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CENTRO DE ESTUDOS DE HISTÓRIA E CARTOGRAFIA ANTIGA SÉRIE SEPARATAS 210 O «CARRO DO AUSTRO» DE ALVISE DA CA' DA MOSTO: OBSERVAÇÕES ASTRONÓMICAS E FORTUNA EDITORIAL POR ALESSANDRA MAURO INSTITUTO DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA TROPICAL L I S B O A • 1988

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CENTRO DE ESTUDOS DE HISTÓRIA E CARTOGRAFIA ANTIGA

SÉRIE SEPARATAS

210

O «CARRO DO AUSTRO» DE ALVISEDA CA' DA MOSTO: OBSERVAÇÕESASTRONÓMICAS E FORTUNA EDITORIAL

POR

ALESSANDRA MAURO

INSTITUTO DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA TROPICAL

L I S B O A • 1 9 8 8

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Separata da

Revista da Universidade de Coimbra

Voi. XXXIV —Ano 1988 —pág. 463-475

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O «CARRO DO AUSTRO» DE ALVISEDA CA'DA MOSTO: OBSERVAÇÕES ASTRONÓMICAS

E FORTUNA EDITORIAL

ALESSANDRA MAURO

Das Navegações de Alvise da Ca' da Mosto, o mercador venezianoque, em meados do século xv viajou ao longo da costa ocidental da Áfricapor conta da Coroa portuguesa (1), não temos o original mas quatro versõesitalianas não muito diferentes umas da outras. Dois manuscritos — o pri-meiro (2), da segunda metade do século xv e o segundo (3) datado dos pri-meiros anos do xvi — e duas edições impressas, respectivamente, nos Paesinovamente retrovati, Vicenza, 1507 (4), e nas Navigationi et Viaggi de Giovanni

(1) Sobre Alvise da Ca' da Mosto e as suas viagens, veja-se: Andrea da Mosto,Alvise da Mosto, Feltre, 1900; Andrea da Mosto, «Alcune notizie sulla vita del navigatoreAlvise da Ca' da Mosto», in Rivista Marittima, Abril 1906 e, do mesmo autor, «II naviga-tore Alvise da Mosto e la sua famiglia», in Archivio Veneto, 1927. Veja-se também o catá-logo da Mostra dei navigatori Veneti del Quattrocento e del Cinquecento, ao cuidado de TulliaGasparrini Leporace e Maria Francesca Tíepolo, Veneza, 1957, pp. 5-15.

(2) Manuscrito guardado na Biblioteca Marciana de Veneza (Mss. It. VI 454-10701).Trata-se de um manuscrito in-4° de 46 folhas. Não é o original, como prova o confrontocom outros autógrafos do veneziano. Está datado da segunda metade do século xv.A narração não apresenta títulos nem divisão em capítulos. Veja-se: Rinaldo Caddeo,Le Navigazioni atlantiche di Alvise Cd da Mosto, Antoniotto Usodimare e Niccoloso daRecco, Milão, Alpes, 1928; Roberto Almagià, «Intorno a un manoscritto dei viaggi daAlvise da Mosto», in Rivista Geografica Italiana, a.XXXIX, fase. VI, 1939, pp. 169-176.Veja-se também a edição crítica das quatro versões: Tullia Gasparrini Leporace, Le navi-gazioni atlantiche del veneziano Alvise da Mosto, Roma, Istituto Poligrafico dello Stato,Libreria dello Stato (II Nuovo Ramusio V), MCMLXVI. Uma primeira transcrição domanuscrito encontra-se em: Damião Peres, Viagens de Luís da Cd! da Mosto e Pedro daSintra, Lisboa, Academia Portuguesa de História, 1948.

(3) Manuscrito guardado na Biblioteca Marciana de Veneza (Mss. It. VI 208-5881),datado dos primeiros vinte anos de 1500. Trata-se de uma colectânea de viagem, in-4°,atribuída a um frade franciscano e chamada «Viaggiatori antichi». As Navegações deAlvise, divididas em capítulos e providas de títulos, ocupam os fólios 74v-lllr. Veja-se:T. Gasparrini Leporace, cit., Roberto Almagià, cit., e sobretudo, pela datação do manuscrito,Placido Zurla, De* viaggi e scoperte africane di Alvise Cd da Mosto, patrìzio veneziano,Veneza, Alvisopoli, 1815.

(4) Paesi novamente retrovati et Novo Mondo da Alberico Vesputio fiorentino inti-tulato, impresso pela primeira vez em Vicenza em 1507 na tipografia de Giovanni Mariada Ca' Zeno. Dedicada a Giattmaria Angiolello, a célebre colectânea aos cuidados deFrancanzo (ou Fracanzano) da Montalboddo, está dividida em 6 livros e numerosos capí-tulos. As Navegações de Alvise ocupam as páginas I-CLI, ou seja o primeiro livro e parte

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Battista Ramusio, Veneza, 1550 (5). Às versões italianas temos ainda queacrescentar a tradução latina, por Arcangelo Madrignano, em 1508 (6) dosPaesi novamente retrovati e reeditada no Novus Orbis de Simon Grynaeus,em Basilea, 1532(7).

Todos os textos que possuímos apresentam a mesma sequência cronoló-gica: primeira navegação, em 1455; a segunda, efectuada com um ano dedistância; e a relação da viagem de Pero de Sintra, em 1461.

Esta série de manuscritos, textos impressos, traduções — sem contar,ainda, as outras traduções e reimpressões posteriores — testemunha o favore o grande êxito que acompanhou no século xvi a difusão das Navegaçõese a importância que sempre se atribuiu às observações e dados geográficoscontidos na relação.

Se a «trama» das Navegações não se altera de uma versão para outra, acomparação dos vários textos revela-se muitas vezes profícua, útil na indivi-duação das diferentes modalidades de difusão, transmissão e reelaboraçãodo célebre relato de viagens. Alguns elementos, na realidade, podem fun-cionar como «indícios» do trabalho editorial que, fatalmente, sempre acom-panhou cada «etapa» dessa «escrita da viagem». É o caso, por exemplo,das opções editoriais escolhidas diferentemente em cada redacção quinhentista,para apresentar o texto aos leitores. Refiro-me à grelha interpretativa decapítulos, secções e intertítulos que, a partir dos Paesi novamente retrovatiaté à edição de Ramusio, corta de modo diferente a narração, escolhendoos elementos mais importantes que merecem ser salientados.

Outra categoria de «indícios», que indicarei aqui como novos caminhosinterpretativos a seguir, é representada pelos diferentes ressaltos atribuídos,nos textos, aos novos conhecimentos registados. Nessa categoria, umcaso preciso presta-se muito bem para essa comparação. Refiro-me à obser-vação astronómica do «Caro dei Ostro» (Carro do Austro), mencionadana primeira viagem africana de Ca' da Mosto. Une-se à observação a repre-sentação gráfica da posição e forma da constelação.

O desenho, porém, através dos vários textos, recebe tratamentos bemdiferentes e, por vezes, engenhosos. Nuns casos encontramo-lo, outras vezes

do segundo. Veja-se a já citada edição de T. Gasparrini Leporace e, sobretudo, GiuseppeBruzzo, «Di Fracanzio da Montalboddo e della sua raccolta di viaggi, in Rivista geograficaitaliana, 1905, pp. 284-290.

(5) Delle Navigationi et Viaggi, de Giovanni Battista Ramusio, editado pela primeiravez em Veneza em 1550 (Io volume) e impresso na tipografia Giunti. A narração de Alviseda Ca' da Mosto ocupa as páginas 105r-121r. Pela versão de Ramusio e as suas reim-pressões e traduções, além dos textos já citados, veja-se também Gerard R. Crone, TheVoyage of Cadamosto and others documents on Western Africa..., London, Hakluyt Society,1937, Second ser. N. LXXX e a recente edição: Giovanni Battista Ramusio, Navigazionie Viaggi, a cura di Maricá Milanesi, voi. I, Torino, 1978.

(6) Itinerarium Portugallensium e Lusitânia in India et inde in occidentem ad Aquì-lonem, (Milão, 1508).

(7) Novus Orbis Regionum ac insular um veteribus incognitarum..., Basileae, Apud Io.Hervagium, MDXXXII.

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desaparece, outras ainda apresenta-se-nos radicalmente alterado. A presença,a falta ou a alteração do desenho, pode servir-nos como um exemplo, umapossível chave de interpretação do itinerário, desta vez só textual, que essarelação de viagem efectuou através das suas versões.

Alvise da Ca' da Mosto, atingindo o estuário do Gâmbia, no final daprimeira navegação, observa no céu um grupo de estrelas, Assim, no manus-crito mais antigo:

Item havessemo vista de 6 stelle basse sopra el mar, chiare e lucide e grande, e toltequeste a segno del busolo, ne staveno dreto per ostro, afegurade in questo modoseguente:

le qual i zudegassemo quelle esser el caro del ostro; (8)

(ainda vimos seis estrelas baixas sobre o mar, claras e brilhantes e grandes e, veri-ficadas com a agulha de marear, estavam na direcção do austro, representadas nestemodo: as quais julgamos ser o carro do astro).

Trata-se da primeira observação, embora hesitante e duvidosa, da Cruz,o Cruzeiro do Sul que, com mais exactidão, foi descrito por Mestre João.Acompanhando Cabral na sua expedição de 1500, Mestre João, na cartaenviada a Dom Manuel da «Terra de Vera Cruz» e datada 28 de Abril de 1500,nomeia-a assim (9) :

e estas estrellas principalmente Ias de Ia cruz son grandes casj como Ias dei carro ela estrella del polo antartyco es pequena como la del norte e muy clara, e la estrellaque esta en rriba de toda Ia cruz es mucho peqena...

Completando a informação com um desenho:

Sem dúvida, é a mais exacta descrição deste grupo de estrelas. Peloque diz respeito ao desenho de Ca' da Mosto, não podemos saber o que oveneziano avistou exactamente, faltando-nos, até hoje, o original. Nas

(8) Cito de Tullia Gasparrini Leporace, cit., p. 86.(9) Cito de Armando Cortesão, History of Portuguese Cartography, voi. II, Coim-

bra, 1971, pp. 328-329. Veja-se também Luís de Albuquerque, Introdução à História dosDescobrimentos Portugueses, 3.a edição, Publicações Europa-América, p. 264 e ss.

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diversas versões, o desenho transformou-se e, sobre a fidelidade dessas repre-sentações, construiram-se já diversas hipóteses (10).

O excelente estudioso e atento leitor do Veneziano, Damião Peres, nasnotas às Viagens de Luís da Ca' da Mosto (11), afirma que, observando osdesenhos «e não se conhecendo o original de Cadamosto, é impossível afir-mar qual a disposição que este efectivamente desenhou. Mas uma afir-mação pode fazer-se, a de que todas elas são inadaptáveis à realidade estrelar.»Equacionando a efectiva observação do Cruzeiro do Sul feita pelo Veneziano,poderíamos considerar duas das seis estrelas como pertencentes à constelaçãodo Centauro (a e 0 Centauri). Mas, acrescenta Damião Peres, neste casotambém a observação deveria^ser registada assim:

CENTAURO

CRUZEIfcO oo 5UL

A falta dos desenhos nas páginas de Paesi novamente re trovati e do manuscrito quinhentista.

Não interessa, agora, considerar a pouca ou muita aderência à realidadedessa figuração. Podemos pensar que no original o desenho fosse diferente

(10) Cfr. : Gerard R. Crone, cif., p. 61 ; T. Fasparrini Leporace, cit., p. 284.(11) Damião Peres, cit., pp. 184-185.

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O «Carro do Austro» de Alvise da Ca'da Mosto 467

e que no processo de cópia do manuscrito, a «Cruz» tenha sofrido váriasmodificações. Seguimos, ao contrário, o trajecto quinhentista deste «carrodei Ostro» atribuído a Alvise.

Em 1507, imprime-se em Vicenza a primeira edição dos Paesi nova-mente retrovati et novo mondo.... Na colectânea, o relato das viagens de Ca'da Mosto ocupa um lugar de grande relevo, na abertura da colecção, e, aomesmo tempo, encontra uma estrutura textual mais rigorosa com a divisãoem 48 capítulos. À observação astronómica dedica-se um capítulo, o 39°.assim intitulado:

La elevatione de la nostra tramontana et le sei stelle opporiste (12)(A elevação da nossa tramontana e as seis estrelas contrárias).

Se o texto se apresenta muito parecido com o do primeiro manuscrito,no lugar do desenho temos aqui somente um rectângulo branco. O espaçoem branco é muito bem marcado, como se fosse prevista a inserção de umarepresentação gráfica. Este «branco», para nós, presta-se a algumas hipó-teses. Provavelmente, o redactor dos Paesi... pode ter utilizado um textomuito semelhante ao do manuscrito — e vários trechos das duas versõeso certificariam — não possuindo, porém, o exemplar à nossa disposiçãomas um outro desprovido do desenho. O cuidado editorial fez com que sepreferisse, talvez, sublinhar a «falha», arriscando até a deixar vazio o rectân-gulo destinado à imagem da constelação. Este pormenor poderia revelar-se,então, um elemento muito útil para a reconstrução de um mapa, quase umesquema filológico, das Navegações de Alvise da Ca' da Mosto.

No segundo manuscrito, ou seja, o manuscrito datado dos primeirosanos do século xvi, igualmente composto na região veneziana, também nãoaparece nenhum desenho mas, ainda nesse caso, um «branco» sublinha a falta.O segundo manuscrito, que mantém um perfil mais privado, na escolha doscapítulos, dos intertítulos e nas interpolações, foi muitas vezes, e com razão,comparado à edição de Paesi novamente retrovati, chegando até o ponto dese pensar em uma possível filiação do texto da edição de Vicenza (13). A faltado desenho confirmaria a hipótese.

Mas o amanuense, se se serviu dos Paesi..., preferiu porém não identificarcom o nome de «carro dei ostro» a constelação austral. Citam-se as seisestrelas, orientam-se para o austro, deixa-se o espaço em branco, masnão se classifica o conjunto de estrelas como o carro do austro.

Se os Paesi novamente retrovati foram o texto guia, dir-se-ia que, fal-tando a representação — falta que, como já disse, está bem evidenciada —o escrivão veneziano achou melhor não classificar a observação astronómica.O próprio carácter «privado» deste manuscrito é talvez a razão da escolha.

(12) Paesi novamente retrovati..., cit., 38r.(13) Cfr.: Rinaldo Caddeo, cit., p. 129 e Paolo Revelli, Terre d'America e Archivi

d'Italia, Milano, Treves, 1929.

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O itinerário textual das Navegações de Ca' da Mosto continua, atravésdas edições quinhentistas, e o «branco» que aparece na edição de Vicenzade 1507 deve ter representado um problema para o tradutor latino da colec-tânea. Em 1508 edita-se em Milão, a tradução latina dos Paesi novamenteretrovati, ao cuidado do monge cisterciense Arcangelo Madrignano. O títuloescolhido para a versão latina é indicativo de uma mutação de interesse, dosPaíses recém-descobertos, pelas viagens portuguesas que permitiram taisdescobrimentos: Itinerarium Portugallensium a Lusitânia in Indiam et indein occidentem et demum ad Aquilonem. A tradução latina das Navegaçõesde Alvise será reeditada, sem grandes alterações, no Novus Orbis de SimonGrynaeus, impresso pela primeira vez em Basileia em 1532.

A versão latina adere fielmente ao texto italiano dos Paesi, respeitandotambém a divisão em capítulos e títulos (que só em dois casos são omitidos).Assim, no Itinerarium Portugallensium, como no Novus Orbis, o capítulo 39é dedicado às observações celestes (curiosamente, este capítulo é um dospoucos sem título).

Se a tradução é fiel ao italiano, no que diz respeito ao desenho o tra-dutor não se limitou em deixar o espaço vazio mas completou a descriçãodas estrelas com uma representação que guarda um certo estilo, próprioda invenção gráfica:

O mesmo desenho, mais ou menos rudimentar e bem diferente da estru-turada cruz latina do primeiro manuscrito, encontra-se na edição de NovusOrbis de 1532:

... et ibi sydera sex conspicati sumus, quae magna erant, et mirum in modum splen-debant: ea metiti sumus pyxide, et infra scriptam figuram praesentabant (14).

(14) Novus Orbis..., cit, p. 39.

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O «Carro do Austro» de Alvise da Ca'da Mosto

Esta invenção gráfica nunca foi bem estudada nem suficientementeressaltada. Se a analogia com a edição italiana de 1507 é tão evidente,ainda mais interessante parece este desenho: quase a literal representaçãográfica das palavras do memorial. Se o texto nos fala do «Carro dei Ostro»,em latim «astra plaustrum austrinum efficere», o redactor pensou talvezem resolver o problema do espaço vazio desenhando, com efeito, um «carro»,semelhante aos do nosso céu.

Deste modo, a cruz latina do desenho do primeiro manuscrito trans-forma-se na imagem espelhar da Ursa no céu austral.

Continuando no caminho cronológico das versões e edições das viagensde Alvise, chegamos agora à edição de Ramusio de 1550. No primeiro volumedas Navigationi et Viaggi, o relato de Ca' da Mosto não ocupa mais o lugarde abertura da colecção, como em Paesi novamente retrovati. Na organi-zação da monumental obra ramusiana, coloca-se no espaço «África», entrea navegação de Leão Africano e a de Annone.

A organização narrativa é de longe a mais complexa de todas as versõesao nosso dispor, de acordo com o escrúpulo e o atento método que carac-teriza a colectânea. Não só o relato das viagens de Alvise está inserto numasecção precisa, a África, mas Ramusio antepõe à relação um quase-prefácio,aquele «Discorso sopra il libro di Messer Alvise da Ca' da Mosto, gentilhuomo veneziano» do qual o autor recomenda a leitura no que diz respeitoao comércio, à navegação e à história da cidade de Veneza. A narraçãotem uma estrutura muito bem articulada: um «proemio», navegação pri-meira, navegação segunda, navegação de Pero de Sintra, num total de 52 capí-tulos, que ritmam com precisão e rigor o percurso temporal-narrativo darelação e ao mesmo tempo, fornecendo ao leitor, através dos capítulos, tambéma chave interpretativa do texto.

Nessa estrutura, à observação astronómica dedica-se um capítulo,intitulado mais precisamente

Quanta alta vedeano la nostra tramontana, et delle sei stelle del polo antartico etdella grandezza del giorno che havevan elli 2 de luglio, et delle qualità del paese etmodo del seminare, et come in quelli luoghi nasce il Sol senza farsi aurora.(Quanto alta viram a nossa tramontana e as seis estrelas do pólo antartico e do com-primento do dia que registaram o 2 de Julho e da qualidade do país e da maneira desemear, e como nesses lugares nasce o Sol sem ter aurora).

Se uma afinidade entre a redacção ramusiana e a de Paesi... se pode notarem vários pontos — citarei só algumas alterações, introduzidas no textode 1507 e respeitadas também por Ramusio; ou, ainda, os títulos de várioscapítulos que muitas vezes concordam—, no caso do desenho em questão,Ramusio afasta-se das edições anteriores. Não é um retângulo vazio, nemum «carro» austral, mas o culto humanista reproduz um desenho muito

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parecido com o encontrado no primeiro manuscrito. Assim se lê, e se vê,em Ramusio:

Ancora avessemo vista di sei stelle basse sopra il mare, chiare, lucide e grandi, e toltequelle a segno per il bossolo, ne stavano dretto per ostro, figurade in questo modosequente:

le quali giudicammo esser il carro dell' ostro... (15)(Ainda vimos seis estrelas baixas sobre o mar, claras, brilhantes e grandes e verifi-cando-as com a agulha de marear, estavam na direcção do austro, representadas destamaneira: [...] as quais julgámos ser o Carro do Austro...).

A aproximação dos desenhos, sugere-nos umas considerações.Com certeza Ramusio recorreu, como em mais de uma ocasião parece evi-

dente, aos Paesi novamente retrovati, mas tinha igualmente à disposição outrostestemunhos e, provavelmente, um texto muito próximo do manuscrito doséculo xv que chegou até nós. Graças a esta, ou estas fontes, Ramusiopode completar a informação preenchendo o «branco» da edição de 1507com um desenho que, com muita probabilidade, considerou não muito dis-tante da verdadeira observação do viajante. E, ainda mais, ressaltamos ofacto de não ter preferido, ao contrário das edições latinas, transformar emimagem as palavras do texto reproduzindo um Carro. Nem, ainda, uti-lizou outras representações à sua disposição — lembro que, sempre na ediçãode 1550, aparece a carta de Andrea Corsali com o desenho do «seu» Cruzeirodo Sul.

Ramusio prefere, dispondo evidentemente de vários textos-guias, rein-tegrar a própria representação gráfica do «Carro dell'Ostro» na observaçãode Ca' da Mosto. A operação de Ramusio pode, neste caso, ser compa-rada à de um filólogo que, por respeito a um texto, recupera o nível e ocarácter pertencentes ao texto em exame.

Concluindo, o percurso proposto nesta comunicação — a busca dasdiversas representações gráficas da constelação observada por Ca' da Mosto—pode-nos servir para esclarecer o percurso editorial, a difusão das versõesdo célebre relato de viagem.

Aquele desenho que aparece no primeiro manuscrito, desaparece naprimeira edição quinhentista deixando em seu lugar o «branco», a provafilológica da falha do testemunho utilizado. Encontramos o desenho, pro-fundamente alterado e «reinventado», nas versões latinas. E o desenhoaparece transformado ainda uma vez na versão escrupulosa e atenta daedição definitiva de Ramusio.

Cada edição não é só uma cópia ou reprodução das precedentes. Cadaexemplar aparece-nos como uma tentativa de «escrever» novamente a viagem

(15) Navigazioni e Viaggi, a cura di M. Milanesi, cit., pp. 521-522.

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e cada tentativa propõe novas soluções para resolver um problema editorialtalvez secundário mas significativo. Para nós, hoje, esse percurso pode-nosajudar na individualização das diversas fontes e dos diversos critérios edi-toriais que acompanharam a difusão e a fortuna das Navegações de Alviseda Ca' da Mosto.

APÊNDICE

PRJMEJRAS OBSERVAÇÕES DO CRUZEIRO DO SUL NOS TEXTOS ITALIANOS

DO SÉCULO XVI

Alvise da Ca' da Mosto não foi o único viajante italiano a ter observado e registadoa constelação do Cruzeiro do Sul. Do «carro do austro» que, como vimos até agora,aparece em modos e com desenhos diferentes nas versões quinhentistas das Navegações,passamos a mais exactas identificações, a descrições encantadas e lembranças poéticas.A breve história das primeiras observações do Cruzeiro nos relatos de viagem italianos éuma história talvez pequena mais interessante. Mencionarei aqui, muito rapidamente,algumas das etapas principais fases história; história toda italiana mas em que se reflectemde certa forma as grandes viagens portuguesas.

As quatro estrelas da Crux eram já conhecidas antes do século xvi mas não identi-ficadas numa constelação. As estrelas, visíveis do Egipto (16), foram incluídas no Alma-gestum de Ptolomeu (que tantas edições terá no mesmo século xvi na Itália) na vizinhaconstelação Centauro (17). Ainda em 1540, Alessandro Piccolomini no seu De la sferadel mondo não regista nenhuma constelação com o nome da Cruz, continuando deste modoa tradição ptolemaica da inserção das suas estrelas em Centauro (18). Aos viajantes, comoem Portugal nos mesmos anos, cumpre o mérito da identificação.

Depois da primeira e confusa observação de Alvise da Ca' da Mosto, Américo Ves-púcio, com uma leve antecipação na descrição de Mestre João, cita as quatro estrelas.Refiro-me à primeira carta enviada a Lorenzo di Pierfrancesco de' Mediei e impressa recen-temente, com outros documentos e provida de uma óptima abordagem crítica, por LucianoFormisano em 1985(19).

(16) «The rear feet of thè Centaur touch thè Southern Cross, formed by four second--magnitude stars which are always hidden below the European horizon.», The FlammarionBook of Astronomy, London, George Allen and Unwin LTD, 1964, pp. 409-410.

(17) Veja-se, por exemplo: Claudius Ptolomaeus, Almagestum, Venetiis, PetrusLeichtestein, 1515, p. 88r.: «Stellatio Centauri». Veja-se também Petrus Apianus (PeterBienewitz), Cosmographia, Antwerpiae, 1539, p. 279, o capítulo «De Compositione globicoelestis».

(18) Alessandro Piccolomini, De la sfera del mondo. Libri quattro in lingua toscana (...)De le Stelle Fìsse..., In Venetia, al segno del Pozzo, MDXL, p. 80r., «Del Centauro».

(19) Amerigo Vespucci. Lettere di Viaggio a cura di Luciano Formisano, Milafio,Mondadori, 1985, pp. 3-7.

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A carta refere-se à viagem, começada no mês de Maio de 1499. Vespúcio, passadade 6 graus a linha equinocial, tenta procurar no céu austral uma estrela fixa que possa serutilizada na determinação da direcção. Mas a busca não tem êxito:

... e non potetti, con quante male notti ebbi, e con quanti strumenti usai — che fuil quadrante e l'astrolabio —, segnar istella che tenessi men che x gradi di movimentoa l'intorno del firmamento; di modo che non restai satisfatto in me medesimo dinominar nessuna esser il polo del meridione a causa del gran circolo che facevanointorno al firmamento.

(não consegui, em quantas noites trabalhei e com tantos instrumentos que utilizei— que foram o quadrante e o astrolábio —, assinalar alguma estrela que tivesse menosde dez graus de movimento ao redor do céu; por isso não quiz nomear nenhumaestrela ser o pólo austral por causa do grande círculo que faziam no firmamento).

Mas de repente, o autor lembra-se de um trecho da Divina Comédia e, graças às palavrasde Dante, consegue individuar o Cruzeiro do Sul:

E mentre che in questo andavo, mi ricordai d'un detto del nostro poeta Dante, delqual fa menzione nel primo capitolo del Purgatorio, quanto finge di salir di questoemisperio e trovasi nello altro, che, volendo descrivere el polo antartico, dice:

Io mi volsi a man destra, e posi mentea l'altro polo, e vidi quattro stellenon viste mai fuor ch'alia prima gente.Goder pareva il ciel di lor fìammelle:oh settentrional vedovo sito,poi che privato se' di mirar quelle!

Che, secondo che mi pare che il Poeta in questi versi voglia descriver per le «quattrostelle» el polo dello altro firmamento, e non mi diffido fino a qui che quello che dicenon salga verità: perché io notai 4 stelle figurate come una mandorla, che tenevanopoco mivimento...

(E continuando nesse trabalho, lembrei-me de uns versos do nosso poeta Dante,mencionados no primeiro capítulo do Purgatório, quando imagina sair deste hemis-fério e, no outro, querendo descrever o pólo antàrtico, diz:

À destra me volvi, e, bem à frentedo pólo austral, fitei as quatro estrelas,não vistas mais que da primeira gente.Extasiava-se o céu do brilho delas:Viúvo Setentrião, que estás privadode contemplar estrelas como aquelas ! (20).

Segundo o meu juízo, o Poeta nestes versos quer descrever através das quatro estrelas:o pólo do outro firmamento e ainda não desconfio que o que ele diz não seja real,porque eu notei quatro estrelas representadas como uma amêndoa tendo pouco movi-mento.

Vespúcio não cita outros textos a confirmar a existência e o conhecimento da cons-telação — embora na mesma carta, poucas linhas adiante, se cite o «Almanach di Giovande Monte Regio». A autoridade de Dante é suficiente para a identificação: a experiênciaencontra a sua prova na tradição poética.

(20) A tradução dos versos de Dante está em A Divina Comédia, Integralmente tra-duzida, anotada e comentada por Cristiano Martins, Belo Horizonte-Brasília, Ed. Itatiaia,1984, IV edição.

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O «Carro do Austro» de Alvise da Ca\da Mosto

O Canto citado por Vespúcio é o primeiro do Purgatório. Dante, chegando ao outrohemisfério, contempla as quatro estrelas identificadas pelos críticos e comentadores daComédia, com a alegoria das quatro virtudes cardiais: justiça, prudência, fortaleza e tem-perança. Somente Adão e Èva, a «prima gente», antes da expulsão do Paraíso Terrestre,possuíam inteiras as quatro virtudes. Além da explicação crítica (21), Vespúcio — e, comoveremos até breve, outros viajantes — considera os versos como a prefiguração da existênciada constelação.

Com mais precisão, e sem referências poéticas, Andrea Corsali na sua carta de 1515,publicada também em Navigationi et Viaggi de Ramusio, 1550 (22), descreve a constelaçãomonstrando-se fascinado pela beleza da Cruz:

... Sopra di queste apparisce una croce meravigliosa nel mezzo di cinque stelle, chela circondando (com'il Carro la Tramontana) con altre stelle, che con esse vannointorno al polo girandole lontano circa trenta gradi: e fa il suo corso in 24 ore, edè di tanta bellezza che non mi pare ad alcuno Segno doverla comparare.

[Aparece uma cruz maravilhosa no meio de cinco estrelas, que a cercam (como oCarro a estrela Tramontana) com outras estrelas que junto com essas vão em voltado pólo, que rodeia cerca de trinta graus de longe: e o seu curso é de 24 horas, e étão bela que não me parece comparável a nenhum sinal celeste]

Corsali também, como Ca' da Mosto, completa a observação com um desenho:

^ . . .——A POLO ANTARTICO. B. CRVSERO.

(21) Pelas interpretações dos versos da Divina Comédia, veja-se: Dante, con Vesposi-tioni di Christoforo Landino et d1 Alessandro Vellutello sopra Ia sua Comedia...., in Venetia,Appresso Giovambattista Marchio Sessa et Fratelli, 1578; Chiose di Dante le quali fece elflgliulo con le sue mani. Messe in luce da F. D. Luiso, Firenze, Tip. Carnasecchi, 1863;L'Ottimo commento della Divina Commedia, testo inedito di un contemporaneo di Dante,publicato da A. Torri, Pisa, 1827-1829; Commento di Francesco Buti sopra la Divina Comme-dia di Dante Alighieri, Pisa, Giannini, 1852-1862; Commento della Divina Commedia d'Ano-nimo fiorentino del secolo XIV, pubblicato da P. Fanfani, Bologna, 1866-74.

(22) Navigazioni e Viaggi, a cura di M. Milanesi, cit., II voi., pp. 21-22.

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(23) «Lettera attribuita a Giovanni da Empoli. a cura di Vincenzo Follini», in Attidell' Imperiale e Reale Accademia della Crusca, Tomo II, Firenze, 1829; «Lettera attribuitaa Giovanni da Empoli. Pubblicata da J. Graberg von Hemso», in Archivio Storico Ita-liano, appendice XIII, Firenze, 1843; Lettera di Piero di Giovanni d'Antonio di Dino fioren-

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Ressaltamos a beleza, a luminosidade atribuída à constelação, talvez mesmo pelo simbolismque a forma da Cruz sugere.

As mesmas palavras de maravilha, estupefacção admirativa, encontramos poucoanos depois, numa carta de outro viajante fiorentino, também em viagem ao Oriente coros portugueses. Refiro-me a uma carta, datada de 1 de Janeiro de 1519 e guardada erdois exemplares em Florença, no Arquivo Magliabechiano. A carta, seis páginas in-folicatribuída num primeiro momento a Giovanni da Empoli e num segundo ao fiorentino Pierdi Giovanni d'Antonio di Dino, foi publicada quatro vezes no século passado (23). Endcreçada, assim parece, a um bispo toscano, é assinada «Piero G. di Dino, in Cocino». O autodescreve brevemente a sua viagem, desculpando-se de repetir as informações provavelmentjá «dette et udite» por Andrea Corsali. Piero di Dino, tal como Andrea Corsali, observo Cruzeiro e, como já na carta do Vespúcio, o autor faz referência à Divina Comédia:

Dipoi incominciammo a vedere segnali della altra Ursa, anzi el Carro, detto antarticecioè una croce di stelle; la figura delle quale in questa sarà disegnato, che veramentdanno tanto conforto alla vista che nessuno viene che non rinfranchi l'animo, parerdoli migliore emisperio che il nostro, come certamente si fa: talmente che io sondi ferma opinione, che Dante, dove nel primo canto del Purgatorio dice che vidquattro stelle Pell'altro polo, volessi dire queste...

(Depois começamos a ver sinais da outra Ursa, ou seja Carro dito antàrtico, isto <uma cruz de estrelas, as quais vou desenhar aqui, e na verdade confortam tantovista [do viajante] a ponto que quem as vê sente-se tão animado e pensa ser esshemisfério melhor do que o nosso. E eu penso firmemente que, quando Dante nprimeiro Canto do Purgatório afirma ter visto as quatro estrelas do outro pólo, querifalar destas...)

Neste caso à observação também se segue uma representação da constelação:

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À luminosidade, à beleza da aparição celeste liga-se, ainda neste caso, a citação dan-tesca atribuindo à constelação um grande valor simbólico (24).

Do esplendor luminoso sem, porém, a citação poética, fala também Antonio Piga-fetta na sua observação registada no Oceano Pacífico por volta de 1521 (25):

Stando noi in mezzo al mare vidimo una croce di cinque stelle lucidissime diritto aponente; ed esattamente disposte in forma di croce.

(Estando nós no meio do mar, vimos uma cruz de cinco estrelas brilhantíssimas, frenteao poente; e exactamente dispostas em forma de cruz.)

Concluindo: nos primeiros anos do século xvi, além da observação astronómica deAlvise da Ca' da Mosto, encontramos vários testemunhos da mesma observação, nos relatosde viagem italianos. Trata-se de experiências directas, as quais se junta, às vezes, a repre-sentação gráfica. Reparamos como os desenhos, embora apresentem algumas analogias,são diferentes um do outro. Todos concordam, porém, na beleza, luminosidade e brilhoparticular do Cruzeiro. Em dois casos bastante significativos, à observação liga-se aindauma prestigiosa e fidedigna citação: a da Divina Comédia que, com a sua autoridade con-tribui pera a identificação das estrelas atribuindo-lhes, de certo modo, um carácter simbólicosignificativo.

tino. Publicata per cura di Guglielmo Brenna, Firenze, Cellini, 1886; «Pietro di Dino.Lettera del primo gennaio 1519», in Raccolta di documenti e studi publicati dalla R. Commis-sione Colombiana pel Quarto Centenário della Scoperta dell'America, Parte III, voi. II,Roma, 1893. Pela citação e o desenho, sirvo-me da edição de 1886. Os primeiros doistextos (1829 e 1843) atribuem a carta a Giovanni da Empoli; Brenna, também a ComissãoColombiana, supõem-na de Piero di Dino.

(24) Se os comentários de Dante concordam sempre na explicação alegórica dasquatro estrelas, uma série de intelectuais considerou diferentemente os versos dantescos,à luz sobretudo das palavras do Vespúcio. Em 1597, em Florença, Lorenzo Giacominino seu Discorso del furore poetico, acha no Canto do Poeta um claro signo de previsão,ou prefiguração, como se Dante tivesse um real conhecimento da constelação: «E Dantenon divinamente vide le stelle dell'antartico polo, quando di numero, di sito, e di bellezzale descrisse, quali di poi si son vedute?». No curso dos séculos, outros polemizaram sobreo valor poético e/ou profético das palavras de Dante. Rastos desta polémica podem encon-trar-se nas edições citadas da carta de Piero di Giovanni di Dino, sobretudo na de 1829.A publicação da carta de P. di Dino, com efeito, foi um elemento a mais na controvérsia.Já na edição da Comissão Colombiana, porém, como também nas edições da carta doVespúcio, cit., não se dá importância à polémica, mas apenas à da curiosidade literária.

(25) Primo viaggio intorno a globo terracqueo ossia Ragguaglio della Navigazionealle Inde Orientali per la via d'occidente fatta dal cavaliere Antonio Pigafetta.... tratta daun Codice MS della Biblioteca Ambrosiana dì Milano e corredata dì note da Carlo Amoretti,Milano, Stamperia di Giuseppe Galeazzi, 1800, p. 47.

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