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www.pwc.com/br ceo Brasil Ano 8. Nº 26. 2013 Perfil As quatro agendas de Márcio Utsch Pesquisa Por que os games estão invadindo as empresas Artigo O BNDES é um banco de desenvolvimento padrão? Opinião Governo, empresas e universidades discutem: o Brasil não inova em fármacos Personalidade Os 100 anos de Tomie e a família empresária Ohtake

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ceoBrasil

Ano 8. Nº 26. 2013

PerfilAs quatro agendas de Márcio Utsch

PesquisaPor que os games estão invadindo as empresas

ArtigoO BNDES é um banco de desenvolvimento padrão?

OpiniãoGoverno, empresas e universidades discutem: o Brasil não inova em fármacos

PersonalidadeOs 100 anos de Tomie e a família empresária Ohtake

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CEO Brasil é uma publicação da PwC Brasil

Conselho EditorialFernando Alves, Henrique Luz, Otavio Maia, Jorge Manoel, Carlos Iacia,João Cesar Lima e Carlos Sousa.Editora-executiva: Márcia Avruch.

Projeto Gráfico Wolff Olins

Projeto EditorialEstação – Direção de Arte: Adriana Campos; Texto: Eugênio Melloni, Graciliano Toni, Lizandra Magon de Almeida, Neide Hayama, Sandra Regina da Silva e Sílvio Anaz; Diagramação: Tamy Ponczyk; Revisão: Marcia Menin; Foto da capa: Cordel Imagens; Produção gráfica: Regina Garjulli; Impressão: Stilgraf.

Copyright: PricewaterhouseCoopers – Brasil

CEO Brasil é uma publicação trimestral

A PricewaterhouseCoopers – Brasil não se responsabiliza pelas opiniões de terceirospublicadas nesta revista.

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diretos japoneses à frente da representação diplomática do Brasil no Japão. Outra, com o professor de Harvard e renomado especialista norte-americano em family business John Davis, proporciona uma visão interessante de nossas empresas familiares. Vale a pena conferir e refletir sobre as conclusões dos dois entrevistados.

Em Opinião, temos quatro debatedores e uma pergunta: por que o Brasil quase não inova em fármacos? Carlos Gadelha, responsável no Ministério da Saúde por pesquisa e desenvolvimento, Antônio Britto, presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa, e dois acadêmicos, os professores Décio Mion e Gerson Pianetti, respondem.

Se o Artigo de Marcelo Miterhof, economista do BNDES, ousa esclarecer o que muitos se vêm perguntando – o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social faz o que deveria fazer? –, nosso Ponto de vista convida a uma reflexão importante em relação à baixa competitividade brasileira: segundo seus autores, especialistas da PwC Brasil, o problema pode ser atribuído, em larga medida, à ineficiência de gestão das empresas, não apenas a ineficiências governamentais.

Por fim, os Ohtake mostram, em Personalidade, que, além de fazer arte de primeira grandeza, são também uma instituição, familiar e empresarial!

Boa leitura!

Se o leitor for um cliente da Alpargatas e um dia marcar uma reunião com Márcio Utsch, seu presidente, o encontro será anotado em sua agenda vermelha; se for um colaborador, contudo, pode estar certo de que a reunião entrará na agenda azul. Não se trata de um simples código de cores. O executivo distribui seu tempo em quatro agendas distintas, segundo suas prioridades. Como o relacionamento com os colaboradores é a número um entre estas, tende a ser mais rápido arrumar uma vaga na agenda azul, à qual ele destina 40% de seu tempo, do que na vermelha, que fica com 10%. As quatro agendas de Utsch são apenas uma das interessantes descobertas que fazemos no Perfil desta edição, que traz à tona, entre outros aspectos, a importância desproporcional que esse CEO dá à educação até para fazer da Alpargatas uma companhia verdadeiramente global.

Na seção Pesquisa, apresentamos os insights de nosso relatório Technology Forecast sobre gamificação. Segundo os depoimentos colhidos, muitas empresas estão encontrando nos games ferramentas eficazes para gerar motivação intrínseca em colaboradores e consumidores e, consequentemente, engajamento. Atividades que vão de gestão de comunidades de usuários a marketing e treinamento têm sido especialmente favorecidas por isso.

Nesta edição, há, excepcionalmente, duas Entrevistas. Uma, com o embaixador Marcos Galvão, relata seus esforços para atrair investimentos

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Fernando Alves Sócio-presidente da PwC Brasil

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Na CEO nº 26

Personalidade. Uma das mais admiradas artistas plásticas do país, Tomie Ohtake completa 100 anos de idade em 2013. Mas ela não produziu apenas aclamadas pinturas e esculturas; gerou também uma família empresária criativa, com o filho arquiteto, Ruy, e o filho designer, Ricardo. Os três compartilham sua receita workaholic.

Entrevista. Marcos Galvão, embaixador do Brasil no Japão que está prestes a nos representar na Organização Mundial do Comércio, detalha as estratégias para atrair as companhias japonesas e sua capacidade de inovação.

Perfil. Ele credita aos pais o entendimento do mix perfeito de atributos para uma boa vida: dedicar-se para aprender e ter leveza. O estilo de liderança do presidente da Alpargatas, Márcio Utsch, guia-se por esses parâmetros e pelo que é, para ele, o grande segredo da gestão: os relacionamentos. Organizando seu dia a dia em quatro agendas separadas, ele reserva uma exclusivamente – com 40% de seu tempo – para as pessoas.

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Pesquisa. Entenda por que aumenta o número de empresas que buscam engajar colaboradores ou consumidores com mecanismos de games como pontos, fases, desafios, placares e presentes. Elas levam em conta desde a personalidade dos jogadores até os desafios a vencer.

Entrevista. John Davis, professor da Harvard Business School especializado em negócios familiares, analisa nossas empresas e atesta: elas são progressistas; só deixam a desejar no que diz respeito à participação feminina na gestão.

Ponto de vista. O Brasil é o 51º colocado entre as 60 nações avaliadas no relatório de competitividade produzido pelo IMD em 2013. Mais importante do que lamentar a queda de cinco posições em relação ao ano anterior, contudo, é entender a razão de tamanho desnível. Este é normalmente atribuído à carga de ineficiências governamentais, mas verifica-se ao longo das diversas cadeias produtivas envolvidas, incluindo participantes empresariais privados. Faz-se necessária, portanto, a melhoria da gestão de nossas organizações.

19Opinião. Um líder da indústria farmacêutica, Antônio Britto, o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, e dois acadêmicos, Décio Mion (USP) e Gerson Pianetti (UFMG), debatem a falta de inovação em fármacos no mercado brasileiro, apesar dos incentivos.

24Artigo. A CEO Brasil convidou Marcelo Miterhof, economista e assessor da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, a escrever sobre a função dos bancos de desenvolvimento em geral e do BNDES especificamente, com o objetivo de esclarecer dúvidas que provocam calorosos debates em torno de sua participação em iniciativas de internacionalização de companhias brasileiras.

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Mecanismos dos games

Desejos humanos

Recompensa Status Realização Autoexpressão Competição Altruísmo

Pontos * • • • •Fases * • •Desafios • • * • • •Bens virtuais • • • * •Placares • • * •Presentes e caridade • • • *

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perfil

Márcio Utsch e a força dos relacionamentos

O mineiro Márcio Utsch acaba de completar dez anos como principal executivo da gigante brasileira Alpargatas. Ele entrou na companhia, como diretor, em 1997, quando esta passava por reestruturação. Em um ano, os então novos gestores já colocavam o balanço no positivo, o que mantêm até hoje. Responsável, entre outros feitos, pela internacionalização das sandálias Havaianas no mundo, Utsch diz que seu foco de gestão está nas relações com as pessoas

Seu primeiro emprego foi o de cobrador de ônibus – ou trocador, como ele diz –, aos 13 anos de idade. Em seguida, passou 16 anos na hoje extinta rede de lojas de departamentos Mesbla, indo de office boy a superintendente de compras. Dali, seguiu para a Gradiente Entertainment, como diretor-comercial e de logística, onde teve como principal desafio lançar no Brasil o videogame portátil da Nintendo. Antes de ingressar na Alpargatas, fez uma experiência empreendedora, ao fundar a Calçados Andar Perfeito. O negócio próprio era promissor, mas ele não conseguiu resistir à proposta de Fernando Tigre, que reuniu um time para resgatar a empresa.

O grande aprendizado do executivo nessa trajetória remete ao valor dos relacionamentos e seu impacto nos resultados. “A grande sacada é, de fato, colocar a pessoa certa no lugar certo”, afirma Utsch, admitindo que, “de tão simples, isso chega a ser simplista“, mas insistindo tratar-se do “grande segredo da gestão”. Ele se interessa particularmente por criar e cultivar

relacionamentos e, para tanto, faz questão de circular bastante: ora pelas fábricas ou pela sede, ora em visita a fornecedores ou clientes. Possivelmente os norte-americanos classificariam seu estilo de liderança como MBWA (managing by walking around, ou gerenciar andando por aí).

Em entrevista à CEO Brasil, Utsch aborda desde a influência familiar em sua carreira até desafios que surgiram durante a trajetória profissional, passando por seus métodos e atitudes. Para garantir que nada seja esquecido, por exemplo, seu tempo é distribuído em quatro agendas, incluindo uma pessoal, na qual nunca faltam os esportes aquáticos. Utsch é formado em administração e em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e cursou dois MBAs – um dos quais pelo Insead, na França.

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Márcio UtschPresidente da Alpargatas

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Complementaridade de pai e mãe“Orgulho-me muito das minhas raízes, em Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais. Minha família tinha baixo poder aquisitivo, porém me ofereceu uma combinação muito interessante: minha mãe possuía alta capacidade intelectual, era uma usina de inteligência e de ideias, muito rápida no raciocínio, e meu pai, um poço de bom humor, sempre de bem com a vida. Somos nove irmãos; todos estudaram e têm sucesso no que fazem – uns são empreendedores, outros ocupam cargo importante em algum lugar.

“Se meu pai nos ensinou a levar a vida com leveza, minha mãe nos fez estudar e nos ajudou a ter autoconfiança. Talvez autoconfiança em excesso, talvez eu mais do que os outros, porque ela dizia que eu era o único a confundir sinceridade com falta de educação... [risos] Realmente procuro falar tudo para todo mundo, não gosto de esconder nada.

“Acho que quem melhor definiu minha mãe foi o poeta Carlos Drummond de Andrade, mesmo sem conhecê-la: ‘Não seja do tamanho que você é, mas do tamanho das coisas que você sonha’. Não podiam existir pessoas mais perfeitas do que meus pais. Se estiverem nos vendo de algum lugar, eles também devem se orgulhar da família que formaram.

“Morei em Conceição do Mato Dentro até 11 anos de idade, quando fui estudar fora, ficando com uma tia. Todos os meus irmãos fizeram o mesmo movimento. Morei em vários lugares, mas nunca voltei para minha cidade.”

De dez horas por dia ao paraíso“Tive meu primeiro emprego aos 13 anos, o que era permitido na época. Trabalhava como trocador de ônibus, com carteira assinada: todo dia, eu começava às 4h40 da manhã e ia até as 14h – comia marmita dentro do próprio ônibus. Tinha uma folga por semana. No fim do expediente, voltava para casa, fazia o dever e estudava. Mais tarde, pegava o mesmo ônibus em que trabalhava, já que eu não pagava passagem, e ia até o centro da cidade. Descia no ponto e andava mais quatro quilômetros até minha escola. Ia a pé porque não tinha dinheiro para pagar outro ônibus. A aula começava às 19h e terminava às 22h40. Então, fazia o mesmo trajeto de retorno.

“Depois de um ano, fui para a Mesbla, cuja sede era no Rio de Janeiro, e lá fiquei por 16 anos. Como trabalhava seis horas por dia e folgava sábado, a partir do meio-dia, e domingo, eu me sentia no paraíso na comparação com o emprego anterior. Eu tive oportunidade de entrar em um programa da Mesbla na época chamado ‘Meninos de Ouro’. Era um programa bacana: a família La Saigne de Botton, controladora da empresa, investia nas crianças para formar os futuros líderes da companhia. Assim, comecei como office boy e cheguei a superintendente de compras, o terceiro nível do escalão – havia os donos, o presidente e os superintendentes. Quando eu saí, cuidava de compras, o que talvez seja a função mais importante de uma rede varejista. Se compra errado, tudo dá errado; todo o sucesso começa na compra.”

Havaianas

Topper

Rainha Mizuno

Osklen

Timberland

Meggashop

Sete Léguas

391 lojas exclusivas Havaianas, Timberland, Meggashop e Osklen no Brasil, além de 189 lojas das marcas Havaianas, Osklen, Topper e outlets Alpargatas fora do país

As nove marcas da Alpargatas

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Mesbla inesquecível“Quando entrei no grupo dos Meninos de Ouro da Mesbla, passei a trabalhar menos, porque precisava estudar. Mas não era fácil. Tínhamos uma espécie de monitor que acompanhava as provas da escola e dizia quando precisávamos nos esforçar mais. Minha monitora era a Teresinha Ferreira Lage, lembro até hoje. Não havia uma Lei da Aprendizagem que incentivasse essa postura das empresas; a Mesbla o fazia por iniciativa própria. Era uma empresa muito evoluída, pena ter acabado.

“Outro aprendizado na Mesbla foi o da força das marcas. Começou como uma iniciativa para facilitar a medição de rentabilidade, que era toda feita em livros grandes; sem computador, havia muita dificuldade em lidar com tanta informação. Então, decidimos cindir os negócios em partes: criamos a Mesbla Móveis, a Folia & Companhia, de roupas infantis, cujo símbolo era uma foca, e um grupo de marcas próprias: Mr. & Mrs. Baby, de produtos para recém-nascidos; Bazooca, de crianças; a de jovens chamava Alternativa; e duas de adultos, Tucano e Daniel Hechter. Isso nos fez mudar de patamar de desempenho e de visibilidade, porque nenhum varejista no Brasil pensava em ter marcas próprias.

“As marcas foram uma catapulta: a empresa foi jogada lá para cima, em tamanho e em percepção. Todo mundo queria trabalhar na Mesbla, ela virou febre no Rio. Vieram os convites para participar de rodas de varejo na Alemanha, de convenções em Nova York; fiz minha primeira viagem de trabalho importante para o exterior, indo a Nova York participar de um congresso com outros executivos.

“Como eu não dominava totalmente o inglês, seis meses antes da viagem comecei a ter aulas com um iraquiano, que ensinava o idioma com um método usado para ensinar quem ia participar de alguma guerra. Fiz uma hora e meia de aula, sete dias por semana; não faltei um dia sequer. Então, viajei. Logo no hotel, eu me testei: chamei o garçom e fiz o pedido para todos à mesa... quando ele trouxe, tinha café para tomar durante uma semana! Esse foi o inglês que aprendi em seis meses; ninguém conseguia parar de rir.”

Receita líquida

R$ 3,1receita em 2012, 16% acima em comparação com 2011

Lançando a Nintendo “Na Gradiente Entertainment, fiquei cerca de quatro anos. Minha vida ficou bem interessante. Cuidava da área comercial e de logística.

“Em um mercado liderado pela Sega, começamos a comercializar videogames da Nintendo, marca que não era nem a sombra do que é hoje. Só que não conseguíamos vender Nintendo no Rio de Janeiro! Um dia voei para lá e liguei para um potencial cliente ao desembarcar no aeroporto. Ele respondeu a minha abordagem de maneira, digamos, pragmática: ‘Se um dia eu te conhecer e você me conhecer, e eu estiver passando do lado esquerdo numa rua, passe do lado direito, porque eu não quero nem te ver’. Imediatamente pensei: ‘Ninguém faz isso com Márcio Utsch, vai ter troco’. Minha mãe me ensinou a não aceitar coisas assim impunemente.

“Primeiro, eu me reuni com o gerente do Rio de Janeiro para discutir o ocorrido em um restaurante e lhe disse que precisávamos de uma estratégia local. Nossas reuniões, internas ou com clientes, aconteciam sempre em restaurantes, porque havíamos eliminado todas as gerências regionais e cada um trabalhava na própria casa. Então, no dia seguinte, pedi uma reunião com esse gerente e todos os vendedores. Marquei o encontro na praia! Eles ficaram surpresos, sem ação.

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“Foi algo inusitado, inédito, porque a ideia era ser igualmente inusitado e inédito com o executivo comprador. Eu só não sabia como fazer isso. Discutimos e, no fim, chamamos nossos principais clientes da cidade para uma reunião em que anunciamos uma grande promoção, com material de ponto de venda e anúncio em jornal, lotando o Rio de Nintendo.

“Aquele varejista que me ignorou foi evidentemente deixado de fora. Não demorou 15 dias, ele me ligou, dizendo que não tinha Nintendo e queria comprar; estávamos perto do Dia das Crianças. Eu estava louco para vender, com estoque ainda cheio em Manaus, mas respondi que não tinha tempo para me encontrar com ele.

“Uma semana mais tarde, o homem veio me ver em São Paulo. Era um empresário gelado, parecia um nórdico, e eu disse que só podia vender videogames para entrega depois de 12 de outubro – e com preço reajustado. Começamos a negociar e, resumindo a história, ele entupiu sua loja de Nintendo e vendeu tudo no Dia das Crianças, tornando-se o maior cliente da empresa. Ficamos amicíssimos e hoje ele diz que aquilo lhe serviu de uma grande lição de vida. Nosso objetivo na Gradiente foi cumprido: tornar a Nintendo maior que a Sega no Brasil.”

Andar Perfeito e Alpargatas“Saí da Gradiente Entertainment para ser sócio de uma empresa, a Calçados Andar Perfeito. Com uma central no Rio de Janeiro e outra em Belo Horizonte, produzíamos calçados, bolsas e cintos. Suas duas fábricas operam até hoje, com outra marca; precisei vender a Andar Perfeito, porque havia conflito de interesses quando comecei a trabalhar na Alpargatas, em 1997.

“Os acionistas tinham feito uma grande mudança na direção da Alpargatas, que estava em reestruturação, contratando um novo CEO, Fernando Tigre. Nós não nos conhecíamos, mas tínhamos um amigo comum, que me indicou para ele. Essa história foi muito interessante... Eu estava no Rio, esse amigo disse que uma pessoa queria me conhecer, mas eu estava sem tempo. Ele insistiu, argumentando que eu deveria largar o negócio de fazer sapatos. Na outra frente, o mesmo amigo incentivava o Fernando para que nos conhecêssemos.

“Um dia, o Fernando avisou que estava indo para o Aeroporto Santos Dumont e acertamos de nos encontrar ali. Enquanto esperava e falava ao celular, com pasta e papel na mão, eu pensava em como íamos nos reconhecer, pois não tínhamos combinado nada. De repente, vi um homem, nós nos olhamos e, ao mesmo tempo, um apontou para o outro, como se já nos conhecêssemos. Percebemos a sinergia imediatamente. Almoçamos juntos, ele contou seus planos, gostei da ideia e, ainda naquele dia, resolvi aceitar.

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“Vir para a Alpargatas talvez tenha sido uma das mais relevantes decisões que tomei na carreira. Eu tinha meu negócio, que ia bem, e vim sem nem saber qual seria exatamente minha função; o Fernando explicava que eu seria um direct report, ou DR, um executivo que se reportava diretamente ao presidente. Mas pouco importava o nome do cargo. O que eu queria era fazer o combinado: ter aqueles desafios para vencer e ganhar tanto para vencê-los.”

Contração e expansão, ser e estar“Na Alpargatas em que ingressei, criamos o programa Ava (Avaliação de Valor Agregado), conhecido informalmente como ‘Adeus, Velhos Amigos’, porque, com ele, foram demitidas muitas pessoas; o número de funcionários encolheu de cerca de 22 mil para 9 mil. Enxuta, a companhia foi revitalizando-se e já apresentou resultado positivo em 1998. A partir daí, só tivemos balanço bom e, hoje, temos 18,5 mil funcionários.

“Iniciamos nossa internacionalização em 2007 e o processo avançou muito, o que os números refletem. A receita em moeda estrangeira da Alpargatas respondia por 1% a 2% do faturamento; atualmente, corresponde a 33%, e o bolo total é incomparavelmente maior.

“Há uma diferença conceitual grande entre exportar, internacionalizar-se e ser global, que, para mim, é traduzida em uma escada. O primeiro degrau é ser líder no mercado interno, e a Alpargatas havia conquistado isso; no segundo a empresa precisa ser exportadora, o que éramos até 2005; o terceiro é tornar a empresa internacional, o que começou a acontecer em 2007; e o quarto degrau, aonde ainda quero chegar, é tornar a companhia global. Estamos em 106 países atualmente, mas isso não é ser global. Precisamos ter ativos relevantes fora do Brasil, ter políticas globais em marketing, finanças, de caixa, de pessoas, práticas e processos.

“Considero que hoje somos uma empresa bastante internacionalizada, com 5 mil funcionários trabalhando fora do Brasil, do total de 18,5 mil, e grande ênfase na Argentina (Buenos Aires) e, depois, nos Estados Unidos (Nova York) e na Europa (Londres, Paris, Bolonha, Madri e Lisboa). Nossas unidades com logística, montagem e distribuição ficam na França, em Marselha, na Provença, e nos Estados Unidos, em Columbus, Ohio. Creio que, por volta de 2015, poderemos ser considerados uma companhia global.

“É desde 2003 que tenho o privilégio de estar como CEO dessa futura companhia global, no meio de um time brilhante. Nunca digo que ‘sou CEO’, e sim que ‘estou como CEO’, porque é importante separar ‘ser’ e ‘estar’. Se eu pensar que sou o CEO, no dia em que não o for mais, posso cair na mesma armadilha do alferes do rei. Conta-se a história de que, por 30 anos, o sujeito foi um dedicado alferes real; todas as manhãs, paramentava-se como tal e, orgulhoso, olhava-se no espelho antes de ir trabalhar. Um dia, ele foi dispensado do serviço. Na manhã seguinte, sem estar vestido como alferes, foi olhar-se no espelho – e não se viu. Não quero que isso ocorra comigo. Quero ser a pessoa que está no cargo de CEO, porque, no dia em que não estiver mais aqui, terei o mesmo orgulho de quem sou.”

Algumas histórias de Havaianas“São muitos os cases de Havaianas nessa escalada que tanto nos orgulha. Um deles foi Havaianas H. Stern, uma versão de R$ 52 mil, comercializada há cerca de oito anos. Fomos procurados pela H. Stern, que queria fazer uma joia inusitada. Pensaram em Havaianas por também ser um produto inusitado, um calçado de borracha, e surgiu o desafio de transformá-lo em joia. Foram criadas três versões com preços diferentes: uma tinha somente uma tela de ouro em cima da tira; outra, a tela e alguns pingentes; e, na terceira, a tela estava lotada de pingentes e alguns brilhantes. O lançamento foi na rua Oscar Freire, em São Paulo, e foi capa de inúmeros jornais internacionais, até o Financial Times, amplificando a percepção de valor de Havaianas no mundo.

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19%66% Alpargatas

BrasilAlpargatas Argentina

Alpargatas EUA, Europa e exportações

Receita líquida consolidada por região (segundo trimestre de 2013) 229

é o número de pares de Havaianas vendidos em 2012

milhões

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“Como negócio, essa iniciativa foi quase insignificante para a Alpargatas. O ouro era da H. Stern, continuávamos trabalhando apenas com uma sandália de borracha. Mas nosso ganho foi imenso no nome e na imagem e, portanto, no valor.

“Outro evento impactante de Havaianas tinha ocorrido antes da Copa do Mundo da França, em 1998. Havíamos criado as Havaianas da Copa, para as quais montamos um novo processo industrial, até hoje existente, que era mais ou menos como fazer um sanduíche com várias borrachas coloridas no solado. Até aquela época, a chave do processo era fabricar alto volume com baixo custo unitário e esse era um caminho oposto, que incluía ainda a colagem manual de uma bandeirinha na tira. Até a caixa remetia à temática da Copa.

“Mandamos essas Havaianas para a França, mas o Brasil perdeu a Copa no jogo final e ninguém mais queria saber daquelas sandálias, que viraram um símbolo da derrota – ser vice-campeão é igual a ficar em segundo lugar em uma guerra. A equipe se reuniu e decidiu reposicionar o produto, trocando o nome,

a embalagem e a abordagem; nasceram as Havaianas Brasil. A estratégia deu certo. Pode-se dizer que o produto que está entre os cinco mais vendidos até hoje nasceu de um erro e da persistência para corrigi-lo.

“Outro produto que nasceu da persistência para consertar um erro foram as Havaianas Slim, lançadas em 2006. Queríamos fazer uma rasteirinha com uma tira perolizada injetada, mas, na produção, ela ficou raquítica e rachava. Depois de muito analisar, mudamos o processo industrial e hoje esse é o terceiro produto mais comercializado da linha.

“Devo acrescentar que vários produtos nossos nasceram de acertos também, frutos de muita inteligência e pesquisa. [risos]”

Educação, uma prioridade“Acredito que a educação formal seja a base de tudo. Mas é preciso entender que, atualmente, ser formado em uma faculdade e falar um idioma não constituem mais um diferencial, como aconteceu um dia. Agora, tudo isso é normal e deve-se estudar muito mais para poder se destacar.

“Na minha casa estabeleço três prioridades claras, que transmito a meus filhos. Primeiramente, que eles cuidem da saúde, fazendo ginástica e check-up regularmente; se adoecerem, que não economizem: vão ao melhor médico e ao melhor hospital. A segunda prioridade é ter formação, cultura: eles precisam estudar na melhor escola e falar dois idiomas além do nativo – minha filha fala inglês e alemão; meu filho, inglês e francês.

Um guia turístico especialO município mineiro de Conceição do Mato Dentro é uma das cinco cidades mais bonitas do mundo, segundo Márcio Utsch. Entre as atrações que ele destaca estão a Cachoeira do Tabuleiro, na Serra do Espinhaço, cuja água cai 273 metros formando um lago que chega a 18 metros de profundidade, rodeado por grandes pedras. Lá em cima, no topo do paredão, há um rio com diversas piscinas naturais, onde é possível banhar-se.

O empresário-guia conta que Conceição do Mato Dentro estava na rota dos portugueses na época da colônia: “Os portugueses chegavam ao Brasil e ancoravam no litoral do Rio de Janeiro. Seguiam até Diamantina, em Minas Gerais, de onde partiam carregados de minérios. Na volta para o litoral, caminhavam por dias e pernoitavam todo dia em uma localidade diferente, construindo um trajeto. Cada uma dessas localidades transformou-se numa cidade – Conceição do Mato Dentro, entre elas. Esse trajeto chama-se Estrada Real”.

“Como negócio, a iniciativa Havaianas H. Stern foi quase insignificante, mas nosso ganho foi imenso no nome e na imagem e, portanto, no valor”

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A terceira prioridade é ser feliz. Eu levo essas prioridades tão a sério que, até hoje, não os deixo pagar por nada disso. Saúde, eu pago; educação é por minha conta também, não tem conversa; e, já que felicidade não se compra, eu banco a comida, para que eles possam saborear o que há de mais gostoso. [risos]

“A educação também é tratada como prioridade aqui na Alpargatas. Desde 2003, temos o Instituto Alpargatas, que oferece programas complementares de estudos e esportes para crianças; prepara professores; reforma escolas em cidades em que a Alpargatas possui algum tipo de operação, construindo bibliotecas, instalando internet. Já beneficiamos 416.000 alunos, 2.300 professores e 309 escolas. É um investimento anual.

“Ficamos em cada município de um a três anos, dependendo da escola e do programa, e nesse tempo vamos capacitando-a para que seja autossuficiente. Quando saímos, ela já tem certa capacitação, com pais e mestres envolvidos, que acabam gerindo a continuação desses movimentos na comunidade. Fomentamos isso porque não queremos criar dependência, e sim autonomia.”

Os tipos de pessoas“Tendo a classificar as pessoas em grandes grupos: as horizontais e as verticais, além das de meio-termo. As horizontais geralmente nascem em famílias com razoável poder econômico e poucos filhos, frequentam boas escolas e faculdades, fazem bons estágios e daí saem para o mundo; meus filhos, por exemplo, são pessoas totalmente horizontais. As verticais nascem sem nada e desde cedo têm de disputar pão e atenção com os muitos irmãos, além de se virar para estudar; eu me considero uma pessoa vertical, por conta da minha origem. A meu ver, esses eixos interferem muito no modo de uma pessoa ser, pensar e falar. As pessoas que ficam no meio-termo combinam a interferência em diferentes graus.

“Minha verticalidade transparece na minha forma de gestão. Circulo bastante pela empresa, paro pouco na minha sala. Vou a reuniões fora, visito clientes, frequento as lojas. Marco encontros de trabalho mais informais nos fins de semana; costumo trabalhar um fim de semana sim, outro não. Tenho grande facilidade em me relacionar com as pessoas, sejam da fábrica ou da sede. Nasci com vários irmãos, sem receber nada de mão beijada, e tinha de me virar.

“Esse estilo de proximidade com as pessoas me define; minha porta está sempre aberta e valorizo demais quem trabalha comigo. Para mim, é assim: um conjunto de pessoas medíocres vai fazer uma empresa medíocre, enquanto um conjunto de pessoas brilhantes fará uma empresa brilhante, contra tudo e contra todos.

“O importante é entender que pessoas brilhantes não brilham em tudo o que fazem. O Senna era brilhante em dirigir carro, o Pelé, em jogar bola, mas, se trocassem os papéis, os dois não brilhariam da mesma forma. Então, a grande sacada é colocar as pessoas certas nos lugares certos – os Sennas nas pistas e os Pelés nos campos. Para mim, esse é o grande segredo da gestão, que, de tão simples, chega a ser simplista e até bucólico. Só que, para conseguir fazer isso, é preciso entender muito de gente. Pelas avaliações, parece que entendo um pouco: as pessoas me acham confiável, inspirador, acreditam em mim, percebem que tenho uma preocupação genuína com a formação.

“Classifico as pessoas em horizontais e verticais. As horizontais geralmente nascem em famílias com razoável poder econômico e poucos filhos. As verticais nascem sem nada e desde cedo têm de disputar pão e atenção. Isso interfere no modo de uma pessoa ser, pensar e falar”

93% de aprovação à liderançaUma pesquisa interna realizada recentemente na Alpargatas indicou dois aspectos reveladores da gestão do CEO Márcio Utsch. No atributo liderança, pesquisado entre os 120 principais gestores da companhia, a percepção é 93% positiva; em cultura e clima organizacional, 86% positiva. Esse resultado é considerado muito acima da média do mercado em geral, não apenas calçadista, e mostra que o investimento em pessoas consiste em um diferencial efetivo. O fato de sua agenda verde, dedicada às pessoas da organização, consumir 40% de seu tempo, enquanto a agenda vermelha, das reuniões de conselho, ocupa 10%, reverte em motivação.

4de pares de Havaianas já foram comercializados de 1962, quando a marca foi lançada, até hoje

bilhões

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“Também sou um profissional que entende tecnicamente do negócio de sapatos, da matéria-prima aos processos produtivos e à distribuição, mas até na questão técnica destaco os relacionamentos. Eu conheço os clientes e os fornecedores, sejam os de matérias-primas, insumos ou serviços. Por exemplo, como grande consumidor de energia elétrica, conheço todos os presidentes das companhias energéticas que atuam onde temos fábrica.”

Brilho nos olhos em primeiro lugar“Quando entrevisto alguém para trabalhar aqui, demoro duas ou três horas na conversa; se os olhos brilham, a pessoa está dentro. Depois, tratamos de encontrar uma função para ela. Já fiz isso várias vezes. Eu participo dos processos seletivos de todas as pessoas do nível que chamamos D+1, ou seja, diretores e gerentes que se reportam aos diretores – no total, 250 pessoas.

“As pessoas com brilho nos olhos geralmente escolheram a empresa em que desejam trabalhar e eu as privilegio. Não acredito em currículos. Neles só há heróis; são iguais a cemitério, onde sempre jaz o melhor pai, o melhor marido, o melhor médico etc. Currículos mentem ou, no mínimo, omitem.

“Quais as características mais importantes em um profissional? Para mim, são garra, talento, rapidez de raciocínio, inteligência [no sentido de informações], prontidão, iniciativa para fazer as coisas, imaginação. Presto particular atenção à capacidade de ir além, que implica sonhar, inovar, ser destemido. O profissional gestor tem ainda de saber descobrir onde está o talento, o que não é fácil. Por exemplo, Vinícius de Moraes era um diplomata, mas seu talento mesmo estava na composição de músicas e na poesia.

“Por princípio, espero inteligência das pessoas. Por exemplo, não tolero ouvir de alguém do RH que não entende de contabilidade. Esse profissional devia ter vergonha de falar algo assim; ele deve entender de tudo.”

Três pilares e um conceito de estratégia“O chavão ‘Atrair e reter talentos’, para mim, é uma bobagem. É preciso escolher pessoas e dedicar-se a fazer com que elas, de fato, caminhem em uma direção e se distingam. Dedicar tempo às pessoas é um dos três pilares da Alpargatas – e meus. “O segundo pilar é o financeiro: a empresa deve ter caixa e, se não tiver, precisa de um balanço muito bom e bem auditado para ir a um banco e levantar recursos, porque boas ideias não funcionam sem dinheiro. Um negócio de gente grande é um jogo pesado de capital, trabalho e construção, e exige um balanço saudável para expandir-se, comprar empresas, internacionalizar-se.

“O terceiro grande pilar é o marketing – e uma empresa como a Alpargatas precisa de marketing. Se fôssemos vender uma sandália Havaianas por R$ 3, a empresa quebraria. Entretanto, os consumidores compram nosso produto porque veem nele valor agregado, não só preço, isso graças ao marketing. Eu me refiro a um marketing verdadeiro, o que só acontece quando há uma história real para contar.

Uma cronologia

1959 • Márcio Utsch nasce em

Conceição de Mato Dentro (MG)

1972• Utsch consegue o primeiro

emprego, como cobrador de ônibus

1973• Ele é contratado pela rede de lojas de departamentos Mesbla, como

office boy. Chega a ser superintendente de compras da empresa, o terceiro nível na hierarquia, e aprende sobre a força das marcas

1989• Utsch assume a

diretoria comercial e de logística da Gradiente Entertainment e enfrenta o desafio de fazer o Brasil jogar Nintendo com o “inusitado”

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“Marketing é assim: se você contar uma história mentirosa, daqui a pouco alguém descobre e a empresa acaba, mas, se deixar de contar uma história verdadeira, ninguém descobre o valor adicionado em seu produto e sua empresa também acaba. Não quero criticar companhias que não têm marcas, mas, como a Alpargatas está inserida no grupo que as possui, o marketing é definitivamente um pilar para nós.

“Vale a pena acrescentar que, para mim, estratégia boa é estratégia velha. Não se pode mudar a estratégia toda hora.”

Quatro agendas: verde, azul, vermelha e branca“Há alguns anos, procuro dividir meu tempo em quatro agendas, porque ele é inelástico e você tem de aproveitá-lo ao máximo. Comecei com agendas de papel e hoje é tudo eletrônico, mas o código de cores permanece o mesmo.

“A agenda verde, na qual anoto compromissos para 40% do meu tempo, reserva-me momentos para pensar no futuro: como vai ser a empresa daqui a dez anos; os mercados, produtos e concorrentes; nossas aspirações e inspirações. A agenda azul, com outros 40% do meu cotidiano, determina os contatos com os empregados, relativos a seleção, desenvolvimento etc. A vermelha, para a qual arbitro 10% do tempo, elenca os compromissos inadiáveis e inegociáveis, como a reunião do conselho e a visita a clientes. Por fim, a agenda branca, que é a pessoal, fica com os 10% restantes do tempo. Nela, constam o que vou fazer à noite ou a viagem para arejar a cabeça. Não venho preenchendo muito a agenda branca, é verdade, mas tenho esse direito.

“Uma coisa que não deixo de fazer é me exercitar. Corro 10 quilômetros cinco ou seis vezes por semana, das 6h às 7h. Jogo bola com amigos; temos uma quadra reservada toda quarta-feira à noite, seguida de um bate-papo com churrasco e cerveja. Adoro esportes aquáticos: nado, esquio, sou mergulhador profissional – até mergulho em apneia algumas vezes, caço o peixe na toca, mas só para comer.”

Ambições e sonhos“Minha principal ambição profissional é fazer a Alpargatas passar de empresa internacional a global. É um salto gigantesco, mas não podemos agir diferente. As grandes indústrias de calçados, esportivos ou não, são globais e crescem cada vez mais.

“Quanto ao sonho pessoal, eu queria poder influenciar a sociedade para que preze o que merece ser prezado, e a ferramenta para isso é a educação. Se possível, educação com senso de empreendedorismo ético. Os jovens são meu foco. Quando o papa Francisco demonstra obsessão pelos jovens, ele está certo.”

Conselhos aos jovens“Acho tudo tão individual que rejeito a ideia de dar conselhos. Os jovens só precisam entender duas coisas: (1) são as pessoas que fazem a diferença e, para fazerem, não consigo imaginar outro caminho que não o da boa formação acadêmica e o do bom conhecimento; (2) sua estratégia é única, para a vida profissional e pessoal, e deve ser duradoura; você não fica nem conectando e desconectando de vida, nem mudando de estratégia.” n

• O executivo funda a Calçados Andar Perfeito, com a proposta de adaptar o sapato ao tipo de pé e ao tipo de andar da pessoa. Calçados vão com manual de instruções e há linha de apoio para as mães das crianças tirarem dúvidas

1997• Utsch é convidado por Fernando Tigre para

ser diretor na Alpargatas em um delicado momento de reestruturação; a marca Havaianas tem, então, só o modelo básico

1994 2003• Utsch assume o cargo de

CEO da Alpargatas; em suas palavras, ele “está” como presidente da empresa

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1998• Utsch e sua equipe começam a

reposicionar as sandálias com cores, propaganda, comunicação interna e no varejo, ações de relações públicas em geral, como eventos, e, especialmente, contatos com formadores de opinião

2013• Nos 100 anos de capital aberto da

Alpargatas, Utsch celebra com a empresa o aumento de 1.431% em valor de mercado nos últimos dez anos

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Está na hora de gamificar?É cada vez mais difícil obter o engajamento de colaboradores e consumidores para ficar à frente da concorrência? Mecanismos de games estão sendo incorporados pelas empresas para vencer esse desafio. O fenômeno, batizado de “gamificação”, é detalhado no relatório Solving business problems with game-based design, da série Technology Forecast, da PwC

Os games estão mudando de status, ao menos entre as empresas: de simples instrumentos de entretenimento, passam a ser impulsionadores de engajamento de colaboradores no trabalho e de consumidores em produtos e serviços, alavancando sua motivação intrínseca. À transposição desses jogos para o mundo corporativo dá-se o nome de “gamificação” e o argumento a favor de adotá-la é simples: se, há décadas, desenvolvedoras de games – de computador, tablet, celular ou console – conseguem fazer indivíduos das mais diferentes idades, estilos e culturas se esforçarem ao máximo para superar desafios virtuais, por que não teriam o mesmo efeito com desafios reais?

Recentemente, o fenômeno da gamificação foi tema de uma edição do relatório trimestral Technology Forecast, da PwC, intitulado Solving business problems with game-based design, que discute as diferentes práticas para inserir games no ambiente organizacional. Com base nas experiências de algumas empresas na área, o estudo, qualitativo, indica que, uma vez que a motivação intrínseca potencial é mais confiável e sustentável para gerar engajamento do que recompensas externas ou punições, o design baseado em games pode ser levado em consideração em qualquer grande iniciativa de tecnologia da informação (TI) em que haja interface com usuários, sejam eles funcionários, clientes ou fornecedores.

Da mesma forma que os simuladores de voo de companhias aéreas com técnicas de games ajudam pilotos a evitar e minimizar os riscos na operação de aeronaves, simuladores empresariais “gamificados” podem facilitar transformações no negócio. Formatos de jogos têm apoiado, entre outras iniciativas,

a implementação de novos aplicativos e infraestrutura, novas abordagens de segurança de TI, análise de dados, gestão de capital humano, aumento do nível de colaboração entre os funcionários ou com fornecedores, treinamento de clientes em um produto recém-lançado etc. Em casos em que o elemento humano possa levar ao fracasso, fazê-lo aprender jogando aumenta a probabilidade de sucesso.

Com a segurança de TI, por exemplo, a gamificação é quase natural, pois a questão já é encarada por muitos como um tipo de jogo de guerra. O design baseado em games pode consolidar a questão da segurança como um jogo pessoal, com a meta de reduzir possíveis ameaças, e os resultados são potencialmente muito bons. O mesmo vale para a análise de dados, área em que criar o engajamento das pessoas para localizar padrões ou objetos “escondidos” – possivelmente também na forma de competição – pode gerar ótimos resultados.

Será, contudo, que a gamificação veio para ficar? Como a tecnologia da informação deve tornar-se ainda mais presente nas empresas, e as pessoas têm de se adaptar a esse ambiente, a gamificação parece ser um meio para obter maior engajamento e produtividade das pessoas. A verdadeira questão talvez não seja, portanto, se a tecnologia dos games veio para ficar no ambiente corporativo, e sim se as organizações serão capazes de sustentar iniciativas de games mediante a atenção dada, cada vez mais fragmentada.

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Seja como for, o relatório da PwC indica que, ao decidir-se pela gamificação, a empresa deve preparar-se bem para implementá-la, o que lhe exige fazer uma espécie de laboratório com o conceito e a tecnologia associados.

A motivação intrínsecaNos últimos 20 anos, as empresas deram muita ênfase a processos e pouca, ou nenhuma, atenção a como os funcionários veem seu trabalho e se sentem em relação a ele. Só que a transformação do mundo corporativo, com mais atividades online dos profissionais, facilitou o estudo de como as tarefas são executadas – e, portanto, de como podem ser aperfeiçoadas.

Também nessas duas décadas, mudou a maneira pela qual a psicologia analisa a motivação: migrou-se do behaviorismo para a autodeterminação. Assim, a motivação intrínseca, que vem de dentro, passou a ser vista como mais eficaz, principalmente em longo prazo, do que a extrínseca, representada pelo sistema de recompensas por tarefas cumpridas e punições por falhas. Por essa lógica, em vez de se esforçar para motivar sua equipe ou seus clientes, um gestor deve ajudar cada um a encontrar a própria motivação.

A motivação e os jogadoresÉ possível entender a gênese da automotivação nos games. O pesquisador da área Richard Bartle estudou os participantes de jogos com múltiplos usuários, em 1996, e sugeriu que existem, basicamente, quatro tipos de jogadores, divididos de acordo com a motivação que os leva a atuar.

O potencial é enorme também no BrasilSempre que associada à motivação para a mudança, a gamificação pode ser útil. Essa é a opinião de Ricardo Neves, sócio e líder da área de tecnologia da informação da PwC Brasil, para quem até os trabalhadores de chão de fábrica podem ser objeto da gamificação – por exemplo, no treinamento ou no acompanhamento do alcance de metas de produção.

“O conceito ainda é novo mesmo nos Estados Unidos, mas seu crescimento já está sendo exponencial: pode-se passar de centenas de milhões para bilhões de dólares em negócios no horizonte de três anos”, avalia, especialmente à medida que a geração Y ganhar mais importância no trabalho e no consumo. Essa perspectiva, segundo ele, aplica-se ao Brasil, onde o uso básico dos conceitos de games ainda se dá em ações de marketing e frentes de expansão como a da educação, com muito potencial de crescimento.

Como exemplo de gamificação brasileira, Neves lembra-se da startup Opusphere, que oferece plataforma com conceitos de games para aumentar o engajamento de funcionários com os serviços, produtos e processos da empresa. Nos Estados Unidos, companhias como Badgeville, Bigdoor e Bunchwall possuem plataformas de tecnologia com diversos projetos implantados.

Para o especialista da PwC Brasil, o processo de gamificação interna deve ser liderado preferencialmente por um profissional com reconhecida liderança e respeito na empresa. “São as pessoas com trânsito por toda a organização, que conversam com todo mundo e entendem os reais mecanismos de motivação.”

Ricardo NevesSócio da PwC Brasil e líder da área de tecnologia da informação

“Killers”Motivados pelo controle sobre outros jogadores

EmpreendedoresMotivados por valor e/ou pela autoestima

ExploradoresMotivados pela busca de conhecimento

SocializadoresMotivados pelas relações com as pessoas

Outros jogadores

Ambiente

Ação

Interação

Fonte: Richard A. Bartle

Matriz 2 x 2: tipos de jogadores segundo a motivação

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A motivação e os games Como um jogo motiva? Por meio de seis recursos básicos: pontos, fases, desafios, bens virtuais, placares, presentes e caridade. A tabela abaixo mostra a interação entre esses mecanismos e os desejos humanos: um asterisco (*) mostra que desejo principal é satisfeito por determinado mecanismo e um bullet (•) indica desejos afetados secundariamente. Cada desejo humano listado é ligado a motivadores intrínsecos mais profundos – como autonomia, competência e vínculo.

Se bem aplicados, esses mecanismos de games podem ser úteis em várias situações corporativas. Como o ambiente empresarial online está se tornando um laboratório para experimentação, de forma similar ao que aconteceu com os ambientes de games, é o momento para testar tais motivadores.

A organização e o processoÉ essencial que o processo de gamificação tenha a colaboração das diversas áreas de negócio envolvidas (RH, marketing, finanças etc.), em atuação ao lado da área de TI, segundo o Technology Forecast, da PwC. Ele sempre deve estar alinhado com os objetivos empresariais e dar apoio a um processo específico, além de buscar entrar na mente dos participantes de modo estruturado.

Essa abordagem começa com a criação de uma hipótese psicológica sobre o engajamento do usuário, a partir de conjecturas sobre as melhores formas de atingir as motivações, interesses e centros de recompensa. Conforme se monitora e refina a solução baseada em games, a hipótese inicial é validada e ajustada para maximizar os resultados.

Na matriz 2 x 2 criada por Bartle, o eixo horizontal determina se o jogador se importa mais com o ambiente a seu redor ou com os outros jogadores, enquanto o eixo vertical define se o jogador tende mais à ação ou à interação. Assim, surgem, nos quatro quadrantes, os quatro tipos de jogadores, que, transpostos para o universo empresarial, correspondem a quatro estereótipos de pessoas, sejam funcionários, clientes ou fornecedores:

• Empreendedores. Obtêm motivação no valor e/ou na autoestima. Num jogo, importa-lhes pontuar e ver o nome no placar; numa empresa, apreciam a competição com outros ou consigo mesmos.

• Exploradores. São motivados pela busca de conhecimento; querem saber tudo sobre um objeto ou área de interesse. Num jogo, vão a todo canto saber o que há lá; numa empresa, o acesso a informações exclusivas resulta em seu engajamento.

• Socializadores. São motivados pelas relações com as pessoas. Num jogo, querem a interação com os participantes; numa empresa, devem poder interagir online com pessoas que tenham metas e paixões semelhantes – e a experiência online deve ser integrada à interação no mundo real.

• “Killers”. Competitivos, são motivados pela possibilidade de dominar os outros. Em qualquer situação, jogo ou empresa, querem ser os líderes da “matilha”.

A tendência num jogo – ou entre os funcionários ou clientes – é haver uma mistura de perfis. Entender as motivações de todos eles é crucial para o sucesso da abordagem.

Fonte: Alexander Kjerulf

Mecanismos dos games

Desejos humanos

Recompensa Status Realização Autoexpressão Competição Altruísmo

Pontos * • • • •Fases * • •Desafios • • * • • •Bens virtuais • • • * •Placares • • * •Presentes e caridade • • • *

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Especialistas em projeto baseado em games entrevistados pela PwC enfatizaram que, se a gamificação for realmente implementada, é boa ideia a companhia ter uma espécie de “diretor de engajamento”, alocado no departamento de TI como uma função permanente, responsável por criar o plano para designs baseados em games e ir ajustando esse plano para que seja bem-sucedido. Esse profissional deve ser alguém progressista e dinâmico, e precisa conhecer o comportamento e as motivações humanas, assim como a cultura da organização. Sua escolha pode ser o primeiro sinal do compromisso do executivo-chefe de informação (CIO) com a gamificação.

Componentes de um projeto baseado em gamesO Technology Forecast identificou ao menos quatro elementos que costumam combinar-se em um projeto assim, seja dirigido a funcionários, a clientes, a parceiros, a fornecedores ou até a fornecedores de fornecedores:

• AEM (modelagem ativa de engajamento, na sigla em inglês): identificação do comportamento das pessoas que a organização busca atingir com o jogo – em especial, descrição de seu perfil em relação a aspectos como engajamento, evolução, colaboração e competição (leia mais sobre o AEM no quadro da página 19).• Contexto empresarial: compreensão dos objetivos da empresa com a iniciativa de game, além dos processos atuais e ecossistemas que serão envolvidos nela.• Ferramentas de tecnologia da informação: arquitetura de TI, plataformas ou sistemas de mensuração e análise das ações.

• Recursos dos games: a experiência abrangente do jogo, incluindo o estilo e o formato da interface com o usuário e as formas de incentivo e recompensa incluídas na aplicação.

Cases de gamificaçãoEm nível mundial, pelo menos três campos de negócios (marketing e branding, treinamento, gerenciamento de comunidade) vêm adotando mecanismos de games com maior frequência, conforme os exemplos a seguir:

• Marketing e branding: AutodeskConsciente das limitações oferecidas pelos demos online, vídeos de treinamento e manuais não interativos no estímulo aos visitantes de seu site, a empresa de software de design 3D Autodesk passou a usar mecanismos de games para dar a seus clientes, de setores tão distintos quanto entretenimento, construção e manufatura, uma experiência mais direta e interativa.

Seu sistema inclui placares, medalhas e outras estruturas básicas para aplicar a gamificação a programas de teste. Os mecanismos de games levam em conta o interesse e o grau de experiência do público, o tipo de mercado e o contexto do produto em questão.

• Treinamento: Electronic Arts (EA)A produtora de games aplicou em seu treinamento interno o que aprendeu sobre games. Sua plataforma de treinamento, chamada EA University, foi criada para usar mecanismos de games que orientassem funcionários de criação e desenvolvimento a respeito de restrições financeiras. Tópicos como orçamento viraram desafios de jogo.

Estruturado como um quebra-cabeça a ser resolvido, em vez de um conjunto de metas a atingir, o game fez com que os participantes competissem usando diferentes estratégias para “vencer o jogo”, que era igual a obter o maior lucro.

• Gestão de comunidades: MicrosoftComunidades de usuários online auxiliam a Microsoft a treinar e a ajudar a resolver problemas de seus clientes. O programa “Most Valuable Professional” (MVP, ou profissional mais valioso), da Microsoft, foi criado para promover o engajamento e reforçar o talento nessas comunidades voluntárias.

Onde entra o jogo? O programa recompensa os usuários mais ativos de forma a acionar seus motivadores intrínsecos – dando-lhes reconhecimento público e mencionando sua atuação positiva.

Pelo menos três campos da gestão empresarial vêm adotando mecanismos de games com frequência, em nível mundial: marketing e branding, treinamento, gerenciamento de comunidade

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AEM, a modelagem ativa de engajamentoA PwC lançou o conceito de modelagem ativa de engajamento (AEM, na sigla em inglês) para facilitar a identificação dos componentes humanos nos projetos baseados em games, mais importantes do que os componentes tecnológicos. Trata-se de entrar na cabeça de usuários e clientes para conhecer suas motivações – e de saber como mantê-los motivados.

A AEM pode ser surpreendente para profissionais com carreiras eminentemente técnicas e para os não familiarizados com a aplicação da psicologia à motivação. Se bem compreendida, contudo, a abordagem se transforma em habilidade pessoal valiosa para um CIO, por exemplo, e é importante também para a liderança da organização.

A metodologia tem sete etapas, que se repetem e devem ser dominadas em cada fase de um jogo:

1. Estabelecer metas e propostas para a iniciativa baseada em games.

2. Confirmar o público-alvo.3. Estabelecer objetivos específicos.4. Desenhar a abordagem (pensar, sentir, aprender).5. Superar obstáculos (estes podem ser processos em uso que

necessitam ser substituídos).6. Entender e criar incentivos.7. Definir a métrica dos benefícios.

Esses sete passos representam a maior parte do trabalho requerido para o projeto baseado em games, já que as ferramentas em si são parte relativamente pequena do esforço. Nessas sete etapas, um mecanismo de feedback ajuda a saber se foi atingida a meta ou o propósito estabelecidos.

Depois da etapa dos benefícios, há uma ligação para a segunda fase, que consiste em ajudar os usuários a mudar para o próximo nível de domínio de um assunto, movidos a recompensas relacionadas com conquista.

Imagine um jogo que vise lançar um produto novo e treinar os clientes nele, constituído de múltiplas fases: a primeira poderia

ser o domínio dos fundamentos relativos ao produto, e as posteriores partiriam desse domínio básico em direção a níveis mais altos de proficiência. Essencialmente, a AEM deve permitir à empresa determinar quantos níveis de maestria o jogo precisa conter, além de defini-los.

O que a experiência ensinaLições valiosas foram compartilhadas pelo Technology Forecast:

• Se a intenção for manter os clientes engajados por meio de uma sequência de games, a AEM deve levar em consideração, em cada jogo atualizado ou novo, os níveis de reconhecimento e progresso de jogos prévios, a fim de evitar perda de interesse por tarefas repetidas. Projetistas de games experientes conhecem esse princípio fundamental e o respeitam em suas criações, sabendo quando incluir novos desafios e quando substituir um game por outro.

• Se, em determinado jogo, for complexo criar níveis de progresso e pensar em recompensas pela superação destes, a experiência mostra que, na maioria das vezes, prêmios intangíveis, como badges, funcionam bem nos jogos empresariais.

• A colaboração estreita, na AEM, entre o CIO e o departamento de marketing (no caso da iniciativa voltada para os clientes) ou a área de recursos humanos (se for uma empreitada interna) permite casar melhor os níveis e as recompensas do jogo com a perspectiva geral da empresa.

• A AEM deve ser parte do contexto corporativo. Isso significa que o CIO precisa ter uma abordagem holística, alinhando o projeto baseado em games com outros fatores da organização, como sua cultura, seus sistemas – formais e informais – de recompensa e reconhecimento, e o que mais estiver acontecendo.

• Como os fatores humanos constituem a essência do projeto baseado em games, é importante que haja crowdsourcing de ideias com o público-alvo, assim como submetê-lo a testes-piloto. Em outras palavras, é melhor ter a opinião direta de potenciais usuários do que tentar adivinhar o que estes pensam.

Gamificação na práticaProjetos baseados em games não geram comportamentos novos nas pessoas; eles são uma forma de alavancar e melhorar bons comportamentos já existentes.

O Technology Forecast, da PwC, destaca, porém, que games tendem a funcionar melhor nas aplicações corporativas quando há eventuais falhas humanas a corrigir e/ou quando a motivação realmente depende do trabalho em questão e não de fatores externos.

Outro alerta feito pelo relatório é o de que o sucesso dos projetos baseados em games depende da combinação

adequada de pessoas, negócios e tecnologia – não basta focar um só aspecto.

Por fim, é preciso levar em conta, ainda, uma limitação da gamificação: ela tende a agregar muito valor, e ter relevância, com profissionais iniciantes em determinados processos, mas dificilmente consegue o mesmo impacto com os experientes.

Tudo isso valerá para o Brasil? Sem dúvida, o hábito é forte aqui. O país tem 35 milhões de jogadores ativos de games, que, somados, jogam 64 milhões de horas por dia. n

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A competitividade do Brasil passa pela melhoria da gestão

Pelo terceiro ano consecutivo, o Brasil caiu em um dos rankings que servem de termômetro da área, o World Competitiveness Yearbook 2013, produzido pelo IMD suíço, e, dessa vez, a queda foi de cinco posições: agora ocupamos o 51º lugar entre 60 nações analisadas, sendo que, em 1997, éramos o 34º país da lista. Na melhor das hipóteses, enquanto os outros evoluíram, nós estacionamos; na pior, andamos para trás.

Quais as razões para um desempenho tão insatisfatório? Costuma-se atribuí-lo principalmente à carga de ineficiências governamentais, mas os gestores de empresas devem satisfazer-se com essa explicação? Acreditamos que não.

A baixa competitividade se verifica ao longo das diversas cadeias produtivas envolvidas, com participantes tanto governamentais como da iniciativa privada, e, assim, “custo Brasil” pode ser mais bem comparado a um “balaio de gatos”, onde encontramos desde tributos excessivos e infraestrutura deficitária até a fragilidade do planejamento de longo prazo de nossas empresas e capacitação insuficiente da mão de obra gerencial.

Com honrosas exceções, ainda predomina em nossas organizações a operação baseada em “tentativa e erro”, o que invariavelmente custa caro, e a conta acaba sendo paga pelo cliente. Falta-lhes método para a análise e a solução dos problemas que surgem

O Brasil continua a cair no ranking de competitividade mundial. Enquanto nossas empresas não avançarem gerencialmente, o problema não será sanado

ao longo do caminho. Como o cliente em nível mundial tem alternativas melhores, minguam as oportunidades de negócios para o Brasil.

O desempenho poderia ser bem melhor se nossos executivos fossem mais bem treinados em métodos de análise e solução de problemas, sabendo identificar e corrigir os 20% de problemas fundamentais que determinam 80% dos resultados indesejáveis. Eles não o sabem, porque nossos profissionais não são preparados para exercer liderança, seja como gerentes ou diretores; eles foram formados basicamente em áreas técnicas.

A incorporação de métodos de análise e solução de problemas tem várias especificidades, mas, de modo simplificado, sustenta-se em três pilares do conhecimento. O primeiro pilar é a definição de metas desafiadoras; são essas que conseguem mobilizar uma organização inteira para que saia da zona de conforto e constituem a força-motriz do aprendizado das pessoas. O segundo pilar remete ao emprego de metodologia de gestão associada a competências. Empregar metodologia significa acionar ferramentas que sejam capazes de garantir o cumprimento das metas – e costurar isso com competências em áreas como fusões e aquisições, tributos, recursos humanos, tecnologia da informação, supply chain e finanças, conforme a necessidade, é grande contribuição ao resultado final. O terceiro pilar é o estabelecimento de um sistema meritocrático, em que se recompense devidamente o atingimento das metas pelos funcionários.

Quando compreendermos que nossa lacuna de competitividade pode efetivamente ser fechada com melhoria da gestão, começaremos a sonhar com uma posição mais alta no ranking do IMD. n

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ensLuís Seixas (esquerda)

Sócio da PwC Brasil e especialista em consultoria de gestão

Ricardo Ribas (direita)Sócio da PwC Brasil, líder de serviços a entidades governamentais e especialista em consultoria de gestão

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entrevista

Mais Japão no Brasil

Como o Brasil poderia atrair maior nível de investimentos de empresas japonesas?De modo geral, o que o governo brasileiro pode fazer – e está fazendo – é tornar nosso país menos complexo e mais atraente para investimentos de empresas, sejam estrangeiras ou brasileiras. Isso significa criar um ambiente mais favorável ao investimento por meio de desoneração tributária, investimentos em infraestrutura, medidas de incentivo econômico, redução dos custos financeiros, transparência e confiabilidade etc. Quanto à atração de investimentos japoneses especificamente, esse trabalho cabe também à nossa embaixada no Japão, que o tem feito principalmente por meio de eventos e do estabelecimento de contatos com empresas que nos procuram e que procuramos. No que diz respeito a eventos, em maio de 2012, por exemplo, realizamos um ao qual compareceram mais de 500 pessoas interessadas em investir no Brasil. Também fazemos eventos em parceria com entidades como a Jetro [Japan External Trade Organization], o JOI [Japan Institute for Overseas Investment], o Keidanren [federação de empresas japonesas].

No que se refere aos contatos, procuramos atender a toda a demanda de informação, ajudando empresas do Japão a organizar suas visitas ao Brasil, sugerindo áreas de atenção, facilitando a busca de parceiros locais. É um trabalho constante e ativo. Um dos nossos focos é a empresa média e pequena que ainda não conhece o Brasil e está sediada fora de Tóquio e da região de Kanto.

O embaixador Marcos Galvão, prestes a ser o representante do Brasil na Organização Mundial do Comércio, faz um balanço do trabalho que realizou à frente da embaixada brasileira no Japão entre 2011 e 2013 com o objetivo de, em médio e longo prazos, elevar o número de empresas japonesas atuantes em nosso mercado

Recebemos e apoiamos delegações do Brasil – faz pouco tempo, estavam aqui representantes dos estados do Rio Grande do Sul e de Goiás e houve apresentação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. O ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, veio ao Japão duas vezes em 2012. O ministro da Economia japonês, Toshimitsu Motegi, esteve no Brasil recentemente, assim como o ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão, Fumio Kishida.

As lideranças empresariais também têm papel importante na divulgação de oportunidades de investimento existentes no Brasil – há um foro que acontece anualmente organizado pela CNI [Confederação Nacional da Indústria] e pelo Keidanren.

O que um empresário japonês deveria olhar no Brasil?Se eu estivesse no lugar de um empresário japonês, um dado fundamental que olharia no Brasil é o aumento do consumo. Olharia tanto para as novas frentes de consumo como para regiões do país antes mais atrasadas e que hoje crescem mais rapidamente, como Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

O que o afastaria do Brasil? Falta de segurança?Melhorar nossa segurança pública é um desafio que a sociedade e as autoridades brasileiras enfrentam. O Japão é privilegiado por ter baixo índice de criminalidade, mas esse é um problema que afeta muitos países, não só o Brasil. A expectativa é que esse quadro evolua favoravelmente ao longo do tempo, com a melhora da condição de vida de nossa população, o aumento da capacidade de aparelhar e treinar nossas polícias e o melhor funcionamento do Poder Judiciário.

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A distância cultural pode ser um entrave? Eu, infelizmente, não falo japonês; cheguei aqui com essa deficiência. Essa é uma evidência de que há diferenças culturais entre o Brasil e o Japão. Por outro lado, eu diria que nós nos conhecemos – por conta de mais de um século de imigração japonesa ao Brasil. Minha sensação, e a de minha equipe, é a de estar em um país cujas regras básicas mais ou menos domino. Assim, a distância cultural não chega a ser um obstáculo à ampliação dos negócios entre os países; ao contrário, pode até funcionar como incentivo.

As relações entre Brasil e Japão são singulares e quem está de fora deve ter dificuldade de entender como dois países aparentemente tão distintos, e situados em polos opostos do globo, possuem tanta intimidade. Por exemplo, se um turista europeu ou asiático aterrissar no dia do Carnaval de Asakusa, em Tóquio, não vai entender rigorosamente nada. É um evento japonês, com poucos brasileiros, mas é um evento fundamentalmente brasileiro, com desfile de escolas de samba na linha do que acontece no Rio de Janeiro.

Em outras palavras, a diversidade japonesa é uma diversidade que conhecemos bem. A nação brasileira não existe sem os nipodescendentes. Eles são parte integrante e indissociável de nós.

Porém, historicamente, o empresariado japonês investe muito mais em países asiáticos como a China...É perfeitamente compreensível que isso aconteça, não só pela proximidade geográfica, mas pelo extraordinário crescimento que as economias asiáticas tiveram nas últimas décadas. Não

nos vemos como alternativa à China, que é a segunda maior economia do mundo. O que achamos é que, no Brasil e na América Latina, há espaço para presença maior das empresas japonesas. Falando de investimento direto, se há mais de 20 mil empresas japonesas na China, no Brasil elas estão na faixa de 200 a 300. Ou seja, existe espaço para crescer e há sinais de que estamos caminhando nessa direção.

Que sinais?O número de empresas japonesas presentes no Brasil vem subindo. Um dos indicadores disso é o aumento dos membros da Câmara de Comércio e Indústria Japonesa do Brasil, em São Paulo: novas empresas japonesas se associam à câmara todos os anos. Além disso, verificamos que não são mais apenas as grandes empresas japonesas que vêm para cá, mas também as médias e as pequenas que já trabalham com as grandes no Japão.

Como o senhor avalia a atratividade relativa do Brasil em face de concorrentes como a África do Sul? Tenho de destacar, por exemplo, o peso relativo da economia brasileira, que é a sétima maior economia do mundo, e seu desenvolvimento, seu dinamismo e a extraordinária transformação social e crescimento do mercado de consumo brasileiro, com todos os índices de desenvolvimento humano e progressos feitos na área social.

Em um mundo onde, cada vez mais, o êxito econômico passa também pela presença e atuação internacional das empresas e dos países, o Brasil e o Mercosul são objetos de interesse naturais.

Desconstruindo o embaixador Marcos GalvãoMarcos Bezerra Abbott Galvão está deixando a embaixada brasileira no Japão, que assumiu em março de 2011, para ser o representante do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) e em outras organizações econômicas sediadas em Genebra, Suíça. Vivenciando, com menos de dois meses no cargo, um Japão duramente atingido por terremoto e tsunami, e com vazamento na Usina Nuclear de Fukushima, ele apoiou, entre outras iniciativas, a criação do Movimento Brasil Solidário, projeto da comunidade brasileira local. Notabilizou-se, no entanto, principalmente por seu trabalho de promoção de negócios e da marca Brasil no país – abordado nesta entrevista – e passa o bastão da diplomacia em Tóquio neste mês de outubro ao diplomata André Corrêa do Lago.

Graduado pelo Instituto Rio Branco e com mestrado em relações internacionais pela American University de Washington, Galvão iniciou sua carreira diplomática em 1980. Ocupou várias posições no Itamaraty, na subchefia de gabinete e como porta-voz do ministro das Relações Exteriores, inclusive, e nos ministérios da Fazenda e do Meio Ambiente. Desde 2008, vinha destacando-se como secretário de Relações Exteriores do Ministério da Fazenda, em um momento de acentuada internacionalização da economia brasileira.

Marcos GalvãoEmbaixador do Brasil no Japão até outubro de 2013

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Gostaríamos de saber como o senhor analisa os investimentos que vêm sendo feitos por empresas japonesas no Brasil e, especialmente, o caso da Kirin, que adquiriu a Schincariol, em uma negociação fora dos padrões japoneses, por ter antes se associado como minoritária visando aprender sobre o mercado. Há duas tendências importantes: uma de aumento de empresas japonesas que querem investir no Brasil, retomando o que aconteceu nos anos 1970, e outra de diversificação dos setores em que os investimentos ocorrem, não apenas com foco em recursos naturais, mas em áreas como geração de energia, farmacêutica, bens de consumo, setor financeiro, indústria automobilística. Esta já tinha voltado a investir no Brasil nos anos 1990, mas agora aumenta seus investimentos, com mais empresas da cadeia de produção automotiva.

Também vejo as companhias japonesas atuarem tendo mais em mente a inserção do Brasil em várias cadeias de produção, como a do Mercosul; montadoras japonesas são um exemplo disso e dividem suas operações entre Brasil e Argentina, com uma subsidiária complementando a outra. As pequenas e médias empresas que trabalham com as gigantes japonesas também estão se instalando no Brasil.

Quanto ao caso da Kirin, empresa de bebidas, creio que ele só confirma a questão da diversificação. Ou seja, a enorme expansão do mercado consumidor brasileiro foi percebida pelas empresas japonesas, gerando uma diversificação de investimento em direção ao atendimento da nova demanda existente.

Um potencial enorme, por Eduardo LuqueDe tudo que as empresas do Japão investiram no mundo em 2012 –segundo dados oficiais da Japan External Trade Organization, US$ 122,3 bi lhões –, 3,5% vieram para o Brasil. Isso equivale a US$ 4,1 bilhões (valor que mantém a média dos últimos sete anos). Se somada a América Latina inteira, em 2012, ainda não se chega a 10% do investimento externo direto japonês. É pouco para o tamanho desses mercados, principalmente tendo em vista as relações culturais históricas entre Brasil e Japão por conta do movimento imigratório – afinal, São Paulo costuma ser apontada como a maior cidade japonesa fora do Japão, onde os restaurantes de sushi são tão populares quanto as pizzarias e cujo bairro da Liberdade parece fazer ligação direta com Tóquio.

Se observarmos o total do estoque de investimento estrangeiro no Brasil, os aportes do Japão representam em torno de 5%, o que até é mais razoável, porém fica claro que há um enorme terreno para crescer. Como isso pode ser feito? A atuação de Marcos Galvão à frente da embaixada brasileira em Tóquio mostrou os caminhos, priorizando inovação, tecnologia e produtos de maior valor agregado, sem deixar de lado as commodities, e buscando atrair empresas pequenas, médias e de localização geográfica menos central. Isso foi feito com a promoção de uma avalanche de eventos, contatos e parcerias, e utilizando o apelo de um mercado consumidor expandido. A expectativa é que esse trabalho seja continuado.

Qual o principal motivador do esforço do Brasil em atrair empresas japonesas? É a possível transferência de tecnologia e inovação para nós? Empresas japonesas investem com sentido de longo prazo; isso as distingue e interessa a todos os países. Agora, de fato, as áreas de tecnologia e inovação são a prioridade de atuação da embaixada na área econômica, porque o Brasil enfrenta um desafio de competitividade – o governo fala constantemente nisso, adotando seguidas medidas para melhora de nossa capacidade tecnológica.

Tanto que isso envolveu esforço na área educacional, como o programa “Ciências Sem Fronteiras”, do qual o Japão se tornou parceiro, que corresponde ao envio de até 100 mil estudantes das áreas de tecnologia, engenharia, entre outros cursos, para estudar no exterior.

Empresas japonesas investem com sentido de longo prazo; isso as distingue. Suas capacidades de inovação e tecnologia também são prioridade para o Brasil

Eduardo LuqueSócio da PwC Brasil e líder do Japan Desk

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Também queremos que as empresas japonesas transfiram conhecimento para parceiras brasileiras. Ocorre que as empresas japonesas são conhecidas por sua cautela: examinam seus investimentos em relação a perspectivas e a aferição de retorno.

Essas parcerias ganha-ganha em prol de inovação são realmente possíveis? As empresas brasileiras dizem que isso é dificílimo. Será que a sina do comércio entre o Brasil e o Japão não é continuar sendo fortemente apoiado em commodities? Acho que temos de continuar a ser um país exportador de commodities, sim, cada vez mais. Não há problema nisso; trata-se de uma vocação nossa e o Japão é um grande demandante desses produtos. Abrimos o mercado japonês para nossas mangas alguns anos atrás, estamos em um esforço de quase oito anos para conseguir a abertura para nossos suínos e isso deve continuar. Conseguimos, no início deste ano, acesso ao mercado japonês de suínos.

Mas, sendo talvez pela primeira vez não muito diplomático, eu diria que não é verdade que as empresas brasileiras já tentaram o suficiente na frente de inovação e tecnologia; não tentaram. Algo que testemunhamos aqui é que não há, por parte das empresas exportadoras brasileiras de algumas áreas, o esforço correspondente à relevância econômica do Japão como mercado. Evidente que elas terão suas razões e estimativas de custos para não fazer esse esforço.

O que nos cabe é recordar aos exportadores brasileiros a importância do mercado japonês. Por exemplo, design, produtos de luxo, moda e joias são áreas em que o Brasil é desenvolvido e respeitado no mundo inteiro, e a maioria das empresas brasileiras presentes em grandes centros econômicos mundiais nesses segmentos ainda não está no Japão. Por quê? Difícil entender isso. O aluguel do metro quadrado em Tóquio é caro? Essa não é razão suficiente.

O senhor acha que o exportador brasileiro faz as contas e acaba perdendo interesse em vir ao Japão?Estamos saindo de um período de quase duas décadas com pouco dinamismo econômico no Japão e a percepção mundial talvez ainda seja essa. Porém houve uma transformação nos últimos meses no Japão: aumentou a visibilidade do país no noticiário internacional, com a nova e redinamizada política econômica japonesa, chamada Abenomics.

Queremos lembrar as empresas brasileiras de que o Japão é a terceira economia do mundo, primeiro ou segundo maior mercado consumidor de produtos de luxo, em que o custo de transporte é menor por definição. Isso significa que a distância geográfica importa menos nesses segmentos.

A recuperação da economia japonesa, com a consequente aceleração do consumo no Japão, cria oportunidades para produtos brasileiros, sejam produtos já estabelecidos no mercado japonês ou novos produtos nas áreas de moda, móveis ou consumo. Acho que é o momento de convocar as empresas brasileiras a abrir de novo seus olhos para o Japão.

Qual é a força das marcas japonesas junto ao consumidor brasileiro? É inseparável, no caso do Brasil, a presença das marcas japonesas da própria projeção do Japão por conta da imigração japonesa. Posso dizer que a opinião pública no Brasil tem visão positiva do Japão e dos japoneses. Se as marcas japonesas já são objeto de respeito em todos os lugares do mundo, no Brasil esse prestígio é acentuado pelo prestígio que desfrutam os japoneses. Na minha condição de embaixador, tenho de evitar fazer publicidade de empresa, mas sabemos que há várias marcas do Japão que se destacam e são respeitadas em nosso país e mundialmente.

Qual é a possível força de empresas brasileiras no mercado japonês? Ocorre que o Japão é o quinto principal destino das exportações brasileiras. Mas o Brasil precisa se esforçar mais para ter força, com o perdão da redundância. As exportações brasileiras para o país estão muito concentradas em um número pequeno de produtos – em geral, commodities como minério de ferro, carne de frango, suco de laranja, alumínio, café etc. Agora, por exemplo, abriu-se o mercado japonês para carne suína de Santa Catarina e o Japão já é o maior importador mundial desse produto. Essa é uma notícia importante.

Cabe às empresas brasileiras, com o apoio do governo, tentar diversificar a natureza de nosso comércio. Precisamos ser mais agressivos na busca de criação de mercado no Japão para produtos como móveis, design, moda, joias etc. Somos fortemente associados, no imaginário japonês, a música e esportes, por exemplo. Temos de traduzir essa percepção, que me parece de simpatia pelo Brasil, na capacidade de criação de mercado para produtos brasileiros industrializados, produtos de maior valor agregado e mais sofisticados.

Do que o senhor sentirá saudade no Japão?O que impressiona a mim e a todos os brasileiros que visitam o Japão são a civilidade, a cortesia, a conduta em relação ao patrimônio público, o zelo para com as instalações públicas, a limpeza, o respeito com que as pessoas se tratam, a ausência de conflitos sociais abertos. Aqui eu nunca vi, por exemplo, uma discussão de trânsito acalorada, como se vê em qualquer lugar do mundo. n

US$ 4é o investimento direto médio do Japão no Brasil entre 2006 e 2012

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Farmacêuticos: a inovação que falta no Brasil

Um líder da indústria farmacêutica, dois acadêmicos e um membro do Ministério da Saúde discutem razões e soluções para a lacuna de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no mercado farmacêutico brasileiro

O princípio ativo de um dos medicamentos mais utilizados em todo o mundo para o controle da hipertensão foi descoberto pelo pesquisador brasileiro Sérgio Ferreira, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, que o desenvolveu a partir do veneno da jararaca. Poderia ter sido um começo promissor para a indústria farmacêutica nacional, mas não foi o que aconteceu. Todo o desenvolvimento comercial deu-se em um laboratório multinacional, o que se verificou repetidas vezes depois e é a regra até hoje.

Pode-se afirmar que a inovação em fármacos é virtualmente inexistente no país, apesar da capacidade de nossos cientistas, do potencial de nossa biodiversidade e, claro, das necessidades de nossa população – uma vez que “a necessidade é a mãe da invenção”. De quem é a responsabilidade por isso? Do governo federal, que cobre de burocracia – e, portanto, de complexidade e lentidão – todas as suas intervenções na área, do registro de patentes às aprovações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)? Das empresas, que não querem saber de correr riscos para inovar? Das universidades, que rejeitam parcerias empresariais e a própria ideia de lucro?

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Para encontrar respostas, CEO Brasil conversou com quatro especialistas na área a fim de mostrar as diferentes perspectivas sobre o tema: o representante do governo Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde e coordenador da Política de Indústria e Tecnologia na área de Saúde; Antônio Britto, presidente da Interfarma, a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa; e os professores Décio Mion, chefe do Centro de Pesquisas Clínicas do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e Gerson Pianetti, diretor da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Como vocês situam o Brasil no cenário internacional de inovação farmacêutica?Prof. Carlos Gadelha – O quadro ainda não é ideal, mas precisamos ver o filme e não a foto. Vim da Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro] e posso testemunhar: há 30 anos simplesmente não existia no Brasil parceria entre pesquisa e indústria; hoje há mais de 30 parcerias só na Fiocruz.

Outro número é relativo à participação brasileira na produção científica mundial, que vem aumentando de 1% a 2,7% ao ano nos últimos anos, um crescimento superior ao do PIB mundial. Detalhe: 35% dessa produção é voltada para a saúde.

Antônio Britto – Certamente, o Brasil ainda não tem lugar importante no cenário da inovação farmacêutica mundial. Isso acontece porque as ilhas de excelência em conhecimento de saúde do país, como universidades e hospitais, estão

descoladas da iniciativa privada. Já produzimos muitos doutores e inúmeros papers, mas não transformamos esse conhecimento em riqueza.

Prof. Décio Mion – A inovação em fármacos ainda não existe no país. O Brasil não está preparado para inovar nem em termos de mão de obra, nem em infraestrutura, e muito menos em cultura para criar um medicamento que seja capaz de mudar os rumos de uma doença.

Quem é o maior responsável por isso?Britto – A universidade no Brasil sempre esteve muito preocupada com a pesquisa de base e a iniciativa privada brasileira nunca quis assumir riscos. Ou seja, a universidade era fechada à inovação e a iniciativa privada, fechada ao risco.

Mion – Isso ocorre porque, no Brasil, a universidade tem duas peculiaridades: é voltada para a produção acadêmica – não para o desenvolvimento de produtos – e se baseia em um modelo no qual os pesquisadores é que determinam a linha de pesquisa que vão desenvolver.

Nos Estados Unidos, ao contrário, as instituições costumam ter uma diretriz; vão buscar em várias partes do mundo pesquisadores para integrar seus quadros a fim de se tornarem superespecializadas na área a que se dirigiram. Aqui, faculdades são conjuntos de pesquisadores interessados em transformar seus estudos em papers e publicações científicas, muitas vezes sem conexão direta com a demanda social, e muito menos com os interesses da indústria.

Os processos são morososNo Brasil, se uma empresa decidisse produzir um medicamento desde o ensaio em laboratório, passando pelos testes com animais, até a última fase da pesquisa clínica, com seres humanos, a burocracia e a lentidão do sistema de aprovação de cada etapa pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) fariam com que tivesse de investir cerca de dez anos nisso.

Hoje, a pesquisa farmacêutica de novos medicamentos praticamente inexiste no país – há muitos casos de transferência de tecnologia e de criação de genéricos, mas não de inovação. Mesmo na participação em pesquisa clínica, normalmente feita por meio de uma parceria entre empresa e hospital universitário, o quadro não é animador. O processo

de aprovação da Anvisa a isso é imprevisível, não levando menos do que seis meses.

Em geral, os grandes centros de atendimento participam de pesquisas mundiais na fase dos estudos que acompanham de 5 mil a 10 mil pessoas por um período mais longo e fazem comparações com placebos – e esse também é o caso do Brasil. Quando um laboratório farmacêutico chega a essa fase, convida centros de todo o mundo para selecionar pacientes para testar o medicamento. O que muitos especialistas afirmam é que, até que a Anvisa tenha autorizado a participação dos pacientes brasileiros, muitas vezes o prazo dado pelo laboratório já se esgotou e as vagas foram preenchidas por outros países.

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Prof. Gerson Pianetti – De um lado, as empresas que atuam no Brasil estão mais preocupadas com a reprodução do que já existe do que com inovação. De outro, a universidade tem viés acadêmico, preocupada com a pesquisa e a orientação de teses sem perfil inovador. No meio, o processo de desenvolvimento de um fármaco até a patente pode levar mais de dez anos no Brasil; é demorado demais.

Gadelha – Apesar de termos tanta produção científica, boa parte ainda se mantém como paper e não vira produto. Mas já foi bem pior. Embora não estejamos na situação ideal de parceria entre universidade e setor produtivo, estamos em um momento de transição importante. A responsabilidade também é dos governos, que não mexeram no problema.

Isso está mudando?Gadelha – Sem dúvida! A pesquisa e a inovação em saúde são prioridades da política nacional de inovação e fazem parte de vários programas do governo, entre os quais o Brasil Maior e a Política Nacional de Saúde, que é coordenada pelo Ministério da Saúde. O ministério estimula não só o desenvolvimento de produtos, mas também de processos. A direção política é clara no sentido de facilitar a parceria entre universidade e indústria. No entanto, quando se começa a mexer em determinada situação, passam a surgir o que chamo de “bons problemas”, questões que não existiam enquanto nada estava sendo feito.

Também se nota uma mudança de cultura nos últimos 15 anos, a favor da aproximação entre universidades e empresas. Agora, temos de estreitar esses laços sem perder o DNA acadêmico. A pesquisa básica é nossa galinha dos ovos de ouro.

Em julho último, o governo federal lançou uma série de parcerias entre laboratórios públicos e privados para a produção nacional de 14 medicamentos biológicos voltados para questões sérias de saúde pública que exigem remédios de alto custo, como câncer de mama, leucemia, artrite reumatoide, diabetes, além de produtos oftalmológicos, um cicatrizante, um hormônio de crescimento, uma vacina contra alergia.

Esses medicamentos serão adquiridos pelo governo para o SUS [Sistema Único de Saúde] e vão gerar R$ 1,8 bilhão por ano de compras públicas. Assim, a população não fica sem o medicamento importante caso ele não seja mais viável economicamente para a empresa. São 17 laboratórios privados que vão transferir tecnologia para oito laboratórios públicos – cada laboratório privado terá uma fatia das vendas do medicamento ao ministério conforme sua capacidade de produção, estimulando a concorrência para reduzir o preço e o prazo de transferência de tecnologia.

Britto – Sim, hoje isso está mudando, por duas razões. A primeira é externa: não há lugar no

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“O Brasil não está preparado para inovar nem em termos de mão de obra, nem em infraestrutura, e muito menos em cultura”

Décio Mion Professor livre-docente, chefe do Centro de Pesquisas Clínicas do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

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pódio para quem não inova. A segunda é interna: tanto universidades como empresas começam a alterar seu comportamento em relação à inovação. Estamos em uma etapa de transição e já vemos esforços interessantes nesse sentido. Sou otimista e acredito que a mudança virá com o tempo. Mion – Nos últimos anos, o Ministério da Saúde tem estimulado o desenvolvimento de tecnologia na área de saúde agindo em áreas específicas segundo a demanda de saúde pública do país.

Eu também destacaria o que vem acontecendo na universidade, que já deu um grande passo e nos deixou hoje bem mais preparados para participar dos estudos clínicos com grandes empresas.

Pianetti – Um bom sinal foi a forte parceria que houve entre universidades e indústria farmacêutica na questão dos genéricos, pois as empresas precisavam de uma validação de seus medicamentos. As faculdades de farmácia analisavam os medicamentos genéricos a fim de garantir que a composição era a mesma e que funcionava como os remédios “originais”. As empresas tinham até 2014 para fazer essa validação e a maioria já a fez, contudo; é preciso ver se alguma forma de parceria continuará a existir.

O arcabouço legal e institucional, em sentido amplo, estimula a pesquisa no país – da proteção de patentes aos pontos de contato com a Anvisa?Britto – Quanto a patentes, temos uma lei, de 1996, que coloca o Brasil no mesmo nível dos países mais organizados e civilizados do mundo. Isso significa que ela segue duas premissas: proteger durante algum tempo quem investiu

“Não há lugar no pódio para quem não inova”

Antônio BrittoPresidente-executivo da Interfarma – Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa

na pesquisa e tornar esse conhecimento um bem comum depois de certo tempo. Ou seja, toda patente nasce e tem de morrer.

Houve apenas um episódio de quebra de patente no Brasil, no remédio para tratar a aids, e hoje ele provavelmente não aconteceria. Eram outras as circunstâncias, que iam além da questão específica da patente. De qualquer forma, isso criou dificuldades para o Brasil em nível internacional e ninguém ganhou com isso.

Atualmente há países que são abrigo para os piratas modernos, que querem viver de copiar o que já existe. Mas, pensando no futuro, esse não será o caso do Brasil, que entrará nesse mercado pela porta da frente, não pela porta dos fundos. Na verdade, poucos hoje no mundo não reconhecem que quem dedica uma grande soma de recursos a descobrir algo novo deve ter o direito de comercializar essa inovação. As discussões que existem, e vão continuar existindo, são apenas em relação ao tempo de vigência da patente para que esse esforço seja reconhecido.

Gadelha – Quanto à Anvisa, ela já reformulou o processo de registro de pesquisa clínica, com seres humanos, para que a avaliação das drogas nessa etapa seja mais rápida. O ministério vem lançando uma série de editais para a pesquisa clínica, aliás, em áreas consideradas fundamentais, como cardiovascular e doenças metabólicas [como diabetes], entre outras.

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Porém o arcabouço institucional favorável que estamos construindo vai muito além. Por exemplo, as leis 8.666, de compras públicas, e 12.715, que permite ao governo fazer encomendas de tecnologia, já estabeleceram a base para alavancar a inovação. Ainda falta muito por fazer e há alguns marcos legais que dependem do Congresso para flexibilizar regras e favorecer as parcerias entre universidades e empresas – como as universidades poderem ter retorno melhor sobre

Icesp, uma exceção à regraUma verdadeira mudança de cultura em termos de pesquisa médica começou a ser implantada em 2011 no Centro de Investigação Translacional em Oncologia (CTO), do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). A intenção foi criar um laboratório de pesquisas de ponta, com equipamentos disponíveis para uso de uma equipe multidisciplinar de pesquisadores de toda a Universidade de São Paulo (USP) voltados para o tratamento do câncer. Ao contrário da maioria das instituições de pesquisa brasileiras, portanto, o escopo dos estudos não foi definido segundo o interesse dos pesquisadores, mas por diretrizes baseadas em demandas de saúde pública.

O diretor do CTO e coordenador da pós-graduação em oncologia da Faculdade de Medicina da USP, professor Roger Chammas, explica que o conceito do laboratório foi desenvolvido para que a proximidade fizesse com que a interação entre os pesquisadores fosse além de suas áreas de atuação, que vão da matemática à farmácia, da biologia à veterinária. Foram mapeados os projetos em desenvolvimento ligados à oncologia em toda a USP, nos campi de São Paulo e do interior, e identificados 110 grupos com trabalhos publicados na área; os temas e as tecnologias mais frequentemente usadas foram também mapeados. Com uma fotografia da capacidade instalada em toda a universidade,

propuseram-se ações para apoiar e integrar os grupos. Essas ações estão em fase de implementação.

Por que o nome “translacional”? “Trata-se de um movimento pendular que sai do problema médico, vai para o laboratório e volta para o paciente, com foco na transferência para a saúde pública”, explica o professor.

A organização do CTO também é diferenciada: coordenado por um gestor de pesquisa, que acompanha a implantação de novos projetos, registra os processos e faz a interface com todas as instituições envolvidas, tem um ambiente que mais parece uma empresa de tecnologia do que um laboratório científico – salas informais estão espalhadas pelo andar, com espaços para estimular a criatividade dos pesquisadores. A infraestrutura do CTO foi criada a partir da doação do empresário Carlos Ermírio de Moraes e a intenção é a de estreitar os laços com a iniciativa privada em projetos de melhoria do tratamento e acompanhamento dos pacientes com câncer.

Entre os estudos em andamento está o núcleo de pesquisa da epidemiologia do Papiloma Vírus Humano (HPV), para o desenvolvimento de vacinas, formas inovadoras de tratamento, incluindo a terapia gênica, e formas inovadoras de diagnóstico, como novos biomarcadores e imagem molecular.

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“O foco deixa de ser a importação de medicamentos e passa para a inovação e a geração de biotecnologia”

Prof. Carlos Gadelha Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, coordenador da Política de Indústria e Tecnologia na área de Saúde

sua participação em uma pesquisa e a facilitação da importação de equipamentos para pesquisa –, mas a base está feita.

Mion – Dou um exemplo: em um projeto de pesquisa clínica, a empresa procura um pesquisador e a comissão de ética de sua instituição o avalia em um mês. Então, o projeto vai para a Anvisa e para – seu trâmite é imprevisível, mas não leva menos do que seis meses.

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O montante de investimentos é suficiente?Gadelha – É feita uma articulação constante entre o Ministério da Saúde e o da Ciência e Tecnologia e, se formos somar os recursos investidos pelos dois, são da ordem de R$ 250 milhões por ano, apenas em pesquisa para inovação. Se juntarmos com CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e outros órgãos de estímulo à pesquisa científica, o montante pula para R$ 500 milhões por ano. E, se ainda juntarmos com investimentos nas empresas feitos por BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] e o próprio Ministério da Saúde, o resultado é de R$ 8 bilhões por ano.

Mion – Ainda não temos estrutura, em hardware e software, para o processamento dos dados de um estudo clínico, o que seria bem importante. Por isso, é muito difícil que o Brasil centralize um estudo desses, que pode ter 20 mil pessoas participantes.

Qual pode ser nosso maior diferencial? Gadelha – Possivelmente, a biotecnologia. Há pouco, o Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde, que reúne 14 órgãos e ministérios vitais para o desenvolvimento do setor, apresentou uma ação

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“As empresas que atuam no Brasil estão mais preocupadas com a reprodução do que já existe do que com inovação”

Prof. Gerson PianettiDiretor da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais

de governo integrada para promover a educação e a produção no país ligadas à área de biotecnologia. O foco deixa de ser a importação de medicamentos e passa para a inovação e a geração de biotecnologia.

Os medicamentos biológicos são mais eficazes do que os químicos, pois são feitos de material vivo e manufaturados com processos de medicina personalizada e biologia molecular. O Instituto Butantan, de São Paulo, hoje é capaz de produzir tudo, do início ao fim, da vacina de H1N1, depois da parceria com dois laboratórios internacionais.

Britto – Cada vez mais governos e empresas estão firmando compromisso para que as chamadas doenças negligenciadas sejam abordadas. Isso está acontecendo, por exemplo, com a Bill & Melinda Gates Foundation, com a Federação Mundial da Indústria Farmacêutica e com a Organização Mundial da Saúde. No Brasil, porém, essa iniciativa ainda é muito insatisfatória. Podemos nos destacar aí.

Projetando o presente, nossa inovação de fármacos tem futuro? Gadelha – Nós avaliamos que sim, porque o Brasil é o sexto mercado farmacêutico do mundo e o único dos BRICs que tem um sistema unificado de saúde pública, com forte potencial de compra unificada. Sabendo da importância disso, o governo primeiro investiu em reconstituir o mercado para a indústria farmacêutica, com as compras do Estado, que privilegiam a produção nacional.

Tanto há interesse que lançamos 27 parcerias com empresas privadas para o desenvolvimento de produtos com tecnologias inovadoras; quem acreditou nelas está se beneficiando, como Glaxo e Merck, que participaram do desenvolvimento da vacina de H1N1, e Baxter. Esta fez uma parceria com a Hemobrás, um laboratório estatal localizado no semiárido de Pernambuco, para a produção do Fator 8 Recombinante, um medicamento de engenharia genética contra a hemofilia.

Outro indício de interesse é o fato de que já convencemos as duas principais fornecedoras de equipes de radioterapia para tratamento de câncer do mundo a abrir suas fábricas no Brasil, participando dos editais que lançaremos. O SUS vai adquirir 88 máquinas dessas.

Britto – Sim, sem dúvida, pelo tamanho do país e pela qualidade crescente de nossa ciência e indústria. n

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Os últimos cinco anos foram marcados pela implementação de políticas industriais que privilegiaram as empresas do complexo de saúde e biotecnologia, por meio da disponibilização de recursos não reembolsáveis, do estabelecimento de programas governamentais de suporte à internacionalização e de progressos nos mecanismos de interação universidade-empresa. O Brasil criou massa crítica nas áreas de genômica, células-tronco, medicina regenerativa e neurociência, contribuindo para a produção científica mundial. Destaca-se principalmente em dois setores: geração de conhecimento sobre as doenças tropicais negligenciadas, sendo responsável por 20% dos artigos publicados no mundo na área de medicina tropical e 12% em parasitologia; e biotecnologia agrícola.

Porém, com tudo isso, o faturamento do setor se manteve igual, assim como os postos de trabalho ligados a ele. A pergunta que se faz é: por quê?

Embora tenha sido realizado há dois anos, em 2011, nosso estudo “A indústria de biociências nacional: caminhos para o crescimento”, realizado em parceria com o laboratório Biominas Brasil e baseado nas respostas de 103 empresários do setor nas áreas de saúde humana, agronegócios, insumos e meio ambiente, oferece algumas explicações.

Em primeiro lugar, se a inovação – e, especificamente, a criação de produtos e serviços inovadores – é a preocupação principal dos empresários do setor (62,9%), os investimentos em pesquisa e desenvolvimento ainda se concentram em inovações incrementais (66%).

7%7%

13%

73%

Fonte: Pesquisa Biominas/PwC, 2011

Observação: Os valores mais recentes disponíveis são: governo (2002), empresas (2007) e universidades (1999).Fonte: Coordenação-Geral de Indicadores – ASCAV/SEXEC – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

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Universidades e institutos de pesquisa nacionais

Empresas internacionais

Universidades e institutos de pesquisa internacionais

Empresas nacionais

Origem das patentes licenciadas no Brasil

Governo Empresas Universidades

Distribuição de pesquisadores por instituições (%)

Por que as políticas governamentais não estão alterando o quadro por Eliane Kihara

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opinião ceo 31

A inovação disruptiva aparece em segundo lugar (45%), mas empatada com substituições de importações, e não necessariamente remete a uma inovação que crie um novo conceito para o setor. Por exemplo, o uso de tecnologia para a criação de um medicamento para diabetes associado a um aparelho que monitora e avisa a hora de tomá-lo é o que podemos chamar de inovação disruptiva no Brasil.

Assim, apesar da crescente produção científica e dos avanços na formação de recursos humanos qualificados, o Brasil ainda tem fraco desempenho na produção tecnológica. A participação do país no depósito internacional de patentes biotecnológicas é considerada irrisória, 0,45%, ainda que tenha forte crescimento.

Então, o problema são as patentes? De fato, o Brasil enfrenta três problemas nesse aspecto: a demora na avaliação para concessão de patentes (a média é de nove anos), uma legislação restritiva quanto aos critérios de patenteabilidade

(há uma restrição específica a tudo que deriva de organismos vivos naturais, animais e vegetais) e o entrave ao acesso à biodiversidade, o que pode ser o grande diferencial do Brasil. Mas o problema não se limita a isso; outros desafios importantes se colocam: • Ter uma proposta de valor clara. • Fazer desenvolvimento conectado

com a realidade do mercado. • Ter gestão profissional e de

planejamento estratégico nas empresas da área.

• Contar com um processo regulatório mais ágil e um ambiente de financiamento mais inclusivo.

Em termos de políticas públicas, as empresas aprovam as medidas de suporte e incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento, mas, conforme nosso estudo, são necessários o estabelecimento de diretrizes de longo prazo e a garantia da continuidade dessas linhas de pesquisa, o que é considerado uma das fraquezas do ambiente nacional. Outra fragilidade

Biologia

PesquisabiomédicaFísica

Matemática

Engenharia e tecnologia

Terra e espaço

Medicina clínica

Química

Brasil

África

Índia

China

Federeção Russa

Média

Fonte: Relatório Unesco sobre ciência 2010

Especializações científicas dos emergentes –

Brasil x outros BRICs x África (2008)

está na visão geral da cadeia produtiva, pensando também nas fases posteriores à pesquisa, que vão até a colocação do produto no mercado.

Não havendo incentivos para o trabalho no setor privado como há no acadêmico, verifica-se alta rotatividade de pessoas. Resultado: pesquisadores sem visão mercadológica e capacidade de construir business cases e uma inovação que surge, mas não é comercializável.

Eliane KiharaSócia da PwC Brasil e líder de serviços para o setor farmacêutico

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32 ceo entrevista

entrevista

Se o senhor fosse pensar em um único adjetivo para as famílias empresárias brasileiras, qual seria? Progressistas. As famílias brasileiras são muito progressistas. Estão entre as mais internacionais que conheço em seus pontos de vista sobre gestão e governança. Dispõem-se, inclusive, a comparar-se com líderes globais, o que é uma virtude. Suas empresas são mais avançadas do que, por exemplo, as de outros países emergentes, como China e Índia.

Ter pontos de vista progressistas é suficiente?Acho que os brasileiros são, de um lado, muito inventivos nos negócios e, de outro, bastante persistentes. De algum modo, vocês sabem como fazer acontecer, mesmo tendo uma imensa muralha de regulamentações e regras

Famílias progressistas no país do “não”

John Davis, professor da Harvard Business School, assessora empresas familiares brasileiras desde 2000 e, hoje, os clientes nacionais já respondem por um terço da carteira de sua firma de consultoria, que atua em 15 países. Nesta entrevista, o especialista norte-americano combina visão distanciada e conhecimento de causa para afirmar que nossas famílias empresárias em geral são progressistas e conseguem fazer proezas em um ambiente muitas vezes hostil, mas merecem críticas em relação a seu comportamento com as mulheres

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entrevista ceo 33

A cultura determina o tipo de problema enfrentado por uma empresa familiar? Quais são os principais problemas de seus clientes brasileiros?Em geral, cultura e leis nacionais influenciam pouco os desafios cotidianos que os negócios familiares enfrentam – eu diria uns 15%, não mais. A cultura e as leis locais são importantes mesmo na hora de abordar mudanças de comando; aí, sim, elas precisam ser cuidadosamente consideradas. Por exemplo, em alguns países, como na Arábia Saudita ou no Japão, é preciso respeitar muito a hierarquia familiar e ser mais sutil e menos direto ao desafiar a liderança masculina da família. Já as empresas familiares brasileiras são muito parecidas com as norte-americanas nesse aspecto.

Carlos MendonçaSócio da PwC Brasil e líder de serviços para empresas familiares

No Brasil, o desafio está nas pessoas, por Carlos MendonçaO mais recente estudo da PwC sobre family business, realizado em 2012 em 28 países, confirma as forças e oportunidades que John Davis sublinha nesta entrevista: as empresas familiares brasileiras crescem acima da média mundial e planejam continuar crescendo no mesmo ritmo. Em 12 meses, 77% delas registraram expansão, ante 65% na amostra total, e, nos próximos cinco anos, 18% pretendem crescer agressivamente, ante 12% na média mundial.

Isso é ótima notícia, mas elas terão de enfrentar ameaças, comentadas por Davis e também detectadas no estudo. Um de seus principais desafios, por exemplo, é a dificuldade de recrutar mão de obra qualificada, apontada por 45% de nossas companhias.

Entre suas vulnerabilidades, as próprias companhias familiares brasileiras queixam-se de o governo não reconhecer a importância de negócios desse tipo e, portanto, não apoiá-los como, eventualmente, apoia outros. No que tange a sucessão, um dado se destaca: na hora de passar o bastão para a próxima geração, 59% das empresas do Brasil pensam em transferir a “propriedade”, mas não a gestão, diante de 25% na amostra mundial, preferindo ver uma gestão profissionalizada.

restritivas, as quais desencorajariam a maioria dos outros povos. Aliás, talvez seja essa a razão de vocês serem tão inventivos e persistentes.

Certa vez, um empresário brasileiro muito respeitado definiu o ambiente de negócios brasileiro de modo curioso: “Há mais pessoas dizendo ‘não’ no Brasil do que em qualquer outro lugar do mundo”. Ele está certo. Talvez só a Índia se equipare ao Brasil; estive lá recentemente e aquele país também é prolífico em negativas.

Realmente espero que, em ambas as nações, os governos possam aprender a apoiar mais suas empresas progressistas e a tornar-se mais éticos. Sei com segurança que, no Brasil, isso liberaria um potencial tremendo de trabalho.

John DavisProfessor da Harvard Business School e sócio da Cambridge Advisors to Family Enterprise

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Os principais problemas são praticamente os mesmos em toda parte: giram em torno de transições de liderança e propriedade, desenvolvimento da próxima geração, resolução de conflitos e tensões familiares, melhoria de governança na família e na empresa, construção de acordos de acionistas e, por fim, desenvolvimento de estratégias de longo prazo para a família e para a empresa.

Na Arábia Saudita e no Japão, como o senhor disse, a participação feminina requer sutileza. E no Brasil? Nosso país é tido por muitos como machista também, só que de um machismo ocidental. Nossas empresas familiares são progressistas em relação às mulheres?Infelizmente, não. As mulheres brasileiras não são adequadamente encorajadas a seguir carreira no negócio da família. Digo mais: o problema é mais grave no Brasil do que na maioria dos países onde trabalho. Trata-se de uma atitude social que é fomentada em geral, tanto pelos homens como pelas próprias mulheres, ao menos de acordo com minha experiência.

É claro que as mulheres enfrentam desafios particulares, diferentes dos masculinos, como a criação dos filhos. Mas elas representam um recurso de negócios valioso demais para as famílias empresárias o ignorarem. Em um mundo onde o talento é o fator-chave para o sucesso, como alguém tem coragem de deixar metade do time no banco?

O senhor vê forças e fraquezas específicas das empresas familiares brasileiras, diferentes das identificadas nas companhias não familiares?Há diferenças claras entre empresas familiares e não familiares, porém não apenas no Brasil; isso vale para o mundo inteiro. De modo geral, na média, as empresas familiares vivem mais e têm melhor desempenho do que as não familiares. Isso se deve ao fato de que são mais focadas na qualidade de produtos e serviços; trabalham com um horizonte de prazo mais longo no que diz respeito a planejamento, investimentos e relacionamentos; e são um tanto mais conservadoras do ponto de vista financeiro – recorrem menos a financiamentos bancários, tratam de ter maior liquidez e suas demonstrações de lucros e perdas são mais consistentes.

É muito importante ainda o fato de construírem relacionamentos mais leais com seus diversos stakeholders, sejam os funcionários, os clientes, os fornecedores etc. Tudo isso faz com que as companhias familiares sejam mais apegadas a suas atividades e aos mercados em que atuam, o que as ajuda a mobilizar pessoas quando necessário.

Onde estão as vulnerabilidades?Esse apego que mencionei pode ter um lado negativo, que é o de resistir a mudanças. Uma segunda vulnerabilidade se encontra na aversão que as companhias familiares costumam ter a conflitos internos e, consequentemente, na propensão a tratar de modo igualitário os membros da família mesmo quando estes não têm desempenho igualitário.

Se paralisadas por essas tensões, as empresas familiares podem ser incapazes de tomar decisões importantes, o que às vezes mata o negócio. O controle que algumas famílias gostam de ter sobre as mínimas decisões tomadas também tende a ser prejudicial aos negócios, sufocando a companhia.

O senhor mencionou a dificuldade com conflitos internos. E quanto às crises externas à organização? Empresas familiares brasileiras são melhores ou piores do que as outras em lidar, por exemplo, com crises econômicas?De acordo com nossa experiência, elas tendem a ser mais lentas nisso também, esperando que a crise realmente se instale para promover mudanças significativas. De novo, isso não se aplica apenas ao Brasil; vale para todos os países.

Abrir o capital pode ser a solução para obter os recursos necessários, mas inclui custos expressivos – de relatórios legais, compliance, perda de privacidade... Entre as companhias familiares que abriram capital, cerca de metade arrependeu-se de fazê-lo

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Há diferenças gerenciais ou comportamentais significativas entre empresas do Sul e do Norte do Brasil?Não creio. Entre nossos clientes, notamos pequenas diferenças de comportamento regionais, mas elas não afetam realmente o trabalho. Em geral, famílias são famílias e empresas são empresas, estejam onde estiverem.

O senhor já desenhou meia matriz SWOT para as empresas familiares brasileiras. O que escreveria nos outros dois quadrantes, o das “oportunidades” e o das “ameaças”? A cultura social brasileira é bem orientada para a família e isso gera muitas oportunidades em prol da preservação de companhias familiares. O fato de a economia brasileira ser promissora, com tanto por fazer, também proporciona, a essas companhias e às não familiares também, inúmeras oportunidades de crescimento e prosperidade.

As principais ameaças estão, é claro, na trajetória de crescimento lento do Brasil, devido à burocracia, à corrupção, à regulamentação excessiva, à tributação alta, ao déficit educacional. São ameaças para todo tipo de empresa.

Tivemos uma onda recente de abertura de capital entre tradicionais empresas familiares no Brasil. Como o senhor analisa essa mudança?Não sou contrário a empresas irem para as bolsas de valores, mas devo dizer que sou cético. Abrir o capital pode ser a solução para obter os recursos necessários, de fato, e para atender a objetivos como o de liquidez. Isso inclui, no entanto, custos expressivos – de relatórios legais, compliance, perda de privacidade, tempo despendido com analistas etc. Entre as companhias familiares que abriram capital com que venho trabalhando ao longo dos anos, cerca de metade arrependeu-se de fazê-lo. n

Desconstruindo John DavisCom formação em economia, gestão de empresas e psicologia, John Davis é professor da Harvard Business School desde 1996, onde se divide entre o MBA e os programas executivos. Já deu aulas também fora dos Estados Unidos, como no IMD (Suíça), no Incae (Costa Rica), na Universidad Adolfo Ibañez e na Universidad de los Andes (ambas, no Chile) – foi no Chile, aliás, que conheceu seus primeiros clientes brasileiros, a família Sirotsky, do Grupo RBS.

Davis é um ativista dos negócios familiares. Fundou e é vice-presidente do Owner Managed Business Institute, organização internacional que visa educar famílias que administram negócios próprios e realizar pesquisas de ponta na área. Também é membro da Academy of Management norte-americana e da Family Business Network (FBN), coautor do livro Generation to Generation: Life Cycles of the Family Business e sócio da firma de consultoria Cambridge Advisors to Family Enterprise.

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36 ceo artigo

artigo

Revendo o papel de um banco de desenvolvimento

Recentemente, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vem ganhando os holofotes por conta de financiamentos que concedeu a grandes empresas brasileiras, em apoio a operações de fusão e aquisição. Isso acontece há várias décadas, como parte da atuação da instituição em renda variável, mas, em tempos recentes, há uma diferença: mais operações visaram a internacionalização dos negócios.

Até que ponto o BNDES está cumprindo seu papel de banco de desenvolvimento ao promover a internacionalização de grandes companhias brasileiras? Isso integra adequadamente a relação de funções de um bom banco de desenvolvimento? E quais devem ser essas funções?

Sugiro começar a responder às perguntas acima comparando o BNDES com outros bancos de desenvolvimento no mundo, para, em seguida, repassar cada uma das funções que cumpre.

Só o estudo A Global Survey of Development Banks (paper do Banco Mundial de fevereiro de 2012) identificou 90 instituições financeiras voltadas para a promoção do desenvolvimento em 61 países, com distintos níveis de renda per capita, que responderam à pesquisa. Há ainda outras instituições que não responderam ao questionário, além de entidades multilaterais voltadas para o tema, como é o próprio Banco Mundial.

A sociedade brasileira se tem questionado: até que ponto o BNDES está cumprindo sua função ao promover a expansão e a internacionalização de grandes companhias brasileiras? Isso estaria contemplado na principal missão de um banco de desenvolvimento, que é a de viabilizar investimentos que transformem, para melhor, a estrutura produtiva nacional?

Por Marcelo MiterhofBanco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)

Quais são as missões desses bancos de desenvolvimento (BDs)? Eles têm missões diversas. Suas agendas podem envolver ampla combinação de áreas, como infraestrutura (transporte urbano, logística, energia, telecomunicações, saneamento); exportações; micro, pequenas e médias empresas; desenvolvimento industrial e agrícola, incluindo o apoio à inovação.

Em países emergentes, os BDs costumam ser a principal fonte de financiamento de longo prazo – para qualquer tipo de empresa –, provisão de garantias e outros serviços financeiros para infraestrutura, habitação e agricultura. Mesmo em alguns países avançados, em que o mercado privado é capaz de prover as principais necessidades financeiras, os BDs mantêm papel ativo no financiamento de setores estratégicos. Como os BDs contam com fontes de recursos (funding) diferentes, isso implica formas de atuação menos avessas ao risco.

Seja como for, todos os bancos de desenvolvimento – e esse é o caso do BNDES também – visam fazer parte do esforço de uma sociedade de tornar seu país um lugar melhor para viver. Para tanto, ele precisa viabilizar investimentos que transformem a estrutura produtiva nacional, com o objetivo de gerar empregos, inovações, mais exportações, bem-estar social e respeito ao meio ambiente.

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artigo ceo 37

Marcelo MiterhofEconomista e assessor da presidência do BNDES

Bancos de desenvolvimento mundiais e seu peso na economia

Canadá

0,8

0,5

Coreia do Sul

7,3

4,5

Japão

2,9

1,2

BRASIL

10

,4

21

,1

China

11

,7

8,0

Alemanha

15

,8

12

,8Será que o BNDES é maior do que deveria? De fato, sua participação no volume total de crédito do Brasil é desproporcional, como se observa na recente comparação de BDs do mundo feita pela Área de Pesquisas Econômicas do BNDES, reproduzida na figura abaixo. Isso ocorre porque o nível de crédito do Brasil em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) é baixo para os padrões internacionais, o que é sintoma de uma economia com juros altos. No entanto, nota-se que a participação do crédito do BNDES no PIB brasileiro é menor do que a do BD chinês e do BD alemão no PIB de seus países.

Assim, embora tenha suas especificidades, o BNDES é uma instituição próxima de outras que existem em diversos países.

FunçõesFinanciamento de longo prazo em moeda localNão há dúvida de que todo país que busca desenvolver-se precisa de fontes de financiamento de longo prazo em moeda local. Uma captação no exterior envolve risco cambial, o que, sob o regime de câmbio flutuante, eleva o custo do hedge, fazendo com que os financiamentos em moeda estrangeira não sejam apropriados para a maior parte dos negócios.

Carteira/Crédito total

Carteira/PIB

Fontes: Relatórios anuais do Business Development Bank of Canada (BDC), Development Bank of Japan (DBJ), Korea Development Bank (KDB), China Development Bank (CDB), KfW Bankengruppe, Banco Mundial e bancos centrais dos respectivos países

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No caso do Brasil, que possui uma deficiência macroeconômica estrutural no financiamento privado de longo prazo, associada aos juros altos, esse tipo de crédito depende fundamentalmente da atuação de um banco de desenvolvimento como o BNDES. (A deficiência dos juros altos foi minorada nos últimos dois anos, mas ainda não foi resolvida.)

Para o financiamento de longo prazo em moeda nacional, o BNDES pratica a TJLP, taxa de juros de longo prazo, historicamente menor do que a Selic, taxa básica de juros paga aos compradores de títulos da dívida pública, e com algum grau de independência em relação a esta. Críticos do BNDES postulam que, ao fazê-lo e manter fora de seu alcance parte significativa do crédito, o banco faz a política monetária perder tração, o que exige, para um mesmo objetivo de controle da inflação, juros básicos maiores. Em outras palavras, na visão desses críticos, a Selic é alta porque a TJLP é baixa.

O fato é que, ao praticar taxas compatíveis com as do mercado internacional e com a rentabilidade esperada dos negócios, o crédito do BNDES mitiga os efeitos deletérios do contexto de juros altos sobre o investimento. Impulsionar investimentos em elevação de capacidade produtiva, produtividade e competitividade amplia as possibilidades de crescimento sob baixa inflação, conferindo maior grau de liberdade à política monetária. Com esse entendimento, a conclusão é que a TJLP é baixa porque a Selic é alta.

Atuação em momentos de criseComo tem fontes estáveis de recursos, o BNDES consegue atuar de maneira contracíclica quando há alta aversão a risco nas instituições financeiras privadas.

Exemplo disso ocorreu em razão da severidade da crise financeira internacional que atingiu a economia brasileira a partir do segundo semestre de 2008 e exigiu a ampliação da participação do BNDES nas fontes de financiamento do investimento, sobretudo em 2009, quando esta superou a casa dos 50%. Em 2010, a participação, de 27,6%, retornou ao patamar pré-crise registrado em 2007.

Duas medidas foram especialmente relevantes para a ação do BNDES: a criação do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), em junho de 2009, e o lançamento de programas extraordinários de apoio ao capital de giro para empresas.

Com base nesses dois pilares de atuação, que sinalizavam a opção por simultaneamente destravar o crédito de curto prazo e perseguir a retomada do investimento, foi possível ao país suavizar a travessia da crise – como cabe a um banco de desenvolvimento fazer.

Apoio às indústrias mais dinâmicas e à inovaçãoComo instituição pública, o BNDES está aberto a analisar todos os projetos que lhe são apresentados, apoiando os considerados viáveis. Ainda assim, setores que prometem maior dinamismo nos próximos anos naturalmente tendem a ser priorizados, como o complexo industrial da saúde, a energia, a defesa, as tecnologias de informação e comunicação (TICs), os equipamentos agrícolas.

Já o apoio à inovação em geral é prioritário para o BNDES; na última década, foram criados diversos instrumentos para estimulá-la. O banco participou desse esforço por meio de linhas não reembolsáveis e de melhores condições de crédito nas linhas reembolsáveis. Por exemplo, o spread básico associado à inovação é sempre o mais baixo previsto em suas políticas operacionais. O Programa de Sustentação do Investimento também conta com linhas de juros baixos para inovação.

Desconstruindo Marcelo MiterhofMarcelo Trindade Miterhof é economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) desde 2002 e, atualmente, é assessor da presidência do banco. Com graduação e mestrado em economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é também colunista do jornal Folha de S.Paulo, onde tem seus artigos publicados às quintas-feiras, e estuda filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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artigo ceo 39

Os esforços de inovação das empresas brasileiras ainda são incipientes, em especial entre as do setor privado. Porém essa situação está em mudança, em razão da perspectiva de convergência dos juros ao padrão internacional. É provável que, nos próximos anos, a inovação se torne gradativamente uma ferramenta central de busca de lucro pelas empresas brasileiras, e o banco de desenvolvimento terá cumprido seu papel de fomentá-la, assim como o de apoiar o dinamismo produtivo.

Impulso ao mercado de capitaisComo outros bancos de desenvolvimento, o BNDES procura induzir o desenvolvimento do mercado de capitais do país. Sua atuação se dá por meio da compra de participação em empresas que se encontram em diferentes estágios do ciclo de vida, desde o capital semente até as que pretendem abrir seu capital. Nesse caminho, o fortalecimento da governança das empresas que recebem investimento do BNDES é um resultado sensível e, ao conferir maior transparência à atuação corporativa, o banco vem igualmente incentivando a formação de investidores.

O mesmo ocorre quando, nas vendas de suas ações, o BNDES utiliza ofertas públicas para atrair – e incluir – investidores de menor porte, como ocorreu, nos últimos anos, com o PIBB, o primeiro fundo brasileiro baseado em um índice de mercado (o Ibovespa), e com as ofertas de ações do Banco do Brasil, o primeiro grande banco nacional a participar do Novo Mercado da Bovespa.

Suporte à internacionalizaçãoA internacionalização de grandes empresas brasileiras constitui um avanço nos horizontes estratégicos do capital nacional, uma vez que concorrer além-fronteiras exige atender a requisitos

Fonte: BNDES

Fontes de financiamento para o investimento no Brasil (em %)

Média2001-2010

46,7%

25,2%

14,5%

4,8%

8,7%

2001

39%

16%

30%

1%10%

2002

60%

22%

6%2%

10%

2003

49%

16%

30%

0%5%

2004

57%

19%

13%

2%

9%

2005

58,5%

19,5%

10%

2%10%

2006

41,8%

21,2%

5%

15%

2007

49,2%

27,8%

9%

7%7%

2008

44,7%

30,6%

6,1%

15,6%

3,1%

2009

30,7%

52,5%

8,9%

3,7%4,2%

2010

37,6%

27,6%

15,1%

10%

9,6% Lucros retidos

BNDES

Captações externas

Ações

Debêntures

globais de competitividade. Além disso, permite que grupos nacionais tenham acesso a mais espaços de valorização de seu capital, o que aumenta as possibilidades de geração de renda. Não à toa, os países desenvolvidos têm grandes grupos empresariais com atuação mundial.

Quando apoia o posicionamento global de empresas, por meio de empréstimos ou participação em seu capital, o BNDES gera uma série de benefícios para elas e para a economia do Brasil como um todo, tais como: inteligência competitiva, que confere maior capacidade de resposta à dinâmica dos mercados; acesso a estudos e tecnologias de ponta e aplicação destas de maneira uniforme em suas unidades; proteção contra barreiras comerciais ou sanitárias; intercâmbio, desenvolvimento e formação diferenciada de mão de obra.

De modo direto, a internacionalização transforma a estrutura produtiva nacional, exatamente nos moldes da missão de um banco de desenvolvimento, gerando empregos, inovações, mais exportações, bem-estar social e respeito ao meio ambiente.

FuturoCom a queda dos juros para os padrões internacionais, a participação relativa do BNDES na economia brasileira vai paulatinamente reduzir-se. Ele se concentrará, então, em funções complementares ao financiamento privado. O banco tenderá a se especializar em suprir crédito para investimentos que gerem elevadas externalidades econômicas e sociais, mas que tenham riscos mais elevados e perspectivas de retorno privado mais incertas, como são os casos de projetos de infraestrutura e do financiamento às inovações. n

17%

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Ohtake: família empresária e workaholic

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Ruy (à esq.), Tomie e RicardoArquiteto, artista plástica e designer gráfico, além de responsáveis pelo Instituto Tomie Ohtake

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Tomie Ohtake, consagrada há décadas como uma das mais importantes artistas plásticas do Brasil, completa este ano seu centenário de vida. O filho Ruy é um dos principais arquitetos brasileiros, reconhecido internacionalmente e autor de projetos considerados obras de arte arquitetônicas, como o Hotel Unique e o Parque Ecológico do Tietê, em São Paulo. O caçula, o designer gráfico Ricardo, é um mobilizador do design do país, tendo longa experiência de gestão nas esferas pública e privada, o que inclui a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, o Museu da Imagem e do Som (MIS) e o Instituto Tomie Ohtake, entre outros.

Ao longo dos anos, a família Ohtake construiu um family business diferenciado, em que cada um brilha individualmente, mas cuja força aumenta com o coletivo. Uma das explicações para o fenômeno, além da união no almoço de domingo, é o que Tomie chama de “paixão para trabalhar” – “para” e não “por”. Retrato impressionante disso foi a produção, pela artista, de 25 obras – pinturas grandes, medindo de um metro e meio a dois metros – em 15 meses, quando ela tinha entre 96 e 97 anos. “Todo mundo fala que esta família é workaholic. De fato, sentimos necessidade de trabalhar e trabalhamos feito loucos mesmo”, confirma Ricardo.

Maturidade e exemploA explicação para esse modelo alternativo e bem-sucedido de family business pode estar em seu início tardio, que, assim, contou com uma maturidade rara na maioria dos empreendedores. A trajetória dos Ohtake na arte e nos negócios começou com Tomie. Carregando o gosto pelas artes desde a infância no Japão, ela manteve essa vontade de ser artista praticamente adormecida no período em que emigrou para o Brasil, casou e criou os filhos. Somente quando estes já eram adolescentes, perto de completar 40 anos, iniciou sua trajetória artística para valer.

Tomie Ohtake, que completa 100 anos de idade em 2013, é uma das principais artistas plásticas do país e seus filhos, Ruy e Ricardo, são referências em arquitetura e design. Entenda esse family business diferenciado, que mescla independência e interdependência, gestão e empreendedorismo, e se pauta pela “paixão para trabalhar”

As primeiras pinturas de Tomie são de 1952. Quatro anos depois, já era artista em tempo integral, trabalhando das 9h às 18h ou enquanto houvesse luz natural. Sua carreira começou formalmente ao mesmo tempo que a de Ruy, e, naquele momento, Ricardo já fazia seus primeiros trabalhos de artes gráficas.

Dar o exemplo do trabalho cotidianamente aos filhos complementa talvez a explicação. O ateliê da artista sempre foi em casa, o que fez os então adolescentes conviverem, dia após dia, com sua arte, sua forma de trabalhar e seu processo criativo.

Estilos definidos e independentesTomie gosta de dizer que é “uma aplicada operária da arte”. “Tomie enfatiza o lado operário porque cada vez mais se valoriza o lado pensante. Como ela não escreve e pouco fala, todo o seu pensamento se expressa na pincelada, mas ela sempre desenvolveu o lado ‘projeto’, que contém o pensamento”, ressalta Ricardo, que se acostumou a chamar a mãe pelo primeiro nome.

Paulo Herkenhoff, crítico de arte e diretor do Museu de Arte do Rio (MAR), em um ensaio sobre a obra de Tomie Ohtake, afirma que ela enfrenta o desafio de construir um tempo reconciliado entre a sabedoria de uma tradição e a experiência visual do sujeito moderno. “Sua obra parece buscar em nosso olhar um haicai perdido.” Em relação às referências culturais na obra da mãe, Ricardo comenta que a cultura japonesa tem um aspecto zen e outro imperial, que vem da China, e que o lado religioso é mais conciso, sintético, o que sempre levou Tomie a prestar muita atenção às coisas. “No entanto, existe um barroquismo na cultura brasileira que ela, sem ser intencional, acaba colocando em seu trabalho, principalmente a partir de 1990.”

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Os filhos Ruy e Ricardo, por sua vez, desenvolveram características marcantes da arte em suas áreas de trabalho, por influência de Tomie, como o uso da intuição e a coragem para ousar. “Fui aprendendo com Tomie a desenvolver a intuição e sobretudo a acreditar na intuição”, conta Ruy, que também tem Vilanova Artigas e Oscar Niemeyer como grandes mestres. “Um dos desafios mais interessantes é mexer diretamente com a criatividade. Foi muito importante trabalhar tendo como aliada a ousadia, tendo como aliada essa coragem de formular novas questões estéticas para a arquitetura, como, por exemplo, acreditar na arquitetura com cor. Tenho feito muitos projetos introduzindo a cor de uma forma forte, o que chamo de cor de compromisso.”

Empreender, gerenciar e criarO empreendedorismo e a gestão estão no DNA da família Ohtake tanto quanto a criação, como se este fosse uma moeda de três faces. O Instituto Tomie Ohtake, famoso centro cultural da capital paulista, é o exemplo mais bem-acabado disso. O grupo farmacêutico Aché Laboratórios encomendou a Ruy Ohtake o projeto de um complexo empresarial que unisse trabalho, lazer e arte em São Paulo. Também foram os diretores do Aché que sugeriram chamar o espaço cultural de Tomie Ohtake. “Eles disseram: ‘Nós a vimos pintar os primeiros quadros, isso foi muito forte; queremos dar à instituição o nome de dona Tomie’ e passaram a chamá-lo de centro cultural da dona Tomie”, conta Ricardo.

Diante do movimento do grupo Aché, a família Ohtake agregou sua capacidade de criar, empreender e gerenciar. “A construção foi do Aché, mas com o nome e a arte da Tomie, mais a concepção espacial do Ruy, e eu dirijo a instituição há 12 anos. Nosso DNA, forte, foi viabilizado pelo investimento do Aché.” A curadoria do instituto, a cargo de Ricardo, segue uma recomendação especial de Tomie, que mostra uma visão bastante avançada de gestão: “Vocês precisam tratar bem o artista”, o que, transposto para o universo corporativo, equivaleria a tratar bem o parceiro fornecedor.

Equilibrar processos criativos e a gestão dos negócios integra a rotina dos irmãos, o que Ruy define ao modo de um artista: “Nossa rotina é o desafio”. Ele diz que só se considera arquiteto no momento em que lida com o desafio de um projeto, o que é algo constante. Os desafios não são apenas técnicos; englobam cumprir os mais variados compromissos do escritório – em termos financeiros, de cronograma, de relacionamentos e de reuniões. Entre os desafios com que Ruy trabalha atualmente está o aguardado prédio do Laboratório de Inovação e Empreendedorismo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, encomendado pela universidade e pela Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia.

O edifício foi projetado, segundo Ruy, para abrir a mentalidade de nossos próximos engenheiros para uma produção industrial que contenha o máximo de criatividade. “Fomos os vencedores entre oito escritórios de arquitetura. Nosso desafio nesse caso foi elaborar um projeto da melhor qualidade, o mais criativo possível e em um prazo muito curto. É esse tipo de desafio que nos caracteriza como movidos por empreendedorismo.”

Equilibrar processos criativos e gestão de negócios integra a rotina dos irmãos. Ruy o define: “Nossa rotina é o desafio”

Ateliê de TomieA criação em casa é importante

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Ricardo também ressalta a necessidade de fazer bem tanto a parte gerencial como a da criação. “Eu gosto mais do design do que da gestão, mas você tem de fazer a parte administrativa para poder fazer a criativa.” O lado empreendedor de Ricardo manifestou-se quando ainda estudava na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Ele logo entendeu que precisava fazer estágio pensando em aprender técnicas do design e também como era a gestão de um negócio próprio. “Eu queria saber o que tinha de fazer para ter um escritório, quais eram as etapas do trabalho a partir do momento em que recebia uma encomenda, como escrever a proposta e várias coisas que são gestão.” Esse aprendizado o levou a abrir o próprio escritório de design logo depois de concluir o curso de arquitetura.

Negócios com objetivo, arte com objetivoNa pintura, na arquitetura, no design e nos negócios, os Ohtake trabalham na mesma direção: usar o talento para melhorar a qualidade de vida das pessoas nos ambientes de trabalho e residenciais ou nos espaços públicos é um compromisso que os três compartilham. Várias obras de Tomie estão em ruas, parques e estações de metrô, como a escultura em concreto armado pintado com 40 metros de comprimento, comemorativa dos 80 anos de imigração japonesa, na avenida 23 de Maio, em São Paulo. “A obra pública tem uma diferença em relação à arte de museu; se alguém está andando na rua e dá de frente com uma obra sem que estivesse esperando, essa obra tem de conversar com a pessoa”, afirma Tomie.

A arquitetura e o urbanismo de Ruy Ohtake estão ajudando a transformar um dos bairros mais carentes de São Paulo. Em uma década de trabalho com os moradores da favela de Heliópolis, o arquiteto desenvolveu vários projetos, entre os quais um complexo residencial e um polo educacional e cultural. Nos conjuntos dos edifícios que projetou para Heliópolis – chamados pelos moradores de “redondinhos” –, ele mostra como a arquitetura e o urbanismo podem estar a serviço da cidadania. “São apartamentos para a população de até três salários mínimos, a base da pirâmide social brasileira, mas a estética chega até eles; essas famílias conseguem ter uma vida em um espaço digno.”

O complexo empresarial em que está o Instituto Tomie Ohtake pode ser uma inspiração para as empresas, na concepção da família Ohtake. “É preciso fazer com que as cidades proporcionem uma convivência melhor das pessoas, unindo trabalho, lazer e arte, como fazemos no instituto”, afirma Ruy. Ele justifica: “São Paulo foi feita para 1,5 milhão de habitantes e aqui moram 12 milhões, e isso acontece com outras cidades. A qualidade de vida se deteriora. É preciso fazer com que o ambiente de trabalho torne a cidade mais amigável”. n

Almoço de domingoSistema de reunião familiar, em que o trabalho é uma pauta

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A família Ohtake e o mix de criatividade e gestão

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Croqui Hotel Unique

Tomie Ohtake, Sem título, 2009, acrílica sobre tela, 150 x 150 cm

Tomie Ohtake, Sem título, 2009, acrílica sobre tela, 170 x 170 cm

Ruy Ohtake, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, 1995

É preciso ter paixão para trabalhar

(Tomie Ohtake)

Tratar bem o parceiro fornecedor é essencial

(Tomie Ohtake)

É preciso ter um objetivo que valha a pena, como o de fazer com que o ambiente de trabalho ajude a tornar a convivência na cidade mais amigável

(Ruy Ohtake)

Deve-se harmonizar os processos criativos e a gestão dos negócios

(Ricardo Ohtake)

Temos de acreditar na intuição e trabalhar tendo como aliada a ousadia

(Ruy Ohtake)

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Publicações

Sondagem empresarial 2013: A força do Distrito Federal A força de GoiásConsumidores com a maior renda per capita do Brasil inspiram a prosperidade do Distrito Federal; as perspectivas de expansão em setores como o agronegócio e a indústria farmacêutica fazem o mesmo em Goiás. Mas como é, em detalhe, a movimentação dos empresários dessas regiões rumo ao crescimento, com as respectivas expectativas, desafios e vantagens? As respostas são encontradas em www.pwc.com.br/pt/publicacoes/institucionais/assets/sondagem-df.pdf e www.pwc.com.br/pt/publicacoes/institucionais/assets/sondagem-go.pdf.

Breakthrough innovation and growthEssa pesquisa identifica quem está puxando a inovação no mundo – são 359 organizações, 20% do total de empresas investigadas – e fez cinco descobertas-chave: (1) a inovação realmente alavanca o crescimento (as perspectivas de crescer das top 20 são pelo menos três vezes maiores que as das restantes e a receita total adicionada por elas nesse período deve equivaler a US$ 40 bilhões); (2) a inovação se aplica a todos os setores de atividade, não apenas aos ligados a tecnologia, e em todos os países, da Holanda ao Brasil; (3) o modo de inovar está em transição; em vez de se limitar a inovações de produto e tecnologia, agora abrange modelo de negócio, experiência do cliente, sistemas operacionais etc.; (4) predomina entre as top 20 uma abordagem formal para inovar, como se fosse mais um processo da organização; (5) inovar requer decisões difíceis e estratégia bem definida. Leia tudo em: www.pwc.com/gx/en/innovationsurvey/index.jhtml.

Temas empresariais – Capital humanoSe o crescimento dos negócios depende cada vez mais dos colaboradores, como acredita um número crescente de empresas brasileiras, é urgente fazer um planejamento estratégico de pessoas e reposicionar sua gestão, indo muito além da gestão por competências. Essa publicação da PwC Brasil serve de apoio a esse esforço, apontando tendências de mercado relativas a jovens talentos, comunicação, organização, avaliação e remuneração; faz panoramas setoriais e descreve casos empresariais relevantes, como o do McDonald’s, que terceirizou sua área de RH. Baixe a publicação em www.pwc.com.br/pt_BR/br/publicacoes/revista-temas-empresariais/capital-humano-13.jhtml.

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Sondagem empresarialA força de Goiás –2013

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Sondagem empresarialA força do Distrito Federal – 2013

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