cer que ira daniela franco

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Cer Que Ira Daniela Franco

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  • iii

  • v

    AGRADECIMENTOS A dissertao o encerramento do curso de mestrado, sendo influenciada pelo contedo de

    muitas das disciplinas estudadas e dos trabalhos realizados aos longo do curso. Desse modo,

    muitas pessoas colaboraram direta ou indiretamente para a realizao desse trabalho. Gostaria,

    aqui, de agradecer aqueles mais diretamente envolvidos com sua elaborao.

    Agradeo ao Prof. Plnio Arruda Sampaio Jr. pela orientao, contribuindo com suas perguntas e

    sugestes desde a fase de especificao temtica at a finalizao do texto. Isento-o, como no

    poderia deixar de ser, das lacunas contidas nessa dissertao. Alm disso, vale mencionar que o

    curso de Formao Econmica do Brasil, por ele ministrado, muito contribuiu na construo

    dos referenciais tericos utilizados nesse trabalho.

    Estendo meus agradecimentos aos Profs. Carlos Brando e Fernando Macedo pelas sugestes

    feitas na banca de qualificao que, certamente, enriqueceram o trabalho. Cabe ressaltar que a

    disciplina Experincias e Polticas Regionais Recentes lecionada pelo professor Brando,

    tambm, contribuiu no arcabouo terico utilizado.

    Minha gratido aos colegas da Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia (SEI)

    pelas informaes disponibilizadas, ajuda metodolgica e sugestes. Em especial, a Carla Janira,

    Cludia Fernandes, Flvia Rodrigues, Francisco Vital, talo Guanais e Ncia Moreira. Ao Prof.

    Vitor Athayde Couto da Universidade Federal da Bahia e Joo Antnio F. de Almeida

    (Jafa) Tcnico da CEPLAC pelas indicaes bibliogrficas. Ao amigo Ednei pela reviso do

    texto.

    minha me (Maria Conceio), especial agradecimento, pelo amor e apoio por uma vida

    inteira. A Maurcio agradeo pela vida compartilhada. A meu irmo (Dalmar), pela preocupao,

    carinho e apoio financeiro ao longo do mestrado e s minhas sobrinhas (Manuella e Anna

    Carolina) pela alegria e amor que sempre me dispensaram. Minha gratido, tambm, minha

    irm (Cintia) pela torcida e carinho, a Nice amiga de longa data pelo abstract e pelo

    interesse e a Jair pela estadia e amizade.

  • vii

    RESUMO

    Este trabalho pretende contribuir na caracterizao dos investimentos realizados na indstria de

    transformao baiana entre 1994 e 2004, identificando os reflexos dessas inverses sobre a

    economia do estado e sobre as condies de vida da sua populao. Para tanto, foram

    selecionados os setores de atividades que mais receberam inverses no perodo e alguns

    indicadores do mercado de trabalho.

    Os resultados mostram que, no perodo, houve um aprofundamento das caractersticas estruturais

    da economia baiana como: a dependncia tecnolgica, os baixos encadeamentos produtivos, a

    ampliao dos centros de deciso externos ao estado, a pequena capacidade de incorporao de

    mo-de-obra e o aumento da concentrao de renda. Isto , os aspectos que evidenciam o

    subdesenvolvido desse estado se intensificaram.

    Desse modo, o padro de crescimento via insero na globalizao e com base nas

    decises de investimento privado no se constituiu em alternativa para superar o

    subdesenvolvimento. Ao contrrio, a internacionalizao produtiva da economia baiana na

    medida que significou uma maior integrao produtiva com o exterior em detrimento de sua

    relao com outras regies do Brasil transfere para fora do pas as decises produtivas que

    anteriormente estavam circunscritas ao espao nacional, colocando o estado numa posio ainda

    mais subordinada, visto que diminuiu a sua capacidade de interferncia no ritmo e expanso dos

    investimentos.

    Alm disso, a internacionalizao produtiva pode colocar em risco o projeto de construo

    da nao, na medida que a diminuio das interdependncias econmicas entre as regies

    brasileiras contribui para gerar tenses e rivalidades entre elas, alm de por em marcha um

    processo de reverso da integrao produtiva que transformou regies autnomas com vnculos

    preferenciais com o exterior num sistema econmico.

    Palavras chave: Economia Baiana, Incentivos fiscais, indstria de transformao baiana,

    investimentos, subdesenvolvimento.

  • ix

    ABSTRACT

    This paper attempts to contribute to characterizing the investments realized in the industry

    of transformation in the state of Bahia between 1994 and 2004, identifying their impacts on the

    states economy and in the quality of life of the local population. The study examines sectors of

    activities that were most affected in that period, and also considers some indicators of the labor

    market.

    The results show that in the given period, there was a deepening of such structural

    characteristics of the Bahian economy as: technological dependency, reduced productive

    linkages, an amplification of decision - making outside the state, weak capacity of incorporating

    the work force, and an increase of concentration of wealth. That is, economic indicators suggest

    that the underdevelopment of this state was intensified.

    Thus, the level of growth through globalization, based on private investment, did not

    constitute a viable alternative for combating underdevelopment. To the contrary, the

    internationalization of the Bahian economy- to the degree that this represented greater integration

    with foreign countries than with other regions in Brazil- transferred outside the country

    productive decision-making that before had been limited to the national arena. The state was left

    in an even more subordinated position because of its reduced capacity to interfere in the rhythm

    and expansion of its investments.

    Moreover, the internationalization of the economic productive process may put in risk the

    project of national construction because reducing the economic interdependency among Brazils

    regions contributes to creating tensions and rivalries among them. It also threatens to reverse the

    productive integration of autonomous regions with preferential external links to the economic

    system.

    Key Words: Bahian Economy, Fiscal Incentives, Industry of Transformation of Bahia,

    Investments, Underdevelopment.

  • xi

    SUMRIO

    INTRODUO ...............................................................................................................................1 CAPTULO I: Alguns elementos da trajetria da economia baiana: dos atavismos coloniais a integrao produtiva 1.0. Introduo...................................................................................................................................5 1.1. Complexo Nordestino e Atavismos Coloniais ...........................................................................6 1.2. Economia Baiana de 1850 at 1950 ...........................................................................................12 1.2.1. Sistema Fabril ..........................................................................................................................13

    Relaes de Produo e Baixo Nvel de Assalariamento ........................................................14 Mercado Interno Insipiente ......................................................................................................16 Segmentos Sociais e Bloqueios a Expanso da Indstria ........................................................17

    1.3. Articulao comercial.................................................................................................................19 1.4. Bahia de 1960 at 1989 - Integrao produtiva e seus desdobramentos ....................................26 1.5. A Bahia no Nordeste e no Brasil ................................................................................................30 1.6. Regio Subdesenvolvida dentro de um Pas Subdesenvolvido .................................................33 CAPTULO II: Globalizao, pases subdesenvolvidos e transformaes recentes da economia brasileira 2.0. Introduo...................................................................................................................................39 2.1. Algumas Caractersticas Gerais da globalizao........................................................................40 2.2. Hierarquias Espaciais .................................................................................................................44 2.3. Globalizao na Amrica Latina ................................................................................................46 2.4. O Brasil na Globalizao............................................................................................................52 2.5. Novo Padro de Acumulao e Subdesenvolvimento................................................................59 CAPTULO III: Investimentos na Indstria de Transformao e alguns de seus reflexos sobre a economia baiana 3.0. Introduo...................................................................................................................................61 3.1. Programa de Desenvolvimento Industrial do Estado da Bahia ..................................................63 3.2. Programa de Incentivos fiscais ...................................................................................................68 3.3. Resultados dos Investimentos.....................................................................................................77 3.4. Perfil de alguns setores de atividade aps os investimentos ......................................................87 3.4.1. Qumica e Petroqumica ..........................................................................................................88 3.4.2. Complexo coureiro-caladista .................................................................................................93 3.4.3. Papel e Celulose ......................................................................................................................98 3.4.4. Automobilstico .......................................................................................................................116 3.5. Grupos empresariais ...................................................................................................................130 3.6. Relaes inter-regionais .............................................................................................................134

  • xii

    3.7. Mercado de Trabalho..................................................................................................................141

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................................155

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..........................................................................................159

    NDICE DE MAPAS Mapa 1- Investimentos Industriais realizados segundo o Eixo de Desenvolvimento: Bahia, 1994 2004 .......................................................................................................................................79 Mapa 2 - Crescimento Demogrfico da Populao total por Regies Econmicas: Bahia, 1980 20001 ..............................................................................................................................................144

    NDICE DE TABELAS Tabela 1.1 - Pessoas de 10 anos ou mais segundo o setor de atividade econmica : Salvador *

    e Interior do Estado **, 1960, 1970 e 1980 ................................................................................29 Tabela 1.2 - Populao residente por situao no domiclio: Brasil, Nordeste, Cear,

    Pernambuco e Bahia, 1991 .........................................................................................................31 Tabela 1.3 - Participao nas variveis econmicas selecionadas: Brasil, Nordeste, Bahia,

    Pernambuco e Cear, 1990 e 1998..............................................................................................32 Tabela 1.4 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade por classe de rendimento nominal mdio

    mensal: Brasil, Nordeste, Bahia, Pernambuco e Cear, 1991.....................................................33 Tabela 3.1 Programas de incentivos fiscais: Bahia, 1994 - 2004...................................................72 Tabela 3.2 - Renncia fiscal prevista, investimentos realizados e arrecadao de ICMS: Bahia,

    2001 2004 ................................................................................................................................74 Tabela 3. 3 - Composio do Oramento dos investimentos das empresas: Bahia, 2001-2004 ......76 Tabela 3. 4 - Dispndios governamentais em investimento e na rea social: Bahia, 2001 -

    2004 ............................................................................................................................................77 Tabela 3.5 - Investimentos realizados e empregos gerados na indstria de transformao,

    segundo o eixo de desenvolvimento: Bahia, 1994 2004..........................................................80 Tabela 3.6 - Proporo dos investimentos realizados na indstria de transformao por

    subsetor de atividade econmica: Metropolitano, Grande Recncavo e Extremo Sul, 1994 - 2004 ..........................................................................................................................................83

    Tabela 3.7 - Investimentos na indstria e VTI da Indstria de Transformao por subsetor de atividade: Bahia, 1996 - 2003 .....................................................................................................85

    Tabela 3.8 - Empregos previstos e pessoal ocupado na Indstria de Transformao, segundo o subsetor de atividade: Bahia, 1996 - 2003..................................................................................86

    Tabela 3.9 - Balana comercial do setor Petroqumico: Bahia, 1995 2005 ...................................92 Tabela 3.10 - Nmero de estabelecimentos da indstria caladista em 31/12: Brasil, Bahia,

    So Paulo e Rio Grande do Sul, 1994 e 2004.............................................................................93

  • xiii

    Tabela 3.11 - Estoque de emprego em 31/12 segundo o rendimento mdio: Bahia, So Paulo,

    Rio Grande do Sul e Brasil, 1994 e 2004 ...................................................................................94 Tabela 3.12 - Produo e Perfil das Empresas de Calados Atradas para a Bahia* ........................98 Tabela 3.13 - Perfil dos Investimentos realizados no setor de papel e celulose: Bahia, 1994 -

    2004 ............................................................................................................................................99 Tabela 3.14 - ndice de Gini referente desigualdade da distribuio da posse da terra: Bahia

    e Extremo Sul, 1960, 1970, 1975, 1980 e 1985..........................................................................102 Tabela 3.15 - Proporo de imveis e rea ocupada segundo a categoria do imvel: Regio do

    Extremo sul da Bahia, 1998........................................................................................................104 Tabela 3.16 - Proporo de imveis e rea ocupada segundo as classes de nmero de mdulos

    fiscais das grandes propriedades: Regio do Extremo sul da Bahia, 1998.................................105 Tabela 3.17 - Perfil das Exportaes do setor de papel e celulose: Bahia, 1995 - 2003...................106 Tabela 3.18 - rea plantada das culturas da lavoura temporria e permanente: Bahia e

    Extremo Sul 1994 - 2003 ............................................................................................................109 Tabela 3.19 - rea e nmero de famlias envolvidos em conflitos de terra: Brasil, Nordeste,

    Bahia, Extremo Sul .....................................................................................................................115 Tabela 3.20 - Violncia contra a pessoa cometidas em conflitos de terras: Brasil, Nordeste,

    Bahia e Extremo Sul, 1985, 1998 e 2004 ...................................................................................116 Tabela 3.21 - Perfil dos Investimentos Realizados no segmento de materiais de Transporte:

    Bahia, 1994 - 2003......................................................................................................................118 Tabela 3.22 - Empresas que compe o projeto Amazon da Ford: Bahia, 2004 ................................124 Tabela 3.23 - Balana comercial do setor de material de transporte: Bahia, 1994 - 2005................128 Tabela 3.24 - Maiores empresas segundo o controle acionrio e o setor de atividade: Bahia,

    1994 e 2004*...............................................................................................................................133 Tabela 3.25 - Grupos empresariais segundo o controle acionrio e o setor de atividade: Bahia,

    2004 ............................................................................................................................................134 Tabela 3.26 Participao nas Importaes totais por categorias de uso: Bahia, 1995 - 2005........136 Tabela 3.27 - Exportaes, importaes e saldo da Balana Comercial: Bahia 1994 - 2005 ...........138 Tabela 3.28Variveis Selecionadas do mercado de trabalho: Bahia, RMS e Demais Regies, 1995, 1999, 2001 e 2004 ...................................................................................................................147

    Tabela 3.29 Pessoas com 10 anos ou mais por classe de rendimento: Bahia e RMS, 1995, 1999, 2001 e 2004.......................................................................................................................149

    Tabela 3.30 - Variveis Selecionadas do mercado de trabalho e dos ocupados: RMS, Salvador, Demais municpios 1997 2005 ................................................................................152

  • 1

    INTRODUO

    Este trabalho pretende contribuir para a caracterizao dos investimentos realizados na

    indstria de transformao baiana no perodo entre 1994 e 2004, identificando os reflexos dessas

    inverses sobre a economia do estado e sobre as condies de vida de sua populao. Para tal,

    foram selecionados os setores de atividade que mais receberam inverses no perodo e alguns

    indicadores do mercado de trabalho.

    No perodo analisado, alm dos investimentos relacionados reestruturao produtiva,

    tivemos a instalao da indstria de informtica em Ilhus, da indstria caladista, do setor

    automobilstico na Regio Metropolitana de Salvador (RMS) e a ampliao dos investimentos no

    setor de papel e celulose no Extremo Sul do estado1.

    A realizao de tais inverses tem levado vrios estudiosos da economia baiana a

    caracterizar o perodo posterior a 1994 como uma fase marcada por um processo de

    desconcentrao da indstria do estado e pelo desenvolvimento de novas reas de expanso

    agrcola, originando uma diversificao das atividades econmicas. Embora haja um consenso

    entre os analistas sobre a diversificao das atividades produtivas do estado, o grau de

    desconcentrao e a capacidade desses investimentos de gerar uma nova dinmica econmica so

    questes divergentes.

    Os mais otimistas acreditam que os investimentos iniciados na dcada de noventa

    estariam levando verticalizao da economia baiana com maior adensamento das relaes

    intersetoriais (...) em direo aos bens de consumo final (UDERMAN e MENEZES, 1998, p.

    734) 2. Se esse processo estiver em curso, parte das dificuldades estruturais da economia baiana

    baixo encadeamento setorial, gerao insuficiente de postos de trabalho e crescimento

    espacialmente concentrado estariam em vias de superao3.

    Segundo essa abordagem, a atrao de capitais para o estado esteve associada a uma gama

    de vantagens em relao a outros estados do norte e do nordeste. Alm das vantagens tradicionais

    salrios menores, incentivos ficais e preos das terras , a proximidade geogrfica do sul e do

    sudeste do pas e um plo industrial apto a oferecer servios modernos para as indstrias de ponta

    so indicados como causas da atratividade do estado.

    1 Alm da indstria, foram registradas inverses no turismo e na expanso da fruticultura irrigada. 2 Ver tambm QUEIROZ (1997), CARVALHO NETO (1998) e MENEZES (2000).

  • 2

    Acredita-se, ainda, que esse conjunto vantagens atraiu capitais capazes de desenvolver as

    chamadas vantagens competitivas, impulsionando o desenvolvimento tecnolgico, permitindo

    Bahia competir no mercado internacional.

    Todavia, os analistas com posio mais crtica assinalam a reduzida desconcentrao

    setorial da indstria e a dificuldade que esses novos setores celulose, txtil, calados tm de

    se verticalizar, trazendo efeitos de encadeamento para a economia como um todo e revertendo a

    tendncia estagnao verificada na dcada de 804.

    Assinalam que, mesmo crescendo a nveis superiores mdia nacional, os investimentos

    na dcada de noventa tiveram impactos limitados e localizados que, na melhor das hipteses,

    ceteris paribus, podiam contribuir para uma trajetria de crescimento vegetativo do PIB da Bahia

    no novo sculo. (GUERRA e GONZALEZ, 2001, p. 314)

    No que se refere indstria automobilstica, as perspectivas so mais promissoras na

    medida que esse setor tem potencial para se articular com a indstria petroqumica. Porm,

    mesmo nesse caso, seria necessria, segundo essa aborgagem, uma interveno governamental

    para viabilizar tal alternativa, alm da expanso do mercado interno que induzisse os

    investimentos do setor automotivo.

    nesse quadro de divergncia, que ainda persiste, acerca do entendimento da realidade

    atual da economia baiana, em especial da sua indstria de transformao, que se insere esse

    estudo. Vale notar que o equacionamento das questes levantadas requer uma abordagem capaz

    de identificar se a insero na globalizao abre ou no possibilidades de desenvolvimento s

    economias subdesenvolvidas e, mais especificamente, aos espaos subnacionais

    subdesenvolvidos e com graves problemas sociais como o estado da Bahia. Alm disso, requer

    um diagnstico das debilidades estruturais da economia baiana e dos problemas sociais que

    afligem o estado de modo a identificar se podem ser resolvidos a partir de um novo ciclo de

    investimentos conduzido pela iniciativa privada.

    Desse modo, adotamos a perspectiva de que a evoluo da economia baiana, naquele

    perodo, esteve condicionada pelas suas caractersticas estruturais, isto , pelo legado de sua

    formao econmica posio na diviso inter-regional do trabalho, ausncia de dinamismo

    interno, concentrao da indstria, baixo encadeamento produtivo local, pouca capacidade de

    3 As caractersticas da economia baiana foram desenvolvidas no captulo I. 4 Ver TEIXEIRA e VASCONCELOS (1997); PORTO (2000); TEIXEIRA e GUERRA (2000).

  • 3

    gerao de emprego e elevado padro de concentrao de renda , pelas caractersticas do novo

    padro de acumulao capitalista e pelo resultado da insero do Brasil na globalizao.

    Nos captulos um e dois so tratados os referenciais acima mencionados. No captulo 1,

    procura-se identificar quais os problemas estruturais da economia baiana, partindo da

    organizao do complexo nordestino. Para tal, utiliza-se a obra de Celso Furtado sobre a

    problemtica nordestina.

    Em seguida, reconstitu-se, em linhas gerais, o perfil do sistema fabril da economia

    baiana que emergiu na segunda metade do sculo XIX, sua involuo na fase de articulao

    comercial e a configurao da indstria do estado aps a integrao produtiva da economia

    brasileira comandada pelos capitais de fora do estado. Por fim, analisa-se luz das

    formulaes de Celso Furtado sobre subdesenvolvimento os resultados da industrializao

    nordestina e, em particular, da Bahia. Nesse tpico, ressalta-se que todo padro de crescimento

    que se baseie na modernizao do consumo das classes de alta renda ou na produo de bens de

    elevado contedo tecnolgico para a exportao no capaz de resolver os problemas da

    economia baiana, nem seu grave quadro social. Isso porque, na medida que no domina o padro

    tecnolgico da produo e que no possui um nvel de acumulao correspondente, a implantao

    de tais industriais, no estado (e no Brasil), significa pouca absoro de mo-de-obra, aumento da

    concentrao de renda, estrutura produtiva pouco relacionada com a demanda interna, pouco

    encadeamento produtivo local e aumento da dependncia financeira e tecnolgica.

    No segundo captulo, concentramo-nos em dois elementos da economia mundial de maior

    interesse para anlise da poltica de atrao de investimentos na dcada de noventa: as baixas

    taxas de crescimento e a permanncia da hierarquia entre pases desenvolvidos e

    subdesenvolvidos na definio dos investimentos realizados pelas multinacionais. Evidencia-se,

    ainda, a posio subordinada dos pases da Amrica Latina, utilizando-se para tal dos

    determinantes dos fluxos de capitais internacionais e dos desequilbrios estruturais que esses

    causam nas economias perifricas. Nesse caso, usamos a formulao de Caio Prado Jr. que

    identifica as inverses externas com o reforo do subdesenvolvimento, caracterizado pelo

    aumento dos laos de subordinao e dependncia das economias perifricas s transnacionais,

    onde estas ajustam a estrutura produtiva das economias subdesenvolvidas aos seus interesses,

    independente das necessidades reais do pas e de sua populao. Alm disso, ainda segundo Caio

    Prado, os investimentos externos tendem a hipertrofiar alguns segmentos em detrimento de

  • 4

    outros, em especial, o setor de bens de capital o que acarreta a separao entre processo de

    acumulao e inverso. No final do captulo, identifica-se alguns dos reflexos da abertura

    comercial e financeira no Brasil.

    Esse referencial adotado difere de muitas das anlises realizadas sobre a economia baiana,

    na medida que boa parte dessa literatura adota uma perspectiva de anlise microeconmica da

    evoluo da economia do estado, deixando de lado a especificidade da acumulao capitalista

    atual que somente abordada em termos de novas exigncias tecnolgicas e novos padres de

    gesto e organizao do trabalho. Do mesmo modo, o perfil do desenvolvimento capitalista aps

    a liberalizao dos fluxos de capitais e de mercadorias e as hierarquias do sistema mundial

    tambm no so considerados.

    Acrescente-se, ainda, que os componentes da formao econmica da Bahia que, na

    ausncia de reformas estruturais, se constitui enquanto entraves a seu crescimento econmico e

    social no so abordados, sendo que apenas os aspectos macroeconmicos dos planos de

    estabilizao (Collor e Real) so mencionados como obstculos ao desenvolvimento do estado.

    No terceiro captulo que passamos propriamente a anlise dos investimentos. Nele,

    explicita-se como os elementos do programa de desenvolvimento industrial formulado pelo

    governo do estado, entra em consonncia com a perspectiva adotada pelo governo federal (nas

    gestes de Collor e Fernando Henrique Cardoso) de maior insero internacional. Em seguida,

    analisa-se a poltica de incentivos fiscais e o resultado dos investimentos realizados do ponto de

    vista dos encadeamentos produtivos locais para os subsetores selecionados (Petroqumico,

    calados, papel e celulose e material de transporte) e dos centros de deciso, considerando para

    tal, a configurao dos grupos empresarias que atuam no estado. Por fim, identifica-se as

    modificaes nas relaes interestaduais aps a integrao produtiva da economia brasileira,

    analisa-se o mercado de trabalho do estado e tece-se algumas consideraes finais.

    Cabe ressaltar que esse estudo no tem a pretenso de abarcar todos os aspectos referentes

    aos resultados dos investimentos realizados na Bahia entre 1994 e 2004. Como dito

    anteriormente, seu objetivo contribuir para um entendimento maior sobre a realidade econmica

    do estado, utilizando referenciais tericos diferentes daqueles que tm sido usados nos trabalhos

    sobre o tema.

  • 5

    CAPTULO I: Alguns elementos da trajetria da economia baiana: dos atavismos coloniais

    a integrao produtiva.

    1.0. Introduo

    Neste captulo, procuramos apontar as caractersticas estruturais da economia baiana e,

    particularmente, de sua indstria de transformao, j que sobre a base produtiva existente que

    se sobrepuseram as novas atividades e os novos padres de organizao da produo. Desse

    modo, a estrutura produtiva que se conforma aps a realizao dos investimentos industriais est

    fortemente influenciada pelos elementos constitutivos da economia baiana.

    Alm disso, precisamos identificar claramente o que a economia baiana era no incio da

    dcada de 1990, de modo a estabelecer uma base de comparao para identificar os efeitos das

    inverses realizadas no estado, aps a abertura comercial e financeira do Brasil. A anlise da

    evoluo econmica da Bahia permite, ainda, identificar suas debilidades estruturais, ajudando a

    dimensionar a inadequao do modelo adotado para resolver os problemas do estado.

    Utilizou-se, alm da obra de Celso Furtado, outros estudos que se referem regio

    nordeste, j que a Bahia teve em seu territrio os principais movimentos que marcaram a

    economia da regio como a implantao da atividade aucareira no perodo colonial e de

    indstrias na fase de integrao produtiva. Recorreu-se, tambm, a trabalhos sobre a histria

    econmica da Bahia para caracterizao de sua produo fabril.

    No primeiro tpico, listou-se as caractersticas da formao econmica do Nordeste, uma

    vez que a constituio do complexo nordestino formado pela produo aucareira e pela

    pecuria marcou a trajetria econmica, social e poltica dessa regio, na medida que os

    elementos constitutivos desse complexo se projetaram, ao longo dos sculos, para as diversas

    atividades produtivas desenvolvidas nesse espao. o que Furtado chamou de atavismos

    coloniais, isto , a manuteno de caractersticas do passado no presente com a sobrevivncia de

    aspectos do sistema colonial na regio nordeste.

    Em seguida, mostra-se o perfil das atividades manufatureiras da Bahia no final do sculo

    XIX, ressaltando-se algumas de suas caractersticas herdadas do passado colonial, bem como o

    comportamento dessas manufaturas na fase de articulao comercial da economia brasileira.

  • 6

    Evidenciamos aqui que, alm dos atavismos coloniais, a preponderncia do capital comercial na

    conduo do sistema fabril e da economia da regio contribuiu para o imobilismo econmico da

    Bahia diante da involuo de sua indstria.

    Posteriormente, destaca-se o processo de integrao produtiva da regio nordeste (e do

    estado da Bahia) economia nacional, com base no modelo brasileiro de substituio de

    importaes. Nesse aspecto, mostramos como o processo de integrao produtiva, consolidou

    uma diviso do trabalho entre as regies brasileiras na qual coube a Bahia uma posio

    subordinada. Alm disso, condicionou o perfil de sua Indstria de Transformao e alterou a

    posio do estado na economia nordestina. Por fim, utilizando Celso Furtado, tecemos

    comentrios sobre as caractersticas do processo de industrializao por substituio de

    importao e como ele pouco contribuiu no sentido de modificar as caractersticas estruturais da

    economia baiana herdadas do seu passado colonial.

    1.1. Complexo Nordestino e Atavismos Coloniais

    Uma das atividades formadoras do complexo nordestino foi o cultivo da cana-de-acar

    organizado pelos portugueses para abastecer o mercado consumidor europeu com um produto de

    elevado valor comercial, fortalecendo suas linhas de comrcio.

    A organizao da empresa do acar foi feita com base no trabalho escravo, na grande

    propriedade monocultora e com capitais privados. Tais elementos nos quais se apoiaram a

    organizao da economia colonial tiveram como critrio de escolha a viabilidade econmica e a

    garantia da lucratividade. Utilizou-se financiamento privado, uma vez que a coroa no dispunha

    de recursos suficientes para a operao de montagem de um sistema produtivo (FURTADO,

    2001).

    Dentre as caractersticas da organizao aucareira, a unidade de produo monocultora

    contribuiu para a conformao de um sistema produtivo dependente da economia europia. Isso

    porque essa era a nica atividade econmica de vulto desenvolvida na regio, uma vez que os

    colonizadores impediram a utilizao de recursos para outro fim, garantindo o retorno dos

    investimentos realizados para a implantao da empresa aucareira. Desse modo, a produo de

    acar, monopolizando a mo-de-obra, [...] impossibilita qualquer outra forma de atividade

    econmica ou as reduz s condies de existncia as mais miserveis. Ser o caso da pecuria

    (FURTADO, 2001, p. 121).

  • 7

    Alm disso, havia a necessidade de mercado consumidor para o acar, j que no existia

    possibilidade de consumo interno do produto. Do mesmo modo, a pequena populao livre

    importava praticamente tudo o que consumia da economia europia.

    Por ltimo, e como decorrncia dos dois anteriores, porque o impulso de expanso do

    sistema estava localizado nas fronteiras europias. Nesse aspecto, cabe ressaltar que, na economia

    agro-exportadora, a aplicao do excedente depende, quase exclusivamente, das condies

    prevalecentes na economia a que pertence o capital (FURTADO, 1972, p. 183), em especial a

    expanso da demanda.

    Desse modo, a organizao produtiva e o aumento das plantaes eram comandados pelo

    capital comercial europeu, encarregado da distribuio e financiamento da produo, obedecendo

    expanso do mercado consumidor. O dinamismo da produo aucareira estava, portanto, no

    comrcio exterior e no associado a elementos internos. A caracterstica de dependncia foi

    assim identificada por Furtado:

    O que caracteriza este caso que os beneficirios locais do excedente operam dentro de um espao residual. A iniciativa se mantm com os interesses externos, cuja atuao ganha flexibilidade e eficcia na medida em que se apoia em agentes locais (FURTADO, 1984, p. 113).

    Outra caracterstica da organizao aucareira que se projeta sobre o futuro da regio a

    utilizao do trabalho escravo que contribuiu para formar uma economia com pouca propenso a

    inserir modificaes em sua estrutura produtiva. O translado da mo-de-obra africana se deu pelo

    menor custo que representava em relao utilizao do trabalho da populao europia. Alm

    disso, os portugueses j conheciam o sistema de escravido dos africanos e podiam lucrar com tal

    trfico. J no caso dos trabalhadores europeus, atra-los para a colnia somente seria possvel

    atravs do pagamento de altos salrios ou doao de terras o que eliminaria a lucratividade do

    comrcio colonial.

    A utilizao da mo-de-obra escrava lucrativa enquanto os solos estiverem frteis, os

    preos permanecerem suficientemente altos para remunerar tanto o capital empregado quanto os

    donos da terra e no existirem concorrentes mais eficientes no mercado, podendo a produo

    aucareira prescindir de aumentos na produtividade do trabalho. As boas condies climticas, as

    possibilidades de ocupao de novas terras e os mesmos nveis de produtividade dos concorrentes

    resultam em nveis de produo satisfatrios.

  • 8

    Entretanto, o desgaste das terras cultivadas requer a adoo de novas tcnicas de cultivo e

    de organizao do trabalho que resultem em aumentos da produtividade. A economia escravista

    no capaz de racionalizar os mtodos de produo, uma vez que isso dependeria, em grande

    medida, do escravo que, por causa do trabalho compulsrio, no pode ser um elemento ativo

    capaz de adaptar o processo produtivo s novas exigncias da concorrncia (GENOVESE, 1976).

    Essa tarefa deveria ser conduzida pelos donos de engenhos, entretanto estes se mostravam

    pouco preocupados com a introduo de melhorias tcnicas, pois havia a ausncia completa de

    uma mentalidade capitalista dos proprietrios de terra. Em muitos engenhos, a produo era

    deixada a cargo do feitor ou do prprio escravo.

    Alm disso, a adoo do sistema escravista de produo atenua os efeitos da queda de

    preos, uma vez que os escravos eram responsveis pela prpria subsistncia e supriam parte das

    necessidades dos senhores de engenho, resultando num baixo grau de monetizao da economia

    colonial (FURTADO, 2003).

    Desse modo, as crises no se fazem sentir de maneira imediata j que a populao podia

    prescindir do dinheiro para satisfao de algumas necessidades. Os efeitos da queda dos preos

    do acar se faziam sentir no longo prazo com a impossibilidade de reposio tanto dos

    equipamentos quanto da mo-de-obra. As crises tambm no significavam diminuio da

    produo j que, ainda de acordo com Furtado, o escravo, enquanto um ativo fixo, era mais

    rentvel trabalhando do que sem atividade. A organizao da produo era, portanto, algo

    estanque, onde

    Os retrocessos ocasionais tampouco acarretavam qualquer modificao estrutural. Mesmo que a unidade produtiva chegasse a paralisar-se, o empresrio no incorria em grandes perdas, uma vez que os gastos em manuteno dependiam principalmente da prpria utilizao da fora de trabalho (FURTADO, 2003, p.51).

    Desse modo, a entrada de concorrentes no mercado internacional e o declnio dos lucros

    em funo da queda dos preos no resultaram em atualizao das tcnicas ou modernizao dos

    processos de produo utilizados rudimentares mesmo para a poca. A economia aucareira

    no logrou introduzir alteraes na sua organizao capazes de reverter o declnio de sua renda e

    de sua produtividade, cristalizando procedimentos e se tornando resistente a mudanas5.

    5 Os engenhos localizados na Bahia no evoluram tecnicamente at princpios do sculo XIX quando incorporaram a mquina a vapor. Foi igualmente lenta e reduzida a experimentao de variedades de cana, pois os lavradores

  • 9

    Essa prostrao diante das crises pode ser verificada nos diversos ciclos produtivos da

    economia nordestina e da Bahia mesmo no final do sculo XIX com o declnio do insipiente

    sistema fabril e no sculo XX com a crise do cacau. Se a baixa monetizao da economia e a

    utilizao do trabalho escravo tiveram um papel importante nessa passividade, posteriormente, o

    capital comercial, que veremos adiante, e a existncia de um amplo setor de subsistncia tambm

    contriburam para a dificuldade de inserir modificaes na estrutura produtiva da regio. Nesse

    aspecto, cabe ressaltar que a agricultura de subsistncia fornecia um meio de vida para um

    contingente expressivo da populao, evitando o confronto aberto entre essa populao pobre e as

    classes dominantes locais que resultasse na mudana do sistema econmico.

    A terceira caracterstica da regio que teve origem na poca colonial foi a formao desse

    amplo setor de subsistncia a que nos referimos anteriormente. Sua expanso foi resultado da

    resposta dada pela pecuria e pela produo aucareira queda dos preos do acar no mercado

    internacional: a economia aucareira entrou em estagnao e a atividade pecuria se expandiu a

    partir do seu ncleo de subsistncia, diminuindo a renda e a produtividade da economia

    nordestina, conformando o complexo nordestino com parte expressiva da populao inserida nas

    atividades de subsistncia (FURTADO, 2003).

    O desenvolvimento da atividade criatria foi estimulado pela extrema especializao da

    economia exportadora que no produzia alimentos para aqueles que viviam da atividade

    aucareira, abrindo espao para o desenvolvimento da pecuria nas regies afastadas dos

    engenhos.

    O crescimento da pecuria era feito de forma extensiva com a incorporao de animais e

    mo-de-obra; tinha baixa especializao e baixo nvel de monetizao, constitua-se, em grande

    medida, numa economia de subsistncia que lanava mo do comrcio com a renda auferida

    da exportao de couros e peles e da venda de carne para o litoral como forma de

    complementar o consumo (FURTADO, 2003).

    Com a crise da economia aucareira, o ajuste da pecuria foi feito com a diminuio do

    setor que abastecia o mercado do litoral, com declnio da monetizao da economia e com

    retrocesso na diviso do trabalho. O crescimento dos rebanhos tornou tal economia uma

    preferiam a cana da terra ou crioula, cujo teor de sacarose era muito baixo (TAVARES, L., 2001, p 282). A mecanizao da produo no logrou retirar da crise o sistema aucareiro ou reverter o processo de estagnao, na medida que os engenhos centrais eram responsveis pelo processamento da cana-de-acar, no interferindo nos processos de cultivo do produto que se mantiveram intocados.

  • 10

    alternativa de trabalho tanto para a populao que crescia vegetativamente nesse setor, quanto

    para aqueles que no encontravam colocao na economia aucareira ou dela eram expulsos por

    conta de seu declnio, aumentando, assim, o setor de subsistncia.

    Tnhamos, portanto, um quadro onde a presena da monocultura conservava o pas na

    ntima dependncia de um comrcio que se opera fora de suas fronteiras (FURTADO, 2001,

    p.121). Ademais, o ncleo dinmico era localizado nas economias europias e verificava-se a

    ausncia de outras atividades econmicas com significado relevante para a formao da renda e

    promoo da acumulao capitalista dentro da colnia. A adoo do trabalho escravo era outro

    elemento que dificultava a reao da economia aucareira, fazendo o complexo nordestino

    crescer pelo seu setor de subsistncia, conservando, assim, as estruturas coloniais.

    Alm do legado econmico, Furtado (2001) assinala a existncia de atavismos polticos e

    sociais. Do ponto de vista poltico, temos a proeminncia do senhor de engenho e o uso dos

    costumes locais, arbitrados pelos proprietrios de terras, como critrio de justia e norma de

    conduta social. Do ponto de vista social, consolidou-se a extrema concentrao da riqueza e um

    padro de superexplorao da fora de trabalho.

    A premncia do senhor de engenho sobre os outros grupos sociais originou-se da

    dependncia de todos os habitantes da colnia dos capitais necessrios ao andamento da vida os

    quais somente o proprietrio de terras detinha. A adoo do trabalho escravo adicionou gama de

    poderes do senhor de engenho o hbito de interferir no destino das pessoas e sobre a quase

    totalidade da populao trabalhadora (FURTADO, 2001, p.128), criando, desta forma, uma

    tradio de mandonismo e arbitrariedade na sociedade brasileira.

    A ausncia de autoridades pblicas para regular a vida na colnia contribuiu para a

    preponderncia da autoridade local. Na falta de algum poder regulador nacional que pudesse

    resolver os problemas da colnia, surgem os hbitos e costumes locais como a norma de conduta

    e de justia da sociedade brasileira, reforando a autoridade do proprietrio de engenho. Essa

    estrutura social hierarquizada, de acordo com Furtado (2001), permaneceu mesmo aps o

    deslocamento total do acar nordestino do mercado internacional, isto , mesmo depois do

    solapamento das bases materiais que deram origem a tal configurao, uma vez que os senhores

    de engenho conseguiram interferir na evoluo da economia da regio preservando os seus

    interesses. O exerccio de cargos pblicos com pleno usufruto dos recursos governamentais a

    servio da manuteno de sua riqueza e a propriedade da terra foram os meios atravs do qual

  • 11

    muitos dos senhores de engenho preservaram sua autoridade poltica e social.

    A origem da concentrao de riqueza e renda est na utilizao de trabalho escravo e na

    recriao de formas de trabalho semilivres, como o colonato, a meao, dentre outras, que

    resultou na apropriao da totalidade da renda que permanecia no pas, ou grande parte dela, pelo

    pequeno grupo de donos de engenho.

    No caso da Bahia, existia, nas suas reas rurais,

    uma populao flutuante e livre e no proprietria de terras [que] formava a vasta categoria de agregados rurais ou moradores. Eram famlias inteiras que passavam de uma propriedade para outra, oferecendo seus servios por tempo geralmente indeterminado, em troca de um teto e de um pedao de terra que lhes garantisse a subsistncia (MATTOSO, 1992, p. 528).

    Fundou-se, assim, uma sociedade onde prevalecia uma relao de extrema explorao da

    mo-de-obra e de apropriao do excedente por uma minoria.

    A estrutura do latifndio de monocultura nas melhores reas, impedindo o acesso dos

    trabalhadores livres terra, e a pequena expanso econmica, excluindo milhares de pessoas dos

    processos econmicos, constituram-se, tambm, em fatores limitantes a distribuio de renda

    mais favorvel ao trabalho. Alm disso, o sistema de produo ao qual os trabalhadores estavam

    submetidos no permitia o acmulo de excedentes (FURTADO, 1989).

    Na Bahia, por exemplo, os agregados rurais ou moradores entregavam parte do produto

    cultivado ao proprietrio como forma de pagamento pelo uso da terra ou pelos adiantamentos de

    bens de consumo6. No caso dos pequenos proprietrios livres, a relao com os comerciantes foi

    um dos principais empecilhos acumulao de excedente que pudesse ser investido para

    melhorar a produo e, por conseguinte, a condio de vida desses trabalhadores.

    Os agentes intermedirios forneciam, aos pequenos produtores, mantimentos e

    emprstimos para a lavoura em troca da venda antecipada da produo; praticavam juros

    extorsivos e especulavam com os preos dos produtos, retendo o lucro extra nos momentos de

    alta dos preos e diminuindo o valor pago pela produo nos momentos de baixa, mantendo os

    produtores no sistema de subsistncia, na pobreza e impedindo a formao de um mercado

    interno que pudesse estimular a economia baiana.

    6 Nos momentos de alta no mercado internacional os donos das fazendas contratavam trabalhadores, porm, mesmo nesse perodo, o nvel de assalariamento da agricultura era bastante diminuto.

  • 12

    Esses foram, portanto, o legado que a economia nordestina, e baiana, levaram para o

    sculo XIX: permanncia do atraso tcnico, ausncia de dinamismo interno, resistncia a

    mudanas e uma vasta rea dedicada ao sistema de subsistncia. Como legado social, manteve-se

    a extrema concentrao de renda com a excluso de milhares de pessoas dos processos

    econmicos. Do ponto de vista poltico, conservou-se o predomnio do poder local e dos

    senhores de engenho os quais se transformariam em coronis responsveis por arbitrar as

    normas de conduta da sociedade.

    Desse modo, apesar de ter se diversificado, a economia baiana manteve seus aspectos

    fundantes, incorporando-os expanso dos novos produtos de exportao e ao sistema

    manufatureiro nascente.

    1.2. Economia Baiana de 1850 at 1950

    No sculo XIX, a economia baiana continuou com seu centro dinmico localizado no

    mercado externo. Por isso, ao longo desse perodo, sua trajetria no foi linear, alternando

    perodos de crise e de expanso associadas a corrente do comrcio internacional.

    Poderamos figurar esse perodo da histria da Bahia por uma alta no comeo do sculo, uma baixa nas dcadas de 20 e 30, uma recuperao no meado (dcadas 40 e 50), logo interrompida, uma ligeira reanimao no comeo dos 60, para cair em seguida com a guerra do Paraguai at 1890, quando se registra nova alta (ALMEIDA, 1973, p. 75).

    Apesar das dificuldades, houve uma diversificao das atividades desenvolvidas no estado

    com o florescimento de bancos e manufaturas e com a introduo de outros produtos na pauta de

    exportao com destaque para os diamantes, o caf e o cacau. Alm deles, Muitos outros

    produtos extrativos, como sal, a araroba, o azeite de baleia, as peles de cabra (alm das de boi), a

    carnaba, ipeca tucum, piaava, figuravam sempre numa grande variedade e numa freqncia

    irregular nas exportaes baianas. (ALMEIDA, 1973, p. 69).

    As condies naturais propcias produo de diversas matrias-primas demandadas pelo

    comrcio internacional, a descoberta das minas da Chapada Diamantina na dcada de quarenta do

    sculo XIX e o aumento do excedente dentro do pas, em virtude da eliminao de Portugal da

    intermediao comercial, contriburam para a diversificao das atividades produtivas.

  • 13

    Trs subsistemas existiam na economia baiana no sculo XIX: a economia de exportao

    que subordinava os outros dois subsistemas7; uma nascente economia urbana com a presena de

    manufaturas e bancos em Salvador e no recncavo baiano e a economia de subsistncia espalhada

    pelas reas de povoamento do estado. Para os fins desse trabalho, nos concentraremos na anlise

    da organizao das manufaturas da poca, identificando como os atavismos coloniais se

    projetaram sobre essa atividade.

    1.2.1 Sistema Fabril

    As manufaturas surgiram na Bahia a partir da produo agro-mercantil aucareira com o

    objetivo de realizar o beneficiamento da cana-de-acar e todos os bens auxiliares a exportao

    do produto. Desenvolveram-se, principalmente, o segmento txtil destinado a produo de sacos

    e roupas para escravos e o ramo metalrgico para a reposio de peas para engenhos e para

    embarcaes de navegao costeira.

    Somente a partir da segunda metade do sculo XIX, registrou-se um novo impulso que

    deu origem a abertura de novos estabelecimentos manufatureiros dedicados tanto aos ramos j

    existentes, quanto fabricao de novos produtos. Tal estmulo esteve associado s modificaes

    que a economia baiana vivera ao longo desse perodo.

    A primeira delas foi a extino do sistema de exclusivo colonial, com abertura dos portos

    em 1808, que eliminou os entrepostos metropolitanos e permitiu um maior acmulo de capital

    nas mos dos comerciantes nacionais que, posteriormente, investiriam na abertura de fbricas8.

    Ao mesmo tempo, permitiu-se a entrada de capitais de outras nacionalidades que se

    estabeleceram em atividades manufatureiras como o caso dos alemes que abriram fbricas

    de charutos e cigarros.

    A segunda foi a diversificao da pauta de exportaes concomitante ao declnio dos

    preos do acar no mercado internacional que levou diversificao dos investimentos daqueles

    que antes somente se dedicavam empresa aucareira. Por fim, a crescente dificuldade de

    importao e a existncia de um segmento de baixa renda livre, que trataremos mais adiante,

    7 O acar, at 1871, foi o principal produto exportado pelo estado. A partir de 1872, foi deslocado pelo fumo que comeou a figurar como o produto mais importante, com um tero das exportaes baianas. At que, em 1906, foi suplantado pelo cacau. 8 Falcn (1981) estima que os capitais nacionais representavam pouco menos de 35% de todo o capital envolvido nas transaes comerciais no estado da Bahia.

  • 14

    tornaram lucrativo investir na produo interna de bens de consumo. Por causa desses fatores:

    As principais casas comerciais aqui sediadas aumentaram ao longo da segunda metade do sculo XIX e diversificaram suas atividades continuamente, extrapolando as suas funes estritamente comerciais, seja na intermediao financeira, agindo como verdadeiras casas bancrias, seja submetendo produtores agrcolas via emprstimos ou criando fbricas e manufaturas complementares a atividade de origem (FALCN, 1981, p.25).

    Se, por um lado, o sculo XIX estimulou o surgimento de fbricas de diversos ramos, por

    outro o sistema produtivo que a se encontrava imps obstculos a sua prpria expanso. Um

    deles era o livre comrcio que expunha segmentos como o de navegao concorrncia com a

    indstria inglesa que se encontrava bem mais desenvolvida. O segundo fator limitante era a

    organizao produtiva das manufaturas e sua dependncia em relao ao capital comercial como

    veremos a seguir.

    Relaes de Produo e Baixo Nvel de Assalariamento

    No sistema fabril que se expandiu a partir de 1850, houve a persistncia da utilizao do

    trabalho escravo ainda no ano de 18729. Embora numa proporo diminuta, a utilizao de tal

    mo-de-obra pe em evidencia que a estrutura econmica da provncia no havia evoludo a

    ponto de exigir processos de trabalho mais eficientes. Demonstra, ainda, a resistncia da

    economia baiana em eliminar o trabalho escravo.

    De acordo com Mattoso (1992), os trabalhadores livres e os escravos exerciam suas

    funes lado a lado e disputavam as mesmas oportunidades de trabalho. A diferena entre os dois

    estava na apropriao da renda que, para o escravo era uma pequena parte j que eram obrigados

    a repassar, a seus donos, parte substancial de seus ganhos (MATTOSO, 1992, p. 531)10. Isso no

    significa que o padro de extrema explorao do trabalho no tenha sido transferido para as

    relaes assalariadas, onde a ausncia de reajuste e atrasos prolongados e sistemticos do

    pagamento do salrio eram comuns.

    Tal quadro foi responsvel pelas greves que ocorreram em 1918 e 1919 em Salvador e no

    Recncavo, onde a situao dos funcionrios pblicos era, alis, das piores, pois, alm dos

    9 Ver CPE (1978) 10 Ainda segundo a autora, havia restries quanto insero dos escravos nas funes pblicas, como tripulao de embarcaes, nas construes pblicas e nos ofcios considerados nobres como joalheiro e relojoeiro.

  • 15

    constantes atrasos nos pagamentos, os salrios no haviam tido qualquer reajuste desde 1 de

    maio de 1896 (CASTELLUCCI, 2004, p.103). Alm disso, os professores H dois anos, quase

    trs, sem receber um tosto dos vencimentos (TAVARES, L., 2001, p.335). A situao dos

    assalariados, descrita acima, sugere que estes lanavam mo de uma economia de subsistncia e

    de outras estratgias de sobrevivncia, alm da venda da fora de trabalho.

    Alm disso, houve a transposio da ordem escravocrata para a ordem livre influenciando

    a gesto do trabalho dentro das diversas atividades produtivas praticadas no estado. No caso de

    Salvador e recncavo cuja mo-de-obra estava formada majoritariamente por negros e mestios,

    seria de esperar que nas relaes assalariadas se refletissem elementos da ordem servil anterior.

    O mercado de trabalho de Salvador se formou a partir da incorporao do grande nmero de homens de cor oriundos da velha ordem, que continuavam a desempenhar as mesmas ocupaes de pocas pretritas. Mas isso no quer dizer que a populao afro-descendente da cidade mais negra do Brasil dispusesse de condies vantajosas nas disputas por uma colocao nesse mercado de trabalho, pois que era discriminada por costumes e/ou normas tradicionais, fundadas em relaes pessoais (no-contratuais), que incluam ou excluam os indivduos dos postos de trabalho, facilitavam ou bloqueavam a ascenso social, a partir de vrios critrios, menos o mrito (CASTELLUCCI, 2004, p.79).

    Nas zonas rurais, os escravos se transformaram em agregados, do mesmo modo que os

    trabalhadores livres e se inseriram numa empresa agro-mercantil sob as mltiplas formas de

    relao de trabalho como morador, foreiro, rendeiro, arrendatrio, trabalhador assalariado,

    colono, etc (FURTADO, 1972, p.106).

    Alguns autores apontam tambm a dificuldade em transitar para relaes assalariadas. Isto

    , a progressiva substituio do trabalho escravo no foi feita apenas pela mo-de-obra

    assalariada11.

    As fbricas de tecidos [...] utilizavam-se do trabalho de rfos que, deixando os orfanatos para morar em alojamentos da prpria fbrica, com assistncia completa, inclusive com regulamentao das suas horas de lazer, deveriam ter descontada do seu salrio toda a assistncia, tornando o salrio recebido em moeda irrisrio. Embora no se possa afirmar que essa fosse a regra (SAMPAIO, 1981, p.60).

    Alm do trabalho infantil no remunerado, identifica-se tambm um conjunto de

    pequenos artesos exercendo os ofcios de alfaiates, funileiros, chapeleiros, ferreiros,

    11 FALCN (1981), SAMPAIO (1981) e TAVARES (2001).

  • 16

    encanadores, latoeiros, sapateiros, etc. Verifica-se, ainda, grande nmero de pequenas

    manufaturas e artesanatos que se destinavam a suprir a demanda da populao ocupada na

    economia de subsistncia, espalhada por todo o estado e articulada com o setor exportador. Os

    momentos de alta dos diversos produtos provavelmente estimularam algum nvel de diviso do

    trabalho com a proliferao do artesanato, por conta do aumento da renda dos pequenos

    produtores dedicados ao cultivo e extrao dos produtos exportados.

    Mercado Interno Insipiente As manufaturas e oficinas artesanais destinavam-se, conforme dito anteriormente, a suprir

    a demanda de exportao de sacos e embalagens ou de produtos para a classe baixa de uma

    sociedade de renda altamente concentrada. Tal composio da demanda explica a concentrao

    dos estabelecimentos no recncavo baiano, regio onde estava estabelecida a produo de acar

    e fumo, alm das maiores cidades e o principal porto.

    O sistema manufatureiro da Bahia estava composto pelo segmento ligado ao setor

    exportador e pelo segmento complementar do mercado interno. A demanda do primeiro setor

    dependia do porte da economia de exportao. A expanso ou declnio das fbricas estava

    associado s oscilaes do produto no mercado externo. De acordo com Furtado (1972), essas

    manufaturas dificilmente se tornaram autnomas.

    Como o ramo txtil era, em grande parte, destinado exportao, o declnio do sistema

    agro-exportador uma das causas do entrave para a expanso de tais manufaturas, j que a

    diminuio das exportaes de acar retira uma parte importante da demanda dessas fbricas.

    No caso do fumo, o deslocamento dos capitais alemes pelos capitais norte-americanos na

    indstria de cigarros a causa principal do seu declnio.

    O ramo txtil procurou compensar o declnio da demanda exportadora pelo aumento do

    consumo interno, inserindo sua produo em outros estados:

    no apenas principal matria-prima, o algodo, usada nas fbricas baianas vem de outras provncias, preferencialmente, Sergipe, Pernambuco e Alagoas, [...] assim como o mercado consumidor localizava-se, num volume varivel entre um tero a dois teros, tambm em outras provncias, principalmente no que diz respeito aos tecidos e aos fios (GUIMARES, A., 1982, p.39).

  • 17

    Os segmentos de alimentos, metalrgico, qumico e farmacutico destinavam-se a suprir a

    demanda da classe baixa. Eles eram, portanto, os segmentos complementares ao mercado interno.

    A expanso, desses ramos, dependia da massa de salrios e do grau de monetizao da economia.

    Entretanto, dentre os atavismos que permaneceram na economia baiana, estava a manuteno de

    relaes escravas ou semi-escravas de produo com grande dificuldade dessa economia transitar

    para o trabalho assalariado e ampliar o mercado interno. A sobrevivncia da populao de baixa

    renda estava mais associada a uma economia urbana de subsistncia na qual os produtos

    manufaturados eram usados de forma complementar.

    Tnhamos, portanto, um baixo grau de monetizao da economia do estado e uma pequena

    massa salarial que pudesse dar origem a um processo de substituio de importaes diante das

    dificuldades do principal produto de exportao. O elevado nvel de concentrao da renda,

    herana do sistema colonial, tambm influenciou negativamente no desenvolvimento do sistema

    fabril da poca.

    Segmentos sociais e bloqueios expanso da indstria A produo fabril permaneceu dependente dos capitais vindos da esfera comercial. A

    expanso das atividades manufatureiras ocorria nas fases de declnio das exportaes, onde parte

    dos capitais ficava ociosa e decrescia na medida em que se observava a melhoria das cotaes das

    matrias-primas no mercado internacional, momento no qual as manufaturas se ressentiam da

    falta de investimentos e at de capital de giro que pudesse dar conta das despesas dirias.

    Isso ocorria porque o capital comercial apesar de investir na agricultura e na indstria,

    como foi o caso da Bahia, o faz com inteno de dominar as redes de comercializao ou

    adensar as correntes comerciais (BRANDO, sd, p.1), auferindo o seu lucro a partir da funo

    da intermediao12. O capital comercial se desloca em busca das atividades mais rentveis pelos

    12 A atividade cacaueira esteve subordinada aos interesses do capital mercantil instalados na cidade do Salvador o que condicionou sua evoluo posterior. A quase ausncia de linhas de financiamento e de infra-estrutura adequada que pudesse apoiar a produo era o fator responsvel pela dependncia dos produtores em relao as comerciantes da poca: Convm lembrar que a lavoura do cacau foi exercida sempre na dependncia do financiamento das safras, uma vez que o produtor no se capitalizou para atender as despesas da produo e de sua prpria manuteno nos espaos entre as vendas. Nesse perodo em foco, os estabelecimentos de crdito eram raros na regio. [...] [e] no era dado a todos os produtores, principalmente pela falta do ttulo de posse legal da maioria das propriedades (GARCEZ e FREITAS, 1979, p. 25). A subordinao ao capital comercial influenciou a trajetria da economia cacaueira, particularmente, no que se refere a ausncia da modernizao da lavoura que apresentava elevada lucratividade em decorrncia dos preos externos e da fertilidade dos solos. O quadro geral da produo pode ser assim descrito: O sistema produtivo se implantava

  • 18

    diversos ramos produtivos, entretanto, no se dispe a organizar a produo, nem revolucionar ou

    modernizar as tcnicas de confeco do produto ou, ainda, generalizar as relaes assalariadas de

    produo e ordenar uma avanada diviso do trabalho.

    Como ele no revoluciona os meios de produo com vistas a auferir lucros com o

    aumento da produtividade do trabalho, extra o excedente a partir da mxima explorao do

    trabalho que inicialmente foi o escravo e, posteriormente, as diversas formas de relaes de

    trabalho informais e predatrias que permitiam a superexplorao da mo-de-obra. Apresentando,

    portanto, dificuldade de transitar para o trabalho assalariado.

    O capital comercial no apenas prescinde da modernizao em seu processo de

    valorizao, como o seu pleno desenvolvimento requer a permanncia de estruturas econmicas

    arcaicas e um baixo desenvolvimento da sociedade onde atua: o desenvolvimento autnomo do

    capital comercial inversamente proporcional ao desenvolvimento econmico geral da

    sociedade (MARX, 1988, p. 234).

    Desse modo, ele obstaculiza o desenvolvimento das foras produtivas para continuar com

    sua dominao, visto que quanto menos desenvolvida a sociedade maior o controle sobre os

    produtores na medida que monopoliza o sistema de crdito e distribuio, podendo praticar

    preos e juros extorsivos.

    O predomnio do capital mercantil se refletia na imposio dos interesses dos

    comerciantes no direcionamento da economia do estado. De acordo com Guimares, A.

    foi decisiva a correlao de foras dos principais grupos dominantes a burguesia mercantil e a aristocracia agrria na determinao dos caminhos que tomou a acumulao de riquezas. Na Bahia, talvez por estar assentada no antigo circuito mercantilista portugus, a burguesia mercantil sobrepujava de muito as classes agrrias, e por isso imprimiu uma feio mais propriamente comercial economia (GUIMARES, A., 1982, p. 36, 1982).

    A influencia dos comerciantes na vida do estado resultou num amplo comrcio ancorado

    numa fraca base produtiva que contribuiu para o declnio das manufaturas locais na fase de

    como um conjunto de aes sem coeso ou articulao interna, fenmeno esse que se torna evidente, desde a constituio da propriedade aos mecanismos improvisados de crdito, desde a persistncia do uso de tcnicas rudimentares e inadequadas at o desconhecimento dos mais rudimentares mecanismos de comercializao do produto a nvel interno e externo, incluindo uma total alienao quanto ao comportamento dos mercados consumidores, cotaes do produto etc. Desse elenco de fatores negativos resultava, para os produtores, uma situao de dependncia continuada, expressa em vrios nveis (GARCEZ e FREITAS, p. 30, 1979).

  • 19

    articulao comercial. Isso porque a reduo da amplitude do domnio dos comerciantes baianos,

    expressos na reduo de suas rotas comerciais, implicou em dificuldades de acesso s matrias-

    primas e de mercado consumidor para os bens produzidos.

    A ao governamental tambm foi importante para consolidar a lgica acima expressa. De

    acordo com Tavares, L. (1966), existia uma postura antiindustrializante do setor agrrio da poca,

    a partir da convico de que a Bahia estava atada a produo agrcola destinada exportao. As

    medidas adotadas pelos governos estaduais refletiam tal convico e se restringiam ajuda

    financeira lavoura, ao ensino agrcola e a melhoria dos transportes para facilitar o escoamento

    da produo.

    com esse perfil de organizao, onde prevalecem os atavismos coloniais dificuldade

    de transitar para relaes assalariadas de produo, mercado interno insipiente, predominncia do

    capital comercial na conduo do processo produtivo e elevada concentrao de renda que o

    sistema manufatureiro baiano enfrentou a articulao comercial da economia brasileira.

    1.3. Articulao Comercial

    O sistema fabril baiano, na melhor das hipteses, poderia continuar a existir caso as

    condies que protegiam tais manufaturas da concorrncia continuassem a existir. Entretanto, o

    isolamento relativo em que se encontravam as economias regionais e que permitia a

    sobrevivncia dos subsistemas menos eficientes, do ponto de vista produtivo, progressivamente

    eliminado a partir da construo de vias de ligao entre as regies a partir dos anos 70 do sculo

    XIX.

    A construo dessa base fsica no final do sculo XIX permitiu que o desdobramento da

    crise do setor externo nordestino e do processo de industrializao de So Paulo tenha sido a

    emergncia da articulao comercial e da formao do mercado interno nacional (GUIMARES

    NETO, 1989).

    A articulao comercial uma das etapas da formao do mercado nacional caracterizada

    pelo aumento dos fluxos comerciais na mesma regio e entre regies diferentes do pas. um

    movimento das diversas economias regionais, outrora relativamente isoladas, de tentar escoar sua

    produo no mais prioritariamente para o mercado externo, no caso do acar, mas para

    abastecer os mercados locais e mesmo aqueles situados em outras regies.

  • 20

    Ou seja, os sistemas autnomos que estabeleciam relaes prioritariamente com o exterior

    a partir de mudanas no mercado internacional, no caso do acar, e de mudanas na estrutura

    produtiva, no caso da indstria, passaram a se ligar a partir de um fluxo de mercadorias mais

    intenso.

    Tal processo no pode, portanto, ser confundido com um mero aumento dos fluxos

    comerciais, visto que representa uma mudana qualitativa da economia brasileira no sentido de

    reverter a profunda dependncia do impulso externo para crescer ao tentar vincular a produo

    local ao consumo interno. O deslocamento total do centro dinmico foi conseguido a partir da

    industrializao13.

    Conforme dito anteriormente, um dos impulsos da integrao comercial foi a crescente

    dificuldade para vender o acar e o algodo no mercado externo, levando os estados nordestinos

    a buscarem novos mercados, dentre eles o sudeste que se transformou na regio mais dinmica do

    pas. Nas palavras de Guimares Neto:

    Com a grande crise do setor externo nordestino nas dcadas finais do sculo passado (projetando-se sobre o sculo atual), os produtores e exportadores do Nordeste iniciam a tentativa de colocao de seus excedentes no mercado nacional. O que aconteceu com o algodo e o acar constituiu a melhor ilustrao dessa dramtica procura de mercados (GUIMARES NETO, 1989, p.49).

    Nos diversos estados que compem a regio, os resultados foram diferenciados.

    Pernambuco se mostra mais bem sucedido nesta estratgia, conseguindo se sobrepor aos demais

    produtores nordestinos, conquistando parcela do mercado regional e daqueles situados no Rio de

    Janeiro e em So Paulo, at ser deslocado pela produo paulista. Na Bahia, o que se observa a

    progressiva extino dos engenhos centrais e, no caso da produo algodoeira, j em 1889,

    quase no mais se cultivava o algodo na Bahia (CPE, 1978, p. 184).

    Mesmo com um conjunto de inverses do poder pblico na melhoria dos transportes

    vias de comunicao fluviais; infra-estrutura porturia e construo de estradas de ferro e das

    inovaes da produo aucareira, atravs da introduo dos engenhos centrais, o acar da

    Bahia perdia espao em relao ao de Pernambuco14.

    13 Ver FURTADO (2003), em especial o captulo XXXII. 14 Ver CENSO DEMOGRFICO (1920).

  • 21

    Nessa primeira fase da integrao comercial caracterizada, segundo Guimares Neto

    (1989), por um processo de competio inter-regional maior que entre regies, houve a

    consolidao da premncia da produo pernambucana.

    A superioridade Pernambucana, mesmo considerando que, grosso modo, a base da

    organizao da produo nos dois estados era a mesma trabalho escravo, predominncia do

    capital comercial e latifndio , estava assentada na fraca base produtiva da Bahia, uma herana

    da tradio comercial dos capitais portugueses.

    Desde a colnia, Salvador se constituiu em uma importante praa comercial associada ao

    capital portugus. No apenas o principal produto de exportao, o acar, era embarcado em

    Salvador, mas tambm a maior parte dos gneros importados chegava na capital baiana para

    depois ser redistribuda para o conjunto da colnia, fato que se refora durante a ocupao

    holandesa em Recife. Com isso, a tradio de Portugal como um reino comercial com forte

    desvinculao do comrcio de sua base produtiva se reproduziu, em alguma medida, no Brasil e,

    principalmente, na Bahia. Furtado (2001) assinala que a ascenso da classe comercial portuguesa

    transformou o pas num Estado nacional mercantil, que

    destruiu a agricultura nacional e sujeitou a populao urbana a um regime de fomes peridicas e precariedade de importaes de alimentos. O comercialismo reduzir igualmente Portugal situao de intermedirio na circulao de riqueza. O pas no tivera nenhuma possibilidade de desenvolver indstrias prprias, assim como no pde manter agricultura prpria (FURTADO, 2001, p.36).

    As casas comerciais inglesas, francesas, suas e alems que se instalaram na Bahia no

    romperam com a lgica da predominncia comercial de suas atividades, visto que exportavam os

    produtos primrios e importavam as manufaturas tanto de consumo final como de bens de capital.

    Esse papel de intermediadora possibilitava a Bahia ter na sua pauta de exportaes, para outras

    provncias do pas e para o exterior, bens no produzidos diretamente no estado, desvinculando

    completamente produo e comercializao.

    O caso do algodo ilustrativo da supremacia da comercializao sobre a produo.

    Sampaio (1978) demonstra que a Bahia nunca foi auto-suficiente na produo de algodo mesmo

    no auge dos preos internacionais. A partir da comparao entre as quantidades produzidas e

    exportadas, o autor conclui que alm de importar o algodo de outras provncias para o

    atendimento de sua demanda interna, importava tambm para o atendimento da demanda externa.

  • 22

    Tais importaes realizavam-se com Alagoas, Sergipe, Pernambuco e tambm Minas Gerais

    (SAMPAIO, 1978, p. 190).

    A manufatura txtil baiana no utilizava algodo cultivado no prprio estado. A

    dificuldade de transporte das zonas produtoras na regio do semi-rido para o recncavo tornava

    mais barato exportar tal matria-prima para outros estados, como Minas Gerais, e importar de

    Sergipe para suprir as fbricas localizadas no recncavo. Posteriormente, a falta de escoamento

    do produto desestimulou o cultivo.

    Esses elementos so indicativos das diferenas entre os dois estados nordestinos e

    contribuem para explicar a supremacia da produo aucareira de Pernambuco sobre a da Bahia.

    Entretanto, tal processo merece um estudo mais detalhado que foge ao escopo desse trabalho.

    O que nos interessa destacar aqui que, mesmo antes do incio da integrao comercial da

    economia brasileira, a Bahia j demonstrava atraso de sua produo em relao a outros estados

    do nordeste. As dificuldades se referiam no apenas ao seu principal produto de exportao, o

    acar, mas a outros produtos primrios destinados ao mercado externo, sendo que o aumento

    dos fluxos comerciais intra-regionais somente veio aprofundar tais dificuldades. Apesar da crise,

    a produo do estado cresceu nessa primeira etapa de integrao comercial, provavelmente,

    acompanhando o crescimento da populao do estado.15

    Outro determinante apontado por Guimares Neto (1989), indutor da integrao

    comercial, foi o processo de industrializao vivido em So Paulo, principal economia do pas

    desde o surgimento da produo cafeeira.

    A histria da formao do mercado interno brasileiro , sem dvida, parte da histria do desenvolvimento industrial do pas. Isto significa que, no obstante o papel pioneiro que os produtores nordestinos desempenharam no desenvolvimento das relaes comerciais entre as regies, foram as empresas industriais que exploraram e ampliaram os canais de comercializao, constituindo o mercado interno brasileiro (GUIMARES NETO, 1989, p. 81).

    Embora o principal e mais avanado processo de industrializao se verifique no estado

    de So Paulo, na economia nordestina tambm se observou o aumento, nessa fase, da produo

    manufatureira com a liberao de parte dos capitais empregados na produo aucareira.

    15 Em 1808, segundo os dados das Estatsticas Histricas do Brasil (1990), a Bahia tinha uma populao de 335.961 habitantes, passando para 1.379.616 em 1872. Perdia apenas para o estado de Minas Gerais que, em 1872, registrou 2.102.689 habitantes.

  • 23

    Na Bahia, grande parte das manufaturas criadas se constitua de estabelecimentos

    artesanais, mostrando que o sistema fabril baiano, j em 1919, era dbil comparativamente a

    Pernambuco16. A produo artesanal baiana sofreu estmulo da abolio da escravido e do

    expressivo crescimento populacional que aumentou o mercado consumidor de baixa renda ao

    qual as manufaturas de poca estavam dedicadas.

    O carter complementar das trocas realizadas entre a regio nordeste e o estado de So

    Paulo, nessa primeira etapa de industrializao, permitiu a expanso da indstria mesmo daquela

    menos eficiente como a baiana. A primeira guerra mundial ao limitar as importaes de produtos

    industrializados contribuiu para que as manufaturas de So Paulo fossem consumidas no nordeste

    ao mesmo tempo em que manteve espao para as fbricas locais (GUIMARES NETO, 1989).

    Cabe ressaltar que ocorre o incio da concorrncia inter-regional ainda nesse perodo,

    particularmente no final da primeira guerra mundial. Desse modo, a Bahia diminuiu a

    participao na produo nacional, embora a produo e o nmero de estabelecimentos desse

    estado tenham aumentado.

    A segunda fase da articulao comercial, segundo Guimares Neto (1989), vai de 1930 at

    meados da dcada de 50, sendo caracterizada por uma articulao comercial mais intensa intra-

    regio, consolidando a produo paulista no mercado do sudeste, deslocando a produo

    nordestina e fortalecendo a indstria de So Paulo.

    A integrao comercial entre regies, embora tambm tenha se acentuado no perodo com

    o aumento das exportaes paulistas para o sul e nordeste, ainda dificultada pelo insipiente

    sistema de transporte que ligava os distintos espaos geogrficos e pela existncia de impostos

    interestaduais que somente sero completamente eliminados em 1943. Desse modo, no tocante

    s relaes Nordeste/Sudeste, este momento da industrializao restringida, caracteriza-se por

    uma articulao comercial que se tornou bem mais intensa no interior das referidas regies, do

    que entre elas (GUIMARES NETO, 1989, p. 101).

    Ainda no ocorreu, portanto, a desestruturao completa da indstria nordestina, embora

    j se perceba a eliminao das unidades produtivas e o crescimento da participao de So Paulo

    nos estabelecimentos industriais do pas.

    A terceira fase da integrao comercial, ainda segundo Guimares Neto (1989), ocorreu

    de meados da dcada de cinqenta at 1960 quando se iniciou a integrao produtiva. Nesse

  • 24

    perodo de industrializao pesada, ocorreu uma melhoria dos sistemas de transporte e

    comunicao que permitiam um fluxo regular e mais intenso entre as regies brasileiras.

    Nessa fase da articulao comercial houve a diminuio dos segmentos tradicionais da

    indstria do nordeste como txtil, fumo e alimentos que no conseguiram sobreviver

    concorrncia das mercadorias do sudeste, alm do aumento da produo de So Paulo que passou

    a representar, em 1960, 55,1% da produo nacional17.

    Na Bahia, ocorreu a diminuio da produo em segmentos como a indstria mecnica, de

    couros e peles, de perfumaria e sabo, alimentares e editoriais e grficas vis--vis o aumento do

    VTI da atividade extrativa mineral da Bahia que passou de 2,9%, em 1950, para 33,8% em 1960;

    e do ramo Qumico que aumentou no mesmo perodo de 1,5%, para 23%18. A explorao de

    Petrleo no recncavo com a instalao da Refinaria Landulfo Alves (RLAM) foram as causas

    dessa expanso, resultando no aumento da participao do estado na produo industrial do pas

    de 1,3% em 1950, para 2,4% em 196019.

    Os efeitos na indstria baiana da instalao da Petrobrs no recncavo foram limitados

    porque as peas e equipamentos necessrios para a extrao do petrleo vinham do sudeste, assim

    como a transformao do produto em seus derivados tambm ocorria, em grande parte, nas

    indstrias situadas em So Paulo.

    Os resultados ficaram concentrados em Salvador e Regio Metropolitana (RM) e

    estiveram relacionados ao aumento da receita estadual, da massa salarial e a expanso da

    construo civil. Nesse caso, o segmento imobilirio para a classe mdia nascente e a obras de

    infra-estrutura se constituram em estmulos para o setor (OLIVEIRA, F., 2003).

    interessante notar que, desde meados da dcada de vinte, o sistema fabril baiano vai

    perdendo espao com o advento da concorrncia, primeiro, para os produtos pernambucanos e,

    depois, para os paulistas. A indstria do estado somente voltou a se reestruturar a partir da

    interveno de capitais externos e com os investimentos pblicos na companhia de petrleo.

    Essa inrcia na ao e o imobilismo em tentar reverter a situao se deram, tambm, pela

    opo dos capitais originrios da regio. De acordo com Pedro (1985), o capital comercial

    baiano pouco se interessava em investir na produo. Preferiam se transformar ora em capital

    16 CENSO DEMOGRFICO (1920). 17 CENSO DEMOGRFICO (1960) 18 Idem 19 Ibdem

  • 25

    agro-mercantil ora em capital destinado a financiar o processo de urbanizao ou se ligavam

    especulao imobiliria nas cidades e no campo. Quase nunca achavam suficientemente lucrativa

    a inverso na produo industrial, exceto nos momentos em que os outros segmentos sofriam

    significativa baixa da lucratividade como no final do sculo XIX.

    Desse modo, o ajuste do capital comercial na Bahia em relao concorrncia se

    restringiu a procura de alternativas de investimentos fora do estado, em especial na regio

    sudeste. Esses capitais foram financiar o processo de urbanizao de So Paulo, tendo se

    concentrado no segmento da construo civil, configurando um grupo de interesses ligados ao

    capital imobilirio.

    Alm disso, a interveno assistencialista do poder pblico na regio nordeste, conforme

    assinala Guimares Neto (1989), em contraposio a sua ao ativa na industrializao paulista

    com a oferta de infra-estrutura, de financiamentos e atravs da poltica econmica,

    particularmente a cambial teve reflexos negativos sobre a indstria da regio.

    No nordeste, o governo federal se limitou, nesse perodo, a refinanciar as dvidas dos

    agricultores e a fornecer recursos para as obras emergenciais em poca de seca cuja distribuio

    estava a cargo das oligarquias locais. Embora tenha sido objeto de crtica pelos segmentos que

    defendiam investimentos industrializantes, no entrava em confronto com as classes dominates

    nordestinas que, grosso modo, no aspiravam a industrializao de seus estados. Essa atuao do

    poder central auxiliava as oligarquias nordestinas a manter as estruturas arcaicas de poder e

    preservar seu patrimnio, na medida que subsidiam ou criam outras condies para a reproduo

    ampliada do capital originrio da prpria regio (GUIMARES NETO, 1989 p. 14).

    Na Bahia, as poucas alternativas de insero no mercado de trabalho devido involuo

    industrial do estado e do baixo dinamismo de sua economia resultaram no fortalecimento de um

    amplo setor informal composto por um conjunto de vendedores ambulantes, serventes,

    diaristas e trabalhadores que perambulavam pelas ruas para prestar servios e at uma vasta rea

    dedicada ao cultivo de alimentos em Salvador e nas grandes cidades (FARIA, 1980).

    Entretanto, no podemos dizer que houve um aumento do setor de subsistncia j

    expressivo no estado antes da articulao comercial. Sem dvida, os fluxos migratrios em

    direo ao sudeste constituram em soluo para o declnio das atividades econmicas da

    Bahia.

  • 26

    1.4. Bahia de 1960 at 1989 Integrao produtiva e seus desdobramentos A principal atividade da economia baiana em 1950 era a produo de cacau que j

    encontrava concorrentes no mercado internacional20. Alm dela, existia um sistema fabril que no

    logrou se desenvolver, entrando em declnio com o processo de articulao comercial e um

    sistema razoavelmente desenvolvido de intermediao com bancos, financeiras e capitais ligados

    as atividades imobilirias, mas que no se prendiam ao espao do estado, deslocando-se a procura

    da aplicao mais rentvel.

    nesse cenrio de declnio das atividades tradicionais do estado que se iniciou a partir de

    1960 a integrao produtiva da economia brasileira que no estado se refletiu na instalao do

    Centro Industrial de Aratu (CIA), no final da dcada de 1960, e do Plo Petroqumico de

    Camaari que entrou em funcionamento em 197821.

    A integrao produtiva se caracteriza pela transferncia de capitais oriundos das regies

    mais desenvolvidas para as regies menos desenvolvidas com vistas a realizar investimentos na

    produo de bens e servios. Tal articulao representa uma mudana qualitativa nas relaes

    entre as distintas regies e nas relaes internas ao nordeste, na medida que, a partir da, a

    acumulao no est mais determinada pelas especificidades dos capitais da regio receptora dos

    investimentos no caso do nordeste, o capital mercantil. O ritmo de acumulao, os padres

    produtivos e tecnolgicos, o padro de distribuio (comercializao) e o perfil dos servios com

    a modernizao dos servios urbanos so determinados pelo capital oligopolizado que conduz o

    processo de industrializao do Brasil (GUIMARES NETO, 1989)22.

    Um dos resultados do processo de integrao produtiva que a estrutura industrial que se

    instala no nordeste no apresenta vnculos com a demanda interna e nem com as indstrias

    tradicionais. Nas palavras de Guimares Neto,

    a nova indstria nordestina estabelece de fato uma rede de relaes que passa a privilegiar as ligaes com fornecedores extra-regionais de insumos, vinculando-se, por vezes, muito mais com atividades econmicas de fora da

    20 Durante esses mais de 60 anos de cultivo, os produtores no reinvestiram o excedente na modernizao da prpria lavoura ou em outras atividades que promovessem a diversificao da regio sul do estado. 21 Na agricultura, houve a incorporao do Oeste baiano expanso de soja e do Extremo Sul ao plantio do eucalipto. 22 Cabe salientar que as modificaes na regio nordeste no envolveram apenas o aumento das atividades modernas, mas tambm o reforo e recriao de arcaicas relaes de produo; em difuso do assalariamento em algumas atividades e aproveitamento do trabalhador autnomo, do trabalho familiar em outras atividades; em formalizao de alguns setores com a simultnea informalizao de outros (GUIMARES NETO, 1989, p. 171).

  • 27

    regio do que com a estrutura produtiva nordestina (GUIMARES NETO, 1989, p. 169).

    Do ponto de vista da relao entre as regies, forma-se um sistema produtivo

    complementar e hierarquizado. A relao complementar estabelecida porque o processo de

    industrializao do nordeste foi direcionado, dentro do processo geral de industrializao do pas,

    para a substituio de importaes de bens intermedirios, visando resolver os desequilbrios da

    conta de Transaes Correntes do Balano de Pagamentos.

    Procurou-se construir na regio, dada a disponibilidade das matrias-primas, um sistema

    produtivo auxiliar ao j existente e especializado na produo dos insumos usados pelas empresas

    situadas no sudeste do pas. Ao invs da concorrncia entre as duas regies, organizou-se uma

    estrutura complementar na medida que a propriedade da indstria incentivada do nordeste estava

    nas mos dos mesmos grupos que mantinham empresas similares no sudeste do pas.

    A hierarquia do sistema est associada localizao do centro dinmico do sistema

    industrial e das decises de investimentos fora da regio nordeste. O processo produtivo, o

    padro tecnolgico, a estratgia e a funo das empresas instaladas no nordeste obedecem a uma

    determinao do grupo empresarial proprietrio que est localizado no sudeste ou no exterior.

    Cabe ressaltar que, aps o processo de integrao produtiva, os ciclos de expanso das

    duas regies, separados na fase de articulao comercial, passaram a ter uma convergncia no

    tempo, isto , a uma expanso da produo do sudeste correspondia tambm o crescimento da

    econom