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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA CHIARA MELISSA GOMES A ALIENAÇÃO PARENTAL EM FAMÍLIAS DISSOLVIDAS E A RESPONSABILIDADE CIVIL CURITIBA 2019

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

CHIARA MELISSA GOMES

A ALIENAÇÃO PARENTAL EM FAMÍLIAS DISSOLVIDAS E A RESPONSABILIDADE CIVIL

CURITIBA

2019

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CHIARA MELISSA GOMES

A ALIENAÇÃO PARENTAL EM FAMÍLIAS DISSOLVIDAS E A RESPONSABILIDADE CIVIL

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito, do Centro Universitário Curitiba.

Orientador: Profª MSc Camila Gil Marquez Bresolin

CURITIBA

2019

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CHIARA MELISSA GOMES

A ALIENAÇÃO PARENTAL EM FAMÍLIAS DISSOLVIDAS E A RESPONSABILIDADE CIVIL

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos

professores:

Orientador: Profª MSc Camila Gil Marquez Bresolin

___________________________________________________

Prof. Membro da Banca

Curitiba, de de 2019.

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Ao meu filho IAN LUCCA, a alegria de todos os meus dias,

quem me fortalece e motiva a persistir.

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AGRADECIMENTOS

Sem dúvidas, um momento marcante e crucial, pois determina o fim de um ciclo. E

logo, tudo que foi aprendido em salas de aula será aplicado na vida profissional, o que

não seria possível sem a transferência do conhecimento dos excelentes professores

da faculdade Unicuritiba. Profissionais que jamais serão esquecidos pelo seu

brilhantismo e paciência ao lecionar.

Jamais esquecerei da desenvoltura e didática com que ministraram suas aulas,

sempre primaram pela paciência e domínio do conteúdo, meu muito obrigada.

À Mestre e professora Camila Gil M. Bresolin que me acolheu como orientanda,

resolvendo minhas dúvidas e inseguranças, minha franca gratidão.

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RESUMO

Este trabalho objetiva traçar a evolução das organizações familiares, como o afeto foi

assimilado nas relações interfamiliares. Entender como a alienação parental deixou

de ser um problema interno das famílias para ser encarado como um desrespeito ao

direito à dignidade da pessoa humana e afronta ao princípio do melhor interesse da

criança. Ao longo do tempo ocorreu o entendimento de se fazer necessário criar

mecanismos e leis que protegessem crianças e adolescentes sob guarda de seus

pais, os quais têm o poder-dever de cuidar, defender seus interesses e não os

prejudicar. As circunstâncias em que acontece o abuso, os efeitos danosos causados

não só ao filho(s) ou filha(s) como também ao genitor alienado. Alienação parental é

abuso psicológico, tem lei específica e prevê sanções ao alienador, como sua

responsabilização civil. Busca delimitar o que ocorre em demandas familiares que

envolvem indícios de alienação, a importância da assistência técnica prestada visando

auxiliar o juiz por meio de psicólogos e assistentes sociais e as soluções encontradas.

Palavras-chave: abuso, alienação parental, família, pais, filhos.

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ABSTRACT

This work aims to trace the evolution of Family formations, how affection was assimilated in the relationship of families and its importance. Understand how parental alienation is no longer na internal matter of families to be seen as a disrepect to the right to the dignity of the human person and defies the principle of the best interest of the child. Over time, it has become clear that it is necessary to create mechanisms and laws that protect children and adolescentes in custody of their parentes, who have the power-duty to care for, defend their interests and not harm them. The circumstances in which the abuse takes place, the harmful effects caused not only to the children but also to the alienated parent. Parental alienation is psychological abuse, has specific law and provides sanctions to the alienator, as his civil liability. It seeks to delimit what occurs in Family demands involving evidence of alienation, the importance of technical assistance provided to assist the judge through psychologists and social workers and the solutions found.

Key words: abuse, parental alienation, Family, parents, children.

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LISTA DE SIGLAS

CC – Código Civil

CF – Constituição Federal

CPC – Código do Processo Civil

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................9

2 A FORMAÇÃO FAMILIAR......................................................................................11

2.1 A GUARDA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES SOB O PODER FAMILIAR......15

2.1.1 Contexto do Divórcio..........................................................................................18

2.1.2 O Regime de Convivência..................................................................................23

2.1.3 Aspectos Psicológicos e Jurídicos na Guarda Compartilhada............................26

2.1.3.1 O poder parental nas famílias reconstituídas..................................................32

3 SITUAÇÕES DE ABUSO........................................................................................38

3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ALIENAÇÃO PARENTAL.....................................42

3.2 A RESPONSABILIDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA............................................50

4 EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO NA PROTEÇÃO À CRIANÇA..............................53

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................56

REFERÊNCIAS..........................................................................................................59

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho de conclusão de curso é baseado na pesquisa da alienação

parental que ocorre após as famílias se dividirem e quais as consequências para quem

adota pratica essa conduta e quem sofre seus efeitos. O problema surge no convívio

familiar e causa danos psicológicos aos tidos vulneráveis, crianças e adolescentes e

possível responsabilização ao alienador.

No capítulo 2, buscou-se abordar a importância da família na sociedade,

formada de famílias, agrupamentos de pessoas que unidas pelos laços de sangue ou

vínculos afetivos, são também tuteladas pelo Estado, visando proteger os direitos de

seus integrantes. A Constituição Federal de 1988 instituiu a igualdade entre homens

e mulheres, e consequentemente, a igualdade de direitos e responsabilidade na tutela

e guarda dos filhos. Os pais detêm o poder familiar, seja casal heterossexual, casal

homoafetivo que adota seus filhos, ou pais em outras uniões após a separação.

Entender como o poder familiar é exercido, tanto pelo genitor que detém a

guarda como pelo genitor visitante, e de que maneira essa divisão determinada

judicialmente está relacionada com a alienação parental. Quem não detém a guarda

do filho tem o direito à convivência aos filhos e é recíproco aos filhos, crianças ou

adolescentes. É recomendável o relacionamento entre pais e filhos ser pautado no

melhor interesse dos filhos, reconhecendo seus direitos fundamentais, garantindo-

lhes proteção integral.

Como ocorrem os processos de divórcio e dissolução de união estável em que

a mediação é valorizada ao facilitar um acordo e obter melhores resultados para as

partes. Assim, a guarda compartilhada é o regime de guarda é preferencialmente

adotado por proporcionar maior proximidade entre pais e filhos.

Procurou-se abranger as principais formas de abuso, a privação de convívio

imposta à criança com seu pai ou mãe é uma forma de violência psíquica, e

constatado o dano psicológico sofrido, há possibilidade para requerer a indenização

moral. Outras formas de dano moral e psicológico foram pesquisadas para abranger

as situações de abuso, tais como: o abandono afetivo, a omissão da existência do

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filho que prejudica não só a criança como o genitor privado desse conhecimento, e o

genitor que convive mas deve alimentos.

Verificou-se que alienação parental frequentemente acontece ao final dos

relacionamentos de forma não amigável. Sendo utilizada como um meio de vingança

por um genitor contra o outro que passa a ser rejeitado pelo próprio filho e privado do

seu convívio.

Pode se constatar ao longo do texto que a proteção à família no ordenamento

jurídico ocorreu recentemente. Pois a partir de 1988 com a promulgação da

Constituição Federal, em que os direitos fundamentais garantidos a homens e

mulheres igualmente passou a influenciar na guarda dos filhos e o poder familiar. As

mulheres reconhecidas a partir de então como plenamente capazes, distorção que foi

plenamente corrigida com o Código Civil de 2002, são muitas vezes as detentoras da

guarda dos filhos. O Estatuto da Criança e do Adolescente sancionado em 1990,

complementou as garantias aos direitos dos vulneráveis. A Lei da Alienação Parental

e a Emenda Constitucional 66 de 2010 passaram a embasar as ações relativas à

alienação parental. A Lei da Palmada de 2014 foi criada com o fim de resguardar as

crianças e adolescentes dos castigos cruéis e degradantes aplicados pelos pais.

Normas criadas com o objetivo de garantir uma vida digna e direito a um

desenvolvimento sadio das crianças e adolescentes.

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2 A FORMAÇÃO FAMILIAR

A família é o eixo natural e base da sociedade, merece proteção e a devida

tutela pelo Estado. A família é o ambiente propício para o desenvolvimento da

personalidade e promoção da dignidade de seus integrantes, em que o vínculo ocorre

pelo afeto. A entidade familiar ou família, não é necessariamente decorrente de

matrimônio segundo Katia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel1, pode ser também

baseada em uma união estável.

Na concepção de Maria Berenice Dias², família é uma construção cultural de

estruturação psíquica em que os integrantes não precisam exatamente ter uma

ligação biológica.

Historicamente, a sociedade é organizada em torno das famílias, e entre outras

intervenções pelo Estado, foi instituído o casamento como regra de conduta, assim,

quem quisesse formar uma família, deveria antes casar.

Ainda segundo a mesma autora, ao longo do tempo, uma sociedade

conservadora, patriarcal, em que o pai era tido como o provedor da família, sofreu

transformações à medida que a mulher passou a fazer parte do mercado de trabalho.

Concomitante a isso, ocorreu o êxodo rural, a vida nas cidades reduzindo o espaço

de convivência e estreitando os vínculos afetivos entre seus integrantes. O afeto é tido

como a sustentação da família, sendo que quando termina, também se desfaz o

vínculo com o consequente divórcio.

A Constituição Federal de 1988 instituiu a igualdade entre o homem e a mulher

garantindo proteção a todos os integrantes da família igualmente. No entendimento

de Dias:

“Estendeu proteção à família constituída pelo casamento, bem como á união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental.

____________________

1 MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Direito Fundamental à Convivência Familiar. In:______ Curso de Direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 4ª ed. rev. e atual.. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010. p. 68.

2 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 12ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 37.

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Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações3.”

As uniões outrora chamadas de concubinato4, que não têm a chancela do

casamento, são denominadas união estável atualmente. Reconhecidas como família,

passaram a ser legalmente aceitas. Ainda, de acordo com o Enunciado 3 do IBDFAM

– Instituto Brasileiro de Direito de Família: “Em face do princípio da igualdade das

entidades familiares, é inconstitucional o tratamento discriminatório conferido ao

cônjuge e ao companheiro.”5

Atenta-se à proteção da vida em comum, seja em casamentos ou uniões sem

formalidades, com o objetivo de se resguardar qualquer tipo de constituição de família,

não importando sua origem segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald6.

O Artigo 1.723 do Código Civil aborda a família reconhecendo a união estável

como entidade familiar baseada na convivência pública, contínua e duradoura e

estabelecida com o objetivo de constituir família. O Estatuto da Criança e do

Adolescente no seu artigo 25 entende por família natural a comunidade formada pelos

pais ou qualquer deles e seus descendentes. No Dicionário Houaiss há uma

abordagem mais ampla: “Núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que

geralmente compartilham o mesmo espaço e mantêm entre si uma relação solidária.”7

Quanto ao afeto que é intrínseco às relações familiares, valorizado nas

decisões judiciais, não é possível de ser exigido pelo Poder Judiciário, sob risco de

ferir sua natureza espontânea8. Apesar de sua relevância no contexto familiar, o afeto

não é vinculante, tampouco obrigatório, não sendo reconhecido como princípio

fundamental, mas como um postulado importante.

____________________

3 DIAS, 2017, p. 40.

4 Id., p. 254.

5 IBDFAM. Disponível em <www.ibdfam.org.br/conheca-o-ibdfam/enunciados-ibdfam>,, acesso em: 30 ago 2018.

6 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: famílias. 6ª ed. rev., ampl., atual. Salvador: Editora jus Podium, 2014. p. 459.

7 IBDFAM. Disponível em <www.ibdfam.org.br/noticias/5990/Dicionário+reformula+conceito+de +família>, acesso em: 04 set 2018.

8 FARIAS; ROSENVALD, 2014. p. 65.

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Em ambos, casamento ou união estável, há a obrigação da guarda, sustento e

educação dos filhos9, inseridos nos direitos e deveres dos cônjuges com previsão no

artigo 1.566 do Código Civil10.

Tendo sua vida influenciada pela família, não é exagero dizer que nesse

ambiente se inicia também o treino à convivência e às relações intersociais. É onde

as primeiras informações são absorvidas, aprendidas as primeiras regras e limites, e

assim, a criança e adolescente forma sua visão de mundo com os valores, crenças e

princípios adquiridos no seio da família.

A família como instituição socioafetiva, tem considerável importância para a

sociedade, tanto que existem Varas especializadas para tratar das questões familiares

e resolver os conflitos com o cuidado que é necessário11.

Flávio Tartuce sustenta que a afetividade é um princípio jurídico aplicado ao

âmbito familiar e apesar da falta de sua previsão expressa na legislação, já é

reconhecida pelo judiciário como relevante princípio do ordenamento jurídico

brasileiro. Os princípios proporcionam consequências concretas dada a sua

importância para a sociedade. O autor esclarece que o afeto equivale à interação entre

as pessoas, não significando exatamente amor. Logo, do vínculo familiar, mais que

um vínculo biológico, há também a parentalidade socioafetiva “baseada na posse de

estado de filho”12.

Afeto é sentimento que surge espontaneamente entre pais e filhos, dada a

contínua relação de proximidade, convívio e rotina. Envolve cuidado, proteção e

preocupação com o bem-estar das pessoas, fundamenta as relações de parentesco.

____________________

9 MACIEL, 2010, p.95.

10 Art. 1566 do CC: São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos.

11 CEZAR-FERREIRA, Verônica A. da Motta. Família, separação e mediação: uma visão psicojurídica. São Paulo: Editora Método, 2007.

12 TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 5: Direito de Família. 13ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 25-27.

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Rodrigo da Cunha Pereira entende que a família é sobretudo uma construção

psíquica além de constituir um grupo cultural, em que cada um de seus integrantes

tem uma função, um papel a desempenhar. O papel de pai pode ser desempenhado

por alguém que não seja o pai biológico, o mesmo com a mãe, tanto é que existe o

instituto da adoção para tais casos. A família desempenha função fundamental de

transmissão de cultura. E segundo o mesmo autor13:

Se as tradiçoes espirituais, a manutenção dos ritos e dos costumes, a conservação das técnicas e do patrimônio são com ela disputados por outros grupos sociais, a família prevalece na primeira educação, na repressão dos instintos, na aquisição da língua acertadamente chamada de materna. Com isso, ela preside os processos fundamentais do desenvolvimento psíquico, preside esta organização das emoçoes segundo tipos condicionados pelo meio ambiente, que é a base dos sentimentos, segundo Shand; mais amplamente, ela transmite estruturas de comportamento e de representação cujo jogo ultrapassa os limites da consciência.

Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os

mesmos direitos, conforme o princípio de igualdade entre filhos disposto no Artigo 227,

§ 6º da Constituição Federal, sem distinção de qualquer ordem, apresentando o

mesmo comando o artigo 1.596 do Código Civil.

Ainda, de acordo com Flavio Tartuce, a igualdade se estende aos filhos

socioafetivos e aos havidos por inseminação artificial. Da mesma forma, baseando-se

na isonomia constitucional, a lei reconhece a igualdade entre homens e mulheres

quanto à sociedade conjugal ou convivencial, previsto no artigo 226, § 3º e artigo 5º, I

da Constituição Federal.14

____________________

13 LACAN, 1938 apud PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de familia : uma abordagem psicanalitica 4.a ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2012. p.10.

14 TARTUCE, 2018. p. 16. CF, Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 6º: Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Art. 226: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º: Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Art. 5º, I: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e os estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segu-

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2.1 A GUARDA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES SOB O PODER FAMILIAR

Ser responsável pelos filhos é um dever jurídico previsto no artigo 22 do

Estatuto da Criança e do Adolescente e no artigo 1.634, II do Código Civil15, assim, a

guarda comum dos pais sobre os filhos menores é exercida enquanto estiverem

juntos.

Existe diferença entre poder familiar, guarda e companhia. O poder familiar é

mais amplo, englobando a guarda (que constitui um dever) e a companhia, que

constitui um direito de estar junto, desfrutando momentos com os filhos. Quem não

tem a guarda tem o direito a estar convivendo com o filho, exercendo vigilância,

assistência e representação16. O que não quer dizer que o genitor não guardião não

detenha poder familiar, tem o direito de visitar os filhos e verificar seu estado geral.

O poder familiar ou autoridade parental é exercido sobre os filhos até que estes

atinjam a maioridade ou se emancipem na definição de Paulo Lôbo17 e resume quanto

ao poder familiar: “assume mais uma função educativa que propriamente de gestão

patrimonial, e é ofício finalizado à promoção das potencialidades criativas dos filhos”.

Portanto, o poder familiar é decorrente da parentalidade em que os pais são os

defensores legais e protetores naturais dos filhos, e a autoridade que lhes é natural,

____________________

rança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. Art. 1596 do CC : Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

15 Art. 1.634 do CC: Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno

exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I - dirigir-lhes a criação e a educação; II

- exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

16 MACIEL, loc. cit.

17 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 295-297.

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delegada pela sociedade e pelo Estado.

No caso de separação ou divórcio, ainda que um dos pais detenha a guarda,

ambos os pais continuam exercendo o poder familiar. De forma que, aquele que não

for guardião, pode visitar, ter os filhos em sua companhia, e também verificar sua

mantença.18

As crianças e adolescentes são protegidas no âmbito da legislação com

previsão nos artigos 71 do Código de Processo Civil (que trata de sua representação

ou assistência) e os artigos 3º, 4º do Código Civil que abordam a incapacidade

absoluta e relativa, o art. 76 que fala do domicílio do menor ser o mesmo do seu

representante ou assistente. Além dos artigos 19 e 142 do Estatuto da Criança e do

Adolescente que tratam do direito da criança à convivência familiar e comunitária além

do proteger seus interesses.19

Também devem ser respeitadas enquanto sujeitos de direitos, pois são seres

humanos titulares de direitos indisponíveis conforme a doutrina da proteção integral,

defende Mário Luiz Ramidoff20. A Doutrina da Proteção Integral tem base político

constitucional e visa orientar os programas e metodologias sob o ponto de vista

humanista para tratar dos valores sociais da infância e da adolescência. Sua finalidade

é melhorar as condições de existência digna, especialmente nesta fase de

desenvolvimento.21

____________________

18 LÔBO, 2011, p. 298 - 301.

19 CPC - Art. 71: O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei. Art. 76, caput: Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício. CC –

Art. 3º: São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16

(dezesseis) anos. Art. 4º do Código Civil: São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; ECA – Art. 19: É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. Art. 142: Os menores de dezesseis anos serão representados e os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da legislação civil ou processual. Parágrafo único. A autoridade judiciária dará curador especial à criança ou adolescente, sempre que os interesses destes colidirem com os de seus pais ou responsável, ou quando carecer de representação ou assistência legal ainda que eventual.

20 RAMIDOFF, Mário Luiz. Direito da criança e do adolescente: teoria jurídica da proteção integral. Curitiba: Vicentina, 2008. p. 20.

21 Id., p. 239.

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De acordo com Gagliano e Pamplona Filho22, há determinação constitucional

para que os filhos menores, crianças e adolescentes, recebam plena proteção e

prioridade absoluta em seu tratamento. Ou seja, pais e mães devem garantir os meios

adequados para o desenvolvimento moral, material, cultural dos filhos menores sob

sua responsabilidade.

No mesmo sentido, o artigo 87 do Estatuto das Famílias dispõe que a

autoridade parental deve ser exercida de acordo com o melhor interesse dos filhos23.

No Brasil foi adotado a Doutrina da Proteção Integral, reconhecendo os direitos

fundamentais para a infância e adolescência, especialmente através do artigo 227 da

Constituição Federal24 e pela legislação especifica. Portanto, o princípio do melhor

interesse da criança se aplica inclusive nos litígios familiares.

Apesar de sujeitos de direitos, crianças e adolescentes encontram-se em

situação desigual diante da autoridade dos pais na relação de parentalidade,

tornando-se prioritárias as reivindicações de seus direitos.

____________________

22 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de direito civil, volume 6: Direito de Família – As famílias em perspectiva constitucional. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. p 100.

23 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: família. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 345.

24 Art. 227 da CF: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. § 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204.

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Havendo omissão dos pais ao exercerem a guarda25, podem ser acionados

judicialmente pela falta no desempenho do poder familiar conforme os arts. 129 e 249

do Estatuto da Criança e do Adolescente e artigo 247 do Código Penal26.

2.1.1 Contexto do Divórcio

O fim do vínculo conjugal deixou de se basear na culpa para justificar o divórcio,

assim, a culpa também deixou de ser referência para a fixação da guarda dos filhos.

O que importa no momento da fixação da guarda que é feita geralmente na sentença

de divórcio, é atender o interesse existencial da criança ou do adolescente, perdendo

a importância quem foi que deu causa ao divórcio.27 A culpa só tem alguma relevância

em pedidos de divórcio quando de alguma forma, esse comportamento indesejável

interferir no bem-estar dos filhos.

Quando há dissolução amigável no casamento, fica valendo o que foi

estipulado em acordo para as relações entre os cônjuges e deles com os filhos,

incluído o que foi definido sobre a guarda e o sustento dos filhos. Ainda, na hipótese

da dissolução de comum acordo de união conjugal com nascituro ou filhos incapazes,

____________________

25 MACIEL, 2010. p.97.

26 ECA – Art. 129: São medidas aplicáveis aos pais ou responsável: I - encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família; II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação; V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar; VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado; VII - advertência; VIII - perda da guarda; IX - destituição da tutela; X - suspensão ou destituição do poder familiar. Art. 249: Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária

ou Conselho Tutelar [...]. Código Penal – Art. 247: Permitir alguém que menor de dezoito anos, sujeito

a seu poder ou confiado à sua guarda ou vigilância: I - freqüente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida; II - freqüente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de igual natureza; III - resida ou trabalhe em casa de prostituição; IV - mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração pública.

27 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013. p. 602-603.

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o divórcio se realiza pela ação judicial, não sendo possível via extrajudicial28,

importante distinção prevista no artigo 733 do Código de Processo Civil29.

Portanto, para que haja a homologação do divórcio consensual, é necessário

que os dois cônjuges assinem a petição onde devem constar as disposições quanto à

descrição e partilha dos bens comuns; disposições sobre a pensão alimentícia entre

os cônjuges; o acordo quanto à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; a

contribuição para a criação e educação dos filhos.

O Código de Processo Civil de 2015 prevê procedimentos especiais de

jurisdição voluntária para ações de divórcio e separação consensuais e extinção de

união estável segundo Antonio Carlos Marcato30, e para os processos contenciosos

de ação de família a que faz alusão o art. 693, se valoriza a mediação e a conciliação.

E quando há interesse de incapazes envolvido, ocorre a intervenção do Ministério

Público nos termos do art. 698.31

A função da mediação é dar voz ao cidadão para expressar o que pensa, sente

ou tem vontade. É realizada através da prestação jurisdicional assegurada pelo

Estado, respeitando a liberdade de escolha e expressão humanas, com base no

princípio da Proteção do Estado32.

____________________

28 DIAS, 2017, p. 242.

29 CPC - Art. 733 : O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731. § 1o A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras. § 2o O tabelião somente lavrará a escritura se os interessados estiverem assistidos por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

30 MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 17ª ed. rev., atual., e ampl. – São Paulo; Atlas, 2017. p. 254- 257.

31 CPC - Art. 693: As normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação. Parágrafo único. A ação de alimentos e a que versar sobre interesse de criança ou de adolescente observarão o procedimento previsto em legislação específica, aplicando-se, no que couber, as disposições deste

Capítulo. Art. 698: Nas ações de família, o Ministério Público somente intervirá quando houver

interesse de incapaz e deverá ser ouvido previamente à homologação de acordo.

32 BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015. p. 125.

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A mediação cada vez mais se torna um instrumento valioso para a solução dos

conflitos familiares, consagrada pela Lei nº 13.140 de 2015. A função do mediador

não é julgar, mas aproximar os litigantes para que atinjam o máximo de consenso. Se

fundamenta no princípio da autonomia da vontade, logo, ninguém é obrigado a

permanecer em procedimento de mediação33.

Para Dias, a mediação não substitui a via judicial, mas a complementa,

tornando as decisões judiciais mais eficazes.

Todos os processos de direito família começam por uma audiência de

conciliação, previsão nos artigos 334 e 308, § 3º do CPC, conduzida por conciliador

ou mediador judicial. A audiência não se realiza se as partes demonstrarem

desinteresse na composição consensual conforme o art. 334, § 4º I, ou se não couber

a autocomposição segundo o art. 334, § 4º II do Código de Processo Civil34.

Tanto o mediador como o conciliador devem conduzir a solução de forma

neutra e imparcial. A diferença é que enquanto o mediador facilita o diálogo para que

____________________

33 LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 48.

34 DIAS, 2017. p. 76. CPC, Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. § 1o O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária. § 2o Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das partes. § 3o A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado. § 4o A audiência não será realizada: I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; II - quando não se admitir a autocomposição. § 5o O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência. § 6o Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes. § 7o A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei. § 8o O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. § 9o As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos. § 10. A parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir. § 11. A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença. § 12. A pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de uma e o início da seguinte. Art. 308: Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais. § 3o Apresentado o pedido principal, as partes serão intimadas para a audiência de conciliação ou de mediação, na forma do art. 334, por seus advogados ou pessoalmente, sem necessidade de nova citação do réu.

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as partes alcancem uma solução autônoma, o conciliador age na medida do possível

para que haja a harmonização social e o melhor resultado para as partes envolvidas.35

A guarda dos filhos pertence a ambos os pais, e será unilateral ou

compartilhada quando houver a dissolução da união estável ou o divórcio. Apesar de

as separações ocorrerem em clima tenso de discórdia, isso não pode ser usado

para prejudicar os filhos menores. Necessária a intervenção judicial para resguardar

o melhor interesse dos menores, determinando quando possível, a guarda

compartilhada ou conjunta.

Apesar de as separações ocorrerem em clima tenso de discórdia, isso não pode

ser usado para prejudicar os filhos menores. A guarda dos filhos pertence a ambos os

genitores e será unilateral ou compartilhada quando houver a dissolução da união

estável ou o divórcio36.

Patrícia Pimentel Ramos salienta que: “É necessária a aptidão dos pais para o

exercício do poder familiar e a vontade de exercer a guarda. A aptidão dos pais para

o exercício do poder familiar é presumida, mas admite prova em contrário”. Como na

hipótese de um ambiente hostil para o desenvolvimento e formação da criança, em

que não há afeto. Afeto é a justificativa para a implementação da guarda

compartilhada37.

Maria Berenice Dias lembra que a trajetória da família está relacionada à

emancipação feminina e quando há tentativa de lhe proporcionar um tratamento mais

justo, mais igualitário, se esbarra no modelo tradicional patriarcal. A mulher por vezes

exerce jornada dupla, senão tripla, e pode muitas vezes se comprometer e ficar

vulnerável38.

A doutrina se posiciona quanto à titularidade da guarda, a exemplo de

Venosa: “é evidente que os filhos em tenra idade devem ficar preferivelmente com a

____________________

35 DIAS, 2017. p. 75.

36 VENOSA, 2018. p. 210.

37 RAMOS, Patricia Pimentel O.C. Poder familiar e guarda compartilhada: novos paradigmas do direito de família. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 166-167.

38 DIAS, 2017. p. 112.

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mãe39”. Não obstante a igualdade em direitos, homens e mulheres são diferentes,

possuem suas peculiaridades que não devem ser ignoradas. Deve-se analisar

as diferenças diante da isonomia evitando qualquer forma de discriminação ou

preconceito, vedados pela Constituição, defende Dias.

No tocante à guarda dos filhos, baseados em análise de comportamento

adequado, à mulher lhe é imposto certo papel social, o de ser uma boa mãe, pudica,

de comportamento exemplar sem se atentar que isso não tem relação com a cultura

e educação dos filhos menores. Ainda predomina uma mentalidade machista nos

julgados, em que a mulher deve se encaixar a esse modelo predeterminado40.

Em casos de não se chegar a um acordo quanto ao regime de guarda e quem

será o guardião, o art. 1.583, § 2º do Código Civil trata da proteção da pessoa dos

filhos: “Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido

de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições

fáticas e os interesses dos filhos.” E também visando facilitar o dever do juiz em

estabelecer as atribuições do pai e da mãe, o art. 1.584, § 3º41 dispõe que o juiz pode

de ofício ou a requerimento do Ministério Público, basear-se em orientação

multidisciplinar de outros profissionais visando à divisão equilibrada do tempo entre

os genitores42.

Ainda, em relação à guarda, Tartuce complementa que após a Lei nº 13.058 de

2014 ser sancionada, dispondo sobre a aplicação da guarda compartilhada, esta

passou a se tornar obrigatória. Em caso de determinação pela sua não

implementação, ou da guarda alternada, deve ser decisão motivada pelo juiz, que

analisa a causa sempre sob o princípio do melhor interesse da criança ou do

adolescente. Entretanto, o autor entre os guardiões, pode acirrar os conflitos e até

____________________

39 VENOSA, 2018. p. 210.

40 DIAS, 2017. p. 112.

41 CC - Art. 1.583, §2º: Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos. Art. 1.584, §3º: Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.

42 LÔBO, 2011. p. 196.

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gerar situações de tensão e prejudiciais ao filho, como a alienação parental praticada

por ambos genitores43.

2.1.2 O Regime de Convivência

As visitas são realizadas de acordo o que foi convencionado entre os pais

separados ou divorciados ou como foi determinado pelo juiz. Por envolver interesses

antagônicos, o juiz deve ser cuidadoso ao regulamentar o direito de visita para que

não predomine o interesse de um ou de outro e seja o filho prejudicado no contato

permanente com ambos. Empecilhos ou dificuldades podem ser motivos para a

mudança da guarda. A Lei nº 11.112 de 2005 trouxe a determinação de que era

requisito essencial à petição de divórcio consensual, o acordo entre os cônjuges

relativo ao regime de visitas aos filhos menores. Essa norma também orienta o juiz

em separações litigiosas.

Direito recíproco dos pais e filhos à convivência está presente no art. 227 da

Constituição.44 O não guardião também tem o direito e o dever de supervisionar as

condições de seu filho como a saúde física e mental, alimentação, lazer, seus

pertences, tudo no interesse do próprio. Como existe o direito recíproco à companhia

entre os genitores e seus filhos também há o dever de informação aos pais. Qualquer

mudança de residência e pretensão de viagem deve ser informada ao outro

previamente e de forma efetiva45.

Qualquer descumprimento da determinação judicial que definiu o regime de

convivência é entendido como ato de alienação parental, qualquer que seja dos pais,

e também ato atentatório à dignidade da justiça, previsto no art. 77, IV46 do Código

de Processo Civil, sob pena de multa e sanções penais, art. 77, §2º do Código de

____________________

43 TARTUCE, 2018. p. 278-281.

44 LOBO, 2011, p. 196.

45 Id., p. 197.

46 DIAS, 2017, p. 567-568. Art. 77 do CPC, IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação.

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Processo Civil.47

Para viagens internacionais, ambos os pais podem conceder ou negar

a autorização de acordo com o art. 1.634, IV do Código Civil, dispensável se os pais

estiverem acompanhando os filhos e necessária se só um dos genitores estiver

acompanhando o filho.

Quando há mudança permanente para outro município, também é preciso o

consentimento de ambos os pais nos termos do art. 1.634, V do CC48.

O fim do relacionamento dos pais não pode interferir no relacionamento com os

filhos sob risco de causar desapego e afastamento, causando assim ainda mais

ressentimentos além do que foi causado com a separação49.

Importante salientar a importância do princípio da afetividade, base das

relações no âmago da família o afeto deve estar presente, também pode ser

considerado uma necessidade humana50. E também sob a égide do princípio da

igualdade, que faz parte do princípio da dignidade humana, as mulheres passaram a

desfrutar de uma igualdade formal, graças à promulgação da Constituição Federal de

1988, passando a contribuir também para o provento da família e nas decisões e

responsabilidades51.

Assegurado o direito dos filhos de continuarem com a convivência e

comunicação com ambos os pais, é também dado ao genitor que tem a guarda cuidar

dos interesses dos seus filhos. O regime de convivência assim como a guarda, podem

ser revistos a qualquer tempo se não atenderem ao melhor interesse do menor,

inclusive com condutas e comportamentos que prejudiquem psiquicamente os filhos.

____________________

47 Art. 47, § 2º do CPC: A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao

responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.

48 DIAS, 2017. p. 568-569. Art. 1634 do CC: Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: IV- conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V- conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;

49 MADALENO, Rolf. Direito de família. 8ª ed. rev., atual., ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 467.

50 ______. Manual de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 37.

51 Ibid., 2017, p.31.

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Não há caráter definitivo na guarda nem no direito de convivência que podem

ser revistos, suprimidos ou diminuídos judicialmente. Os pais devem atentar que o que

está em jogo é o bem-estar dos filhos e não seus interesses egoísticos pessoais.

O direito de convivência não pode ser suspenso em função do não pagamento

alimentar já que é um direito dos filhos e dever dos pais. Ser impedido a visitar pode

servir como um desencargo para o genitor que está sendo inadimplente com os

alimentos de sua própria prole em não ter que arcar com nenhuma responsabilidade.52

Com relação ao direito à convivência reforça os laços paterno e materno com

os filhos, tido como um direito de personalidade, no rol do direito à liberdade, também

cabe à criança, adolescente o papel ativo de escolher com quem quer conviver. É um

direito que gera obrigação de fazer infungível no entendimento de Maria Berenice

Dias, obrigação personalíssima que, mediante o seu não cumprimento, pode se

requerer o adimplemento pela aplicação da astreinte: tutela inibitória, mediante a

aplicação de multa diária. Esta multa cominatória tem objetivo coercitivo para que o

devedor cumpra com sua obrigação determinada pelo judiciário e honre o que foi

estipulado53.

A falta de comprometimento com o bem-estar dos filhos por meio de

impedimento às visitas por um genitor ou não comparecer às visitas combinadas por

outro pode gerar danos afetivos. A omissão no dever parental é passível de ser

indenizado e a negligência também é tida como abandono segundo o art. 1.638, II do

Código Civil. Essa situação danosa à condição psicológica dos filhos também afronta

o princípio da solidariedade familiar e quem a causou deve indenizar de modo a

amenizar as sequelas do filho. A indenização nesse caso, tem o intuito de exercer um

papel pedagógico e se adequar às necessidades da sociedade atual54.

É de suma importância que os adultos entendam que devem se responsabilizar

em conjunto, entender a necessidade que a criança tem de amor, convivência

harmônica, cuidado e principalmente, da presença dos pais no seu cotidiano, não

importando se moram juntos ou em casas separadas. E sobretudo, evitar manter uma

____________________

52 MADALENO, 2017. p. 131.

53 DIAS, 2017. p. 557, 566.

54 Ibid., p. 570-571.

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postura belicosa perante a criança. Se isso não ocorre, o bem-estar dos filhos fica

prejudicado, em outras palavras55:

A maior dificuldade a ser enfrentada pelos adultos [...] é a resistência em mudar a perspectiva do desempenho do papel parental, desvinculando-o da noção de família conjugal e aproximando-o da concepção de família enquanto grupo de afeto e solidariedade.

O regime de guarda a ser adotado é tema de enorme repercussão não só no

Brasil como em diversos outros países, dada a dificuldade para lidar com os interesses

antagônicos envolvendo os filhos, tanto para o poder judiciário como para a

sociedade56.

2.1.3 Aspectos Psicológicos e Jurídicos na Guarda Compartilhada

Podem surgir sintomas psicológicos que as crianças apresentem, atribuídos à

separação do casal. Evandro Luiz Silva, entretanto, argumenta que na maioria das

vezes, é decorrente da falta que o progenitor ausente faz. Os processos de separação

em que a disputa pela guarda se acirra assim como outros interesses envolvidos no

processo judicial. Esses sintomas são detectáveis em comportamentos conscientes

da criança e também em manifestações inconscientes aferíveis em sessões lúdicas

como jogos, desenhos, histórias, entre outros57.

Adauto de Almeida Tomaszewski por sua vez, alega ser consenso na psicologia

que o estado de perturbação em que ficam os filhos, muitas vezes é devido à situação

de conflito e tensão que a provocou. Envolvidos por uma atmosfera emocionalmente

____________________

55 BRUNO, Denise Duarte. A Guarda Compartilhada na Prática e as Responsabilidades dos Pais. In: Família e responsabilidade: Teoria e Prática do Direito de Família. Rodrigo da Cunha Pereira (coord.). Porto Alegre: Magister, 2010. p. 230.

56 GROENINGA, Giselle Câmara. Guarda compartilhada – a efetividade do poder familiar. In: Guarda compartilhada. COLTRO, Antônio Carlos M.; DELGADO, Mário Luiz (coord.). 3ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro : Forense, 2018. p. 142.

57 SILVA, Evandro Luiz. Guarda de filhos: aspectos psicológicos. In: Guarda compartilhada: aspectos psicológicos e jurídicos. Associação de Pais e Mães Separados (org.). Porto Alegre: Equilíbrio, 2005. p. 14-15.

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instável, os filhos podem sofrer distúrbios comportamentais, absorvendo os efeitos

negativos da separação. Diante da situação de uma relação desgastada e conflituosa,

é dever dos pais unir esforços para evitar que a separação se torne traumática para

os filhos. Como são a parte mais frágil no sistema familiar, é necessário que recebam

atenção e afeto para conseguir superar a crise familiar. Assim, os pais fortalecem o

relacionamento com os filhos, sendo vistos como figuras de referência, algo essencial

para o desenvolvimento de sua personalidade58.

Luciana Suárez Grzybowski salienta que os casais que conseguem se separar

respeitando-se mutuamente, mesmo tendo seus conflitos e divergências, estarão mais

aptos a fixar regras de convivência em prol do bem-estar dos seus filhos. Então,

diminui-se a sensação de perda e sofrimento que o processo de separação causa.

O divórcio apresenta dificuldades tais como a distinção entre a conjugalidade

(ser marido e mulher) e a parentalidade (ser pai e mãe)59:

[...] casais com forte carga emocional conflitiva, provavelmente não conseguirão definir fronteiras nítidas entre a parentalidade e a conjugalidade. Nesses casos, é difícil que tenham êxito em manter a estabilidade necessária para garantir o bem-estar dos seus filhos.

O padrão econômico e social é determinante na rotina da criança, assim como

a interação emocional dela com o guardião revela a qualidade da relação familiar. O

comportamento consciente da criança indica a participação dos pais na sua vida, seja

quem a leva e traz da escola, leva ao médico, brinca com ela, dá banho, dá comida.

Nesse sentido, após o distrato conjugal, a criança que apresente sintomas diferentes

do seu normal, tais: ansiedade, irritação, agressividade e dificuldades de cognição, as

tem não devido à separação, mas porque acredita que seu pai ou sua mãe a

abandonou. O sentimento então é o de rejeição.

____________________

58 TOMASZEWSKI, Adauto de Almeida. Separação, Violência e Danos Morais. São Paulo: PAULISTANAJUR LTDA, 2004. p. 122-124.

59 GRZYBOWSKI, L. S. Como compartilhar a tarefa educativa após o divórcio? In: WAGNER, Adriana [et.al] Desafios psicossociais da família contemporânea: pesquisas e reflexões. Porto Alegre: Artmed, 2011. p. 115.

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A guarda decorre do poder familiar e não o inverso. Tanto pai quanto a mãe

devem estar presentes na vida de seus filhos e não os prejudicar privando do seu

contato60. A guarda, espécie do gênero poder familiar, é usualmente exercida pelos

pais, seja na constância ou não do casamento ou união estável sobre os filhos

enquanto menores. Essa guarda é denominada guarda comum61.

As famílias se transformaram e ampliaram suas possibilidades de formação, já

não há papéis fixos como antigamente em que o pai era o provedor da família e à mãe

cabia cuidar da casa e dos filhos. Tal modelo antiquado, ainda existe ao lado de

outras organizações familiares como a que a mãe é quem trabalha e é a provedora,

enquanto o pai cuida dos filhos. Ou então, em que ambos trabalham fora e cuidam

dos filhos. É a realidade da sociedade atual em que a igualdade de direitos é clamada.

Cabe ao pai e à mãe igualmente a responsabilidade na criação dos filhos, segundo o

art. 1634 do Código Civil. A vontade genuína de cuidar dos filhos resultará na solução

natural de guarda compartilhada em que ambos contribuem financeira e afetivamente

visando o bem-estar dos filhos62.

A guarda compartilhada tem vantagens e é privilegiada em relação à guarda

unipessoal porque permite aos genitores mais proximidade e tomar decisões juntos

questões relativas aos filhos. Há também a divisão de tarefas e responsabilidades, e

o reconhecimento da importância da continuidade da relação de cada pai com os

filhos. Um relacionamento melhor diminui os conflitos e propicia uma criação em

benefício dos interesses morais e materiais dos filhos.

Apesar dos muitos benefícios, a guarda compartilhada não é indicada quando

há diálogo ruim ou inexiste comunicação entre os pais. Nessa condição, acabam por

prejudicar os filhos contaminando-os com suas desavenças, e a melhor opção passa

a ser a guarda unilateral concedida ao genitor propenso a garantir o direito de visitas

ao outro.

O poder familiar se constitui de poderes com seus correspondentes deveres, a

____________________

60 SILVA, 2005. p. 16.

61 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 64.

62 SILVA, op. cit.

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que os titulares não podem deixar de cumprir pois de interesse público. O Estado é

legitimado a defender os interesses dos menores fiscalizando a atuação dos pais com

o fim de coibir abusos, já que o poder familiar não é absoluto tampouco inatangível63.

Por outro lado, Maria Berenice Dias entende que da guarda compartilhada não

deve se abrir mão, pois é a modalidade que melhor atende ao interesse dos filhos.

Ressaltando-se que os pais devem superar seus problemas conjugais, e não colocar

suas frustrações em primeiro plano, pois a guarda não deve ser encarada como a

posse do filho, mas sim, a possibilidade de um convívio contínuo com os filhos. A

guarda compartilhada pode ser estabelecida por consenso segundo o artigo 1.584, I,

do Código Civil ou determinada pelo juiz se constatado que ambos têm condições de

desempenhar o poder familiar, de acordo com o artigo 1.584, II do Código Civil64.

Segundo Rolf Madaleno, é pacificado o entendimento de que a guarda

unilateral afasta o genitor não guardião das decisões a serem tomadas na vida dos

seus filhos, e coloca o outro genitor em posição de potestade para determinar a

orientação e cotidiano dos filhos. Há julgado do Superior Tribunal de Justiça (Resp. nº

1.251.000 – MG) impondo a guarda compartilhada entre pais conflitantes, tendo por

relatora a Ministra Nancy Andrighi65.

Inclusive, alguns juristas consideram a possibilidade de impor multa ao genitor

ou genitora que descumprir seu dever de visitação, para que assim, respeite o direito

que é inerente ao filho.

A jurisprudência tem atuado no sentido de garantir a efetiva proteção integral

às crianças e adolescentes como a seguinte ementa demonstra:

TJRS. Direito de visita. Multa diária. Cabível a imposição de multa para assegurar o exercício do direito de visita em face do estado de beligerância

___________________

63 GRISARD FILHO, 2010. p. 222-225.

64 DIAS, 2017, p. 550-551. Art. 1.584 do CC: A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação,

de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

65 MADALENO, 2018. p. 705.

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que reina entre as partes, o que tem prejudicado a visitação. Acordo desprovido, por maioria, vencido o Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves.Agravo de Instrumento Nº 70008086134 – 7ª Câmara Cível – Comarca de Porto Alegre Relatora Desª Maria Berenice Dias. Voto Vencedor.66

Existem as possibilidades de suspensão e extinção do poder familiar. Hipóteses

de abuso de autoridade, conduta paterna faltosa, dilapidação dos bens dos filhos,

podem provocar a suspensão temporária do poder familiar, a requerimento do

Ministério Público ou algum parente da criança. A suspensão perdura enquanto não

cessarem as causas que a determinaram. O Superior Tribunal de Justiça decide pela

suspensão do poder familiar do genitor e visitas enquanto não cumprida medida do

artigo 129, III do Estatuto da Criança e Adolescente - encaminhamento do genitor a

tratamento psicológico ou psiquiátrico indicado por profissionais habilitados.

O poder familiar se extingue quando há morte dos pais ou dos filhos, pela

emancipação, ao completar 18 anos, pela adoção ou por decisão judicial67, conforme

o art. 1.635 do Código Civil, e também quando ocorrem situações previstas nos artigos

1.637 e 1.638 do Código Civil e artigos 22 e 24 do Estatuto da Criança e

Adolescente68.

____________________

66 SIMÃO, Rosana Barbosa Cipriano. O abuso de direito no exercício do poder familiar. In: Guarda Compartilhada: Aspectos Psicológicos e Jurídicos. Associação de Pais e Mães Separados (org.). Porto Alegre: Equilíbrio, 2005. p. 48.

67 GRISARD FILHO, 2010, p.52.

68 CC: Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão. Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. ECA: Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.

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A perda da autoridade parental por decisão judicial pode levar à extinção do

poder familiar de forma permanente mas não definitiva, uma vez que, se os pais

provarem que as causas que determinaram a perda cessaram, podem reaver o poder

familiar. O princípio da dignidade humana norteia o Direito de Família e o princípio da

proteção integral dos interesses da criança deve prevalecer, se atendo que a

revogação do poder familiar não atende aos interesses do menor, salvo as situações

previstas, a começar pelo castigo imoderado do filho.

Visando proteger a criança, a Lei nº 13.010 de 2014 foi criada para resguardar

crianças e adolescentes de violência física causada por castigos com o fim de corrigir

os filhos. Conhecida por Lei da palmada, busca garantir o direito de serem criados e

educados sem serem cruelmente castigados ou submetidos à situações degradantes.

“Quem impinge castigo físico ou tratamento cruel ou degradante fica sujeito a cumprir

medidas de caráter psicossociais.69” O castigo aplicado pelos pais, por muito tempo,

em razão de sua posição hierárquica superior na família e também ao contexto

sociocultural fortemente patriarcal, era autorizado como um método disciplinar70.

Os pais podem e devem corrigir os passos de seus filhos para que tenham uma

boa formação moral e orientação adequada, podem repreender, impondo censuras e

castigos visando o melhor para sua educação. Discute-se o caráter educativo dos

castigos físicos, considerando que é ilícito.

O castigo, tanto o mitigado como o imoderado, é descartado por ser

exemplo de opressão física. Maria Clara Sottomayor71 resumiu:

O direito de os pais educarem os filhos não abrange o direito de os agredir, de ofender a sua dignidade, integridade física e psíquica ou liberdade. Se nós os adultos não temos o direito de nos castigar uns aos outros quando erramos, e qualquer adulto erra e precisa aprender, porque haveremos de ter o direito de castigar as crianças? Se comportamentos praticados entre adul-

____________________

69 DIAS, 2017. p. 501.

70 WAGNER, Adriana [et al.]. Desafios psicossociais da família contemporânea: pesquisas e reflexões. Porto alegre: Artmed, 2011. p.143.

71 SOTTOMAYOR, 2004 apud MADALENO, 2018. p. 712.

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tos constituem tipos legais de crime de integridade física ou de injúria, porque é que os mesmos factos são considerados lícitos quando praticados por um progenitor em relação aos filhos menores? Tanto mais que a fragilidade e falta de poder da criança face ao adulto tornam a gravidade da violência ainda maior.

Houve um tempo em que era aceito a reprimenda física exercida pelos pais e

até pelos educadores, desde que fossem moderados com a finalidade de corrigir

comportamentos e sob a desculpa de construir um bom caráter na criança. Atualmente

se entende que sua prática representa uma relação de domínio, em que o adulto

submete a criança ou adolescente72.

2.1.3.1 O poder parental nas famílias reconstituídas

As famílias se transformam quando os pais se separam e voltar a se unir a

outros companheiros ou cônjuges. O adulto que se une ao genitor que não possui

ligação de sangue com a criança é o pai ou mãe afim, que pode coabitar ou não o

mesmo domicílio mas passa a conviver com a criança. Na concepção de Grisard Filho:

[...] “o cônjuge ou companheiro da mãe ou do pai não deseja compartilhar as funçoes

parentais, mas quer ajudar e ter o direito de opinar, o que corresponde ao exercício

indireto da parentalidade.73”

A consanguinidade não implica que os melhores interesses da criança serão

satisfeitos. O vínculo afetivo e os sentimentos recíprocos de respeito entre a criança

e o pai ou mãe afim que existem na família recomposta, se tornam um ambiente

propício para o desenvolvimento dos filhos. Baseando-se nas transformações por que

passam as famílias, não se pode ignorar que exista também a parentalidade social e

____________________

72 MADALENO, loc. cit.

73 GRISARD FILHO, 2010. p. 137.

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psicológica desempenhada pelos pais afins.

Famílias refeitas se constituem pelo casamento ou união estável, agregando-

se aos pais os filhos havidos de relações anteriores. O marido torna-se padrasto, a

esposa vira madrasta e os filhos são chamados de enteados pelos pais afins,

desenvolvendo-se vínculos de afinidade parental. A relação afetiva não ocorre

imediatamente, mas de forma gradual74. Fenômeno cada vez mais presente na

sociedade, em que apesar de ter um casamento ou união estável desfeita, há o desejo

de um novo casamento ou nova união com outra pessoa75.

Também conhecida por família mosaico marcada pela “multiplicidade de

vínculos, ambiguidade das funções dos novos casais e forte grau de vínculos,

ambiguidade das funções dos novos casais e forte grau de interdependência.76”

Esses novos vínculos não são regulados por lei que garanta direitos ou preveja

deveres. Entretanto, se reconhecido vínculo afetivo entre o cônjuge ou companheiro

e o filho, é assegurado o direito a alimentos e também o direito à convivência.

Dias argumenta que em relação aos casais homossexuais, não há qualquer

impedimento, constitucional ou legal para o casamento entre pessoas do mesmo

sexo. A autora esclarece que, a ausência de lei não significa inexistência de direito77.

E acrescenta que não há restrição à possibilidade de adotar e tampouco se faz

referência à orientação sexual do adotante no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Para ter a capacidade de adotar, é necessário preencher os requisitos legais

previstos no artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente78.

____________________

74 MADALENO, 2018.

75 VENOSA, 2018.

76 DIAS, 2017. p. 155.

77 Ibid., p.169, 286.

78 Id., União Homossexual: O Preconceito & a Justiça. Porto Alegre: Editora livraria do advogado,

2000. p. 96. Art. 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente: Podem adotar os maiores de 18 (dezoito)

anos, independentemente do estado civil. § 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando. § 2o Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. § 3º O adotante há de ser, pelo menos

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A união homossexual se iguala em direitos à união heterossexual, já

reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, a união homoafetiva é tida como união

estável, admitida sua conversão para o casamento inclusive79. Assim sendo, o que é

válido para casais heterossexuais, também é para casais homoafetivos no que

concerne ao poder-dever atribuído pelo poder parental. Como o princípio do melhor

interesse à criança deve sempre prevalecer, uma vez reconhecida como união estável

a união homoafetiva, não há impedimentos à adoção. É possível a filiação pela

adoção, contanto que ofereça um ambiente familiar propício ao pleno

desenvolvimento da criança ou adolescente adotado80.

A Constituição Federal de 1988 no artigo 226, assim como o Código Civil de

2002 tratam da união estável (do artigo 1.723 ao 1.727) como entidade familiar entre

homem e mulher. Por falta de previsão legal, o Judiciário vem assumindo uma postura

no sentido de assegurar direitos aos parceiros homoafetivos81.

Entre as espécies de parentesco previstas no artigo 1.593 do Código Civil estão

o parentesco natural ou civil, que resulte de consanguinidade, ou outra origem. Outra

origem tem sido admitida como parentesco socioafetivo, tão importante quanto o

vínculo consanguíneo. Quando existe afetividade nas relações materno/paterno-filiais

estabelece-se o parentesco socioafetivo em que não há o parentesco biológico. A

multiparentalidade ocorre quando coexistirem a paternidade ou maternidade de mais

____________________

dezesseis anos mais velho do que o adotando. § 4o Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime e visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão. § 5o Nos casos do § 4o deste artigo, desde que demonstrado efetivo benefício ao adotando, será assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto no art. 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. § 6o A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.

79 DIAS, 2017. p. 156.

80 VENOSA, 2018.

81 MALUF, Carlos Alberto Dabus; MALUF, Adriana C. R. F. D. Curso de direito de família. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 420-421.

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de um genitor82.

É recomendável uma preparação psicológica ao casal que receberá a criança,

ao genitor não guardião e dos filhos já sob a guarda para melhor adaptação à nova

estrutura familiar. Imprescindível que haja acolhimento e afeto pelos responsáveis

pela guarda por se tratar de momento delicado na vida da criança83. Portanto, desfeita

a relação anterior e em nova união, o poder familiar persiste conforme previsão legal

no Artigo 1.636 do Código Civil84.

Christiano Cassettari entende que “os filhos socioafetivos deverão ter os

mesmos direitos dos biológicos, em razão da igualdade prevista em nossa

Constituição.” E cita o Enunciado nº 6 do IBDFAM: “Do reconhecimento jurídico da

filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade

parental.85”

Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk argumenta que a parentalidade não é o

mesmo que entidade familiar já que uma pode existir sem a outra. A entidade familiar

é baseada no vínculo afetivo, formada pelo parentesco e pela convivência86. O tempo

de convivência é imprescindível para fazer nascer o afeto, carinho, cumplicidade, e

em razão do tempo surge a socioafetividade.

Para Guilherme Calmon Nogueira da Gama, paternidade, maternidade e

filiação não decorrem somente de informações biológicas ou genéticas. Decorrem

sobretudo do desejo de construir uma relação familiar afetuosa, reunião de pessoas

pelo companheirismo, baseada na afetividade com o objetivo de estabelecer relações

____________________

82 MALUF, 2016. p. 463-464.

83 CEZAR-FERREIRA, 2007. p. 129.

84 Art. 1.636 do CC: O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro.

85 CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos. 3ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017. p. 16.

86 RUZYK 2005 apud Cassetari, 2017, p. 30.

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de parentesco87.

Já para Dias, o conceito de entidade familiar foi alargado constitucionalmente

para que distinções entre os filhos não fosse admitidas, não permitindo a diferenciação

quanto à origem da filiação. Logo, não há só o parentesco por consanguinidade, mas

também parentesco decorrente da adoção, socioafetividade e pelos vínculos de

afinidade88.

Ainda, sob o espectro da filiação pluriparental ou multiparental, é suficiente o

vínculo de filiação com mais de duas pessoas. Dias define: “A pluriparentalidade é

reconhecida sob o prisma da visão do filho, que passa a ter dois ou mais novos

vínculos familiares89.”

Arnaldo Rizzardo acrescenta a novidade representada pela Lei nº 11.924 de

2009, que passou a permitir ao enteado ou enteada acrescentar o nome do padrasto

ou madrasta ao seu registro. Essa inovação corroborou para reforçar o vínculo

emocional que une as pessoas de uma mesma família. Requisito para a adição do

nome é existir um motivo relevante como afinidade, afetividade, amizade, cuidado do

progenitor ou progenitora relacionado ao enteado ou enteada90.

Quando há concomitantemente vínculos afetivos e biológicos, não se trata

somente de um direito da criança, mas também uma obrigação em reconhecê-los.

Tampouco é necessário a concordância da genitora, pois entende-se que é a forma

de preservar e garantir os direitos à dignidade e à afetividade de todos os envolvidos91.

Apesar de o número de famílias recompostas estar crescendo, não há leis que

as regulem, porque o direito de família se desenvolveu ao redor do paradigma do

primeiro casamento. Ademais, as famílias recompostas têm sido reconhecidas como

____________________

87 GAMA 2003 apud DIAS, 2017, p. 398.

88 DIAS, 2017. p. 397.

89 Id., p. 432.

90 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 362.

91 DIAS, 2017, p. 433.

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entidades próprias, recebendo tutela jurídica respaldadas pelos princípios

constitucionais92.

Há a preocupação pela doutrina e jurisprudência de garantir a efetiva proteção

aos direitos do Homem, da Mulher e dos filhos, a preservar o melhor interesse da

criança e do adolescente no convívio familiar ou vida em sociedade. Dentre as

inovações legais com o fim de proteger seus direitos, pode-se citar algumas: a Lei

Maria da Penha (nº 11.340 de 2006), a Lei da Guarda Compartilhada (nº 11.698 de

2008), Lei dos Alimentos Gravídicos (nº 11.804 de 2008), da Alienação Parental (nº

12.318 de 2010), Lei da Palmada (nº 13.010 de 2014). Portanto, pode se pretender “a

indenização por responsabilidade civil [...] diante do progresso substancial no

esclarecimento dos direitos que devem ser garantidos à criança e ao adolescente.”

Muitas vezes, a exemplo da alienação parental, se afasta a criança ou

adolescente de pessoas do seu convívio que são do seu núcleo familiar, e uma vez

alienados, carregam pro resto da vida essa violência psíquica. Reconhecido o

inegável prejuízo sofrido, há fundamento para um direito absoluto de requerer

indenização moral93.

Verificada a ocorrência de alienação parental, o poder judiciário deve buscar o

máximo de provas possível para apurar a situação grave capaz de prejudicar a

formação psicológica do menor ou adolescente irremediavelmente94.

____________________

92 LÔBO, 2017. p. 87-88.

93 LAGRASTA NETO, Caetano. A responsabilidade civil pelo abuso físico e psicológico da criança e do adolescente. In: Responsabilidade civil no direito de família. BARBOSA, Eduardo; MADALENO, Rolf (coord.) São Paulo, Atlas, 2015. p. 52-53.

94 VENOSA, 2018. p. 367.

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3 SITUAÇÕES DE ABUSO

Quando há reiteração nas faltas que causam a suspensão do poder familiar,

ocorre sua destituição. Existem situações em que um dos genitores pratica atos com

o consentimento do outro genitor, passíveis de serem punidos com a perda do poder

familiar. A violação aos direitos do filho não é combatida efetivamente por receio de

desestruturar a segurança familiar, principalmente se o abusador for o provedor da

família. A conivência do outro genitor, é caracterizada como co-autoria, punível com a

destituição do poder familiar95.

O convívio dificultado pela mãe ou pai que detém a guarda é tido como um

abuso do poder parental. Não há motivos para o impedimento ao contato com o filho

se as visitas foram previamente determinadas. Não só há abuso do poder parental,

como também desrespeito aos direitos de personalidade da criança ou adolescente

com possíveis consequências ao seu desenvolvimento psicológico e à personalidade

em formação. A dificuldade imposta pelo genitor guardião na visita ao filho pelo outro

pai pode também se tornar uma razão desmotivadora ao contato, o genitor não

guardião pode parar de exercer seu direito de visitação ou simplesmente deixar de

visitar por sua vontade, frustrando a expectativa da criança de conviver com ambos

genitores96.

Em casos de impedimento ao convívio do filho com o genitor não guardião,

pode ser determinada a inversão da guarda pela negativa de visitas, logo: [...] “deve

ser autorizada a modificação da guarda ou a sua suspensão judicial, de acordo com

a gravidade das circunstâncias, especialmente quando se sabe que um adulto

conflitado terá muitas dificuldades para formar uma família sadia.97”

____________________

95 MACIEL, 2010, p. 142.

96 SIMÃO, Rosana B. Cipriano. O abuso de direito no exercício do poder familiar. In: GUARDA COMPARTILHADA: aspectos psicológicos e jurídicos. Associação de Pais e Mães Separados (org.). Porto Alegre: Equilíbrio, 2005. p. 42.

97 CHAVES, Adalgisa Wiedemann et al. Direitos fundamentais do Direito de Família. WELTER, Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf (coord.). Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. p. 350.

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Detectada a ocorrência de lesão aos direitos de personalidade dos filhos,

se faz necessário o acompanhamento por profissionais das áreas jurídica, psicológica,

assistencial, com o objetivo de prevenir e reparar a violação aos direitos dos filhos

com base na legislação vigente98.

O abandono afetivo também é considerado abuso, o afeto une as famílias e

permeia a criação e educação dos filhos, influenciando na formação da sua

personalidade. Parar de conviver com os pais é danoso ao filho podendo lhe acarretar

sequelas psicológicas permanentes. Salientando que a convivência não é um direito

dos pais, e sim, um dever. Se o genitor se omite de seus deveres provenientes do

poder familiar, pode causar danos emocionais no filho, passível de reparação. Assim,

com o intuito de se evitar o dano afetivo, é possível requerer-se indenização pelos

danos psicológicos. Há a intenção também de despertar um maior comprometimento

do pai pelo desenvolvimento e formação saudáveis do filho. Encontra amparo legal no

artigo 952, § único do Código Civil99, no Enunciado 8 do IBDFAM: “O abandono afetivo

pode gerar direito à reparação pelo dano causado100”.

Maria Berenice Dias alega que a lei responsabiliza os pais nos cuidados com

os filhos, e também o abandono moral que atinge a integridade psicofísica dos filhos

é passível de indenização. O genitor que esconde do outro a existência do filho,

impedindo a formação do vínculo afetivo entre pai e filho também deve ser

responsabilizado. O genitor que foi privado do conhecimento do filho e o próprio filho

sofrem dano afetivo e por isso, podem ser indenizados pela genitora que ocultou a

paternidade101.

A alienação parental geralmente ocorre porque o genitor alienador aparenta

estar agindo de acordo com o que é melhor para o filho. O alienador demonstra muita

preocupação e age como se fosse vítima do ex-companheiro, refletindo o que foi mal

____________________

98 SIMÃO, 2005. p.43.

99 Art. 952, § único do CC: Para se restituir o equivalente, quando não exista a própria coisa, estimar-se-á ela pelo seu preço ordinário e pelo de afeição, contanto que este não se avantaje àquele.

100 DIAS, 2017. p. 108.

101 Ibid., p. 570.

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resolvido na relação desfeita no seu comportamento. Como em muitos casos, o

genitor alienador é o que detém a guarda, também convive por mais tempo com a

criança ou adolescente, lhe induzindo a rejeitar o outro genitor102.

Há situações de claro dano ao equilíbrio emocional da criança, como desfrutar

de momentos prazerosos com o genitor que presta alimentos, mas devedor, confunde

mentalmente a criança ou jovem, pois diz que a ama mas por sua conduta de não lhe

prover os alimentos necessários, demonstra que não. Aparentemente, uma atitude

unilateral incoerente, mas que denota a intenção do genitor de afetar o outro genitor,

devido ao ressentimento após a separação103.

Madaleno ressalta que uma mãe ou pai ausentes, indisponíveis, indiferentes

ou extremamente autoritários, podem marcar negativamente seus filhos tanto quanto

o genitor distante fisicamente ou por abandono, falecido ou que não os tenha

reconhecido como filhos. Enquanto que a relação da prole é equilibrada com pai e

mãe presentes que se revezam nos cuidados com os filhos104.

Por outro lado, o abuso da autoridade parental também pode responder

criminalmente. A punição de seis meses a 2 anos, prevista no artigo 232 do Estatuto

da Criança e do Adolescente105, é imposta ao titular do poder familiar que submeter a

criança ou adolescente à situação vexatória ou constrangedora, a depender da

gravidade106.

Situações que denotam falta do dever intrínseco à autoridade parental são

citadas por Pontes de Miranda como justificativas para a suspensão, como: maus-

tratos, que não o castigo imoderado; restrições prejudiciais, privações de alimentos

ou cuidados essenciais à saúde do filho; exigir serviços exagerados e inadequados à

idade e condição da criança; colocar o filho para exercer ocupações proibidas ou

____________________

102 BUOSI, Caroline de Cássia Francisco. Alienação parental: uma interface do direito e da psicologia. Curitiba: Juruá, 2012. p. 79.

103 CEZAR-FERREIRA, 2007, p. 123.

104 MADALENO, 2018. p. 27.

105 Art. 232 do ECA: Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena - detenção de seis meses a dois anos.

106 LÔBO, 2017. p. 298.

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moralmente condenáveis, que lhe ponham em risco sua saúde, moral, vida; não

reclamar o filho de quem o detenha ilegalmente; desleixo, descuido; favorecer e

induzir a perversão do filho, para que use álcool ou drogas; permitir que o filho fique

em estado habitual de libertinagem, vadiagem, mendicância ou marginalidade.

Entretanto, os tribunais brasileiros consideram essas situações casos de perda da

autoridade parental107.

Crianças e adolescentes são protegidos pelo Direito por meio de suas normas

e princípios, considerados sujeitos em constante evolução e, portanto, vulneráveis. O

princípio da dignidade da pessoa humana é princípio fundamental a nortear o direito

de família e a doutrina da proteção integral resguarda as crianças e adolescentes

enquanto pessoas em formação. Reconhecidos como sujeitos especiais de direitos

com as respectivas garantias, quando são vítimas de abuso sexual, são ouvidas pela

técnica do Depoimento Sem Dano no processo criminal.

A técnica do Depoimento Sem Dano permite a produção antecipada de provas

para evitar os sucessivos depoimentos de crianças e adolescentes, os fazendo reviver

as situações de agressão de que foram vítimas. A finalidade do Depoimento Sem

Dano é a de salvaguardar as crianças e adolescentes, instruindo o processo com o

depoimento da vítima violentada e a obtenção da punição necessária do agressor108.

Devido à posição de vulnerabilidade de crianças e adolescentes, ao judiciário

é legítimo criar um método de instrução probatório específico e adequado para oitiva

de crianças e adolescentes, e também a utilização de equipe interdisciplinar

(psicólogo ou assistente social) respeita sua vulnerabilidade, uma vez que dá uma

eficiência e mais especialização por abordar outras ciências. A técnica do Depoimento

Sem Dano observa os princípios da Proteção Integral, do Melhor Interesse da Criança

e da Dignidade da Pessoa Humana e está de acordo com os princípios processuais

da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, ditames do Estado

Democrático de Direito109.

____________________

107 PONTES DE MIRANDA 1974 apud LÔBO, 2017, p.298.

108 RIBEIRO, Ana Cecília Rosário. Instrução probatória e depoimento sem dano. In: Família: entre o público e o privado. PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Porto Alegre: Magister, 2012. p. 28-33.

109 Ibid., p. 36.

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3.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ALIENAÇÃO PARENTAL

A Síndrome de Alienação Parental começa com as disputas judiciais pela

guarda dos filhos, quando o fim do relacionamento significa para muitos genitores,

frustração, mágoa, rejeição, sentimento de menos-valia. Envolvidos em um período

de instabilidades emocionais, não saber lidar com o fim da relação e suas

consequências, os pais podem usar os filhos como instrumento de vingança e

agressão ao outro genitor. O genitor guardião se concentra em manipular a cabeça

do filho para que repudie o outro genitor. Ao passo que, a criança se torna dependente

e submissa ao genitor alienante e instalada a síndrome, passa a rejeitar o genitor

alienado por conta própria110.

A primeira definição que se tem notícia da Síndrome da Alienação Parental –

SAP, foi dada em 1985 por Richard Gaerdner, professor de psiquiatria clínica no

Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia nos Estados

Unidos. Não se adota no ordenamento jurídico brasileiro a conotação de síndrome

porque não consta na Classificação Internacional de Doenças (CID), além de tratar de

sintomas causados pela alienação parental enquanto que a legislação pátria aborda

a exclusão proposital e não os sintomas e consequências. Madaleno adiciona que:

“[...] não há como falar de Alienação Parental dissociando seus nefastos efeitos e sua

rede de atuação, chamados aqui, de Síndrome de Alienação Parental.”

Richard Gaerdner elaborou o conceito de Síndrome de Alienação Parental,

partindo da concepção de que se combina lavagem cerebral com contribuições da

própria criança, que instruída pelo genitor detentor da guarda, difama o genitor não

guardião. Esse seu comportamento não se justifica e o diagnóstico se limita aos

sintomas manifestados pelo menor111. Baseiam-se em sintomas de perturbação

mental que atingem o filho influenciado pela conduta do genitor, que passa a se

____________________

110 MADALENO, 2018. p. 29.

111 MADALENO, Ana Carolina C.; MADALENO, Rolf. Síndrome da Alienação Parental: importância da detecção – aspectos legais e processuais. 5ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 29.

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comportar de maneira negativa diante o genitor alienado112.

A manifesta campanha de desmoralização do genitor não guardião leva a

criança a se afastar de quem ama e que nutre o mesmo sentimento por ela.

Tradicionalmente, o fenômeno é verificado no ambiente da mãe, pois sempre se

acreditou que era a mais capaz a deter a guarda dos filhos, mas o alienador pode ser

o pai também em relação à mãe como ao seu atual companheiro.

Outros parentes como avós, tios ou padrinhos, irmãos, e entre casais que

coabitam, também podem ser o alvo a quem a alienação é dirigida e ter sua imagem

denegrida. Os efeitos são extremamente maléficos, as pessoas submetidas à

alienação tendem a se tornar antissociais, violentas, criminosas, ser acometidas por

depressão e tendências suicidas quando adultas. A verdade quando vem à tona, de

que o seu genitor ou parente foi alienado injustamente, lhe causa remorso e culpa, e

podendo desenvolver grave moléstia mental ou desvio de comportamento devido à

confusão de afetos113.

Gagliano e Pamplona Filho sintetizam de forma sucinta o que a alienação

parental representa114:

[...] um distúrbio que assola crianças e adolescentes vítimas da interferência psicológica indevida realizada por um dos pais com o propósito de fazer com que se repudie o outro genitor. Infelizmente, não compreendem esses pais, que a utilização do filho como instrumento de catarse emocional ou extravasamento de mágoa, além de traduzir detestável covardia, acarreta profundas feridas na alma do menor, vítima dessa devastadora síndrome.

A alienação parental não pode ser banalizada a ponto de, em processos

envolvendo a guarda e o direito de convivência ao filho, qualquer alegação da sua

existência por um dos genitores ser atribuída ao outro em campanha depreciativa.

Como podem também ser verdadeiras as acusações imputadas115.

____________________

112 OLIVEIRA, Euclides de. Alienação Parental. In: Família e responsabilidade: Teoria e Prática do Direito de Família. PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.) Porto Alegre: Magister, 2010. p. 236.

113 DIAS, 2017. p. 573-574.

114 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013. p. 610.

115 FIGUEIREDO, Fábio Vieira; ALEXANDRIDIS, Georgios. Alienação parental. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 45.

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Considerando os efeitos devastadores para o psicológico das crianças e

adolescentes em tal contexto, foi criada a Lei nº 12.318 sobre Alienação Parental,

aprovada em 26 de agosto de 2010. Há um rol exemplificativo das condutas que

caracterizam a alienação parental no artigo 2º, parágrafo único. Outros

comportamentos são reconhecidos caso a caso pelo juiz ou pela perícia116.

O Poder Judiciário não pode ignorar o quão relevante é resguardar a harmonia

familiar e fazer cessar o quadro de alienação parental, conduta criminosa, cometida

contra crianças inocentes e impotentes. A Lei nª 12.318 tida como um avanço, é uma

ferramenta jurídica apropriada para o menor indício de alienação, pode ser proposta

ação própria a requerimento ou de ofício ou incidentalmente como em uma ação de

divórcio, de disputa pela guarda ou pedido de alimentos.

Uma vez ouvido o Ministério Público, podem ser determinadas medidas de

urgência provisórias visando a integridade física e psicológica da criança ou

adolescente, e também quanto à continuidade de convivência com o genitor ou

reaproximação entre ambos. O artigo 4º parágrafo único dispõe sobre as exceções

em que a convivência não será recomendada117.

Constatada a ocorrência da alienação, o alvo das agressões se torna comum e

os sentimentos da criança e do genitor alienante se assemelham gerando

cumplicidade. Nesse grau, já é possível perceber que há um genitor bom e outro mau.

O juiz determina então a realização de perícia psicológica ou biopsicossocial, que

pode acontecer tanto na ação autônoma de denúncia de alienação parental, como em

___________________

116 GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013. p. 612. Art. 2º da Lei nº 12.318: São formas exemplificativas

de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros: I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II - dificultar o exercício da autoridade parental; III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

117 Lei 12.318, Art. 4º, § único: Assegurar-se-á à criança ou adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas.

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qualquer outra ação promovida pelos genitores118.

Dias aborda a falsa denúncia de abuso sexual como situação de alienação

parental. Há uma manipulação planejada, em que o convencimento do filho o leva a

repetir certos fatos, como se fosse certo, tivesse realmente acontecido. O filho passa

a acreditar no que lhe é passado constantemente, vive uma falsa existência com falsas

personagens, que caracteriza as falsas memórias119.

Rolf Madaleno aborda a Síndrome de Falsas Memórias usada para definir: ”[...]

a lembrança que um indivíduo traz acerca de abuso sexual cometido contra ele na

infância, sendo depois constatado que tal fato não aconteceu.” As falsas memórias

se formam de lembranças incutidas por quem tem o interesse mal intencionado de

prolongar uma estratégia de persuasão, que não é notada a princípio. O objetivo é

afastar o filho do outro genitor e ocorrem geralmente em momentos específicos: antes

da separação; depois da separação, às vésperas do ajuizamento de ação judicial de

disputa de guarda e visitas; e no transcorrer da ação judicial120.

O constrangimento psicológico provocado na criança, não ocorre

necessariamente por exercício de autoridade, poder e dominação, mas pode ser

proveniente de um comportamento inverso do alienador, no sentido de demonstrar-se

muito fragilizado, vítima do outro genitor pelo término da relação. Essa situação é

denominada por “parentalização”, em que os filhos cuidam dos pais.

Entretanto, nem todo caso de rejeição com um dos pais, enquanto o outro

genitor está aliado à criança, pode ser considerado consequência da síndrome. Pode

ser que por ter uma relação mais próxima com um genitor, que resida junto, por

questões individuais, de afinidade, enfim, a criança acabe por se afastar do outro

genitor. Ou mesmo quando a separação do casal ocorre na infância, em que os filhos

bem pequenos, não têm condições psíquicas e emocionais para entender o que está

____________________

118 MADALENO, 2018. p. 475-477.

119 DIAS, 2017. p. 574-575.

120 MADALENO, 2018. p. 480.

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acontecendo, pode se estabelecer um vínculo forte entre a criança e o genitor

guardião e haver resistência por parte da criança em visitar o genitor que não detém

a guarda.

Contexto em que ainda não está caracterizada a alienação acontece quando a

relação entre o filho e o pai é positiva e benéfica para ambos, de modo que mesmo

que o outro genitor tente alienar a criança, a alienação não se instala. Situação

delicada e que merece atenção, pois o genitor alienador passa a agir com mais

intensidade no seu assédio com o intuito de levar adiante seu plano de convencer os

filhos das falsas alegações121.

O ideal é que os pais sejam sinceros e esclareçam toda a situação, mesmo

com a separação, façam seus filhos entenderem o quão fundamentais são para a sua

própria felicidade. Deve ser enfatizado que a separação não foi causada pelo filho, e

apesar da ruptura conjugal, a unidade familiar prevalece, os pais continuarão a amar

seus filhos. É fundamental manter o vínculo afetivo, o elo de pertencimento à família,

porque assim, aceitarão e entenderão o fim do relacionamento dos pais. Os filhos

sendo preservados, sem serem usados como instrumentos de vingança pelos pais,

demonstra que pensam no melhor para os filhos e superaram o fim conjugal.

Madaleno descreve assim a Síndrome de alienação parental:

A maliciosa manipulação da indefesa mentalidade de uma criança ou de um adolescente constitui um dos mais perversos instintos do ser humano, que não se importa com o mal que causa ao seu próprio filho ou familiar, considerando que também avós e parentes próximos podem atuar ativamente na obstrução do contato do filho com o outro ascendente.

Suas consequências são perversas quando a síndrome está instalada, os filhos

inventam fatos, negam momentos felizes, são cúmplices em mentiras, enquanto o

genitor alienante cumpre papel autêntico de vítima122.

____________________

121 BUOSI, 2012. p. 61-63.

122 MADALENO, Rolf. Direito de família. 7ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 468.

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Rolf Madaleno explica a síndrome de alienação parental como um ciclo em que

o ascendente guardião está sempre acrescentando novas projeções de seus

sentimentos negativos, frustrações e rancores pelo ex-cônjuge. Refuta a comparação

com a lavagem cerebral, pois nesta, há quem trabalhe consciente e com o fim de

atingir um resultado de distúrbio na comunicação. Enquanto que na síndrome, a

criança regida por chantagens de intensa violência mental, não tem como se defender,

aceita o que lhe é projetado passivamente e acaba por acreditar que o genitor visitante

não lhe faz bem123.

Quanto à possibilidade de uma acusação de abuso ser real ou falsa, o que deve

ser considerado é como ocorre o litígio judicial entre os pais. Deve se avaliar o que

acontecia antes da acusação de abuso, como se desenrolavam as disputas acerca da

pensão alimentícia ou em relação à guarda, o motivo da separação, o histórico de

relacionamento entre os ex-companheiros e as visitas com que regularidade ocorriam.

Geralmente, quando o abuso é real, a vítima se envergonha e tem dificuldade

de externalizar o que aconteceu e quer esquecer, enquanto que, na acusação falsa,

ela fala e repete a situação ocorrida muitas vezes com a intenção de afastar o genitor

acusado do seu convívio e romper o vínculo existente.

Outra diferença é o comportamento dos pais da vítima. Sendo o abuso real,

muitas vezes os pais apresentam uma dificuldade em acreditar que houve o abuso,

buscam averiguar os fatos de forma a elucidar e excluir a possibilidade da violência

contra seus filhos.

Por outro lado, o comportamento é o inverso se se trata de acusação de abuso

falso, pois proveniente da Síndrome de Alienação Parental. Nessa situação, os pais

assim como a criança, ficam obstinados em encontrar mais indícios e ficar

mencionando a questão do abuso. Verificado que não ocorreu, os pais podem ficar

decepcionados e até recorrer a outros profissionais para confirmar o que alegam124.

O abuso sexual é um fato que marca negativamente a formação da

personalidade infantil e desencadeia consequências para a criança e adolescente.

____________________

123 MADALENO, 2017. p. 469.

124 BUOSI, 2012. p. 73 - 75.

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Caroline de Cássia Buosi acrescenta:

As consequências do abuso sexual real e do falso são quase idênticas, o que deve tornar ainda maior o alerta dos profissionais envolvidos para diagnóstico. Entretanto, geralmente os sintomas em casos de falsas alegações aparecem menos intenso [...] em ambos os abusos, real ou imaginário, há atrasos escolares e consequências educacionais como notas baixas, agressividade com colegas, dificuldade de memória e concentração escolar. Outra diferença se dá na medida em que o menor que foi abusado realmente sente mais vergonha ou culpa da situação, enquanto na falsa acusação isso aparece com muito menor incidência.

Além de o genitor alienado ter sido acusado injustamente, também a criança é

afetada tanto afetivamente, como em suas relações interpessoais, sua confiança nas

pessoas, sua autoestima, passa a ter sentimentos de culpa e medo, alteração na sua

forma de lidar com a sexualidade.

Mesmo em casos leves de síndrome de alienação parental, é preciso recorrer

à ajuda, tratamento para os envolvidos. O genitor alienador pode perder a guarda ou

ser responsabilizado civilmente e com isso, mudar a sua conduta de alienação em

relação ao outro genitor125.

A Lei nº 12.318 de 2010 sobre a Alienação Parental concebeu o sistema de

garantia de direitos da criança e do adolescente ao ter reconhecido a alienação

parental como violência contra a criança.

Quando se constata sua prática, se instaura procedimento autônomo ou

incidental com tramitação prioritária de acordo com o artigo 4º e as medidas a serem

determinadas visando a proteção psicológica da criança, segundo o artigo 5º. A ação

pode ser promovida pelos pais ou outro parente que se sinta vítima de alienação

parental, assim como o juiz pode agir de ofício e o Ministério Público é legitimado. “Se

evidenciada a probabilidade do direito e o perigo de dano pode ser requerida tutela de

urgência” esclarece Dias, com previsão no artigo 300 do CPC.

A competência para a propositura da ação é o domicílio dos pais, nos termos

____________________

125 BUOSI, 2012. p. 88 – 89.

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do artigo 147, I do Estatuto da Criança e do Adolescente e artigo 50 do CPC126

segundo a autora127.

Se admite como prática alienadora a mudança de domicílio para lugar distante

sem justificativa como transferência do local de trabalho do genitor guardião, por

exemplo. Numa hipótese como esta, é possível que a parte interessada requeira ou

seja expedida de ofício a fixação cautelar do domicílio, para evitar o afastamento entre

pai e filho e também o deslocamento de competência, com previsão no Artigo 6º, VI

da Lei de Alienação Parental.

Em casos de mudança constante de domicílio, pode ser determinada a inversão

da obrigação de levar ou retirar o filho da residência do genitor, ou seja, o genitor que

detém a guarda ficara encarregado de levar o filho para a visita ao outro genitor.

Quando após determinada a realização de perícia psicológica ou

biopsicossocial, o laudo demonstrar a prática de alienação parental ou conduta que

dificulte a convivência paterno-filial, o juiz pode adotar medidas tais como: ampliar o

regime de convivência familiar; fixar multa; alterar a guarda para compartilhada ou sua

inversão; e chegar a suspender a autoridade parental128.

A responsabilidade civil decorrente de abusos físicos ou psicológicos à criança

ou ao adolescente dificilmente deixará de se enquadrar no dever de indenizar segundo

Caetano Lagrasta Neto129.

As lembranças dos abusos sofridos podem ser permanentes, de forma que é

necessário haver acompanhamento da família para não permitir que voltem a ocorrer,

____________________

126 Art. 300 do CPC: A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. § 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la. § 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. § 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. Art. 147, I do ECA: A competência será determinada: I - pelo domicílio dos pais ou responsável; Art. 50 do CPC: A ação em que o incapaz for réu será proposta no foro de domicílio de seu representante ou assistente.

127 DIAS, 2017, p. 576.

128 Ibid., Lei nº 12.318 de 2010, Art. 6º, VI: Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou

adolescente;

129 LAGRASTA NETO, Caetano, loc. cit.

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e garantir um convívio sadio e afetuoso entre pais e filhos.

3.2 A RESPONSABILIDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA

Maria Berenice Dias sustenta que é preciso ter uma visão plural de família,

abrangendo os mais variados arranjos familiares em que os relacionamentos são

marcados pela afetividade, identificado no vínculo que une os integrantes.130

Na conceituação de Paulo Lôbo131: “A família, mais que qualquer outro

organismo social, carrega consigo o compromisso com o futuro, por ser o mais

importante espaço dinâmico de realização existencial da pessoa humana e de

integração das geraçoes.”

O fim do vínculo conjugal não exime os genitores dos encargos provenientes

do poder familiar. As relações entre pais e filhos continuam de acordo com o artigo

1.632 do Código Civil. Os direitos e deveres dos pais com relação aos filhos não

mudam mesmo com o divórcio. O genitor não guardião não pode se eximir de sua

responsabilidade quando o filho não está na sua companhia, mas está sob sua

autoridade. Dias salienta que a responsabilidade parental é exercida por ambos os

pais, pois decorrente do poder familiar e não da guarda, seja ela unilateral ou

compartilhada.

Quando ambos os pais têm condições de exercer a guarda compartilhada, nos

moldes do artigo 1.584, § 2º, respondem em conjunto, assim como o tempo de

convívio com os filhos dividido entre eles, previsto no artigo 1.583, § 2º do Código

Civil132.

A concepção que se tem de responsabilidade está ligada a uma obrigação

derivada, um dever jurídico. Tal obrigação consiste em uma proibição de lesar os

____________________

130 DIAS, 2017. p. 147.

131 LÔBO, 2011. p. 51.

132 DIAS, 2017. p. 493. Art. 1584 do CC: A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: § 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos

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Direitos alheios133.

Wald e Giancoli134 definem a responsabilidade civil como:

[...] situação de quem sofre as consequências da violação de uma norma, ou como a obrigação que incumbe a alguém de reparar o prejuízo causado a outrem, pela sua atuação ou em virtude de danos provocados por pessoas ou coisas dele dependentes. Trata-se, pois, de um mecanismo jurídico para sancionar violações prejudiciais de interesses alheios.

Tanto a falsa denúncia como a prática da alienação parental podem destruir

emocionalmente, psicologicamente e também a estrutura social em que a criança vive

e do genitor alienado, vítima das falsas acusações.

As Varas de Família têm competência para processar as ações de

responsabilidade civil decorrentes da alienação parental, inclusive sob segredo de

justiça para preservar os envolvidos. Não há óbice na cumulação de pedidos de danos

morais com regulamentação da guarda por se tratarem de relação familiar.

Muitas vezes as ações reparatórias que envolvam Direito de Família tramitam

nas Varas Cíveis, porque a indenização pela prática da alienação e imputação de falso

crime depende do conteúdo probatório já colhido na esfera familiar e penal.

A responsabilidade civil deve ser utilizada como meio de repreensão da prática

de alienação parental, principalmente quando as outras medidas possíveis não

surtiram o resultado esperado135.

Anderson Schreiber ressalta que a responsabilidade civil não tinha aplicação

____________________

genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. Art. 1583: A guarda será unilateral ou compartilhada: §2º: Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.

133 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de direito civil, v.3 – Responsabilidade Civil. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 50.

134 GIANCOLI, Brunno Pandori; WALD, Arnoldo. Direito civil: responsabilidade civil, vol. 7. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 34.

135 MADALENO, Ana Carolina C. Indenização pela prática da alienação parental e imposição de falsas memórias. In: Responsabilidade no direito de família. BARBOSA, Eduardo; MADALENO, Rolf (coord.). São Paulo: Atlas, 2015. p. 27-30.

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nas relações familiares, com exceção dos casos de rompimento de noivado, que era

equiparado à ruptura de uma promessa unilateral passível de indenização. O mesmo

autor defende que a responsabilidade civil não tem que estar sempre atrelada à

prestação pecuniária136.

Demandas que requerem indenização por dano moral devido o abandono

afetivo do pai merecem tutela ao qual o juiz analisa se houve violação ao dever legal

de criar e cuidar dos filhos ou não. Se as condições para a convivência legítima foram

cumpridas, não haverá dano a ser ressarcido.

Por outro lado, constatado que houve o dano afetivo, cabível o ressarcimento

se presentes outros requisitos para a responsabilização. O autor da demanda deve

demonstrar que foi lesado, seja na falta de sustento, guarda, companhia, criação ou

educação, afetando na formação da sua personalidade137.

Schreiber defende que a manutenção de uma sanção exclusivamente

pecuniária, para reparação de danos extrapatrimoniais, permite concluir que, a lesão

a interesses existenciais é a todos possível, contanto que tenham como arcar com os

custos. Tal metodologia deixa a vítima ainda mais desamparada em constatar que seu

sofrimento, o dano sofrido foi mercantilizado e se sente subjugada diante da

supremacia econômica e social do causador do dano138.

____________________

136 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 100.

137 Ibid., p. 183-185.

138 Id., Responsabilidade Civil e Direito de Família: a Proposta da reparação não-pecuniária. In: Responsabilidade Civil no Direito de Família. BARBOSA, Eduardo; MADALENO, Rolf (coord.). São Paulo: Atlas, 2015. p. 35-36.

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4 EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO NA PROTEÇÃO À CRIANÇA

Rolf Madaleno sustenta que a sociedade se estrutura na convivência humana

e os diversos grupos familiares formam a comunidade social e política do Estado. O

Estado, por sua vez, se incumbe de amparar a família como forma de manter sua

própria existência.

Desde o Código Civil de 1916 até a Constituição Federal de 1988, a família

brasileira era reconhecidamente matrimonial, só existindo legalmente por meio do

casamento válido e eficaz. Qualquer outra união constituída por meio do concubinato,

similar à união estável eram equiparadas às sociedades de fato e quaisquer efeitos

jurídicos eram tratados pelo Direito das Obrigações.

De certa forma, com a vigência da Carta Magna de 1988, a entidade familiar

acompanhou as mudanças da sociedade e se transformou na medida em que abrange

vários modelos que não os restritos ao casamento, à união estável e à família

monoparental. Surgiram novas necessidades no âmbito das famílias requerendo

proteção e amparo legal pelo Estado.

No Código Civil de 1916 havia a preocupação em proteger o direito de

propriedade em detrimento dos direitos das pessoas porque se dirigia à uma

sociedade rural. A industrialização se iniciava e as populações urbanas eram menores

em comparação ao que são hoje. A intenção era proteger o proprietário e o chefe de

família, questões democráticas ou sociais foram deixadas para segundo plano139.

Arnoldo Wald e Brunno Giancoli afirmam, contudo, que foi nesse contexto que

a jurisprudência e a doutrina trabalharam a necessidade que havia de prova da culpa

referida no artigo 1.523 do Código Civil de 1916140. Inicialmente a presunção era juris

tantum e depois juris et de jure significando uma responsabilidade objetiva.

____________________

139 MADALENO, 2018. p.34.

140 WALD; GIANCOLI, 2011. p. 24. Código Civil de 1916, Art. 1523: Excetuadas as do art. 1521 nº V só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no artigo 1522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou neglicência de sua parte.

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Aos poucos foi se concretizando na jurisprudência a garantia de indenização à

vítima e se sedimentando em definitivo através da Súmula 341 do Supremo Tribunal

Federal, na década de 1960141.

Lôbo resume seu entendimento sobre responsabilidade142:

A responsabilidade com sua formação integral, em respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento, é muito recente na história da humanidade. A concepção então existente de pátrio poder era de submissão do filho aos desígnios quase ilimitados do pai; a criança era tida mais como objeto de cuidado e correção do que como sujeito próprio de direitos. Fora da família, a criança era tida como menor em condição irregular. No Brasil, a viragem, decorrente da difusão internacional da doutrina de proteção integral da criança, concretiza-se com o advento da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. De objeto a sujeito chega-se à responsabilidade e aos deveres fundamentais.

O Código Civil de 1916 era punitivo pois em casos de desquite, ficava com os

filhos menores o cônjuge inocente, que não tinha dado causa. A Lei 6.515 sancionada

em 1977, conhecida como Lei do Divórcio também privilegiou o cônjuge inocente,

facultando ao juiz decidir diferente quanto à guarda dos filhos.

Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, foram consagrados

princípios fundamentais como a igualdade e dignidade da pessoa humana, em que

homem e mulher tinham assegurados os mesmos direitos e deveres na sociedade

conjugal e por consequência, no poder familiar.

O Estatuto da Criança e do Adolescente sancionado em 1990 transformou

crianças e adolescentes em sujeitos de direitos, lhes dando total prioridade143.

Para Carlos Roberto Gonçalves, a Constituição Federal de 1988 representou

um marco ao alterar o conceito que se tinha de família, acrescentando novos modelos.

Ainda que a família continue a ser a base da sociedade e receber proteção especial

do Estado, não tem sua origem apenas no casamento mas também, através de outras

____________________

141 Súmula 341 do STF: É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.

142 LÔBO, 2011. p. 51.

143 DIAS, 2017. p. 544.

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entidades familiares que passaram a ser reconhecidas: a formada pela união estável

e a constituída por qualquer dos pais e seus descendentes.144

Christiano Cassettari também contextualizou acertadamente as

transformações constitucionais:145

A nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência familiar, adotando a doutrina da proteção integral. Transformou a criança em sujeito de direito. Deu prioridade à dignidade da pessoa humana, abandonando a feição patrimonialista da família. Proibiu quaisquer designações discriminatórias à filiação, assegurando os mesmos direitos e qualificações aos filhos nascidos ou não da relação de casamento e aos filhos havidos por adoção.

Nos dias que correm, a visão do Direito de Família é de que um núcleo familiar

se une por relações de afeto, solidariedade e amor que significam a valorização da

dignidade da pessoa humana, com outras formas de famílias a merecerem a proteção

do Estado na concepção de Patrícia F. Iglesias Lemos.146

Pode se concluir que, acompanhando o ritmo de transformações na sociedade

contemporânea, o ramo do Direito de Família também se transforma para propiciar

uma plena emancipação e realização de seus integrantes.147

____________________

144 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 15ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p 32.

145 CASSETTARI, 2017. p. 14.

146 LEMOS 2010 apud CASSETTARI, 2017, p.15.

147 PAIANO, Daniela Braga. Relações familiares: uma análise da perspectiva da responsabilidade civil. In: Direito das famílias e sucessões: concurso de artigos. PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Belo Horizonte: IBDFAM, 2017. p. 411.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A família é o núcleo da sociedade, onde tudo se origina, que não teve o devido

reconhecimento no começo do século XX. As famílias seguiam sempre o formato

convencional de mãe, pai e filhos, avós, todos no mesmo núcleo com o fim de

amealhar patrimônio e mantê-lo com os integrantes. A sua importância era essa:

garantir e preservar o que se conquistava de patrimônio. A responsabilidade por tudo

e todos recaía ao pai, provedor da família, também o homem detinha o poder de

decisão no que reflete o Código Civil de 1916. Daquela época, uma sociedade

extremamente patriarcal e machista, as mulheres eram consideradas capazes quando

atingiam a maioridade civil, porém, voltavam a ser relativamente capazes ao se casar,

ficando ao jugo do seu senhor, ou melhor, marido.

Em uma breve contextualização do histórico familiar no Brasil, em que mulheres

adultas tampouco tinham seus direitos respeitados, que dirá de pessoas vulneráveis

em processo de desenvolvimento como crianças e adolescentes... Não havia

legislação específica que assegurasse seus direitos e os protegesse frente aos

abusos psicológicos ou físicos. Em um Brasil predominantemente rural da primeira

metade do século passado, crianças e adolescentes deviam obedecer ao pai e

quando necessário, trabalhar para ajudar no sustento da casa. Com o avanço da

modernização, aumento da população e migração para os centros urbanos, passaram

a surgir demandas e reivindicações necessárias para tornar a vida de todos mais

digna.

As mudanças necessárias ocorreram por meio das leis, mas em um longo

período de tempo, já que na sociedade brasileira conservadora da primeira metade

do século XX mudanças não eram bem aceitas. O Estatuto da mulher casada de 1962

devolveu à mulher sua plena capacidade, mas ainda não estava em pé de igualdade

com o homem. Em 1977 foi promulgada a Lei do Divórcio, apesar de admitida a

dissolução do casamento, foi só com a promulgação da Constituição Federal de 1988

que homens e mulheres tiveram sua igualdade de direitos estabelecida. Foi um grande

avanço, já que também passaram a reconhecer as uniões não provenientes de

casamentos civis, as uniões estáveis, com seus direitos assegurados. E a Emenda

Constitucional 66 de 2010 que instituiu a extinção tácita da separação judicial.

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O Estatuto da Criança e do Adolescente sancionado em 1990 conferiu proteção

integral à criança e ao adolescente, enfim, um marco regulatório dos direitos humanos

dessas pessoas em desenvolvimento. Com um estatuto próprio garantiram um

respaldo e garantia muito mais amplo. São pessoas vulneráveis aos perigos do mundo

e devem ser tuteladas pelo Estado quando os próprios responsáveis, os seus pais que

deveriam lhe proteger e cuidar falham.

A Lei da alienação parental foi sancionada visando coibir os abusos cometidos

e que afetam o desenvolvimento psicológico da criança e adolescente. Esta lei veio

para punir e tentar coibir por diferentes mecanismos o pai ou mãe que deflagra um

processo de desmoralização do outro genitor de modo a alienar o filho. A conduta de

alienar o filho é moralmente condenável, ainda mais por se tratar do próprio filho e

prejudica-lo por muito tempo ou até para o resto da vida, o fazendo acreditar em

mentiras. O rompimento na relação de afeto com o pai ou mãe é muito cruel e grande

possibilidade de gerar sequelas psicológicas.

Uma criança ou adolescente que sente-se traída pela pessoa em que mais

confiava ao ser levada a acreditar nas leviandades com relação ao outro genitor, pode

perder totalmente a confiança nas pessoas, ficar traumatizada, com grande prejuízo

não só para si mesma como para a comunidade em que vive.

Por outro lado, houve um reconhecimento tardio das relações socioafetivas

pelo legislador, então não só há relações de afeto nas famílias tradicionais unidas por

meio do casamento civil, mas também em famílias reconstituídas em que o alienador

não tem vínculo de sangue, mas o vínculo de afeto com a criança ou adolescente.

Após constatada a ocorrência de abuso ao filho, a conduta é passível de

reparação muitas vezes pecuniária o que demonstra não ser suficiente. Desse modo,

quem não se importa com o filho, faz o pagamento e fica livre sem maiores ônus, o

que acaba não surtindo o efeito reparador esperado. Nesses casos, é preciso

determinar ao pai ou mãe abusador visitas periódicas acompanhadas por um

assistente social, desde que seja em prol do melhor para a criança/adolescente. Outra

medida que poderia fazer refletir quanto à conduta alienante, seria uma determinação

de prestação de serviços à comunidade como à orfanatos e hospitais infantis. O

essencial é que o pai ou mãe entenda que seu comportamento, uma vez descoberto,

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não ficará impune já que fere seu poder-dever de ser responsável e cuidar de seus

filhos.

As crianças e adolescente devem ser protegidos e reconhecidos os seus

direitos sob todos os mecanismos possíveis, não devem ser ignorados como foram

outrora pois seres vulneráveis em fase de desenvolvimento e futuros cidadãos.

Cidadãos no sentido de serem completamente capazes de contribuir na sua

comunidade, enquanto traumas psicológicos podem retardar ou impossibilitar sua

contribuição afetando sua vida significativamente.

A alienação parental deve ser vista sob um espectro ainda mais amplo, pois o

adulto que age para alienar sem dúvidas é alguém com problemas psicológicos mal

resolvidos, deve ser tratado, assim como na sociedade deve ser discutido o problema,

suas causas e consequências para se evitar ao máximo a prática da alienação

parental. A terapia deveria ser um tratamento estendido a todos os envolvidos, para

que a mágoa não motive os atos nas relações afetivas, mas o próprio afeto e empatia

pelo próximo.

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