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Centro de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de História Trabalho feminino nas colônias alemãs da África Ana Carolina Schveitzer - Bolsista PIBIC/CNPq - UFSC ([email protected]) Orientador: Prof. Dr. Sílvio Marcus de Souza Correa UFSC ([email protected]) O presente trabalho faz parte de um projeto intitulado Mulheres Brancas na África Negrasob a orientação do professor doutor Sílvio Marcus de Souza Correa (UFSC) e se inscreve numa perspectiva historiográfica que articula as relações de gênero com outras questões como classe e “raça” para o estudo do colonialismo em África, notadamente em territórios sob domínio alemão. O colonialismo alemão na África teve duração de três décadas (1884 -1914). Neste breve período, a Liga Feminina (Frauenbund) da Sociedade de Colonização Alemã foi uma das principais organizações empenhadas com a migração de mulheres brancas para a África. A Revista Kolonie und Heimat in Wort und Bild era um meio de comunicação impresso da Liga Feminina e compartilhava certos ideais pangermanistas da Sociedade de Colonização Alemã. Nas últimas páginas da revista, encontram-se anúncios de mulheres alemãs. Oferecia-se uma série de serviços femininos, também oferta de vagas de emprego destinadas às alemãs. Ainda nesta revista, têm-se numerosas fotografias das colônias alemãs com destaque para as mulheres alemãs e africanas exercendo vários trabalhos na incipiente sociedade colonial. O trabalho feminino nas colônias alemãs da África (re)produziu relações de dependência entre africanas e alemãs. Essas dependências ajudam a entender como as relações de poder são constelações dispersas de relações desiguais(Joan Scott. 1995). Revista Kolonie und Heimat, Ano IV, n.47, 1911. Revista Kolonie und Heimat, Ano IV, n. 29, 1911. SCOTT, Joan. Gênero: Uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. 20(2), jul-dez, 1995, pp. 71-99 SMIDT, Karen: Germania führt die deutsche Frau nach Südwest. Auswanderung, Leben und soziale Konflikte deutscher Frauen in der ehemaligen Kolonie Deutsch-Südwestafrika 1884-1920. Eine sozial- und frauengeschichtliche Studie, Phil. Diss., Magdeburg, 1997. TODZI, Kim Sebastian. Rassifizierte Weiblichkeit. Der „Frauenbund der deutschen Kolonialgesellschaft zwischen weiblicher Emanzipation und rassistischer Unterdrückung, Universität Hamburg, 2008. LEHAf BECHHAUS-GERST, Marianne; Mechthild LEUTNER (Hg.) Frauen in den deutschen Kolonien. Berlin: Ch. Links, 2009. MAMOZAI, Martha: Schwarze Frau, weiße Herrin. Frauenleben in den deutschen Kolonien, Reinbek bei Hamburg 1989. MCCLINTOCK, Anne. Couro Imperial: Raça, gênero e sexualidade no embate colonial. São Paulo: Unicamp, 2010. 600 p. REAGIN, Nancy R.. Sweeping the German Nation: Domesticity and National Identity in Germany, 18701945. New York: Cambridge University Press, 2007. Laboratório de Estudos de História da África CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Em termos metodológicos, a pesquisa teve por base empírica fontes hemerográficas e iconográficas, além de relatos e memórias de mulheres. A análise dessas fontes, sobretudo dos anúncios e das fotografias, permite observar um conjunto de atividades femininas compartilhadas por mulheres adventícias e nativas. Alguns espaços do trabalho feminino eram compartilhados entre mulheres alemãs e africanas, além de eventuais mulheres bôeres. Como resultados parciais, pode-se destacar o seguinte: no discurso da Liga Feminina e veiculado em sua revista há uma projeção idealizada das mulheres alemãs. A Liga feminina lidava com mulheres alemãs de diferentes segmentos sociais. Se havia mulheres da burguesia e mesmo da nobreza entre as dirigentes e sócias beneméritas da Liga, as que eram enviadas para a África tinham, geralmente, origem pequeno-burguesa, operária ou camponesa. Revista Kolonie und Heimat, Ano IV, n. 36, 1911. Anúncio de uma jovem de 17 anos, com formação e disposição, para cuidar de crianças em casa de família numa colônia alemã, com preferência em Dar es Salam, na então África Oriental Alemã. Revista Kolonie und Heimat, Ano IV, n. 50, 1911. Jardim de infância em Swakopmund. Koloniales Bildarchiv, Frankfurt,. Bildnummer 041-0242-45 Em termos pedagógicos, houve um esforço da Liga Feminina em suprir as colônias de mulheres alemãs para se ocuparem da futura geração nos trópicos e garantir o processo de germanizaçãodas crianças e, ao mesmo tempo, reduzir a tendência à cafrialização. Entre outros fatores, a invenção e o culto da brancura (McClintock, 2012), a racialização da feminilidade (Todzi, 2008) e o habitus da domesticidade para as mulheres (Reagin, 2006) serviram de suporte ideológico ao projeto colonial da Alemanha do II Reich. O convívio entre elas não anulava necessariamente certas distâncias sociais, bem como idiossincrasias culturais entre elas. No mundo do trabalho, havia uma relação assimétrica entre mulheres europeias e africanas; porém, em alguns casos, as primeiras dependiam das segundas. Entre outras atividades, as mulheres alemãs trabalhavam como professoras, governantas, secretárias, enfermeiras, proprietárias ou ajudantes no pequeno comércio no meio urbano ou como proprietárias ou donas de casa em fazendas no meio rural. Cozinheiras e babás nativas faziam parte do cotidiano das mulheres brancas e tal presença reconfigurava as relações de poder no espaço doméstico. (Kulturträgerin), responsáveis pela transmissão e manutenção do Germanismo (Deutschtum) nas colônias africanas. Sendo também o seu trabalho feminino um dos principais meios de reprodução de relações coloniais entre alemã(e)s e africano(a)s. Mesmo quando as alemãs dividem o espaço doméstico com as mulheres africanas, prevalece uma clivagem nas relações de trabalho. Articulada com a questão de gênero, tem-se ainda a dimensão social e racial nos trabalhos das mulheres. Apesar disso, as alemãs foram representadas como portadoras da cultura

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Centro de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de História

Trabalho feminino nas colônias alemãs da África

Ana Carolina Schveitzer - Bolsista PIBIC/CNPq - UFSC ([email protected])

Orientador: Prof. Dr. Sílvio Marcus de Souza Correa – UFSC ([email protected])

O presente trabalho faz parte de um projeto intitulado “Mulheres Brancas na

África Negra” sob a orientação do professor doutor Sílvio Marcus de Souza

Correa (UFSC) e se inscreve numa perspectiva historiográfica que articula

as relações de gênero com outras questões – como classe e “raça” – para o

estudo do colonialismo em África, notadamente em territórios sob domínio

alemão.

O colonialismo alemão na África teve duração de três décadas (1884 -1914).

Neste breve período, a Liga Feminina (Frauenbund) da Sociedade de

Colonização Alemã foi uma das principais organizações empenhadas com a

migração de mulheres brancas para a África.

A Revista Kolonie und Heimat in Wort und Bild era um meio de

comunicação impresso da Liga Feminina e compartilhava certos ideais

pangermanistas da Sociedade de Colonização Alemã. Nas últimas páginas

da revista, encontram-se anúncios de mulheres alemãs. Oferecia-se uma

série de serviços femininos, também oferta de vagas de emprego destinadas

às alemãs. Ainda nesta revista, têm-se numerosas fotografias das colônias

alemãs com destaque para as mulheres alemãs e africanas exercendo vários

trabalhos na incipiente sociedade colonial.

O trabalho feminino nas colônias alemãs da África (re)produziu relações de

dependência entre africanas e alemãs. Essas dependências ajudam a entender

como as relações de poder são “ constelações dispersas de relações

desiguais” (Joan Scott. 1995).

Revista Kolonie und Heimat, Ano IV, n.47, 1911.

Revista Kolonie und Heimat, Ano IV, n. 29, 1911.

SCOTT, Joan. “Gênero: Uma categoria útil de análise

histórica.” Educação e Realidade. 20(2), jul-dez,

1995, pp. 71-99

SMIDT, Karen: „Germania führt die deutsche Frau

nach Südwest“. Auswanderung, Leben und soziale

Konflikte deutscher Frauen in der ehemaligen Kolonie

Deutsch-Südwestafrika 1884-1920. Eine sozial- und

frauengeschichtliche Studie, Phil. Diss., Magdeburg,

1997.

TODZI, Kim Sebastian. Rassifizierte Weiblichkeit.

Der „Frauenbund der deutschen Kolonialgesellschaft“

zwischen weiblicher Emanzipation und rassistischer

Unterdrückung, Universität Hamburg, 2008.

LEHAf

BECHHAUS-GERST, Marianne; Mechthild

LEUTNER (Hg.) Frauen in den deutschen

Kolonien. Berlin: Ch. Links, 2009.

MAMOZAI, Martha: Schwarze Frau, weiße

Herrin. Frauenleben in den deutschen

Kolonien, Reinbek bei Hamburg 1989.

MCCLINTOCK, Anne. Couro Imperial: Raça,

gênero e sexualidade no embate colonial. São

Paulo: Unicamp, 2010. 600 p.

REAGIN, Nancy R.. Sweeping the German

Nation: Domesticity and National Identity in

Germany, 1870–1945. New York: Cambridge

University Press, 2007. Laboratório de Estudos de História da África

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico

Em termos metodológicos, a pesquisa teve por base empírica fontes

hemerográficas e iconográficas, além de relatos e memórias de mulheres. A

análise dessas fontes, sobretudo dos anúncios e das fotografias, permite

observar um conjunto de atividades femininas compartilhadas por mulheres

adventícias e nativas. Alguns espaços do trabalho feminino eram

compartilhados entre mulheres alemãs e africanas, além de eventuais

mulheres bôeres.

Como resultados parciais, pode-se destacar o seguinte: no discurso da Liga

Feminina e veiculado em sua revista há uma projeção idealizada das

mulheres alemãs. A Liga feminina lidava com mulheres alemãs de diferentes

segmentos sociais. Se havia mulheres da burguesia e mesmo da nobreza entre

as dirigentes e sócias beneméritas da Liga, as que eram enviadas para a

África tinham, geralmente, origem pequeno-burguesa, operária ou

camponesa.

Revista Kolonie und Heimat, Ano IV, n. 36, 1911.

Anúncio de uma jovem de 17 anos, com formação e

disposição, para cuidar de crianças em casa de

família numa colônia alemã, com preferência em

Dar es Salam, na então África Oriental Alemã.

Revista Kolonie und Heimat, Ano IV, n. 50, 1911.

Jardim de infância em Swakopmund. Koloniales Bildarchiv, Frankfurt,. Bildnummer 041-0242-45

Em termos pedagógicos, houve um esforço da Liga Feminina em suprir as

colônias de mulheres alemãs para se ocuparem da futura geração nos

trópicos e garantir o processo de “germanização” das crianças e, ao mesmo

tempo, reduzir a tendência à “cafrialização”. Entre outros fatores, a invenção

e o culto da brancura (McClintock, 2012), a racialização da feminilidade

(Todzi, 2008) e o habitus da domesticidade para as mulheres (Reagin, 2006)

serviram de suporte ideológico ao projeto colonial da Alemanha do II Reich.

O convívio entre elas não anulava necessariamente certas distâncias sociais,

bem como idiossincrasias culturais entre elas. No mundo do trabalho, havia

uma relação assimétrica entre mulheres europeias e africanas; porém, em

alguns casos, as primeiras dependiam das segundas.

Entre outras atividades, as mulheres alemãs

trabalhavam como professoras, governantas, secretárias,

enfermeiras, proprietárias ou ajudantes no pequeno

comércio no meio urbano ou como proprietárias ou

donas de casa em fazendas no meio rural.

Cozinheiras e babás nativas faziam parte do cotidiano

das mulheres brancas e tal presença reconfigurava as

relações de poder no espaço doméstico.

(Kulturträgerin), responsáveis pela transmissão e manutenção

do Germanismo (Deutschtum) nas colônias africanas. Sendo

também o seu trabalho feminino um dos principais meios de

reprodução de relações coloniais entre alemã(e)s e africano(a)s.

Mesmo quando as alemãs dividem o espaço doméstico com as

mulheres africanas, prevalece uma clivagem nas relações de

trabalho. Articulada com a questão de gênero, tem-se ainda a

dimensão social e racial nos trabalhos das mulheres.

Apesar disso, as alemãs foram representadas como portadoras da cultura