cerro do jarau, rs: novas e conclusivas...

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INTRODUÇÃO O Brasil possui um número relativamente reduzido de estruturas formadas por impacto meteorítico em comparação com outras regiões do planeta. Atualmente possuem origem comprovada por impacto apenas seis estruturas: Domo de Araguainha (MT/GO), Domo de Vargeão (SC), Vista Alegre (PR), Serra da Cangalha (TO), Riachão (PI) e Santa Marta (PI). Neste 49º CBG, são apresentadas evidências da origem meteorítica de duas novas estruturas: Cerro do Jarau (RS) (este pôster) e São Miguel do Tapuio (PI). Cerro do Jarau é uma estrutura circular com 13,5 km de diâmetro, com centro em 30 o 12´ S e 56 o 32´ W localizada no município de Quaraí, próximo à fronteira entre Brasil e Uruguai (Fig. 1a). Sua porção central forma uma pronunciada estrutura ovalada que se eleva 200 m em relação às terras planas dos pampas dessa região (Fig. 1c, d, e). A estrutura se formou sobre rochas vulcânicas básicas da Fm. Serra Geral e arenitos presumivelmente das formações Botucatu e Guará (Fig. 1b). O debate sobre a origem de Cerro do Jarau vem ocorrendo desde a sua descoberta na década de 1960. Embora evidências indicativas de uma origem por impacto tenham sido apresentadas por Crósta et al. (2010), Phillip et al. (2010), Sanchez et al. (2014) e Giacomini et al. (2017), as evidências comprobatórias ainda não haviam sido descobertas. Essas evidências, na forma de micro-feições de deformação em grãos de quartzo, foram finalmente identificadas, após uma sistemática análise do acervo de lâminas petrográficas disponíveis para a estrutura, o que comprova a origem por impacto de Cerro do Jarau. METODOLOGIA Análise ótica petrográfica e micro-estrutural foi realizada a partir de um conjunto de 250 lâminas delgadas coletadas no curso de diversas campanhas de campo. Foi empregado um microscópio Zeiss Axiophot 40 com luz polarizada e objetivas com aumentos de 120 e 250x. As orientações cristalográficas das micro- feições de deformação foram determinadas com emprego de platina universal Leitz de 5 eixos. As orientações foram plotadas em estereonet e indexadas com o emprego do software ANIE (Huber et al., 2011). RESU L TADOS As lâminas confeccionadas a partir das amostras de basalto exibem uma fina rede de veios e vênulas, com 1 a 6 mm de espessura, que se encontram completamente oxidadas, dificultando a identificação de feições de deformação (Fig. 2a). Por esse motivo, as lâminas analisadas neste trabalho foram as de arenitos e também de brechas polimícticas contendo arenito e basalto, todas elas provenientes da zona central da estrutura. As micro-feições de deformação por choque encontradas incluem feições em pena ( feather features-FF), fraturas planares ( planar fractures-PF) e, com menor frequência, feições planares de deformação ( planar deformation features-PDF). Esse conjunto de feições de deformação em quartzo é formado exclusivamente em regimes mínimos de pressão entre 2 e 10 Gpa, que somente são produzidos em níveis crustais por processos de impacto meteorítico ou por explosões nucleares. Foram encontradas feições desses tipos em 21 das lâminas analisadas. Em muitas delas, mais de um tipo de micro-feição de deformação foi observado. Alguns exemplos são mostrados na Fig. 2b, c, d, e, f. A Fig. 3a mostra a distribuição espacial das feições encontradas nos arenitos do núcleo de Cerro do Jarau, subdivididas nas categorias de: (i) ausência de choque; (ii) compressão/esmagamento de grãos; (iii) portadores de PDF e FF; (iv) de PF e FF; (v) raros PDFs; (vi) PF mais raros PDFs. CONCLUSÕES Das 250 lâminas analisadas, 21 delas, todas de arenitos provenientes da porção central da estrutura (em um raio de ~1,8 km a partir do centro), revelaram micro-deformações em quartzo diagnósticas de impacto meteorítico. Contudo, a deformação parece ser bastante heterogênea, sem um padrão regular de distribuição espacial, com amostras sem feições de choque ocorrendo muito próximas a outras exibindo essas feições. A maior concentração de feições de choque está em um raio de ~1 km a partir do centro. Essas características sugerem que Cerro do Jarau é uma estrutura de impacto em avançado estado erosivo, comprovando-se assim a ocorrência da 7ª estrutura desse tipo em território brasileiro. REFERÊNCIAS CróstaA. P., Lourenço F. S., Pribe G. H. 2010. Cerro Jarau, Rio Grande do Sul: a possible new impact structure in Southern Brazil. In Gibson R. L. and Reimold W. U. (Eds.) Large Meteorite Impacts and Planetary Evolution IV. Geological Society of America Special Paper 465, GSA, Boulder, pp.173-190. Giacomini B. B., Leite, E.P., CróstaA. P. 2017. 3D gravimetric investigation of the Cerro do Jarau structure, Rio Grande do Sul, Brazil. Meteoritics and Planetary Science 52: 565-583. Huber M. S., Ferrière L., Losiak A., Koeberl C. 2011. ANIE: A mathematical algorithm for automated indexing of planar deformation features in quartz grains. Meteoritics and Planetary Science 46:1418-1424. Lisboa N. A., Schuck M. T. G., and Tramontina H. C. 1987. Reconhecimento geológico da região do jarau, Quaraí-RS. In: SBG, Simpósio Sul-Brasileiro de Geologia 3, Curitiba, Atas 1:319-332. Philipp R. P., Rolim S. B. A., Sommer C. A., Souza Filho C. R., and Lisboa, N. A. 2010. A estrutura de impacto de Cerro do Jarau. Revista Brasileira de Geociências 40:468-483. Sánchez J. P., Simões L. S. A., Martins L. E. B. 2014. Stratigraphy and structure of Cerro Jarau: new proposal. Brazilian Journal of Geology 44, http://dx.doi.org/10.5327/Z2317- 4889201400020007 Figur e 2 . . a) Brecha de basalto com finas vênulas de material oxidado; b) Quartzo com fraturas planares orientadas segundo os planos cristalográficos (0001) e (5161); c) Quartzo com um conjunto de fraturas planares (PF); o grão foi transformado em um mosaico por um conjunto de fraturas curtas que se intersectam; d) Quartzo com feições em pena; os PFs estão orientados paralelos ao plano basal (0001) e as micro-fraturas formadas a partir dele estão orientadas segundo os planos (10-11) e (11-21). e) Dois conjuntos de PDFs curtos, localizados próximos da borda de um pequeno grão de quartzo; os conjuntos estão orientados segundo (0001) e (10-14). f ) Outros conjuntos de PDF também próximos da borda do grão de quartzo. C ERRO DO J ARAU , RS: N OVAS E C ONCLUSIVAS E VIDÊNCIAS D A O RIGEM P OR I MPACTO M ETEORÍTICO Alvaro P. Crósta 1 ; Reimold, W.U. 2,3 ; Hauser, N. 3 ; Sanchez, J. 4 ; Simões, L.S.A. 5 ; Oliveira, G.J.G.1; Zaag, P. 2 1 Universidade Estadual de Campinas; 2 Natural History Museum, Berlin; 3 Universidade de Brasília; 4 Universidade Federal de Goiás; 5 Universidade Estadual Paulista Figure 1 . a) Localização da estrutura de Cerro do Jarau; b) Mapa geológico (Crósta et al., 2010); c) Modelo digital de elevação ASTER/SRTM; d) Vista do alto do anel central da estrutura em direção a sul; e) Imagem ASTER da estrutura de Cerro do Jarau. a) b ) c ) e ) d ) a) e ) d ) c ) b ) f ) a) b) Figure 3 . a) Distribuição espacial das feições de deformação na região do núcleo central de Cerro do Jarau; b) Histogramas das medidas dos planos cristalográficos dos PDFs e PFs indexados em platina universal em grãos de quartzo de diversas amostras de arenito.

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Page 1: CERRO DO JARAU, RS: NOVAS E CONCLUSIVAS EVIDÊNCIAScbg2018anais.siteoficial.ws/anexos/st12/4666.pdf · INTRODUÇÃO O Brasil possui um número relativamente reduzido de estruturas

INTRODUÇÃO

O Brasil possui um número relativamente reduzido de estruturas formadas porimpacto meteorítico em comparação com outras regiões do planeta. Atualmentepossuem origem comprovada por impacto apenas seis estruturas: Domo deAraguainha (MT/GO), Domo de Vargeão (SC), Vista Alegre (PR), Serra da Cangalha(TO), Riachão (PI) e Santa Marta (PI). Neste 49º CBG, são apresentadas evidênciasda origem meteorítica de duas novas estruturas: Cerro do Jarau (RS) (este pôster) eSão Miguel do Tapuio (PI).

Cerro do Jarau é uma estrutura circular com 13,5 km de diâmetro, com centroem 30o12´S e 56o32´W localizada no município de Quaraí, próximo à fronteira entreBrasil e Uruguai (Fig. 1a). Sua porção central forma uma pronunciada estruturaovalada que se eleva 200 m em relação às terras planas dos pampas dessa região(Fig. 1c, d, e). A estrutura se formou sobre rochas vulcânicas básicas da Fm. SerraGeral e arenitos presumivelmente das formações Botucatu e Guará (Fig. 1b).

O debate sobre a origem de Cerro do Jarau vem ocorrendo desde a suadescoberta na década de 1960. Embora evidências indicativas de uma origem porimpacto tenham sido apresentadas por Crósta et al. (2010), Phillip et al. (2010),Sanchez et al. (2014) e Giacomini et al. (2017), as evidências comprobatórias aindanão haviam sido descobertas.

Essas evidências, na forma de micro-feições de deformação em grãos dequartzo, foram finalmente identificadas, após uma sistemática análise do acervo delâminas petrográficas disponíveis para a estrutura, o que comprova a origem porimpacto de Cerro do Jarau.

METODOLOGIA

Análise ótica petrográfica e micro-estrutural foi realizada a partir de umconjunto de 250 lâminas delgadas coletadas no curso de diversas campanhas decampo. Foi empregado um microscópio Zeiss Axiophot 40 com luz polarizada eobjetivas com aumentos de 120 e 250x. As orientações cristalográficas das micro-feições de deformação foram determinadas com emprego de platina universal Leitzde 5 eixos. As orientações foram plotadas em estereonet e indexadas com oemprego do software ANIE (Huber et al., 2011).

RESULTADOS

As lâminas confeccionadas a partir das amostras de basalto exibem uma finarede de veios e vênulas, com 1 a 6 mm de espessura, que se encontramcompletamente oxidadas, dificultando a identificação de feições de deformação (Fig.2a). Por esse motivo, as lâminas analisadas neste trabalho foram as de arenitos etambém de brechas polimícticas contendo arenito e basalto, todas elas provenientesda zona central da estrutura.

As micro-feições de deformação por choque encontradas incluem feições empena (feather features-FF), fraturas planares (planar fractures-PF) e, com menorfrequência, feições planares de deformação (planar deformation features-PDF).Esse conjunto de feições de deformação em quartzo é formado exclusivamente emregimes mínimos de pressão entre 2 e 10 Gpa, que somente são produzidos emníveis crustais por processos de impacto meteorítico ou por explosões nucleares.

Foram encontradas feições desses tipos em 21 das lâminas analisadas. Emmuitas delas, mais de um tipo de micro-feição de deformação foi observado. Algunsexemplos são mostrados na Fig. 2b, c, d, e, f.

A Fig. 3a mostra a distribuição espacial das feições encontradas nos arenitosdo núcleo de Cerro do Jarau, subdivididas nas categorias de: (i) ausência dechoque; (ii) compressão/esmagamento de grãos; (iii) portadores de PDF e FF; (iv)de PF e FF; (v) raros PDFs; (vi) PF mais raros PDFs.

CONCLUSÕES

Das 250 lâminas analisadas, 21 delas, todas de arenitos provenientes daporção central da estrutura (em um raio de ~1,8 km a partir do centro), revelarammicro-deformações em quartzo diagnósticas de impacto meteorítico. Contudo, adeformação parece ser bastante heterogênea, sem um padrão regular dedistribuição espacial, com amostras sem feições de choque ocorrendo muitopróximas a outras exibindo essas feições. A maior concentração de feições dechoque está em um raio de ~1 km a partir do centro. Essas características sugeremque Cerro do Jarau é uma estrutura de impacto em avançado estado erosivo,comprovando-se assim a ocorrência da 7ª estrutura desse tipo em territóriobrasileiro.

REFERÊNCIAS

Crósta A. P., Lourenço F. S., Pribe G. H. 2010. Cerro Jarau, Rio Grande do Sul: a possible new impact structurein Southern Brazil. In Gibson R. L. and Reimold W. U. (Eds.) Large Meteorite Impacts and PlanetaryEvolution IV. Geological Society of America Special Paper 465, GSA, Boulder, pp.173-190.

Giacomini B. B., Leite, E.P., Crósta A. P. 2017. 3D gravimetric investigation of the Cerro do Jarau structure, Rio Grande do Sul, Brazil. Meteoritics and Planetary Science 52: 565-583.

Huber M. S., Ferrière L., Losiak A., Koeberl C. 2011. ANIE: A mathematical algorithm for automated indexing ofplanar deformation features in quartz grains. Meteoritics and Planetary Science 46:1418-1424.

Lisboa N. A., Schuck M. T. G., and Tramontina H. C. 1987. Reconhecimento geológico da região do jarau, Quaraí-RS. In: SBG, Simpósio Sul-Brasileiro de Geologia 3, Curitiba, Atas 1:319-332.

Philipp R. P., Rolim S. B. A., Sommer C. A., Souza Filho C. R., and Lisboa, N. A. 2010. A estrutura de impacto de Cerro do Jarau. Revista Brasileira de Geociências 40:468-483.

Sánchez J. P., Simões L. S. A., Martins L. E. B. 2014. Stratigraphy and structure of Cerro Jarau: new proposal. Brazilian Journal of Geology 44, http://dx.doi.org/10.5327/Z2317- 4889201400020007

Figure 2.. a) Brecha de basalto com finas vênulas de material oxidado; b) Quartzo com

fraturas planares orientadas segundo os planos cristalográficos (0001) e (5161); c)

Quartzo com um conjunto de fraturas planares (PF); o grão foi transformado em um

mosaico por um conjunto de fraturas curtas que se intersectam; d) Quartzo com feições

em pena; os PFs estão orientados paralelos ao plano basal (0001) e as micro-fraturas

formadas a partir dele estão orientadas segundo os planos (10-11) e (11-21). e) Dois

conjuntos de PDFs curtos, localizados próximos da borda de um pequeno grão de

quartzo; os conjuntos estão orientados segundo (0001) e (10-14). f) Outros conjuntos de

PDF também próximos da borda do grão de quartzo.

CERRO DO JARAU, RS: NOVAS E CONCLUSIVAS EVIDÊNCIAS

DA ORIGEM POR IMPACTO METEORÍTICO

Alvaro P. Crósta1; Reimold, W.U.2,3; Hauser, N.3; Sanchez, J.4; Simões, L.S.A.5; Oliveira, G.J.G.1; Zaag, P. 2

1 Universidade Estadual de Campinas; 2 Natural History Museum, Berlin; 3 Universidade de Brasília; 4 Universidade Federal de Goiás; 5 Universidade Estadual Paulista

Figure 1. a) Localização da estrutura de Cerro do Jarau; b) Mapa geológico (Crósta et al., 2010);

c) Modelo digital de elevação ASTER/SRTM; d) Vista do alto do anel central da estrutura em

direção a sul; e) Imagem ASTER da estrutura de Cerro do Jarau.

a)

b)

c)

e)

d)

a)

e)

d)c)

b)

f)

a)b)

Figure 3. a) Distribuição espacial das feições de deformação na região do núcleo central de

Cerro do Jarau; b) Histogramas das medidas dos planos cristalográficos dos PDFs e PFs

indexados em platina universal em grãos de quartzo de diversas amostras de arenito.