, a biblioteca, a banca de jornal e revista, entre outros. Alguns

desses canais de transmissão da informação cobram para que o cidadão tenha acesso a esse

bem; portanto, quem não tem dinheiro está longe da aquisição da informação. Em nosso país,

isso se traduz em milhões de pessoas, o que torna necessário, então, pensar em mecanismos

de democratização da informação.

Compreendeu-se, pois, que a informação só será utilizada “eficazmente” pelas

camadas populares para, desta forma, transformar-se em conhecimento que resulte em

qualidade de vida e desenvolvimento social se ela estiver disponível para todos, sem

restrições, e se apresentar uma oferta que atenda às variadas demandas da sociedade.

Concebeu-se, então, a idéia de uma biblioteca democrática, aberta a toda a população, sem

limite de idade, etnia, credo, sexo etc. E, acima de tudo, que satisfaça as necessidades

informacionais da sociedade mais ampla. “Aí está a idéia mais primitiva da biblioteca: o

resultado do desejo e da necessidade quase instintiva de poder utilizar várias vezes uma

informação que pudesse ser significativa”. (MILANESI, 2002, p. 21)

Diante disso, uma biblioteca pública seria, portanto, o canal ideal para armazenar,

disseminar e incentivar o uso da informação nos seus mais variados suportes, mas dando

especial destaque para o livro, pois esse ainda se encontra armazenado em maior número nas

bibliotecas públicas brasileiras.

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3.2 A Função Social da Biblioteca Pública

O “espírito filantrópico” foi um dos agentes mais importantes que impulsionaram o

surgimento das primeiras bibliotecas públicas na modernidade, o que ocorreu a partir do

século XlX nos países desenvolvidos da Europa e América do Norte. O escocês Andrew

Carnegie (1835-1919) é um ótimo exemplo. Através de seu dinheiro e de atitude filantrópica,

ele patrocinava a construção de prédios para bibliotecas em centenas de comunidades em todo

mundo. (MCGARRY,1999, p.118)

No Brasil, nossa primeira biblioteca pública também foi originada pela iniciativa

privada. Ela foi criada em 4 de agosto de 1811, na cidade de Salvador, Bahia, e era sustentada

através da cooperação dos cidadãos que desejassem dela fazer parte. Seu idealizador, Pedro

Gomes Ferrão de Castelo Branco, desejava que a biblioteca fosse “ampla e capaz de

preencher os fins de uma geral instrução”. (SUAIDEN, 1995, p. 25) Ela era, portanto um

instrumento de promoção da instrução e da educação popular.

Para esses filantropos, as filosofias intrínsecas na promoção da implantação de

bibliotecas públicas, eram:

• Diminuição da criminalidade, pautados na idéia de que “[...] uma biblioteca a mais,

uma cadeia a menos”. (MILANESI, 2002, p. 46)

• Difusão da educação;

• Manter as pessoas longe dos bares e vícios;

• Qualificação da mão-de-obra operária.

Nesse contexto, segundo Almeida Junior (1997 a, p.21), o papel social designado às

bibliotecas públicas estava vinculado à educação das classes mais baixas; contudo, as classes

privilegiadas a estruturaram como um aparelho voltado para a manutenção da estabilidade

social e vinculador dos valores, propostas, normas e idéias que lhes interessavam. É claro, o

foco de visão muda de acordo com o lugar onde se está: se as bibliotecas públicas fossem

criadas pelo povo e para o povo, os valores contidos nela seriam os que interessassem a eles.

No entanto, as bibliotecas públicas, de ordem governamental em sua quase totalidade,

chegaram muito tempo depois das comunidades socialmente excluídas sentirem sua

necessidade. Como nos informa Milanesi (2002, p.39)

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Nas grandes cidades, colônias de imigrantes procuravam por meio de ação coletiva obter benefícios. Da mesma forma que surgiram hospitais denominados “Beneficência Portuguesa”, foram criadas várias bibliotecas com o nome de “Gabinete Português de Leitura”, um esforço privado para oferecer leitura à população.

Nos Estados Unidos e na Inglaterra, houve atos reivindicatórios para instalação de

bibliotecas em bairros operários, visando principalmente à democratização da educação. Em

seus primórdios, ou a biblioteca era concedida à camada popular por beneméritos ou através

das lutas populares. Somente no final do século XlX e início do século XX, o Estado

incorpora em seu orçamento a instalação, o desenvolvimento e a manutenção da biblioteca

pública. Almeida Junior (1997a, p.22) diz que isso acabou tornando a biblioteca pública

ambígua:

Ao mesmo tempo em que atende aos interesses, principalmente ideológicos, da classe hegemônica (no sentido dado por Gramsci), transformando-se num aparelho ideológico de Estado (segundo Althusser), a biblioteca pública pode propiciar, espaços, brechas para a constatação e o desnudamento daqueles interesses, abrindo-se como um dos locais adequados para expressão das classes populares, e convertendo-se em palco privilegiado de confrontos e ideologias.

Na cidade de São Paulo, o intelectual Mário de Andrade também queria ver seu sonho

realizado, ou seja, o de disponibilizar instrução a toda população por intermédio de livros que

comporiam a coleção de uma biblioteca pública.

Todavia, ele não seguiu o percurso filantrópico, mas juntamente com seus amigos

Rubem Borba de Moraes e Sérgio Milliet, influenciou a Prefeitura da época a fundar a

primeira Biblioteca Pública Municipal, o que aconteceu no ano de 1925. Posteriormente, em

homenagem ao seu idealizador, a biblioteca passou a chamar-se “Biblioteca Mário de

Andrade”. Nas palavras de Suaiden (1995, p.28):

[...] a Biblioteca Pública Municipal Mário de Andrade foi um marco importante na biblioteconomia brasileira e um exemplo para América Latina. Ocupando uma área de 15.000 m2, está localizada no centro de São Paulo, sendo um verdadeiro monumento à cultura.

O ideal de Mário de Andrade era de que as bibliotecas públicas fossem utilizadas,

principalmente, pelo povo. Contudo, anos mais tarde, devido a vários fatores, como por

exemplo, má administração pública, essas bibliotecas se tornaram distantes das camadas

populares. Isso se deve ao fato de que as bibliotecas públicas eram instaladas fisicamente nas

regiões “nobres” e centrais da cidade, facilitando o acesso à informação para as classes média

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e alta. Rabello (1987, p.23), ao estudar essa questão, declara que nessa época: “A educação

destinava-se a uma elite e a biblioteca seguiu a mesma tendência”.

Dessa forma, possuímos hoje, na Cidade de São Paulo, uma biblioteca pública que

genericamente se desviou de seus objetivos iniciais, concebidos por Mário de Andrade. Ao

invés de ligar-se ao povo, aos mais excluídos do sistema, ela coligou-se, ideologicamente, aos

que detinham o poder econômico e constituíam a minoria da nossa população. Dessa forma,

aquela que veio para democratizar o uso e o acesso à informação bloqueou os excluídos de

serem incluídos. “A desigualdade regional e pessoal impedia que o público tivesse acesso

‘igual’ à informação”. (RABELLO, 1987, p. 26)

Com a multiplicação das bibliotecas públicas, no Brasil e no mundo, começou-se a

refletir sobre o que realmente era essa importante instituição, qual era a sua filosofia e

principalmente qual era sua função social.

O Manifesto da UNESCO, sobre Bibliotecas Públicas, em 1972, foi um importante

marco para área e serviu de parâmetros para se iniciar esse debate. Vejamos o que a UNESCO

(apud SUAIDEN, 2000) falou a respeito delas, então:

• São demonstrações de fé na democracia;

• Principal meio para o livre acesso ao conhecimento da humanidade;

• Sua missão deverá ser a de renovar o espírito do homem;

• Fonte de pesquisa atualizada;

• Deve ser uma instituição legalizada;

• Ser cooperante entre suas iguais;

• Há de ser totalmente financiada por orçamento público; e

• De fácil acesso e suas portas abertas para todos.

O ultimo aspecto listado acima, seria posteriormente, um dos seus mais importantes e

o mais citado, também, quando se fala a respeito do tema.

Para lograr completamente seus objetivos, a biblioteca pública tem de ser de fácil acesso e suas portas devem estar abertas para que a utilizem livremente e em igualdade de condições todos os membros da comunidade, sem distinção de raças, cor, nacionalidade, idade, sexo, religião, língua, situação social e nível de instrução. (SUAIDEN, 1995, p.22)

No Brasil, o Manifesto mais recente publicado pela UNESCO difundiu-se no ano de

1995. A visão de biblioteca que a UNESCO possui agora é de um lugar que tem a função de:

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• Criar e fortalecer os hábitos de leitura nas crianças desde a primeira infância;

• Apoiar a educação individual e a autoformação, assim como a educação formal a

todos os níveis;

• Assegurar a cada pessoa os meios para evoluir de forma criativa;

• Estimular a imaginação e criatividade das crianças e dos jovens;

• Promover o conhecimento sobre a herança cultural, o apreço pelas artes e pelas

realizações e inovações científicas;

• Possibilitar o acesso a todas as formas de expressão cultural, das artes e do

espetáculo;

• Fomentar o diálogo intercultural e a diversidade cultural;

• Apoiar a tradição oral;

• Assegurar o acesso dos cidadãos a todos os tipos de informação da comunidade local;

• Proporcionar serviços de informação adequados às empresas locais, associações e

grupos de interesse;

• Facilitar o desenvolvimento da capacidade de utilizar a informação e a informática;

• Apoiar, participar e, se necessário, criar programas e atividades de alfabetização para

os diferentes grupos etários. (MANIFESTO, 1995)

Jaramillo e Ríos, por sua vez, realizaram uma revisão bibliográfica sobre o conceito de

biblioteca pública, estudando os mais variados autores do mundo que se dedicaram ao tema

nas ultimas décadas, inclusive o manifesto da UNESCO, explanado acima, chegando à

seguinte conclusão:

La biblioteca pública es una institución de caráter social (incluye lo educativo, informativo y cultural), financiada y reglamentada por el Estado, cuya finalidad es posibilitar el libre acceso a la información, registrada en un soporte documental, que responda a unos criterios de selección y aquisición, para la satisfacción de necesidades en el plano educativo, informativo, cultural y de uso del tiempo libre. Busca, con ello, contribuir al mejoramiento de la calidad de vida de todas las personas que hacen parte de una comunidad (municipio, vereda o barrio), para la construcción y articulación de relaciones democráticas, por medio de servicios y programas gratuitos y coordinados por profesionales del área. (JARAMILLO, RÍOS, 2000, p.72)

As autoras elaboraram um esquema do que é/ou de como deve ser o funcionamento de

uma biblioteca pública, baseado num intercruzamento de toda a bibliografia pesquisada da

área, que apresentamos a seguir:

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Figura 2: Esquema da Biblioteca Pública

Fonte: JARAMILLO; RÍOS, 2000, p. 31

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Visualizando a maneira completa com que as autoras procuraram tratar o tema,

percebemos que a ideologia da biblioteca pública ideal está muito longe de sua realidade.

Rabello (1987, p. 27) já afirmava, em décadas anteriores que, no Brasil, “Na verdade, a

biblioteca pública nunca foi nem popular nem democrática”, pois sempre atendeu somente as

necessidades das classes dominantes.

De suas funções educacional, cultural, informacional e recreacional a melhor

explorada é a educacional. Milanesi (2002, p. 46) chega a assegurar que

As bibliotecas municipais são, na prática, bibliotecas escolares. [...] com isso, o que seria público transformou-se em escolar. O público ficou com o rádio e a televisão como fontes de informação. E os escolares com a pesquisa obrigatória. Enquanto a informação dos livros tornou-se uma obrigação aborrecida, a informação da mídia buscava o prazer para garantir a audiência.

Os autores da área criticam a biblioteca pública por não se interessar mais

concretamente pelos interesses das populações consideradas excluídas socialmente, pelos seus

problemas e necessidades de informação. Segundo Almeida Junior (1997b, p.87), a biblioteca

pública está alheia aos problemas sociais, por que os bibliotecários “entendem” que “[...] a

morte, a doença, a dor e o sofrimento da população não podem ser recuperados

bibliograficamente, não podem ser tratados tecnicamente, não fazem parte do âmbito de

interesse dos registros do conhecimento”.

A biblioteca pública brasileira, em sua origem, foi criada para toda a população, tendo

a difícil missão de satisfazer as necessidades informacionais de todas as camadas sociais.

Porém, quem verdadeiramente se apropriou dela foram às classes média e alta, por terem

acesso e “consciência” da importância da educação, além do fato de as bibliotecas estarem

localizadas próximas às suas casas. O restante da população, em sua maioria alheios a um

sistema educacional eficaz, distanciou-se da biblioteca, criando um mito de que essa fora

criada para estudantes e intelectuais.

Com o passar dos anos e os recursos financeiros e humanos precários, o acervo da

biblioteca pública tornou-se defasado e insuficiente. As classes dominantes não precisavam

mais utilizá-las, pois já não atendiam mais suas necessidades informacionais. A Internet, as

bibliotecas especializadas e o poder aquisitivo para compra de livros foram fatores que

favoreceram o afastamento das pessoas que compõem as classes médias e altas, em relação à

biblioteca. A biblioteca pública, que esteve sempre afastada do povo agora se afasta também

da categoria dominante, assumindo, infelizmente, o papel de mera biblioteca escolar. Isso

aconteceu devido à inexistência da biblioteca, principalmente, nas escolas públicas; os

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estudantes, “[...] quando os professores começaram a exigir pesquisas, voltaram-se para a

biblioteca pública procurando nela encontrar os materiais bibliográficos e as fontes que

respondessem aos assuntos e temas solicitados”. (ALMEIDA JÚNIOR, 1997, p.30) De todas

as funções que poderiam ser desempenhadas pela biblioteca pública (cultural, informacional,

educacional e recreacional), a educacional é a que melhor define a função exercida por ela nos

dias de hoje.

Em muitos bairros da cidade de São Paulo, já há alguns anos, está surgindo uma

consciência da necessidade do acesso facilitado à informação. Na realidade, está se

procurando resgatar o verdadeiro sentido da biblioteca pública, o mesmo formulado pela

UNESCO, a partir do primeiro manifesto, aquele da biblioteca democrática, aberta a todos.

Os excluídos querem fazer uso desse importante canal disseminador da informação,

que por tanto tempo esteve ausente de sua convivência diária. E, a maneira como isso está

acontecendo é um dos objetos deste nosso estudo e assunto da nossa próxima seção.

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3.3 Alternativas de Bibliotecas e Bibliotecas Alternativas

Desde que se começou a implantar bibliotecas públicas na cidade de São Paulo,

percebeu-se que estas estavam muito distantes das áreas periféricas da Cidade. O

Departamento de Bibliotecas começou a elaborar propostas alternativas para que a biblioteca

pública se aproximasse dessas comunidades.

O próprio Mário de Andrade criou em 1940, um sistema de biblioteca em veículo,

conhecido como biblioteca circulante, com vistas a esse público desprivilegiado do acesso à

informação; seu objetivo principal era o de que “Se não é possível instalar uma biblioteca em

cada bairro, a solução é criar uma biblioteca que possa andar de bairro em bairro”. O veículo

utilizado para o transporte de livros era um ônibus reformado e inutilizado para o transporte

coletivo. Apesar da boa intenção, o programa foi extinto alguns anos depois, só retornando

em 1977, então com o nome de Sistema Móvel de Leitura e Informação. O serviço era

efetuado por uma única perua Kombi, que visitava 9 pontos da cidade. Por falta de condições

do veículo, o serviço foi interrompido em 1982 e reativado em 1989, utilizando os ônibus-

biblioteca, popularmente conhecido como bibliobus.

Atualmente (em 2004), Prefeitura de São Paulo conta com um único ônibus-biblioteca

que atende onze bairros da capital (Grajaú, Jardim Ângela, Vila São José, Vila das Virtudes,

Jardim Miriam, Jardim Iguatemi, Parque São Rafael, Teotônio Vilela, Cidade Tiradentes e

Vila Penteado). O ônibus tem dia da semana e horários pré-determinados para visitar cada

bairro. Não obstante esse veículo atender mensalmente de 3 a 6 mil usuários nos diversos

bairros, a Prefeitura apresenta dificuldades financeiras para mantê-lo; por isso, criou

recentemente um projeto de parceria com instituições privadas que se dispusessem a financiar

outros ônibus e, assim, continuar o programa.

Outra alternativa para suprir a falta de biblioteca foi a caixa-estante, criada em 1970

pelo Departamento de Bibliotecas, da Secretaria Municipal da Cultura, com o intuito de levar

o livro e a leitura mais perto dos leitores. Essas caixas contam com acervo pequeno porém

variado e visam atender comunidades com dificuldade de acesso a bibliotecas. Geralmente,

são instaladas em associações de bairro, entidades ou empresas próximas.

Tanto o ônibus-biblioteca como a caixa-estante são serviços de extensão das

bibliotecas públicas que, de alguma forma, buscam atender à demanda por informação das

camadas populares. Entretanto, são limitados, pois só oferecem acesso a livros e periódicos

que proporcionem o lazer, ou seja, livros de literatura e revistas de entretenimento. Para

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pesquisas para os mais diversos fins ainda é necessário procurar as bibliotecas públicas, onde

elas estiverem localizadas.

As comunidades das extremidades da cidade sentiram que os serviços de extensão não

conseguiam suprir as necessidades informacionais dos habitantes do bairro; já que essas

possibilidades para atender a demanda por bibliotecas públicas possuíam limitações, a solução

seria criar bibliotecas realmente alternativas. Assim, as bibliotecas alternativas são iniciativas

de pessoas físicas, movimentos sociais, associativos, ONGs, empresas privadas. São

bibliotecas criadas pelo povo e para o povo, em regiões que realmente sentem-se às margens

das bibliotecas públicas. São criadas para atender a demanda por biblioteca do bairro e seus

acervos são compostos, comumente, por itens documentários destinados à leitura e a pesquisa

(escolar e outras); algumas possuem arquivos para preservação da memória da região. No

Brasil, existem vários nomes que se dão a essas bibliotecas alternativas: centro de

documentação popular, biblioteca popular e BC, são os mais conhecidos.13

Na Cidade de São Paulo, são autodenominadas como BC e estão espalhadas por toda a

cidade. Sua estrutura baseia-se na estrutura da biblioteca pública, contudo com algumas

modificações, permitindo serem analisadas à luz do esquema feito por Jaramillo e Rios,

referido às páginas 73 deste trabalho. Vejamos:

13 O objetivo desse trabalho foi explorar o universo das BCs. Contudo, para ter conhcimento do que a literatura da área entende pelos termos listados acima, entre outros, indicamos a obra: ALMEIDA JUNIOR, O. F. Bibliotecas públicas e bibliotecas alternativas. Londrina: UEL, 1997.

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Figura 3: Esquema da Biblioteca Comunitária

Fonte: JARAMILLO; RÍOS, p. 31, 2000. (adaptado)

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As modificações feitas no esquema acima, não podem ser encaradas como meros

detalhes. O fato de não contarem com profissional capacitado e serem financiadas pelo

terceiro setor faz diferença. A falta de profissional habilitado pode levar as bibliotecas a

viverem um “caos informacional” e o investimento do terceiro setor não é garantido para

sempre, podendo as mesmas correr risco de fenecerem pouco tempo depois de serem

inauguradas.

Na cidade de São Paulo, existem inúmeras BCs e nossa hipótese inicial é a de que

exista no mínimo uma em cada bairro. Contudo, em nosso mapeamento, só localizamos 45

BCs, até o momento. E uma das características importante, de todas elas, é que são

financiadas pelo terceiro setor, revelando, dessa forma, que a ligação dessas bibliotecas é com

a sociedade civil e não com o Estado.

Analisemos, então, nas próximas seções, como os excluídos da cidade de São Paulo

estão reagindo à dificuldade de acesso à informação.

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3.4 A Informação e os Grupos Sociais Excluídos

Há muito, o discurso da sociedade da informação vem sendo difundido, seja pelos

meios de comunicação de massa (televisão, rádio, imprensa) seja no mundo acadêmico

(através de livros, periódicos científicos etc) e apesar de sua bem sucedida divulgação, poucas

pessoas refletem sobre a aplicabilidade do tema em sua vida cotidiana e terminam por

habituar-se simplesmente a idéias de que: é necessário ler para manter-se bem informado; são

essenciais o conhecimento, domínio e manipulação da informática; certificados e diplomas

adquirem uma importância impar no mercado.

Para Takahashi (2000, p. 5), “A sociedade da informação não é um modismo.

Representa uma profunda mudança na organização da sociedade e da economia, havendo

quem a considere um novo paradigma técnico - econômico.”

Como já foi observado, o mundo hoje está muito competitivo; ganha lugar na

sociedade, quem tiver a maior quantidade de conhecimento acumulado, quem conseguir

manipular e dominar os recursos informacionais existentes.

O curriculum vitae dá a medida da informação acumulada para o exercício de uma atividade. Um indivíduo com o currículo pobre ou se não tiver um currículo para apresentar, como ocorre com a maioria da população, está excluído da participação das riquezas acumuladas pela sociedade. (MILANESI, 2002, p.54)

Contudo, informação hoje não é um bem público acessível a todos que dela

necessitam, de maneira democrática. Informação é o que todas as outras coisas são na

sociedade capitalista neoliberal: uma mercadoria. Sendo assim, a sociedade da informação

deixa de fora quem não pode pagar para fazer parte dela, pois a matéria-prima do

conhecimento (informação) é geralmente cara. Pois ela está contida em suportes

informacionais que refletem o valor que o mercado dá a informação, a Internet é um exemplo

bem atual disso visto que uma enorme percentagem de brasileiros não tem acesso a rede

mundial de computadores.

Por isso, não é espantoso ver no Relatório do Banco Mundial para o período de

1998/99 apud Araújo e Freire (1999, p. 62) uma nota a respeito desse assunto:

[...] porque o conhecimento é o coração do crescimento econômico e desenvolvimento sustentado, compreender como as pessoas e sociedades o adquirem e usam - e porque algumas vezes falham ao fazê-lo - é essencial para melhorar a vida das pessoas, especialmente a vida dos pobres.

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No Brasil a informação nunca foi para todos. Percebemos isso claramente pelo valor

do suporte informacional mais conhecido, o livro. Uma enorme parcela da população não

participa do mercado livreiro devido ao alto valor do produto e ao seu baixo poder aquisitivo.

Através de estatísticas realizadas junto a esse mercado, verificou-se que a média de compra de

livros, pelos brasileiros, é baixa (apenas 20% da população alfabetizada) se comparada à de

países desenvolvidos. Vejamos, a confirmação disso através do esquema “o retrato da leitura

no Brasil”, realizado pela Câmara Brasileira do Livro:

Figura 4: Retrato da Leitura no Brasil

Fonte: Câmara Brasileira do Livro apud FERNANDEZ, Célia Regina Delácio.14

O mesmo acontece em relação a revistas, jornais e à Internet. Pessoas com baixo

poder aquisitivo são obrigadas a contentar-se com os veículos de comunicação de massa,

como a televisão e rádio, que, muitas vezes, não estimulam o senso crítico do cidadão.

A composição do espaço urbano também favorece o acesso à informação para

alguns e desfavorece para outros. Comumente, esses desfavorecidos são aqueles que contam

com uma série de desvantagens sociais, caracterizando assim as regiões de exclusão social.

Habitantes de espaços públicos urbanos que convivem com uma grande quantidade de

14 Palestra proferida aos alunos da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp - Marília, no dia 23 out. 2004, cujo enfoque foi “Políticas de incentivo a leitura e a participação do profissional da informação”.

População alfabetizada com mais de 14 anos Compradores de Livros

Leitor Corrente

2200%%

3300%%

Leitor Efetivo nos últimos 3 meses

1144%% 6622%%

Costumam ler

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problemas sociais (violência, habitação precária, serviços públicos deficientes, entre outros),

ainda se deparam com a inexistência de um serviço público de informação, cultura e laser.

A cidade de São Paulo conta hoje com 70 unidades de informação oficiais

(bibliotecas pública e infanto-juvenis), 67 municipais e 3 estaduais. Todavia, sabemos que

esse número é insuficiente para atender os 10 milhões e 434 mil habitantes da Cidade e que

existem regiões desprovidas de qualquer tipo de serviço informacional. (PREFEITURA,

2004)

Se um adolescente morador do bairro de Cidade Tiradentes15 precisar fazer uma

simples pesquisa escolar, ele irá enfrentar várias barreiras até o término da pesquisa.

Primeiramente, o fato de sua escola não possuir uma biblioteca; em segundo lugar, da

biblioteca pública mais próxima ficar no bairro de Guaianazes (trinta minutos de ônibus).

Tendo em vista esses aspectos mencionados, para esse adolescente completar sua pesquisa,

ele terá que dispor de uma quantidade de dinheiro X (pois o serviço que inicialmente seria

gratuito, agora vale o valor da passagem de ônibus para chegar até lá). Então, se fica difícil

fazer uma pesquisa escolar, ir à biblioteca para ler um livro por prazer é "desvantajoso"

financeiramente, sendo o dinheiro dispensado para esse fim melhor aplicado em alimentação,

por exemplo. As conseqüências disso são milhares de pessoas sem o hábito da leitura,

portanto, excluídaS da sociedade da informação.

Não basta, pois, ser alfabetizado e ter vontade de ler. É preciso que existam livros, revistas e jornais para que sejam lidos. Há, enfim, um caminho longo entre o homem e as circunstâncias de onde vive. Se o meio for generoso e oferecer oportunidades, o indivíduo poderá, com a educação formal, com as leituras e demais fontes de informação ter mais autonomia para pensar e agir. (MILANESI, 2002, p.35)

Assim como em Cidade Tiradentes, existem outros muitos bairros na Cidade em

igualdade de condições. Analisaremos, dessa forma, alguns mapas que nos permitem

compreender a dinâmica sócio-espacial da distribuição da informação. Para isso, faremos uma

analise comparativa de três mapas: o mapa de renda média familiar em salários mínimos em

1997, o mapa de percentual de chefes sem instrução no ano de 1996, e por fim, o mapa das

bibliotecas públicas da cidade [2004]. Com exceção desse último, os dois primeiros servem

meramente para efeitos comparativos; aqui escolhemos esses, pois eles nos permitiam

visualizar melhor a discrepância sócio-espacial na Cidade, em termos econômicos,

15 Bairro localizado na extremidade leste da Cidade e com índices baixos de inclusão social. Abordaremos as problemáticas específicas desse bairro na página 107.

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educacionais e informacionais, visto que é a partir desses aspectos que uma região é capaz de

se desenvolver.

Chamamos a atenção, nos três mapas, para as regiões das extremidades da Cidade,

pois são essas que vão apresentar os piores índices de inclusão social, em qualquer um dos

temas que possivelmente fôssemos discutir.

Fonte: Mapa da exclusão e inclusão social na cidade de São Paulo. Sposati (2000)

Mapa 1: Renda Média Familiar em Salários Mínimos em 1997.

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Fonte: Mapa da exclusão e inclusão social na cidade de São Paulo. Sposati (2000)

Mapa 2: Percentual de Chefes de Família Sem Instrução em 1996.

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Mapa 3: Bibliotecas Públicas da Cidade São Paulo16

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As regiões que possuem o menor número de ofertas de emprego são aquelas que têm o

maior percentual de chefes de família com poucos anos de instrução. Conseqüentemente é

também aquela que está mais distante da biblioteca pública. Por isso, não é difícil abrirmos os

jornais ou ligarmos a televisão e nos deparamos com notícias de violência nessas regiões da

Cidade.

A gestão 2001-2004 da Prefeitura de São Paulo atenta para esse quadro e criou uma

série de programas sociais; entre eles está o Telecentro, que visa levar informação eletrônica

até os “influexcluídos”, justamente nessas regiões de exclusão social.

Mas, será que facilitar o acesso à informação em formato eletrônico resolveria o

problema da “exclusão informacional?”

Algumas pesquisas realizadas em âmbito nacional e internacional revelam que não. E

os próprios dirigentes e usuários dos Telecentros já perceberam isso. Devido à alta demanda

de usuários utilizando o serviço desses centros de informática, para realização de pesquisa

escolar, alguns Telecentros reservaram uma parte do seu espaço para acomodar uma pequena

biblioteca (composta de livros e revistas, provenientes da própria comunidade e da

Prefeitura).

Portanto, pode-se perceber que a biblioteca cada vez mais é sentida como necessária

pelos menos favorecidos.

16 Os quadrados representam as bibliotecas públicas municipais.

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3.5 Mapeamento das Bibliotecas Comunitárias em Regiões de Exclusão

Social na Cidade de São Paulo

A organização sócio-espacial desigual da Cidade, assim como as mudanças no ideal

político-econômico, são fortes influenciadores de um fenômeno que cresce a cada dia:

alternativas de soluções para os problemas sociais, criadas pela sociedade civil. São rádios,

escolas, bibliotecas, cursinhos, creches, padarias, hortas, tudo de cunho comunitário e com o

objetivo de melhorar a qualidade de vida dos menos favorecidos.

A BC é uma dessas alternativas e visa democratizar o uso e o acesso à informação a

comunidades que estão distante social e geograficamente das bibliotecas públicas da Cidade.

São entendidas como BCs em São Paulo, aquelas bibliotecas criadas, administradas e

utilizadas pela sociedade civil e onde o governo raramente atua (sem excluir essa

possibilidade)17.

Resolver o problema do acesso à informação não é uma tarefa fácil; é preciso antes

vencer algumas questões, como: onde será instalada a biblioteca? Com que recursos iremos

montar o acervo e comprar os equipamentos auxiliares? Quem irá coordenar e trabalhar todos

os dias na biblioteca?

Uma pessoa sozinha, apesar de sua boa intenção, não cria uma BC. A instalação de

uma BC vem acompanhada de série enorme de desafios a serem resolvidos, por isso ela

precisa do suporte de uma equipe. Não é raro essa equipe ser a associação de moradores,

grupos religiosos, grupos juvenis, clube das mães, entre outros. Geralmente amparados por

alguma instituição do terceiro setor (quando não é a própria instituição do terceiro setor) que

dá um apoio técnico e/ou financeiro.

Entender como acontece o relacionamento entre essas instituições e os grupos sociais

excluídos será de grande relevância para área biblioteconômica, visto que, a partir disso, o

profissional bibliotecário poderá atuar de maneira eficaz, junto às comunidades carentes. O

trabalho pretende criar a base para posteriores pesquisas, já que seu objeto de estudo foi

parcialmente explorado até o momento, donde a dificuldade de localização dessas BCs na

Cidade.

Na cidade de São Paulo, foram localizadas e mapeadas, através deste trabalho, 45 BCs

17 Devido à pouca existência de material bibliográfico que trate do tema “biblioteca comunitária”, esta pesquisa não fará uma discussão em torno desse termo-chave. Através da metodologia utilizada, vamos explorar o universo dessas “alternativas informacionais”, procurando contribuir teoricamente para o desenvolvimento dessa temática.

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e utilizamos para isso os seguintes recursos metodológicos para sua localização:

primeiramente, entramos em contato com os órgãos públicos municipais que jurisdicionam as

bibliotecas públicas, para ter a certeza de que eles não prestavam nenhuma assessoria à BCs, o

que de fato foi confirmado.

Em segundo lugar, entramos em contato com o Conselho Regional de Biblioteconomia

- 8ª Região, para saber se havia registros de bibliotecários que atuavam nesse tipo de

biblioteca e, assim, obter o endereço das mesmas; lá, fomos informados que bibliotecas

comunitárias eram instituições voltadas para disseminar informação e cultura em locais de

carência econômica, por isso impossibilitadas de pagar os serviços de um bibliotecário (sem

excluir a possibilidade desse profissional trabalhar como voluntário), mas que era muito

difícil encontrar um registro assim no Conselho. No entanto, esse mesmo órgão nos informou

que, próximo à sua sede, existia uma Fundação que atuava na Cidade, implantando e

auxiliando na manutenção de bibliotecas comunitárias, chamada Fundação Fé e Alegria. O

passo seguinte foi entrar em contato com a referida Fundação, onde pudemos obter com

sucesso todos os dados que necessitávamos.

Percebemos que as instituições do terceiro setor seriam os organismos que

possivelmente nos ajudariam neste trabalho. Começamos, então a pesquisar na Internet, em

almanaques e listas telefônicas, sobre as instituições que atuavam na área de educação e

desenvolvimento comunitário, que possivelmente estariam mais propícias a atuar no ramo

informacional.

Tomando essas medidas, pudemos encontrar 45 BCs na Cidade (esse número é

passível de alteração, pois acreditamos que essa pesquisa deverá ser continuada ou atualizada

constantemente, para que possamos levantar o número das bibliotecas existentes em garagens

e salas de associações de bairro, com as quais não conseguimos entrar em contato, por falta de

informações sobre telefones, fax, endereços precisos, sites ou qualquer outro meio de

comunicação que facilitasse a localização das mesmas).

O mapa abaixo é uma construção nossa a partir da mapa da exclusão social na cidade

de São Paulo organizado por Sposati (o original pode ser conferido no site:

<www.prefeitura.sp.gov.br>) .

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Mapa 4: Bibliotecas Comunitárias em Regiões de Exclusão Social na Cidade de São

Paulo18

18 Os círculos representam as BCs.

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Em seguida, elaboramos um mapa que cruza as localizações das bibliotecas públicas e

comunitárias. Lembramos aqui que algumas BC estarão localizadas em regiões consideradas

altamente incluídas no mapa elaborado por Sposati; todavia, alertamos que apesar dessas

regiões serem incluídas, geralmente elas possuem uma concentração de pessoas com

problemas sociais, como é o caso do bairro de Paraisópolis que está localizado dentro da

região do Morumbi.

Mapa 5: Bibliotecas Públicas e Comunitárias

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Dessa forma, também entendemos que o estudo de caso de uma BC específica poderá

nos ajudar a entender melhor esse relacionamento existente entre a BC e a comunidade

atendida por seus serviços. A BC escolhida foi a Biblioteca Comunitária Solano Trindade,

localizada no extremo leste da Cidade, visto que esse é considerado um dos bairros de maior

índice de exclusão da capital paulista: Cidade Tiradentes.

Mas, antes dessa BC existir, seus idealizadores o grupo juvenil Núcleo Cultural Força

Ativa precisaram criar duas importantes parcerias com as ONGs Ação Educativa e IBEAC.

Conheçamos, então, como toda essa história começou e se desenrolou.

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Capítulo 4 Biblioteca Comunitária e o Papel das ONGs, no

Contexto do Terceiro Setor

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4.1 Critérios de Escolha das ONGs Estudadas

Nesta etapa da pesquisa buscamos investigar o processo de implantação de BCs por

intermédio de ONGs, através do estudo de caso da BC Solano Trindade e da ONGs Ação

Educativa e IBEAC; verificar quais são os critérios para implantação de uma BC em um

determinado bairro; definir o real apoio (financeiro, material, humano) que as ONGs

oferecem às BCs; conhecer como é feito o trabalho de desenvolvimento comunitário,

promoção da cidadania e disseminação de informação e cultura dentro das BCs, pelas ONGs;

conhecer quais são as agências financiadoras que investem em projetos de BC; buscar

investigar quais são os principais problemas encontrados por ONGs durante a implantação e

manutenção de uma BC.

Definidos os objetivos específicos dessa fase, aplicamos entrevistas semi-estruturadas,

com gravação em áudio, a Elie Ghanem, representante da Ação Educativa, e a Vera Lion,

representante do IBEAC, principais ONGs parceiras da BC Solano Trindade, criada e

administrada pelo grupo juvenil Núcleo Cultural Força Ativa, já referido.19

O contato com os sujeitos potenciais foram feitos via e-mail e telefone.

Primeiramente, foi explicada a necessidade da pesquisa e, logo após, foram agendados dia e

horário para a realização da entrevista semi-estruturada. O roteiro foi baseado nos

questionamentos que nos assediam a respeito do tema e pode ser conferido em apêndice, cujos

dados têm caráter qualitativo, pois são provenientes de palavras, de significados, de

declarações subjetivas dos entrevistados.

A coleta de dados com os sujeitos potenciais aconteceu em dias diferenciados. No dia

28 de Abril de 2004, às 13h30, no Prédio da Faculdade de Educação da USP foi realizada uma

entrevista semi-estruturada com gravação em áudio com o Professor Elie Ghanem, docente da

mesma Universidade e coordenador do Projeto Integrar pela Educação, da ONG Ação

Educativa, parceira da BC Solano Trindade. Já a entrevista semi-estruturada com gravação em

áudio realizada com Vera Lion, coordenadora do Projeto Jovens Agentes de Direitos

Humanos da ONG IBEAC, ocorreu no dia 23 de junho de 2004, às 13h30, no prédio sede do

IBEAC, na cidade de São Paulo.

19 Os dados a respeito do bairro de Cidade Tiradentes e do Núcleo Cultural Força Ativa, assim como todos os outros dados que dizem respeito a formação e funcionamento da BC Solano Trindade poderão ser conferidos no “Capítulo 5: Estudo de caso da Biblioteca Comunitária Solano Trindade.

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4.2 Histórico e Campo de Atuação das ONGs Ação Educativa e

IBEAC

A Ação Educativa é uma ONG que nasceu no ano de 1994, na cidade de São Paulo,

mas sua área de atuação se estende por todo país. Essa ONG se preocupa em promover a

justiça social, a democracia e o desenvolvimento sustentável através de apoios a projetos

voltados para educação e juventude.

Seu campo de atuação está delimitado ao acompanhamento, avaliação crítica e

proposição de políticas públicas, buscando, dessa forma, tornar-se um centro de referência

para a articulação dos direitos educativos dos jovens. Favorece a articulação, a renovação e o

fortalecimento das representações da sociedade civil, além de elaborar e propor alternativas

que superem os obstáculo à efetivação e ampliação dos direitos educativos da juventude. Seus

ideais são os de prestar um serviço crítico com sentido público, por meio de:

• Produção de informação e conhecimento;

• Formulação de políticas públicas;

• Articulação de intervenções no campo social;

• Busca, criação e exercício da luta por direitos.

Para a realização de seus projetos sociais, conta com o apoio político e financeiro de

agências e instituições nacionais e internacionais de cooperação. ( AÇÃO EDUCATIVA,

2004)

O Instituto Brasileiro de Estudo e Apoio Comunitário (IBEAC) é uma ONG fundada

em 1981, sob a liderança do ex-governador André Franco Montoro. Seu objetivo inicial era/é

gerar o sentimento de participação cidadã pela sociedade civil, contribuindo, dessa forma,

para a construção da democracia. Sua missão é contribuir para a construção e fortalecimento

de uma cultura de direitos humanos, cidadania ativa, democracia participativa e solidária, por

meio de organização, conscientização e mobilização de setores da sociedade, a partir das

realidades locais e regionais. Atua primordialmente nas áreas de educação e direitos humanos.

Dentro da área de direitos humanos, seu objetivo geral é “formar lideranças com

protagonismos comunitários, sociais e políticos, tendo como perspectiva o enfrentamento das

diferentes formas de violência, o fortalecimento da democracia inclusiva e da cidadania

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ativa”. Tem como objetivos específicos:

• Criar e fortalecer a organização e participação de grupos e comunidades,

formando agentes multiplicadores.

• Formar agentes multiplicadores para que concretizem e vivenciem a

democracia e os direitos humanos no "cotidiário" de suas vidas.

• Incentivar a formação de redes e parcerias, dando maior visibilidade às ações e

agilizando informações.

• Promover ações de "advocacia" na área de direitos humanos, apontando

caminhos para o combate à violência, à desigualdade e à discriminação.

Para a realização de seus projetos sociais na área de direitos humanos, conta com o

apoio financeiro do Programa Paz nas Escolas, da Secretaria de Estado de Direitos Humanos e

do Ministério da Justiça. (IBEAC, 2004)

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4.3 BCs e ONGs: como e por quê surgiu esse relacionamento?

Para alcançarem seus ideais, as ONGs trabalham com o sistema de projetos. Esses

projetos possuem prazos, objetivos, metodologia e público-alvo pré-determinados. Nesse

caso, as ONGs fazem o papel de pontes entre as agências financiadoras e a população

excluída que necessita de um serviço específico dentro da temática das ONGs. E foi por

intermédio de dois projetos que surgiu o relacionamento entre as ONGs IBEAC e Ação

Educativa e a BC Solano Trindade; são eles:

• O Projeto Integrar pela Educação, promovido pela ONG Ação Educativa;

• O Projeto Jovens Agentes de Direitos Humanos, promovido pela ONG IBEAC.

A realização desses dois projetos foi o que permitiu acelerar a implantação da BC. Por

analogia, foram como padrinhos da BC, auxiliando e orientando o Núcleo Cultural Força

Ativa durante a fundação da BC. Conheçamos, então, cada um desses projetos:

O Integrar pela Educação20, nas palavras do professor Elie Ghanem, coordenador do

Projeto, foi elaborado, gerido e implementado por uma aliança de sete organizações bem

variadas; entre elas estava a Ação Educativa, como ONG de apoio e assessoria, e o Núcleo

Cultural Força Ativa, uma organização de jovens participantes do movimento Hip-Hop e que

tem como orientação principal os problemas da desigualdade social e da discriminação racial.

O objetivo principal do Integrar pela Educação era gerar novos sentidos para a

educação escolar por meio da combinação entre práticas educacionais formais e informais.

Dessa forma, todas as organizações envolvidas no Projeto se propuseram a realizar atividades

ligadas a esse objetivo. Nesse sentido, o Núcleo Cultural Força Ativa visualizou no Projeto

Integrar pela Educação a oportunidade de colocar para funcionar uma biblioteca no bairro de

Cidade Tiradentes, já que a comunidade não dispunha de locais que oferecessem

democraticamente o acesso à livros e outros materiais de leitura.

Para o Núcleo Cultural Força Ativa, no contexto do Integrar pela Educação, a BC

desde sua gênese, seria muito mais do que um depósito de livros: a BC deveria ser “[...] um

amplo e permanente processo participativo de formulação e implantação de uma política

cultural adequada às peculiaridades dos moradores de Cidade Tiradentes”. (PROJETO

20 Projeto iniciado em 1999 e oficialmente terminado em 2002.

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BIBLIOTECA COMUNITÁRIA, 1999, p.2)

Buscando sempre:

• Possibilitar o acesso regular dos moradores a materiais de leitura;

• Orientar o uso de materiais de leitura pelo exercício do debate de temas

significativos para os moradores;

• Viabilizar a produção de conhecimento (em meios escritos e áudios-visuais)

por parte dos moradores sobre temas que lhe são significativos.

• Interagir tanto com as autoridades quanto com outros agentes culturais da

sociedade civil na criação de políticas públicas.

A BC, nesse caso, seria um centro cultural e educativo alternativo, abrindo diversas

possibilidades educacionais para os moradores da Cidade de Tiradentes, inclusive, na prática

mais intensiva da leitura.

Já o Projeto Jovens Agentes de Direitos Humanos é uma variação paulistana de um

Projeto de Promoção de Direitos Humanos, ocorrido em cidades do norte e centro-oeste do

país. Esse Projeto apoiava a implantação de Centros de Documentação, que funcionavam

como centros divulgadores e promotores de direitos humanos.

Na cidade de São Paulo, a ONG IBEAC enxergou a “Biblioteca Comunitária Solano

Trindade”, localizada no bairro de Cidade Tiradentes, e a “Biblioteca Comunitária Livro Para

que Te Quero”, localizada no Jardim São Savério, como lugares potenciais para continuação

do Projeto. As pessoas que estavam à frente dessas duas iniciativas eram jovens; por isso, o

Projeto passou a ser mais direcionado a esse público, o que o levou a chamar-se “Jovens

Agentes de Direitos Humanos”.

Vera Lion (2004), coordenadora do Projeto Jovens Agentes de Direitos Humanos, nos

informa que, para a ONG IBEAC, a BC é um organismo vivo que interage com a comunidade

favorecendo a troca de idéias, sendo conseqüentemente um centro promotor de direitos

humanos.

Pode-se perceber que não foram nem a Ação Educativa e nem o IBEAC os fundadores

da BC Solano Trindade. Na verdade, os fundadores da BC são seus idealizadores e

responsáveis, aqueles que zelam até hoje pelo seu funcionamento; ou seja, o Núcleo Cultural

Força Ativa. Mas, foram o Projeto Integrar pela Educação e o Projeto Jovens Agentes de

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Direitos Humanos os responsáveis pelo relacionamento entre as ONGs e a BC em questão. E

dessa parceria foi possível estruturar, organizar, discutir, dinamizar e viabilizar a BC Solano

Trindade.

Sem os Projetos Integrar pela Educação e Jovens Agentes de Direitos Humanos, para

a BC Solano Trindade chegar ao que ela é hoje seriam necessários o dobro do tempo

percorrido e o dobro de esforços dispensados na tarefa de implantação de uma BC.

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4.4 BCs Trabalhando as Filosofias das ONGs

As agências financiadoras só investem em ONGs que trabalham na temática que elas

pretendem abordar. Um bom exemplo é que as agências que financiam programas para

adolescentes dificilmente financiarão projetos que atendam idosos. Portanto, para receber os

recursos financeiros, as ONGs precisam transmitir de maneira eficaz as suas filosofias para as

populações atendidas, buscando sempre traçar os objetivos dos projetos com base nos

objetivos gerais e na missão da ONG. Dessa forma, os projetos sempre irão colocar em prática

os ideais das ONGs, embora de maneiras diversas.

Seguindo essa lógica, o intuito principal do Integrar pela Educação é o de gerar novos

sentidos para a educação escolar. Com base nisso, a BC Solano Trindade procura, dentro de

suas possibilidades, estimular o acesso à cultura e ao lazer dentro de Cidade Tiradentes, pois,

É especialmente prejudicial a falta de políticas de cultura e lazer, seja porque as atividades intelectuais e afetivas estimuladas no exercício desse direito são indispensáveis ao desenvolvimento individual e coletivo, seja por que propiciam uma ação orientada para afirmar os demais direitos e, portanto, para promover igualdade social. (PROJETO BIBLIOTECA COMUNITÁRIA, 1999, p.1)

Essa BC, na visão do Integrar pela Educação, deve ser um centro cultural comunitário

que permita aos moradores do Bairro de Cidade Tiradentes acesso a suportes informacionais

que favoreçam a prática da leitura e da escrita, como elementos essenciais para o

desenvolvimento intelectual de qualquer indivíduo e que permitem, dessa forma, o aumento

do capital intelectual além dos muros da escola.

A conscientização dos moradores do Bairro para esse fato é estimulada pelos

animadores culturais da BC. São membros do Núcleo Cultural Força Ativa que receberam

treinamento especial de profissionais da Ação Educativa para essa função.

Cabe aqui destacar um aspecto importante na formação dos animadores culturais: fica

afastada toda e qualquer idéia de sujeitos passivos e indiferentes; pois devem interagir

permanentemente com sua comunidade usuária gerando, para as duas partes, múltiplas formas

de aprendizado.

Com o fim de conscientizar a população de Cidade Tiradentes de que os direitos

humanos são universais e universalidade não combina de nenhuma forma com desigualdade e

exclusão social, é que o IBEAC se propôs a formar os Jovens Agentes de Direitos Humanos.

Para isso, os integrantes do Núcleo Cultural Força Ativa participam periodicamente de

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oficinas e cursos de formação de multiplicadores, promovidos pelo IBEAC. Isso lhes garante

o aprofundamento e o domínio do tema “direitos humanos”.

A realização de debates e grupos de estudos na BC facilitam a transmissão de

conhecimento para toda comunidade, assim como o acervo de livros que abordam o assunto

“direitos humanos”, que também foram doados pelo IBEAC.

Depois da formação dos multiplicadores, dos animadores culturais e da doação de

uma parte do acervo, a intervenção do IBEAC e da Ação Educativa na BC Solano Trindade

tornou-se quase nula. A idéia é a de que a ONG deu “o empurrão inicial”; agora, o Núcleo

Cultural Força Ativa deve andar sozinho, a exemplo da velha história de que “não damos o

peixe e sim ensinamos a pescar”.

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4.5 Principais Problemas Enfrentados pelas ONGs Durante a Execução de

seus Projetos

Para se pôr projetos em prática, sempre é preciso transpor alguns problemas; desses,

uns já haviam sido previstos durante a elaboração do projeto e outros foram inesperadamente

surgindo durante o percurso.

Quando questionadas sobre qual foi o principal problema enfrentado durante a

implantação da BC Solano Trindade, as duas ONGs não hesitaram em responder que o espaço

para brigar o acervo foi um dos principais obstáculos. Esse problema foi solucionado quando

a COHAB cedeu uma sala, em um dos seus centros comerciais, em Cidade Tiradentes para a

ONG IBEAC.

O professor Elie Ghanem analisa mais profundamente a questão quando diz que a BC

representa um problema existente em toda a cidade de São Paulo. Vejamos nas próprias

palavras do Professor:

Existem problemas que dizem respeito às características da Cidade, características em termos de desigualdade. Uma das importantes motivações para criação de uma biblioteca em Cidade Tiradentes é o fato de que os assim chamado equipamentos culturais estão fortemente concentrados na parte central da Cidade. A Cidade Tiradentes, como um distrito do extremo leste da cidade manifesta justamente essa desigualdade. Criar uma biblioteca lá significa oferecer uma possibilidade de acesso à biblioteca. (GHANEM, 2004)

A concentração desigual dos equipamentos culturais públicos na Cidade não seria o

único problema a ser enfrentado; o Professor Elie continua sua explanação apontando agora

para a “inexperiência” dos integrantes do Núcleo Cultural Força Ativa e para a baixa

participação das escolas públicas (ressaltando que essas abrigam ou deveriam abrigar, ainda

que precariamente, bibliotecas escolares) no Projeto Integrar pela Educação.

Também ocorre que o fato da inexperiência das pessoas que tomaram a iniciativa da idéia da criação da Biblioteca Comunitária Solano Trindade. Não só porque são jovens, mas por que não têm familiaridade com esse oficio de criar, manter, dinamizar bibliotecas. Penso também que um problema importante que diz respeito ao próprio espírito do Projeto Integrar pela Educação é de que não houve e ainda não há suficiente relacionamento com as escolas públicas, considerando que essas escolas mantém bibliotecas, só que elas existem para um uso muito restrito de alunos e nos períodos letivos e assim também com muitas restrições. Implicaria, penso eu, em alguma atuação no sentido de mudar o próprio conceito de biblioteca escolar e de articulação entre as bibliotecas escolares e BC e enxergar que essa articulação entre as pessoas, entre as professoras nas escolas municipais e os ativistas do Núcleo Cultural Força Ativa. (GHANEM, 2004)

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Vera Lion (2004) também aponta como uma dificuldade que precisa ser superada o

fato “[...] de as bibliotecas escolares, quando existentes, estarem fechadas para a comunidade

o que faz a BC ser uma das únicas alternativa para o acesso a livros dos moradores de Cidade

Tiradentes”.

A inexistência de bibliotecas públicas e/ou centro culturais municipais e as barreiras

estabelecidas pelas bibliotecas escolares, pelo visto, foi o problema central a ser resolvido.

Mas, esse não foi um problema gerado na BC e sim foi um problema que ela precisou

enfrentar. Todavia, não se pode ignorar que uma população que, em sua maioria, nunca teve o

hábito de freqüentar bibliotecas, devido aos fatores já mencionados, também se torna um

problema de demanda a ser criada, o que só foi possível através das atividades desenvolvidas

dentro da BC em análise.

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4.6 ONGs: Analisando criticamente a atuação da BC

A análise critica é uma das formas de se avaliar um programa ou um projeto; é por

meio dela que se identificam os problemas ainda existentes e se começa a pensar e planejar

novas maneiras de fazer com que algo avance e/ou melhore. A análise crítica é um

instrumento que pode ser usado a favor da BC. Vejamos agora o que os coordenadores dos

Projetos Jovens Agentes de Direitos Humanos e Integrar pela Educação dizem a respeito de

sua atuação na BC Solano Trindade, sob esse prisma.

Vera Lion (2004), quando solicitada a fazer uma análise crítica a respeito da BC ela

relembra que a “[...] atuação da BC é essencial isso por que lá em Cidade Tiradentes não

existem bibliotecas públicas e as bibliotecas escolares não permitem uma abertura para

comunidade”.

Elie Ghanem, além de concordar com a afirmativa de Vera Lion, acrescenta que a BC

foi e está sendo muito importante para os próprios promotores da BC, pois estão aprendendo e

descobrindo diversas coisas. Todavia, ele alerta para o fato de que algumas atividades que

foram formuladas não chegaram a ser postas em prática, como veremos a seguir:

Agora eu entendo também que algumas idéias importantes que chegaram a ser formuladas, para o desenvolvimento da Biblioteca são de grande alcance, mas não devidamente percebidas pelo próprio pessoal do Força Ativa que promoveu a iniciativa. Essas idéias dizem respeito principalmente a concepção da Biblioteca como um centro cultural; digamos que isso eles já percebiam, mas num formato diferente do convencional, na qual você tem apenas pessoas remuneradas dispostas a atender usuários. A perspectiva que chegou a ser colocada era de que a Biblioteca em si mesma, na sua existência, fosse muito mais do que o acesso a livros, mas fosse uma movimentação da comunidade em torno das práticas da leitura e isso; na perspectiva de se tornar um centro mobilizador da criação de alternativas culturais para Cidade Tiradentes, diz respeito a abordagem do tema, da política cultural num local que não é pequeno, embora seja uma parte da cidade de São Paulo. Acho, então, que algumas idéias relativamente inovadoras, em todo o seu alcance, não foi devidamente percebida pelos promotores da Biblioteca. (GHANEM, 2004)

A BC Solano Trindade apesar do esforço ainda não alcançou a plenitude, nem mesmo

chegou a alcançar todos os objetivos propostos no seu Projeto. Seguindo a lógica do Professor

Elie Ghanem, os problemas existentes hoje na BC parece que só serão superados quando

houver uma consciência forte por parte do Núcleo Cultural Força Ativa de que a BC poderá

ser muito maior e melhor do que ela é atualmente, de que tem potencial para ser um centro

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mobilizador da criação de alternativas culturais para Cidade Tiradentes. Para se pôr isso

em prática antes de qualquer coisa, é preciso haver um planejamento de atividades adequado,

coerente e consistente e uma interação diferenciada entre os integrantes do Núcleo Cultural

Força Ativa e a comunidade.

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Fonte: http://www.ibeac.org.br/direitoshumanos1.html

Capítulo 5 Estudo de Caso da Biblioteca Comunitária Solano

Trindade

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5.1 Objetivos e Metodologias Utilizadas para realização Estudo de Caso

O estudo de caso da BC Solano Trindade preocupou-se em investigar o processo da

constituição e desenvolvimento de uma BC, localizada em região de exclusão social, além de

investigar como essa tem suprido as necessidades informacionais de sua comunidade usuária,

o que fez procurando conhecer a visão dos usuários, organizadores/administradores e ONGs

parceiras da BC sobre sua atuação no âmbito da comunidade.

A BC Solano Trindade foi escolhida para o estudo de caso por que ela é uma

representante típica das BCs da cidade de São Paulo. Pois, ela é fruto das reivindicações dos

moradores de Cidade Tiradentes bairro com alto índice de exclusão social por bibliotecas.

Os dados quantitativos para o estudo de caso da BC Solano Trindade foram colhidos

entre os dias 10 e 18 de abril de 2003, em períodos alternados, manhã e tarde.

Primeiramente foram aplicados 90 questionários aos usuários da BC Solano Trindade

com a finalidade de conhecer a comunidade e saber se ela se relaciona de maneira ótima com

a BC. Foram coletados dados qualquer usuário que estivesse disposto a participar da pesquisa,

sem nenhum critério preestabelecido. Escolheu-se apenas períodos alternados (manhã e tarde)

a fim de que pudéssemos conhecermos o mais variados tipos de usuários.

O segundo passo foi aplicar o mesmo questionário aos membros do Núcleo Cultural

Força Ativa (Grupo Juvenil responsável pela BC) para que pudéssemos realizar uma analise

comparativa entre os resultados obtidos do questionário dos usuários e dos membros

organizadores.

A terceira medida foi à realização da entrevista semi-estruturada; no dia 17 de Abril de

2003, às 14h30; aplicada a dois dos membros organizadores da BC Solano Trindade (David e

Wellington). Esses dados tiveram caráter estritamente qualitativo.

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5.2 Cidade Tiradentes

O bairro de Cidade Tiradentes fica no extremo leste da Cidade (a mais 35 kilometros

do centro). Por muitos apelidada de periferia das periferias, ela é considerada um dos maiores

Conjuntos Habitacionais da América Latina, construído pela Companhia Metropolitana da

Habitação (COHAB).

O bairro surgiu como fruto da política federal de habitação do extinto Banco Nacional

de Habitação (BNH), durante a década de 80 do século passado. Hoje, a região concentra

mais de 190 mil habitantes. Mesmo assim, ela ainda é alvo de constantes fluxos migratórios,

pois, é um fato o deslocamento de milhares de famílias para a região, já que a cada ano são

entregues centenas de novas unidades habitacionais.

Esse constante fluxo migratório aliado à constante falta de infra-estrutura e ao número insuficiente de equipamentos sociais acarreta problemas diversos. Tais problemas são visíveis principalmente nos setores de transporte, educação e saúde o que piora em muito as condições de moradia. (NASCIMENTO, 1998, p. 21)

Uma boa parcela dos habitantes de Cidade Tiradentes é composta por jovens, na faixa

etária de 15 a 24 anos. Conforme SPOSATI (2000, p. 21), essa faixa etária chega a quase dois

milhões de habitantes na cidade de São Paulo, o que reforça “[...] o quanto esta faixa etária

está a exigir propostas e ações de políticas públicas. Pelos noticiários, parece que a alternativa

que os jovens mais dispõem na cidade é a perversa Febem”.

Restam, portanto, poucas possibilidades de escolha para esses jovens; entre elas estão

o crime, a vergonha e o desejo de mudar de bairro e a vontade de mudar o Bairro (é comum,

ao transitarmos por Cidade Tiradentes, vermos adesivos e outras mídias com a seguinte frase

“Não mude da Cidade Tiradentes, mas ajude a mudá-la”).

Uma das primeiras opções a serem oferecidas é o crime e o tráfico de drogas. Pesquisa

divulgada há pouco tempo, em vários jornais e também na Internet (CAPITELLI, 2001),

informou que 300 menores da Cidade Tiradentes já passaram pela Febem; esse é um número

alto e preocupante, se comparado a outros bairros. Segundo a mesma pesquisa, esses

adolescentes relatavam a ausência de creches e escolas na infância.

Mais que creches e escolas, a criança que mora em Cidade Tiradentes não dispõe de

praças, playground, parques etc.

Bastante visível na Cidade Tiradentes é a ausência de espaços físicos destinados ao lazer e manifestações culturais. O tamanho das praças públicas existentes revelam a racionalização desse espaço, quando existente. (NASCIMENTO, 1998, p. 56)

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Os adolescentes, além de enfrentarem um sistema de ensino precário, ainda contam

com o problema da falta de vagas nas escolas. Muitos pais preferem enviar seus filhos para

estudar em outros bairros (fazendo-os enfrentar de 40 a 90 minutos de ônibus).

Campinhos de futebol improvisados, um clube da prefeitura que vive em reforma, dois

Telecentros e um espaço cultural (montados recentemente) são as únicas alternativas de lazer

públicos para os milhares de habitantes do bairro; não existem cinemas, teatros, bibliotecas,

casas de cultura etc.

Os adultos, em busca de oportunidade de emprego, várias vezes, precisam mentir a

respeito do local onde residem, temendo serem discriminados. Os empregados enfrentam um

longo tempo dentro dos transportes coletivos (em péssimas condições, são veículos sujos e

mal conservados) para chegar ao seu destino. No dia 23 de julho de 2002, a Prefeita Marta

Suplicy foi conferir de perto essa questão do transporte, ficando surpresa e inconformada com

os problemas que os passageiros convivem diariamente. (SILVEIRA, 2002).

No âmbito da saúde, não existe hospital no bairro, somente Unidades Básicas de

Saúde, algumas vezes, sem médicos, pois esses profissionais se recusam a trabalhar em

regiões distantes e “inseguras”.21

Todos esses aspectos propiciam o aumento da criminalidade. Tráfico de drogas,

homicídios, estupros, roubos são fatos comuns a milhares de pessoas, principalmente crianças

e adolescentes que, na ausência dos pais (que trabalham em outros bairros), estão vulneráveis

à violência, em vários sentidos.

Então, percebemos outros dois tipos de posicionamentos tomados pelos moradores de

Cidade Tiradentes: existem aqueles que escolhem estudar e trabalhar (ao mesmo tempo) com

o propósito de mudar de vida, circunstância que automaticamente está condicionado a

mudança de bairro. Por último, encontramos aqueles que não pretendem mudar de bairro, mas

alimentam a intenção de mudar a realidade do bairro. É sobre a ação desse último grupo que

iremos falar.

Após duas décadas de omissão estatal, a sociedade civil resolveu fazer algo para

transformar o quadro caótico e esquecido de Cidade Tiradentes. Abaixo-assinados

reivindicando hospitais, escolas, empregos entre outros se tornaram freqüentes.

Educadores e agentes comunitários estão fazendo um movimento de conscientização

da população, despertando-os para encontrar mecanismos para resolução, ainda que parcial,

de seus problemas. Grupos de Rap (conhecidos também como a voz da periferia) são

21 Atualmente está sendo construído um hospital público no bairro essa é uma das vitórias do movimento popular do Bairro.

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convidados a fazerem palestras e cantarem para centenas de estudantes nas escolas da região.

E foi através de uma letra de rap do grupo Juventude Armada, cujo titulo é “Vamos ler um

livro”, que se deu a origem, em 2001, da Biblioteca Comunitária Solano Trindade, cujo nome

é uma homenagem ao poeta negro pernambucano22.

Hoje, a Biblioteca conta com aproximadamente 4.000 itens documentários (entre

livros, revistas, vídeos etc.) e possui quase duas mil pessoas usuárias cadastradas.

Administrada pelos próprios jovens do bairro, não é um espaço somente de leitura e pesquisa

escolar, é um lugar onde se debatem idéias e se desenvolve o sentimento comunitário,

contribuindo para formação de cidadãos conscientes e participativos na sociedade.

22 Francisco Solano Trindade (1908 - 1964) recifense, filho de pai sapateiro, foi poeta, cineasta, pintor, teatrólogo e animador cultural. Seu trabalho seguiu em direção do resgate da arte popular e da luta em prol da independência cultural do negro no Brasil. Para isso, ele foi o idealizador e fundador de diversos movimentos sociais e culturais; como o I Congresso Afro-Brasileiro, o Teatro Experimental Negro (TEN), Teatro Popular Brasileiro (TPB) e da poesia “assumidamente negra brasileira”. Suas principais obras literárias são: Poemas de uma vida simples (1944), Seis tempos de poesia (1958) e Cantares de meu povo (1961). (SOLANO TRINDADE, 2003)

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5.3 Histórico da BC Solano Trindade

Somos a juventude armada e não queremos ser os tais, Pois, sabemos que uma boa leitura ensina até demais.

Portanto, meus amigos, procurem se informar. Pois do jeito que está, não, não, não pode ficar.

[...] É importante o livro, é uma arma fatal, que acaba com a burrice e deixa a mente legal.23

O projeto de implantação de uma BC na Cidade Tiradentes surgiu em 1996

impulsionado pela letra de rap “Vamos ler um livro”. Contudo, o caminho percorrido desde a

criação da música até a inauguração da BC foi árduo. No dia 17 de abril de 2003, às 14:40 foi

realizada uma entrevista estruturada com dois dos organizadores/colaboradores (David e

Welington) da Biblioteca Comunitária Solano Trindade.24 David (2003) nos dá um panorama

desse percurso histórico da Biblioteca: “Começou com um rap, foi para palestras e foi para

diversas atividades. Agora se encontra a biblioteca dando continuidade a outras atividades

mais”.

Com o projeto em mãos e a vontade de proporcionar acesso à informação, à leitura e à

cultura, de uma forma geral, foi preciso sair em busca de parcerias que auxiliassem a

transformar o projeto em realidade. Deste modo foi formado o tripé: Comunidade, COHAB e

ONGs.

Da comunidade veio grande parte do acervo (através de doações). A organização

juvenil Núcleo Cultural Força Ativa entrava com a mão-de-obra voluntária e seria ela a

responsável pela organização e manutenção da BC.

As ONGs contribuíram financeiramente, doando parte do acervo e utilizando sua

influência junto a Prefeitura para que essa cedesse o local para abrigar a BC.

A COHAB, por sua vez, atendendo às solicitações, cedeu o espaço para sediar, aquela

que veio a ser a primeira Biblioteca do Bairro.

Foi assim que, em 2001, surgiu a Biblioteca Comunitária Solano Trindade, localizada

à Avenida dos Têxteis, nº 1050.

Com o objetivo geral de “Instalar um amplo e permanente processo participativo de

formulação e implementação de uma política cultural adequada às peculiaridades dos

moradores de Cidade Tiradentes” (NÚCLEO CULTURAL FORÇA ATIVA, 1999) e tendo a

23 Esse é um trecho da música “Vamos Ler um Livro”. A letra na íntegra pode ser conferida em Anexo. 24 O roteiro da entrevista estruturada pode ser conferido no Apêndice.

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BC como estratégia geral: “Desenvolver, no exercício do direito à cultura e ao lazer, a

capacidade de pensar e criar dos moradores da Cidade Tiradentes, tendo como referência

central a prática da leitura e da escrita”. (NÚCLEO CULTURAL FORÇA ATIVA, 1999)

David e Welington nos especificaram os objetivos da BC. Deixaram claro, que a BC é

um lugar destinado a levar informação e ocupação à população da Cidade Tiradentes, da

mesma forma que é um espaço que pode ser compartilhado com todos aqueles que

necessitarem. Eles deram ênfase ao fato de aquela Biblioteca ser símbolo da reivindicação de

uma biblioteca pública no bairro.

O nosso objetivo não é fazer o papel do Estado. Fazer uma biblioteca para ficar dando livro para o pessoal. É mais uma cobrança que a gente tem a fazer a quem governa pelo ou menos na cidade de São Paulo. Então a gente está fazendo uma mobilização, um abaixo-assinado para estar reivindicando da Prefeitura uma biblioteca pública aqui na Cidade Tiradentes. (WELINGTON, 2003)

A partir desse pensamento de não querer fazer o papel do Estado é que podemos

perceber o amadurecimento dos movimentos sociais. Pois, fazer o papel do Estado implica

considerar uma alternativa como o único meio de solução de um problema social. Todavia, o

que vemos através dos organizadores da BC Solano Trindade é que exigir uma resposta dos

poderes públicos requer ir além de uma solução alternativa, visto que essa é muito limitada,

ou seja, significa continuar reivindicando aquilo que lhe é de direito, o que é garantido pela

Constituição, mas que lhe é negado através da ordem desigual da sociedade.

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5.3.1 Principais Problemas Enfrentados pela Biblioteca Comunitária Solano

Trindade

A BC constitui-se como uma instituição onerosa. Podemos deduzir isso através das

dificuldades enfrentadas pelas bibliotecas públicas, que em sua maioria são advindas da

escassez de recursos financeiros.

Se a biblioteca pública, que recebe um respaldo governamental e que conta com

profissionais “qualificados”, passa por sérios problemas financeiros e administrativos, o que

devemos esperar de uma BC?

David e Welington (2003) nos enumeram, como sendo cinco, os principais problemas

por que passa uma BC: os voluntários, o espaço, o acervo, o tratamento biblioteconômico e,

por fim, as finanças. Vale lembrar que, a ordem dos indicadores é meramente analítica,

podendo variar de acordo com a situação.

� Voluntários

Recrutar voluntários para trabalhar em uma BC é um processo que demanda muitas

conversas, debates e esclarecimentos, já que se espera que esses devam estar comprometidos

com a causa ideológica que o projeto exige. Algumas vezes, são encontradas pessoas

comprometidas com a causa, mas que não dispõem de tempo para a realização do trabalho

voluntário. Ou, às vezes, existem pessoas com tempo disponível, mas que não compartilham a

mesma filosofia dos organizadores. Depois de algum tempo, após a adesão e várias reuniões,

são realizadas escalas, de acordo com o tempo disponível de cada voluntário para que a BC

fique aberta nos horários comprometidos.

Todavia, se o trabalho voluntário é exercido somente com o trabalho livre, compete-

nos a seguinte pergunta: até quando devemos esperar que determinados grupos continuem

realizando a atividade voluntária?

Não temos conhecimento de pesquisas que avaliem o ciclo rotativo de voluntários em

um determinado serviço social, mas, podemos perceber isso empiricamente. Novas

oportunidades de empregos, mudança de bairro, desentendimentos com algum membro do

grupo organizador, enfim são vários os motivos que levam pessoas a abandonar o trabalho

voluntário, fazendo com que esse se torne um procedimento rotativo. Esse é, pois um dos

principais problemas encontrados pela instituição BC.

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� Espaço

Outro, que nos chama a atenção, é a questão do espaço. Ter um espaço para instalar

uma BC é uma das tarefas mais árduas dos idealizadores. Garagens, salas em igrejas e

associações de bairro são os locais mais comuns; entretanto, começam a surgir BCs nas sedes

de ONGs e também em outros tipos de centros religiosos (centros espíritas, por exemplo).

Logo, o lugar constitui-se um dos elementos-chave para o nascimento e a

sobrevivência de uma BC. Visto que, se o espaço for alugado e a comunidade não dispuser de

recursos para arcar com o custo do projeto, mais rapidamente ela fechará. Ou se o espaço

demonstrar problemas como goteiras, umidade ou qualquer outro tipo de influência externa

que leve a danificar o acervo a BC, fatalmente encurtará seus anos de vida.

� Acervo

A montagem do acervo pode parecer, inicialmente, a barreira mais simples de ser

ultrapassada, porque é de senso comum a idéia de que é só divulgar a boa intenção do projeto

que rapidamente surgirão doações de todos os lados.

Mas, o problema aqui enfrentado não é a quantidade de livros, mas sim a “qualidade”

dos livros. Quando nos referimos à qualidade, nesse contexto, temos em mente a pergunta:

será que esse material bibliográfico está dentro dos interesses informacionais dessa

comunidade usuária? Sabemos que algumas vezes os livros doados não condizem com as

necessidades informacionais da comunidade e é exatamente por isso que a questão do acervo

se constitui como um problema e um desafio.

Armazenar livros que casem os interesses da comunidade e as doações recebidas é

uma questão extremamente difícil. A montagem do acervo da BC Solano Trindade aconteceu

por meio de quatro agentes: a comunidade, o IBEAC (Instituto Brasileiro de Estudos de Ação

Comunitária), um casal italiano altruísta e a Fundação Kellogs. Com exceção do primeiro

agente os demais apenas fizeram uma doação inicial, o casal italiano e a Fundação Kellogs

realizaram uma doação em dinheiro; o IBEAC doou livros, revistas, VHS etc. O papel da

comunidade dentro da formação do acervo iremos ver mais para frente.

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� Tratamento biblioteconômico

Após ultrapassar algumas dificuldades durante a composição do acervo, surge um

novo desafio, que diz respeito a área biblioteconômica: a organização do acervo.

Na maioria, são feitas várias tentativas por parte da comunidade, sem sucesso devido a

falta de domínio das técnicas de organização que competem ao profissional bibliotecário. Na

tentativa de deixar o acervo acessível, acaba-se caindo no erro da desorganização. O que fazer

então? Procurar ajuda especializada seria a melhor saída, mas onde se pode encontrar um

bibliotecário? No bairro, nenhum é conhecido; o que fazer então? Alguém conhece um amigo

que é professor e tem imensa vontade de ajudar; inicia-se, portanto, um processo de

organização do acervo sem base em nenhuma técnica biblioteconômica.

David nos fala que um dos motivos de existirem os problemas na BC Solano Trindade

é justamente a falta de profissionais bibliotecários.

Problemas esses encontrados porque o Núcleo não tem profissionais nessa área [biblioteconomia]. Nós somos um grupo onde o pessoal que atua na Biblioteca não tem o curso para atuar em biblioteca e o pessoal que atua com estúdio não tem o curso para atuar com estúdio. Então, assim a gente tenta estar superando sem os profissionais, que é uma dificuldade também.

Onde estão os bibliotecários? Não é apenas na Solano Trindade que verificamos a falta

desse profissional; muitas das BCs localizadas, até o momento, não contam o apoio desse

profissional.

Para o profissional, não conhecer esse tipo especifico de Biblioteca é uma justificativa

até certo ponto plausível. Mas, como profissionais da informação, que deveriam estar

atualizados e atentos à realidade social do país, o desconhecimento coletivo sobre o assunto

torna-se injustificável.

Acreditamos que o bibliotecário não deveria fazer parte do pacote de problemas da

BC, mas sim ser a solução de grande parte desses problemas. Esse profissional deveria se

colocar diante da comunidade como um agente “[...] incentivador, um animador, um

catalizador, e não alguém que exerça algum tipo de dominação.” (RABELLO, 1987, p.40)

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� Finanças

A BC precisa da injeção permanente de dinheiro. Angariar recursos para pagar contas

de água, luz, telefone, material (lápis, folhas, produtos de limpeza etc.) requer muita

criatividade. Algumas BCs têm suas folhas de gastos cobertas inteiramente por Instituições do

terceiro setor outras precisam usar seus “talentos”. Na BC Solano Trindade gastos menores

são pagos com a coleta de uma taxa de R$ 0,25 dos usuários que atrasam a devolução do

material bibliográfico. No entanto, essa taxa não consegue pagar contas de maior valor, como

por exemplo, as de telefone.

Como é fácil de notar, “nem tudo são flores” dentro de uma BC. Essa acaba se

tornando uma organização com dificuldades como, qualquer outra e para garantir sua

sobrevivência, ela precisa ser bem administrada.

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5.4 Os organizadores

Como já dissemos, a coordenação da BC Solano Trindade fica a cargo dos jovens do

Núcleo Cultural Força Ativa. Ao ser interrogado, sobre o que é o Núcleo Cultural Força

Ativa, David (2003) o define assim:

O Núcleo Cultural Força Ativa é uma organização juvenil que tem como preocupação trabalhar a africanidade, a auto-estima, o censo político das pessoas. [...] O incentivo à leitura é uma das questões que a gente mais bate na tecla, por isso o existir da Biblioteca. É isso: ela nasce como uma posse de Hip-Hop e se transforma em uma organização juvenil que vem conscientizar os jovens a respeito da leitura e a participação política. Acho que dá para resumir aí o Núcleo. A participação política é o carro chefe do grupo.

Esse grupo juvenil surgiu em 1989 e está estruturado de forma colegiada (centralismo

democrático). Conhecer o perfil desses jovens, assim como o que eles pensam a respeito da

BC e como essa interage na comunidade através deles é de extrema importância para este

trabalho.

� O perfil dos organizadores

O perfil do Núcleo Cultural Força Ativa é composto basicamente de jovens do sexo

masculino (90,9%), com idade média de 25 anos.

Solteiros em sua maioria (90,9%), os membros do grupo possuem um nível de

escolaridade que reflete a preocupação desses com o estudo; 81,8% já concluíram ou estão

cursando o ensino médio e 18,2% estão cursando o nível superior. A situação econômica

familiar predominante (54,5%) é a de 1 até 4 salários mínimos.

Quando questionados como eles auto-avaliam os serviços prestados pela Biblioteca

27,3% o consideram excelente, igual proporção (27,3%) considera ótimo. Contudo, 36,4%

acreditam que o trabalho voluntário que excercem é bom e somente 9% pensam que é

péssimo.

Ao avaliarem a composição do acervo, esses voluntários-usuários da BC

classificaram-no como bom (72,7%). O restante dos entrevistados se dividem em respostas

como excelente (9,1%), péssimo (9,1%) e regular (9,1%). O resultado de 72% na avaliação do

acervo, como sendo bom, tem a ver com o grau de satisfação relacionado com o acervo.

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Dos entrevistados, 45,5% declararam que a Biblioteca não acudiu, ou acode, as suas

necessidades informacionais. Isso porque essa é encarada como um local sem recursos e sem

livros considerados como “atuais”. Alguns indicam que suas necessidades informacionais só

serão atendidas quando houver uma biblioteca pública na Cidade Tiradentes. Mas, os outros

54,5 % afirmam que a BC satisfaz suas necessidades informacionais, por que simplesmente

não há outro lugar para onde ir no Bairro.

Resumindo, o Núcleo Cultural Força Ativa é composto, em grande parte, por jovens,

do sexo masculino, com idade média de 25 anos e que já tenham concluído ou que estejam

cursando o ensino médio. A situação econômica da família está compatível com a conjuntura

do bairro, variando entre 1 à 4 salários mínimos. Freqüentadores assíduos da BC, alguns para

exercer o trabalho voluntário, outros para participar das atividades do Núcleo Cultural Força

Ativa, esses jovens compartilham a opinião de que desempenham um bom trabalho, contando

para isso com um bom acervo, que poderá atender as necessidades informacionais dos

moradores da Cidade Tiradentes. Contudo, essa necessidade só será suprida totalmente

quando for instalada uma biblioteca pública no bairro.

� BC um lugar de debates

O espaço, além de comportar a BC, tornou-se uma espécie de sede do Núcleo Cultural

Força Ativa; é no espaço da Biblioteca que são realizadas reuniões, debates, grupos de

estudos, entre outros. A Biblioteca configura-se como um local de discussões políticas,

sociais, ideológicos, etc. É muito comum durante a tarde, uma conversa informal transformar-

se em um debate polêmico, nesse ambiente.

Essa interatividade, dentro da Biblioteca faz, com que a freqüência mensal dos

membros, voluntários, seja, em média,de 18 vezes ao mês, por cada componente do grupo.

� Os organizadores e o que eles pensam sobre o futuro da BC

Quando questionamos o que eles gostariam que fosse melhorado, David (2003) nos

responde:

“Como tudo na periferia tem muitas coisas que precisa ser melhorado e a biblioteca

não escapa disso. O nosso acervo é pequeno para a comunidade. Outro problema é o espaço,

talvez se tivéssemos um espaço maior ou coisa parecida o trabalho ia correr melhor”.

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Contudo, ao vislumbrarem o futuro, negam a idéia do “sonhar”, pois acreditam ser

esse um “luxo”:

A gente não se dá ao luxo pensar em sonhos nessa sociedade capitalista, mas pisando no chão a gente pensa no nosso bairro que querendo ou não tem limites e a gente pensa em estar ampliando e estar transformando em um centro cultural, enfim crescer em prol da comunidade é legal que o pessoal aqui não se dá ao luxo de pensar em sonho porque não tem como mesmo. Então é isso sempre trabalhando com a politização dos jovens de adultos e crianças também. E o lazer também que é um problema na Cidade Tiradentes envolvendo isso dá para a gente estar pensando em um centro cultural que é um ideal que seria o mínimo que a gente poderia estar fazendo, trabalhar a informação, o lazer e a cultura dentro da Cidade Tiradentes. (DAVID, 2003)

Então se aqui tivesse um centro cultural e/ou biblioteca pública já era um avanço na área da cultura e informação aqui na Cidade Tiradentes descentralizaria mais o trabalho que a gente faz aqui. (WELLIGNTON, 2003)

Ampliar os serviços prestados, para atender à comunidade, e a conquista de uma

biblioteca pública e/ou um centro cultural são, pois o paradoxo existente nas perspectivas de

futuro dos membros do Núcleo Cultural Força Ativa.

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5.5 A Comunidade

À medida que a Biblioteca é conhecida no Bairro, é sentido o aumento na demanda

dos usuários da mesma. Todos os dias são vistas dezenas de pessoas tornando-se sócias da BC

Solano Trindade. Ficar sócio da Biblioteca é muito fácil basta: apresentar um documento de

identificação e um comprovante de residência. Não há limite no número de empréstimo de

livros, sendo que um mesmo indivíduo pode emprestar mais de 10 itens de uma vez só, se

quiser.

Esses usuários, que crescem em grande progressão, representam a massa de cidadãos

em busca de informação que possa ser transformada em conhecimento. Focalizar nosso estudo

no relacionamento existente entre uma comunidade composta de excluídos sociais e uma BC

foi relevante neste trabalho, visto que ajudará a compreender o real papel que uma BC exerce

na sociedade; sendo que saber qual é a visão dos usuários a respeito da BC poderá confirmar

ou derrubar a hipótese de que essa contribui para a democratização da informação,

cooperando para o desenvolvimento social, intelectual e profissional de populações excluídas.

Assim, começaremos pelo perfil dos usuários da BC Solano Trindade. Durante os dias

10, 14,15,16,18 de abril de 2003 (nos períodos da manhã, 10:30 às 12:00, e tarde, 14:30 às

18:00) foi aplicado um questionário com quartoze questões (abertas e fechadas)25 a noventa

usuários da BC Solano Trindade, o qual tinha como objetivo conhecer o perfil desses

usuários; conhecer a opinião desses a respeito da “alternativa de biblioteca” implantada no

Bairro; saber como acontece a participação comunitária e definir os limites de uma BC.

� O perfil dos usuários

Os entrevistados têm idade bem variada (8 à 55 anos), sendo que a parcela mais

significativa, 64,5%, é composta de jovens de 11 a 22 anos. Praticamente, é nulo o número de

usuários infantis; isso pode ser explicado pela escassez de material bibliográfico e atividades

direcionadas para crianças, o que significa uma deficiência preocupante, se considerarmos o

imenso contingente populacional de idades entre 0 à 10 anos, encontrado no Bairro.

As mulheres lideram o ranking de usuários; 68% dos freqüentadores da Solano

Trindade, é do gênero feminino.

25 O questionário pode ser conferido em Apêndice.

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Como já comentamos acima, a maioria dos usuários da BC Solano Trindade é de

jovens, dado que decorre dos interesses que os mesmos possuem ao freqüentar a Biblioteca,

pois são estudantes em sua maioria (65%) e utilizam a Biblioteca para a realização de

pesquisa escolar.

Esses estudantes, que precisam enfrentar uma série de barreiras para chegar ao nível

superior, defrontam-se também com a barreira econômico-financeira (91,8% dos

entrevistados alegaram que a renda total da família por mês é de até quatro salários mínimos),

e vislumbram a BC como um instrumento para suplantar as falhas deixadas pelo ensino

público.

Em síntese, o perfil dos usuários da BC Solano Trindade é de estudantes, na maioria

do gênero feminino, cursando ou que já concluíu o ensino médio, com idades que vão de 11 a

20 anos. Seu quadro financeiro é o reflexo da condição econômica do bairro, ou seja, são

integrantes de famílias sobrevivem com até quatro salários mínimos.

� Os principais interesses dos usuários

Quando questionados a respeito do que estavam fazendo na BC, 59% dos

entrevistados declararam que estavam ali para realizar uma pesquisa escolar e 47% diziam

que estavam ali fazendo empréstimos de livros, para fins diversos de leitura. Esses dois

interesses são, também, os mais encontrados nas bibliotecas públicas. (ALMEIDA JUNIOR,

1997a)

Alguns autores defendem a idéia de que isso se deve ao fato de haver falhas na

biblioteca escolar, quando essa existe e está acessível. Então, a BC, assim como a biblioteca

pública, acaba por se tornar uma biblioteca “com fins escolares”. Membros da organização da

biblioteca pesquisada encaram esse fato como um problema a ser superado, a partir da

instalação de uma biblioteca pública no Bairro:

A gente atende muitas pessoas, é muita gente para poucos livros, quem quisesse fazer trabalho [escolar] iria à biblioteca da prefeitura e pegava os livros e fazia o trabalho. Quem quisesse ler ou ficar conversando... participar de uma atividade viria para cá. Então a gente só iria atender aqui quem se identificasse com a gente. Muitas vezes nem tem o livro e a gente tem que ficar se matando procurando e não tem e não consegue. (WELLINGTON, 2003)

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� Quando não existia a BC...

Um dos dados que mais nos chamam a atenção é de que 19% dos entrevistados não

freqüentavam nenhum serviço de informação antes da BC Solano Trindade. Entretanto,

46,6% disseram ir até as mais variadas bibliotecas públicas da Região Metropolitana de São

Paulo, 17% falaram que emprestavam livros de amigos e 17% utilizavam os livros da escola.

Agora que esses moradores do bairro de Cidade Tiradentes já podem contar com uma

unidade de informação alternativa, resta-nos saber se esta unidade de informação tem suprido

as necessidades informacionais de sua comunidade usuária.

“Tudo o que venho procurar aqui eu encontro”. Essa é a justificativa predominante dos

entrevistados que acreditam que a BC tem suprido suas necessidades informacionais (68%):

“Não há outro lugar onde possamos ir. O governo deixou nossa comunidade de mãos

abanando”.

No entanto, 8,9% afirmam que a BC não consegue atender as necessidades

informacionais de Cidade Tiradentes porque seu acervo é pequeno. “Faltam livros” é a

justificativa mais comum e sugerem que a solução desse problema só virá quando a

comunidade doar mais livros. 26

Outros (18%) disseram que é apenas “de vez em quando” que a BC deixa a desejar,

tendo-se como justificativa predominante a escassez de livros de assuntos específicos (como

medicina alternativa, literatura espírita etc.). Como se pode perceber, o acervo (4000 livros

aproximadamente) não atende a crescente demanda dos usuários. Algumas pessoas acreditam

que, pelo fato da BC ser constituída e mantida pela sociedade civil, elas não têm o direito de

criticá-la mais severamente; no entanto, críticas de caráter mais brando, como vimos agora,

revelam que a principal deficiência da BC é o seu acervo, que não atende totalmente as

necessidades informacionais dos moradores de Cidade Tiradentes.

26 Percebam que quando os usuários declaram que os problemas com o acervo só serão superados a partir de uma participação efetiva da comunidade eles estão demonstrando uma desesperança de solução do problema (instalação de uma biblioteca pública) por parte do Estado (ao contrário do que pensam os organizadores).

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� Satisfação

Avaliar os serviços prestados por qualquer organização é sempre uma descoberta em

uma BC não é diferente. Ao mensurarmos os dados referentes à avaliação dos serviços

prestados pelos voluntários da BC e o acervo que se encontra disponível, percebemos que a

avaliação geral tem característica positiva.

TABELA 1: Avaliação dos Serviços Prestados pelos Voluntários

AVALIAÇÃO % EXCELENTE 27%

ÓTIMO 29% BOM 35%

REGULAR 9% RUIM 0%

PÉSSIMO 0% TOTAL 100%

TABELA 2: Avaliação do Acervo

AVALIAÇÃO % EXCELENTE 19%

ÓTIMO 17% BOM 48%

REGULAR 14% RUIM 1%

PÉSSIMO 1% TOTAL 100%

Opiniões como excelente, ótimo e bom encabeçam o podium de respostas. Isso

significa que, apesar das limitações no que se refere ao acervo, a BC tem desempenhado um

papel de destaque em uma comunidade marcada por diversos tipos de privações sociais.

Quando deixamos as pessoas livres para dizerem o que acreditam que precisa ser

melhorado na BC, sugestões de três ordens aparecem: 1. é preciso que aumente o acervo, 2. é

preciso um espaço maior, 3. é necessário que haja um processamento técnico.

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Avaliar uma biblioteca implica em colocá-la em um determinado contexto. A

comunidade sabe que não se deve cobrar muito dos voluntários da BC, pois eles foram os

únicos que tiveram a iniciativa de modificar o caótico quadro de precariedade informacional

do Bairro. Ao mesmo tempo eles (os usuários) entendem que a BC tem limitações, como

enumeramos acima, e a solução mais obvia para eles é a de que deveria haver mais

participação da comunidade. Vejamos algumas dessas falas:

• “Gostaria que a biblioteca tivesse mais espaço para poder crescer”.

• “As pessoas poderiam doar mais livros”.

• “Gostaria que aumentasse a biblioteca. O espaço é pequeno e a demanda é

grande”.

• “Poderia ter mais livros. Aqui no bairro falta muita coisa”.

• “Poderia existir um catálogo, pois assim facilitaria a pesquisa. Ao invés de nós

pesquisarmos livro por livro iríamos direto ao catálogo”.

• “Os livros deveriam ser mais organizados. Poderia existir uma pessoa que nos

orientasse na pesquisa”.

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5.6 Análise Comparativa: Organizadores X Comunidade

Vamos agora confrontar as visões de ambos os grupos (organizadores e usuários) e

verificar onde eles concordam e onde divergem. Comecemos com a análise comparativa do

perfil:

Perfil dos organizadores Perfil dos usuários

Idade Média de 25 anos Têm idade de 11 a 20 anos.

Sexo Gênero masculino. Gênero feminino

Estado civil Solteiros Solteiros

Ocupação Estudantes Estudantes

Nível de escolaridade Já concluíram ou estão cursando o ensino médio.

Já concluíram ou estão cursando o ensino médio.

Situação econômica

familiar

Vivem com até quatro salários mínimos.

Vivem com até quatro salários mínimos.

Quadro 3: Quadro Comparativo Referente aos Perfis dos Organizadores e dos Usuários

No trabalho realizado por Sposati (2000); é nos informado que, em 1999, 44,07% da

população da Cidade Tiradentes era constituída de pessoas na faixa etária de 0 a 18. De lá

para cá deu para notar que o quadro continua o mesmo em termos de faixa etária.

Os jovens são maioria nos bairros periféricos. São maioria também na BC Solano

Trindade, tanto como usuários quanto como voluntários. Por isso, os perfis dos dois grupos

são muito semelhantes, como se pode perceber facilmente; a única peculiaridade encontrada é

na questão do gênero.

Não temos uma explicação científica para isso; todavia, através de conversas informais

foi-nos levado ao conhecimento que o Núcleo Cultural Força Ativa está preocupado em

reverter essa estatística, criando atividades que visem à integração das mulheres no grupo

organizador.27

27 Ver relato das atividades que se encontra em Apêndice.

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Organizadores Usuários

Atividade Exercer trabalho voluntário e/ou participar das atividades do Núcleo Cultural Força Ativa

59% freqüentam a BC para a realização de pesquisa escolar e 47% para emprestar materiais de leitura.

Média de freqüência 18 vezes mês 5,5 vezes ao mês

Quadro 4: Atividades Realizadas pela/na Biblioteca Comunitária

A freqüência é alta de ambos os lados, se formos cotejar com as estatísticas das

bibliotecas públicas, visto que a grande maioria dos entrevistados freqüentam a BC mais de

uma vez por semana, com interesses diversos.

• Avaliação dos serviços prestados

Analisar a avaliação da BC pelos usuários e organizadores é preponderante neste

trabalho, pois ela é uma referência do relacionamento que existe entre a BC e região de

exclusão social. Se, ao invés de um resultado positivo, tivéssemos verificado uma resposta

negativa da comunidade quanto aos serviços prestados pela Biblioteca, a nossa hipótese

inicial de que a BC contribui para democratização da informação não teria sido confirmada.

Satisfeitos com a BC essa é a opinião da maioria dos respondentes no que diz respeito

ao acervo e também aos serviços prestados pelo Núcleo Cultural Força Ativa.

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

Excelente Ótimo Bom Regular Ruim Péssimo

Usuários

Organizadores

Gráfico 3: Avaliação dos Serviços Prestados

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As opiniões são semelhantes, mas não são unânimes. Sugestões da parte da

comunidade vislumbram um espaço maior para a instalação e funcionamento da BC, assim

como para abrigar o acervo que provavelmente a comunidade doaria, organizado de maneira

ótima, de preferência por um profissional que dominasse as técnicas de organização de

materiais bibliográficos e não bibliográficos.

Contudo, os organizadores acreditam que a BC dificilmente irá suprir todas as

necessidades informacionais de Cidade Tiradentes, que só serão supridas por uma biblioteca

pública compatível com a comunidade desse Bairro.

Todavia, enquanto a biblioteca pública não chega, a BC Solano Trindade continua

fazendo parcerias com instituições do terceiro setor para sobreviver. Como já foi mencionado

acima, duas dessas instituições foram extremamente importante durante a criação da BC, a

ONG IBEAC e a Ação Educativa.

Na próxima seção,conheceremos quais foram os recursos oferecidos pelas duas ONGs

à BC Solano Trindade.

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5.7 Recursos Oferecidos à BC Solano Trindade pelas ONGs

Para colocar os projetos em prática, fortalecendo a parceria entre ONGs e BC, e

desenvolver as atividade propostas nos projetos, foi preciso oferecer recursos à BC.

Conheçamos agora quais foram os recursos fornecidos pela Ação Educativa e pela IBEAC à

BC Solano Trindade.

O programa de formação de animadores culturais, oferecido pela Ação Educativa aos

integrantes do Núcleo Cultural Força Ativa que participavam diretamente da implantação da

BC incluía orientações técnicas de como deve ser o funcionamento de uma biblioteca até

apresentações e participações em seminários e congressos nacionais e internacionais.

Tudo isso só foi possível graças ao financiamento da Fundação Kellogs, que foi a

agência financiadora do Projeto Integrar pela Educação, como um todo.

A BC Solano Trindade também recebeu recursos financeiros do Ministério da Justiça,

que lhes foram repassados pela ONG IBEAC. Esses recursos foram utilizados para compra do

acervo relacionado a direitos humanos e para realização de oficinas e cursos de direitos

humanos. O IBEAC também foi o responsável por interceder junto a COHAB quanto ao

espaço que hoje abriga a BC.

Inicialmente, o objetivo do IBEAC era de que a BC atendesse o público infanto-

juvenil. No entanto, a ONG viu seu projeto sendo estendido a toda a comunidade de Cidade

Tiradentes. Hoje, essa ONG acredita que o crescente número de usuários da comunidade na

BC é um importante resultado do investimento realizado por eles.

Já a Ação Educativa, desde o inicio, sempre almejou que a BC desenvolvesse

atividades para toda a comunidade (crianças, jovens, adultos e idosos), o que se pode perceber

através da orientação estratégica geral e do plano de atividades expostos no Projeto de

Criação da BC Solano Trindade, como pode ser conferido abaixo:

Dentro dos objetivos estabelecidos e no exercício do direito à cultura e ao lazer, a biblioteca comunitária desenvolverá a capacidade de pensar e criar dos moradores da Cidade Tiradentes, tendo como referência central a prática da leitura e da escrita. Com base nisso, o trabalho assumirá as seguintes características: 1. A biblioteca funcionará como central cultural comunitário: a) sendo acessível a

qualquer morador; b) favorecendo o estreitamento de relações pessoais entre os moradores; c) resultando da co-responsabilidade da comunidade local quanto ao seu funcionamento e em seu direcionamento.

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2. Será utilizado trabalho voluntário; eventualmente contando com ajuda de custo. 3. As atividades desenvolvidas variarão conforme as necessidades das diferentes

faixas etárias. 4. O acervo será formado com a maior variedade possível de tipos e gêneros de

materiais de leitura. 5. A biblioteca proporcionará participação intergeracional, valorizando o papel da

terceira idade como agente de reconstrução da história social e de difusão de saberes, especialmente em atividades de leitura e de narração de vivências cotidianas.

6. Será organizada leitura coletiva sistemática - especialmente narrativa, poesia e história - sempre que possível, como elemento constituinte das demais atividades.

7. O espaço da biblioteca será adequado a diferentes usos: consulta (leitura e acervo), debates (inclusive registro oral dos moradores), oficinas de artes, uso de áudio e vídeo.

8. Serão incorporados passeios e viagens em grupo como instrumento educativo e de desenvolvimento intelectual e emocional nas diferentes faixas etárias.

9. As atividades serão orientadas para conscientização da comunidade quanto à transformação do ambiente local, à importância da educação formal, informal e da convivência familiar.

10. A responsabilidade pela gestão da biblioteca será atribuída ao Núcleo Cultural Força Ativa, que deverá assegurar a participação comunitária. (PROJETO BIBLIOTECA COMUNITÁRIA, 1999, p.3)

Os recursos oferecidos pelas ONGs para colocar em prática seus projetos, usados

sabiamente além de enriquecer intelectualmente os integrantes do Núcleo Cultural Força

Ativa, expandiram-se para toda a comunidade de Cidade Tiradentes.

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5.8 Bibliotecários: um assunto que vale a pena comentar

O Núcleo Cultural Força Ativa tinha um sonho: “que todos os moradores de Cidade

Tiradentes tivessem acesso à informação”.

Para isso, não tiveram uma atitude de inércia perante o problema de falta de

bibliotecas no Bairro: mobilizaram esforços, criaram parcerias e montaram uma BC. Nos

passos seguintes, depararam-se com a questão: como pôr a Biblioteca para funcionar?

Surge no cenário das inquietações um personagem pouco conhecido do grande

público, mas que se torna à peça-chave em momentos como esse, o bibliotecário. Ele é o

único profissional capaz de organizar bibliotecas competentemente, pois domina as técnicas

de organização, armazenamento, transmissão e disseminação da informação, as quais

chamamos de técnicas biblioteconômicas.

O ideal seria haver um profissional desses atuando diretamente na BC: ensinando as

técnicas biblioteconômicas básicas, delegando funções, participando da administração da BC.

Todavia, esse ideal está muito longe de tornar-se real. Pois, a classe bibliotecária, como um

todo, parece não conhecer ou não procura conhecer as BCs, “não tem tempo”, não se sente à

vontade e ainda por cima mora longe.

Mas de alguma forma, o problema da organização da BC precisa ser superado, com

bibliotecários ou sem eles. E foi exatamente isso que aconteceu com o Núcleo Cultural Força

Ativa: seus integrantes não conheciam as formas de se organizar o acervo e não contavam

com o auxílio direto de um profissional bibliotecário.

Diante disso, para poder organizar o acervo da BC, alguns membros do Núcleo

Cultural Força Ativa fizeram um curso de “Biblioteconomia a Distância”, oferecido pelo

Instituto Brasil Leitor. Vejamos o que Weber Lopes, integrante do Núcleo Cultural Força

Ativa, comenta a respeito:

Entramos em contato com o Instituto Brasil Leitor, que nos forneceu o material para realização do curso de Bibliotecário a Distância, voltado para formação de gestores de bibliotecas. Eu estudei o material e ministrei o curso, em setembro de 2003, adaptado a nossa realidade. Uma das vantagens do curso é que ele nos permite conhecer e discutir a organização ideal de uma biblioteca. Participaram vários membros do Força Ativa e pessoas da comunidade que eram consulentes da biblioteca. Já estamos pensando em oferecer o curso novamente, até como forma de ampliar a participação da comunidade. Percebemos que não é preciso ter um curso de biblioteconomia para entender de biblioteca, aprender a organizar um acervo ou dominar as técnicas de catalogação (apesar de que, se tivéssemos, seria bom). O curso pode até qualificar pessoas par trabalharem em bibliotecas, acervos, livrarias etc. Três pessoas que participaram do curso hoje atuam como voluntárias na biblioteca. (LOPES, 2003, p.30)

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A declaração de Weber Lopes é bastante discutível para os bibliotecários e/ou suas

associações representativas. Diante de posições como essa, a classe profissional se posiciona

contra, já que é um absurdo existir um curso leigo de biblioteconomia, de curta duração e à

distância, enquanto se passa por uma formação universitária de no mínimo quatro anos para se

chegar aos profissionais competentes com que a sociedade brasileira conta hoje.

Entretanto, agora queremos chamar a atenção para esta frase de Weber Lopes:

“Percebemos que não é preciso ter um curso de biblioteconomia para entender de biblioteca,

aprender a organizar um acervo ou dominar as técnicas de catalogação (APESAR DE QUE,

SE TIVÉSSEMOS, SERIA BOM)”.

Pode-se criticar alguém que, apesar das suas limitações, está fazendo o melhor que

pode para colocar um ideal em prática? Pode ser que as técnicas utilizadas pelo Núcleo

Cultural Força Ativa não estejam dentro dos padrões internacionais, podem até não estar

sendo utilizadas de maneira correta, mas uma coisa é certa: a BC é de fácil acesso aos

moradores de Cidade Tiradentes e suas portas estão abertas para que todos a utilizem

livremente e em igualdade de condições, sem distinção de raça, cor, nacionalidade, idade,

sexo, religião, língua, situação social e nível de instrução. O que nos leva a perceber que não é

apenas o ideal do Núcleo Cultural Força Ativa que está sendo alcançado, pois esse também é

o objetivo da UNESCO para todas as bibliotecas públicas do mundo, mas a sua concretização

só foi possível graças a uma soma de esforços alternativos, cujo resultado é digno de louvor e

de atenção.

Devemos, sem sombra de dúvida, levar em consideração que as técnicas

biblioteconômicas foram estabelecidas através de longos anos de estudo e são essenciais para

que a informação chegue às mãos do usuário, no menor período de tempo e com menor custo.

O que nos faz relembrar as cinco leis de Ranganathan (apud MEY,1995, p.2):

1. Os livros são para usar.

2. A cada leitor o seu livro.

3. A cada livro o seu leitor.

4. Poupe o tempo do leitor.

5. A biblioteca é um organismo em crescimento.

Se isso não acontece na forma que se esperava, o problema não está só no Núcleo

Cultural Força Ativa ou em qualquer outro grupo que gerencie BCs a não participação

bibliotecária também é uma das responsáveis pela problemática. Falta comunicação e falta um

diálogo produtivo entre os interessados no assunto.

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Considerações Finais

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Fazer as considerações finais da presente pesquisa é uma tarefa difícil, visto que os

temas abordados ou ainda estão em discussão ou simplesmente são ignorados pelas áreas do

conhecimento onde estão inseridos.

A organização desse estudo em cinco assuntos principais: “Exclusão Social”,

“Terceiro Setor”, “Informação e Inclusão Social”, “Bibliotecas Comunitárias e o papel das

ONGs, no contexto do terceiro setor” e “Estudo de Caso da Biblioteca Comunitária Solano

Trindade”, nos levou a alguns resultados que nos permitiram traçar considerações tendo em

vista os objetivos e a aplicação da metodologia, pré-determinados no projeto de pesquisa.

A informação é um artigo de primeira necessidade, pois é através dela que os

cidadãos podem exercer sua cidadania em sociedades democráticas e, de forma direta ou

indireta, contribuir para o desenvolvimento sócio-econômico das comunidades onde estão

inseridos e, conseqüentemente, dos países como um todo. Todavia, apenas uma minoria da

população brasileira, no nosso caso, consegue adquirir, utilizar e manipular adequadamente as

informações. Isso se deve ao fato de que, na chamada sociedade da informação, a matéria-

prima do conhecimento se tornou uma mercadoria, sendo acessível somente a quem possui, de

certa forma, poder aquisitivo para adquiri-la. Desse modo, percebemos que a sociedade da

informação “cobra” de todos os indivíduos um acúmulo ilimitado de informações, entretanto

não disponibiliza igualitariamente o seu acesso.

A biblioteca pública é um bom exemplo: apesar de seu ideal de acesso democrático,

está distribuída de forma desigual na Cidade, configurando-se, portanto como um objeto de

conflito de interesses pertencente à dinâmica do espaço urbano. Esse fato acaba por tornar-se

um indicador importante que favorece o aparecimento de BCs nas regiões consideradas por

Sposati (2000) como de exclusão social. Principalmente nas extremidades da Cidade.

Todavia, a consciência de que a biblioteca pública, por possuir um discurso

ideológico de caráter democrático, poderia ser o canal ideal de disseminação da informação a

todos os indivíduos da sociedade, levou a pelo menos parte da população a reivindicar o

acesso às informações ali armazenadas, embora a biblioteca pública, desde sua origem,

sempre tenha estado ligada às classes dominantes, o que se evidencia, em geral, através de sua

localização geográfica e de sua política de acervo, voltadas para os interesses das referidas

classes.

Dessa forma, o mapeamento e a criação de um diretório com 45 BCs dentro da

cidade de São Paulo, devido à já comentada precariedade da temática, tornou-se um

documento impar que poderá ser utilizado com diversos fins, entre eles o serviço de

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bibliotecários nessas referidas bibliotecas, contribuindo para a democratização do acesso à

informação em seus mais variados suportes.

Um dado importante é que todas essas BCs são auxiliadas direta e indiretamente por

instituições do terceiro setor. Ao contrário do Estado, as instituições do terceiro setor28 foram

pioneiras no sentido de incentivar a geração e a utilização de informações por camadas da

população consideradas excluídas da sociedade. Essas organizações zelam para que a própria

população, com suas estratégias, se apropriem das informações consideradas por elas

necessárias. A estratégia considerada mais eficaz, pelo terceiro setor, no que se refere à

disseminação da informação nas camadas populares, até o momento, é a criação de BCs nas

zonas de maior exclusão social.

Neste trabalho, também pudemos conhecer como se deu a implantação de uma BC

na cidade de São Paulo por intermédio de ONGs. Isso foi possível graças ao estudo que foi

feito sobre as ONGs Ação Educativa e IBEAC que, de alguma forma, ajudaram a fundar a BC

Solano Trindade.

A harmonia existente entre os ideais das ONGs e dos responsáveis pela Biblioteca

foi essencial para se estabelecer a parceria entre ONGs e BC. A Ação Educativa buscava

parceiros para seu Projeto Integrar pela Educação, que pretendia buscar novos caminhos e

sentidos para a educação escolar, e a BC abria uma possibilidade de acesso à informação e a

múltiplas formas de aprendizado fora da escola. Já o IBEAC queria conscientizar as

populações excluídas a respeito dos direitos humanos e a BC não só cedia o espaço para o

debate do tema como também abrigaria um acervo de livros que disseminariam ainda mais o

assunto.

Para colocar seus projetos em ação, as ONGs precisaram primeiramente ajudar a

fundar a BC Solano Trindade que, na época, era só um projeto. Para isso, foram mobilizados

recursos materiais (estantes, mesas, cadeiras, livros, computadores etc.) e humanos, o que só

foi possível graças aos recursos financeiros da Fundação Kellogs e do Ministério da Justiça,

repassados à BC pela Ação Educativa e pela IBEAC, respectivamente. A partir do momento

em que a BC já contava com um local próprio e adequado, seu acervo já estava formado e seu

pessoal “capacitado” para exercer as funções que lhes competiam (animadores culturais e

multiplicadores de direitos humanos), foram postos em prática os ideais das ONGs na BC

Solano Trindade através de cursos, palestras, oficinas, debates e grupos de estudos que

28 O conceito de terceiro setor ainda não está amadurecido, o que dificulta sua utilização e credibilidade no meio científico. Acreditamos na atuação de entidades de caráter não governamental, de direito privado e sem fins-lucrativos que, na área social contribuem para a implementação da real melhoria da qualidade de vida nas comunidades consideradas socialmente excluídas.

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falavam de educação e direitos humanos entre outras coisas.

Através do estudo de caso, foi-nos possível visualizar o relacionamento existente entre

a BC e uma comunidade considerada, de forma geral, excluídas dos processos sociais.

Reconstituir as etapas de constituição, desenvolvimento e manutenção de uma biblioteca

criada pelas camadas populares para as camadas populares foi essencial para conferir se esse

relacionamento funcionava de forma articulada e harmoniosa. Na BC Solano Trindade esse

relacionamento foi identificado através da utilização da metodologia de aplicação de

questionários (aos usuários e dirigentes da BC) e de entrevista estruturada (aplicada aos

dirigentes) que nos levaram aos seguintes posicionamentos:

1. Os organizadores da BC Solano Trindade não acreditam que a BC supre de

maneira ótima as necessidades informacionais da comunidade de Cidade

Tiradentes. Eles acreditam que isso só irá ocorrer quando o Estado instalar

uma biblioteca pública no Bairro. Contudo, a comunidade se mostra satisfeita

com os serviços prestados pela BC, afirmando que ela vem tapar o buraco

informacional existente no bairro desde a sua fundação na década de oitenta.

2. O resgate das atividades realizadas dentro da BC nos permitiu compreende-las

como um mecanismo de formação de uma consciência participativa de

desenvolvimento comunitário dentro do Bairro.

Nesta pesquisa, percebemos que, de maneira geral, as BCs surgem para resolver a falta

de locais próprios para a informação, o lazer e a cultura, dentro de um determinado bairro,

agravada pelas limitações impostas pelas escolas e bibliotecas públicas no que diz respeito a

esses problemas. A alternativa de acesso à informação existe, pois, para assegurar um direito

explicitado no artigo XXVII da Declaração Universal de Direitos Humanos, adotada e

ratificada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de

dezembro de 1948:

1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios. 2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

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Além desse Direito, ela abre portas a pessoas que tão comumente são excluídas da

sociedade, para que possam conhecer e se apossar de bens materiais e imateriais a que todos

os seres humanos têm direito, garantindo-lhes assim a dignidade, a liberdade, a justiça e a paz,

embora preservados os deveres inerentes a tais direitos.

No entanto, abre-se um novo questionamento, a partir daqui, que poderá ser

respondido algum dia por novas pesquisas na área: como é ou pode vir a ser a atuação do

profissional bibliotecário nas BCs? Como ele é visto pela comunidade? Será que sua

presença/ausência é percebida? Ele é fator de transformação social?

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Apêndices

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Apêndice A. Modelo de questionário aplicado aos dirigentes e usuários da Biblioteca Comunitária Solano Trindade

QUESTIONÁRIO:

1. Idade:

2. Sexo: ( )fem. ( )masc.

3. Estado Civil: ( )solteiro ( )casado ( ) amasiado ( )divorciado ( )viúvo

4. Ocupação:

5. Escolaridade:

( ) Ensino pré-escolar ( ) Ensino fundamental ( ) Ensino médio ( ) Ensino Superior

incompleto ( ) Ensino Superior completo ( ) Pós-graduação

( ) Outros. Especifique:____________

6. Situação econômica da família:

( ) menos de 1 salário mínimo( ) 1 até 4 salários mínimo ( ) 4 até 6 salários mínimos

( ) acima de 6 salários mínimos

7. O que você vem fazer na Biblioteca Comunitária? Antes de você conhecê-la onde

você realizava essas atividades?

8. Você acredita que a Biblioteca tem suprido todas as suas necessidades informacionais?

Por que?

9. Quantas vezes você vem a Biblioteca Comunitária?

Por mês: ( ) primeira vez

10. Como você avaliaria os serviços prestados pela Biblioteca Comunitária?

( )excelente ( ) ótimo ( )bom ( )ruim ( )regular ( )péssimo

11. Quanto ao acervo: como você o avaliaria?

( )excelente ( ) ótimo ( )bom ( )ruim ( )regular ( )péssimo

13.Você tem alguma sugestão a dar para melhorar os serviços prestados? Qual?

14. Você colabora voluntariamente com algum serviço da Biblioteca? (doação de livros,

oficinas, palestras, exerce alguma função dentro da BC). Qual?

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Apêndice B. Modelo do roteiro da entrevista semi-estruturada aplicada aos

dirigentes da Biblioteca Comunitária Solano Trindade

• Como surgiu à Biblioteca Comunitária Solano Trindade?

• Quais são os objetivos da Biblioteca Comunitária Solano Trindade?

• Como estão divididas as tarefas e responsabilidades nesta Biblioteca Comunitária?

• Quais foram/são os problemas encontrados durante a implantação e manutenção da

Biblioteca comunitária?

• Como foi feita a montagem do acervo? E do que é composto esse acervo?

• Quem é o público-alvo da Biblioteca Comunitária?

• Vocês cobram algum valor pelos serviços prestados? E o que vocês fazem com o valor

arrecadado?

• A Biblioteca Comunitária Solano Trindade conta com o trabalho de um profissional-

bibliotecário, ainda que voluntário?Se, sim quais são as atividades desenvolvidas por

esse profissional?

• O que é o Núcleo Cultural Força Ativa?

• Além do empréstimo de livros e revistas, quais são as outras atividades desenvolvidas

na Biblioteca Comunitária?

• Por que houve a necessidade da criação de um grupo de estudos? O que é debatido

nesse grupo?

• Quantas pessoas freqüentam a Biblioteca Comunitária, por mês?

• A biblioteca é auxiliada por alguma instituição do Terceiro Setor?

• O que vocês acreditam que precisa ser melhorado?

• Qual é o sonho dos responsáveis pela BC? Como vocês a imaginam no futuro?

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Apêndice C. Relato das atividades do Núcleo Cultural Força Ativa

Juntamente com os voluntários da Biblioteca Comunitária Solano Trindade foram

verificadas as seguintes atividades, realizadas dentro da biblioteca, mas que também fazem

parte da pauta de atividades do Núcleo Cultural Força Ativa.

1. Funciona no mesmo estabelecimento no período noturno um curso de alfabetização de

jovens e adultos.

2. Membros do Núcleo Cultural Força Ativa. estão escrevendo letras de Rap, que

enfoquem a educação preventiva de DST e Aids, que irá fazer parte de um CD que

juntamente com a Secretária da Saúde da cidade de São Paulo será utilizado em

palestras.

3. Doze membros do grupo fazem parte de um projeto de Educação Preventiva de DST,

onde são realizadas palestras em escolas.

4. É dado apoio a Grêmios Estudantis da região.

5. Está sendo realizado um abaixo assinado para a construção de uma biblioteca pública

no bairro.

6. Apóiam e fazem parte do Movimento dos Sem Universidades, para que o governo

destine mais vagas dentro das Universidades Públicas.

7. Coordenadoria da mulher, um projeto que apóia o incentivo a participação política da

mulher.

8. Criança cidadã: Apoio e montagem em uma chapa para o conselho tutelar.

9. Conselho político: contribuição no mandato do vereador Beto Custódio.

10. Publicação de um livro de poesias: Foi realizado um concurso de poesias com os

usuários da biblioteca e pretende-se realizar a publicação dessas do resultado do

concurso.

11. Montagem de um curta metragem para participação em um concurso.

12. Participação no Fórum Paulista de Hip- Hop.

13. Grupo de Estudos Permanente.

14. Integrar pela Educação.

15. Oficina de Hip-Hop no CESOMAR.

16. Orçamento jovem: participação no orçamento participativo da prefeitura.

17. Realização de uma pesquisa referente às mulheres em relação a prevenção de DST

junto com as usuárias da biblioteca.

18. participação no Plano Diretor.

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Apêndice D. Diretório das bibliotecas comunitárias do município de São Paulo 1) Ação Comunitária do Brasil (ACB) Rua Amacás, 234. Cep 05792-030. Campo Limpo 2) Jardim Filhos da Terra Jardim Filhos da Terra 3) Anna Lapini Centro de Acolhida “Anna Lapini” Rua Três, nº 250 CEP: 04892-000 Jardim Novo Silveira/ Zona Sul 4)Anjos do Ângela Rua Guilherme Espindola Pequito, 96. CEP. 04937-050 Jardim Ângela 5) Associação de Moradores de Cidade Tiradentes Rua Onze G, 136. Cep 08490-8000 Cidade Tiradentes 6) Associação Unificadora de Ações Populares Rua Fausto Domingues, nº509 Jardim Fontales/ Tremembé 7)Associação Mutirão do pobre lll Rua Augusto Rodrigues, nº 291 Jardim Fontalles- Jaçanã 8) BC CESOMAR Rua Chá dos Jesuítas, 19 Vila Progresso/ São Miguel 9) Biblioteca da Trópis Rua Francisco Xavier de Abreu, 318. Cep. 5836180 Jardim São Luiz

10) Clube das Mães do Parque Santa Rita Avenida Fernando Figueiredo Lins, 33. Cep.8150040 Parque Santa Rita/Vila Curuça 11)Conselho Israelita Paulista Rua Antonio Carlos, 653 Cerqueira César 12) Creche São Pedro Av. Dep Cantidio Sampaio, 6481. Cep 02860-001 Nova Parada/ Cangaíba 13) Criança Feliz Rua Professor Rubens Oscar Guelli, n. 30 Cep.04918-280 Jardim São Francisco- Guarapiranga 14) Cultura Jovem Rua Luís Baldinato, n. 09. Cep. 04935-1000. Jardim Ângela 15) Edmea Vasques Miraldo Rua Iquirim, 316/324. Butantã Cep. 05586-000 16) Fundação Gol de Letra Rua Antonio Simplicio, 170 Cep 02354-290 Vila Albertina/ Tremembé 17) Grupo Espaço Negro Rua Caro Sacaibú, 422. Cep.39801111 Jardim Elba/ Sapopemba 18) Grupo Fraternal Francisco de Assis Rua Edvard Carmilo, 1226. Cep. 5528001 São Domingos/ Barra Funda

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19) Biblioteca Comunitária do Centro Cultural Casulo Rua Paulo Bourral, nº 100 Real Parque 20) Biblioteca Comunitária Paraisópolis R. Melchiro Giola, 20 CEP: 05664-000 Paraisópolis 21) Hebert de Souza Centro Social Parelheiros. Jardim Norberto/Parelheiros 22) Humberto de Campos Rua Maria Paula, 140. Cep. 01319-000 Bela Vista 23) José Bonifácio Rua Luz do Sol, 116. Cep. 0825-100 Jardim Bonifácio 24) Jorgito Rua Dr. Joviano Pacheco de Aguirre, nº 225 CEP 05788-290 Campo Limpo 25) Julita Rua do Tuparoquera, 117. Cep.05820-200 Jardim São Luis 26) Leitura também é cultura Av. João Amós Comenius, 400. Cep 048444-500. Jardim São Bernardo/ Zona sul/Próximo a Brasilândia 27) Lendo e Aprendendo Rua Giulia Rinieri, 1200 casa 19. Cep 04852-610 Jardim Lucélia/Grajau 28) Livro Vivo Rua Yoshima Minamoto, 656 Cep. 05847-300 Jardim Fim de Semana/Jardim São Luis

29) Madre Tereza Cristina Rua Ministro Godói, 1484. Cep. 05015-000 Barra Funda 30) Madre Tereza de Jesus Rua Rômulo Naldi, 65, Cep 02873-250. Conj. Pró-Morar, Brasilândia 31) Mutirão Vila Mara Av. São Gonçalo do Rio das Pedras, 972 Conj. Habitacional Vila Mara 32) Novo Milênio Praça Dom Luís Mascarenhas, 49. Cep 04468-020 Pedreira 33) Padre Cláudio Trudelle Rua Patrice Lumumba, n. 181. Cep 02873-630 Jardim Tereza/ Brasilândia 34) Padre José Pégoraro Av. Teresa Farias Iassassi, s/n. Cep 04852-630 Grajaú 35) Rainha da Paz Rua Aderbal, 20 Jardim Fim de Semana/ Jardim São Luis 36)Recanto da Cultura Rua Forte Sepectuba, 2000. Jardim Iporã/ Parelheiros 37) Rev. Ashbel Gren Simont Rua Bela Vista de Minas, 276. Cep. 8081-220 Vila Mara/ Jardim Helena 38) Santa Lúcia Rua Guilherme Espíndola Pequito, 96. Cep. 04937-050 Jardim Ângela

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39) Santo Antonio Rua Álvaro Fragoso, 674. Cep. 04223-000 Vila Carioca/ Ipiranga 40) Sociedade dos Amigos do Bairro do Jardim Aury e Adjacências Rua Ângelo Antonelli, 12 Cep 04857-0005 Jardim Aury Verde/ Capela do Socorro 41) Solano Trindade Rua dos Têxteis, 1050. Cep 08490-6000 Cidade Tiradentes 42) Veredas da Cultura Rua Albino Bento, 58. Cep 04473-220 Pedreira 43) Biblioteca Comunitária Monte Azul Avenida Tomás de Souza, nº522 Cep: 05836-350 Jardim Monte Azul

44) Biblioteca Comunitária Libertários Capão Redondo 45) Associação Comunitária Despertar Rua Antonio Machado Sobrinho, s/n CEP: 4416070 Jardim Vilas Boas

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Apêndice E. Modelo do roteiro da entrevista semi-estruturada aplicada aos responsáveis

pelas BCs junto às ONGs Ação Educativa e IBEAC

Nome da ONG:

Nome do entrevistado:

Dia/mês/ano/horário:

• O que é a Ação Educativa ou IBEAC?

• Como surgiu a idéia de investir em uma BC?

• O que é uma BC para a ONG?

• Está se tornando viável para vocês criar, investir e/ou trabalhar em BCs? Quais são os

resultados?

• Quem é o público-alvo que vocês querem atingir com as BCs?

• Como é trabalhado o ideal da ONG junto às BCs?

• Especifique o tipo de apoio que vocês dão as BCs? (financeiro, material, recursos

humanos)

• De onde vêm os recursos financeiros aplicados nas BCs?

• Quais foram os principais problemas enfrentados durante a criação e manutenção das

BCs?

• Existe, na ONG, algum bibliotecário auxiliando no trabalho com as BCs? Em que

condições?

• Analise criticamente a atuação das BCs apoiadas por vocês.

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Anexos

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Anexo A . Letra da música “Vamos ler um livro”

Bentinho/ José Adalberto

Ei, cara mergulhe na história ,

preste atenção no que vou falar agora. Chega de babaquice, procure se informar; não seja o mestre da burrice. São tantos que falam merda, esse show é um tormento. Procure ler um livro, pois é a máquina do tempo. Agora milhares de livros estão ao seu alcance, Mas você não quer saber, sua idéia tola a todo instante. Você só fala besteira, não tem idéia, meu irmão. Procure ler um livro, a fonte de informação. Mas, você não quer saber, Só se liga em leitura pornográfica de revistas importadas com loiras peitudas na capa. Meu irmão, esse tipo de coisa não é informação? Se liga nas piranhas que aparecem na “Malhação”. A televisão é uma droga que esconde a nossa história; Só tem coisa pra boy ; quer ver os pretos pedir esmolas, e os grupos de Rap que estão surgindo agora Vamos ler um livro e mostrar a verdadeira história. E para aqueles que acham que o movimento é brincadeira E sobem aqui no palco só para falar besteira E se exibir para essas putas vadias...essas putas vadias. Essas putas que nos criticam E não tem nenhuma ideologia, agora quero ver todos comigo: Vamos ler um livro. Somos a juventude armada e não queremos ser os tais, Pois, sabemos que uma boa leitura ensina até demais Portanto, meus amigos, procure se informar pois do jeito que está não, não, não pode ficar. São tantos sem cultura e conhecimentos para trocar a leitura É importante o livro, é uma arma fatal que acaba com a burrice e deixa mente legal. Meu nome é Bentinho já fui acomodado; já cansei de ouvir besteiras e muitos papos furados. Hoje sou um raper . Não me jugo mal informado

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Se hoje sei um pouco, quero aprender muito mais. Não sou como muitos manos, que sabem pouco e querem ser demais. Eles falam das drogas e diz que ela vai te destruir, mas o álcool e o cigarro eles vivem a consumir. Será que o álcool e o cigarro não são drogas? Não te critico raper: eu só quero uma resposta. E aqueles que acham que estou falando bosta, Para mim não batam palmas.Para mim virem as costas. Mas, se estão gostando, eu quero ver todos comigo: Vamos ler um livro. O movimento vira moda, isso não pode acontecer. Com muitos otários montando grupo, o movimento irá descer. Estou falando daqueles caras que não tem idéia para debater... Puta, puta que pariu. Esses otários se julgam raper. Mas, pergunte sobre história certamente eles não conhecem Porque usam o movimento só para “catar” mulheres E muitas coisas que perguntamos para eles não sabem o que é. Estou cansado de ouvir esses otários falarem besteira. Chega de letra babaca, o movimento não é brincadeira. Vamos mostrar a história que a escola não mostra hoje em dia. E em forma de rap mostrar para o povo da periferia.