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CHAMADO PARA SERVIR Ensaios em Honra ao Dr. Russell Shedd BIOGRAFIA DE RUSSELL SHEDD Curtis A. Kregness Curtis A. Kregness é missionário pela C.B. International, mesma missão do Dr. Shedd, presidente de Edições Vida Nova e professor de Comunicações da Faculdade Teológica Batista Paulistana, em São Paulo. O caminhão saltava ao longo da estrada tortuosa na montanha, gemendo em protesto contra o peso de passageiros e bagagem. O motorista agarrava a direção, enquanto seus olhos esforçavam-se para perscrutar a escuridão. O missionário Leslie Shedd, sua esposa Della e seus quatro pequenos filhos logo estariam dizendo adeus à Bolívia. Estavam sendo conduzidos à estação ferroviária na primeira etapa de uma longa viagem por terra para o Chile, de onde embarcariam em um navio para Nova Iorque. Hudson, Helen e Russell, as três crianças maiores dos Shedds, estavam espremidas na parte de trás, junto com a carga do caminhão. Logo o veículo embalou-os, e eles adormeceram. Sonhavam com as aventuras que teriam durante a licença nos Estados Unidos. Cansado após um longo dia de trabalho, o motorista também dormiu. O caminhão rapidamente saiu da estrada. Não houve tempo para reagir. Caído na vala e extremamente carregado, o veículo tombou e parou com as rodas girando no ar frio da noite. Leslie e Della Shedd imediatamente pensaram o pior: nossos filhos foram esmagados pela bagagem. O silêncio na parte traseira do caminhão parecia confirmar seus temores. Inspecionando mais de perto, contudo, perceberam que as crianças continuavam dormindo. Nem mesmo o acidente os havia despertado. Ninguém estava machucado. AS RAÍZES LATINO-AMERICANAS Recordando esses eventos da infância, o Dr. Russell Shedd crê que Deus preservou sua vida com um propósito missionário. Filho de missionários, suas raízes latino-americanas, incluindo o nascimento na Bolívia, era a maneira pela qual Deus o estava preparando para uma vida de serviço no Brasil. A linhagem da família Shedd tem uma história magnífica de serviço cristão. Pesquisas remontam o nome Shedd à Inglaterra do século XVII.1 Daniel Shed, um dos ancestrais, esteve entre os 25 mil puritanos ingleses que decidiram atravessar o

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CHAMADO PARA SERVIREnsaios em Honra ao Dr. Russell Shedd

BIOGRAFIA DE RUSSELL SHEDD

Curtis A. Kregness

Curtis A. Kregness missionrio pela C.B. International, mesma misso do Dr. Shedd, presidente de Edies Vida Nova e professor de Comunicaes da Faculdade Teolgica Batista Paulistana, em So Paulo.

O caminho saltava ao longo da estrada tortuosa na montanha, gemendo em protesto contra o peso de passageiros e bagagem. O motorista agarrava a direo, enquanto seus olhos esforavam-se para perscrutar a escurido. O missionrio Leslie Shedd, sua esposa Della e seus quatro pequenos filhos logo estariam dizendo adeus Bolvia. Estavam sendo conduzidos estao ferroviria na primeira etapa de uma longa viagem por terra para o Chile, de onde embarcariam em um navio para Nova Iorque.Hudson, Helen e Russell, as trs crianas maiores dos Shedds, estavam espremidas na parte de trs, junto com a carga do caminho. Logo o veculo embalou-os, e eles adormeceram. Sonhavam com as aventuras que teriam durante a licena nos Estados Unidos.Cansado aps um longo dia de trabalho, o motorista tambm dormiu. O caminho rapidamente saiu da estrada. No houve tempo para reagir. Cado na vala e extremamente carregado, o veculo tombou e parou com as rodas girando no ar frio da noite.Leslie e Della Shedd imediatamente pensaram o pior: nossos filhos foram esmagados pela bagagem. O silncio na parte traseira do caminho parecia confirmar seus temores. Inspecionando mais de perto, contudo, perceberam que as crianas continuavam dormindo. Nem mesmo o acidente os havia despertado. Ningum estava machucado.

AS RAZES LATINO-AMERICANASRecordando esses eventos da infncia, o Dr. Russell Shedd cr que Deus preservou sua vida com um propsito missionrio. Filho de missionrios, suas razes latino-americanas, incluindo o nascimento na Bolvia, era a maneira pela qual Deus o estava preparando para uma vida de servio no Brasil.A linhagem da famlia Shedd tem uma histria magnfica de servio cristo. Pesquisas remontam o nome Shedd Inglaterra do sculo XVII.1 Daniel Shed, um dos ancestrais, esteve entre os 25 mil puritanos ingleses que decidiram atravessar o Atlntico entre 1630 e 1642 para uma vida nova na Amrica do Norte.O telogo presbiteriano W. G. T. Shedd, outro parente distante, era reputado como o "ltimo telogo americano realmente expressivo a aderir com obstinao [...] doutrina de um inferno literal com castigo futuro interminvel".2 Ele foi professor de teologia sistemtica no famoso Union Theological Seminary, em Nova Iorque, no final do sculo XIX.A me de Russell Shedd foi educada na mesma pequena denominao presbiteriana (com cerca de 50 igrejas) do evangelista Billy Graham. Comenta-se que este, aos 17 anos, foi igreja rural que ela freqentava, perto de Charlotte, na Carolina do Norte, para solicitar a ordenao. Esta lhe foi negada pelos presbteros, que acharam Billy Graham muito jovem e com poucos conhecimentos.

UMA FAMLIA DE MENTALIDADE MISSIONRIARussell Philip Shedd nasceu em 10 de novembro de 1929 em Aiquile, na Bolvia, cerca de sete anos depois de seus pais terem iniciado ali a carreira missionria. Era o terceiro de quatro filhos. Seus dois irmos mais velhos tambm buscaram ministrios transculturais. Hudson, o primognito, recebeu seu nome de Hudson Taylor, missionrio pioneiro na China. Atualmente, o diretor da Gospel Mission of South America e j pregou o evangelho na Bolvia, no Chile e no Uruguai. Sua irm Helen e o marido, David Ekstrom, tm atuado como tradutores e professores da Bblia na Guatemala durante mais de 40 anos com a Central America Mission. Phyllis, a irm mais nova de Russell Shedd, casou-se com um professor da Lexington Christian High School, em Lexington, estado de Massachussetts, nos Estados Unidos.A educao primria de Russell Shedd deu-se em uma escola missionria na Bolvia. Ele foi para os Estados Unidos no incio da adolescncia para completar seus estudos de 2? grau na Westervelt Home e na Wheaton Academy, na rea metropolitana de Chicago, numa transio natural para o Wheaton College, onde, em 1949, recebeu o grau de bacharel. Entre seus colegas de faculdade estava James Elliot (martirizado pelos ndios auca do Equador). Ele continuou em Wheaton a fim de obter o grau de mestre em estudos do Novo Testamento, na Wheaton College Graduate School.Russell Shedd completou ento seus estudos para receber o grau de mestre em teologia (M.Div., conhecido na poca como B.D.) no Faith Seminary, na Filadlfia, em 1953. Quando tinha 25 anos, recebeu o grau de doutor (Ph.D.) na renomada Universidade de Edimburgo, na Esccia. Sua tese analisava o uso do apstolo Paulo das concepes judaicas e do Antigo Testamento acerca da solidariedade da raa, tema este transformado em livro.3Ao voltar para os Estados Unidos em 1955, Russell Shedd aceitou o cargo de professor no Southeastern Bible College, em Birmingham, no estado do Alabama. Ali conheceu a aluna Patricia Dunn. A amizade entre eles floresceu at chegar a um compromisso para a vida inteira. Casaram-se em 22 de junho de 1957 e passaram a lua-de-mel na Guatemala.

COM DESTINO A PORTUGALMisses constituam o centro dos planos dos recm-casados. Seis meses aps o casamento, foram designados pela Conservative Baptist Foreign Mission Society (CBFMS) para o servio missionrio em Portugal. A diretoria da misso tinha apenas 15 anos naquela poca, mas experimentara um crescimento vertiginoso no auge da expanso aps a Segunda Guerra Mundial, sendo diretamente sustentada por centenas de igrejas batistas que acreditavam na aplicabilidade da Grande Comisso de Cristo nos dias de hoje. Os jovens Shedds passaram oito meses entre essas igrejas, compartilhando suas idias para o treinamento de liderana em Portugal e obtendo compromissos de sustento para seu empreendimento missionrio. No incio de 1959, eles avanaram na experincia missionria quando aceitaram um convite para iniciar uma igreja em Long Island. Ela existe ainda hoje como a prspera Calvary Baptist Church de Port Jefferson. Os Shedds chegaram em Portugal em agosto de 1959 para iniciar o ensino no seminrio batista em Leiria.Cada membro da equipe missionria portuguesa da CBFMS devia lidar com a responsabilidade ministerial dos outros, alm da nfase em seu trabalho principal. Russell Shedd recebeu o encargo de acompanhar um ministrio de literatura em formao, tarefa que ele acolheu com prazer. Era um complemento natural para seu interesse em educao teolgica. Esse ministrio foi denominado Edies Vida Nova. Havia sido fundado com vistas ao fornecimento de textos teolgicos bsicos e de obras de referncia bblica para estudantes, professores e pastores. Na poca, os livros teolgicos eram artigo raro em Portugal.Nos trs anos que se seguiram, Russell Shedd sentiu duas srias limitaes impostas ao programa de publicaes. Primeira, os altos custos de impresso reduziam imensamente o nmero de ttulos novos que podiam ser produzidos. Segunda, os poucos livros eram vendidos muito lentamente na minscula comunidade evanglica portuguesa.Aps muitas oraes e deliberaes, ele e seus colegas decidiram que esses problemas poderiam ser resolvidos olhando-se no sentido sudoeste, para o outro lado do Atlntico. O Brasil compartilhava a lngua de Portugal, tinha uma comunidade evanglica grande, que crescia rapidamente, e oferecia baixos custos de produo editorial. O primeiro plano do grupo era que Russell Shedd ficaria dois anos no Brasil tempo suficiente para implantar uma ao editorial em So Paulo e ento voltaria para ministrar em Portugal. Trs anos depois do dia em que os Shedds chegaram em Portugal, eles pisaram pela primeira vez no Brasil. Era agosto de 1962.

PLANTANDO A SEMENTETo logo estabelecido em So Paulo, Russell Shedd encontrou dois irmos brasileiros interessados em formar uma sociedade editorial. Aps diversos anos, a Edies Vida Nova (EVN) brasileira foi reorganizada como empresa sem fins lucrativos. A misso de Russell Shedd nos Estados Unidos proporcionou grande parte do investimento financeiro inicial.O ano seguinte foi um marco na histria de EVN, lembra Russell Shedd, pois foi durante esse perodo que Deus plantou em seu corao a semente da Bblia Vida Nova. De forma irnica, a concepo da Bblia de estudo, que tem edificado a vida de tantos obreiros cristos no Brasil e em todo o mundo, originou-se em um esquema que visava lucro.Enquanto os scios de Russell Shedd procuravam maneiras de lucrar no negcio editorial, um deles teve a idia de adquirir Bblias baratas da Sociedade Bblica do Brasil e substituir as capas simples por capas de couro luxuosas, as quais poderiam ser vendidas com uma margem de lucro substancialmente maior. Os pensamentos de Shedd fluam em outra direo: "Se vamos negociar Bblias, por que no produzimos uma obra nossa, com notas explicativas, referncias a outros textos e auxlios didticos?". No havia nada semelhante no Brasil; portanto, uma Bblia de estudo seria imensamente til para pastores e obreiros leigos.Russell Shedd no imaginava que sua idia ficaria em gestao durante 14 anos, antes do verdadeiro nascimento da Bblia Vida Nova. importante observar que o projeto da Bblia foi o que talvez mais pesou na sua deciso de ficar no Brasil, em vez de retornar para o ministrio em Portugal.

OBRA DO INIMIGOPelo menos alguns problemas que perseguiram o projeto da Bblia foram sem dvida obra do inimigo, que podia ver o imensurvel valor de tal livro nas mos de obreiros cristos de lngua portuguesa. O papel para a impresso da Bblia foi o primeiro obstculo. Com fundos emprestados da CBFMS, Russell Shedd comprou na Inglaterra papel bblia tipo "ndia", da melhor qualidade. Naquela poca, no havia impostos para importar Bblias para o Brasil. Acreditava-se que o papel bblia tambm passaria livremente nas alfndegas brasileiras. "Mas no era assim. Foi um terrvel engano", diz ele. A carga chegou ao Brasil em 1967. Embora oficialmente o papel tivesse sido importado como doao, foi apreendido em Santos. Em 1976, ele viu com seus prprios olhos o papel armazenado em um depsito alfandegrio. Finalmente, foi leiloado e revendido casa publicadora da Conveno Batista Brasileira, no Rio de Janeiro.O segundo obstculo foi o processo tcnico de produo dos comentrios e das notas homilticas da Bblia, escritos por Russell Shedd, colegas missionrios e lderes de igrejas brasileiras. Depois de compostas fotograficamente, as notas perdiam a cor, tornando extremamente difcil a obteno de negativos ntidos para a impresso. Shedd comentou: "Se Paul Wilder (missionrio americano independente) no tivesse ajudado, talvez nunca publicssemos a Bblia!". Em 1975, Wilder levou pessoalmente os originais para El Camino Press, na Califrnia, onde a Bblia seria impressa. Quando os especialistas grficos explicaram que no conseguiriam usar originais to apagados, Wilder decidiu ficar nos Estados Unidos a fim de buscar uma soluo criativa para o problema. Durante um ano inteiro, ele reforou os originais descoloridos por meio de um processo fotogrfico, retocando mo os negativos um por um. Por incrvel que parea, os filmes usados para a primeira Bblia de formato grande so usados at hoje!Russell Shedd considera a concluso da Bblia Vida Nova e sua popularidade entre os cristos brasileiros uma das maiores alegrias de sua carreira missionria. "Em meus sonhos mais entusisticos, nunca pude imaginar que (a Bblia) venderia to facilmente", ele diz. "Eu achava que levaria anos para vender uma nica edio." A Bblia est agora em sua 17a. edio. Embora outros editores brasileiros tenham produzido Bblias de estudo semelhantes nos ltimos anos, a Bblia Vida Nova continua muito procurada. Mais de 200 mil exemplares foram vendidos. Russell Shedd diz: "As pessoas comentam constantemente como (a Bblia) tem sido importante para elas".Para muitos cristos brasileiros, o nome Russell Shedd praticamente sinnimo de Edies Vida Nova. Desde seu incio humilde em Portugal, EVN cresceu e tornou-se uma das maiores editoras evanglicas do Brasil. Atualmente, comercializa mais de 175 livros. Mas Russell Shedd ainda enxerga muitos campos inexplorados na literatura evanglica brasileira, e diz: "Ainda temos muito que fazer para melhorar a qualidade de nossa literatura. A rea de lnguas originais da Bblia precisa de ajuda. Temos muito pouco sobre os pais da igreja. Muito mais poderia ser publicado sobre os conceitos da Nova Era, do universalismo, do pluralismo religioso, sobre hermenutica, alm de comentrios de alto nvel".

MOLDANDO UMA GERAOEmbora a publicao de livros no Brasil fosse uma tarefa importante para Russell Shedd, ela no estava no centro de seu corao. Em 1965, quando recebeu um convite para lecionar na Faculdade Teolgica Batista de So Paulo (FTBSP), ele reconheceu a clara orientao de Deus. "Era o que eu queria fazer, para o que originalmente me preparei", ele diz. Russell Shedd ensina principalmente nas reas de Novo Testamento e de hermenutica, atuando tambm no programa de mestrado.Nas dcadas de 60, 70, 80 e 90, os alunos sempre se matricularam animados para suas aulas no por serem academicamente fceis, mas porque queriam assimilar um pouco da anlise penetrante das Escrituras feita por ele. Russell Shedd tornou-se conhecido como o professor que podia apontar a mensagem central de uma passagem bblica, pois estava ativamente em contato com seu Autor. Seu esprito humilde sempre lhe permitiu orientar os alunos na aplicao direta da Palavra de Deus em suas vidas e ministrios. Suas razes latino-americanas parecem coloc-lo em vantagem sobre outros professores estrangeiros quanto identificao das necessidades e dos problemas dos alunos.Ary Velloso, formado pela FTBSP e pastor da Igreja Batista do Morumbi, em So Paulo, conta uma histria pungente que revela a comunicao de Russell Shedd com os alunos e tambm uma faceta de seu carter. Ary Velloso diz que um dia Russell Shedd recebeu um misterioso depsito em sua conta bancria. Em vez de apressar-se para gastar o dinheiro, discutiu o assunto com a esposa. "Fico pensando no propsito de Deus para esse dinheiro", ele refletiu.Algum tempo depois, em uma noite no seminrio, aconteceu de ele chegar cedo na sala de aula, onde havia apenas um aluno, ajoelhado, perto de sua cadeira, chorando. Ao cumpriment-lo, ele viu que o aluno havia chorado e perguntou: "Qual o problema?". O aluno explicou que um de seus filhos havia morrido de leucemia. Agora, seu segundo filho demonstrava sintomas semelhantes. O mdico havia prescrito determinado exame para o menino, mas ele no tinha condies de pag-lo.Russell Shedd sorriu. "Suas oraes j foram atendidas", disse ao aluno. "Deus colocou o dinheiro em minha conta justamente para sua necessidade." Sentando-se, preencheu um cheque referente quantia necessria e entregou-o ao aluno espantado.Outro ex-aluno da FTBSP, Eullia de Andrade Pacheco Kregness, lembra que ele sempre tinha tempo para ouvir os alunos. "No corredor, na sala de aula ou em seu escritrio, ele parava para conversar", ela conta. Muitos compartilhavam pedidos de orao. Semanas ou meses depois, ele perguntava especificamente sobre o que havia acontecido. "Voc sabia que ele se importava e que estivera orando por aquele pedido", diz ela.O estilo expositivo de ensino e de pregao do Doutor Shedd moldou toda uma gerao de futuros lderes eclesisticos brasileiros. Ele comenta: "Os jovens formados de nosso seminrio tm uma perspectiva muito diferente daquela da gerao mais antiga. Eles so mais abertos, desejam trabalhar com outros grupos evanglicos, so mais flexveis em estilos de culto...". Embora no seja o nico responsvel por essa tendncia, Russell Shedd certamente exerceu um papel fundamental.A dedicao de Russell Shedd educao teolgica no Brasil tambm provada por sua rejeio de convites para lecionar em seminrios nos Estados Unidos. Em 1967, foi convidado a lecionar em um grande seminrio batista em Denver, no estado do Colorado. Durante as licenas regularmente programadas nos Estados Unidos, ele decidiu tentar esse trabalho como experincia. Ensinou ali por dois anos em licenas separadas. Durante esse perodo, Shedd dizia: "Nunca senti que isso que Deus quer que faamos". Ele sempre voltava para o Brasil com o sentimento de que "sou mais til aqui (no Brasil)".Outra escola, a Trinity Evangelical Divinity School, nos arredores de Chicago, concedeu-lhe oportunidade de lecionar durante sua licena de um ano. O Bethel Theological Seminary, em St. Paul, no estado de Minnesota, tambm queria que o Dr. Shedd se candidatasse para fazer parte da diretoria da escola, mas ele declinou o convite. Depois teve oportunidade de lecionar no Wheaton Graduate School, onde atuou durante um semestre como professor de misses. Ele diz: "Quando (Patrcia e eu) orvamos sobre isso, os convites de fato reforavam o chamado de Deus para misses no Brasil".

UM CONFERENCISTA MUITO REQUISITADOLecionando havia dez anos na FTBSP, Russell Shedd recebeu um convite para falar em uma conferncia missionria nacional patrocinada pela Aliana Bblica Universitria (ABU) em Curitiba. Era sua primeira participao em uma conferncia de mbito nacional, e isso marcou o incio de um ministrio como orador que o levaria s fronteiras do Brasil e ao exterior.Depois de falar no congresso Gerao 79, da Mocidade Para Cristo, "sempre houve mais convites (para pregaes e prelees) do que eu podia aceitar". Muitos pastores que tentaram agend-lo para seus plpitos descobriram que necessrio planejar com pelo menos um ano de antecedncia.A influncia de Russell Shedd muitas vezes estendeu-se para fora do Brasil. De 1982 a 1988, por exemplo, ele foi membro da comisso teolgica da World Evangelical Fellowship. Durante esses anos, escreveu diversos captulos para livros sobre orao, justificao, culto, igreja e justia social.Em 1986, ele foi ndia para uma srie de reunies sob o patrocnio da Viso Mundial. Ele tambm fez muitas prelees em Cingapura e no Hava para o Haggai Institute, organizao evanglica internacional para treinamento de lderes. No Brasil, tem prestado servios comisso de traduo da Nova Verso Internacional baseada na Bblia mais vendida nos Estados Unidos.Suas aulas e sermes bblicos muitas vezes tornaram-se base para livros. To Grande Salvao, sua primeira obra em portugus, nasceu de mensagens sobre o livro de Efsios apresentadas na conferncia da ABU, em Curitiba. Desde ento, ele produziu nove outros livros e dezenas de artigos para peridicos.

FILHOS EM DOIS CONTINENTESEmbora muitos comparem o processo de escrita de um livro com a gravidez e o nascimento, Russell Shedd tem outros filhos que ele considera mais importantes. "Tem sido uma grande alegria", ele comenta, "ver nossos cinco filhos andando com o Senhor e procurando servi-lo".Timothy, o primognito de Shedd, foi o nico filho nascido nos Estados Unidos, antes de sua chegada em Portugal. Ele leciona matemtica em uma escola pblica em Englewood, no estado do Colorado, e tem duas filhas.Nathanael, nascido em Portugal, casado e programador de dados no Wheaton College, em Wheaton, estado de Illinois.Peter tambm nasceu em Portugal. casado e reside na Alemanha.Helen solteira e mora com seus pais em So Paulo. Ela ministra a lderes que trabalham com crianas de rua e aluna do curso de mestrado em teologia do Novo Testamento na FTBSP.Joy estuda enfermagem. casada e mora na Alemanha. Ela serviu durante dois anos no navio missionrio Doulos, onde conheceu o marido.

CERTO ENIGMAMais de 30 anos no pas deram a Russell Shedd uma perspectiva singular da igreja evanglica brasileira. Um dos avanos emocionantes durante esse perodo tem sido o interesse do pas em misses mundiais, que vem crescendo intensamente. Ele cita Edison Queiroz, um de seus ex-alunos na FTBSP, como pioneiro desse movimento. Edison Queiroz foi presidente do COMIBAM (Comisso Missionria ibero-americana), organizao formada para promover o treinamento e o envio de missionrios transculturais latino-americanos.Outra tendncia que Russell Shedd ressalta um interesse nacional em reavivamento. Ele percebe "uma expectativa, uma espera no Senhor, e algumas coisas incomuns acontecendo" em igrejas onde ministrou.Finalmente, ele identifica uma abertura maior quanto a grupos carismticos entre as denominaes protestantes tradicionais. "O muro divisrio est ruindo", ele diz. "Hoje muitas igrejas esto dispostas a reconsiderar sua postura em relao ao movimento carismtico."Ele mesmo tem constitudo certo enigma para batistas brasileiros tradicionais, com quem est associado no nvel de igrejas locais. Embora seja firme defensor das doutrinas batistas baseadas na Bblia, ele desafia as tentativas de colocar um rtulo denominacional em sua teologia. Para ele, a fidelidade s Escrituras mais importante do que a lealdade a um grupo ou a outro. H quem fique perplexo com essa abordagem que no se prende a regras, mas a maioria das pessoas tem profundo respeito por seu carter cristo. Mesmo alguns que discordam de suas posies teolgicas, sem dvida ouvem atentamente sua interpretao de passagens bblicas centrais.Russell Shedd parece ter a rara capacidade de discordar de maneira gentil. Um bom exemplo dessa qualidade so suas idias acerca da escatologia. Ao mesmo tempo em que ressalta os perigos da concepo liberal da histria chamada "escatologia realizada", ele critica a linha escatolgica de Hal Lindsey, que sugere que "os eventos do fim no tm realmente nada a ver conosco".4 A verdade, ele salienta, encontra-se em outro lugar, em uma perspectiva que despreza uma cronologia detalhada de eventos e enfatiza a responsabilidade sensata da igreja pela evangelizao mundial diante da volta de Cristo, aps um perodo de sofrimento e martrio.

CURRICULUM VITAE

ESCOLARIDADEDiploma Wheaton College Academy (1946).Bacharel em Artes Wheaton College (1949) com especializao em Bblia e em grego.Mestre em Artes Wheaton Graduate School of Theology (1951) com especializao em Novo Testamento. Tese: The Origin and Destination of the Fourth Gospel.Bacharel em Teologia Faith Theological Seminary (1953).Doutor em Filosofia Universidade de Edimburgo (1955). Tese: St. Paul's Use of Old Testament and Early Jewish Conceptions of Human Solidarity.Ordenao Hydewood Park Baptist Church, em North Plainfield, NJ (1953).

EXPERINCIA1. Southeastern Bible College, em Birmingham, AL (1955-56).2. Pastor da Hydewood Park Baptist Church, em North Plainfield, NJ (1956-57).3. Fundador e pastor da Calvary Baptist Church, em Port Jefferson Station, NY (1959).4. Missionrio pela Conservative Baptist Foreign Mission Society (1958 em diante).5. Professor de Novo Testamento no Seminrio Teolgico Baptista de Leiria e Lisboa (1959-62).6. Professor de Novo Testamento na Faculdade Teolgica Batista de So Paulo (1965 em diante). Diretor do Departamento de Novo Testamento e Exegese (1980 em diante).7. Professor visitante de Novo Testamento no Conservative Baptist Theological Seminary em Denver, CO (1967-68 e 1977-78).8. Professor visitante de Novo Testamento e Misses na Trinity Evangelical Divinity School, em Deerfield, IL (1981-82).9. Professor visitante de Misses na Wheaton Graduate School of Theology, em Wheaton, IL (1988).Professor visitante do Seminrio Batista do Grande ABC, em Santo Andr, SP.Professor assistente do Instituto Haggai para Treinamento Avanado de Lderes, em Cingapura, no Hava e no Brasil (1988 em diante).Fundador e pastor da Igreja Batista Jardim das Oliveiras, em So Paulo, SP, e da Igreja Batista Vida Nova, em So Paulo, SP. Dirigente da Igreja Batista do Jardim So Luiz, em So Paulo, SP. Pastor da Metropolitan Chapel, em So Paulo, SP (1971-73 e 1978-81).

SOCIEDADES PROFISSIONAIS E ECLESISTICASInstitute for Biblical Research (1970-82).Evangelical Theological Society (1953 em diante).Theology Commission: Faith and Life Study Unit da World Evangelical Fellowship (1982-88).Fraternidade Teolgica da Amrica Latina (1970 em diante).Associao Brasileira de Evangelizao (1983-90).Comisso de Traduo da Nova Verso Internacional da Bblia (1989 em diante).Fundador e Diretor de Edies Vida Nova no Brasil (1962-1991). Editor-chefe (1992 em diante).

PUBLICAES: LIVROSMan in Community, Epworth Press (1958) e Eerdmans (1962).Editor dA Bblia Vida Nova (1977).To Grande Salvao: uma exposio de Efsios, ABU Editora (1978), Vida Nova (1988).Andai Nele: uma exposio de Colossenses, ABU Editora (1979), Vida Nova (1988).Disciplina na Igreja, Vida Nova (1983).Escatologia do Novo Testamento, Vida Nova (1983).Alegrai-vos no Senhor: uma exposio de Filipenses, Vida Nova (1984).A Justia Social e a Interpretao da Bblia, Vida Nova (1984).Adorao Bblica, Vida Nova (1987).Lei, Graa e Santificao, Vida Nova (1990).O Mundo, a Carne e o Diabo, Vida Nova (1991).Nos Passos de Jesus: uma exposio de 1 Pedro, Vida Nova (1993).A Solidariedade da Raa: o homem em Ado e em Cristo, Vida Nova (1994).O Livro e os Livros, manuscrito solicitado pela ABEC (Associao Brasileira de Editores Cristos), aguarda publicao.

PUBLICAES: ARTIGOS E ENSAIOS"Multiple Meanings in the Gospel of John" em Biblical and Patristic Studies, editado por Gerald Hawthorne, Eerdmans (1975)."O Pecado e a Salvao na Amrica Latina" em O Presente, o Futuro e a Esperana Crist, editado por Valdir Steuernagel, ABU Editora (1980)."Social Justice and the Interpretation of the Bible" em Biblical Interpretation and the Church: Text and Context, editado por D. A. Carson, Paternoster (1984)."Biblical Worship in the New Testament" em The Church in the Bible and the World, editado por D. A. Carson, Thomas Nelson (1985) e Paternoster (1987)."Prayer and the Preparation of Christian Leaders" em Teach Us to Pray, editado por D. A. Carson, Baker (1990) e Paternoster (1990)."Justification and Personal Christian Living" em Right with God, editado por D. A. Carson, Paternoster (1992)."An Evangelical Looks at Liberation Theology" em Trinity World Forum, v. 7, n. 2 (1982)."Riqueza, Conceito Cristo de" em Enciclopdia HistricoTeolgica da Igreja Crist, editado por Walter E. Elwell, v. 3, Vida Nova (1990)."F Segundo Tiago" em Revista Teolgica do Seminrio Teolgico Batista do Sul."Bblia: o Absoluto e o Relativo" em O Jornal da Bblia (dezembro de 1991)."Unidade: o Desafio da Igreja Hoje" em Raio de Luz (1990)."O Novo Nascimento" em Raio de Luz (1993)."Hermenutica Bblica" em Vox Scripturae, v. I, n. 2 (1991).

PALESTRAS1974Seminrio Teolgico Batista do Sul "Corpo de Cristo em 1 Corntios".Seminrio Independente Batista de Campinas "Adorao".1976Congresso Missionrio da ABU Estudos sobre Efsios.Encontro de Pastores da SEPAL "Ministrio".1979CLADE II "O Conceito de Pecado na Amrica Latina".Congresso Gerao 79 Estudos sobre Colossenses.1980Seminrio Teolgico Batista do Sul "Escatologia".1982Encontro de pastores promovido pela Viso Mundial, em Belo Horizonte quatro estudos sobre "O Ministrio Cristo".1983Congresso Brasileiro de Evangelizao "Santificao".Encontro de pastores promovido pela Viso Mundial, em Recife "Uma Viso Bblica de Ministrio".1984Retiro de pastores batistas do Rio de Janeiro "O Ministrio em 2 Corntios 26" e "O Pastor Mestre".Seminrio Teolgico Batista do Paran "Exposio da Palavra".Seminrio Mineiro, em Belo Horizonte "Adorao".1985Seminrio Batista do Oeste, em Campo Grande, MS.Seminrio Betel Brasileiro, em Joo Pessoa, PB "Estratgias Missionrias Paulinas em Atos".Retiro de pastores batistas do Mato Grosso do Sul.Retiro de pastores batistas do Paran "Lei e Graa".Seminrio Batista Filadlfia, em Campinas "Estratgias Missionrias".Seminrio Teolgico Betel no Rio de Janeiro "Adorao".1986Retiro da Ordem de Pastores Batistas de Minas Gerais "Adorao".Seminrio Teolgico Batista de Dourados, MT "Sermo Expositivo".Seminrio Bblico Batista do Rio de Janeiro.Encontro de Lderes e de Pastores promovido pela Viso Mundial, em So Luiz, MA "A Pessoa, Obra e Ao do Esprito Santo".Seminrio Teolgico Batista Fluminense de Campos, RJ "Adorao" e "Escatologia".Encontro de pastores no sul da ndia (estado de Kerala) "As Implicaes da Teologia da Libertao na Evangelizao".1987Seminrio Batista de Campos, RJ "Tiago", "Lei e Graa".1988Retiro de pastores batistas de Santa Catarina.Seminrio Bblico Mineiro "Escatologia", "Homiltica Expositiva".Seminrio Batista Regular de Juazeiro do Norte, CE "Exposio Bblica".Faculdade Teolgica Batista de Braslia "Os Dons e o Amor 1 Corntios 12.14".Seminrio Teolgico Batista de Laranjeiras "Escatologia".Seminrio Teolgico Batista Fluminense de Campos, RJ "Teologia da Orao".1989Retiro de pastores batistas do estado de So Paulo.Reunio anual de pastores das igrejas congregacionais do Brasil, em Mendes, RJ "Exposio de 1 Pedro".Retiro dos missionrios batistas canadenses, em Natal, RN "Exposio de 1 Pedro".Reunio dos pastores batistas do Esprito Santo "Hermenutica".Seminrio e Instituto Bblico Betel Brasileiro "Bases Bblicas da Unidade da Igreja".Encontro de pastores promovido pela Viso Mundial, em Fortaleza, CE "Bases Bblicas da Unidade da Igreja".Seminrio Teolgico Betel do Rio de Janeiro "O Mundo, a Carne e o Diabo".1990Encontro dos missionrios da British Baptist Mission "Secularizao, o Mundo, a Carne e o Diabo".Encontro de missionrios da Unevangelized Fields Mission, em Belm, PA "Sabedoria Celestial para a Vida Diria em Tiago".Congresso Gerao 90, em Braslia "Os Heris da F e a Corrida da F em Hebreus 11, 12".Encontro de pastores da Igreja Crist Evanglica, em Anpolis, GO "A Igreja e o Mundo no Sculo XXI" e "Os Dons do Esprito".Instituto e Seminrio Bblico de Londrina, PR "O Pastor Lder" e "O Novo Nascimento".Seminrio Teolgico Presbiteriano de Belo Horizonte "Exposio da Palavra".Consulta da Associao de Evangelizao do Brasil, em So Paulo, SP "Bases Bblicas da Unidade da Igreja".Seminrio Teolgico Presbiteriano de Campinas "Exposio das Epstolas Pastorais".Seminrio Teolgico Metodista Livre "Misso da Igreja".1991Seminrio Teolgico Presbiteriano de Goinia, GO "Solidariedade da Raa Humana".Seminrio Teolgico Presbiteriano JMC, em So Paulo, SP "Batalha Espiritual".Encontro de pastores e lderes batistas do Piau "Exposio da Palavras".Reunio anual das Igrejas Crists Evanglicas do Brasil, em So Luiz, MA "Ao Social da Igreja" e "Exposio".1992Pastors' Conference, El Camino Baptist Church, em Tucson, AR "The Supremacy of God in Missions".Congresso Gerao 92, em Campina Grande, PB "Exposio de Filipenses".Encontro de pastores da Igreja Missionria, em Londrina, PR "Escatologia do Novo Testamento".Encontro de pastores da SEPAL, em Aruj, SP "A Vida Devocional do Pastor no Pastorado".1993Encontro de lderes e pastores, em Cambuquira, MG "Exposio de 1 Pedro".Encontro anual dos pastores das igrejas congregacionais do Brasil, em guas de Lindia, SP "Avivamento e tica".Seminrio da JUVEP, em Joo Pessoa, PB "A Importncia da Palavra".Encontro de pastores batistas da Bahia, em Feira de Santana, BA "Os Dons do Esprito Santo".Encontro de pastores da SEPAL, em guas de Lindia, SP "O Homem de Deus Segundo o Corao de Deus".Encontro de pastores promovido pela Associao Missionria Maranata, em Xerm, RJ "A Unidade da Igreja".Seminrio Teolgico Batista do Sul "Avivamento Bblico".Congresso Despertar 1993, em Braslia "Misses e o Discipulado", publicada no guia do congressista, em Campinas, JUMOC.Encontro nacional da APEC para pastores e lderes "Paternidade Responsvel".Seminrio Teolgico no Nordeste, em Recife, PE "Misses no Livro de Efsios".Encontro sobre tica e avivamento, em Goinia, GO "Avivamento e tica".Encontro para pastores sobre avivamento, em Vitria, ES.Primeiro encontro nacional sobre batalha espiritual, em Valinhos, SP "O Mundo e a Carne".Encontro de pastores e lderes sobre hermenutica, em Manaus, AM "Hermenutica Bblica".Seminrio Betel do Rio de Janeiro "Os Anjos e os Dons".Instituto Bblico Palavra da Vida, em Recife, PE "Exposio de Efsios".Primeiro congresso brasileiro sobre misses transculturais, em Caxambu, MG "Base Bblica de Misses".Seminrio e Instituto Bblico do Brasil Central, em Anpolis, GO "Hermenutica Bblica".Encontro da SEPAL para pastores, em Aruj, SP "Desafio para uma Vida de Submisso Palavra".1994Retiro da Ordem de Pastores Batistas do Estado de So Paulo "Implicaes da Cristologia para o Fim do Sculo" e "Misticismo".Encontro de pastores das igrejas congregacionais, em Boa Viagem, CE "Os Dons e os Anjos: Exposio de 1 Corntios 1214".

A CRISTOLOGIA DA DIVINDADE EM MARCOS 14.58

Ellis Earle

E. Ellis, Ph.D., professor de teologia no Southwestern Baptist Theological Seminary, nos Estados Unidos. membro da Society of Biblical Literature e membro-fundador do Institute for Biblical Research.A discusso entre Jesus e os telogos e "clrigos" judeus que finalmente ocasionou sua condenao morte foi uma controvrsia sobre a interpretao das Escrituras. Isso se revela no apenas nos debates apresentados nos evangelhos como midrashim yelammadenu, mas tambm na reao atitude de Jesus de perdoar os pecados e s afirmaes que fez em seu julgamento, quando acusado de blasfmia (Mc 2.7; 14.64).Ao perdoar pecados em seu prprio nome, isto , como Filho do homem, Jesus assume implicitamente uma prerrogativa de Deus e, assim, incita um intercmbio com os escribas, ou seja, os estudiosos das Escrituras. Jesus e eles pressupem o ensino bblico de que apenas Deus pode perdoar pecados. Para essa questo teolgica, ambos tm uma base comum de argumentao nas Escrituras cannicas recebidas e, contra a postura da escola da "histria das religies", quaisquer paralelos anedticos na literatura apcrifa judaica ou pag so provas duvidosas para o assunto em Marcos.Com seu ato de perdo, Jesus d uma pista de sua misteriosa auto-designao, "o Filho do homem", insinuao que os escribas entendem melhor do que os outros. Ao curar o paraltico, novamente em seu prprio nome, ele intensifica o ato verbal, visto que todos ali tambm pressupem a concepo bblica que relaciona morte com pecado e cura com o poder de Deus e, mais ainda, que atribui somente a Deus a autoridade para dar vida ou (verdadeiramente) tir-la. Dificilmente Jesus deixa subentendida apenas uma reivindicao messinica humana, pois parece no haver nenhuma tradio judaica no sentido de o Messias ou qualquer outra criatura ter o direito de perdoar pecados sob sua prpria autoridade. Alm disso, Jesus no fala como um agente, sacerdotal, proftico ou anglico, assegurando ao homem o perdo de Deus, nem oferece um perdo provisrio de um tribunal humano a ser ratificado posteriormente por Deus. Ele faz uma afirmao clara daquilo que ele e os telogos sabem ser prerrogativa de Deus e passa a ratific-la por sua prpria palavra de vida ao paraltico.Os estudiosos das Escrituras, pela primeira vez aqui nos evangelhos, no so representados como maldosos ou preconceituosos em relao a Jesus. Eles expressam um juzo refletido com base em seu entendimento bblico e, se Jesus for apenas um homem, esto plenamente justificados. Acusam Jesus de blasfmia pelas mesmas razes implcitas mas pronunciadas explicitamente na nica outra passagem dos evangelhos (antes do julgamento) em que aparece a acusao de blasfmia, Joo 10.33:"... te apedrejamos... por causa da blasfmia, pois sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo".O ataque no pronunciado dos telogos nos sinpticos reflete a percepo aguda, embora hostil, da implicao da palavra e do ato de Jesus, contrastada com a apreenso superficial das multides, em Mateus 12.8. Isso prepara o caminho para a segunda e principal acusao de blasfmia feita contra Jesus, em seu julgamento.Nos relatos sinpticos do julgamento, a pergunta do sumo sacerdote e a resposta de Jesus formaram as questes cristolgicas usuais:"s tu o Cristo, o Filho do Deus Bendito? Jesus respondeu: Eu sou, e vereis o Filho do homem assentado direita do Todo-Poderoso (Sl 110.1)e vindo com as nuvens do cu" (Dn 7.13)(Mc 14.61c-62)O sumo sacerdote pergunta sobre a identidade entre Jesus e o Messias real predito, com uma aluso a Salmos 2.7 e/ou a 2 Samuel 7.13 e s. Jesus responde afirmativamente, mas passa a definir os ttulos "Messias" e "Filho de Deus" sob aspectos do "Filho do homem". Ele se sujeita acusao de blasfmia no ao afirmar que era o Messias, o que no judasmo no constitua alegao blasfema, mas pela outra definio de seu messianismo, combinando Daniel 7.13 e s. (o Filho do homem) com Salmos 110.1 (o Senhor de Davi assentado direita de Deus).Embora os processos de julgamento sejam bastante sintetizados pela tradio dos sinpticos, eles refletem um debate bblico sobre a natureza das reivindicaes messinicas de Jesus. De fato, para um veredicto teolgico contra Jesus, tiveram de fazer perguntas de interpretao bblica. Representam o clmax para o qual Marcos (ou melhor, a tradio sinptica subjacente) havia preparado seus leitores:O "dono da vinha" enviou seu "filho amado". "O mesmo Davi chama-lhe Senhor; como, pois, ele seu filho?" "Ento vero o Filho do homem vir nas nuvens, com grande poder e glria."A acusao de blasfmia no julgamento totalmente compreensvel se o Sindrio entendeu que Jesus havia interpretado Daniel 7.9-14 mediante Ezequiel 1.26 e ss. como uma teofania aplicada a si mesmo e, assim, que havia afirmado sua posio e seu papel divinos. A acusao implcita anterior (Mc 2) pode explicar tambm a ordem expressa de vez em quando por Jesus para que houvesse silncio sobre sua pessoa e obra. Nesse caso, evidentemente a ordem era dada no porque seu messianismo fosse em certos aspectos futuro (cf. Schweitzer) ou apoltico (por exemplo, Dunn), caractersticas bastante incuas, mas pelo fato de envolver prerrogativas divinas e uma manifestao de divindade que Jesus revelaria a seu prprio modo em seu julgamento. A ordem na transfigurao abordava explicitamente tal faceta de seu messianismo. O mesmo verdade sobre o silenciamento dos demnios nos exorcismos, conforme Wiliam Wrede corretamente observou:"Os demnios... tm esse conhecimento [sobre Jesus]; o de seres sobrenaturais. E o objeto de seu conhecimento igualmente sobrenatural; no o Jesus humano como tal, mas o Jesus sobrenatural preparado com o pneuma o Filho de Deus".Todos esses aspectos, vistos num conjunto, afirmam que "o segredo messinico" da tradio sinptica, incluindo Marcos, no o segredo de alguma caracterstica humana da pessoa do Messias, mas um segredo de sua posio como "Filho de Deus", o segredo de sua divindade.Assim, a acusao de blasfmia uma chave importante para entender tanto o "segredo messinico" quanto o sentido do termo Filho do homem, conforme Jesus revela em seu julgamento as conotaes enigmticas anteriores do termo. Isso sugere que Daniel 7.13 e s. era afirmado por Jesus e, assim, entendido por seus acusadores como indicador da figura messinica "admica", aludindo ao salmo 8 e a Gnesis 1.26 e ss., e a uma manifestao de Jav em Seu trono em "figura semelhante a um homem", fazendo referncia a Ezequiel 1.26 e a Gnesis 1.26 e s. Com esse entendimento, a acusao tem um fundamento lgico na auto-identificao de Jesus com o Filho do homem, em Daniel 7. Contudo, provavelmente no se baseava apenas nessa afirmao, mas tambm, e talvez mais significativamente, na alegao de Jesus de destruir e reconstruir o "santurio em trs dias".A acusao pelas testemunhas no tribunal expressa em Marcos 15.48 da seguinte forma:"Ns o ouvimos declarar: Eu destruirei este santurio(edificado por mos cheiropoietos) e em trs dias construirei outro(no por mos acheiropoietos)".A frase aparece em Mateus, Marcos e Joo, e provavelmente pressuposta em Atos. No entanto, os relatos variam de maneira considervel, sugerindo que cada um deriva (parcialmente) de uma ou de mais tradies anteriores independentes. Isso se encaixa perfeitamente com outros aspectos do julgamento, conforme veremos abaixo, e h bons motivos para ser colocado ali historicamente.Tanto em Mateus (26.59 e s.) quanto em Marcos (14.57), a acusao representada como "testemunho falso", e Jesus reage com um silncio neutro. As testemunhas entendem aquilo como uma referncia construo do santurio de Jerusalm (naos); contudo, Marcos e talvez Mateus restringem nitidamente essa compreenso. O texto levanta diversas questes: qual era a forma original de referncia ao santurio? Em que sentido o testemunho a esse respeito considerado "falso"? Qual o significado dos termos "santurio", "construir" e "trs dias"?Nos evangelhos, o templo de Jerusalm nunca objeto de qualquer ameaa por parte de Jesus, embora ele o chame de "vossa casa", referindo-se cidade que o rejeitou, e preveja que outros o destruiro. Ele jamais expressa qualquer inteno de reconstruir tal santurio. Contra uma interpretao tradicional desse texto, aqui o santurio (naos) no alude predio de Jesus sobre o conjunto do templo (hieron), em Marcos 13.2, conforme Eta Linnemann percebeu corretamente, ou a qualquer outra afirmao de Jesus sobre o templo de Jerusalm. A referncia ao santurio em Jerusalm parte da falsidade da alegao das testemunhas que Marcos contrape com seus qualificadores "edificado por mos humanas" e "no (construdo) por mos humanas". quase certo que as expresses "edificado por mos humanas" e "no (construdo) por mos humanas" no sejam originais do discurso de Jesus ou da acusao: (1) esto ausentes de Mateus 26.61, que a esse respeito "mais simples e original", da acusao subseqente em Marcos 15.29 e da tradio joanina das palavras de Jesus, cuja forma R. Bultmann considerou "relativamente original"; e (2) no contexto do julgamento, as expresses no fazem muito sentido na boca das testemunhas falsas e diminuem a fora da acusao. Muito provavelmente, constituem um acrscimo editorial de Marcos para extrair o sentido real da afirmao de Jesus e distinguir entre os aspectos verdadeiros e os falsos da acusao.Na igreja neotestamentria, Estvo o primeiro a associar "coisas feitas por mos humanas" com o templo. Em seu discurso em Atos 7.48, ele inclui o santurio entre as coisas "feitas por mos humanas". Mas, ao citar Isaas 66.2, "a minha mo que fez todas estas cousas" (At 7.50), ele amplia a referncia para aplic-la a toda a criao presente. Estvo oferece assim o fundamento exegtico para outros empregos da expresso "feito por mos humanas"/"no feito por mos humanas" nas misses helensticas, com referncia s realidades de criao presente e criao ressurreta, era presente e era escatolgica, antiga aliana e nova aliana, respectivamente. Com esse entendimento, em 2 Corntios 5.1 Paulo pode contrastar "a casa terrestre" (he epigeios oikia) com "da parte de Deus um edifcio, casa no feita por mos", isto , a criao presente em Ado com a criao ressurreta incorporada no Cristo exaltado. Ou, em Efsios e Colossenses, ele pode contrastar a circunciso da antiga aliana "por mos humanas" com a circunciso "no por intermdio de mos", explicada como a identificao comunitria do fiel com a morte e a ressurreio de Cristo. Semelhantemente, Hebreus (9.11,24) explica a expresso "no feito por mos" como "no desta criao" e descreve a exaltao do Cristo ressurreto como a entrada nos lugares santos (hagia), isto , o santurio "no feito por mos", no cu. Diante desse contexto, as expresses "feito por mos humanas" e "no feito por mos humanas" tm um emprego muito bem definido dentro das misses dos helenistas cristos. Eles se referem respectivamente criao presente e criao da ressurreio, sendo esta ltima s vezes expressa em termos da ressurreio de Cristo e outras vezes como sua identificao ou associao com o templo escatolgico.A orao "construirei outro [santurio]" (Mc 14.58) pode ser uma citao errada de um discurso de Jesus feita pelas testemunhas. De acordo com algumas tradies judaicas, o Messias deveria construir um novo templo; segundo outras, era Deus quem o faria. Entretanto, nas palavras de Jesus, o mesmo santurio que destrudo e reconstrudo, como mostram os paralelos:"... tu que destris o santurio e em trs dias o reedificas!" (Mc 15.29);"Posso destruir o santurio de Deus e reedific-lo em trs dias" (Mt 26.61); e "Destru este santurio, e em trs dias o reconstruirei" (Jo 2.19).A identificao do santurio destrudo com o reedificado exclui outra interpretao tradicional que associa o templo destrudo com o sistema religioso judaico e o templo reedificado com a igreja, embora esse ponto de vista aproxime-se do significado das palavras de Jesus interpretadas por Marcos.Creio que a pista decisiva para o significado pretendido por Jesus so as palavras "em trs dias". Segundo o comentrio de Donald Juel, "parece duvidoso que a expresso seja uma referncia ressurreio [de Jesus]". Considerando-se o uso de tal expresso ou de seu equivalente anterior em Marcos, pode-se falar de maneira mais incisiva: "em trs dias" aponta para a ressurreio de Jesus. Diante de outros usos de acheiropoietos nas misses helensticas para aludir nova criao surgida com a ressurreio de Cristo, o santurio "no [feito] por mos humanas", em Marcos 14.58, confirma esse entendimento da expresso "em trs dias".Marcos, ento, usa o santurio destrudo e reedificado em trs dias para referir-se ao corpo de Jesus. Nesse sentido, concorda com a interpretao mais explcita em Joo 2.21 e com a referncia mais alusiva encontrada em Mateus, uma meno de Jesus como "o santurio de Deus". Ele preparou seus leitores para essa identificao pelo midrash sobre os lavradores maus, em que Jesus identifica-se com a pedra rejeitada que se torna a pedra angular do templo escatolgico.Teologicamente mais significativo o fato de Marcos atribuir a Jesus a alegao de ressuscitar dos mortos "em trs dias", uma alegao de divindade que dificilmente poderia ser feita de maneira mais forte. Se o sumo sacerdote tambm suspeitasse de que tal alegao estava implcita quando Jesus falou do santurio, compreensvel que ele considerasse essa afirmao, tanto quanto a alegao de ser o "Filho do homem", como motivo suficiente para a acusao de blasfmia de que Jesus era culpado. A cristologia da divindade insinuada no perdo de pecados que Jesus realizou em Seu prprio nome, em Marcos 2, torna-se explcita no julgamento, ao identificar-se com o Filho do homem, de Daniel 7, e, talvez mais ofensivamente, tambm em sua alegao velada de ressuscitar dos mortos.Marcos alude divindade de Jesus em contextos diferentes de 14.58. Em harmonia com o episdio pr-sinptico de "Jesus e Joo Batista", ele comea citando Isaas 40.3 (1.2) e termina com menes de Salmos 2.7 e Isaas 42.1 (1.11). possvel que Marcos 1.2,11 sejam testimonia selecionadas dos midrashim anteriores em que a compreenso cristolgica de tais passagens foi elaborada. Ao contrrio de Mateus e Lucas, Marcos 1.2 une Isaas 40.3 com uma referncia implcita vinda de Deus "ao seu templo" (Ml 3.1):"Eis a envio diante da tua face [isto , a do Filho de Deus] o meu mensageiro, o qual preparar o teu caminho; voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor (kuriou), endireitai as suas veredas".A aluso de Marcos vinda do Senhor a seu templo no se refere, afirmo, ao templo herodiano, mas sua moradia encarnada em Jesus, o Filho do homem, e prepara o leitor perspicaz para a tipologia do santurio que ser desenvolvida posteriormente no evangelho. Marcos est bem consciente de que os textos hebraicos referem-se vinda do Senhor como redentor (Is 40.3) e juiz (Ml 3.1) de Israel, e nessa percepo ele os expe para fazer uma identificao cum distino de Iav com Jesus Cristo, o Filho de Deus (Mc 1.1).O evangelista usa tambm os milagres de Jesus para apresent-lo como aquele que, por sua palavra soberana, controla a natureza (4.35-41; 6.45-52), confere vida aos mortos (5.21-42), cria a matria (6.32-44; 8.1-10) e decreta a morte (11.12 e ss., 20-25). Embora, ao contrrio de Joo, ele no chame tais fatos de "sinais", fica claro que, no menos que Joo, Marcos os considera indicadores de Jesus como aquele que por sua prpria autoridade manifesta poderes exclusivos de Deus.Obviamente, a apresentao que Marcos faz de Jesus como Deus velada, como a do prprio Senhor, e representa apenas um aspecto da realidade de mltiplo esplendor da pessoa singular de nosso Senhor. Est de acordo com a cristologia de outros escritores neotestamentrios e com o monotesmo impreciso do Antigo Testamento, em que Deus visto como uma unidade na pluralidade. Contudo, isso levanta um problema para os que definem o monotesmo em categorias unitrias (posteriores) e, ento, lem essa definio dentro do judasmo pr-cristo.A complexidade da doutrina da pessoa de Jesus Cristo no Novo Testamento fica evidente a partir de trs sculos de exegese e de discusses patrsticas e, pessoalmente, com base em meu prprio arianismo durante o perodo universitrio. Entretanto, no reavivamento do sentimento unitrio em alguma teologia contempornea, semelhante do sculo XVIII, pode ser proveitoso recordar alguns textos bblicos e a exposio que desviou a igreja de tais concluses e levou-a para a afirmao do Deus trinitrio: Pai, Filho e Esprito Santo.

SER TELOGO NO TERCEIRO MUNDO

Richard J. Sturz

Richard Julius Sturz, Th.M., com vrios estudos doutorais, foi professor titular da diviso de Teologia Sistemtica da Faculdade Teolgica Batista de So Paulo, sendo conhecido como autor e conferencista no Brasil.

INTRODUONem todos so telogos. Poder-se-ia acrescentar tambm, jocosamente, que nem todos os telogos "profissionais" so verdadeiramente telogos. Para complicar ainda mais a situao, a tarefa de fazer teologia em um contexto transcultural bem diferente de trabalhar dentro do prprio contexto. No pude deixar de sorrir quando o editor de uma recente compilao de artigos sobre justificao sentiu-se forado a observar que alguns colaboradores do Terceiro Mundo no eram to rigorosos quanto os do Primeiro Mundo. Ele poderia muito bem ter acrescentado, caso lhe tivesse ocorrido, que os telogos do Primeiro Mundo tendem a ser bem mais paroquianos do que os do Terceiro Mundo! A diferena que muitas vezes eles no esto conscientes de seus horizontes limitados.Voltemos primeira afirmao: "nem todos so telogos". um ponto discutvel, independentemente de todos ns sermos ou no de alguma forma telogos. Assim como qualquer pessoa que reflita sobre as peculiaridades da vida um filsofo, do mesmo modo qualquer indivduo que medite sobre as questes de Deus, justia e sofrimento , em certo sentido, um telogo. A reflexo sobre os grandes tpicos da vida faz com que tanto o homem do povo quanto o catedrtico se tornem telogos. Obviamente, um talvez seja mais "rigoroso" do que o outro, mas talvez no esteja necessariamente mais prximo da verdade. Portanto, os que estudam apenas as matrias "prticas" no seminrio no escapam com isso da teologia nem deixam de ser telogos.Poucos telogos do Atlntico Norte tm a oportunidade de refletir sobre essas questes e sobre suas implicaes em aspectos de uma cultura diferente da sua. E o pastor-telogo de uma pequena igreja brasileira pode muito bem sofrer limitaes semelhantes. Isso lamentvel, visto que muitas vezes nem o telogo profissional consegue distinguir os elementos meramente culturais dos essenciais. to fcil identificar a verdade com a perspectiva pessoal em relao vida! esse vnculo com a cultura que faz surgir propostas to efmeras quanto a do movimento "Deus Est Morto". A Teologia da Libertao tambm sofre de tal miopia. O papel positivo do contexto ser discutido abaixo.Ser que sou um telogo? Se o homem do povo um telogo porque reflete sobre Deus, ento certamente sou um, pois h muitos anos venho meditando sobre as questes profundas da vida e sobre as respostas que as Escrituras e a realidade brasileira do sculo XX apresentam. Isso basta? No, mas um comeo.Mas, ser que sou um telogo? Morei 42 anos no Brasil, em 24 dos quais tive o privilgio de ensinar teologia na Faculdade Teolgica Batista de So Paulo. Desde o final da dcada de 70, a mdia de matrculas na faculdade tem ultrapassado 400 alunos. Alm de ensinar os dois anos de Teologia Sistemtica, ministrei cursos de Teologia Bblica e de Teologia Histrica. Ao longo dos anos, tambm ensinei matrias complementares de Filosofia e de Histria Eclesistica. Alm disso, claro, havia os cursos ministrados no programa de mestrado, os quais permitiam uma anlise e uma discusso mais profundas dos temas teolgicos.

SER TELOGO EM SO PAULOSo Paulo no Pasadena, muito menos Cambridge. A cidade bem maior, claro. E o nmero de escolas teolgicas muito superior. Hoje h outras, mas em 1985 j existiam 20 escolas de teologia protestantes em So Paulo, com um total de matrculas de aproximadamente 4 mil seminaristas. Contudo, nenhuma possua os mesmos recursos de bibliotecas da maioria dos seminrios nos Estados Unidos. Na poca, a biblioteca da faculdade batista, uma das melhores, contava com cerca de apenas 20 mil volumes, e a quantidade de revistas religiosas era ainda inferior. Quase nenhuma instituio tinha mais do que alguns poucos peridicos recebidos regularmente.Com pouqussimas excees, o seminarista l apenas os captulos determinados pelos professores. O restante dos livros permanece simplesmente como um "pano de fundo", devido absoluta falta de tempo. Quando se forma e inicia o pastorado, com excees ainda mais raras, o pastor-telogo fica praticamente isolado pelo tempo e pela distncia do aprendizado acumulado nas bibliotecas teolgicas.Ento, como se faz teologia no Terceiro Mundo?Em primeiro lugar, o indivduo monta sua prpria biblioteca nas reas em que deseja aprofundar-se. Quando conversei acerca desse problema com minha mentora no Claremont University Center, ela teve dificuldades para compreender o problema. Quaisquer livros que ela considerasse necessrios para si mesma ou para o curso eram simplesmente includos na lista de compras da biblioteca. Ela nem pensaria em adquiri-los para uso pessoal. No caso do telogo terceiromundista, dificilmente existe outra alternativa. H quase um vcuo dentro do raio de seu ministrio. Entretanto, ao comprar os livros para si, o telogo imediatamente percebe como so caros. E como difcil carreg-los consigo! Eu tenho alguns amigos missionrios que se mudavam com freqncia devido s alteraes no ministrio. E, cada vez que viajavam, eles se desfaziam de mais livros!Conseqentemente, o telogo terceiromundista tende a depender de livros mais antigos e em menor quantidade. Ora, bvio que ser mais novo no significa necessariamente ser mais profundo ou verdadeiro. Mas, ento, o mais antigo pode muito bem levar o telogo a involuntariamente debater-se com questes que j no so discutidas e a omitir os pontos cruciais de seus prprios dias. Descobri que a vantagem dos livros mais antigos encontra-se na minuciosidade com que discutem os assuntos teolgicos. Nas ltimas duas dcadas, a economia do Brasil tem sido to catica que poucas pessoas conseguem escrever livros srios, muito menos vend-los. Em segundo lugar, percebi que uma forma de contornar tal impasse era o intercmbio constante com colegas que no estavam na mesma situao. Em So Paulo, isso significava tornar-se ntimo dos liberais nas reunies da ASTE (Associao de Seminrios Teolgicos Evanglicos), lendo suas publicaes e assistindo s palestras dos telogos que a associao oferecia. Assim, pude ouvir e interagir com homens como Jurgen Moltmann, Harvey Cox, Hugo Assmann etc. Antes da mudana de currculo na faculdade (1970), muitas vezes eu levava minha classe inteira para ouvir as conferncias de tais telogos. Na aula seguinte, ento, eu analisava as palestras. Mesmo tendo uma biblioteca apropriada, aquele que deseja refletir seriamente sobre Deus e sobre Sua Palavra deve trocar idias com os que tm outras convices. Em terceiro lugar, deve-se pensar no contexto em que se est trabalhando. Se teologia vida, ento uma vida vivida em situaes concretas. Os rigores da lgica acadmica e da exegese tm de ser explicitados por uma compreenso do povo com o qual o telogo atua. Assim, deve-se ler e repetir a teologia do Primeiro Mundo, considerando-se a estrutura de pensamento e a realidade daqueles a quem o telogo se dirige. Certos aspectos da teologia poltica europia foram cruciais no desenvolvimento da Teologia da Libertao. Por outro lado, as teologias existencialista e do processo desapareceram sem deixar vestgios. Nenhuma delas parecia se pronunciar sobre a situao do Brasil. Por conseguinte, o candidato a telogo no Terceiro Mundo precisa registrar seu curso com cuidado entre o Cila de uma teologia aculturada no Atlntico Norte e o Carbdis do sincretismo originrio de tentativas ingnuas de contextualizao. S imergindo na cultura anfitri o missionrio emigrante pode sentir a diferena entre o que verdadeiramente contextual e o que vai alm, que chega ao sincretismo. Para o pastor-telogo, o problema muitas vezes idntico. Ele deve peneirar os elementos culturais estrangeiros na teologia que lhe foi ensinada, mas no apenas para substitu-los por outros nutridos na cultura local. Isso no o colocaria mais perto da Verdade; e ele estaria correndo o grande risco de um evangelho sincretista que Paulo diz no ser evangelho (Gl 1.69). A lngua o veculo que mais claramente transmite o contexto. Se no for profundamente compreendida, a cultura tambm permanecer alm do entendimento. Devem-se aprender o esprito da lngua e as grias. Estes, junto com as nuanas verbais presentes no idioma, exibem o carter nacional. At que o emigrante consiga usar essas chaves lingsticas, ele no obter acesso aos meios da teologia contextualizada. Nesse ponto, o pastor-telogo aparentemente possui uma grande vantagem, visto que fala portugus desde a mais tenra idade. Contudo, poucos do-se ao trabalho de analisar profundamente as variaes de sua lngua materna. Alm do idioma, tanto o pastor-telogo quanto o missionrio devem estudar histria. O Brasil s ser compreendido em suas diferenas da Amrica Latina hispnica quando for visto sob a tica do bero da antigidade romana, da influncia afro-muulmana na Idade Mdia, da conquista portuguesa acompanhada pelo catolicismo anterior Reforma e do subseqente trfico de escravos africanos. Evidentemente, no apenas a lngua que separa o Brasil do restante da Amrica Latina. lamentvel que poucos levem a srio o estudo do passado, pois, sem compreender nossas origens culturais, no temos como captar o significado do presente ou a direo do futuro. De qualquer maneira, sou grato porque ao longo de 17 anos exerci vrios tipos de ministrio no Brasil, nas regies nordeste e centro-sul, antes de comear o magistrio na Faculdade Teolgica Batista de So Paulo. Durante esses anos, realizei obras evangelsticas no serto, ensinei em um pequeno instituto bblico e fui secretrio executivo da CLEB (organizao de editores e livreiros). Alm da oportunidade de ministrar, esses anos deram-me conhecimento das vrias subculturas brasileiras. Foi tambm um perodo em que desenvolvi minhas habilidades lingsticas e, atravs da leitura, o fundamento filosfico para as aulas que ministraria posteriormente. At onde fui capaz de assimilar os pontos-chave culturais acima descritos e de adaptar a eles minha pessoa e a mensagem do evangelho algo que ter de ser julgado pelos ex-alunos e colegas.

A MENSAGEM DO TELOGOA meu ver, a tarefa compe-se de dois elementos essenciais: a mensagem e a misso. O primeiro tem que ver com a comunicao da verdade revelada; o segundo, com a formao do carter e do pensamento dos seus alunos.Ento, qual a mensagem a ser transmitida? bvio que no consiste exatamente no que foi aprendido na igreja ou no seminrio. Sim, seria de esperar que houvesse muito em comum entre a tradio assimilada e a mensagem a ser transmitida. Mas elas no so idnticas. Assim, a questo nesse ponto no tanto o contedo da mensagem em si, mas o processo pelo qual se deve chegar verdade.Eis um exemplo simples de como o contexto abriu as portas para novas nfases totalmente ignoradas antes de minha chegada ao Brasil, em 1949. Naquela poca, "os pobres" representavam para mim um conceito abstrato que tinha muito pouco ou nada que ver com a teologia. No me recordo de t-los "visto" alguma vez; e meus estudos no seminrio no se concentravam, em absoluto, no cuidado de Deus por eles. Isso, apesar de um estudo minucioso sobre Ams! No Brasil, porm, os pobres so ubquos. Descobri que a Bblia tem muito a dizer acerca dos pobres, embora nem sempre seja o que os telogos da libertao alegam encontrar ali. Em suma, fora possvel fazer teologia em um contexto do Atlntico Norte, falando-se muito pouco sobre os pobres.O telogo busca a verdade. De sbito a indagao de Pilatos "que a verdade?" (Jo 18.38) torna-se muito pertinente para o assunto em questo. No quero de forma alguma deixar dvidas de que para mim existe a verdade proposicional. E essa verdade constitui a base do evangelho. A grande luta com a Teologia da Libertao consiste em haver ou no a verdade absoluta. Enfatizando-se a prxis da comunidade (e. g., J. L. Segundo, The Liberation of Theology, e Alszeghy e Flick, Como se faz teologia), a mensagem bblica passa a ser secundria e totalmente relativa. O problema que os telogos modificaram a verdade, ao acrescentar muito do que cultural e filosfico. Junto com isso, erros bem simples foram inseridos no ensino das igrejas. O que pior, tudo isso vem a ser apresentado como evangelho.Logo, em que consiste o processo pelo qual o telogo deve alcanar a mensagem a ser comunicada? J observamos a necessidade de estar totalmente imerso no contexto sob aspectos de cultura, de lngua e de histria. Ao fazer isso, o telogo adquire as ferramentas com as quais sero desenvolvidas as percepes crticas, permitindo a avaliao tanto do contexto original de onde o telogo veio quanto daquele no qual trabalha. Infelizmente, muitos nunca usam o contexto de maneira crtica. Para desenvolver a mensagem, precisa-se de trs ferramentas indispensveis: a experincia transcultural, a autoridade da Bblia e as pressuposies filosficas.A experincia transcultural ajuda o pastor-telogo a distinguir entre o perifrico e o essencial na mensagem. Os muitos acrscimos culturais feitos ao evangelho desde os primeiros sculos cristos foram incorporados tradio sagrada a tal ponto que apenas a experincia transcultural alerta o estudioso sobre sua presena. Ao lidar com isso, ele deve tambm percorrer o caminho rduo entre um sincretismo inaceitvel e uma contextualizao necessria cultura terceiromundista em que ministra.Junto com as percepes adquiridas pela experincia transcultural, h outras que surgem das prprias Escrituras. Aqui, o problema duplo. Em primeiro lugar, o telogo entende a Bblia como detentora da ltima palavra ou como apenas secundria prxis (experincia) da comunidade? A resposta, que deve ser bvia entre os evanglicos, no fcil. Quantas vezes obrigou-se que a Palavra dissesse o que nossas tradies nos ensinaram, em vez de ser juiz sobre elas! O segundo problema emana da prpria natureza das Escrituras. Com base no fato de que a revelao foi dada em um contexto cultural especfico, o telogo deve julgar at que ponto, caso isso tenha acontecido, adaptou-se a revelao ao contexto em que se manifestou. A questo deve ser analisada com muito cuidado. No se pode negar que o contexto influenciou a forma da mensagem. Por outro lado, preciso atentar para o fato de que tal reconhecimento no leva relativizao de seu contedo.Isso nos leva ao ltimo conjunto de ferramentas necessrias para fazer teologia no Terceiro Mundo. Estas tm natureza filosfica e relacionam-se com a anlise crtica da verdade. Toda teologia comea com pressuposies filosficas. Alguns telogos da libertao ingenuamente declaram que sua dependncia de um ponto de partida sociolgico tornou sua teologia "cientfica" e, assim, libertou-os de pressuposies filosficas. Isso difcil. As implicaes marxistas de sua anlise demonstram claramente que sua abordagem filosfica domina seu entendimento tanto da sociedade quanto das Escrituras. Por outro lado, muitos supostos telogos evanglicos no se do ao trabalho de compreender seu prprio ponto de partida filosfico. Fingem no ter nenhum e simplesmente vo direto s Escrituras para entender e ensinar a mensagem revelada. Na verdade, eles so to ingnuos quanto os outros.No meu caso, procurei desfazer-me das pressuposies do Atlntico Norte, desenvolvendo meu ensino a partir de uma base com quatro ngulos. Os quatro elementos consistem em: Escrituras, a tradio eclesistica, a filosofia e a experincia. Cada um deles vai ao encontro dos outros e os interpreta. O sola scriptura s vlido no sentido derradeiro. Na verdade, cada um de ns aborda a Palavra com a bagagem que adquiriu em sua experincia pessoal e eclesistica, e tambm com o entendimento da realidade que o prprio contexto nos impe. Eis por que, embora Lutero, Zunglio, Calvino e Menno Simons concordassem em relao ao conceito da sola scriptura, eles no conseguiram entrar em acordo sobre a interpretao do texto sagrado.Descobri que a cristologia uma ferramenta til para superar a atrao gravitacional de cada um dos elementos da base qudrupla mencionada acima. A tradio eclesistica, a filosofia, a experincia e at as Escrituras devem permanecer sob o julgamento de Jesus Cristo, conforme revelado no texto sagrado. Mais uma vez, s meus alunos podero dizer se usei com eficincia essa base. Essa abordagem no nova para mim. Lutero e Karl Barth, para citar dois telogos famosos, desenvolveram seu entendimento da verdade bblica a partir de pontos de partida cristolgicos.

A MISSO DO TELOGOChegar verdade teolgica contextualizada, entretanto, somente o primeiro passo para ser um pastor-telogo. A comunicao dessa verdade e a formao do carter e do pensamento de seus alunos so necessrias para completar o processo.No Brasil de hoje, no h lugar para uma teologia puramente acadmica. "Publique ou perea" um conceito do Primeiro Mundo desconhecido aqui, bem como a idia de que um mestre pode passar a maior parte do tempo escrevendo em seu gabinete, vindo a ensinar apenas uma disciplina de vez em quando. Tambm um sonho impossvel um telogo terceiromundista dedicar-se elaborao de um sistema teolgico novo. At mesmo a Teologia da Libertao foi em grande parte criada na Europa por latinos que estavam fazendo ali seus estudos de doutorado em teologia. E, conforme Malachi Martin demonstra em The Jesuits (1987), sua essncia foi formada por telogos polticos europeus.E ento? A misso do telogo essencialmente produzir duas espcies de resultado: o tipo de estudante que formar e a qualidade de pessoas que eles sero. Quanto ao primeiro, ele poder imaginar eruditos intelectualmente preparados, capazes de escrever e de ensinar nos mais altos nveis acadmicos.Por fim, tais estudiosos seriam capazes de substitu-lo como professor, supondo que o Brasil vir a resolver seus problemas econmicos e as igrejas podero e estaro dispostas a sustentar acadmicos altamente qualificados. No momento atual, os seminrios no tm meios de comprometer-se com o sustento de mais do que um pequeno grupo de professores brasileiros. Apesar dessa grave limitao, quase 10% dos formados na Faculdade Teolgica Batista de So Paulo esto ensinando ou administrando instituies teolgicas no Brasil.O papel do professor de seminrio no Brasil muitas vezes limita-se preparao de pastores para o nmero de igrejas cada vez maior. De fato, durante os 24 anos em que ministrei na faculdade, nunca conseguimos formar homens em quantidade suficiente para encher os plpitos que os aguardavam. Embora tenhamos formado mais de 500 ao longo daqueles anos, as igrejas constantemente fundavam outras em maior nmero do que a quantidade de homens que podamos formar. Louvado seja o Senhor! Assim, necessrio que o mestre pense em "pastor" ou "missionrio" quando prepara e entrega seus sermes. Do contrrio, deixar de proporcionar o mximo de contribuio que pode dar. Contudo, para o "telogo" no fcil concentrar-se nesse nvel de estudante e prepar-lo eficazmente para o ministrio. J fui acusado de dedicar-me particularmente ao pequeno grupo de melhores alunos de determinada classe e deixar que o restante fosse carregado para um destino qualquer. Embora essa nunca tivesse sido minha inteno, receio que subconscientemente essa pode ter sido a direo que tomei. Observamos o tipo de estudante que o professor de teologia busca formar. Agora, vejamos a qualidade de pessoa que ele espera criar. Aqui, o maior perigo encontra-se no conceito de preparar algum "para assumir meu lugar". Isso resulta em uma imposio inconsciente de nossa prpria teologia e tambm de nossos planos pessoais. A conseqncia final pode ser a produo de "clones". Jesus era totalmente contra esse projeto (Mt 23.15). Receio que alguns de ns, pertencentes velha escola, tenhamos buscado preparar mais a mente do que o corao. Temos enfatizado o que o estudante deve conhecer, em oposio ao que ele deve ser. Alm do "conhecer" e "ser", obviamente h o "fazer". Cada um de ns diferente na rea visada. Sei que h alguns que tentam desenvolver o "ser" e o "fazer", mas temo que ao longo dos anos de magistrio tenha dado mais nfase ao "conhecer". Durante todo esse tempo, eu sabia que estava resistindo s tendncias culturais. Mas no lamento esse enfoque no conhecimento da verdade revelada na Palavra. A abordagem subjetiva do conhecer (baseada no sentimento, no no contedo) tornava-se cada vez mais a norma, medida que a mudana de 1964 nas leis educacionais implementava-se plenamente. Que frustrao! Afinal, o evangelho mais do que sentimento, f e obedincia; conhecimento dEle e de Sua revelao. Quanto ao lado do "fazer", meu ensino trazia uma nfase quase nica na faculdade: insistir para que o estudante aprendesse a pensar por si mesmo. Essa tambm foi uma batalha penosa, pois chocava-se com todos os antecedentes educacionais do aluno. Provavelmente constituiu a tarefa mais difcil na qual me empenhei e, nos poucos casos em que "funcionou", a mais gratificante. Foi uma das coisas que os antigos alunos me agradeceram. E qualquer pessoa que busque formar pensadores cristos deve analisar como poder transmitir essa ferramenta bsica.

TRS JUSTIFICAES PESSOAISDificilmente pode-se generalizar a partir da prpria experincia. Minha prtica limitou-se basicamente ao Brasil, embora eu tenha mantido amplo contato com colegas em todo o restante da Amrica Latina. Assim, dificilmente eu ousaria falar sobre o que significa ser um telogo missionrio no sentido geral. Algumas coisas acabam por ser idnticas; outras, muito diferentes. Descobri que isso era verdade quando alguns colegas que trabalhavam na Amrica hispnica tentaram fazer afirmaes genricas com relao Amrica Latina, incluindo o Brasil. De fato, a "Amrica Latina" uma abstrao na verdade inexistente. O que existe so argentinos, bolivianos, cubanos, mexicanos etc. Cada um culturalmente diverso dos outros, embora todos compartilhem a mesma lngua.Em segundo lugar, poder-se-ia perguntar se sou um telogo. De que maneira se define tal indivduo? Normalmente, pensamos nele como uma pessoa que ocupa a cadeira de teologia em um seminrio. Consideramo-lo uma autoridade reconhecida no ensino cristo, algum que produziu algo "novo" na rea da doutrina. Mas, alm disso, um telogo tambm um indivduo com certos graus e que publicou livros sobre teologia. Nesses sentidos, eu ainda no sou um deles. Por diversas razes, irrelevantes aqui, eu no completei meu programa de doutorado. S agora minha opus magnus est na iminncia de ser escrita. Talvez eu a faa algum dia.No entanto, como mencionei no incio, qualquer pessoa que reflita sobre as grandes questes da vida , em certo sentido, um telogo. Obviamente, alguns esto mais bem equipados que outros. H quem v direto aos pontos essenciais. Outros certamente so mais bblicos. Depois, claro, existe o problema de comunicar os resultados da meditao sobre tais questes.Em terceiro lugar, um telogo, no sentido tcnico da palavra, precisa de alguma forma ser original. No basta ter seguido as convices de outros indivduos. Ele deve torn-las suas e criar, a partir de sua situao, uma abordagem que se encaixe em seu tempo e lugar na histria. Tal enfoque deve capacit-lo a comunicar a verdade eterna de modo temporal. Evidentemente, ningum original em absoluto. Para ser cristo, todo sistema deve basear-se em dois mil anos de iniciativas teolgicas.No alego ser original nem em abordagem nem em concluses. Fui influenciado por inmeros autores, mais por alguns do que por outros. At a leitura mais superficial de minhas convices revelar a influncia dominante tanto de Calvino quanto de meus antepassados batistas. Entre os autores que exerceram a influncia formadora mais consciente esto os seguintes:De Karl Barth, a insistncia em uma teologia cristocntrica. Naturalmente, ele a herdou de Lutero e dos outros reformadores. Dele, tambm, a idia de que a teologia deve ser eclesistica, isto , escrita dentro de uma tradio eclesistica especfica e para ela (C. D., I, 1). A teologia deve ao mesmo tempo afirmar e criticar a igreja qual o telogo se dirige. A teologia acadmica (no relacionada igreja) est morta. Para viver, deve pronunciar-se dentro do Corpo e para o Corpo.Assim, a anlise histrica que sempre determinou minha abordagem das questes teolgicas pode ter sido assimilada durante meus estudos universitrios. Qualquer que tenha sido a poca em que isso ocorreu, tornou-se um elemento essencial em meu enfoque da teologia. Em todo curso ministrado, eu sempre ressaltei as alternativas histricas. Estas consistem nas interpretaes viveis adotadas concretamente por algum grupo de cristos. Isso me afastou de possibilidades abstratas que podem ou no fazer parte de um sistema de crena possvel. Tambm impediu que eu buscasse solues subjetivas ou contextualizadas alheias vida da igreja.A obra How to Read a Book, de Mortimer J. Adler, foi extremamente til tanto na questo da interpretao (hermenutica) quanto para ensinar os alunos a pensar por si mesmos. Na verdade, esse livro foi mais proveitoso ao ensinar-me a pensar de maneira crtica (publicado em lngua portuguesa em uma edio revista por Charles Van Doren intitulada Como Ler um Livro, Agir Editora).O livro The Social Teaching of the Churches ("O Ensino Social das Igrejas"), de Ernst Troeltsch, capacitou-me a avaliar por que a teologia americana tende a separar a igreja do estado, enquanto as europias integram na sociedade as igrejas e sua misso. A primeira enfatiza a necessidade de uma experincia pessoal com Cristo; a ltima, a unidade entre cristianismo e cultura. A distino crucial em qualquer tentativa de entender as diferenas entre os que do precedncia s implicaes sociais do evangelho e aqueles que fazem da evangelizao sua prioridade mxima.O realismo crtico moderado de Auguste Lecerf (An Introduction to Reformed Dogmatics) proporcionou-me um fundamento filosfico que se conformaria s pressuposies dos autores bblicos e que seria uma estrutura razovel para o sculo XX. Isso respondia adequadamente s objees do relativismo neokantista e do idealismo subjetivo.

CONCLUSOEsta discusso fez-nos divagar. Embora eu tenha procurado abordar a questo de ser um telogo no Terceiro Mundo a partir de uma perspectiva genrica, acabei por basear-me principalmente em minha prpria experincia. Aqui, no final, h diversas idias que precisam ser relacionadas.Em primeiro lugar e acima de tudo est o conceito de que em certo sentido todos ns somos telogos. Mesmo havendo os chamados telogos "profissionais", os quais tm o aprendizado e os dons para trabalhar nessa rea, qualquer pessoa que reflita sobre Deus e sobre Sua relao com o homem de alguma forma um telogo. Naturalmente, alguns faro isso melhor do que outros. Todos ns, mesmo os profissionais, temos fraquezas e preconceitos. H quem possua treinamento e bibliotecas melhores; outros tm o dom do discernimento, o qual permite que apontem o problema com seu dedo teolgico. Nenhum de ns est totalmente livre dos vnculos de nosso prprio contexto. Portanto, todos devemos ter conscincia de nossas fraquezas, aprimorar nossas habilidades e ampliar nosso conhecimento, de forma que possamos cumprir melhor essa tarefa.Em segundo lugar, temos de lembrar que no se faz teologia em um gabinete. Ningum pode comear de um rabisco. Nem possvel ser original tentando furtar-se ao passado da igreja. Todos ns, mesmo os mais criativos, dependemos dos que refletiram sobre a f crist e a pregaram antes de ns. Nenhuma teologia "totalmente nova" consegue ser muito crist. Nem se pode retornar completamente forma de f do Novo Testamento, embora devamos buscar constantemente a base bblica para nossa f.Todavia, tendo afirmado a necessidade de permanecer dentro da histria, em terceiro lugar o telogo deve aprender a pensar alm dos casos individuais e a passar para princpios universais. Na segunda metade do sculo XX, tm-se elaborado muitas teologias com base em reaes subjetivas a casos individuais. Estes so vvidos, mas no indicam necessariamente a verdade eterna. O objetivo deve ser o amplo quadro que abrange o todo da revelao e o contexto inteiro. Este ltimo mantm a teologia relevante; o primeiro a capacita a esquivar-se do sincretismo.Em quarto lugar, a misso do telogo sempre a comunicao. E a proclamao feita no plpito sempre teologia. Pode ser uma teologia muito pobre! Mas, toda declarao sobre Deus e sobre o relacionamento do homem com ele teologia! S se consegue evitar essa tarefa confinando-se no silncio. Deve-se meditar sobre as grandes questes da vida. Deve-se falar acerca delas. Na graa de Deus, possamos pensar antes de falar. Possamos sempre falar para a glria maior de Deus!

A PROFUNDIDADE E OS LIMITES DA EXPERINCIA CRIST

Alan B. Pieratt

Alan B. Pieratt, Ph.D., missionrio da C. B. International, mesma misso do Dr. Shedd, professor de Teologia Sistemtica na Faculdade Teolgica Batista de So Paulo.

"Em grande parte, a verdadeira religio consiste em sentimentos."Jonathan Edwards.

Com essas palavras, Jonathan Edwards, renomado estudioso dos fenmenos associados aos avivamentos religiosos, desafiou-nos a ponderar com mais cuidado sobre a natureza e o lugar das emoes na experincia crist. Entre os telogos cristos, o que tem recebido a maior parte da ateno a doutrina, no os sentimentos. Em discusses de temas teolgicos importantes, raramente incluem-se os sentimentos. Pense, por exemplo, no conceito cristo de Deus. At h bem pouco tempo, nenhum telogo se referia a Deus como se ele tivesse emoes. Isso no seria visto com bons olhos, por ser muito antropomrfico. O mtodo correto era conceber Deus exclusivamente sob aspectos de atributos como razo, propsito, vontade, poder e personalidade (como se esses elementos no fossem conceitos antropomrficos), atributos esses que podem ser racionalizados pelo intelecto, mediante definio e anlise.O modo certo de pensar recebeu grande parte da ateno tambm entre pastores. Dignidade, ordem e controle eram as marcas dos cultos das igrejas protestantes e catlicas. Os sermes concentravam-se no ensino e na persuaso por meio de uma argumentao cuidadosa. claro que nem todas as emoes foram excludas do culto. At igrejas mais formais fazem uso de alguma forma de msica para incentivar sentimentos de reverncia, de temor e de dependncia de Deus. Mas, para a maioria, a igreja crist manteve cultos de adorao de natureza altamente digna e de meditao. Em suma, a principal pergunta para a maioria dos cristos era "em que voc cr?", em vez de "o que voc sente?".Isso parece estar mudando na igreja de hoje. Basta que o leitor observe quantos artigos das publicaes denominacionais so dedicados discusso de dons espirituais, de dentes de ouro ou de outras manifestaes de poder espiritual. Uma nova nfase na experincia religiosa parece remontar virada do sculo, poca em que o falar em lnguas comeou a ser usado como padro para as experincias espirituais "superiores". Mais recentemente, ser "abatido no Esprito", parece ter se tornado a experincia mais popular, embora outras tambm estejam sendo buscadas e encontradas, incluindo"... pranto, choro, expresses de louvor longas e efusivas, tremores, estremecimentos, quietude, contores do corpo, quedas (s vezes mencionadas como "ser abatido no Esprito"), risos ou saltos. Outros fenmenos so mais sutis: leves tremores, vibrao das plpebras, ligeiras transpiraes, brilho no rosto, arrepios e respirao lenta e profunda".A alta incidncia desses tipos de experincia parece constituir uma grande transformao no que muitas pessoas esperam hoje da espiritualidade crist.No pretendo afirmar que a tradio teolgica do passado estava errada em certo sentido, por no dedicar mais ateno questo da experincia religiosa. Em cada poca, a teologia responde s perguntas que lhe so apresentadas. Os protestantes tm evitado grandemente o assunto da experincia religiosa, porque at h bem pouco tempo no se tratava de algo urgente. Alm disso, a experincia religiosa no constitui questo que se preste naturalmente ao estudo teolgico. Os dados em geral so altamente inverificveis e, portanto, difceis de avaliar. So como a prpria vida imprevisvel e ilgica, difcil de encaixar dentro de um tratamento sistemtico. Contudo, creio que as ferramentas da teologia podem ajudar a clarear as guas turvas da experincia religiosa, na medida em que os prprios sentimentos fornecem a motivao para que se continue o estudo dessas experincias.Antes de apresentar o argumento desse ensaio, importante observar que os sentimentos, por natureza, autenticam a si mesmos. Em outras palavras, aqueles que passaram por experincias espirituais profundas julgam-nas plenamente convincentes. A menos que sejam interpretadas pela Bblia, as pessoas que as tm (e deve-se destacar que nem todos os cristos passam por isso) gozam de liberdade para fazer o que bem entender com elas. Creio que as Escrituras no so o nico critrio pelo qual o cristo pode julgar a doutrina e a experincia (h tambm a tradio e a autoridade eclesisticas), mas so o critrio decisivo. Esse ponto crucial neste ensaio. Se no basearmos nossas experincias e nossas doutrinas nas Escrituras, nos tornaremos susceptveis s nossas experincias, ou falta delas, e/ou alegao de que algum encontrou alguma coisa nova e superior a perene afirmao das seitas. Portanto, concordo com Norman Geisler em que "todas as experincias, sejam elas normais, sejam anormais, precisam ser interpretadas pela Bblia...". Empregando-se a figura hoje comum de um crculo hermenutico, as Escrituras situam-se no incio e no fim do crculo que se move entre a experincia e a Bblia.O argumento deste ensaio ser edificado em torno de dois princpios opostos entre si, embora creia eu que um complemente o outro. Na terceira e ltima parte, chegarei a algumas concluses. Conforme mostra o ttulo deste ensaio, os dois princpios podem ser resumidos pelo uso das metforas de "profundidade" e "limites". O primeiro que as emoes e as experincias associadas f crist no so simplesmente epifenmenos, mas tm uma dimenso de profundidade arraigada no mundo espiritual invisvel. Portanto, elas tm sua importncia e no devem ser condenadas como estranhas vida crist. O segundo princpio que essas mesmas emoes e experincias tm suas limitaes na capacidade de produzir f ou de trazer transformaes permanentes vida de quem as experimenta. Como veremos, at uma visita pessoal do Deus Todo-Poderoso no traz obrigatoriamente f ou salvao. Portanto, as experincias espirituais tm importncia limitada e no devem ser buscadas como a coisa mais importante da vida crist. Consideraremos cada ponto com mais detalhes.

A PROFUNDIDADE DA EXPERINCIA RELIGIOSA CRISTA locuo "dimenso de profundidade" empregada h mais de um sculo entre filsofos e telogos para descrever o elo da vida humana com um reino espiritual invisvel. s vezes, esse elo torna-se visvel por meio de diferentes tipos de manifestaes fsicas e emocionais. Entre os exemplos nas Escrituras esto vises, sonhos, transes e sentimentos extticos de todo tipo. Essas experincias podem ser classificadas em trs categorias gerais que diminuem de intensidade e aumentam em freqncia: a primeira abrange as experincias resultantes de um contato direto com Deus ou com um de seus mensageiros. Isso pode se dar na forma de revelao de um "Deus em pessoa", semelhana do que ocorreu no monte Sinai (x 19). Mas tambm dentro dessa categoria esto as ocasies em que Deus fala por meio de vises ou de sonhos (Is 6.16). No segundo grupo encontram-se os sentimentos e as emoes que surgem de uma atuao ou de uma capacitao especial promovida pelo Esprito. Tal pode acontecer com indivduos ou com grupos inteiros de pessoas num dado momento. Essas visitaes so menos impressionantes, mas ainda assim produzem efeitos claramente visveis. Por fim, h aqueles sentimentos e emoes que surgem em resposta s propriedades da f crist ou como parte da vida crist. No so muito intensos, mas comuns a todos os que aceitam essa f como verdade pela qual viver.Quanto ao primeiro tipo de experincia, a intuio deixa claro, mesmo antes de se considerarem casos especficos, que o contato direto com Deus ou com seus mensageiros produz a mais intensa das experincias religiosas. Seja um anjo enviado por Deus, seja o anjo do Senhor ou seja "o Senhor", a presena de Deus ou de um de seus mensageiros sempre causa nos seres humanos reaes fsicas e emocionais impressionantes. Os efeitos variam um pouco, mas sempre incluem expresses de temor (x 19.16,17; cf. At 7.32; Hb 12.21). Muitas vezes o efeito to forte que a pessoa que passa pela experincia no consegue se mexer ou se levantar, paralisada no lugar ou esgotada, sem foras (Js 5.14; Jz 6.22; Ez 1.28; 3.23; Dn 8.17; 10.8, 10, 15). A essa incapacitao fsica s vezes soma-se uma sensao de falta de mrito pessoal to intensa que sente-se como provvel uma destruio repentina (Is 6.16). Entre os outros efeitos esto confuso e incerteza (Dn 10.7; At 9.7), nusea e doena (Hc 3.16; Dn 8.27), silncio atnito (Ez 3.15) e profunda agitao acompanhada de tremores e estremecimento (J 4.12-17; Is 21.3). Quanto s vises, elas com freqncia vm por meio de algum transe ou o provocam, semelhana dos casos de Pedro (At 10.10; 11.5) e de Paulo (At 22.17). H vezes em que as vises, aparentemente, so recebidas sob condies de conscincia normal, mas ainda causam completa perda de controle fsico. Parece ser esse o caso em Apocalipse 1.17, em que Joo v o Cristo glorificado e diz: "Quando o vi, ca a seus ps como morto". Em todos os relatos, o padro de completa debilitao fsica acompanhada por uma sensao de medo esmagador e de indignidade.Tais reaes diante da presena de um ser divino so compatveis com o conceito bblico da natureza exaltada de Deus e de seus mensageiros. A Bblia apresenta o reino do cu e seus habitantes como elementos superiores presente ordem (Mt 11.11), e o contato com eles faz invariavelmente que os que passam pela experincia fiquem atnitos. Numa citao que servir para resumir os efeitos da primeira categoria, Jonathan Edwards escreve: lgico supor que, se agrada um pouco a Deus remover o vu e deixar que a luz penetre a alma, oferecendo uma contemplao das coisas excelentes do outro mundo em sua grandeza infinita e transcendente, essa natureza humana, como a relva, como a folha que se agita, como a flor frgil que murcha, deve cambalear diante de tal cena. Ai de ns, pois somos p e cinza em face da viso da terrvel ira, da glria infinita e do amor de Deus. No de admirar que esteja escrito no Antigo Testamento: "... homem nenhum ver a minha face, e viver" (x 33.20)".Em suma, o contato direto com Deus ou com seus mensageiros provoca reaes simplesmente esmagadoras na natureza humana.O segundo tipo de experincia espiritual constitudo por aquelas emoes e sentimentos associados s capacitaes ou influncias especiais promovidas pelo Esprito. Nesses casos, a experincia no to debilitante, embora no sejam incomuns as expresses de temor e tremor (Sl 2.11; 119.120; Is 21.4; 66.5). s vezes, a presena do Esprito descrita como de efeito contrrio, isto , traz uma sensao de fora e de zelo por Deus. Assim foi com Josu (Nm 27.18, 19; 32.12; Dt 34.9) e com Gideo (Jz 6.34; 7.15). Em outras ocasies, o sentimento parece ser de embriaguez. Os que se encontram assim dominados podem se sentir descoordenados, ter dificuldade para se movimentar e precisar de ajuda para andar, podendo ainda haver pranto, gemidos ou soluos.A histria do rei Saul um bom exemplo. Logo depois de ter sido ungido por Samuel como o primeiro rei de Israel, ele recebeu uma poro especial do Esprito, como testemunho da legitimidade da uno. Na descrio do texto de 1 Samuel 10, afirma-se que ele se encontrou com um grupo de profetas, "o Esprito de Deus se apossou de Saul, e ele profetizou no meio deles" (v. 10). No se identifica o que est implicado no termo profetizar, mas provavelmente inclua algum tipo de comportamento de xtase, pois a alterao por ele sofrida foi imediatamente identificada como prpria dos profetas daquela poca. A transformao foi to perceptvel que as pessoas comearam a perguntar: "Que isso que sucedeu ao filho de Quis? Tambm Saul entre os profetas?" (v. 11). Qualquer que tenha sido a natureza da manifestao, ela foi temporria, e no dia seguinte Saul continuou seu caminho (v. 13).Em Neemias 8 pode ser encontrado outro exemplo, descrevendo a reunio que reinstituiu a Festa dos Tabernculos, depois de vrios anos de negligncia. Enquanto ouvia a leitura das Escrituras, a multido irrompeu em choro e pranto, de forma to agitada que alarmou Neemias e Esdras. Estes pediram aos levitas presentes que ajudassem a acalmar o povo, dizendo que o regozijo era uma reao mais adequada ao estudo das Escrituras (vv. 9-11). O pedido dos lderes indica que aquele comportamento no se explicava por alguma manipulao das emoes do povo. No havia nenhum show nem alguma encenao com o pblico. Pelo contrrio, a reao da multido tomou-os totalmente de surpresa. Parece razovel concluir que essas emoes vieram por uma influncia incomum do Esprito, causando tristeza e arrependimento. provvel que Atos 2 seja a passagem mais estudada sobre esse tipo de experincia de grupo. A ateno geralmente concentra-se no fenmeno das lnguas. Contudo, visando nosso propsito, o comentrio de que os discpulos agiam como se estivessem bbados mais importante (pode-se encontrar comportamento semelhante em 1 Sm 1.13-16, em que Ana, me de Samuel, orava pedindo um filho). A embriaguez caracteriza um tipo de comportamento imediatamente reconhecvel, pois implica a perda de controle emocional e fsico. Sob a influncia do lcool as emoes mostram-se exageradas, e o corpo no reage como deve. Isso bem diferente do comportamento de uma pessoa que fala numa lngua estrangeira. Se algum cruza com um homem falando numa lngua estrangeira, seja com dificuldades, seja com fluncia, no natural suspeitar que ele esteve bebendo em excesso, simplesmente pelo fato de que a lngua lhe estranha. Assim, provve