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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS ANA LUIZA NEIVA LARA AS NORMAS INTERNACIONAIS DE TRABALHO E A TEORIA INSTITUCIONALISTA. UMA ANÁLISE DO CASO DOS IMIGRANTES NA FRANÇA BELO HORIZONTE 2007

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE

CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

ANA LUIZA NEIVA LARA

AS NORMAS INTERNACIONAIS DE TRABALHO E A TEORIA

INSTITUCIONALISTA. UMA ANÁLISE DO CASO DOS IMIGRANT ES NA FRANÇA

BELO HORIZONTE

2007

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ANA LUIZA NEIVA LARA

AS NORMAS INTERNACIONAIS DE TRABALHO E A TEORIA

INSTITUCIONALISTA. UMA ANÁLISE DO CASO DOS IMIGRANT ES NA FRANÇA

Dissertação apresentada ao curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Belo Horizonte, na disciplina Monografia em Relações Internacionais, como trabalho de conclusão de curso e requisito parcial para obtenção do título de bacharel, sob a orientação do professor Dawisson Belém Lopes.

BELO HORIZONTE

2007

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As opiniões emitidas neste trabalho são de inteira e exclusiva responsabilidade da

autora.

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Dedico este trabalho à todos aqueles que, de

alguma forma, colaboraram com a minha

formação e me presentearam com conselhos e

palavras de incentivos ao longo desta etapa.

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Agradeço aos pais, familiares e amigos pela

paciência e pela presença em todos os

momentos da minha vida. Agradeço aos

professores e, em especial, ao orientador

Dawisson Belém Lopes pelo cuidado e atenção

dedicados.

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Ana Luiza Neiva Lara As Normas Internacionais de Trabalho e a Teoria Institucionalista. Uma análise do

caso dos imigrantes na França.

Monografia apresentada ao programa de bacharelado em Relações Internacionais do UNI-BH

Belo Horizonte, 2007

_____________________________ Dawisson Belém Lopes

(Orientador)

______________________________ Alexandra Nascimento

______________________________ Leandro Rangel

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Resumo Essa monografia utiliza da Teoria Institucionalista para analisar a efetividade do regime de trabalho internacional implantado pela OIT. A influência das Normas Internacionais de Trabalho estabelecidas pela OIT sobre as políticas de trabalho e sobre as políticas de imigração francesas é abordada como estudo de caso para a conclusão acerca da eficiência do regime de trabalho internacional. Palavras chave: Teoria Institucionalista, Normas Internacionais de Trabalho, OIT, políticas de trabalho francesas, políticas de imigração francesas e regime de trabalho internacional.

Abstract This thesis uses the Institutionalist Theory to analyze the efectivity of the international labor regime implemented by ILO. The influence of the International Labor Norms established by ILO towards labor policies and towards French immigration policies is approached as a case study of the international labor regime efficiency. Key words: Institutionalist Theory, International Labor Norms, ILO, French labor policies, French immigration policies and international labor regime.

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SUMÁRIO

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2.1

2.2

2.3

2.4

2.5

2.5.1

2.5.2

2.5.3

2.5.4

3

3.1

3.2

3.3

3.4

3.4.1

3.4.2

3.4.3

3.5

3.6

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INTRODUÇÃO..............................................................................................

INTRODUÇÃO CONCEITUAL E TEÓRICA.............................................

Institucionalização.........................................................................................

As normas......................................................................................................

As abordagens sociológica e racionalista sobre as instituições..........

Tipos de Instituições Internacionais.....................................................

Níveis de Institucionalização Internacional..........................................

Comunidade Epistêmica..............................................................................

Regime Internacional....................................................................................

Organização Internacional...........................................................................

As Normas Internacionais de Trabalho.....................................................

A TEORIA INSTITUCIONALISTA E A SITUAÇÃO DOS

IMIGRANTES NA FRANÇA.................................................................

O fenômeno da imigração...........................................................................

Histórico da imigração na França...............................................................

Histórico das políticas de imigração na França.......................................

A OIT e as Normas Internacionais de Trabalho.......................................

A Declaração de 1998..................................................................................

Convenção 97 da OIT..................................................................................

Convenção 143 da OIT................................................................................

A legislação trabalhista na França.............................................................

Influência do regime de trabalho da OIT na legislação francesa..........

CONCLUSÃO................................................................................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................

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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo considera o processo de institucionalização e as

normas como ponto de partida para o entendimento da instituição. A compreensão

dos tipos e níveis de institucionalização também são inseridas nesse estudo, que

foca os regimes e as organizações internacionais como pontos chave para a análise

da eficiência das NIT´s, promovidas pela OIT.

Posteriormente, será dedicado um maior foco em aspectos estruturais e

operacionais da OIT e das NITs, principalmente na Conveção 97, Convenção 143 e

Declaração de 1998 da OIT. A efetividade dos regimes de imigração da OIT será

analisada por meio do estudo de caso da França. A partir deste estudo de caso,

serão consideradas a história da imigração na França e suas políticas de imigração

e nacionalidade, a legislação trabalhista francesa, além da influência dos

instrumentos da OIT sobre as políticas implementadas pelo governo francês.

Finalmente, serão utilizados os capítulos anteriores como base e

instrumento de análise da eficiência das NIT´s à luz da teoria institucionalista.

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2 INTRODUÇÃO CONCEITUAL E TEÓRICA

Antes de tratar das Normas Internacionais de Trabalho em si, é preciso

entender melhor a teoria institucionalista, o processo de institucionalização, normas,

tipos de instituições, como os regimes e diversos elementos imprescindíveis para o

embasamento de uma posterior análise. Sem dúvida alguma, o conhecimento dessa

teoria estaria completamente limitado se não fossem estudadas as visões de

diversos autores que tratam dessa teoria e das abordagens que compreendem esse

estudo.

A compreensão acerca da institucionalização como um processo é

essencial para que posteriormente seja tratado do processo de normatização, bem

como da abordagem sociológica e da abordagem racionalista e os tipos de

instituições, tais como as comunidades epistêmicas, os regimes internacionais e as

organizações internacionais. Enfim, tais conteúdos serão importantes instrumentos

para uma análise posterior acerca das Normas Internacionais de Trabalho no que se

refere ao trabalhador estrangeiro e à sua eficiência como regime.

2.1 Institucionalização

O termo institucionalização possui algumas variações quanto à sua

definição. Enquanto sociólogos referem-se à institucionalização no sentido de

coordenar e padronizar o comportamento, canalizar numa direção mais do que em

todas as outras que são teoricamente e empiricamente possíveis, como analisa

Ruggie (1998). Douglas North considera que “as instituições são constrangimentos

humanamente criados que estruturam a interação humana”. Segundo North, eles

são formados por constrangimentos formais (regras, leis, constituições),

constrangimentos informais (normas de comportamento, convenções e códigos de

conduta auto-impostos) e o seu reforço de características.

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“Institutions are the humanly devised constraints that structure human interaction. They are made up of formal constraints (rules, laws, constitutions), informal constraints (norms of behavior, conventions, and self imposed codes of conduct), and their enforcement characteristics”. (NORTH, 2003, p.360)

As normas são um instrumento fundamental do processo de

institucionalização, pois estão inseridas em formas de conduta determinantes para a

vida social. A sua presença se faz evidente desde quando a criança aprende a

linguagem a ser utilizada com os seus pais, a forma com que procede com a

professora e a maneira com que é ensinado a portar dentro de uma sala de aula, o

comportamento adotado quando os mais velhos falam até as normas de conduta no

trânsito, traje adequado para entrevistas de emprego e um simples “obrigado”

quando a outra parte faz um gesto de gentileza. Os exemplos descritos são normas

que estão implícitas no nosso relacionamento com as outras partes do meio e que,

de certa forma, facilitam o entendimento de sinais e ações tomadas por cada ator.

2.2 As normas

As normas também estão presentes em convenções, tratados e em

organizações. Esse é um âmbito mais formal em que as normas são positivadas e

em que se determina a forma de conduta dos atores, isto é, padronizam-se os

comportamentos. As organizações são criadas para exercer um determinado papel,

elas representam um determinado número de atores e adotam normas como

instrumento que rege a forma de comportamento dos mesmos. A OMC, OEA, BID,

ONU são organizações que, como todas as outras, possuem mecanismos de

regulação do comportamento dos atores que são criados na tentativa de facilitar o

entendimento entre eles, assim como cumprir com as expectativas do

comportamento esperado (AXELROD, 1997).

Segundo a abordagem evolucionária, norma existe na medida em que um

dado tipo de ação se torna um padrão, e isso depende da freqüência com que uma

ação é tomada e da freqüência com que alguém é punido. A norma começa a entrar

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em decadência a partir do momento em que os jogadores deixam de punir o

desertor. O que funciona bem para o jogador está mais propício a ser usado

novamente, da mesma forma com que estratégias efetivas estarão mais propícias a

serem retidas. Isto é, quanto mais eficiente é o indivíduo, mais provável será a sua

reprodução e sobrevivência. Os jogadores tendem a aprender com o julgamento e o

erro, imitando as estratégias dos que jogam melhor (id.).

Douglas North (2003) enfatiza que o processo de aprendizado envolve

uma estrutura na qual se pode interpretar vários sinais. Essas experiências vão

desde o início da infância quando organizamos as nossas percepções e guardamos

algo em nossa memória em função de resultados analíticos ou de alguma meta.

Todas as categorias e os modelos mentais irão refletir um retorno derivado de novas

experiências: um retorno que irá fortalecer o modelo inicial ou que irá conduzi-lo às

modificações, isto é, ao aprendizado. Dessa forma, esses modelos mentais serão

definidos continuamente ao longo de novas experiências e de contato com idéias de

outros. Ele ainda destaca que as instituições formam a estrutura de incentivo de uma

sociedade e de instituições políticas e econômicas, e que o tempo é a dimensão na

qual o processo de aprendizado do ser humano molda as crenças que indivíduos,

grupos e sociedades possuem e que, assim, determina escolhas que são uma

conseqüência do aprendizado ao longo do tempo.

Existem processos que fornecem métodos específicos para modelar o

mecanismo pelo qual uma norma poder ser apoiada. Conforme Axelrod (1997):

• As metanormas consistem na punição àquele que não pune um

desertor, caracteriza-se como uma extensão do jogo de normas; (id.)

• A dominância pode ser exemplificada pela competição entre dois

grupos, que pode ser modelada através do reconhecimento de que a

deserção de um jogador prejudica só membros de outro grupo e que,

dessa forma, será punido somente por membros do mesmo. A dominância

ocorre quando um grupo possui maior poder econômico-político em

relação ao outro. Exemplo disso são os negros e brancos no sul dos

Estados Unidos; (ibid.)

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• A internalização ocorre quando uma dada norma é fortemente

internalizada, não há incentivo para a deserção e a mesma se mantém

estável (ibid.).

• O retrocesso consiste na percepção de que a punição é custosa em

dadomomento, possuindo ganhos em longo prazo por desencorajarem

deserções posteriores. Quando o governo diz não negociar com terroristas

é um exemplo disso. Ele perderá no primeiro jogo, mas ganhará nos

futuros jogos (ibid.);

• A prova social é o maior mecanismo de apoio às normas, pois o povo

decide qual é o comportamento correto (ibid.);

• A parceria é outro mecanismo fundamental de apoio às normas, pois

ocorre voluntariamente num grupo que trabalha unido para um fim comum.

Ela afeta diretamente a função de utilidade do indivíduo, tornando a

deserção menos atrativa, ela permite pessoas com mentes similares

interagirem umas com as outras e o próprio acordo para formar um grupo

ajuda a definir o que era esperado dos participantes (ibid);

• Muitas vezes, as normas precedem as leis, mas são posteriormente

apoiadas, estendidas e mantidas por estas. Elas são mutuamente

apoiadas e a lei é a formalização do que já tem a força como norma (ibid);

• O último mecanismo de apoio às normas é a reputação. A reputação

pode ser exemplificada quando a violação de uma norma desencadeia um

sinal sobre o tipo de desertor, que contém informação sobre o

comportamento do desertor numa série de situações, o mesmo fica de fora

do grupo (ibid).

Embora dependa de mecanismos de reputação e dominância para que as

normas sejam iniciadas, as normas serão consideradas como tais quando o grupo

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que dita as mesmas predomina sobre os demais ou quando a outra parte tem boa

reputação. Mesmo assim, elas tendem a ser mais facilmente definidas quando

atendem aos interesses de poucos poderosos (ibid.).

2.3 As abordagens sociológica e racionalista sobre as instituições

A análise do conceito legal de Estado soberano e a autonomia do Estado

são elementos que coexistem com a interdependência econômica e estratégica e

que auxiliam na compreensão das condições nas quais as instituições internacionais

atuam e na maneira como as mesmas são criadas. Deve-se entender cooperação

por ações de indivíduos separados ou ações por si só que estejam em conformidade

por meio de um processo de coordenação político (KEOHANE, 1988).

Keohane trata da abordagem sociológica e da abordagem racionalista e

faz uma análise dos pontos fortes e dos pontos fracos de cada uma delas para

definir estratégias multifacetadas e abarcar a questão de interesse (id.).

A abordagem sociológica enfatiza o papel das forças sociais e do impacto

de práticas culturais, normas e valores que não são derivadas do cálculo de

interesses. O entendimento da forma como as pessoas pensam sobre as normas e

regras e o discurso adotado é uma maneira importante de avaliar tais normas como

medidas de comportamento que serão alteradas em resposta às suas invocações.

As instituições internacionais são afetadas por normas institucionais, instituições

predominantes e por um discurso historicamente contingente entre pessoas que

buscam propósitos e que também buscam solucionar os problemas auto-elaborados.

Os autores dessa abordagem são rotulados de “acadêmicos interpretativos”, pois

todos enfatizam a importância da interpretação histórica e textual e das limitações de

modelos científicos no estudo da política mundial. Porém, outras abordagens ou

discussões teóricas-políticas que enfatizam a Filosofia Política Clássica ou o Direito

Internacional, também podem ser consideradas interpretativas. Dessa forma,

Keohane tem chamado todos de reflexivos, pois todos enfatizam a importância da

reflexão humana para a natureza das instituições e para o caráter da política

mundial. (ibid.).

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A abordagem racionalista está fortemente presente nas teorias

(neo)realistas e (neo)liberais, principalmente, por se reportarem a um

comportamento mais objetivo do ator social. O racionalismo pode servir como

instrumento para explorar as condições nas quais a cooperação se insere, buscando

explicar porque as instituições são escritas por Estados. A abordagem racionalista

também é de grande auxílio para desenvolver uma teoria de obediência ou de não

obediência à compromissos firmados. Para que os regimes internacionais sejam

efetivos, a sua ordem deve ser obedecida, mesmo que a soberania impeça o reforço

hierárquico. Essa abordagem também é de grande auxílio para entender a direção

da mudança na política mundial, pois há razões para acreditar que uma difusão de

poder pressionaria esses regimes e, assim, enfraqueceria as suas regras (ibid.).

A abordagem racionalista foi escolhida pela autora desta monografia, uma

vez que as normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que serão

objeto da presente pesquisa, são aplicadas numa perspectiva formal, isto é, as

mesmas devem ser legitimadas sob o ângulo legal-racional weberiano – ou seja,

transformadas em Direito Positivo, para que sejam cumpridas pela população de

cada Estado. Essa abordagem tem sido usada para explicar o comportamento

institucional em Regimes Internacionais, embora não explique um conjunto de

conclusões sobre a natureza ou evolução das Instituições Internacionais.

2.4 Tipos de instituições internacionais

Ao longo de mais de três séculos de sistema internacional moderno,

inúmeros tipos de instituições foram criados como mecanismos de estabilização do

sistema. Dentre eles, podem-se citar: arranjos ad hoc, multilateralismo, regimes

internacionais, alianças militares e segurança coletiva, balanço de poder, zonas de

influência, estabilidade hegemônica, concerto de Estados, o direito internacional, as

práticas diplomáticas e a cultura internacional. (HERZ; HOFFMAN,

2005)Poderíamos assim defini-las, de forma sucinta:

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• Arranjos ad hoc são criados para gerar cooperação num determinado

momento;

• Multilateralismo estabelece princípios que norteiam as relações entre

os atores;

• Regimes Internacionais são princípios, normas, regras e procedimentos

que regulam as relações entre os atores numa área específica;

• Alianças Militares são coalizões entre Estados formalizadas para

enfrentar ameaças externas às mesmas;

• Segurança Coletiva é um sistema baseado no compromisso de uma

reação coletiva no caso de ameaça à paz ou à segurança de qualquer

estado;

• Balanço de Poder é um sistema flexível de alianças entre Estados para

evitar a preponderância de um determinado Estado;

• Zonas de Influência são regiões em que uma potência exerce influência

predominante, limitando a independência e a liberdade de ação das

entidades políticas;

• Estabilidade Hegemônica refere-se ao papel de uma potência

hegemônica que garante instituições internacionais;

• Concerto de Estados foi um sistema de conferências de potências do

séc.XIX para a administração coletiva das suas relações;

• Direito Internacional é um conjunto de normas e princípios encontrados

nos tratados e convenções internacionais e oriundos do costume;

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• Práticas diplomáticas são processos de negociação, formação de

acordos e assinatura de tratados e o exercício de influência e pressão

pelos Estados;

• Cultura internacional são valores e normas universalizados e que são

resultado da intensificação das relações entre diferentes atores no sistema

internacional;

• Sociedade Internacional, de acordo com Bull, é “quando um grupo de

estados conscientes de certos valores e interesses comuns, forma uma

sociedade no sentido de considerarem-se ligados no seu relacionamento,

por um conjunto comum de regras, e participam de instituições comuns”

(KEOHANE, 1988; HERZ; HOFFMAN, 2005; BULL, 1977).

Como o tema será abordado do ponto de vista formal, consideram-se os

mecanismos citados acima como importantes em termos de estabilização de

sistema. A área de imprevisibilidade do comportamento do Estado está limitada e,

apesar da natureza do sistema político internacional, o comportamento internacional

é institucionalizado. Há uma tendência comum (e equivocada) de permutar o

processo de institucionalização pelo comportamento de organizações formais – as

quais se submetem a 3 níveis de institucionalização: 1) configuração de uma

comunidade epistêmica; 2) constituição de um regime internacional; e 3) construção

de uma organização internacional formal. Os níveis de institucionalização serão

detalhados no item a seguir (RUGGIE, 1998).

2. 5 Níveis da institucionalização internacional

2.5.1 Comunidade Epistêmica

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As comunidades epistêmicas são uma forma predominante de ver uma

realidade social, uma série de símbolos e referências compartilhadas, expectativas e

previsões mútuas. Deve-se entendê-las como possuidoras de papéis inter-

relacionados que crescem ao redor de um episteme e delimitam a construção da sua

própria realidade social. Os arranjos coletivos surgem como derivados de uma

proposta de compensar as imperfeições do sistema estatal, onde as regras de

comportamento entre estados se institucionalizam (RUGGIE, 1998).

2.5.2 Regime Internacional

Os regimes internacionais estão num nível mais elevado em termos de

institucionalização. Keohane define regimes como “um conjunto de regras,

procedimentos de tomadas de decisão e/ ou programas que levantam práticas

sociais, determinam papéis para participantes dessas práticas, e governam as suas

interações” (KEOHANE, 1988). Regimes podem e, certamente, variam num número

de decisões, mais obviamente no seu escopo funcional, domínio geográfico e no seu

quadro de membros (id.).

Também há uma variação considerável nos procedimentos de tomada de

decisão, obediência aos mecanismos, fontes de renda, processos de resolução de

disputa e nível de formalização. Embora misturas complexas sejam comuns, regimes

individuais caracterizam-se por enfatizar a formulação de regras ou prescrições

comportamentais, possuir foco em mecanismos para a entrada de escolhas

coletivas, serem programáticos no que diz respeito aos projetos colaborativos, e por

enfatizar novas formas de pensar sobre problemas (ibid.).

Outra característica fundamental é que os regimes e sociedades não

operam num vácuo social. Princípios razoavelmente bem definidos lidam com o

quadro de membros na Sociedade Internacional e regulam as interações entre o

governo entre membros dessa sociedade. Embora não haja Estado como tal na

sociedade internacional, ainda podemos colocar questões sobre o relacionamento

entre regimes e a sociedade de estados dentro do qual operam que faz paralelo às

questões nas quais estudantes de sistemas domésticos requerem sobre relações de

Estado/ sociedade (YOUNG, 1999).

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Assim como outras instituições sociais, os regimes sociais são de muitos

tamanhos e formas. Se considerados todos eles, os regimes internacionais formam

um sistema hierárquico mais horizontal do que vertical da ordem pública. O

resultado é um padrão complexo de autoridade descentralizada. Um dos pontos

fortes dessa estrutura organizacional de governança é a capacidade que os regimes

individuais têm de sobreviver às sérias falhas em outros componentes desse

sistema de ordem internacional. Regimes Internacionais são criados de propostas

diferentes por atores diferentes que costumam fazer pouco para coordenar os seus

esforços ou identificar links entre regimes (id.).

Se traçarmos uma distinção entre regimes como instituições e

organizações como entidades materiais possuidoras de aparato físico, orçamento

próprio e códigos legais, é possível dizer que essa abordagem de governança

enfatiza a idéia de “governança sem governo”, e preencha a função de governo

enquanto minimiza o estabelecimento de novas normas ou de entidades

administrativas. Claro que a maioria do trabalho de implementar provisões de

regimes internacionais é deixada por membros individuais que são altamente

organizados, se são Estados ou vários tipos de atores não estatais. Os regimes

variam na medida em que as suas operações rotineiras requerem a presença de

capacidade organizacional no nível internacional ou transnacional (ibid.).

Se consideramos que regimes internacionais são melhor definidos como

estruturas regulamentares complexas ou simples, deve-se avaliar porque tal

estrutura existe. Três posições distintas emergiram no debate tratado: (1)

comportamental, (2) cognitivo, ou (3) termos formais (HASENCLEVER, et all, 1997).

A abordagem comportamental é adotada por Young para a identificação

empírica de regimes. De acordo com a sua perspectiva, instituições sociais são

práticas consistentes de papéis reconhecidos e relacionados por agrupamentos ou

por convenções governamentais entre ocupantes desse papel. A compreensão da

natureza das instituições implica em diversas questões. Regras, em algum nível,

moldam o comportamento dos seus destinatários, garantindo o que é falado para a

prática. Outra implicação dessa abordagem é que estas regras que governam

práticas e formam parte dos regimes precisam ser colocadas formalmente. Pois,

mesmo que um acordo formal tenha sido concluído e lide com temas em questão, é

muito provável que ele seja tratado de uma maneira errônea com a intenção de

equalizar o conteúdo do regime com os termos do acordo (id.).

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A abordagem cognitiva, adotada por Kratochwill e Ruggie, é caracterizada

pela mudança na ênfase do “overt behavior” para o significado intersubjetivo e

compreensões que são compartilhadas. Eles rejeitam o foco na obediência para que

um regime exista, assim como o impacto nas normas e regras, enfatiza que normas

são contra factualmente válidas. Antes mesmo da percepção de uma regra violada,

deve-se buscar como tal incidente é interpretado por outros membros da sociedade

e como a ação comunicativa é levantada. De fato, estudar esse fenômeno requer

uma epistemologia diferente e um dos temas centrais é a atual prática da análise do

regime que está em decadência por anomalias epistemológicas (ibid.).

Em oposição às demais abordagens, está a definição que conceitua

regimes de uma maneira mais explícita e que explica o comportamento observado.

A abordagem mais formal questiona até onde o comportamento é governado por

regras e requer uma medida de efetividade para que o regime exista. Essa foi a

abordagem escolhida pela autora desta monografia, pois considera a instituição de

uma forma menos abstrata, mais consolidada e legitimada, analisando as causas,

efeitos e conseqüências de uma forma mais objetiva. A abordagem formal foca o

comportamento do Estado como autogovernado, invertendo a ordem usual de

investigação científica, onde a descrição e a inferência precedem a explanação. De

acordo com essa abordagem, os regimes são conceituados em termos de regras

explícitas, acordado por atores e pertencente às questões de área específica (ibid.).

Outro ponto fundamental a respeito dos regimes é a discussão acerca da

sua efetividade. Seria um erro esperar que regimes internacionais e transnacionais

consigam responder a toda demanda por governança nas relações mundiais.

Embora o número de tais arranjos tenha crescido rapidamente nas últimas décadas,

regimes não são criados para lidar com todos os problemas da agenda política

global. Mesmo quando regimes passam a existir, a ausência de qualquer estrutura

hierárquica capaz de atrelar esses arranjos de questões específicas dentro de uma

ordem mundial integrada significa que buracos e sobreposições entre regimes

tomados separadamente serão comuns. Algumas relações institucionais são

benéficas, pois separar regimes serve para que um reforce o outro, contribuindo

para o preenchimento das suas respectivas metas. Mas a ocorrência de

interferências mútuas é inevitável de tempos em tempos. Assim, não há base para

esperar que regimes ofereçam uma solução simples e abrangente para o problema

da governança nas relações mundiais (ibid.).

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Porém, os regimes específicos, considerados em separado, são

questionados de acordo com o critério da efetividade ou sucesso da resolução dos

problemas que motivam o seu estabelecimento. Uma consideração abrangente

desse assunto implica a utilização de um número amplo de critérios para supor o

desempenho dos regimes. Um critério econômico enfatiza a eficiência e espera-se

que os mesmos resultados possam ser alcançados pelo mesmo custo. Um critério

político direciona a atenção para a eqüidade e levanta questões sobre a justiça,

ambos os resultados de arranjos institucionais e dos seus procedimentos ou

processos. Embora a eqüidade seja difícil de definir e operacionalizar, a questão da

justiça não pode ser desconsiderada, consistindo em questão principal.(ibid.)

Uma perspectiva alternativa sobre o desempenho dos regimes envolve a

idéia de gerenciamento do processo em contraste à solução de problemas quando

tratamos de resultados produzidos por instituições sociais. Considerando isso,

precisamos reconhecer que alguns problemas são de difícil resolução ou até

impossíveis dentro de um tempo razoável. A idéia de gerência do processo também

nos ajuda a assimilar o papel que os regimes exercem no aprofundamento ou na

transformação do entendimento de problemas relacionados à sua criação. Embora

haja uma tendência natural de pensar em termos de resolução de problemas na

avaliação de desempenho dos regimes, a idéia de gerenciamento do processo

merece uma maior atenção em análises futuras de efetividade institucional. (ibid.)

É consenso que os regimes atuais variam em termos e que muitos

regimes individuais sobrepõem mudanças substanciais sobre o tempo no que diz

respeito à efetividade. Essa efetividade dos regimes considera a variância, uma

observação que nos leva a inquirir sobre fatores que determinam o sucesso ou o

fracasso. Isso é verdade se a suposição foca só na solução de controvérsias ou se

ele considera a eficiência e a equidade do gerenciamento do processo em contraste

à solução de controvérsias.(ibid.)

Porém, é prematuro oferecer um julgamento definitivo em relação aos

resultados de estudos de regimes, é necessário mais pesquisa. Não é razoável

requerer em relatórios de médio prazo esforços para entender as forças que

explicam a variância observada no desempenho de regimes internacionais e

transnacionais.(ibid.)

Uma pesquisa recente produziu uma lista crescente que parece ter

alguma relação com a efetividade dos regimes. Mas falhou ao sustentar

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generalizações robustas sobre a importância relativa desses fatores. Alguns

analistas enfatizam a natureza da controvérsia a ser solucionada e traçam a

distinção entre benigno e maligno (problemas fáceis ou difíceis). Outros diferenciam

entre forças sociais distintas (por exemplo, condições materiais, interesses e idéias)

buscando solucionar a importância de tais fatores como o crescimento da

população, tecnologia, procedimentos de tomada de decisão, e valores como

determinantes de desempenho. Outra abordagem caracteriza a distinção entre

fatores endógenos e exógenos. Os que olham para fatores endógenos focam no

papel de atributos institucionais, tais como a natureza das regras de decisão, fontes

de renda e mecanismo de obediência. Os que focam em fatores exógenos tendem a

ver regimes como estruturas frágeis influenciadas por forças sociais que variam de

condições materiais de tecnologia para condições intangíveis como a emergência de

conhecimento consensual. Outra perspectiva caracteriza até onde os regimes são

inerentes às grandes estruturas institucionais. Em parte, isso é questão de relacionar

internacional ou transnacional, o que pode afetar o desempenho. Também é questão

de analisar até onde os regimes complementam ou se chocam com instituições

internacionais operando em níveis domésticos locais. Sugere-se que a efetividade

costuma ser uma função de compatibilidade entre abordagens top down refletidas no

conteúdo de regimes internacionais e abordagens bottom-up, que estão implícitas

em arranjos locais ou regionais.(ibid.)

Alguns regimes possuem efeito de ramificação por influenciarem a

relação entre membros em áreas funcionais além do seu escopo nominal. Os

regimes podem gerar efeitos de demonstração para a criação de precedentes que

afetam o pensamento tanto dos seus membros e outros como quando confrontam

novos problemas. Ainda mais significante em longo prazo é o papel de regimes de

questões específicas, como veículos para a introdução de inovações institucionais

que se difundem através da sociedade internacional ou da sociedade civil global em

formas que possuem profundas conseqüências para estes sistemas sociais ao longo

do tempo.(ibid.)

Percebe-se, porém, que os regimes podem exercer maior eficiência

quando atuam num âmbito mais específico, pois quanto maior for o seu âmbito de

atuação maior será a dificuldade de obter recursos e de manter o consenso dos

atores acerca das mesmas metas além de uma série de outros fatores que dificultam

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a sua eficiência quando o mesmo busca exercer um papel de dimensões mais

amplas.

É importante evitar altas expectativas sobre a capacidade dos regimes

para lidar com os problemas do mundo. Regimes em nível transnacional ou

internacional possuem capacidade limitada para alterar o comportamento dentro das

sociedades. Tanto a criação como as operações dos regimes são de alto custo

(HASENCLEVER, et all, 1997).

2.5.3 Organização Internacional

Num nível superior aos anteriores, estão as Organizações Internacionais,

aqui vistas como o caso mais concreto entre os três mencionados. O ambiente das

organizações internacionais abrange atores principais e características da política

mundial. Nesse sentido, as organizações internacionais são vistas como operantes

dentro de uma política onde os eixos são definidos por propostas e instrumentos do

regime que servem (RUGGIE, 1998).

Segundo Mônica Herz e Andréa Ribeiro Hoffman, “as Organizações

Intergovernamentais Internacionais são formadas por Estados e são a forma mais

institucionalizada de realizar a cooperação internacional” (HERZ; HOFFMAN, 2005).

Essa é a definição operacional de Organizações Internacionais, embora haja

definições de outros teóricos. Ruggie apresenta uma outra definição, que está mais

ligada a uma tentativa de descrever e explicar “como a sociedade moderna das

nações se auto-governa”, e atua na coordenação de atividades para a condução de

negócios públicos. Algumas versões abordam que as organizações internacionais

são o que fazem e outras versões enfatizam que as organizações internacionais

estão envolvidas no processo de governança internacional (RUGGIE,1998).

O presente trabalho considera que as Organizações Internacionais são o

que fazem e adota a abordagem formalista para tratar das mesmas. De acordo com

Mônica Herz e Andréa Ribeiro Hoffman, as organizações internacionais fazem parte

de um conjunto ainda maior de instituições, em que as mesmas irão garantir certo

nível de governança global (HERZ; HOFFMAN, 2005). Dentre as práticas de

governança global, cabe destacar as normas, regras, leis, procedimentos para a

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resolução de disputas, ajuda monetária, a utilização de força militar, mecanismos de

coleta de informações, dentre outros.

As Organizações Internacionais podem ser diferenciadas das demais

formas de cooperação internacional que possuem nível mais baixo de

institucionalização por serem de caráter permanente. As mesmas são formadas por

aparatos burocráticos, possuem orçamento e escritórios, além de grupos

especialistas, redes globais envolvendo indivíduos, agências governamentais,

corporações e associações profissionais, dentre outros atores envolvidos no

processo de governança global.

Visto que o objeto deste trabalho é analisar as Normas Internacionais de

Trabalho, promovidas pela Organização Internacional do Trabalho, deve-se

considerar o seu âmbito de ação e a existência de um aparato burocrático, incluindo

orçamentos, escritórios, funcionários e uma regulamentação interna positivada que

determina a forma de conduta dos seus funcionários e os procedimentos esperados.

Enfim, com base nisso, conclui-se que a abordagem formal é a que melhor se aplica

às características das Organizações Internacionais do Trabalho.

2.5.4 As Normas Internacionais de Trabalho

Os elementos teóricos discutidos nesse capítulo serão indispensáveis

para a compreensão e para a análise dos capítulos posteriores. A autora adotou a

abordagem formal para tratar das Normas Internacionais de Trabalho referentes ao

trabalhador estrangeiro, que são promovidas pela OIT (Organização Internacional do

Trabalho).

Para isso, a abordagem formal será um instrumento de grande auxílio em

função do tipo de regime e de instituição tratada. A análise baseia-se em regimes

em termos de regras mais explícitas, acordado por atores e pertencente às questões

de área específica. As instituições serão consideradas de uma forma menos

abstrata, mais concreta, questionando-se até onde o comportamento dos Estados é

governado por regras e até onde ele requer uma medida de efetividade para que o

regime exista.

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A perspectiva institucionalista formal foi considerada a mais adequada,

pois faz uma análise de maneira objetivamente mensurável. Nessa abordagem, as

normas são positivadas e considera-se o regime de atuação em âmbito global. Logo,

pretende-se analisar as Normas Internacionais de Trabalho em suas manifestações

empíricas e compará-las à letra da lei, buscando conclusões a respeito do seu nível

de relevância e efetividade (YOUNG,1999).

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3 A TEORIA INSTITUCIONALISTA E A SITUAÇÃO DOS IMIGRANTES NA

FRANÇA

A análise dos fluxos de imigração como um fenômeno que exerce um

profundo impacto sobre a dinâmica interna e externa dos Estados é uma

consideração importante a ser estudada. A compreensão da importância dos fluxos

de migração e os seus efeitos é o ponto de partida fundamental não só para justificar

a razão da escolha do tema, mas também o passo em que a história da imigração

na França se insere.

Depois da contextualização do fenômeno da imigração e de tratar,

especificamente, da história da imigração na França, será abordado a seguir o

surgimento da OIT juntamente com os instrumentos criados pela mesma com a

finalidade de tornar mais eficiente o regime de imigração e o controle dos fluxos

imigratórios. No caso da França, é fundamental realizar uma análise da legislação

trabalhista e das políticas de imigração e nacionalização francesas, para possibilitar

o estabelecimento de um comparativo entre as mesmas e as normas internacionais

de trabalho previstas na Declaração de 1998 e nas Convenções 97 e 143 –

previamente apontadas como instrumentos da OIT.

Tal análise evidenciará a dimensão da influência exercida pela OIT no

caso da legislação trabalhista e de políticas de imigração e nacionalização

francesas, momento crucial do estudo que conduzirá à conclusão acerca da

eficiência da Teoria de Regimes no que se refere à aplicação das normas

internacionais de trabalho da OIT.

3.1 O fenômeno da imigração laboral

A imigração de trabalhadores de países em desenvolvimento para países

industrializados se intensificou de maneira significativa nos últimos tempos. Antes de

1998, os imigrantes não superavam 4,2% da força de trabalho total dos países

industrializados. Os Estados Unidos receberam a maior parte nesse aumento do

número de imigrantes, e o Canadá e Austrália receberam 11%. Na União Européia,

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foi registrada uma forte concentração de imigrantes na Alemanha, França, Itália e

Reino Unido (OIT, 2005).

Existem diversas forças que impulsionam a migração internacional. A

pobreza, a guerra, a fome e a repressão são causas importantes de imigração para

um país desenvolvido. Dentre os motivos que fazem com que os imigrantes cruzem

as fronteiras nacionais, estão incluídos a pressão demográfica sobre recursos

naturais escassos, a desigualdade de salários, urbanização galopante, diminuição

do custo de transporte e de comunicações e uma interação cada vez mais intensa

entre as sociedades, os conflitos sociais e a inexistência de direitos humanos, assim

como a criação de redes de imigração por quem já emigrou antes. Todos os anos,

milhões de jovens entram na força de trabalho de países em desenvolvimento nos

quais a criação de postos de trabalho não é suficiente. Ao mesmo tempo, uma

parcela da população está envelhecendo em regiões mais desenvolvidas, onde

começa a se tornar mais escassa a mão-de-obra em muitos setores. As pressões

migratórias são somadas à acentuação das diferenças, que incitam as populações a

atravessarem as fronteiras, assim como as novas tecnologias permitem que um

número maior de pessoas obtenha informação necessária para o acesso ao

mercado de trabalho mundial (id.).

Historicamente, a migração foi proveitosa para a maioria dos imigrantes,

assim como para os países de imigração e de emigração. Mas não se pode

esquecer que não deixaram de causar esforços para o estabelecimento de um

marco multilateral que possa reger os movimentos migratórios de maneira que a

imigração laboral possa trazer benefício para todos. O número de imigrantes em

situação irregular tem aumentado cada vez mais, o que contribui para a

comercialização do fenômeno migratório – com a inclusão do tráfico de drogas, o

mau trato de pessoas, mas também com as modalidades de emprego informal nos

países de imigração. Existem muitas formas de classificar os fluxos de migração.

Porém, a categoria mais utilizada baseia-se na duração: a imigração permanente,

quando se trata de imigrantes muito qualificados, de reunificação familiar ou de

reassentamento de refugiados; a imigração temporária, em que normalmente os

trabalhadores são convidados para cobrir cargos não preenchidos; e a imigração

temporal, que ocorre no caso de empregos de duração determinada (ibid.).

A imigração exerce profundas conseqüências para os países de destino.

Efeitos como o rejuvenescimento da população e o fomento de um crescimento sem

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inflação costumam passar despercebidos. A maior discussão se concentra na

adaptação social do país que acolhe os imigrantes de outra origem étnica, cujos

valores podem ser muito distintos dos seus. Muitas sociedades têm conseguido se

adaptar e tirar proveito dessa maior diversidade, mas há reações negativas que

podem tomar formas de xenofobia ou racismo, principalmente quando se pensa que

os imigrantes tiram o trabalho da população local. A imigração também pode ter

repercussões políticas nos países de destino. Quando se trata de integração, a

imigração pode ser a causa de conflitos étnicos. No âmbito econômico, a imigração

tem gerado impactos ambíguos nos países de destino. Apesar de alguns grupos se

considerarem menos favorecidos (por serem menos qualificados), os imigrantes têm

revitalizado a população e a economia (ibid.).

A imigração tem um impacto negativo nos salários de trabalhadores não

qualificados, mas pode aumentar os salários reais dos trabalhadores mais

qualificados devido à maior disponibilidade de produtos do setor de salários baixos.

Em muitos países se teme que a imigração se torne uma carga para a sociedade

que acolhe, pois os imigrantes tiram dos serviços públicos e das prestações de

assistência social mais do que pagam em impostos e cotas para a segurança social.

A maioria dos trabalhadores imigrantes trabalha em serviços pouco qualificados, na

agricultura e em indústrias de grande demanda de mão de obra, onde os

empregadores são pequenas empresas que não exercem influência sobre o preço

dos produtos e serviços. Esse cenário tem sido marcado pelo crescimento do setor

informal nas economias desenvolvidas, onde a liberdade sindical e o direito de

negociação são inexistentes, e a discriminação e xenofobia no lugar de trabalho são

evidentes. A imigração ou a emigração provoca uma maior precariedade e maiores

riscos para a saúde do trabalhador. Primeiro, porque eles costumam trabalhar em

setores de alto risco; em segundo, porque diferenças de cultura e de língua

requerem modalidades de comunicação, instrução e formação específicas para a

segurança e a saúde no trabalho; em terceiro, muitos deles trabalham durante um

número de horas exagerado e apresentam um estado de saúde deficiente, pois se

tornam mais propensos a acidentes de trabalho e doenças profissionais (ibid.).

Os trabalhadores imigrantes passam por diversos inconvenientes.

Primeiro, porque por serem trabalhadores temporários, os seus direitos costumam

ser mais limitados. Segundo, porque, na maioria dos casos, eles só podem

encontrar emprego em setores onde os salários são mais baixos pelo fato de os

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produtores estarem em segmentos mais competitivos das cadeias de produção

mundial. Esses inconvenientes se acentuam pela tendência de flexibilização das

relações de trabalho, a discriminação por sexo, aos abusos em termos de

contratação e as situações irregulares, as quais os tornam ainda mais vulneráveis.

Os governos possuem a obrigação de cumprir as disposições referentes à igualdade

de tratamento que constam nas suas constituições e nos tratados internacionais. É

preciso certo esforço para implantar a igualdade de tratamento dos imigrantes,

principalmente dos que se encontram mais expostos a abusos (ibid.). 1

De um modo geral, as últimas décadas são exemplo de profundas

mudanças no que diz respeito às condições de vida do trabalhador. Presenciou-se a

retração do crescimento, o fim do pleno emprego e o surgimento do excedente

laboral, indivíduos que simplesmente não representam utilidade alguma para a

sociedade. Parte fundamental desses acontecimentos deve-se à transformação do

papel de “integrador” que o trabalho exercia, passando a tornar-se um fator

determinante para a situação de exclusão de uma camada significante da

sociedade. (CASTEL, 1998).

As mudanças citadas acima contribuíram para uma ainda maior

instabilidade da situação jurídica do imigrante, complicando a obtenção do visto

permanente e limitando o acesso à cidadania, reforçando a idéia do estrangeiro

como um perigo, considerando a instalação dos controles de identidade sobre

qualquer indivíduo que possa ser identificado como estrangeiro e a detenção de

qualquer estrangeiro que não portar documentos, além de contribuir para a restrição

dos direitos dos estrangeiros, do direito de asilo e dos direitos dos franceses de

receber estrangeiros em casa sem ter o dever de dar satisfações à polícia (REIS,

1999).

Nesse âmbito, as empresas que acolhiam grande parte da massa

imigratória, assumiam uma função integradora, com matriz organizacional de base

da sociedade salarial, estrutura de grupos humanos estáveis e uma ordem

hierárquica situada em posições interdependentes. Tal função integradora da 1 Pela complexidade e abrangência desses problemas, as soluções deverão ser globais e multifacetadas, baseando-se em normas internacionais e num maior conhecimento das forças econômicas que exercem influência sobre a configuração das condições de trabalho em diferentes setores. Segundo a OIT (2005), para alcançar um marco geral que possibilite melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores imigrantes, é necessário basear-se na cooperação multilateral ou interestatal, na boa governança, na regulamentação do mercado de trabalho, na responsabilidade conjunta dos contratadores e das empresas ou dos empregadores, numa legislação apropriada, em mecanismos para fiscalizar o seu cumprimento, além de uma mobilização efetiva dos interlocutores sociais e de todos os organismos implicados.

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empresa tem-se tornado cada vez mais uma máquina de vulnerabilizar e excluir,

pois a competitividade acarreta a desqualificação dos menos aptos, a invalidação

precoce de trabalhadores que estão envelhecendo e a desmonetarização de forças

de trabalho antes que as mesmas comecem a servir. Os assalariados do setor

secundário tornam-se mais interessantes para o mercado, pois os mesmos possuem

menos direitos, menor proteção de barganhas coletivas e podem ser mais facilmente

alocados. Os trabalhadores que costumavam situar-se em posições estáveis

passam a ser cada vez mais ameaçados pela competitividade e pela instabilidade do

mercado. Dessa forma, ocorre um bloqueio da mobilidade ascendente, isto é, as

possibilidades de ascensão profissional de acordo com o tempo e a perspectiva de

melhoria das condições financeiras dissociam-se de condições que podem ser

trazidas pelo trabalho, instalando-se o “neopauperismo” e a desvinculação de

posições associadas à utilidade social e ao reconhecimento público (CASTEL,

1998).

A precarização do trabalho é, portanto, uma conseqüência do aumento

dos fluxos de imigração. A mesma alimenta a vulnerabilidade social, produz o

desemprego e a desfiliação2, que é sombra de estruturações industriais e da luta

pela competitividade. Observa-se uma demanda cada vez maior pela flexibilidade do

trabalho moderno, motivada por gestões em fluxo tenso, pela necessidade de

produção sob encomenda e de respostas imediatas aos acasos dos contratos (id.).

3.2 Histórico da imigração na França

O papel da França como uma terra de imigração tem sido significativo. A

maior parte dos fluxos de imigração para a França durante o séc. XIX envolveu

imigrantes de países vizinhos, atraídos pela oportunidade de trabalhar na

manufatura, construção e agricultura (Itália, Espanha, Portugal, Bélgica, Polônia,

etc). Houve uma variação regional considerável: a indústria do carvão, a indústria

têxtil e do aço foram importantes para que os belgas imigrassem para o nordeste da

França, enquanto houve uma maior predominância de imigrantes italianos e

2Robert Castel (1998) refere-se à desvinculação do trabalhador às formas de trabalho permanentes, dando lugar à empregos periféricos, sub-contratados, mal pagos e mal protegidos.

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espanhóis na região sul, atraídos pela atividade agrícola. Movimentos internos da

população não foram suficientes para suprir as demandas de trabalho. O processo

de imigração se intensificou ainda mais durante a Terceira República (1870-1940).

Esse foi o período em que a França emergiu como grande poder industrial. A

proporção de estrangeiros na França avançou de 1%, em 1851, para 3% da

população total, em 1880. A intensificação dos fluxos de imigração atingiu o seu

ponto máximo no início de 1930, quando a depressão econômica conduziu à maior

queda no número total de trabalhadores imigrantes (McNEILL, 2007).

Essa redução nos fluxos de imigração continuou até meados da década

de 1950, quando o governo francês passa a recrutar força de trabalho imigrante.

Alguns imigrantes entraram ilegalmente no país e se regularizaram durante esse

período. No período pós-guerra, o governo francês reconheceu a necessidade de

trazer mais imigrantes para o auxílio na reconstrução econômica do país. Embora

não tenham especificado “cotas étnicas”, foi de amplo consenso no governo o

incentivo à vinda de imigrantes europeus em vez de africanos e asiáticos, alegando-

se a vantagem de compatibilidade cultural com os imigrantes europeus. Porém, o

aumento da prosperidade na Europa fez com que poucos imigrantes europeus

fossem atraídos para a França. Essa demanda foi suprida por imigrantes de colônias

francesas no Norte da África e na África Subsaariana (id.).

O colonialismo criou o canal mais efetivo de movimentos de imigração na

França. A França passaria a recrutar como força de trabalho os maghrebis (Nordeste

da África, Argélia, Marrocos e Tunísia), indivíduos da África Subsaariana (Senegal),

Indochina (Sudoeste Asiático, Vietnam, Camboja e Laos), dentre outros. Em meados

de 1950, os magrebis formavam a parcela mais significativa do grupo de imigrantes

na França. A maioria deles vinha da Argélia. Antes da Segunda Guerra Mundial, a

imigração de magrebis ainda era mínima. Em 1956, o governo francês fundou a

SONACOTRA (Societé Nationale de Construction pour le Lagement des

Travailleurs), agência responsável pela construção de locais de hospedagem para

esses trabalhadores. O objetivo era limitar o espaço construído para apenas um

homem, de maneira que se impossibilitasse a vinda da sua família. O fato histórico,

porém, é que eles vieram permanentemente, e as suas famílias vieram em seguida.

(ibid.).

No final da década de 1960, a idéia de que os imigrantes magrebinos se

instalariam temporariamente começou a ser questionada, e a opinião política e a

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percepção pública começaram a mudar. A participação dos trabalhadores

estrangeiros em greves e movimentos operários, ocorrida no início da década de

1970, propiciou uma maior projeção política aos imigrantes, quando grupos

imigrantes e de solidariedade aos imigrantes se manifestaram na cena política

francesa. Ao mesmo tempo, a crise econômica francesa fez com que o governo

adotasse medidas para desencorajar a vinda de imigrantes e que controlasse a

entrada de ilegais. O procedimento de regularização a posteriori foi eliminado em

1972 e, definitivamente, banido em 1974 (McNEILL, 2007; REIS, 1999).

Durante o primeiro governo do socialista François Mitterrand, houve um

processo de consolidação dos direitos dos estrangeiros. Em outubro de 1981, o

governo promulgou lei que garante a liberdade de associação aos imigrantes. As

associações que reuniam a segunda geração dos imigrantes árabes das antigas

colônias francesas, conhecidos como beurs, passaram a ser cada vez mais

influenciadas pelo discurso da esquerda norte-americana de "direito à diferença". Em

1983, essas organizações organizaram a "Marcha pela igualdade e contra o

racismo". Dentre as reivindicações do movimento dos beur, estavam: o direito de

voto local para imigrantes, proteção contra a expulsão, a adoção de políticas sociais

e a revisão da política de nacionalidade francesa. O “SOS Racisme” se origina do

resultado do sucesso dessa marcha, chegando a ter dezoito mil filiados na década

de 1980 (REIS, 1999).

Junto ao aumento do ativismo imigrante, cresceram também as

manifestações racistas e xenófobas na sociedade francesa. Com a proposta de

unificar a direita radical francesa e pôr fim ao "processo de decadência intelectual,

moral e física no qual estamos engajados"3, nasceu o Front National. O crescimento

do partido e o desenvolvimento das associações imigrantes durante a década de

1980 fizeram com que a imigração se tornasse tema do primeiro plano da política

francesa. Diversas tentativas de reforma da política de imigração francesa foram

feitas na década de 1990. Enfim, elementos da plataforma do Front National

passaram a ser implementados com o objetivo de evitar que o partido aumentasse o

seu espaço no eleitorado francês (id.).

Percebe-se que o foco de grande parte das medidas políticas tomadas

durante a década de 1990 foi o questionamento dos laços que ligam o imigrante à

3 Brochura do FN (apud Ignazi, 1996, p. 63).

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França e que legitimam a sua estada, e não tanto o controle da entrada. Importantes

mudanças legislativas foram feitas nesse sentido por diferentes governos em 1993,

1997 e 1998. Essas mudanças tornaram cada vez mais difícil a aquisição do direito

de permanência e da cidadania mediante o casamento com franceses, dentre

outros. A política de nacionalidade francesa passa a ser fortemente questionada. Um

amplo debate sobre quais as condições necessárias para que alguém seja

considerado francês vai ser alimentado. Aos poucos, esse argumento será

apropriado pela extrema direita e a legislação é alterada em 1993 e 1998, tornando

mais improvável que os filhos de imigrantes tornem-se franceses (ibid.).

A elaboração de novas legislações, em sua maioria de teor restritivo, ao

longo dos últimos anos, resulta no surgimento da figura dos sans-papiers, indivíduos

que muitas vezes entraram legalmente na França, mas que se tornaram ilegais em

virtude das mudanças na legislação francesa. Como muitas mudanças são

contraditórias em relação à legislação anterior, eles não podem ser nem legalizados

e nem expulsos da França. Os sans-papiers foram muito ativos politicamente

durante a década de 1990 e organizaram diversas manifestações para sensibilizar a

opinião pública e o governo sobre a sua situação. No entanto, poucas mudanças

foram realizadas, e prevaleceu o temor de parecer complacente com os imigrantes

ilegais em face de um eleitorado que flerta com o Front National. Um exemplo

recente dessa tendência foi o tratamento dado por Nicolas Sarkozy, atual presidente

francês, aos conflitos que explodiram nos subúrbios (banlieues), em outubro de

2005. O então primeiro-ministro referiu-se publicamente aos manifestantes como

“beurs” e “racaille” (escória), e uma das primeiras medidas de combate à desordem

foi a expulsão sumária, sem o julgamento, de todos os estrangeiros suspeitos de

envolvimento nas manifestações.

Considerando que as legislações relacionadas ao trabalhador estrangeiro

são o aspecto principal do presente estudo, deve-se mencionar o papel exercido

pela OIT nesse âmbito e a forma como a mesma tem utilizado seus instrumentos na

tentativa de influenciar o regime de imigrações para o trabalho.

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3.3 Histórico das políticas de imigração na França

A França é um país de imigração há mais de um século, período no qual

produziu uma variada legislação sobre a questão. Em 1851, é introduzido no país o

“double jus soli”, princípio pelo qual a criança nascida na França que tenha pelo

menos um dos pais nascido em território francês é automaticamente francesa. A lei

de 10 de agosto de 1927 estabelece a concessão de nacionalidade também por via

materna e reduz o período de residência necessário para requerer a naturalização. A

ordenança de 1945 mostra que a legislação irá permanecer praticamente inalterada

até meados da década de 1980, passando apenas por pequenas alterações em

1973, referentes à descolonização: o double jus soli passa a ser aplicável aos filhos

de ex-colonos nascidos na França desde que, os ex-colonos tivessem nascido num

território que ainda fosse uma colônia, além de ser estabelecida a igualdade entre

esposos e filhos legítimos e naturais em relação à aquisição da nacionalidade (REIS,

1999).

Anteriormente à década de 1970, ocorreram diversos acontecimentos que

devem ser mencionados antes de retomarmos o período de análise. A seguridade

social surge entre os anos de 1945 e 1946, precedendo a situação de quase pleno

emprego e caracterizando um contexto em que a grande maioria dos contratos de

trabalho era de duração indeterminada (CDI – Contract à Durée Indeterminée). Os

movimentos sociais das décadas de 1960 e 1970 surgem como forma de exigência

para a responsabilização de atores sociais por formas burocráticas e impessoais de

gestão do Estado Social, refletindo a reprodução de desigualdades (principalmente

em temas como a educação e a cultura), a perpetuação da injustiça social, a

exploração da força de trabalho, além da recusa por parte do governo por tratar de

algumas categorias, como indigentes e prisioneiros (CASTEL, 1998).

No início da década de 1970, a distinção entre seguridade social e ajuda

social é feita numa tentativa de cobrir um conjunto de proteções que se embaralham

com a multiplicação de público-alvo de políticas específicas que dificultam a

capacidade do Estado de conduzir políticas de integração. O inchaço da categoria

de inadaptados sociais e a consciência da heterogeneidade numa sociedade em

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crescimento multiplicam os tratamentos especiais para as “populações com

problemas”. As conexões entre a situação econômica, o nível de proteção das

populações e os modos de ação do Estado social permitem a compreensão das

eventualidades que poderão delinear um quadro futuro, em matéria de política

econômica, organização do trabalho e de intervenções do Estado social. A

degradação da condição salarial acentua-se desde a década de 1970, refletindo

uma conseqüência direta de uma aceitação sem mediações da hegemonia de

mercado. Mais do que isso, tem ocorrido a fabricação da segregação e da violência,

motivadas pela ausência de normas jurídicas de mercado (id.).

Diante de tal contexto, discute-se em que medida a degradação da

situação do trabalho pode ser paga com uma degradação do capital relacional. O

sentido de novas políticas de inserção é criar sociabilidade e consolidá-las, quando

são muito inconsistentes para o apoio de um projeto de integração. Na década de

80, o proletariado passa por crises de endividamento e desemprego. A

transformação das modalidades de intervenção do Estado caracteriza a passagem

de políticas de integração para as políticas de inserção. Enquanto as políticas de

integração são motivadas pela busca de grandes equilíbrios e pela homogeneização

da sociedade a partir do centro, as políticas de inserção são construídas a partir de

diferenças, obedecendo à lógica da discriminação positiva. Por exemplo, quando

certos grupos ou regiões recebem maior atenção, é porque são menos ou possuem

menos, e tais medidas são realizadas no intuito de recuperar a distância para

realizar uma completa integração. A política de inserção ganhou força no início da

década de 1980, quando a questão de ter um lugar na sociedade e um base sólida

de utilidade social se tornou um problema (ibid.).4

Ao lado de sucessos circunscritos, como as administrações de bairro, um

relatório de 19885 diagnosticou que a maior parte das operações de governo não

possuía programa econômico e não criou empregos. A questão era evitar que uma

parcela da população seja completamente excluída. Dentro de tal contexto, surge o

programa Renda Mínima de Inserção (RMI), que concerne ao conjunto da população

4 Evitariam muitos problemas se desenhassem um novo plano de governabilidade, em que uma nova economia ditasse as relações entre o centro e o local; a mudança seria um reordenamento de elementos internos mais do que a transformação dos dados que estruturam a situação (CASTEL, 1998). 5Pesquisa baseada em nove dossiês apresentados por cidades francesas para a obtenção de um contrato de desenvolvimento social dos bairros. (cf M.Ragon, “Mediation et société civile: l´exemple de la politique de la ville”, in “La formation de l´assentiment dans les politiques publiques. Techniques, territoires et societé, n°s 24-25, 1993).

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com mais de 25 anos e com renda abaixo de um patamar. Foi uma inovação

considerável, uma vez que o corte entre as populações aptas para o trabalho e as

que não podem trabalhar foi recusado; e porque o direito de obter meios de

existência não é um simples direito à assistência, mas um direito à inserção social.

No entanto, depois de alguns anos, a aplicação do RMI se decantou: somente 15%

dos beneficiários de RMI encontraram empregos. Uma parcela considerável transita

pelos chamados “empregos ajudados” e estágios (15% do efetivo), e os 70%

restantes compõem a massa dos desempregados, não-indenizados e inativos.

Verifica-se que o RMI tornou-se um estado e não uma etapa. As políticas de

inserção parecem ter fracassado. No início da década de 1980, há um consenso

acerca da aceitação de uma “coerção maior” que a internacionalização do mercado

e a busca da competitividade e eficiência representam (ibid.).

Em 24 de agosto e 30 de dezembro de 1993, uma nova legislação surge

como parte de um pacote de medidas antiimigração, conhecido como Lei Pasqua. A

nova lei incluía modificações nos artigos 44 e 79, referentes à supressão da

possibilidade de estrangeiros que nasceram fora da França requererem

nacionalidade para filhos menores nascidos no território francês (art. 52); o aumento

do prazo para um cônjuge adquirir nacionalidade francesa de seis meses para dois

anos; o fim da possibilidade de servirem ao exército em qualquer um dos dois

países, no caso dos que tem dupla nacionalidade francesa e argelina (LE

QUOTIDIAN DE PARIS, 1993). Porém, a medida mais polêmica baseava-se na

instauração de controles de identidade preventivos nas ruas, em função de qualquer

característica que identificasse um estrangeiro, exceto a raça. A polícia passou a ter

autorização para exigir a documentação de qualquer indivíduo que parecesse

estrangeiro, e também passou a ter o direito de detê-lo para averiguação, caso não

apresentasse documento de identificação. Consoante a mesma Lei Pasqua, no caso

do estrangeiro, permite-se o cancelamento do seu visto; e no caso do francês, ele

ficaria privado dos seus direitos cívicos por um período de 5 anos. Os menores

delinqüentes deveriam ser repatriados e arcar com os seus próprios bens, a

retenção administrativa poderia durar um período de 30 dias (REIS, 1999).6

6 Dentre as medidas da nova lei, propôs-se a possibilidade de um estrangeiro irregular ter o seu passaporte confiscado pela polícia até a conclusão do processo de expulsão. Veículos coletivos numa área de até 20 km da fronteira com países que fazem parte do acordo de Schengen poderiam ser revistados pela polícia. Um estrangeiro em processo de expulsão poderia ser detido, sem o consentimento de um juiz, de 24 para 48h. A lei também previa que um estrangeiro poderia ser preso de novo caso um tribunal de grande instância autorizasse a

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Tais medidas não solucionam a situação dos sans-papier. No melhor dos

casos, o imigrante recebe um visto provisório, que só o possibilita achar empregos

provisórios de baixa remuneração, encontrando-se na mesma situação um ano

depois. A concessão do visto temporário aos cônjuges de franceses, que ainda

estão em situação irregular, somente um ano após o casamento, coloca-os durante

um ano inteiro na clandestinidade, ou obriga-os a voltar ao seu país de origem,

impossibilitando-os de provar a comunidade de vida (os laços maritais) entre eles.

As modificações da lei também permitem que os policiais realizem controles de

identidade em locais de trabalho, averiguando a inscrição de todos os estrangeiros

no registro único de pessoal e a declaração dos mesmos. A polícia também poderia

exigir o visto de residência dos estrangeiros no ambiente de trabalho. A lei

relacionada aos pais de crianças estrangeiras também é modificada. Eles passam a

ter que provar que contribuem para a subsistência de seus filhos desde o seu

primeiro ano de vida. Mesmo que classificados na categoria de não-expulsáveis, o

visto temporário ou visto de residente pode ser retirado de estrangeiros que

empregarem estrangeiros em situação irregular. O visto de residente poderia ser

recusado em função de uma possível ameaça à ordem pública. No fim das contas,

para efeitos práticos, a Lei Pasqua desconsidera a categoria de não-expulsáveis e

cria uma nova modalidade de sans-papier (id.).

3.4 A OIT e as normas internacionais de trabalho

Criada em 1919, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi o

primeiro organismo internacional a produzir uma legislação específica sobre a

migração internacional. A organização estabeleceu um sistema de normas

internacionais de trabalho – convenções e recomendações internacionais

preparadas por representantes governamentais, empregadores e trabalhadores de

retenção do estrangeiro por mais de seis dias, se dentro de sete dias ele não fosse reconduzido à fronteira. Caso o estrangeiro não possuísse documentos que possibilitassem a sua deportação, ele poderia sofrer uma multa de 25 mil francos ou ser punido com 1 ano de prisão, ou não poderia entrar na França durante 3 anos. No caso dos sans-papier, a lei possibilitava a obtenção do visto de permanência temporário em virtude da entrada do menor estrangeiro (REIS, 1999).

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todo o mundo que considera uma grande variedade de temas relacionados ao

trabalho.

As normas internacionais de trabalho são uma tentativa de proporcionar

parâmetros para a regulamentação da imigração internacional, constituindo um

marco jurídico no âmbito das relações trabalhistas. O sistema regulamentar vigente

é multifacetado, o que reflete os esforços para proteger os direitos dos trabalhadores

imigrantes e abordar os problemas relacionados à imigração nos planos multilateral,

regional, bilateral e nacional (OIT, 2005).

O presente estudo pretende focar nas normas internacionais de trabalho,

relativas à Declaração de 1998 e Convenções 97 e 143, utilizando tais instrumentos

como base para avaliar a extensão na qual os mesmos têm determinado o regime

de imigrações internacionais. A análise de cada um destes instrumentos em suas

particularidades se faz importante para que, posteriormente, seja possível avaliar o

seu papel com precisão. Dessa forma, cabe detalhar cada um dos instrumentos em

questão.

3.4.1 – Declaração de 19987

Em consonância com a Declaração da OIT de 1998, referente aos

princípios e direitos fundamentais no trabalho, todos os Estados Membros, embora

não tenham ratificado as convenções tratadas, possuem o compromisso, pelo fato

de pertencerem à Organização, de respeitar, promover e tornar real, de boa fé, e de

conformidade com a Constituição, os princípios relativos aos direitos fundamentais

que são objeto desses convênios, isto é: a liberdade de associação e liberdade

sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, a eliminação

de todas as formas de trabalho forçoso ou obrigatório, a abolição efetiva do trabalho

infantil, e a eliminação da discriminação em termos de emprego e ocupação. Os

princípios e direitos fundamentais são universais e aplicáveis a todas as pessoas e

todos os trabalhadores imigrantes sem distinção, sejam temporários ou

permanentes, em situação regular ou irregular.

7 Declaração de 1998: Itens 1-a e 2-a-d

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3.4.2 – Convenção 97 da OIT8

Após adotar diversas propostas relacionadas à revisão da Convenção

sobre os Trabalhadores Migrantes, em 1939, adota-se em primeiro de julho de 1949

a Convenção sobre os Trabalhadores Migrantes. Nesse documento, os Membros da

Organização Internacional do Trabalho comprometem-se a pôr à disposição do

Secretariado Internacional do Trabalho e de todos os outros Membros informações

sobre a política e a legislação nacionais relativas à emigração e à imigração,

informações sobre as disposições particulares relativas ao movimento dos

trabalhadores migrantes e às suas condições de trabalho e vida, além de

informações relativas aos acordos gerais e aos arranjos particulares concluídos

nestas matérias.

De acordo com esta Convenção, o termo “trabalhador migrante” designa

uma pessoa que emigra de um país para o outro com vista a ocupar um emprego

que não seja por sua conta própria; incluindo todas as pessoas admitidas

regularmente na qualidade de trabalhador migrante. Este documento aplica-se aos

trabalhadores migrantes que não são recrutados por força de acordos relativos a

migrações coletivas ocorridas sobre controle governamental.

Os Membros comprometem-se a assegurar a existência de um serviço

gratuito encarregado de auxiliar os trabalhadores migrantes a tomar todas as

medidas apropriadas contra a propaganda enganadora, facilitar a partida, viagem e

acolhimento dos trabalhadores migrantes, prover serviços médicos apropriados,

além de aplicar um tratamento que não seja menos favorável que aquele que é

aplicado aos seus próprios nacionais no que diz respeito a remuneração, filiação nas

organizações sindicais e gozo das vantagens oferecidas pelas convenções coletivas,

alojamento, segurança social, impostos, taxas, contribuições relativas ao trabalho e

ações judiciais.

8 Convenção 97 da OIT: Art. 1-6,9,11. Anexo I: Art. 1-3,5-8.

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Os Membros também se comprometem a fazer com que as operações

efetuadas pelo seu serviço público de emprego não resultem em despesas para os

trabalhadores migrantes. O trabalhador migrante admitido, a título permanente, e os

membros da sua família autorizados a acompanhá-lo ou a juntar-se-lhe não poderão

ser reenviados para os seus territórios de

origem, somente se assim o desejarem ou se os acordos internacionais o previrem,

quando, por doença ou acidente, o trabalhador migrante se encontrar na

impossibilidade de exercer a sua profissão; considerando os limites fixados pela

legislação nacional relativa à exportação e importação de divisas, o migrante poderá

realizar a transferência de parte dos ganhos e das economias que desejar transferir.

A Convenção autoriza as operações de recrutamento, introdução e

colocação. Na medida em que a legislação nacional ou um acordo bilateral o

permitirem, as operações de recrutamento, introdução e colocação poderão ser

efetuadas pelo empregador ou por uma pessoa que se encontre a seu serviço e atue

em seu nome, sob reserva, se assim for necessário no interesse do migrante, da

aprovação e da vigilância da autoridade competente; a autoridade competente do

território onde se efetuam as operações deve exercer vigilância sobre a atividade

das pessoas ou organismos munidos de uma autorização. Os Membros desta

Convenção obrigam-se a assegurar a gratuidade das operações efetuadas pelos

serviços públicos do emprego quanto ao recrutamento, à introdução e à colocação

dos trabalhadores migrantes. Qualquer Membro para o qual a Convenção esteja em

vigor obriga-se a exigir: contrato de trabalho, indicando as condições de trabalho e,

nomeadamente, a remuneração proposta ao migrante; condições gerais de vida e de

trabalho às quais será submetido no território de imigração. Quando um exemplar do

contrato for entregue ao migrante no ato de chegada ao território de imigração, este

deve, antes da partida, ser informado, por um documento escrito que se lhe refira

individualmente, ou se refira ao grupo de que faz parte, da categoria profissional na

qual é contratado e das outras condições de trabalho, nomeadamente a

remuneração mínima que lhe é garantida.

As medidas previstas no artigo 4º da Convenção devem, nos casos

apropriados, compreender: a simplificação das formalidades administrativas, a

instituição de serviços de intérpretes, toda a assistência necessária ao longo de um

período de estabelecimento dos migrantes e dos membros da sua família

autorizados a acompanhá-los ou a se juntar a eles, e a proteção do bem-estar dos

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migrantes e dos membros da sua família autorizados a acompanhá-los ou se juntar

a eles no decorrer da viagem.

Caso um trabalhador migrante classificado como refugiado ou como

pessoa deslocada torne-se desnecessário num emprego qualquer no território de

imigração onde tenha entrado, a autoridade competente deste território possui a

obrigação de fazer todos os esforços para permiti-lo obter um emprego conveniente,

que não prejudique os trabalhadores nacionais, além de também se encarregar de

medidas para assegurar a sua manutenção, esperando pela sua colocação num

emprego conveniente ou pela sua recolocação em outro local.

3.4.3 – Convenção 143 da OIT9

Convocada para Genebra pelo Conselho de Administração do

Secretariado Internacional do Trabalho e realizada em 4 de junho de 1975, a

Convenção 143 considera o Programa Mundial do Emprego da OIT, bem como a

convenção e a recomendação sobre política do emprego, datadas de 1964, e reforça

a necessidade de evitar o aumento excessivo e não controlado ou não assistido dos

movimentos migratórios em função das suas conseqüências negativas do ponto de

vista social e humano.

A Convenção 143 considera igualmente o direito de todo o indivíduo

poder abandonar qualquer país, incluindo o seu, e de entrar no seu próprio país,

direito esse consignado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e no Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, reforçando as disposições contidas na

convenção e na recomendação sobre os trabalhadores migrantes, de 1949; que

também tratam do fornecimento de informações exatas sobre as migrações, das

condições mínimas de que deveriam desfrutar os migrantes durante a viagem e a

chegada, e da adoção de uma política ativa de emprego, bem como a colaboração

internacional nestes campos.

Em virtude da existência de tráficos ilícitos ou clandestinos de mão-de-

obra, a Convenção prevê a necessidade de tomar novas medidas dirigidas contra

9 Convenção 143 da OI: Art. 1-3,5-9. Parte II: Art.10-14.

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abusos; como um tratamento que não seja menos favorável do que o aplicado aos

seus nacionais. Os membros para os quais a Convenção esteja em vigor

comprometem-se a respeitar os direitos fundamentais do homem de todos os

trabalhadores migrantes, além de determinar se existem migrantes ilegalmente

empregados no seu território e se existem, do ou para o seu território, ou ainda em

trânsito, migrações com fim de emprego nas quais os migrantes sejam submetidos,

durante a sua deslocação, em sua chegada ou durante a sua estada e período de

emprego, a condições que não estão de acordo com os instrumentos ou acordos

internacionais aplicáveis, multilaterais ou bilaterais, ou às legislações nacionais.

Os Estados Membros deverão adotar, em nível nacional e internacional,

todas as medidas possíveis no sentido de estabelecer contatos e trocas sistemáticas

de informações com os outros Estados sobre este assunto, consultando

organizações representativas de empregadores e de trabalhadores. Com relação às

legislações nacionais, deverão ser tomadas disposições para uma detecção eficaz

de emprego ilegal de trabalhadores migrantes e para a definição e execução de

sanções administrativas, civis e penais, incluindo penas de prisão, por emprego

ilegal de trabalhadores migrantes e à organização de migrações com fins de

emprego que impliquem nos abusos e ainda na assistência prestada

conscientemente a tais migrações com ou sem fins lucrativos.

O trabalhador migrante não poderá ser considerado em situação ilegal ou

irregular pela simples perda do seu emprego caso já tenha residido legalmente no

país com a finalidade de emprego, o que não deverá acarretar a revogação da sua

autorização de residência ou, eventualmente, da sua autorização de trabalho. O

trabalhador migrante também deverá beneficiar-se de tratamento igual ao dos

nacionais, principalmente no que diz respeito às garantias de segurança de

emprego, reclassificação, trabalhos de recurso e readaptação. Caso haja a

contestação dos direitos previstos anteriormente, o trabalhador poderá fazer valer os

seus direitos perante um organismo competente, seja pessoalmente, seja através

dos seus representantes.

Os membros da Convenção comprometem-se a formular e a aplicar uma

política nacional que se proponha a promover e garantir, por métodos adaptados às

circunstâncias e aos costumes nacionais, a igualdade de oportunidades e de

tratamento em matéria de emprego e de profissão, de segurança social, de direitos

sindicais e culturais e de liberdades individuais e coletivas para aqueles que se

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encontram legalmente nos seus territórios na qualidade de emigrantes ou de

familiares destes. Os Estados Membros também se comprometem a encorajar

programas de educação, e desenvolver outras atividades com o objetivo de

proporcionar aos trabalhadores migrantes o conhecimento mais completo possível

da política adotada, dos seus direitos e obrigações, assim como das iniciativas que

se destinam a prestar-lhes uma assistência efetiva para assegurar a sua proteção e

o exercício dos seus direitos. A Convenção ainda prevê que os Estados Membros

deverão revogar quaisquer disposições legislativas ou práticas administrativas

incompatíveis com a política enunciada, e também deverão elaborar e aplicar uma

política social conforme as condições e costumes nacionais de maneira que os

trabalhadores migrantes e suas famílias possam beneficiar-se das mesmas

vantagens dos nacionais e que preservem as suas identidades nacionais e étnicas,

assim como os laços culturais com os países de origem, dando às crianças a

possibilidade de beneficiar-se de um ensino da sua língua materna.

Os Estados Membros também poderão tomar medidas necessárias,

dentro da sua competência, e colaborar com outros Estados Membros a fim de

facilitar o reagrupamento familiar de todos os trabalhadores migrantes que residam

legalmente em seu território. A livre escolha de emprego poderá ser feita,

assegurando, no entanto, o direito à mobilidade geográfica, à condição de que o

trabalhador migrante tenha residido legalmente no país, com fins de emprego,

durante um período prescrito que não deverá ultrapassar dois anos ou, caso a

legislação exija um contrato de duração determinada inferior a dois anos, que o

primeiro contrato de trabalho tenha caducado. Finalmente, ele poderá regulamentar

as condições de reconhecimento das qualificações profissionais, incluindo

certificados e diplomas obtidos no estrangeiro, após consulta oportuna às

organizações representativas de empregadores e de trabalhadores.

Por várias razões, certas categorias de trabalhadores imigrantes não se

beneficiam de um nível adequado de proteção, por exemplo, os que estão em

situação irregular e outras categorias de trabalhadores vulneráveis, como os de

serviço doméstico, muitos dos quais são mulheres, assim como, em certa medida,

trabalhadores imigrantes temporários.

Todas essas normas, que amparam os trabalhadores imigrantes como a

todos os demais trabalhadores, são vinculantes para a grande maioria dos Estados

Membros da OIT. Depois de compreender a série de instrumentos e dispositivos

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criados com o objetivo de estabelecer um consenso global acerca dos direitos do

imigrante, considera-se o estudo da legislação trabalhista francesa como passo

importante para a percepção da forma esses dispositivos legais exercem impacto

sobre as ações governamentais.

3.5 A legislação trabalhista na França

A França é uma economia industrial em que a legislação trabalhista está

designada a proteger os interesses dos empregados e a se adaptar às necessidades

econômicas dos empregados. As relações trabalhistas são governadas pelo Código

de Trabalho e por acordos de barganha coletiva específicos, que refletem as

práticas de cada indústria.

A relação entre empregado e empregador na França é muito diferente do

que, geralmente, é encontrado no sistema legislativo comum. A relação é bastante

formal e altamente regulada, considerando-se a maioria da legislação direta e

indireta, por grande parte dos advogados, pois a mesma tende a favorecer os

interesses do empregado em detrimento dos interesses do empregador. A legislação

francesa encoraja a divisão de lucros dos empregados e os planos de divisão de

propriedades por meio de reduções no imposto de renda e isenções fiscais. As

horas de trabalho são flexíveis e devem se adequar aos limites de produção.

A contratação de funcionários extra em função de demandas temporárias

também é permitida pela legislação francesa. Porém, a lei restringe o uso de

contratos de emprego temporários de trabalhadores de agência para situações

específicas e, geralmente, estabelece o limite de 18 meses nesses arranjos.

Empregos de curta duração são uma forma efetiva para que as empresas

preencham as suas necessidades, mas estes empregos temporários não podem ser

usados em longo prazo para preencher demandas relacionadas a negócios

irregulares da empresa. Uma empresa pode iniciar um processo de contratação

assim que estiver inscrita. A Agência Nacional de Emprego da França (ANPE) pode

auxiliar empresas a publicar vagas e identificar uma lista de candidatos. A ANPE

também pode oferecer e organizar cursos de treinamento para os candidatos. O

governo central e o governo regional, que são os responsáveis pelo treinamento

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vocacional, também podem organizar cursos de treinamento para atualizar e

desenvolver habilidades de determinadas categorias de futuros empregados para

que se adaptem às necessidades de empresas localizadas na França. As empresas

podem obter assistência do governo por meio de reduções no pagamento de

impostos e recompensas por contratar determinadas categorias de empregados

(FEDEE, 2007).

Um empregado residente na França, ou de outra nacionalidade, deve

possuir um acordo de serviço escrito ou um contrato de emprego. O acordo deverá

estar escrito em língua francesa, mas não há restrições quanto à tradução, mesmo

que a versão do contrato em francês seja a versão que sempre prevalecerá. Em

princípio, todos os contratos de emprego são de período indeterminado de duração

(contrats à durée indeterminée). Os contratos específicos de curto prazo (contrats à

durée determinée) estão sujeitos a rígidas condições e não podem ser renovados

mais de uma vez (idem).

Outro aspecto que deve ser mencionado é a grande diferença entre os

empregados de nível executivo (“cadres”) e empregados de outro nível de

qualificação (“employés”). As provisões da legislação empregatícia são embasadas

no Código de Trabalho Francês (Code du Travail). Acordos de barganha coletiva são

comuns em muitos setores comerciais e industriais, e estão relacionados a um setor

particular da indústria ou comércio, contendo detalhes quanto ao escopo da relação

entre empregado e empregador. Os termos refletem o fruto da negociação local ou

nacional entre corpos que representam os empregadores e os representantes dos

empregados. A forma mais comum de contrato de emprego é o contrat à durée

indeterminée – CDI. Em princípio, as partes estão livres para escrever os seus

próprios contratos e conseguir bons acordos, livres em relação ao conteúdo. Porém,

os contratos não podem contradizer o Código do Trabalho francês ou a indústria em

acordo específico de barganha coletiva que se aplique ao empregador. A atividade

atual da empresa, como estabelecida em seu artigo de incorporação, determina em

que caso os acordos de barganha coletiva são aplicáveis. Um contrato de um

emprego deve estipular a compensação de um empregado, a descrição da sua

função, juntamente com as suas horas trabalhadas e o local de trabalho. O contrato

também deve prever o período probatório. A compensação deve ser no mínimo o

valor estipulado pelo acordo de barganha coletiva ou o mínimo previsto pela

legislação francesa, de € 7,19 bruto/h, em 1° de ju lho de 2003. O contrato também

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deve prever benefícios adicionais quanto à divisão de lucros (TRIPLET &

ASSOCIÉS, 2007).

A França oferece uma organização flexível de trabalho e horas que

possibilitam as empresas a fazer um maior uso da sua fábrica e dos seus

equipamentos para o aumento da produtividade. O padrão francês de semana

trabalhada é de 35 h/semana. Tais provisões constam nos artigos 1.212 e seguintes

do Código do Trabalho francês. As 35 h/semana passaram a ser efetivas em janeiro

de 2000. Em 2003, a legislação passou por uma flexibilização maior, possibilitando

que empresas mantenham o tempo de trabalho dos seus empregados acima de 39

horas semanais, por custos extras e negociáveis. A forma com que o tempo de

trabalho é calculado não está presa ao tempo estabelecido de trabalho semanal.

Dentro desses parâmetros, a série de opções abertas ao empregado vai depender

das necessidades do negócio e da extensão na qual o acordo de barganha coletiva

contém provisões de governança de tempo e de trabalho. Um empregador também

deve optar por horas adicionais de compensação de trabalho em dinheiro mais do

que em dias de descanso. O pagamento de horas extras é definido pelo acordo de

barganha coletiva, mas deve exceder no mínimo 10% do pagamento do trabalhador.

O limite regulatório sobre a hora extra é de 180 h/ano. A autorização do governo é

requerida para exceder o limite de horas extras.

As empresas possuem diversas formas de ajustar horas de trabalho para

se adequarem aos requerimentos do negócio sem que incorram em custos extras.

Se os negócios da empresa flutuam num padrão previsível ao longo do ano, as

horas trabalhadas podem ser aumentadas ou cortadas durante certos períodos sem

implicação de custos extras, conforme os limites estatais. Os empregados devem

receber semanalmente um dia de descanso de duração mínima de 24 horas, no

domingo. Porém, há muitas exceções à regra do domingo. Exceções permanentes

são concedidas quando garantidas pela natureza do negócio da empresa. O

governo também deve conceder exceções temporárias, por exemplo, quando

empresas de manufatura estão operando em períodos extras. Uma compensação

extra é paga aos empregados que trabalham aos domingos e que ainda recebem 1

dia de descanso. Os empregados que trabalham na França têm direito a cinco

semanas de férias remuneradas. O empregador pode não aceitar que o empregado

tire férias se a sua carga de trabalho assim o permitir. Porém, os empregadores

devem deixar que empregados recebam no mínimo 4 semanas de férias entre 1° de

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maio e 31 de outubro. Junto com as férias remuneradas, existem 11 feriados legais

e dias de licença pessoal (idem).

As empresas de todos os tamanhos e em todas as indústrias têm

recebido reduções nas cobranças de segurança social desde 2003. As reduções são

calculadas de acordo com o pagamento por hora. Isso pode representar um valor

acima de 26% do salário bruto por um empregado que receba uma remuneração

mínima. As cobranças dos empregados e empregadores, relativas a saúde e

segurança social, são coletadas pela URSSAF (Unions de Recouvrement des

Cotisations de Sécurité Sociale et d'Allocations Familiales). A saúde e o sistema de

segurança social francês cobrem todos os empregados. A saúde e o sistema de

segurança social da França pagam todos os custos de cuidado com saúde

despendida pelos empregados e suas famílias. O sistema oferece quatro tipos de

benefícios: seguro-saúde (maternidade, cuidados de saúde, incapacidade e

cuidados dentários), pensão por idade, licenças familiares e compensações do

trabalhador. O sistema disponibiliza seguro desemprego compulsório e

aposentadoria. Além disso, os empregadoros estão aptos a acrescentar outros

seguros para que adaptem aos seus empregados (ibidem).

As demissões estão, normalmente, sujeitas a procedimentos estatais

rígidos e burocráticos. No ano de 2002, ocorreram diversas mudanças legislativas

indicando avanços sobre a situação em que deve haver uma razão econômica para

justificar demissões ou torná-las redundantes. As dispensas podem ser individuais

ou coletivas. O indivíduo deve se candidatar a uma entrevista preliminar antes de ser

dispensado. As dispensas individuais ou de dois a nove funcionários só podem se

tornar efetivas após 7 dias da data da entrevista, ou após 15 dias no caso de

demissão. Um plano de supervisão de trabalho deve ser elaborado quando há a

dispensa de 10 ou mais funcionários num período de 30 dias. O plano deve conter a

ação tomada para evitar a perda de empregos. O plano também deve conter os

termos financeiros do pacote de dispensa. Depois disso, esse plano será submetido

aos funcionários representantes e às autoridades de trabalho. O período de

notificação de dispensas por um plano de preservação de trabalho varia de acordo

com o número de empregados considerados. Desligamentos de mais de 100

empregados podem levar mais de 30 dias, após as autoridades de trabalho serem

notificadas sobre o plano de dispensa. O período de espera é de 45 dias para

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desligamentos de 100 a 249 empregados e de 60 dias quando forem mais de 250

empregados (ibid.).

Não há um método padrão simples para o cálculo do pagamento pela

gravidade do desligamento em relação à legislação empregatícia francesa, pois

existem muitas variáveis envolvidas. Em primeiro lugar, é necessário estabelecer a

qualificação do empregado. A entidade responsável pelo acordo de barganha

coletiva também deverá ser consultada a respeito. Uma vez que estas questões

forem tratadas, a razão pela demissão deverá ser examinada em relação ao

pagamento do desligamento, considerando os diferentes níveis de conduta como

muito diferentes do pagamento de um desligamento feito por motivos econômicos.

Após análise, o critério relacionado ao indivíduo passa a ser considerado, como o

tempo de serviço, idade e outros fatores como a demissão de um ou mais

empregados. O pagamento pelo desligamento é de, no mínimo, 1/5 do pagamento

mensal do empregado (incluindo o bônus) para cada ano de serviço acima de 10

anos; e 1/3 do pagamento mensal do empregado (incluindo bônus) para cada ano

de serviço acima de 10 anos, e 1/3 do pagamento mensal do empregado para cada

adicional (Art 1.122).

3.6 Influência do regime de trabalho da OIT na legislação francesa

Ao longo dos itens anteriores, realizou-se um estudo sistemático acerca

do fenômeno da imigração, dos instrumentos criados pela OIT como forma de

garantir os direitos do trabalhador imigrante para tornar mais eficiente o controle

sobre os fluxos imigratórios (Declaração de 1998 e Convenções 97 e 143 da OIT),

da legislação trabalhista francesa e do histórico da imigração na França.

Utilizarei, a partir de agora, o estudo da Declaração de 1998 e das

Convenções 97 e 143 como base para analisar a influência dos instrumentos criados

pela OIT sobre o regime de imigração de trabalho. Tal influência será observada por

meio da análise das regras convencionadas pelo regime de imigração de trabalho na

legislação trabalhista francesa e nas políticas de imigração. Obviamente, o histórico

da imigração na França será levado em consideração na análise das políticas de

imigração implementadas ao longo das últimas décadas. Isso possibilitará

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compreender as diversas mudanças pelas quais o país passou em relação às leis de

imigração e nacionalidade para que possa ser estabelecida uma relação com as

políticas tomadas na atualidade.

Primeiramente, serão observados aspectos da legislação trabalhista

francesa que demonstram a influência dos instrumentos da OIT. Deve-se lembrar

que há certas categorias de trabalhadores imigrantes que não se beneficiam de um

nível adequado de proteção, como as categorias de trabalhadores vulneráveis, no

serviço doméstico etc. – muitos dos quais são mulheres de trabalhadores imigrantes

temporários.

De acordo com a legislação trabalhista francesa, todos os empregados

devem possuir contrato de trabalho que estabeleça a sua remuneração, função,

condições de trabalho e condições de vida. A ANPE é o órgão público responsável

pelo recrutamento, introdução e colocação do trabalhador no mercado de trabalho.

Os procedimentos estabelecidos estão em conformidade com as Convenções 97 e

143 da OIT. A Convenção 97 determina que o governo deve propiciar operações de

recrutamento, introdução e colocação, exigindo-se contrato de trabalho que

contenha remuneração, função, condições de trabalho e de vida. A Convenção 143

determina que as condições do trabalhador deverão estar previstas no contrato de

trabalho.

O governo central e o governo regional têm promovido cursos de

treinamento ou atualização que permitem que os empregados tenham maior

flexibilidade, principalmente nos casos de empregos de curta duração. O governo

francês também oferece classes especiais (d´accueil ou francophone pour primo

arrivants), treinamento especial e centro de informação para auxiliar a educação de

crianças imigrantes (centres de formation et d´information pour la scolarization des

enfants de migrants). Empresas e indústrias que promovem tais cursos também são

beneficiadas com reduções no pagamento de impostos. (EUROPEAN FORUM FOR

MIGRATION STUDIES, 2007). Tais políticas encontram-se em conformidade com as

Convenções 97 e 143. A Convenção 97 determina que os Estados devem

disponibilizar todo o tipo de informação relacionada à imigração e a Convenção 143

determina que os Estados devem encorajar programas de educação e atividades de

aprendizado das políticas adotadas, o que condiz com os incentivos realizados pelo

governo francês no que diz respeito às reduções nos pagamentos de impostos de

empresas ou indústrias que promovem tais cursos.

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Outra questão é que a legislação trabalhista francesa também prevê a

possibilidade de acordos de barganha coletiva para tipos de trabalho específicos, o

que demonstra conformidade com a Declaração de 1998. A liberdade de associação

e liberdade sindical como reconhecimento do direito de negociação coletiva é

determinada pela Declaração de 1998, que é compulsória a todos os Estados

Membros da OIT.

A legislação trabalhista francesa também prevê o recebimento de horas

extra caso se ultrapasse o tempo previsto (limite de 180 h/ano), um dia de descanso

por semana, cinco semanas de férias e feriados, levando ainda em conta que as

demissões estão sujeitas a procedimentos estatais rígidos e burocráticos, sendo

justificável, na maior parte das vezes, apenas por razões econômicas. Todo o

trabalhador tem direito ao seguro-saúde, maternidade, cuidados de saúde, por razão

de incapacidade, e cuidados dentários, pensão por idade, licenças familiares e

compensações do trabalhador. As empresas e indústrias empregadoras e que

fornecem tais benefícios têm recebido reduções no pagamento de impostos desde

2005. Tais direitos são concedidos a todos os trabalhadores em território francês,

independentemente de os mesmos serem franceses ou estrangeiros. Obviamente,

os trabalhadores estrangeiros devem estar regulares para que obtenham os

mesmos. Teoricamente, a concessão de tais benefícios é verificada como a

concessão de um tratamento não menos favorável ao imigrante, o que caracteriza a

busca pela eliminação da discriminação em termos de emprego e ocupação. A

concessão de um tratamento não menos favorável do que é dado aos cidadãos faz

parte das determinações da Declaração de 1998, e das Convenções 97 e 143.

A análise do histórico da implementação das políticas de imigração na

França, com base nos instrumentos da OIT, é o segundo passo para que sejam

tomadas conclusões acerca da influência do regime internacional de trabalho da OIT

sobre as políticas do governo francês. Com a implementação da Lei Pasqua(1993),

as medidas relacionadas à entrada e estada de imigrantes na França restringiam

diversos direitos e os estrangeiros passaram a ser tratados como potenciais

infratores. Os controles de identidade preventivos realizados nas ruas para a

identificação de estrangeiros são mais um exemplo de que o governo francês não

tem proporcionado um trato igual ao que proporciona aos seus cidadãos,

contrariando a Declaração de 1998 e as Convenções 97 e 143. Outra medida

polêmica implementada com a Lei Pasqua infringe não só o direito a um tratamento

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igual, previsto na Declaração de 1998 e nas Convenções 97 e 143, como também o

direito ao atendimento médico previsto na Convenção 97. A nova lei interditava o

acesso dos imigrantes ilegais aos serviços médicos. (REIS, 1999).

O estudo da implementação de leis de imigração também demonstra os

diversos acontecimentos que evidenciam o pouco ou quase nenhum esforço do

governo francês em facilitar o reagrupamento familiar, medida prevista na

Convenção 143 da OIT. Desde o início da história da imigração na França, quando o

governo francês começou a incentivar a vinda de trabalhadores imigrantes,

alojamentos com capacidade para somente uma pessoa foram construídos a fim de

excluir a possibilidade de vinda de familiares do trabalhador imigrante (MCNEILL,

2007). A Lei Debré é outro exemplo: uma das medidas do projeto prevê que pais de

crianças francesas devem provar que contribuem com a subsistência de seus filhos

desde o primeiro ano de vida dos mesmos (idem).

Observam-se também restrições à liberdade individual, como o direito de

ir e vir. A Lei Pasqua determinava que todo o francês que abrigasse um estrangeiro

em casa seria obrigado a declará-lo ao governo francês. Tal medida denota não só

uma dose de racismo como também a infração dos direitos individuais do cidadão. A

infração ao direito de ir e vir é observada em diversas medidas implementadas com

a Lei Debré. Segundo a mesma, um estrangeiro pode ter o seu passaporte

confiscado pela polícia até que seja concluído o seu processo de expulsão, veículos

coletivos devem situar-se a 20km de distância da fronteira com países que fazem

parte do acordo de Schengen, assim como o estrangeiro que estiver desprovido de

documentos fica sujeito à deportação ou outras sanções (ibidem).

No entanto, verifica-se um certo esforço do governo francês em cumprir

uma das normas previstas pela Convenção 143 da OIT: a detecção do trabalho

clandestino. Mesmo que classificados na categoria de não-expulsáveis. De acordo

com o ministro francês da integração, Brice Hortefeux, a França possui de 200.00 a

400.000 clandestinos. Para controlar esse fluxo, ele ressalta que o governo deverá

concentrar-se na luta contra o trabalho ilegal e o “mercado da dormida”. Ele enfatiza

que os controles aumentaram em 300% e as interpelações aumentaram em 280%

em comparação com o ano de 2006. Para evitar a imigração clandestina, o ministro

afirma que disponibilizará orçamento de € 60 milhões do seu próprio ministério para

organizar e financiar ações concretas nos países de origem. Ele também declara

que pretende favorecer a mobilização para que imigrantes invistam nos países de

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origem, promovendo programas como o Caixa de Poupança que proporcionará a

redução de impostos para que o imigrante invista em seu país. Para controlar o

reagrupamento familiar, o governo pretende exigir teste de conhecimento em língua

francesa ou curso de 2 meses para que os mesmos adquiram um grau de expressão

básico. Os testes serão aplicados pela ANAEM (Agência Nacional de Acolhida dos

Estrangeiros e das Migrações), Aliança Francesa ou estruturas privadas. O projeto

de lei prevê o conhecimento de valores da República Francesa e os candidatos

deverão ter uma previsão de moradia e de renda que seja suficiente para que não

viva de rendas de assistência governamental (LE FIGARO MAGAZINE, 11/09/2007).

Há uma grande contradição entre a realidade da questão da imigração, o

discurso e as leis que têm sido implementadas. Em parte, observa-se uma certa

eficiência dos instrumentos da OIT para fazer com que a legislação trabalhista

cumpra com determinadas ações. De fato, o atual primeiro-ministro francês tem

enfatizado a necessidade de evitar o aumento excessivo e não controlado ou não

assistido dos movimentos imigratórios em função das suas conseqüências

negativas. Os testes de DNA e a política de cotas são medidas que têm buscado

resultado nesse sentido. Encontra, ainda, maior respaldo em outros trechos da

Convenção 143 da OIT, que prevê a necessidade de uma detecção eficaz de

trabalhadores imigrantes em emprego ilegal, além de sanções administrativas, civis

e penais, incluindo penas de prisão.

Percebe-se que o regime internacional de trabalho da OIT exerce uma

influência significativa, mas não chega a exercer o que se chama de governança. A

França é um caso particularmente difícil, pois o governo tem ignorado diversas

determinações e tem vivido um verdadeiro dilema no que se refere a questões como

o aumento do desemprego, aumento da marginalidade e da violência – uma vez que

tais fatores têm pressionado para que políticas públicas que andem contra as

determinações dos instrumentos da OIT. De acordo com Young (1999), é muito cedo

para definir um julgamento em relação ao estudo de regimes. Não há base para

esperar que regimes ofereçam uma solução simples e abrangente para o problema

da governança. Entende-se, nesse sentido, que os regimes internacionais atuam

como facilitadores da comunicação e da organização entre os atores. Através do

estabelecimento de padrões e normas jurídicas, os mesmos buscam solucionar

problemas e interesses em comum, aumentando a velocidade com que as questões

são tratadas, atribuindo-lhes um foco específico e articulando-as conforme os

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interesses dos diversos atores. Exemplo disso são as discussões da União Européia

sobre as cotas de imigração (BBC BRASIL, 05/08/2006).

Caso se mantenha uma política de imigração com as mesmas

características que vêm se desenvolvendo ao longo dos anos, a idéia da França

como pátria dos direitos humanos torna-se uma mera utopia. Vale lembrar que, em

1997, o governo de direita perdeu as eleições legislativas e formou-se um novo

governo. A primeira medida desse novo governo buscava resolver os problemas dos

sans-papier, por meio da regularização da situação de milhares de pessoas que

faziam parte dos critérios definidos pela Comission Nationale Consultative des Droits

de l´Homme, acompanhada de promessa de mudança na política de imigração.

Porém, o crescimento da aderência às idéias do Front National influenciou na

atuação da direita e demonstrou que as concepções da extrema direita possuem um

apelo significativo, tanto pela situação econômica crítica em que se encontra o país

como pela facilidade em que tais idéias penetram numa sociedade permeada pelo

racismo e xenofobia (REIS, 1999).

A concepção de direita está se diversificando cada vez mais nos últimos

anos. A globalização tem favorecido o processo de diferenciação no mundo. Dessa

forma, quando se trata de defender o direito dos imigrantes, deve-se primeiro ter em

mente o que se considera como direito do imigrante. As fronteiras estão sendo

abertas para o fluxo de mercadorias, de dinheiro e de idéias. Porém, o fluxo de

pessoas parece andar na direção oposta, pois as fronteiras tendem a se fechar cada

vez mais e as leis de imigração têm-se tornado mais rígidas no decorrer dos anos

1980 (Martin e Hollifield, 1995). Percebe-se que quanto menor o mundo se torna,

maior será a necessidade que as pessoas têm de delimitar o seu espaço e, mais, os

problemas e recursos tendem a se tornar globais, mas os países e regiões tendem a

se fechar e a definir uma identidade própria que o diferencie dos outros (SANTOS,

1995). Embora processos econômicos venham sendo objeto de regulamentações

internacionais e embora haja uma preocupação dos governos, as questões de

representação política, dos direitos humanos e dos direitos sociais raramente serão

consideradas por esses governos (REIS, 1999).

O sentimento antiestrangeiro cresceu de maneira significativa como um

todo. Tal desconfiança sobre a formação da União Européia e seus efeitos sobre a

soberania do país vêm ocorrendo desde os anos 80. A tentativa de proibição do uso

de palavras de língua inglesa no rádio e na televisão ou a proibição do uso do véu

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islâmico nas escolas francesas ilustram a tendência. Quando a própria identidade se

encontra em crise, qualquer sinal diferente na sociedade pode ser percebido como

uma ameaça, permitindo o surgimento de ideologias como o tradicionalismo (idem).

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4 CONCLUSÃO

O primeiro capítulo buscou consolidar as bases teóricas necessárias para

a compreensão da Teoria Institucionalista e posterior utilização da mesma para uma

análise crítica da influência do regime de trabalho da OIT sobre as políticas de

imigração e de trabalho na França. A conceituação do processo de

institucionalização e exemplos de normatização da vida social foram os primeiros

passos para a definição das normas, da abordagem evolucionária e para a pesquisa

de mecanismos de apoio às normas, tratando da abordagem sociológica e

racionalista das intituições e buscando uma compreensão mais específica dos níveis

de intitucionalização, especificamente de comunidade epistêmica, regime

internacional e organização internacional.

O segundo capítulo focou no estudo de caso da França. O fenômeno da

imigração foi estudado, considerando o papel da OIT e das normas internacionais de

trabalho (principalmente os instrumentos que visam a proteger o trabalhador

imigrante e controlar os fluxos imigratórios) sobre a legislação trabalhista francesa. A

utilização dos instrumentos da OIT (especificamente, a Declaração de 1998 e as

Convenções 97 e 143) foi verificada na legislação trabalhista e ao longo da

implementação de políticas de imigração na história da França. Após esta análise,

foi possível definir a influência do regime de trabalho internacional da OIT sobre as

políticas de trabalho e imigração na França.

Dessa forma, buscou-se focar num comportamento mais objetivo do ator

social, explorando as condições nas quais a cooperação se insere e sendo de

grande auxílio o questionamento a respeito do cumprimento de compromissos

firmados. Para que os regimes internacionais sejam efetivos, o seu conteúdo deve

ser obedecido; e deve-se entender a direção da mudança na política mundial.

No capítulo anterior, verifica-se que diversos aspectos da Declaração de

1998 e das Convenções 97 e 143 estão presentes na legislação trabalhista francesa.

Ao mesmo tempo, observa-se que o governo francês implementou formalmente –

por meio de normas jurídicas – políticas de imigração que vão na direção oposta às

definições dos instrumentos da OIT, como tratamento igual, assistência médica,

violação de privacidade, dentre outros. Mesmo assim, o discurso do atual primeiro-

ministro francês incorpora aspectos significativos da Convenção 143 da OIT, como a

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tentativa de controle dos fluxos imigratórios e a detecção eficaz da clandestinidade,

sujeitando o infrator à punições. Ou seja: há ambivalência quanto à influência do

regime internacional de trabalho da OIT sobre a França contemporânea.

Pensa-se nos Direitos Humanos e na proteção dos direitos do

trabalhador, mas tal reflexão deve estar acompanhada de uma análise detalhada do

ambiente onde ocorre o fenômeno. A França tem alcançado índices sucessivos de

desemprego, o inchaço nos subúrbios franceses tem motivado o aumento da

violência e marginalização, acompanhado do fato de que o Estado não é capaz de

proporcionar assistência social a todos, principalmente os que não contribuem com

impostos.

A institucionalização da questão imigratória é vista pela tentativa de

coordenação e padronização de comportamentos delimitados por instrumentos da

OIT, como a Declaração de 1998, as Convenções 97 e 143, que definem e

estruturam a interação entre o governo francês e os imigrantes no território francês.

Isto é, as mesmas determinam os direitos e deveres das partes e de que forma se

dá a interação entre elas, incluindo a sua influência sobre a legislação trabalhista e

as leis de imigração e de nacionalidade na França. É justamente por focar no estudo

da Declaração de 1998, e Convenções 97 e 143, que consideramos neste trabalho

apenas os “constrangimentos formais” – como denominados por Douglass North

(1994) na estruturação dessa interação.

As normas internacionais de trabalho foram utilizadas no estudo de caso

por estarem inseridas em formas de conduta determinantes para a vida social. O

direito ao recebimento de benefícios, como seguridade social por parte de imigrantes

legalizados e que possuem permissão de trabalho, o direito ao tratamento que não

seja menos favorável do que o aplicado aos nacionais: garantias de segurança de

emprego, trabalhos de recurso e readaptação, facilitar o reagrupamento familiar e o

direito à mobilidade geográfica quando o trabalhador imigrante já tiver residido no

país, à regulamentação das condições de reconhecimento de qualificações

profissionais que inclui certificados e diplomas são exemplos de normas que se

tornaram leis e que determinam a vida social dos imigrantes, delimitam o que podem

fazer, até onde vão os seus direitos e o que é considerado ilegal e, em função disso,

define sanções. A situação dos sans-papier parece ser o caso mais concreto dos

resultados que o governo francês tem obtido com as diversas mudanças de leis de

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imigração e nacionalidade promulgadas ao longo dos anos, que deixaram diversos

imigrantes em situação irregular.

Mesmo que a França não tenha ratificado as referidas Convenções, a

mesma é um dos países membros da organização e, portanto, deveria implantar

políticas que vão de acordo com as linhas gerais da organização. O fato de ser um

país membro da organização já é um mecanismo de regulação do comportamento

criado na tentativa de facilitar o entendimento não só entre a própria OIT e o governo

francês, mas também entre o governo francês e os imigrantes.

De acordo com Robert Axelrod (1997), a norma começa a entrar em

decadência a partir do momento em que os jogadores deixam de “punir o desertor”.

O que funciona bem para o jogador está mais propício a ser usado novamente, da

mesma forma como estratégias efetivas estarão mais propícias a ser repetidas. A

OIT não possui nenhum mecanismo de sanção direta que possa ser aplicado ao

governo francês. Mas essa questão das normas é claramente visível quando se

observa a projeção que o Front National conquistou ao longo desta última década,

que ocorreu à proporção que a questão migratória ganhou importância na França –

haja vista os problemas crescentes como o aumento do desemprego, o crescimento

dos subúrbios e o aumento dos níveis de violência e pobreza na França. O

crescimento do Front National é proporcional, na medida em que a sociedade

francesa tem visto cada vez mais os imigrantes como uma ameaça. O partido ainda

não alcançou nenhuma vitória, mas a forma com que os demais partidos têm

incorporado as suas idéias demonstra não só a concepção evolucionária de Axelrod,

que os jogadores / atores posssuem a tendência de copiar as condutas / ações que

alcançam mais sucesso, senão também reflete o nível de xenofobia e intolerância

que os franceses têm incorporado com relação à questão.

Nesse sentido, cabe retomar as questões que têm motivado o aumento

da intolerância francesa e das tensões entre os mesmos em relação aos

trabalhadores imigrantes, tratadas por Castel. A corrida para o aumento da eficácia e

da competitividade têm se tornado fatores chave para desqualificação dos menos

aptos. Tal modelo de administração requer não somente competências técnicas,

como também sociais e culturais, que se contrapõem com a cultura profissional da

maioria dos assalariados. Dessa forma, a empresa tende a adaptar as qualificações

dos trabalhadores às transformações tecnológicas, isto é, a formação permanente

torna-se uma seleção permanente. A invalidação de grande parte dos trabalhadores

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é o resultado de tais mudanças, os trabalhadores mais velhos ou os que não são

suficientemente qualificados são os mais afetados. Ao invés de proporcionar

dignidade e conferir status ao indivíduo, o trabalho passa a exercer efeitos opostos.

(Castel,1998) Ele torna mais difícil a integração do indivíduo, além de impulsionar a

sua condição de marginalizado na sociedade, propiciando tensões, como os

distúrbios nos subúrbios de Paris em 2005 protestando a morte de dois

descendentes de africanos pela polícia parisiense.

A própria história da imigração na França, a idéia de incentivo à vinda de

“populações compatíveis culturalmente”, excluindo os incentivos para a vinda de

africanos e asiáticos, é exemplo disso. A história da legislação da imigração,

exemplificando as contradições das Leis Pasqua e Lei Debré, demonstram os

“modelos mentais” que foram definidos continuamente ao longo de experiências

como as citadas anteriormente e de contato com idéias dos outros. As mesmas só

reforçaram a construção da idéia do imigrante como uma ameaça, um atentado à

segurança nacional (o aumento crescente do desemprego e de problemas sociais,

particularmente nos subúrbios franceses) são variáveis que só têm reforçado essa

idéia (MCNEIL, 2007).

O conceito legal de Estado soberano e a autonomia do Estado francês

são elementos considerados em relação de coexistência com a interdependência

econômica e estratégia que permeia as condições nas quais a OIT atua e o regime

de imigração do trabalho foi criado. A cooperação pela ação dos atores e a sua

conformidade no processo de coordenação política é peça chave do estudo

(KEOHANE, 1998). Não obstante, a evolução do regime internacional de migrações

internacionais evidencia o reconhecimento de que o indivíduo possui direitos,

independentemente de sua nacionalidade – embora a implementação desses

direitos ainda dependa das ações dos Estados receptores. O conceito moderno de

cidadania está relacionado à idéia de nacionalidade. Isto é, para adquirir a

cidadania, o indivíduo deve possuir a nacionalidade. Dessa forma, o Estado deve

definir as suas fronteiras externas e internas, o tipo de indivíduo que será aceito em

sua entrada ao país, quais poderão se tornar permanentes e quais poderão se tornar

cidadãos (REIS, 2004).

A evolução do regime de migrações internacionais também é identificada

como causa da fragilidade do Estado em questões sobre quem pode atravessar as

suas fronteiras e se estabelecer em seu território. Tal evolução é identificada como a

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causa pela qual ocorre o reconhecimento cada vez maior de direitos universais de

pessoa, e em que os direitos exclusivos de cidadania estariam diminuindo. Percebe-

se que os imigrantes vêm ganhando, formalmente, os mesmos direitos que os

cidadãos nacionais, sem que tenham que naturalizar-se (idem). Em vista disso, um

conjunto de instrumentos legais estaria se desenvolvendo e atuando como diretriz

para a gestão dos assuntos migratórios na legislação nacional, padronizando e

racionalizando a categoria e o status de migrantes internacionais (SOYSAL, 1998).

Por conseguinte, a decisão sobre as fronteiras passa a deixar de ser uma decisão

estritamente política, para que passe a ser estabelecida por convenções, tratados e

legislações internacionais de acordo com os direitos individuais universais (REIS,

2004).

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