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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE JORNALISMO
PATRICIA MARIA DOS SANTOS CASTRO
A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO DO SEMIÁRIDO CEARENSE: UMA ANÁLISE DO JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE
FORTALEZA 2012
PATRICIA MARIA DOS SANTOS CASTRO
A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO DO SEMIÁRIDO CEARENSE: UMA ANÁLISE DO JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como
exigência para obtenção do título de bacharel em
Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, sob a
orientação da professora Klycia Fontenele Oliveira,
especialista em Teorias da Comunicação e da Imagem
(UFC) e em Jornalismo Político (Posead-Gama Filho).
FORTALEZA
2012
PATRICIA MARIA DOS SANTOS CASTRO
A CONTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO DO SEMIÁRIDO CEARENSE: UMA ANÁLISE
DO JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE
Monografia apresentada como pré-requisito para a obtenção
do título de bacharela em Comunicação Social com
habilitação em Jornalismo, na Faculdade Cearense – FaC,
tendo sido avaliada no dia 14 de janeiro de 2013, pela banca
examinadora composta pelos professores:
BANCA EXAMINADORA
Profª. Esp. Klycia Fontenele Oliveira - Orientadora
Profª. Msa. Maria Elia dos Santos Vieira - Membro
Profª Msa. Lenha Aparecida Silva Diógenes - Membro
AGRADECIMENTOS
Mais uma etapa concluída nessa jornada, graças a Deus. Nessa etapa
ouvi muitos dizerem o quanto eu tinha sorte, mas eu sabia que era Deus na minha
vida. Agradeço a Ele por concretizar esse sonho, honrando a minha fé. Só tenho
que agradecer a Deus por tudo.
Agradeço a Deus pela minha família nada convencional, mas que
sempre apoiou as minhas decisões. Pessoas simples que não negaram suas
origens, ao contrário, fizeram delas motivo de orgulho pelas forças adquiridas ao
terem vencido as adversidades da vida. São meus exemplos. Em especial,
agradeço à minha avó Albertina que me criou e amou como filha. Obrigada por
tudo.
E claro, agradeço a ele, minha razão de tudo, meu filho Samuel, que
abdicou de seu tempo como filho e criança nas minhas muitas horas de leituras
desta pesquisa. Agradeço por ter invertido o papel e cuidado de mim.
Ao Ivano Tosi que sempre esteve ao meu lado provando que o amor
verdadeiro tudo suporta. Ele é além de namorado, um protetor e amigo. Sou
agradecida e agraciada por ele nunca ter desistido de mim. Graças a ele e à sua
enorme paciência e apoio, eu conclui este curso sem tantos problemas. Obrigada
por me amar mesmo sem eu merecer.
Agradeço aos meus amigos pela força e paciência, em especial aos
que encontrei nesta jornada, não vou citar nomes para não ser injusta, mas
graças a eles, no fim deu tudo certo. Eles me complementam e fazem a minha
vida ser mais alegre.
Um obrigado especial à minha orientadora e amiga, Klycia Fontenele,
que teve paciência e perseverança comigo. Desde os primeiros momentos do
projeto, ela me cativou, através de seu olhar brilhante ao falar do povo do
semiárido. Nas inúmeras horas que pensei em parar, ela sempre tinha uma
palavra de apoio e encontrava um tempo na sua agenda cheia de orientandos
para me ouvir. Nunca vou esquece que até em suas merecidas férias ela me
orientou e ajudou. Aproveito este momento para tornar público uma certeza: a
Klycia foi o presente de Deus à Faculdade Cearense.
Agradeço também ao melhor chefe do mundo, Luiz Carlos de Carvalho.
Pela força e amizade que dedicou a mim em todos os momentos. Por ter me
aberto as portas e me proporcionado o gostinho de fazer jornalismo.
E por fim, agradeço às professoras presentes na minha defesa, que
desde o início se prontificaram em participar deste momento tão especial. E a
todos que de certa forma, contribuíram para a realização desse sonho.
Deixo-lhes meu muito obrigado, enfatizado nas palavras gratidão,
lealdade e reciprocidade.
Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olho para a fome, pergunto o que há?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará.
(Patativa do Assaré)
RESUMO
Nesta pesquisa, falamos sobre o imaginário do semiárido cearense construído, através da mídia. O semiárido cearense está entrelaçado com o Nordeste por sua criação e história. Nosso objetivo é saber se a imagem em que o semiárido foi construído, no período do nascimento da região em 1941, e que se perpetuou por décadas, ainda continua sendo veiculada. Durante a pesquisa, levamos em consideração a extensão da região semiárida no estado. Se a forma como a região é veiculada fortalece a imagem de uma região inóspita, castigada pela seca e sem perspectiva de desenvolvimento. Analisamos, então, as reportagens do caderno especial Retrato Sertanejo/Esperança, divulgado pelo jornal Diário do Nordeste em agosto de 2011. Dividimos a pesquisa em três capítulos, o primeiro trata do início da região Nordeste, como esta foi criada e como é o clima do semiárido no país e no Ceará. Abordamos a Caatinga, bioma presente na região e as consequências da não preservação desse bioma. Em seguida, falamos do desenvolvimento sustentável e de alguns projetos que têm mudado a convivência das pessoas no semiárido e contribuído para a preservação da Caatinga. No segundo capítulo, refletimos sobre a forma como a mídia ajuda a construir a representação social e o imaginário da região, influenciando a opinião pública sobre o semiárido. Concluímos com a análise das reportagens realizadas no Ceará, quando utilizamos os Estudos Críticos do Discurso para analisamos o conteúdo inserido nas reportagens.
Palavras-chave: Semiárido. Mídia. Representação Social. Imaginário. Diário do Nordeste
ABSTRACT
In this research, we talked about the semiarid Ceará, imaginary built through the media. The semiarid Ceará is intertwined with the Northeast for its creation and history. Our goal is to know if the picture in where semiarid was built in the period of the birth of the region in 1941, and that has been perpetuated for decades, is still transmited . During the research, we consider the extension of the semiarid region in the state. If the form as the informations about the region strengthens the image of an inhospitable region, battered by drought and without perspective of development. We analyze then the reports of the "caderno especial Retrato Sertanejo/Esperança", a special portrait published by the newspaper "Diário do Nordeste" in August 2011. We divided the study into three chapters, the first dealing with the beginning of the Northeast, as it was created and how is the climate in the semi-arid in the Country and Ceará. We approach the Caatinga biome in this area and the consequences of not preserving this biome. Then we speak of sustainable development and some projects that have changed the coexistence of people in the semiarid and contributed to the preservation of Caatinga. In the second chapter, how the media helps build social and imaginary representation of the region, influencing public opinion about the semiarid. We conclude with an analysis of reports made in Ceará, where we use the Critical Study of the reports to analyze the content in those.
Keywords: Semiarid. Media. Imaginary. Social Representation. Diário do Nordeste
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 Nova delimitação do semiárido brasileiro ...........................................19 FIGURA 2 Delimitação do semiárido cearense ....................................................28
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................12
2 NORDESTE E SEMIÁRIDO CEARENSE: HISTÓRIAS QUE SE
ENTRELAÇAM..................................................................................................... 15
2.1 O início do Nordeste........................................................................................15
2.2 A nova delimitação do semiárido brasileiro..................................................... 19
2.2.1 PEC da Caatinga.........................................................................................,22
2.3 O conceito de desenvolvimento sustentável....................................................25
2.4 Semiárido cearense........................................................................................ 28
2.4.1 O bioma Caatinga no Ceará....................................................................... .30
3 REPRESENTAÇÃO SOCIAL NA FORMAÇÃO DO IMAGINÁRIO.................. 34
3.1 Representação social...................................................................................... 34
3.1.1 A representação social na formação do imaginário..................................... 38
3.2 Imaginário sertanejo.........................................................................................41
3.2.1 A imagem estereotipada do cearense.........................................................43
3.3 O semiárido cearense e a imagem construída pela mídia...............................44
4 A ANÁLISE........................................................................................................ 47
4.1 Metodologia..................................................................................................... 47
4.2 Diário do Nordeste.......................................................................................... 49
4.3 Caderno Especial Retrato Sertanejo. Esperança/ Convivência/
Identidade..............................................................................................................51
4.3.1 Retrato Sertanejo/Esperança....................................................................... 51
4.3.2 Reportagem 1: Mudou, mas não tanto........................................................ .55
4.3.3 Reportagem 2: A vida tornada possível........................................................58
4.3.4 Reportagem 3: Abundância é grande ilusão do Araripe.............................. 61
4.4 Considerações da Análise..............................................................................,63
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 66
6 REFERÊNCIAS..................................................................................................69
ANEXOS............................................................................................................... .74
12
1 INTRODUÇÃO
A região semiárida tem passado por transformações nessas últimas
décadas. O semiárido mudou e o jeito de viver na região também, seja com o
avanço das tecnologias, com o crescimento econômico ou pela facilidade de
comunicação. Mas, o imaginário do Brasil em relação ao semiárido, mudou
também? Vamos analisar isso neste trabalho, refletir sobre como o imaginário do
semiárido cearense está sendo construído pela mídia.
Sabemos que a mídia apresentou o Nordeste para o Brasil explorando
o fenômeno da seca e que o semiárido foi apresentado como o local no Nordeste
mais propenso ao fenômeno. Silva (2006), informa que a primeira delimitação do
semiárido foi estabelecida em 1936, com o Polígono das Secas. Essa
apresentação perpetuou por muitas décadas no imaginário das pessoas. (MAIA,
2006).
O semiárido ocupa 90% do Nordeste e o norte de Minas Gerais cujo
clima é sujeito a intempéries, como a escassez de chuvas e a seca. Segundo
Albuquerque Jr. (2007), o povo da região nordestina ficou conhecido como pobres
flagelados e dependentes da região Sul, por consequência do clima da região
onde habitam. Nosso objetivo, nesta pesquisa, é discutir se a região ainda
carrega o estigma com o qual foi criada. Queremos saber se a mídia ainda vincula
a região às secas ou se o conceito de convivência com o semiárido está sendo
divulgado.
No Ceará, segundo dados do Instituto de Pesquisa e Estratégia
Econômica do Ceará (IPECE, 2012), o semiárido está presente em 150, dos 184
municípios que compõem o estado, ocupando 86,8% da área total do Ceará, ou
seja, mais da metade do estado tem o clima semiárido. Na etimologia, semiárido
significa semi = metade e árido = seco (MAIA, 2006), ou seja, não se trata de um
clima seco e sim seco pela metade, por permanecer a metade do ano sem
chuvas.
Nossa análise parte do Diário do Nordeste, um jornal de grande
abrangência local. No jornal, analisaremos as reportagens publicadas no caderno
especial Retrato Sertanejo/Esperança, que nos dias atuais é a mais recente
publicação do jornal sobre o semiárido. Acreditamos que quando a mídia propaga
13
o semiárido, seja de forma positiva ou negativa, é a imagem das pessoas que
habitam a região que está sendo propagada. Daí, a importância desta reflexão.
Para alcançar nossos objetivos, utilizamos os Estudos Críticos do
Discurso, associados à pesquisa bibliográfica. Para Dijk (2008), o Estudo Crítico
do Discurso não é um método de análise do Discurso, como muitos pensam. Para
ele, "os ECD usam qualquer método que seja relevante para os objetivos dos
seus projetos de pesquisa". (p.10). Com ECD é possível analisar além do texto, o
contexto e as imagens. Nesta pesquisa, apesar de se descrever as imagens que
compõem as reportagens, vamos nos ater aos discursos presentes no texto
escrito.
Nos capítulos iniciais, falamos sobre a criação do Nordeste como
região, explicando como a ideia de criar a região surgiu. Para tanto, baseamo-nos
na reflexão de Albuquerque Jr (2009), indica que através da divulgação das
secas, que a região se tornou notória.
Como o Nordeste tem uma relação intrínseca com o semiárido, é difícil
falar de Nordeste sem falar de semiárido, é difícil também não se ater à Caatinga,
o bioma predominante da região, que, segundo Arruda (2011), está presente em
80% do semiárido. É destinado, então, um tópico sobre a Proposta de Emenda
Constitucional, a PEC da Caatinga1, que visa a fazer da Caatinga parte do
patrimônio nacional. Com aprovação da PEC, será possível mais controle sobre o
bioma, podendo se evitar desmatamentos (REGO, 2012).
Em seguida, abordamos o semiárido cearense, seu tamanho e a nova
delimitação do espaço. Concluímos com o conceito de desenvolvimento
sustentável e como programas do governo e de organizações não-
governamentais têm posto o conceito em prática.
No capitulo seguinte, falamos sobre o que é representação social pela
mídia e como ela é construída no semiárido. Neste capítulo, refletimos sobre a
mídia e o poder que ela exerce ao contribuir para a formação da opinião pública.
1 PEC da Caatinga. Proposta de Emenda à Constituição Nº 504, de 2010 que altera o § 4º do art.
225 da Constituição Federal, para incluir o Cerrado e a Caatinga entre os biomas considerados patrimônio nacional. Disponível em: <www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=918619&filename=Parecer-CCJC-13-09-2011>. Acesso em: 18/01/2012.
14
Discutimos também como o imaginário é formado pelo conhecimento adquirido
pelo meio em que vivemos.
Isso faz com que a mídia, embora exerça grande influência, não é a
única formadora de opinião e do imaginário, já que, baseado em Moscovici (apud
ALEXANDRE, 2004), há outros meios de adquirir conhecimentos. É ressaltada,
ainda, que, embora exista um imaginário referente ao semiárido, cabe a nós
refletirmos sobre esse imaginário, através da pesquisa e da análise critica do que
vemos.
Saber como a imagem do semiárido cearense foi construída é saber
um pouco sobre a história da região, sendo esse um dos principais motivos da
realização da pesquisa.
Por fim, apresentamos a análise do caderno em questão para nos dar
subsídios na reflexão sobre se a imagem divulgada pela mídia em relação ao
semiárido ainda se apoia na imagem decadente, de seca, miséria e
desesperança.
15
2 NORDESTE E SEMIÁRIDO CEARENSE: HISTÓRIAS QUE SE ENTRELAÇAM
Para entendermos como a imagem do semiárido é veiculada pela
mídia, precisamos saber que imagem é essa e como esta é construída. Com esse
objetivo foi que produzimos tópicos que introduzissem o Nordeste, através da
criação e das características da região. Falaremos sobre a criação da região, que
chamou atenção pelo clima e como essa atenção tem mudado com o tempo.
É difícil falar de Nordeste e não falar de semiárido, clima predominante
da região. Semiárido atrela-se à Caatinga, o bioma presente em quase todo o
Nordeste e no norte de Minas Gerais (na região Sudeste). Por isso, abordamos
neste trabalho a PEC da Caatinga, projeto que espera por votação para que o
bioma seja protegido como patrimônio nacional (RAQUEL, 2012).
O fato de a Caatinga não ter sido inserida na Constituição como
patrimônio tem contribuído para a desertificação na área do semiárido (REGO,
2012). Esse fato, da caatinga não ser um bioma preservado, além de ser um
problema ambiental, contribui para o estigma de local seco que se atrela ao
semiárido. Nos últimos tópicos, serão discutidos o conceito de desenvolvimento
sustentável e apresentados projetos que mudam a realidade da população do
semiárido.
2.1 O início do Nordeste
O semiárido brasileiro abrange cerca de 90% do Nordeste (SILVA,
2006) e, por muito tempo, foi visto como lugar seco, pobre e esquecido, sendo
atribuída a pobreza da população e a falta de água à escassez de chuvas na
região. O Nordeste foi inserido no cenário nacional como região pobre, seca e
esquecida (MALVEZZI, 2007). Mas, antes de ser conceituado como região, o
atual Nordeste que conhecemos era conhecido como Norte. A região chamou
atenção do restante do país, a partir da cobertura feita pela mídia sobre as
consequências da seca de 1877-18792.
2 Definida como primeira seca que chamou atenção do Governo Imperial, através da divulgação
feita pela imprensa. Fenômeno climático que ocorreu em época de crise governamental, gerando discussões sobre o tema em todo o país. Disponível em: <http://sinnedos sociologia.blogspot.com.br/2010/10/as-secas-do-ceara-e-as-revoltas.html Seca de 1877-1879>. Acesso em: 06/12/2012.
16
Este fenômeno [seca] que, de ponto de vista estritamente climático ou natural, nada teve de diferente de episódios anteriores, já que as estiagens eram um fenômeno do qual se tinha relatos desde o período colonial, terá repercussões políticas e será objeto de uma mobilização por parte das elites deste espaço, como nunca antes ocorrerá (ALBUQUERQUE Jr, 2007, p. 91).
O autor diz ainda que a repercussão desse fenômeno foi através da
organização da imprensa que contribuiu para que a seca de 1877-1879 tivesse
importância. Assim, a primeira imagem da região na mídia foi através da seca. O
fenômeno seca, segundo Vieira (2004, apud DUARTE, 2009), pode ser
caracterizado tanto pelo baixo nível da precipitação anual em relação à média de
ano de chuvas normais, que são as secas meteorológicas; quanto pela
distribuição irregular durante o período chuvoso.
Mas, pelos conhecimentos adquiridos sobre o clima, não é “a falta de
chuvas a responsável pela oferta insuficiente de água, mas a má distribuição,
associada a uma alta taxa de evapotranspiração3, o que resultaria no fenômeno
da seca, a qual periodicamente assola a população.” (DUARTE, 2009, p. 33).
Foi, a partir das informações que o país teve pela imprensa sobre a
então região Norte, que o problema da seca passou a fazer parte do Brasil. Com
isso, houve uma necessidade de delimitar o espaço propenso às secas, fato que
contribuiu para que a região Nordeste fosse criada. Através dos interesses das
oligarquias, começou, então, um movimento para a fundação da região Nordeste.
Desde a metade do século XIX, as secas nordestinas transformaram-se num problema nacional a exigir do governo medidas de socorro e amparo. Entre o poder federal e a massa flagelada pela seca medeia, porém, a poderosa camada senhorial dos coronéis, que controla toda a vida do sertão [...] (RIBEIRO, 2006, p. 314).
Foi através da repercussão da seca que a região se tornou notória.
Com um discurso ressaltando misérias e pedindo auxílio, os governantes e donos
de terras conseguiram chamar a atenção do restante do país. Assim, o discurso
das secas, “traçando quadros de horrores”, vai ser um dos responsáveis pela
progressiva unificação dos interesses regionais e um detonador das práticas
3 A evapotranspiração é a forma pela qual a água da superfície terrestre passa para a atmosfera
no estado de vapor. Esse processo envolve a evaporação da água de superfícies de água livre, dos solos e da vegetação úmida a transpiração dos vegetais. Disponível em: <http://www.ufpel.edu.br/faem/agrometeorologia/etpric22.pdf>. Acesso em: 08/12/2012.
17
políticas e econômicas que envolvem todos “os estados sujeitos a este fenômeno
climático” (ALBUQUERQUE JR., 2009, p. 73).
Falar sobre as secas, então, era uma estratégia para garantir recursos
financeiros para a região. Ribeiro (2006) definiu essa estratégia como a formação
da Indústria da Seca quando governantes usavam o fenômeno como meio de
garantir fundos, que eram usados em proveito próprio.
Com toda essa repercussão do fenômeno seca, a denominação
Nordeste começa a aparecer no cenário nacional. Ainda segundo Albuquerque Jr.
(2009), a palavra Nordeste aparece pela primeira vez em documento da
Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (IFOCS)4, como uma simples
referência geográfica: uma área do Norte sujeita às estiagens.
A região Nordeste foi, posteriormente, “reconhecida oficialmente como
região brasileira, na primeira divisão regional do Brasil, feita em 1941, pelo recém-
criado Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.” (ALBUQUERQUE Jr., 2007,
p. 101). Os estados que faziam parte de seu território eram: Alagoas, Paraíba, Rio
Grande do Norte, Ceará e Pernambuco. Foram inseridos na região, na década de
1960, os estados do Maranhão, Piauí, Sergipe e Bahia, totalizando nove estados,
sendo a segunda região mais populosa do Brasil (IBGE, 2010).
Ainda segundo dados do IBGE (2010), a região possui 1.554.387,70
km² e uma população de 53.081.950, o que corresponde a uma densidade
demográfica de cerca de 34,15 habitantes por quilômetro quadrado. A região
Nordeste ainda é a terceira maior do país em área territorial (IBGE, 2010). A
região Norte é a maior com uma área de 3.853.575,60 Km², seguida pela região
Centro-Oeste, com 1.606.366,80 Km². Já a região Sudeste tem 924.596,10 Km² e
a região Sul é a menor, com 563.802,10 Km².
Com o intuito de corrigir as diferenças econômicas entre o recém-
criado Nordeste e as demais regiões, o Governo criou superintendências
regionais de desenvolvimento, órgãos que financiariam obras de infraestrutura
para a região (MOREIRA, 1999). O Departamento Nacional de Obras Contra as
4 Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (IFOCS). Denominação do órgão criado em 1919,
atualmente conhecido como Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Disponível em:<http://www.dnocs.gov.br/>. Acesso em: 08/01/2012.
18
Secas (DNOCS)5 pretendia fazer o combate à seca, criando 70 mil açudes até
1959, quando se criou a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene).
O Dnocs foi praticamente a única agência federal a atuar em todo o Semi-Árido, como uma empreiteira estatal – a maior da América Latina, desenvolvendo todo tipo de obras. Alem de grandes açudes, como Orós, Banabuiú e Araras, podemos registrar a construção da rodovia Fortaleza-Brasília e o início da construção da barragem de Boa Esperança (MALVEZZI, 2007, p. 67).
Sobre o Dnocs, Malvezzi diz que o órgão não democratizou o acesso à
água, pois mesmo realizando grandes obras, as populações mais pobres não
tiveram acesso aos resultados. O autor complementa dizendo que as obras
favoreceram mais as oligarquias, fato esse que contribuiu para o imaginário atual
sobre a região semiárida. “Acumulando terra e água, as oligarquias nordestinas
construíram um poder assustador, difícil de ser rompido, mesmo quando se
assume outra lógica, a convivência com o Semi-Arido, e não mais o combate à
seca.” (p. 68).
A Sudene foi criada para desenvolver obras nos setores industrial,
agropecuário e mineral. Porém, focalizou mais no setor industrial por meio de
isenção ou redução de impostos para empresas que queriam investir no Nordeste
(MOREIRA, 1999). A criação da Sudene, em parte, resultou em melhorias para o
desenvolvimento do Nordeste.
Segundo Moreira (1999), a maior parte da produção industrial do
Nordeste era destinada ao Sudeste. Fato que aumentava a desigualdade entre as
regiões e ao mesmo tempo fazia crescer o imaginário de região dependente,
originado junto com a criação. Com a atenção voltada para a indústria, a região
semiárida ficava em segundo plano.
Já COSTA (2000) diz que apesar de ter focalizado a indústria, a
criação da Sudene facilitou o reconhecimento do governo central para a
importância de políticas públicas benéficas para a região. Segundo este autor, a
estratégia de modernização por meio da industrialização repercutiu na vida
econômica da região, inclusive no setor agrícola, por meio da produção interna.
5 O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), órgão fundado em 1909 como
Inspetoria de Obras Contra as Secas (Iocs), depois Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (Ifocs). Disponível em: <http://www.dnocs.gov.br/>. Acesso em: 08/01/2012.
19
Assim, mesmo não tendo obtido o êxito proposto em sua criação, o
órgão fez melhorias. Entre elas, facilitou a delimitação do espaço, fato que
favoreceu a organização de iniciativas econômicas, inclusive para a região
semiárida.
2.2 A nova delimitação do semiárido brasileiro
O semiárido está presente na vida de nordestinos e cearenses. Ainda é
caracterizado pela aridez do clima e deficiência hídrica. Não podemos negar que
existe um déficit hídrico, porém, como diz Malvezzi (2007), isso não significa falta
de chuvas, pois temos o semiárido mais chuvoso do planeta. Mas, a chuva que
cai é menor do que a água que evapora. “No Semi-Arido brasileiro, a evaporação
é de 3.000 mm/ano, três vezes maior do que a precipitação. Logo, o jeito de
agasalhar a água de chuva é fundamental para aproveitá-la.” (MALVEZZI, 2007,
p. 10).
Mas, afinal, o que é semiárido? Segundo Arruda (2011), é uma região
de altas temperaturas onde apresenta, em alguns meses do ano, precipitações
entre 300 e 800 mm e com grande evaporação. O autor diz ainda que o semiárido
é mais que isso. É uma região que abriga “além de sua biodiversidade e de seu
potencial geológico e energético, um significativo patrimônio cultural, histórico e
humano.” (ARRUDA, 2011, p. 60).
O semiárido está entrelaçado com o Nordeste, através da sua história,
desde a sua criação. Silva (2006) informa que a primeira delimitação do semiárido
foi estabelecida em 1936, com o Polígono das Secas. Somente depois, em 1988,
foi que a área, denominada semiárido, passou a ter um conceito técnico.
O conceito técnico de Semi-árido é decorrente de uma norma da Constituição Brasileira de 1988, mas precisamente do seu Artigo 159, que instituiu o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNA). A norma constitucional manda aplicar no Semi-árido, 50% dos recursos destinados ao fundo. A Lei 7.827, de 27 de setembro de 1989, regulamentando a Constituição Federal, define como Semi-árido a região inserida na área de atuação da Sudene, com precipitação pluviométrica média anual igual ou inferior a 800mm (SILVA, 2006, p. 16).
Atualmente, região semiárida tem destaque no país pela sua extensão
e pela quantidade de pessoas que nela vivem. Segundo a nova delimitação feita
pelo Ministério da Integração Nacional, em 2005, o semiárido possui 969.589,4
20
km² e abrange oito estados do Nordeste e o norte de Minas Gerais, ou seja,
quase 90% da região nordestina. De acordo com IBGE (2010), o semiárido
brasileiro é o mais populoso do planeta, onde vivem cerca de 22 milhões de
pessoas, ou seja, 11,8% da população brasileira.
Figura 1: Nova delimitação do Semiárido brasileiro Fonte: Ministério da Integração Nacional
21
Os estados na lista do Ministério da Integração são: Alagoas, Bahia,
Ceará, Paraíba Gerais que fica no Sudeste do país. Já a Articulação no Semiárido
Brasileiro, a ASA Brasil6, considera também o estado do Maranhão como parte do
semiárido brasileiro. Percebe-se, então, que as delimitações da região não são
definidas exclusivamente por questões climáticas., Pernambuco, Piauí, Rio
Grande do Norte e Sergipe e o Norte de Minas
É bom ressaltar que o semiárido apresenta características para além
da seca, já que temos o bioma7 Caatinga presente em 80% do semiárido
(ARRUDA, 2011). Segundo Coutinho (2004), o termo bioma (do grego Bio = vida
+ Oma = grupo ou massa) se refere a um “conjunto de vegetação e fauna
associada" (p. 15). Conhecido como mata branca, o bioma Caatinga, o único
exclusivamente brasileiro, é a zona semiárida com maior biodiversidade do
planeta. Sua fauna e flora possuem espécies endêmicas, ou seja, espécies que
só existem na região, de alto valor biológico com potencial forrageiro, madeireiro e
medicinal (ARRUDA, 2011).
Cerca de 50% do solo da Caatinga possuem origem sedimentar, ricos
em água subterrânea. Com todas essas evidências, é possível afirmar a
importância do bioma para o país, junto com os demais biomas existentes no
Brasil (ARRUDA, 2011). A riqueza do bioma é ressaltada por MAIA (2004, apud
DUARTE, 2009) pelas seguintes características:
alta diversidade e heterogeneidade das espécies: a abundância destas faz com que cada uma tenha qualidades especiais de sobrevivência, dando maior estabilidade; Proteção do solo: tendência de sempre mantê-lo protegido e coberto, preservando-o da insolação e conservando a umidade, proporcionando a fertilidade; Adaptação das espécies nativas às condições de semi-aridez: a adaptação à falta d’água durante vários meses do ano se mostra na forma, na cor, no metabolismo, nos ciclos vitais e na organização social de muitos organismos da caatinga (DUARTE, 2009, p. 31).
6 Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA Brasil) reúne mais de 800 organizações da sociedade
civil, entre ONGs, sindicatos, associações comunitárias, igrejas e comunidades quilombolas e indígenas.Disponível em: <http://www.asabrasil.org.br/Portal/Informacoes.asp?COD_MENU=105>. Acesso em: 18/09/2012.
7 Bioma é definido de acordo com um conjunto de vegetações com características semelhantes,
Disponível em:< http://ebookbrowse.com/coutinho-conceito-bioma-acta-20-1-t-02-pdf-d27139428>. Acesso em: 12/12/2012.
22
Entretanto, Malvezzi (2007, p. 9) diz que “o Semi-Árido brasileiro não é
apenas clima, vegetação, solo, sol ou água. É povo, música, festa, arte, religião,
política, história. É processo social. Não se pode compreendê-lo de um ângulo
só.”. Isso significa que o semiárido não pode ser mostrado apenas com a seca.
Existe também uma cultura e um povo com suas características que são dignas
de serem reconhecidas.
Tanto o semiárido como seu bioma natural, a Caatinga, merecem
serem preservados. Cuidar da preservação da região contribui de forma positiva
para uma mudança no imaginário. Daí, a importância do reconhecimento, na
Constituição Federal, da Caatinga como bioma nacional.
2.2.1 PEC da Caatinga
Conhecida como a PEC da Caatinga, a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC 115/1995) tramita há quase 18 anos no Congresso Nacional. A
Constituição de 1988 reconheceu como patrimônio nacional a Mata Atlântica, a
Floresta Amazônica, o Pantanal, a Serra do Mar e a Zona Costeira, deixando de
fora a Caatinga e o Cerrado8. A PEC trata de transformar esses dois biomas em
patrimônio nacional (RAQUEL, 2012).
A mesma Constituição que delimitou a área do semiárido, como as
áreas de atuação da Sudene e que instituiu o Fundo Constitucional de
Financiamento do Nordeste (FNA) para essa área, deixou a Caatinga de fora do
reconhecimento como patrimônio nacional. Mas, se o semiárido ocupa 90% do
território do Nordeste (IBGE 2012), a Caatinga ocupa 80% do território do
semiárido (INÁCIO, 2011). Deixar essa área sem proteção favorece o
desmatamento e a desertificação, um dos principais problemas enfrentados pelo
bioma.
Mesmo a Caatinga ainda não sendo reconhecida como Patrimônio
Nacional, as Organizações das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco)9 reconheceu o bioma como Reserva da Biosfera, em 2001. A
8 O Cerrado é uma formação vegetal brasileira que possui solo de savana tropical, atualmente,
está presente em dez estados do Brasil Central. Disponível em: <http://www.portalbrasil.net/cerrado.htm>. Acesso em: 08/12/2012.
9 A Rede Brasileira de Reservas da Biosfera foi criada em 1995 e é coordenada pelo Ministério do
Meio Ambiente (MMA), possuindo seis Reservas: Mata Atlântica incluindo o Cinturão Verde,
23
finalidade principal da Reserva da Biosfera é “proteger a biodiversidade, combater
a desertificação, promover atividades sustentáveis e realizar estudos sobre o
bioma.” (MALVEZZI, 2007, p. 58). O autor fala ainda que a Reserva
abriga sete parques nacionais, uma reserva biológica, quatro estações ecológicas, três florestas nacionais, cinco áreas de proteção ambiental, três parques estaduais, um parque botânico, um parque ecológico estadual e doze terras indígenas. A reserva biológica [da Caatinga] tem 190.000 km
2 e se estende pelos nove estados do Nordeste, além do
Norte de Minas (MALVEZZI, 2007, p. 58).
Sobre a origem da Caatinga, Malvezzi (2007, p. 56) diz que “há milhões
de anos, toda essa região era fundo de mar. Depois, as placas tectônicas se
elevaram e a região se integrou à terra firme.”. O autor afirma ainda que há 10 mil
anos atrás, o que hoje é território da Caatinga, era uma área ocupada por uma
densa floresta tropical, similar à floresta amazônica. Ao terminar o último período
glacial, acabaram-se os rios, a floresta foi extinta e sua grande fauna
desapareceu. “Surgiu uma vegetação mais rala, menos exuberante, com animais
menores: era a caatinga.” (MALVEZZI, 2007, p. 56).
Já sobre a vegetação do bioma, o autor afirma que não é tão uniforme
como se costuma pensar, classificando-a em três níveis.
O primeiro é arbóreo, com uma altura variada de oito a doze metros, árvores de ótimo porte; o segundo arbustivo, com uma altura de dois a cinco metros; o terceiro é herbáceo, com menos de dois metros. E uma vegetação que se adaptou ao clima. No tempo da seca, perde as folhas, mas não morre; adormece, hiberna (MALVEZZI, 2007, p. 56).
Segundo estudos feitos pela Associação Caatinga, o bioma ocupa
cerca de 70% da região Nordeste. “Ao todo são 826.44 Km². O que representa
10% do território nacional e 70% da região Nordeste.” (PEREIRA, 2011, p. 7).
Lembrando que o semiárido ocupa 90% do Nordeste, diferenciando Caatinga de
semiárido.
Pantanal, Amazônia, Cerrado, Caatinga e Espinhaço. Disponível em: <http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/networks/specialized-communities/specializes-communities-sc/brazilian-biosphere-reserves-network/>. Acesso em: 18/09/2012.
24
O Relatório de Monitoramento do Desmatamento na Caatinga de
201010, divulgado em março, diz que 45,4% da área total do bioma está alterada.
De acordo com o relatório, a medição do desmatamento teve como referência a
área total mapeada de 826.411,23 km² do bioma. A degradação do bioma
provoca o processo de desertificação e afasta o homem do seu habitat, fazendo
crescer o índice de pobreza, com a aglomeração nas grandes cidades.
Face ao alto grau de degradação das áreas de caatinga e a manifesta preocupação de especialistas para com o crescente processo de desertificação que está se instalando na região, que dificilmente será revertido, há necessidade urgente de coibição de desmatamentos predatórios e de disciplinamento da ocupação territorial do semi-árido brasileiro, visto que essa região sofre, historicamente, pela falta de políticas públicas adequadas à proteção de seus recursos naturais, em especial, sem preocupações com a preservação da vegetação nativa (SANTANA, 2003, p. 16).
Segundo Rego (2012), o bioma mais rico em biodiversidade, com 932
espécies de plantas, 148 de mamíferos e 510 de aves, muitas que só existem
aqui, possui em sua fauna silvestre 32 espécies ameaçadas de extinção. O bioma
único é também o mais vulnerável, com apenas 2% de sua área protegida por
unidade de conservação.
Para Ronque (apud Eco Nordeste, 2012), a conservação da Mata
Branca evita a emissão do gás carbônico (CO2) diminui o efeito estufa e o
aquecimento global, pois mantém o equilíbrio climático e o regime de chuvas. A
autora ressalta ainda que a caatinga é uma “região altamente suscetível à
desertificação e o processo de recuperação é mais lento que o da Mata Atlântica,
[...] uma área destruída na caatinga vai demorar 40 a 50 anos para se recompor.”
(p. 18).
Com a aprovação da PEC e a Caatinga tornando-se um patrimônio
nacional, espera-se que se facilite a conservação do bioma. É possível supor que
isso vai aumentar o número de manutenção das áreas protegidas e diminuir o
processo de desertificação que assola o Nordeste. No artigo para a revista Eco
Nordeste, Rego diz que
10
Disponível em: <http://siscom.ibama.gov.br/monitorabiomas/caatinga/APRESENTACAO_MINC_02MAR2010_CAATINGA.pdf>. Acesso em: 10/092012.
25
o processo de desertificação gera uma perda de 5 bilhões de dólares por ano ao Brasil e já atinge gravemente cerca de 66 milhões de hectares no semiárido brasileiro e 15 milhões de pessoas em áreas de Cerrado e Caatinga. Mais de 60% das áreas suscetíveis ao fenômeno no Brasil estão em zonas originais da Caatinga (2012, p. 19).
O processo de desertificação é ocasionado pelas mudanças climáticas,
precisamente, o efeito estufa11. Conforme afirma Duarte (2011 p. 96),
desertificação é a “degradação da terra nas regiões áridas, semiáridas e sub-
úmidas secas, resultante de vários fatores, entre elas as variações climáticas e
atividades humanas.”. Ainda segundo o autor, o Nordeste é a região brasileira
mais vulnerável ao aquecimento e deve ficar de 2 a 4º mais quente e 15 a 20%
mais seco até o ano de 2100. Isso vai causar a alta evaporação que fará com que
se reduzam os níveis dos açudes, rios e lagos e o semiárido será a área mais
afetada.
O Programa Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos
Efeitos da Seca (PAN), através de estudo realizado em 2004, delimitou entre as
principais Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD) os estados da Bahia,
Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Minas Gerais e o Ceará.
Todos fazem parte do semiárido brasileiro.
O Ceará, segundo a ASD, tem uma área com 1,4 mil Km² propensa à
desertificação, sendo o município de Irauçuba um dos núcleos de alto risco, com
uma superfície de 4.000 km. A principal causa da desertificação no município
seria a ocupação desordenada do solo. Com a PEC da Caatinga em vigor,
supomos que práticas como essas seriam controladas, evitando assim números
tão elevados.
2.3 O conceito de desenvolvimento sustentável
Desenvolvimento sustentável é o ato de desenvolver sem prejudicar a
natureza. Esse conceito tem estado presente em discursos e ações e tem gerado
controvérsias entre os autores, devido à impossibilidade de definição. Existem
várias formas de denominar desenvolvimento sustentável. Camargo (2010) fala
11
Do total de raios que atingem o planeta, quase 50% ficam retidos na atmosfera, o restante,que alcança a superfície terrestre, aquele e irradia calor.Esse processo é chamado de efeito estufa. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/geografia/efeito-estufa.htm>. Acesso em: 18/01/2012.
26
que esse conceito é quase como uma lei da natureza e que tem tomado de conta
do pensamento ocidental.
Para Silva (2007), a razão de aplicar o conceito de desenvolvimento
sustentável na região semiárida seria possibilitar à população a convivência com
o semiárido, através de meios que satisfizessem suas necessidades. Segundo
Furtado (1980, apud SILVA, 2007, p. 476),
se o desenvolvimento funda-se na realização das capacidades humanas, é natural que se empreste a esta ideia um sentido positivo. As sociedades são desenvolvidas na medida em que nelas mais cabalmente o homem logra satisfazer suas necessidades e renovar suas aspirações.
Pretes (apud, CAMARGO, 2010) diz que o desenvolvimento tradicional
usa os recursos humanos, financeiros, a infraestrutura e os recursos naturais com
o compromisso de gerar lucro e progresso. Assim, faz crescer a produção
trazendo o bem-estar coletivo. A autora afirma que o desenvolvimento que
conhecemos é questionável, pois atende as necessidades humanas de forma
parcial e ainda destrói e degenera sua base de recursos. Para ela, o termo em
seu sentido mais amplo “visa promover a harmonia entre os seres humanos e
entre a humanidade e a natureza.” (p. 75).
O objetivo seria caminhar na direção de um desenvolvimento que integre os interesses sociais, econômicos e as possibilidades e os limites que a natureza define, uma vez que o desenvolvimento não pode se manter se a base de recursos naturais se deteriora, nem a natureza ser protegida se o crescimento não levar em conta as conseqüências da destruição ambiental (CAMARGO, 2010, p. 75).
O conceito de desenvolvimento sustentável, embora date da década de
1950, foi lançado em 1987, pela World Commission on Environment and
Development. Ele é definido como
a gestão ambiental, a conscientização da sociedade para o seu papel como agente de transformação da realidade, bem como o fortalecimento da participação de cada um na tomada de decisão são os pontos que constituem a proposta de mudança inerente ao conceito. Isto teria como consequência, caso posto em prática o conceito, a busca de um crescimento econômico eficiente, racional e que respeita os limites da natureza, alcançado por meio de ações que supririam as necessidades da humanidade no presente, sem tirar das gerações futuras o direito de também terem as suas necessidades supridas (CHACON e BURSZTYN, S/D, p. 4).
27
SILVA (2007) diz que desenvolvimento sustentável não é apenas
ensinar as pessoas a conviver com a natureza e seus fenômenos. Segundo ele,
desenvolvimento é melhorar a qualidade de vida das pessoas. O autor afirma que
conviver com o semiárido não significa se acomodar com a seca. Ele diz ainda
que “a justificativa social da convivência com o Semi-árido deve ser a
possibilidade de construção de alternativas apropriadas de trabalho e melhoria de
renda, principalmente para a população sertaneja que vive de atividades
agrícolas.” (p. 477).
A construção de novas perspectivas de desenvolvimento junto a populações marcadas pela condição de pobreza exige a articulação das medidas de gestão ambiental sustentável com as iniciativas sociais que resultem em melhoria das condições de vida. Caso contrário, o discurso da convivência tornar-se-á vazio, sem dar respostas à grave problemática da miséria que permanece na região. Implica e requer políticas públicas permanentes e apropriadas que tenham como referência a expansão das capacidades humanas, sendo necessário romper com as estruturas de concentração da terra, da água, do poder e do acesso aos serviços sociais básicos (SILVA, 2005, p. 447).
No semiárido, projetos têm sido gerados por meio de desenvolvimento
sustentável, a fim de melhorar a convivência das pessoas naquela região. Mas,
para Aziz Ab’Sáber (apud SILVA, 2005), é uma falácia “ensinar o nordestino a
conviver com a seca”, pois os sertanejos conhecem as potencialidades produtivas
do semiárido que são interrompidas nas secas prolongadas.
Já os autores Chacon e Bursztyn (S/D) dizem que a seca é usada no
discurso ambiental, que entra no conceito de desenvolvimento sustentável,
virando um discurso e ocorrendo uma mudança. Porém, tudo isso para que o
poder não mude de mãos. “[...] ao se apropriarem dos novos conceitos, os
políticos e elites que detêm o poder passaram a usá-los indiscriminadamente.”
(CHACON e BURSZTYN, S/D, p. 2).
No momento que o conceito de desenvolvimento sustentável se fortifica e se insere cada vez mais no discurso político no Brasil, no que se refere ao Nordeste, a seca passa a ser tratada paulatinamente como um problema ecológico, mudando o enfoque secular das políticas públicas que viam a seca como uma calamidade natural sem solução. O discurso político fala agora de convivência com a seca e não mais de combate à seca, preconizando a necessidade da gestão dos recursos hídricos para a promoção do desenvolvimento sustentável e a diminuição da fome e da miséria no Sertão (CHACON e BURSZTYN S/D, p. 2).
28
Nesse sentido, é importante discutir como a mídia interfere na
propagação desse novo discurso sobre o semiárido que pode influenciar também
na construção de um novo imaginário sobre a região.
É importante dizer, ainda, que o discurso da sustentabilidade não deve
ser confundido com um simples processo de crescimento econômico sustentado.
Deve-se levar em conta as necessidades do sistema internalizar e priorizar as
condições ecológicas e sociais, promovendo assim, um alcance real da
sustentabilidade que beneficie a todos (CHACON e BURSZTYN, S/D).
2.4 Semiárido cearense
O estado do Ceará possui uma área de 148.920,472 km², segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2010); dividida em
184 municípios, onde apenas 34 não fazem parte do semiárido. De acordo com
dados do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE,
2007)12, com a nova delimitação do semiárido feita pelo Ministério da Integração
Nacional, o Ceará passou a ter 150 municípios pertencentes ao semiárido. São 16
municípios a mais do que a última delimitação feita em 1989. Esses municípios
ocupam uma área de 126.514,9 Km², que representa 86,8% da área total do
estado.
Sobre o semiárido cearense, o estudo feito pelo Ipece conclui que “por
se tratar de uma região com escassez de chuvas e alto índice de aridez dos
solos, é necessária uma maior preocupação em relação à distribuição de água na
região semiárida.” (p. 33). O clima semiárido está presente em mais da metade do
território cearense, no litoral, nas serras, nos planaltos sedimentares e no sertão e
até mesmo na cidade. A região semiárida cearense é extensa e possui
problemas, como todas as outras regiões do país.
O desafio desta pesquisa é de observar como o semiárido cearense
tem sido veiculado, se ele é mostrado para o leitor apenas em períodos de seca.
Veremos se, de alguma forma, a imagem do semiárido ainda se espelha na
estigmatização em que foi construído o Nordeste.
12
Disponível: <http://www.ipece.ce.gov.br/publicacoes/textos_discussao/TD_76.pdf>. Acesso em: 19/06/2012.
30
2.4.1 O bioma Caatinga no Ceará
No Ceará, o bioma Caatinga ocupa uma área de 129.162,7 km2, o que
corresponde a 88 % do espaço total do estado13, onde residem 70% da população
cearense. Mas, o bioma no estado padece com a falta de políticas públicas.
A ausência de políticas públicas de incentivo à conservação, a ausência de estrutura adequada de fiscalização e a ausência de programas ampliados de promoção de alternativas de exploração e uso sustentável da Caatinga são algumas das principais razões da alta taxa de desmatamento registrada (ASSOCIAÇÃO CAATINGA
14, apud MMA,
2010).
Conforme dados divulgados pelo Relatório de Monitoramento do
Desmatamento na Caatinga (IBAMA, 2012), entre 2002 e 2008, o Ceará ficou
entre os estados que mais desmataram a Caatinga, com uma área de 40%
destruída. Segundo o relatório, o estado, em sete anos, ampliou em quase 3% a
área total desmatada, o que corresponde a mais de 400.000 hectares.
O relatório diz ainda que dos 20 municípios brasileiros que mais
desmataram o bioma, sete estão no Ceará. Os municípios na lista do relatório
são: Acopiara, com 183 km² de áreas devastadas; Tauá, com 173 km²; Boa
Viagem (135 km²); Crateús (121 km²); Santa Quitéria (99 km²); Barro (98 km²) e
Saboeiro (91 km²), totalizando uma área de 4.132 Km² devastados.
Apesar desse alto índice de degradação, a população do semiárido
continua em seu ambiente. Conforme afirma Malvezzi (2007, p. 57), “o povo
caatingueiro é apaixonado pela caatinga e, ainda que precariamente, aprendeu a
viver em seu ambiente.”. Existem formas de frear o desmatamento e fazer com
que a população viva melhor em seu habitat. É necessário por em prática os
conceitos do desenvolvimento sustentável, buscando formas de atender as
necessidades geradas pelo clima de forma que não agrida a natureza.
Com o propósito de combater o desmatamento da Caatinga no Ceará e
promover o desenvolvimento sustentável, entidades têm realizado projetos para o
manejo sustentável do bioma. O manejo sustentável se caracteriza pela utilização
dos recursos naturais de forma economicamente viável, ou seja, obtendo a
13
Disponível em: <http://www.brasilrepublica.com/ceara.htm>. Acesso em: 17/09/2012.
14 Projeto no clima da Caatinga. Disponível em:
<http://www.noclimadacaatinga.org.br/projeto.php>. Acesso em: 16/09/2012.
31
produção sem degradar a natureza, perpetuando suas condições originais (MAIA,
2006).
Ainda segundo a autora, um dos motivos das áreas da Caatinga
estarem degradadas é o fato de existirem agricultores que usam a terra visando
ao maior lucro em curto prazo e não ao manejo sustentável “que garante a
produção continua, sem perder a produtividade”. Faz lembrar que “a Caatinga era
Floresta”, pois a degradação alcançou um nível tão elevado que só resta “uma
mata baixa, arbustiva e aberta” (MAIA, 2006, p. 172).
Com o objetivo de mudar essa realidade, o estado do Ceará e o
Governo da Bahia criaram, através do Decreto Nº 28. 668, em 16 de março de
2007, o Projeto Mata Branca de Conservação e Gestão Sustentável do Bioma
Caatinga. O projeto tem como objetivo
contribuir para a preservação, conservação, uso e gestão sustentável da biodiversidade do Bioma Caatinga nos estados da Bahia e Ceará, promovendo o desenvolvimento sustentável das áreas prioritárias, com a participação das comunidades rurais, que vivem em condições sociais críticas, em áreas susceptíveis de degradação (DECRETO Nº 28.668, 2007).
O projeto teve início em 2 de agosto de 2007 com um custo de US$ 5
milhões para cada estado, em parceria com o Banco Internacional para
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). O Decreto informa ainda que os
estados têm o prazo de cinco anos para executar o projeto. No Ceará, as áreas
dos subprojetos estão concentradas na região dos Inhamuns, nos municípios de
Crateús, Independência, Parambu, Aiuaba, Quiterianópolis, Novo Oriente e Tauá.
Segundo o Decreto, entre os motivos da escolha da região, estão as
características climáticas vulneráveis, os altos índices de pobreza e por conter
unidades de conservação representativas do bioma caatinga.
Em 2011, nas comunidades quilombolas de Quiterianópolis e Novo
Oriente, por exemplo, foram investidos cerca de R$ 396 mil em subprojetos de
capacitação e trabalhos ambientais, beneficiando 107 comunidades (FILHO,
2011). Entre as ações que envolvem os subprojetos, existe a implantação de
fogões ecoeficientes e de hortas e pomares orgânicos. A construção dos fogões
ecoeficientes, além de diminuir a fuligem e aumentar a praticidade das
cozinheiras, necessita menos de 60% de lenha. O autor lembra ainda que a lenha
32
é uma das causas do desmatamento por ser ainda a principal matriz energética
da região (FILHO, 2011, p. 44).
Outro programa de desenvolvimento no Ceará é o Clima da Caatinga,
realizado pela Associação Caatinga15. O objetivo geral do projeto, segundo a
associação é “contribuir para mitigação de efeitos potencializadores do
aquecimento global, através da fixação e redução de emissão de CO² em ações
de conservação da Caatinga.” (s/p). Entre os objetivos específicos do projeto,
divulgados pela associação, estão:
1. Evitar a emissão de CO² através da manutenção da Reserva Natural Serra das Almas (RNSA) e de áreas conservadas do seu entorno; 2. Promover a recomposição florestal de Áreas de Proteção Permanente (APP) e Reservas Legais (RL) no entorno da RNSA; 3. Reduzir as emissões de CO² e fixar CO² através da adoção de tecnologias sustentáveis na RNSA e seu entorno; 4. Promover, de forma transversal, a educação ambiental para a conservação dos recursos naturais da Caatinga (ASSOCIAÇÃO CAATINGA, 2012, s/p).
O projeto está sendo financiado pela Petrobras, através do Programa
Petrobrás Ambiental. Envolve 16 comunidades, 360 educadores capacitados, 80
graduandos. No total, serão beneficiadas 5.431 pessoas.
Outra ação que faz parte da realidade do semiárido cearense é o
Fórum Cearense pela Vida no Semiárido (FCVSA). Segundo Oliveira (2005), o
Fórum é o maior movimento popular do estado, devido ao seu poder de
articulação de diversos setores da sociedade civil.
O Fórum é uma articulação da sociedade civil organizada do Ceará que reúne associações comunitárias, movimento de trabalhadores rurais, sindicatos, federações, pastorais sociais, igrejas evangélicas, organizações não-governamentais, cooperativas de trabalhadores, totalizando mais de 200 entidades de todo o Estado (OLIVEIRA, 2005, p. 24).
O FCVSA surgiu em fevereiro de 1999 e atualmente faz parte da ASA-
Brasil, representando a articulação no estado. “O Fórum é composto por nove
fóruns microrregionais que abrangem todo o Estado.” (OLIVEIRA, 2005 p. 29). Os
Fóruns que compõem o FCVSA são: Fórum Araripense, Fórum Crateús, Fórum
15
Associação Caatinga. Disponível em: <http://www.acaatinga.org.br/>. Acesso em: 16/09/2012.
33
Fortaleza, Fórum Iguatu, Fórum Sertão Central, Fórum Itapipoca, Fórum Sobral,
Fórum Limoeiro e Fórum Tianguá.
O programa de desenvolvimento ambiental de destaque do Fórum
Cearense é o Programa Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC)16. O Programa foi
iniciado em julho de 2003 e é uma parceria da ASA-Brasil com o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), através do Programa Água
para Todos, do Governo Federal. O projeto beneficia famílias da zona rural sem
fonte de água potável nas proximidades de suas casas (OLIVEIRA, 2005).
A cisterna de número 500 mil foi entregue no Ceará, no município de
Madalena, no dia 4 de setembro de 2012. Segundo a Asa-Brasil (2012), até este
ano, o projeto beneficiou dois milhões e meio de pessoas que vivem no semiárido.
No Ceará, até 2009, segundo foi divulgado pela Asa-Brasil, foram beneficiadas
pelo projeto mais de 35 mil famílias. Entre as ações, estão as de capacitação em
Gestão dos Recursos Hídricos (GRH) e construção de cisternas.
Essas ações são importantes, embora ainda tímidas dada a quantidade
de pessoas que vivem no semiárido cearense. Assim, muitos ainda sofrem com
as intempéries associadas às desigualdades sociais. Apesar disso, percebe-se
que o semiárido tem um potencial a ser desenvolvido, ou seja, ele não pode ser
resumido à seca e à miséria.
16
Programa Um Milhão de Cisternas Rurais. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/comissoes/CMMC/AP/AP20090924_ASA_Vida%20Semiarido.pdf>. Acesso em: 12/12/2012.
34
3 REPRESENTAÇÃO SOCIAL NA FORMAÇÃO DO IMAGINÁRIO
Neste capitulo, vamos abordar a representação social e como é
formado o imaginário sobre o semiárido no Ceará, a partir dessa representação.
Falaremos sobre representação social como forma de produzir o conhecimento
que a sociedade adquire, através do que é veiculado pela mídia. Vale ressaltar
que mesmo a mídia formando o imaginário, ela não é totalmente responsável pela
imagem do semiárido, pois há um processo histórico e a reflexão da sociedade.
Além de definir representação social, iremos falar sobre a imagem
sertaneja e do povo cearense. Entendendo a imagem do sertanejo atrelada à
história da região junto com a da população do Ceará. Finalizaremos discutindo
sobre o papel da comunicação e do o jornalismo, dando ênfase à nova imagem
do semiárido cearense veiculada pela mídia.
3.1 Representação social
A região semiárida cearense tem sua representação social também
construída através de notícias veiculadas pela imprensa local. A forma como o
semiárido cearense é representado na sociedade é resultado do conhecimento
adquirido, através dos meios de comunicação, que são definidos por Sá (2002, p.
11) como “o canal ou a via através da qual se cria e se forma a opinião”.
A representação social é denominada por Moscovici (apud
ALEXANDRE, 2004, p. 125) como
uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre os indivíduos. [...] um conjunto de conceitos, frases e explicações originadas na vida diária durante o curso das comunicações interpessoais.
O que é veiculado interfere na maneira de pensar das pessoas. Se o
semiárido é intitulado de forma negativa, logo, tende-se a pensar a região como
sendo um problema. Embora sirva como alerta para o governo tomar atitudes
sobre o problema exposto, se a mídia veicular somente misérias, a tendência
sobre a região será de desvalorização. “O uso dos meios de comunicação
transforma, de forma fundamental, a organização da vida social, criando novas
formas de ação e de interação e de exercício de poder.” (CORREA, 2005, p. 182).
35
A representação social contribui para o comportamento de uma
comunidade e para a visão de mundo que a sociedade tem sobre ela. Ou seja, o
conhecimento adquirido, através dos meios de comunicação, induz a formulação
da imagem que a sociedade tem sobre a região semiárida. Mas, segundo
Alexandre (2004), nem todo conhecimento pode ser considerado representação
social. “Somente aquele [conhecimento] que faz parte da vida cotidiana das
pessoas, através do senso comum, que é elaborado socialmente e que funciona
no sentido de interpretar, pensar e agir sobre a realidade” é que seria
representação social (ALEXANDRE, 2004, p. 127).
O conhecimento transmitido, através dos meios de comunicação,
influencia a sociedade na construção de opiniões. Com isso, a imagem que temos
sobre a região semiárida pode ou não condizer com a realidade. Sendo que a
opinião pública é formulada, através da mídia que direciona a sociedade pelo
caminho que melhor lhe convém.
Fernando Sá (2002) afirma isso ao falar sobre como a mídia procede
em “designar a opinião da imprensa, na realidade, a opinião de jornalistas e/ou
dos proprietários dos veículos e, neste caso, dos cidadãos, sempre pouco
numerosos, que têm acesso à opinião veiculada como sendo a opinião pública.”
(p. 11). Isso significa que a população do semiárido tem sua realidade retratada,
ou interferida, por um grupo de pessoas que influencia a sociedade em geral
sobre o modo de viver de uma região.
Segundo Moscovici (apud ALEXANDRE, 2004, p. 131), “o indivíduo só
existe dentro da rede social e toda sociedade é resultado da interação de milhares
de indivíduos.”, ou seja, é questionável que um grupo, uma minoria, determine o
cotidiano de toda uma sociedade e defina como ela deve agir. Sobre isso se
entende que a imprensa ou os detentores do poder veiculam seu ponto de vista
fazendo com que a sociedade acredite no que é veiculado como sendo uma única
verdade, onde ninguém questiona, passando uma ideia de consenso.
Sabemos que todo exercício da força se acompanha de um discurso visando a legitimar a força de quem o exerce; podemos mesmo dizer que é próprio de toda relação de força só ter toda sua força na medida em que se dissimula como tal (BOURDIEU, S/D, p. 3).
36
Enfatizando isso, Rousseau (apud SÁ, 2002) fala sobre o
conhecimento veiculado pela imprensa como uma forma de opinião limitada,
transmitida por uma minoria detentora do poder. “É fruto apenas da opinião de
uns poucos, dos que têm capacidade para influir e decidir na sociedade, criando
pautas de comportamento e regras que a coletividade segue fiel e acriticamente.”
(p. 16).
A responsabilidade da imprensa nesse sentido é crucial, pois através
do que é divulgado, a sociedade se informa, cria e difunde conceitos. Pois “a
imprensa tornou-se o principal instrumento de difusão de ideias e de transmissão
de mensagens ou de comunicação pública entre as pessoas.” (SÁ, 2002, p. 13).
Partindo da premissa de que as instituições de comunicação são, potencialmente, lugares de identidade, de reconhecimento comum e de cidadania, há que se considerar à medida que elas constituem comunidades, ou seja, reúnem um público que participa de um processo comum e compartilhamento de valores, práticas e bens simbólicos (RIBEIRO, 2004, p. 75).
A imprensa influencia a vida das pessoas, em sua forma de pensar, de
agir; do cotidiano até mesmo economicamente. A “influência social é entendida
como um conflito cognitivo, isto é, conflito que se origina entre informações
adquiridas diretamente pelo indivíduo e aquelas transmitidas por seu ambiente
social.” (ASCH, apud ALEXANDRE, 2004, p. 125).
Ou seja, as informações processadas pela sociedade em geral
influenciam na forma de viver de uma parcela da população que conhece outra
realidade, como é o caso das pessoas que habitam o semiárido. Quando a mídia
mostra o semiárido só em épocas de secas, a sociedade passa a ter essa
imagem como predefinida para a região. E as pessoas que habitam a região
passam a ser vistas como pessoas carentes que necessitam de ajuda. Nesse
caso, não são levados em consideração outros fatores como as políticas sociais
de convivência com o semiárido. Embora Sá (2002) diga que, para formular uma
opinião sobre algo, a imprensa precisa estar livre e as pessoas possuírem
conhecimento real sobre o que leem.
A opinião pública como conceito político e como realidade normativa deve ser resultado de certas condições que podem se concretizar nas seguintes: liberdade de expressão em sentido amplo; publicidade; e ausência de pré-julgamentos ou apriorismos. [...] A opinião pública precisa de informação e educação; cada sujeito deve estar
37
suficientemente informado e instruído sobre os assuntos públicos de tal maneira que seja capaz de, sem se deixar influenciar pelos pré-julgamentos, formar sua opinião sobre tais assuntos que lhe dizem respeito (SÁ, 2002, p. 12 e 23).
Como já vimos anteriormente, a região semiárida nasceu marcada
como uma região seca e pobre e assim foi consolidada no país por meio da
veiculação da mídia. A forma que a mídia apresenta a região semiárida para a
sociedade diz respeito a todo o país, pelo direito de todos à informação
verdadeira e em particular aos cearenses. Afinal, uma imagem caracterizada afeta
as relações econômicas e culturais da região.
Que apenas consideramos como verdadeira manifestação da opinião pública a manifestação da vontade política e que a opinião pública não consiste jamais de opiniões unicamente teóricas, mas em opiniões de vontade e em julgamentos que servem como armas para a luta política (HELLER, apud SÁ, 2002, p. 104).
A responsabilidade pela informação é dada à imprensa, porém, a
responsabilidade de estar bem informado cabe a todos. Bourdieu fala sobre
opiniões formadas e diz que estamos predispostos a tomar decisões de acordo
com interesses pessoais.
Uma pessoa toma as posições que está predisposta a tomar em função da posição que ocupa num certo campo. Uma análise rigorosa visa a explicar as relações entre a estrutura de posições a serem tomadas e a estrutura do campo das posições objetivamente ocupadas (BOURDIEU, S/D, p. 3).
A representação social é definida, através do conhecimento veiculado e
gera a imagem que a sociedade tem sobre determinados assuntos. Sá (2002)
definiu a opinião pública como opinião tomada pelo indivíduo de acordo com seus
interesses pessoais e da coletividade. São “opiniões que interessam
objetivamente à coletividade, isto é, que versem sobre os assuntos universais ou
sobre os problemas políticos." (SÁ, 2002, p. 11).
Confirmando esse ponto de vista, Moscovici (apud, ALEXANDRE 2004,
p. 131) diz que “o indivíduo tem papel ativo e autônomo no processo de
construção da sociedade, da mesma forma que é criado por ela. Ele também tem
participação na sua construção.". Sobre esse ponto de vista, Bourdieu diz que
38
nas situações em que se constitui a opinião, em particular as situações de crise, as pessoas se encontram diante de opiniões constituídas, de opiniões sustentadas por grupos, de forma que escolher entre duas opiniões é evidentemente escolher entre grupos (S/D, p. 9).
Mais uma vez, é dito que a opinião sobre os assuntos que dizem
respeito à sociedade vem através do que é divulgado pela imprensa, e que essa
serve aos seus interesses, fazendo com que a população aceite algo que já está
predisposta a aceitar.
Mas, para Rothberg (2007), a mídia não é responsável pela opinião das
pessoas, pois é dada ao sujeito a oportunidade de pensar por si próprio e tirar
suas próprias conclusões sobre o que é divulgado.
Não está incluída aqui a crença de que a mídia determina o pensamento dos indivíduos, posto que eles dispõem rotineiramente de meios de reinterpretação pessoal e apropriação específica dos conteúdos midiáticos de acordo com suas inclinações, vivências e capacidades (ROTHBERG, 2007, p. 3).
Embora a mídia tenha um poder inegável na formulação de opinião da
sociedade, ela não é o único meio de adquirir informações. Para formar sua
opinião, a sociedade precisa não apenas aceitar o que acontece, mas participar
dos acontecimentos, não sendo apenas receptadora de informações transmitidas
pela mídia. Isso é possível, através de uma visão crítica sobre os fatos, questionar
e não aceitar um único ponto de vista. Fazer parte do que acontece é construir
sua representação social.
3.1.1 A representação social na formação do imaginário
Uma situação quando é apresentada, seja na linguagem verbal (escrita
ou oral) e não verbal, torna-se uma representação. A informação, quando é
transmitida, necessita da imaginação do indivíduo, criando um imaginário que o
torna capaz de compreender o que foi transmitido (ALEXANDRE, 2004).
Durand (1999) define imaginário como “todas as imagens passadas,
possíveis, produzidas e a serem produzidas.” (p, 3). Para ele, há “uma inflação de
imagens prontas para o consumo.” (p. 3). Pois essas imagens são fornecidas pela
imprensa e têm modificado o pensamento da sociedade. O autor fala dessas
imagens como sendo uma avalanche de informações, comparando com “a galáxia
39
Gutenberg” que, segundo ele, seria a supremacia da imprensa e da comunicação
escrita sobre a imagem mental que cria o imaginário.
“A galáxia Gutenberg”, isto é, a supremacia da imprensa e da comunicação escrita — com sua enorme riqueza de sintaxes, retóricas e todos os processos de raciocínio, sobre a imagem mental (a imagem perceptiva, das lembranças, das ilusões etc.) ou icônica (o figurativo pintado, desenhado, esculpido e fotografado) (DURAND, 1999, p. 3).
A imagem do semiárido cearense foi transmitida pela mídia, a partir de
detalhes de seca, pobreza e exclusão e assim foi consumida pela sociedade,
fazendo com que a região fosse caracterizada de forma negativa, excluindo as
riquezas e diminuindo a perspectiva de crescimento. “O abuso de poder, a
dominação e a desigualdade são representados e combatidos por textos orais e
escritos no contexto social e político.” (DIJK, 2008, p. 113).
A região semiárida, como já foi relatada antes, não é só seca e
pobreza. Existem projetos que ajudam a preservar a região de forma sustentável,
diminuindo o impacto provocado na ausência de chuvas. Isso significa que esse
conceito imaginário elaborado pela mídia precisa ser revisto. Além da falta de
divulgação dos projetos, como já foi dito antes, o problema estar em associar as
dificuldades de desenvolvimento da região exclusivamente à seca.
Moscovici (apud PAVARINO, 2004) fala sobre a elaboração do
imaginário, através da representação social feita de forma consensual onde a
representação é produzida e o conhecimento é espontâneo. Concordando com
Moscovici, a autora diz que elaboramos nossas opiniões e respostas sobre o
universo em que vivemos, através do conhecimento apreendido e compartilhado
em nosso meio.
[...] o jornalismo escrito desempenhou um papel decisivo de estruturação do próprio espaço público e do consenso social. Sem o jornalismo não se formaria opinião pública ou pelo menos esta teria uma configuração decerto diversa daquela que conhecemos (CORREA, 2005, p.184).
Sendo assim, o imaginário que temos sobre a região semiárida é
produzido e representado pela mídia, através de nós mesmos. Moscovici fala
ainda sobre esse universo estar em constante movimento e os indivíduos serem
cúmplices, que falam em nome do grupo ou protegido por ele. “Elaborando suas
opiniões e respostas sobre política, ciências, educação, ecologia, violência,
40
racismo, doença, desigualdade social, ou seja, as noções apreendidas e
compartilhadas na escola em casa, na rua ou pela mídia.” (PAVARINO, 2004, p.
132). Como o universo em que vivemos está em movimento, isso se aplica à
realidade da região semiárida.
Assim, o imaginário feito da região não foi estabelecido somente pela
imprensa, mas também pela sociedade em geral, que assimila e propaga o que é
ouvido. Portanto, a responsabilidade de estabelecer as mudanças necessárias no
imaginário coletivo, em relação à região semiárida cearense é também da
sociedade, que precisa ter uma visão crítica sobre os fatos, quando são
divulgados e também quando não o são. Ajudando a construir uma nova realidade
ou desconstruir a existente.
Esse recorte de realidade, que é representada pela mídia e imaginada
pela sociedade, faz parte do que no jornalismo é chamado de enquadramento
de notícias. Porto (apud ROTHBERG, 2007) caracteriza os enquadramentos
como “marcos interpretativos mais gerais construídos socialmente que permitem
as pessoas fazer sentido dos eventos e das situações sociais.”. O
enquadramento feito pela mídia sobre o semiárido ajudou na formação do
imaginário social em relação à região.
Na prática jornalística, um enquadramento (framing) é construído através de procedimentos como seleção, exclusão ou ênfase de determinados aspectos e informações, de forma a compor perspectivas gerais através das quais os acontecimentos e situações do dia são dados a conhecer (ROTHBERG, 2007, p. 3).
Segundo Correa (2009), o frame funciona como um elemento
organizador da informação de forma cognitiva e cultural. Sendo que no nível
cognitivo, o enquadramento, aplicado à veiculação da região semiárida nos faz
pensar os fenômenos sociais que, segundo o autor, apresenta-nos de forma
positiva ou negativa, ou de forma episódica ou temática. Já o frame organizado no
nível cultural funciona quando transcende uma situação que abrange um conjunto
de eventos (CORREA, 2009, p. 71).
O semiárido cearense foi enquadrado dentro de uma realidade que
determinou um imaginário coletivo. Foi veiculado como um lugar seco, com
ênfase à região em períodos de estiagem. Onde era mostrada a terra estorricada
41
e a carcaça do boi no meio do vale de rio seco. Isso se tornou a realidade
conhecida pela sociedade sobre a região.
As imagens de migrantes, de crianças raquíticas, do solo estorricado, dos açudes secos, dos retirantes nas estradas, dos animais mortos, da migração da Asa Branca – essas imagens estão presentes na música de Luís Gonzaga, na pintura de Portinari, na literatura de Graciliano Ramos e na poesia de João Cabral de Mello Neto. E um ponto de vista, ao mesmo tempo, real e ideológico, que muitas vezes serve para que se atribua a natureza problemas políticos, sociais e culturais, historicamente construídos (MALVEZZI, 2007, p. 11).
Sobre a divulgação dessa imagem, sabe-se que ela parte de algo real,
pois a mídia jornalística divulga algo a partir do que existe. Como diz Correa
(2009), a “realidade não pode ser completamente distinta do modo como os
atores a interpretam, a interiorizam, a reelaboram e a definem histórica e
culturalmente” (p. 47).
Porém, o que estamos observando nessa pesquisa não é o fato de a
mídia veicular o semiárido como local seco e pobre, e sim só ter divulgado isso e
fazer dessa imagem como a única realidade da região. Salientamos que a região
semiárida não é apenas seca, pois possui uma natureza rica, portanto, mostrar
apenas a seca não condiz com a realidade e cria estereótipos.
3.2 Imaginário sertanejo
O sertão foi visto por muitos anos como região problema, com uma
população de flagelados, que sofria com a seca. A região foi relatada como um
lugar inóspito, sem perspectiva de progresso.
A vegetação comum, porém é pobre, formada de pastos naturais ralos e secos e de arbustos enfezados que exprimem em seus troncos e ramos tortuosos, em seus enfolhamentos maciço e duro, a pobreza das terras e a irregularidade do regime de chuvas […] (RIBEIRO, 2006, p. 306).
O povo era visto como uma subrraça: “os traços atuais mais
expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil” (CUNHA, 1981, s/p). As pessoas
eram inferiorizadas por habitar a região problema do país. Este autor descreve o
sertanejo como “o jagunço destemeroso, o tabaréu ingênuo e o caipira simplório
serão em breve tipos relegados às tradições evanescentes ou extintas.” (p. 1).
42
Ribeiro (2006) descreveu o povo sertanejo como um povo que teve sua
vida marcada pela seca. Por conta do fenômeno teve sua cultura, ou subcultura,
como diz o autor, alterada.
Um tipo particular de população com uma subcultura própria, a sertaneja, marcada por sua especialização ao pastoreio […] Condições climáticas dos sertões cobertos de pastos pobres e com extensas áreas sujeitas a secas periódicas, conformaram não só a vida mas a própria figura do homem e do gado [...] (RIBEIRO, 2006, p. 307 e 311).
O fato é que para sobreviver, muitos sertanejos tiveram que imigrar,
fugir da seca. Retornando sempre que possível, com novas ideias, deixando um
pouco da cultura sertaneja por onde passavam e trazendo novas vivências sobre
cidadania.
O sertanejo vai adquirindo, gradativamente, consciência social. Para isso contribuem também os imigrantes sertanejos que regressam à terra, trazendo do sul a imagem de regiões progressistas, onde prevalece um trato mais humano e mais justo, costumes mais livres e mais abertos, sobretudo, um padrão de vida mais alto (RIBEIRO, 2006, p. 325).
A volta dos que imigraram ajudou na formação de cidadania do
sertanejo, pois podiam comparar a forma que viviam no sertão com a do local de
onde vinham. A imigração também contribuiu para a formação da imagem do
semiárido por onde o povo sertanejo passava. O imigrante espalhou o sertão pelo
Brasil, levou um pouco da cultura local e deixou marcado na historia o amor pela
terra. Pois sempre que possível, retornava. Esse povo forte, leia-se o nordestino,
apesar de ter a história marcada pelo fenômeno ambiental da seca e pela falta de
controle ou cuidado do governo em relação a seus problemas, não afetaram o
poder de superação.
Como todos esses pormenores, o sertanejo superou as expectativas.
Esperava-se um povo marcado pela adversidade, porém, o que surgiu foi um
povo festeiro, orgulhoso e feliz que Cunha (1981) definiu como uma raça livre de
uma civilização imposta. Segundo Malvezzi (2007), o que ficou para o sertanejo
foi o amor pelas suas tradições, que incluem suas festas e sua culinária. Sobre a
característica festeira do povo e das tradições vividas no Nordeste, o autor diz
que:
43
a capacidade de passar uma semana em carnaval, as festas de casamento que duram dois ou três dias, os forrós em qualquer circunstância tornam o povo nordestino quase incompreensível para os olhos “produtivos” [...] Qualquer fato é motivo: batizado, casamento, aniversário, padroeiro, dia santo. Há festa quando um familiar parte e quando ele retorna (MALVEZZI, 2007, p. 32).
Mas, é importante dizer que o sertanejo não imigrou apenas por causa
da seca, havia outros problemas sociais como falta de emprego e baixa qualidade
de vida. É notório que o sertão tem problemas e apesar das tantas dificuldades de
permanência, há quem fique. Isso condiz com a afirmação de Malvezzi (2007) que
o povo sertanejo é acima de tudo, apaixonado. Segundo o autor, apesar de toda a
adversidade do povo sertanejo, ocorrida no início da criação, as pessoas
continuam convivendo com a seca.
Ainda que precariamente, aprendeu a viver em seu ambiente. A criação de pequenos animais, a apicultura, a água colhida em reservatórios escavados no chão e outras soluções possibilitam que o povo nasça, cresça e se reproduza, embora migre intensamente, para ir e para voltar (MALVEZZI, 2007, p. 57).
Para finalizar, a mudança que aconteceu na imagem sertaneja, do
início do século para os dias atuais, diferenciando a forma em que foi criada e da
que realmente é, o autor complementa. “Por isso, sempre que pode, retorna. Se
tiver condição de permanência, fica. Essa permanência está ligada ao “prazer” de
estar ali e ser sertanejo.” (MALVEZZI, 2007, p. 3).
3.2.1 A imagem estereotipada do cearense
A imagem do cearense está entrelaçada tanto com a imagem do
sertanejo quanto com a do nordestino. Como foi dito antes, o Nordeste é filho das
secas (Albuquerque Jr., 2009); e é com essa herança que o povo do semiárido
cearense nasceu. “O Nordeste é, em grande medida, filho das secas; produto
imagético-discursivo de toda uma série de imagens e textos, produzidos a
respeito desse fenômeno.” (ALBUQUERQUE Jr., 2009, p. 81).
Mesmo tendo herdado a historia do Nordeste, o povo cearense, como
todos os povos, tem uma identidade própria. Como define Saraiva (2010, p. 56),
“na identidade, o indivíduo se mantém o mesmo, não obstante as modificações de
que é sujeito ou que o afetam”.
44
Para entendermos melhor a identidade do nordestino, precisamos
voltar na história. Segundo Albuquerque Jr. (2001), enquanto o Sudeste era
desenvolvido através de indústrias, o Nordeste estagnava com a falta de políticas
públicas. Segundo o autor, isso facilitou a criação do estereótipo do nordestino
pela mídia e escritores da época, que era visto como o sujeito fraco, homem do
campo, simples, que dependia do sulista, que era o forte, educado, rico,
marcando assim uma suposta superioridade em relação ao nordestino.
O discurso da estereotipia é um discurso assertivo, repetitivo, é uma fala arrogante, uma linguagem que leva à estabilidade acrítica, é fruto de uma voz segura e autossuficiente que se arroga o direito de dizer o que é o outro em poucas palavras (ALBUQUERQUE JR., 2001, p. 20).
Sendo uma região que já nasceu, ou foi criada, diferente das demais.
No sentido do clima, de economia e tamanho, o Nordeste foi estereotipado como
uma região seca, pobre e com população sem recursos.
Albuquerque Jr. (2007) diz ainda que o “estereotipo constitui e institui
uma forma de ver e dizer o outro que dá origem justamente a práticas que o
confirmam ou que o veiculam, tornando-o realidade, à medida que é incorporado,
subjetivado.” (p. 13). Ou seja, se o cearense é veiculado de uma forma
estereotipada, à medida do tempo, aquela visão vai se tornar verdade.
O cearense é conhecido pela alcunha de cabeça chata, Albuquerque
Jr. (2007) diz que isso é uma forma estereotipada de dizer que o nordestino está
reduzido ao seu corpo e à sua cabeça; generalizado por um formato de crânio,
que é encontrado em algumas pessoas e definido para todos de uma região. É
possível considerar que o estereótipo dá origem ao preconceito. O autor ressalta
que esta estigmatização, repassada a nós, seja pelo senso comum, seja no dia a
dia ou pela mídia, deve ser desconstruída.
3.3 O semiárido cearense e a imagem construída pela mídia
Como é construída a imagem do semiárido no Ceará? Como já foi dito
por Sá (2002), os meios de comunicação influenciam na vida das pessoas,
formando opiniões, através das notícias que veiculam. Sobre notícias, Erbolato
(2008) diz que é impossível definir satisfatoriamente. Pois “os teóricos dizem
como ela deve ser, mas não o que realmente é.” (p. 53).
45
Em uma das tentativas de definir notícia, Beltrão (1969, apud
NEGRÃO, 1982, p. 61), diz que “notícia é o relato de um fato, de uma ideia ou de
uma situação que esteja, no momento, atuando no seio da comunidade a que o
jornalismo serve”. Portanto, para uma notícia ser publicada, é necessário que os
meios de comunicação selecionem os assuntos. Para chamar atenção do leitor,
essa seleção é conhecida como critérios de noticiabilidade.
Erbolato (2008) apresenta como critérios de noticiabilidade, que podem
também serem chamados de características da noticia, os seguintes:
Proximidade, Marco Geográfico, Impacto, Proeminência, Aventura e Conflito, Consequências, Humor, Raridade, Progresso, Sexo e Idade, Interesse Pessoal, Interesse Humano, Importância, Rivalidade, Utilidade, Política Editorial do jornal, Oportunidade, Dinheiro, Expectativa ou Suspense, Originalidade, Culto de Heróis, Descobertas ou invenções, Repercussão e Confidências (p. 60).
Sobre a divulgação de notícias, Erbolato (2008) diz que “somente
depois de conhecidas ou divulgadas é que os assuntos aos quais se referem
podem ser comentados, interpretados e pesquisados.” (p. 49). Com isso, vemos a
necessidade da boa apuração nas notícias sobre o semiárido, já que será a partir
da divulgação que a sociedade e o poder público vão tomar conhecimento sobre o
que acontece com as 22 milhões de pessoas que habitam essa região.
A Carta de Declaração do Semiárido Brasileiro, publicada pela
Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA-Brasil, 1999)17, fala sobre a realidade da
seca ser mostrada apenas em sinal de alerta, enquanto as medidas emergências
ou a exigência de políticas públicas não são veiculadas como deveriam.
A bem da verdade, a não ser em momentos excepcionais como a Conferência da ONU, pouca gente se interessa pelas centenas de milhares de famílias, social e economicamente vulneráveis do Semiárido [...] Queremos falar dessa parte do Brasil de cerca de 900 mil km², imensa porém invisível, a não ser quando a seca castiga a região e as câmeras começam a mostrar as eternas imagens de chão rachado, água turva e crianças passando fome. São imagens verdadeiras, enquanto sinais de alerta para uma situação de emergência [...] (ASA-BRASIL, 1999, s/p).
Negrão (1982, p. 61) contesta a notícia como uma “ideia de que o
produto do jornalismo [notícia] é um retrato fiel da realidade”, apesar der ela ser
17
Asa Brasil. Disponível em: <http://www.asabrasil.org.br/Portal/Informacoes.asp?COD_MENU=105>. Acesso em: 26/03/2012.
46
assim apresentada à sociedade. Erbolato (2008, p. 57) diz que “só se considera
completa uma notícia quando ela proporciona ao leitor uma idéia exata e
minuciosa sobre um acontecimento.”.
Por isso, apontar somente problemas não é adequado. Para a
realidade do semiárido ser mostrada fielmente, o jornalista precisa vivenciar o que
acontece proporcionando ao leitor a informação como um todo. A informação
precisa ser dada não somente em época de seca, mas também, em outros
momentos. Não falamos que a mídia deva se silenciar diante dos males sofridos
pela população em época de seca, mas que sejam divulgados com a mesma
ênfase, projetos de desenvolvimento que, como já foram vistos nesta pesquisa,
existem e dão certo.
Pois, para que os projetos de sustentabilidade deem certo, é
importante a divulgação da imprensa, desempenhando seu papel como formadora
de opinião.
O processo para se alcançar a sustentabilidade envolve elementos complexos e passa pelos detentores do poder. Questões políticas e econômicas devem ser contrapostas a valores culturais e éticos, resgatando saberes perdido e reformulando conceitos para de fato transformar o mundo para melhor (CHACON e BURSZTYN, S/D, p. 8).
Com essas afirmações, consideramos que ao veicular o semiárido, é
importante mostrar além da seca, mas também os valores, a cultura e a forma de
conviver com a terra, aprendida pelos que ali habitam.
Nesta pesquisa, serão analisadas notícias veiculadas pelo jornal Diário
do Nordeste, que pertencente ao Grupo Edson Queiroz, uma das maiores
empresas do estado do Ceará (NETO, 2011). Vamos analisar se as noticias sobre
o semiárido trazem uma visão elitista, ou se “os fatos falam por si mesmos e o
jornalismo simplesmente intermedeia, sem interferência de qualquer tipo.”
(NEGRÂO, 1982, p. 61). Não é nossa intenção desconstruir a imagem do
semiárido que é veiculada nas notícias. A intenção é observar o que está por trás
dela, focando no semiárido cearense, retratado no caderno especial Retrato
Sertanejo/Esperança, veiculado em agosto de 2011 pelo jornal cearense Diário do
Nordeste.
47
4 A ANÁLISE
Neste capítulo, apresentamos a análise realizada, bem como, a
metodologia utilizada nesta pesquisa que traz o objetivo de sabermos como a
imagem da região semiárida está sendo construída pela mídia. Utilizamos, para
isso, os Estudos Críticos do Discurso (ECD) e o jornal escolhido foi o Diário do
Nordeste, por ser o de maior abrangência no estado do Ceará, estando presente
em todos os municípios e com mais leitores (NETO e JR, 2011).
Vamos analisar o caderno especial Retrato Sertanejo/Esperança,
lançado em agosto de 2011. O Caderno está dividido em três partes, Esperança,
com foco na água; Convivência, com foco na terra e Identidade, com foco na
cultura. A análise terá como recorte o caderno Esperança por ser o caderno que
possui mais matérias condizentes com a situação do semiárido cearense. A ideia
é, a partir dos ECD verificar o que está por trás das reportagens.
Vamos priorizar o lead, o titulo e o texto da matéria. Apesar de as
fotografias inseridas nas reportagens contribuírem para reforçar a mensagem que
o veículo deseja transmitir, não vamos nos ater em sua análise. Mas, ressaltamos
a importância e de citá-las, mesmo o nosso foco sendo o texto. Vamos analisar as
reportagens e verificar se o semiárido cearense ainda sofre com o estigma em
que a região foi criada.
4.1 Metodologia
O objetivo desta pesquisa é saber como a imagem do semiárido
cearense está sendo construída pela mídia. Vamos observar se o estigma que
surgiu na criação da região e se perpetuou por décadas ainda está presente na
imagem que se tem hoje sobre o semiárido.
Os conteúdos analisados são as reportagens especiais no caderno
especial Retrato Sertanejo/Esperança, divulgadas pelo Jornal Diário do Nordeste,
em agosto de 2011. A escolha desse caderno foi por ser o mais recente produzido
pelo jornal e por ser o caderno que mais fala sobre o semiárido cearense.
O caderno especial, Retrato Sertanejo, está dividido em três fases: a
Esperança, com foco no tema água; a Convivência, focando no tema terra, e
48
Identidade, focando no tema cultura. Esses fascículos relatam características da
região.
Ressalta-se que a análise será feita apenas do Caderno Esperança,
porque é o que mais mostra a forma de viver das pessoas no semiárido cearense.
Outro motivo para a escolha do caderno Esperança foi ele ter sido premiado. O
Retrato Sertanejo/Esperança e Convivência foram os ganhadores do Prêmio
Jornalista & Cia /HSBC de Imprensa e Sustentabilidade 2011. Fato que dá maior
credibilidade ao caderno.
Para alcançarmos o objetivo desejado na monografia, optamos por
fazer um Estudo Crítico do Discurso, que é definido por Dijk (2008), como uma
forma de ver o que está representado no texto, levando em consideração o
contexto e não somente os aspectos gramaticais e linguísticos, cabendo assim no
objetivo da monografia.
É um tipo de investigação analítica discursiva que estuda principalmente o modo como o abuso de poder, a dominação e a desigualdade são representados, reproduzidos e combatidos por textos orais e escritos no contexto social e político (DIJK, 2008, p.113).
Os motivos para o uso do estudo crítico do discurso é a possibilidade
de podermos nos concentrar nos problemas sociais e nas questões políticas e
porque a técnica “enfoca, mais especificamente, os modos como estruturas do
discurso produzem, confirmam, legitimam, reproduzem ou desafiam as relações
de poder e de dominação na sociedade.” (DIJK, 2008, p.115).
Levamos em consideração o contexto histórico em que o semiárido foi
criado, lembrando que a região da qual faz parte, a região Nordeste, despertou o
interesse da mídia primeiramente pela seca, seguindo da Indústria da Seca,
estratégia usada pelos políticos e detentores do poder para arrecadar fundos do
governo federal e usarem em proveito próprio.
Os grupos que possuem o poder o usam como controle, sendo o poder
social, definido por Dijk (2008) uma das formas de poder. Uma das tarefas do
Estudo Crítico do Discurso é ver como esse poder é exercido pela indústria da
informação. O autor diz ainda que o discurso é definido em termos de eventos
comunicativos complexos, onde o acesso e o controle podem ser definidos tanto
pelo contexto como pela estrutura dos textos escritos, que é o que faremos.
49
Ao optarmos por esta análise, pretendemos executar a pesquisa de
forma qualitativa que, pela definição de Deslandes (1994), é a forma que nas
ciências sociais se preocupa com um nível de realidade que não pode ser
quantificado.
Trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (DESLANDES, 1994, p. 22).
Para Duarte (2009), “a análise do discurso é, na verdade, a
desconstrução do texto em discursos, ou seja, em vozes. A técnica consiste em
desmontar para perceber como foi montado.”. Por isso, procuraremos observar o
que está por trás do discurso do jornal, analisando como esse discurso tem
definido a imagem do semiárido cearense. Para construir o embasamento teórico
que sustenta a análise, foi feita uma pesquisa bibliográfica, fundamental para a
realização de qualquer trabalho acadêmico.
4.2 Diário do Nordeste
O jornal Diário do Nordeste foi o escolhido para a análise. O jornal foi
fundado no dia 19 de dezembro de 1981, pelo empresário já falecido Edson
Queiroz (NETO, 2011). O veiculo “possui circulação em todos os municípios do
Ceará. Além disso, mantém sucursais nas cidades interioranas de Juazeiro do
Norte, Crato, Crateús, Iguatu, Sobral, Quixadá e Limoeiro do Norte.” (NETO e JR.,
2011, p. 10). Lembrando que todas essas cidades fazem parte do semiárido
cearense, conforme dados do Ipece (2010).
Segundo Marinoni (2008, apud NETO e JR, 2011), o jornal faz parte do
Sistema Verdes Mares de Comunicação e “é proveniente de investimentos de
outros setores que se diversificaram na direção da comunicação.” (p. 10). Neto
(2011) diz que, na época do surgimento do jornal, as empresas jornalísticas do
Ceará não criticavam seu mais importante anunciante, o Governo. Confirmando o
que Dijk (2008) diz sobre o controle do discurso de outros, afirmando que discurso
e poder estão relacionados.
Mas não é somente por isso que a “grande imprensa é e sempre foi porta-voz das elites” [...] criando imagens de seus membros distantes da realidade, procurando desviar as atenções sociais das questões centrais
50
dos problemas, conduzindo a visão dos leitores para “planos e ângulos convenientes aos dominantes” (CAPELATO, apud NETO, 2011, p. 11-10).
Para DiJk (2008), os detentores do poder( no caso da nossa pesquisa
esses detentores são os donos do jornal) não permitem que se escreva de forma
livre. Para ele, esse controle que conhecemos como censura, não aconteceu
somente no tempo de ditadura, mas sim, continua acontecendo. Pois o jornalista
não tem poder de determinar o que será noticiado pelo veículo, cabe a ele definir
falas e direcionamento, já o conteúdo que será publicado é determinado pelos
editores e donos do jornal. O autor complementa dizendo que as pessoas falam
ou escrevem como são mandadas a falar ou escrever.
Pessoas não são livres para falar ou escrever quando, onde, para quem, sobre o que ou como elas querem, mas são parcial ou totalmente controladas pelos outros poderosos, tais como estado, a polícia, a mídia ou uma empresa interessada na supressão da liberdade da escrita e da fala (DIJK, 2008, p.18).
Segundo Neto (2011), o Diário do Nordeste foi o primeiro jornal do
Ceará a ter controle centralizado no que era publicado. Com a autonomia de
alterar os releases, fato que não era possível na época de sua fundação devido à
ditadura imposta no país. Observamos esse pioneirismo também quando a pauta
e público estão na região semiárida, pois o jornal é o único que possui um
Caderno Regional. Esse pioneirismo que marca o jornal é observado porque,
segundo Dijk (2008, p. 12), “o discurso é analisado pela situação sócia, cultural,
histórica ou política”.
De acordo com informações do site Donos da Mídia18, o jornal Diário do
Nordeste tem uma periodicidade diária, com uma tiragem de aproximadamente 42
mil cópias e um percentual de 83 de leitores assinantes. O jornal é detentor de
78% do mercado de jornais da cidade de Fortaleza (MIDIAKIT)19.
18
Donos da mídia. Disponível em: <http://donosdamidia.com.br/veiculo/20388>. Acesso em: 12/12/2012.
19 Site institucional do Sistema Verdes Mares. Disponível em:
<http://midiakit.verdesmares.com.br/produto/v/2/p/67>. Acesso em: 12/12/2012.
51
4.3 Caderno especial Retrato Sertanejo, Esperança/ Convivência/ Identidade
O caderno especial Retrato Sertanejo, lançado pelo Jornal Diário do
Nordeste está dividido em três temas. O caderno Esperança, com foco na água,
aborda o combate à seca. O caderno Convivência mostra a relação de
convivência do sertanejo com a terra e o Identidade foca na cultura sertaneja.
O primeiro caderno, Esperança, foi lançado no dia 8 de agosto de
2011. O segundo caderno, Convivência, foi lançado, dia 9 e o terceiro, Identidade,
no dia 10 de agosto. Todos os cadernos possuem 12 páginas, divididas em
reportagens sobre o semiárido brasileiro. As reportagens dos três cadernos foram
realizadas pelos jornalistas Fernando Maia, Iracema Sales, Samira Castro e
Maristela Crispim. A edição foi feita pela jornalista e editora Maristela Crispim.
Embora sejam citadas outras reportagens do caderno, o foco desta
pesquisa é nas reportagens sobre o semiárido cearense. Nosso foco será no
conteúdo escrito, embora haja fotos que também compõem um discurso. Vamos
analisar as matérias, dando atenção especial aos títulos, leads e fontes usadas.
4.3.1 Retrato Sertanejo/Esperança
O Retrato Sertanejo/Esperança, lançado em 8 de agosto de 2011,
focaliza na água e como ela é usada. O caderno possui 12 páginas, entre elas,
nove reportagens realizadas no semiárido brasileiro. Das nove reportagens, três
foram realizadas no Ceará, embora sejam, aqui, citadas todas somente as do
Ceará serão analisadas.
Logo na página da capa, vimos a imagem de um senhor, com um
cajado na mão, chapéu de palha na cabeça, com um fundo cortado de um céu
azul, árvores pequenas e um rio de águas rasas, com pedras. A imagem do
senhor sertanejo em destaque faz lembrar a imagem de Padre Cícero20,
personalidade conhecida no sertão cearense. Sua imagem está associada à
questão da fé por quem espera a chuva. Na fotografia, o senhor está sobre um
degrau de cimento, logo veremos que se trata de uma barragem. A imagem de 20
Cícero Romão Batista foi um sacerdote católico brasileiro. Na devoção popular, é conhecido como Padre Cícero ou Padim Ciço. Ele teve grande prestígio e influência sobre a vida social, política e religiosa do Ceará bem como do Nordeste. Proprietário de terras, de gado e de diversos imóveis, Cícero fazia parte da sociedade e política conservadora do sertão do Cariri. Disponível em: <http://www.padrecicero.net/>. Acesso em: 08/12/2012.
52
uma barragem no sertão significa o controle das secas. E é vista como um
socorro ou a garantia de não mais faltar água. O fato de ele estar sobre um
degrau, transmite a ideia de vitória, que condiz com o tema, Esperança.
O caderno é rico em imagens que falam junto com os textos. Ao
abrirmos o caderno, na página 2, há um pequeno texto de apresentação dos
cadernos, com uma foto do caderno dois ao lado. Embaixo, existe um pequeno
mapa da região semiárida. Trata-se de um infográfico que relata o percurso
realizado pelos jornalistas nesta edição. Os locais percorridos pelos jornalistas
são os seis estados visitados para realizar as reportagens. No infográfico, há três
roteiros de viagem que contabilizam 13.501 km² percorridos.
Ao lado, na página 3, tem a primeira reportagem com o tema “Em
busca da água de beber”, realizada em Guaribas, sudoeste do Piauí. A
reportagem é diagramada com a imagem de uma mulher sertaneja com um balde
na mão. Ao lado, outra imagem, dessa vez são mulheres com baldes na cabeça
percorrendo a estrada de terra seca em busca de água, como diz no título, água
pra beber. Mulheres e até mesmo crianças carregando água virou uma cena
comum no semiárido. Embora seja comum, a cena não oculta o sofrimento
imposto ao corpo. “Submetidas a esse serviço desde crianças, às mulheres
carregarão na pele, nos músculos e nos ossos a dureza de um trabalho repetitivo
e pesado.” (MALVEZZI, 2007 p. 14).
A cena das mulheres carregando latas d’água na cabeça é clássica. [...] No mundo inteiro, abastecer os lares com água é tarefa das mulheres de todas as idades, inclusive crianças [...] No Semi-Árido, a relação não é diferente (MALVEZZI, 2007, p. 14).
Apesar de não analisarmos as imagens, e sim o texto, é importante
ressaltar que as imagens falam com leitor e nesse caso, reforçam o imaginário do
sertão seco e pobre. A reportagem feita no Piauí ressalta que ainda há pessoas
em busca da água para beber, um direto básico para o ser humano. Essa imagem
ressalta o que foi dito antes por Malvezzi (2007), sobre o Nordeste ter sido
inserido no cenário nacional como região pobre, seca e esquecida. E por
Albuquerque JR. (2007) que fala sobre a região ter chamado a atenção do
restante do país, a partir da cobertura feita pela mídia sobre a seca de 1877-1879.
53
Nas páginas 4 e 5, vemos mais imagens que lembram a seca. Na
página 4, um homem montado em um jumento com galões de água ao lado,
cercado de vegetação seca (a Caatinga), saindo em busca da água, faz contraste
com a imagem debaixo onde uma senhora, com uma jarra na mão, enche o copo
de uma jovem. O título dessa reportagem é “Mudou, mas não tanto”. Ela foi
realizada no Ceará e será analisada no próximo tópico.
Já na página 5, tem uma imagem que chama a atenção. Na
reportagem intitulada “Desperdício mora ao lado”, vemos uma imagem de fundo
com árvores secas, só os galhos, em um fundo laranja e ao lado direito, um pouco
à frente das árvores, um poço jorrando água a 60 metros de altura, segundo a
reportagem. Ainda de acordo com a reportagem, essa água é própria para o
consumo humano e é usada apenas para encher piscinas de hotéis. Esse
fenômeno fica na cidade de Cristino Castro, no Piauí, a apenas 5 horas da cidade
de Guaribas, local onde foi feita a primeira reportagem. Nesse lugar (Guaribas),
vimos mulheres caminhando com baldes na cabeça em busca da água para
beber. Isso significa que a falta de água não é somente um fenômeno natural,
mas uma questão social onde há má distribuição está atrelada ao desperdício.
Nas páginas 6 e 7, as reportagens foram feitas na Bahia. Na página 6,
com o titulo “História e Natureza juntas”, relata a história do bairro Luis dos
Santos, situado no distrito de Exato. Atualmente em ruínas, o bairro já foi palco
para a busca de diamantes por garimpeiros. Na página 7, com o titulo “Caixa-
d’água da Bahia”, vemos a imagem da Chapada Diamantina21 numa exuberância
de água e natureza juntas. A reportagem fala da importância do parque e dos
desafios para manter a área livre da degradação. Esses desafios entram no
conceito de desenvolvimento sustentável, o ato de desenvolver sem prejudicar a
natureza.
As páginas 8 e 9 relatam reportagens feitas no Ceará, que também
serão analisadas no próximo tópico. Nelas, os leitores podem ver imagens de
21
A Chapada Diamantina é uma região de serras, composta por rochas sedimentares que se depositaram entre 1,7 e 0,7 bilhões de anos atrás. Situada no centro da Bahia, onde nascem quase todos os rios das bacias do Paraguaçu, do Jacuípe e do Rio de Contas. Disponível em: <http://www.bahia.com.br/destinos/chapada-diamantina>. Acesso em: 12/12/2012.
54
abundância de água, junto com fotos de cisternas, poços profundos22, sertanejo
bem vestido e árvores frutíferas em crescimento. Na página 9, o texto está ao
lado de uma cachoeira e fala sobre a falta de água na região do Araripe, Ceará,
reportagem que será analisada no próximo tópico.
Já as páginas 10 e 11 são as únicas que se estendem em uma única
reportagem, realizada na cidade de Poço Redondo, no Rio Grande do Norte.
Nelas, é que está a foto do senhor da capa, especificamente na página 10, onde o
senhor aparece abaixo do titulo “O senhor da barragem”. Ao lado, tem uma
imagem de duas mulheres tomando banho numa barragem e, acima, uma foto de
paisagem da mesma barragem, com garças.
Na página 11, com o título, “Espetáculo da natureza”, a reportagem se
estende. Há pouco texto e o que chama a atenção são os peixes em abundância.
A imagem ocupa quase toda a página e um leitor menos atento não assimilaria
essa imagem ao semiárido devido à imagem de terra seca perpetuada como a
imagem da região por tanto tempo. A reportagem trata da construção de
barragens que favoreceu as comunidades próximas de Poço Redondo.
A última reportagem do caderno Esperança, na página 12, foi realizada
na comunidade de Uruçu, distrito de São João do Cariri, na Paraíba. Ela tem por
título “Dessalinizador muda a vida em Uruçu” e fala da determinação do professor
e pesquisador da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Kepler
Borges França, em construir, junto com a Petrobrás, um dessalinizador para a
comunidade23. Nela, há uma foto do professor ao lado do aparelho e abaixo, a
foto de um homem, mostrando as folhas de alface cultivadas graças ao
equipamento. Nas nove reportagens que o caderno traz, vemos medidas que, ao
serem postas em práticas, transformam a vida das pessoas no semiárido. No
22
As tecnologias sociais, cisternas e poços profundos, são usadas para garantir água na região semiárida durante os períodos que não chove. A cisterna é um reservatório de águas pluviais e os poços profundos são cavados para tirar a água do solo. Ambos são usados para facilitar a convivência no semiárido. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/segurancaalimentar/acessoaagua> e <http://pt.wikipedia.org/wiki/Po%C3%A7o_artesiano>. Acesso em: 12/12/2012.
23 Dessalinizador é o aparelho usado para dessalinização, que é um processo físico-químico de
retirada de sais da água, tornando-a doce e própria para o consumo. Esse processo é importante para o semiárido devido à grande concentração de sais encontrada no solo da região, que faz a água subterrânea ficar salobra. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/quimica/dessalinizacao-agua.htm>. Acesso em: 10/12/2012.
55
próximo tópico, vamos analisar as reportagens feitas no Ceará, precisamente as
reportagens das páginas 4, 8 e 9.
As reportagens realizadas no semiárido cearense são três. Todas
foram veiculadas no dia 8 de agosto de 2011, no caderno Esperança e possuem
uma página cada.
4.3.2 Reportagem 1: Mudou, mas não tanto
A reportagem realizada na cidade do Crato, no Ceará, mostra a história
de dona Raimunda Pereira e fala das secas enfrentadas pelos nordestinos no
início da história da região. Logo no primeiro parágrafo, a reportagem fala sobre a
fartura de água no sítio de dona Raimunda e que isso é uma conquista, pois a
água estava retida nas terras vizinhas.
Na reportagem, é citada a seguinte frase: “Além da estiagem, a
população do semiárido também briga pela pose da água.”. Frase que confirma a
voz de Duarte (2009), ao dizer que não é “a falta de chuvas a responsável pela
oferta insuficiente de água [no Nordeste], mas a má distribuição”. Essa ideia vai
de encontro ao estigma de que a falta de água é uma condição natural do
semiárido. A história da dona Raimunda alerta ainda para um problema: no Crato,
a maioria das nascentes está em áreas privadas. Confirmando a palavra de
Duarte ao dizer que o problema não é a falta da água e sim a má distribuição.
No próximo parágrafo, fala-se da construção de cisternas, medida que
possibilitou o acúmulo de água e, segundo a reportagem, mudou a vida da
agricultora e da família. Essa cisterna construída no sítio da dona Raimunda é
uma das tecnologias sociais inseridas no conceito de desenvolvimento
sustentável que contribuem para a convivência com o semiárido.
Antes de falar da construção da cisterna é falado em uma disputa com
a seca. Nesse caso, a seca é vista como um problema a ser vencido e não como
um problema ecológico. Fato esse que não condiz com o conceito de
desenvolvimento sustentável, fortificado através da construção da cisterna, que é
uma política pública usada na convivência com o semiárido.
No momento que o conceito de desenvolvimento sustentável se fortifica e se insere cada vez mais no discurso político no Brasil, no que se refere ao Nordeste, a seca passa a ser tratada paulatinamente como um problema ecológico, mudando o enfoque secular das políticas públicas
56
que viam a seca como uma calamidade natural sem solução (CHACON e BURSZTYN, S/D, p. 2).
Ainda na história de dona Raimunda, é citada a construção da cisterna
e do poço artesiano24, que mudaram a vida da agricultora. A cisterna, que passou
cinco anos pra ser construída, seria usada para a plantação. Mas a agricultora já
não planta, pois o marido virou construtor de cisternas “porque dá mais dinheiro”,
como disse dona Raimunda.
Logo após, a filha de dona Raimunda, Jéssica Pereira, é citada. A
garota de 20 anos está terminando o 2º grau e tem desejo de cursar sociologia.
Ela tem uma fala na reportagem que enaltece o apreço à sua terra. “Sair do
Sertão, nem pensar! Gosto daqui”. A frase da garota condiz com o que foi dito por
Malvezzi (2007) sobre apreço do sertanejo à sua terra. “Se tiver condição de
permanência, fica. Essa permanência está ligada ao ‘prazer’ de estar ali e ser
sertanejo” (p. 33). O fato de Jessica querer continuar com os estudos e ter o 2º
grau completo não é comum no imaginário sobre o sertão.
A reportagem se desenvolve com a história do Nordeste. É feita alusão
à seca de 1877-1879, como a grande seca que ganhou repercussão nacional.
Essa referência está no texto e também em uma forma de destaque fora do texto.
Com o titulo “Mudou, mas não tanto” e com essa referência à seca, a reportagem
leva até o leitor a imagem de um semiárido que embora mude, continua seco e
com problemas.
Após a história de dona Raimunda e Jéssica, a reportagem continua
com os intertítulos25: Luta Constante, depois Indústria da Seca e finaliza com o
intertítulo Convivência. Até o momento, as fontes26 eram a agricultora dona
24
Poço artesiano é semelhante ao um poço convencional, nele, as águas fluem naturalmente do solo, num aquífero confinado, (sem a necessidade de bombeamento). Geralmente a sua profundidade é maior que a de um poço convencional e, em geral, suas águas têm uma pureza microbiológica maior e com mais sais minerais. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Po%C3%A7o_artesiano>. Acesso em: 12/12/2012.
25 Título curto usado para destacar determinado tema dentro da matéria sem retirá-lo do corpo
principal do texto. Também é usado para dar movimento e leveza à diagramação. Disponível em: <http://dicionariodejornalismo.blogspot.com.br/2011_05_01_archive.html>. Acesso em: 12/12/2012.
26 Fontes são pessoas ou documentos capazes de revelar detalhes de um fato noticioso. São
indispensáveis na composição de uma matéria, pois oferecem uma visão mais ampla do fato, além de confirmarem dados. Disponível em: <http://dicionariodejornalismo.blogspot.com.br/2011_05_01_archive.html>. Acesso em: 12/12/2012.
57
Raimunda e sua filha, mas, nos intertítulos, que não fazem mais alusão às
personagens, são usadas outras fontes: historiadores; para respaldar a história do
Nordeste.
No primeiro parágrafo do intertítulo Luta Constante, é dito que no
sertão faltava água até para beber, fazendo mais uma vez alusão à falta de água.
É usada a frase da historiadora Mary Del Priore, falando sobre as secas sofridas
no Nordeste e como a região chamou atenção das autoridades, por causa desse
fenômeno climático. No mesmo parágrafo, o pesquisador, Gilmar de Carvalho, é
citado, falando da comitiva mandada ao Ceará para entender o fenômeno. Ao
relatarem como a seca chamou atenção do país, entra em cena o autor Durval de
Albuquerque Jr., com trechos do livro “A Invenção do Nordeste”.
O próximo intertítulo fala sobre a Indústria da Seca, explicando como a
bancada nortista – ou seja, as oligarquias que representavam o Norte no império
– conseguiu verbas para o enfretamento da seca. Depois, ao falar novamente na
grande seca, é citado o historiador Luiz Bernardo Pericás, na obra O Cangaceiro.
Em seguida, entra a explicação de Rodolfo Teófilo sobre a emigração dos
nordestinos, em especial dos cearenses, em consequência, mais uma vez, da
seca.
A reportagem termina com o intertítulo muito pequeno chamado
Convivência. Nele é usado como fonte Gilmar de Carvalho que fala sobre o termo
convivência, ao invés de combate à seca, como forma de tratar o fenômeno.
É possível notar o desejo da reportagem em retratar dois “Nordestes”,
um antigo, representado pela imagem do sertanejo montado em um jumento, com
galões de água ao lado, saindo em busca de água. E um novo, com uma imagem
da senhora colocando água no copo para uma jovem, logo na parte inferior da
página, porém, de grande proporção em relação ao texto.
O texto inicia com a conquista da água pela agricultora e termina com o
conceito de convivência com a seca. Isso com o titulo no meio “Mudou, mas não
tanto”. Esse “Mas”, no título, dá uma ideia de contrariedade. Com a imagem de
seca logo acima, subentende-se que o semiárido, mesmo com a conquista da
dona Raimunda, continua seco e as pessoas continuam precisando de água, o
que não deixa de ser verdade, pois a seca existe, porém, mais importante que o
fenômeno, é a ideia de convivência com ele.
58
Como foi dito por Sá (2002, p. 13), “a imprensa tornou-se o principal
instrumento de difusão de ideias e de transmissão de mensagens ou de
comunicação pública entre as pessoas.”. Transmitir essa ideia de continuidade da
seca não é bom para o semiárido nem para as pessoas que nele habitam. Mesmo
ela existindo, é preciso tratá-la como uma questão da natureza e dar foco nas
tecnologias sociais, salientando que é possível conviver com o semiárido.
Esta é a primeira reportagem sobre o semiárido cearense no caderno
Esperança. Logo no início, o conceito de convivência, mostrado pela reportagem,
ficou apagado pelos rastros da história onde foram citadas mais as secas e os
problemas enfrentados pelos nordestinos do que as tecnologias sociais e os
sinais de convivência. É possível identificar um desejo por parte da reportagem de
mostrar a convivência, mas, para o leitor, o que parece ficar é a imagem de seca,
pois grande parte da reportagem se refere às histórias de secas enfrentadas no
Nordeste.
Outro detalhe a ser percebido são as fontes usadas para descrever as
secas, embora necessárias, enfatizam o fenômeno. As referências dadas às
fontes – historiador, pesquisador e jornalista – usadas para descreverem as
fontes que falavam sobre secas, dá uma importância maior ao fato por serem
especialistas. Mesmo falando da seca como algo natural, não foi ouvido nenhum
biólogo ou geógrafo, mas sim, pesquisadores ligados às áreas das ciências
humanas. Além disso, nenhum especialista foi ouvido no processo de construção
da cisterna e do poço artesiano de dona Raimunda.
Sobre o fato de dona Raimunda não usar a água da cisterna para
plantar, pois construir cisterna dá mais dinheiro, isso passa para o leitor a ideia de
que agricultura não é viável e mesmo tendo água para plantar, ser agricultor não
vale a pena. Esse trecho chama a atenção por estar tanto no corpo da
reportagem e também inserido no meio da reportagem, em um espaço extra que
explica a vida da personagem da história. Então, enfatizar isso não é saudável
para a imagem das pessoas que vivem da agricultura.
4.3.3 Reportagem 2: A vida tornada possível
Na reportagem 2, com o título “A vida tornada possível”, é possível ver
uma visão positiva sobre o semiárido. A reportagem está na página 8 e também
59
foi realizada na cidade do Crato, no Ceará. Ela possui fotografias de plantas em
crescimento, um jovem manipulando uma bomba de água e um senhor ao lado de
uma cisterna. As fotos das tecnologias sociais passam para o leitor a ideia de que
é possível a convivência com o semiárido. Salientando que as imagens, embora
não sejam analisadas, elas falam para o leitor, e nesse caso, junto com o título, “A
vida tornada possível”, a imagem do senhor bem vestido faz alusão a um novo
semiárido.
No início da reportagem, é enfatizado o conceito de convivência,
através das tecnologias sociais. A fonte usada, o senhor Jeová de Oliveira
Carvalho, é representante da Associação Cristã de Base (ACB), na cidade do
Crato. Ele diz ser testemunha de “um novo Nordeste”, construído a partir das
tecnologias sociais. Isso condiz com a realidade vivenciada por ele, que teve sua
qualidade de vida melhorada, através da construção da cisterna de placa, que
segundo ele, melhorou em 80% a qualidade da água que ele e as outras pessoas
da sua comunidade bebem.
A construção de cisternas como forma de melhorar a vida da
população do semiárido é mencionada no primeiro capítulo desta pesquisa.
Através do Programa Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC), realizado pelo
Fórum Cearense pela Vida no Semiárido, no Ceará, e pela Articulação no
Semiárido (ASA) em todo o semiárido. Essa ação concorda com o que foi relatado
no primeiro capítulo sobre o fato de ser necessário pensar formar de armazenar
água, devido à grande evapotranspiração.
Outra fala do senhor Jeová é que “a imagem do Nordeste de chão
rachado ficou prá trás, pelo menos aqui no Araripe. Só falta divulgar. Todo
processo de mudança é muito lento.”. Essa fala do senhor Jeová entra em
contraste com a referência de Malvezzi (2007) sobre a imagem nordestina
conhecida há tempos atrás. “As imagens de migrantes, de crianças raquíticas, do
solo estorricado, dos açudes secos, dos retirantes nas estradas” (p. 11). Essa
imagem relatada pelo autor não condiz com a realidade atual vivenciada pelo
senhor Jeová, no Ceará.
Ele acrescenta ainda que o processo de construção desse discurso é
“muito lento”. Isso lembra o que foi dito no capítulo 2, quando foi falado sobre a
necessidade da realidade do semiárido ser mostrado fielmente e que a
60
informação precisa ser dada não somente em época de seca. Complementando
isso, também no capitulo 2, Erbolato (2008), diz que “só se considera completa
uma notícia quando ela proporciona ao leitor uma ideia exata e minuciosa sobre
um acontecimento” (p. 57). No caso das reportagens analisadas, são fatos
noticiados que se diferenciam de notícias por terem maior apuração e não serem
factuais.
O personagem finaliza falando da qualidade de vida e independência
adquiridas pelas tecnologias sustentáveis. Quando ele diz que todos andam bem
vestidos e têm água para beber e comida na mesa; e que não precisam mais
vender o voto, lembra-nos do início do Nordeste, quando as verbas para o
combate à seca eram usadas para benefício de coronéis que obrigavam o povo a
vender seu voto, na Indústria da Seca.
A reportagem não finaliza com o testemunho de seu Jeová, ela
continua com o intertítulo Bombas. Esta parte da reportagem é realizada em
Pernambuco e fala da construção de bombas d’água no processo de convivência
com o semiárido. O último tópico falando sobre a “convivência com a diversidade.
O que parece ser a sina da população que habita o semiárido brasileiro e realiza
uma verdadeira queda de braço com um dos principais infortúnios da região: a
seca.” Seguindo de uma breve explicação sobre a seca. O início desse tópico
foge do foco da reportagem que mostra o semiárido de forma positiva. Pois a
palavra “sina” dá a entender ser um destino que não se muda; um sacrifício para
o povo do semiárido habitar a região.
Ao ler esse início, o leitor pode associar a vivência no semiárido como
algo dificultoso devido à seca, fato que contradiz o que foi dito por Malvezzi no
primeiro capítulo, que o fenômeno seca não é responsável pelos “infortúnios” da
região, “pois temos o semiárido mais chuvoso do planeta” (MALVEZZI, 2007, p.
10).
A fonte usada nesse tópico é a Cristina Nascimento, coordenadora
nacional da ASA-Brasil. Ela diz que o desafio é fazer com que as tecnologias
sociais dialoguem com os governos. Na reportagem, é destacado pela fonte,
Cristina Nascimento, ser fundamental a desconstrução do discurso de que o
semiárido constitui “o espaço da negação da vida” por ser lugar da miséria, da
pobreza no qual nada se pode produzir.
61
Essa afirmação da fonte corrobora o que foi explanado no capítulo 2,
no tópico sobre representação social e formação do imaginário. Nesse tópico,
falamos sobre a necessidade de desconstrução da imagem negativa atrelada ao
semiárido, como bem discute Pavarino (2004). Assim, a opinião, sendo negativa
ou não, sobre o semiárido é de responsabilidade de todos, mesmo sendo a mídia
a principal responsável pela propagação dos fatos para todos. Como afirma
Durand (1999), as imagens são fornecidas pela imprensa e têm modificado o
pensamento da sociedade.
A reportagem em questão finaliza falando sobre a construção de um
discurso de possibilidade, de unir o saber científico com as experiências vividas.
Nesse caso, a imagem do semiárido veiculado pelo caderno, relata de forma
positiva o semiárido, mostrando como é possível a convivência na região, através
das tecnologias sociais.
4.3.4 Reportagem 3: Abundância é grande ilusão do Araripe
A reportagem da página 9 é a última aqui analisada. Intitulada
“Abundância é grande ilusão do Araripe”, a reportagem tem um texto dentro de
um Box, dividido em três colunas, com um fundo de uma cachoeira. Ao vermos a
imagem de abundância de água, imaginamos fartura, excesso. É interessante
lembrar que a imagem do semiárido é geralmente associada a algo seco, como
nas reportagens anteriores, já nessa reportagem, vemos algo diferenciado, o
semiárido está associado a uma cachoeira. Mas, essa impressão positiva logo se
acaba ao lermos o título, onde a palavra “ilusão” dá a entender que não existe
essa abundância relatada na imagem.
A matéria foi produzida na Chapada do Araripe, no Crato,
especificamente, na bacia do Rio Salgado, no Ceará. Ela fala sobre o interesse da
indústria privada na região e questiona as dificuldades de progresso dessas
indústrias devido a não ter água suficiente para a população. Fala também sobre
o problema da falta de saneamento na região. Mas, ressalta a suposta quantidade
de água na região, que faz parte da bacia do Rio Salgado, e é vista como um
oásis no meio do sertão. A fonte ouvida foi a analista Claire Anne Viana de Souza,
da Companhia de Gestão de Recursos Hídricos do Estado (Cogerh).
62
A própria reportagem desconstrói esse imaginário de oásis e faz um
alerta para a sociedade sobre a falta de água no local. A fonte relata que, através
de um estudo feito em 1999, foi detectado que cada pessoa da região vive com
cinco litros de água por dia. A fonte faz ainda uma comparação com países
africanos mais carentes, onde cada pessoa vive com 50 litros de água. Segundo a
reportagem, a fonte usou dados da Organização das Nações Unidas (ONU) para
chegar a essa conclusão.
Para que se possa ter uma imagem do semiárido mais próxima à
realidade e que esta seja veiculada, Sá (2002, s/p) diz que “a imprensa precisa
estar livre e as pessoas possuírem conhecimento real sobre o que leem”. Saber
até aonde a sociedade tem visão critica sobre o que lê não é nosso objetivo nesta
pesquisa, porém, segundo a fala de alguns autores que dialogam na pesquisa, a
imprensa tem o poder de formular a opinião das pessoas.
Não afirmamos, porém, ser total responsabilidade da imprensa, nem do
Diário do Nordeste, a imagem do semiárido ser positiva ou negativa. Mas nesse
caso, ouvir apenas uma analista, que faz afirmações tão fortes sobre a região,
como “o semiárido cearense não dispõe de água para mega projetos de
irrigação”, é perigoso. Mesmo que seja verdade, basear informações, através de
uma única fonte que se baseia em estudos feitos há 13 anos, é imprudente.
O leitor ou mesmo um empresário ao ler isso, logo desconsideraria a
região para projetos de irrigação, com isso, o local perderia investimentos, que
geram emprego e renda. Por outro lado, se a informação for verdadeira e o
semiárido cearense não dispor mesmo dessa quantidade de água para irrigação,
e a região ter atraído empresários que usam a água que falta para a população,
isso tem que ter destaque. Seria preciso, portanto, apurar mais, ouvir mais
especialistas e a opinião dos moradores da região. O que não foi feito.
A matéria tem um intertítulo chamado Falta de Saneamento. Nele, a
reportagem ouviu novamente a analista, que é a única fonte de toda a matéria.
Ela fala que a falta de água na região é igual à falta de saneamento básico.
Segundo a analista, existem, no Crato, saídas de esgoto sem tratamento. A
reportagem fala ainda sobre a falta de tratamento dos resíduos pelas indústrias de
folheados. Se o intuito da reportagem for fazer uma denúncia, mais uma vez,
sente-se a necessidade de ouvir outras fontes. Para que o leitor forme sua
63
opinião, é preciso que ele saiba quais medidas a Cogerh e demais autoridades
têm tomado em relação a isso.
A fonte, Claire Anne, afirma ainda que a cobertura de esgotamento
sanitário no Crato é zero. Não duvidamos que ela, analista da Cogerh, seja
indicada para afirmar isso. Mas para uma denúncia ser divulgada, salientamos
mais uma vez a necessidade de ouvir outras partes, de uma apuração mais
aprofundada.
Em toda a reportagem a analista é ouvida sobre os problemas
enfrentados no local. Sabemos que a denúncia é necessária para que autoridades
tomem providências, mas divulgar essa falta de estrutura no caderno que
pretende mostrar o retrato sertanejo/esperança é no mínimo, contraditório. Isso
passa para o leitor menos atento a imagem de que a região semiárida no Crato
não tem porte para abrigar grandes projetos e que a população vive no meio do
esgoto. Mesmo sendo isso verdade, a pauta parece destoar da proposta sugerida
no título do caderno. Além disso, o Diário do Nordeste pertence ao Sistema
Verdes Mares de Comunicação, que possui sinal de TV aberta na região, mídia
onde esta denúncia teria maior e mais rápida repercussão; e chegariam mais
rápido às autoridades competentes, como o governo do estado e a prefeitura
local, que não são citadas no impresso.
4.4 Considerações da Análise
Com as três reportagens analisadas, é possível identificar dois tipos de
semiáridos existentes. Através do direcionamento dado às notícias, observamos
que há uma construção de um semiárido antigo e um novo. O antigo com um
imaginário que nos leva ao passado onde a seca e as dificuldades predominavam
na região. A imagem do novo semiárido é transmitida, através das políticas
sociais que mostram a convivência possível e condições de vida adequada,
independente do clima.
Nas matérias “Mudou, mas não tanto”, observamos um direcionamento
dado ao novo semiárido, com uma imagem positiva por meio da mudança de vida
da personagem, através da construção da cisterna. Porém, na mesma
reportagem, as imagens, o título e o direcionamento da matéria (que conta a
64
história do início do Nordeste) levam-nos ao passado de um semiárido seco onde
pessoas não tinham possibilidade de viverem no habitat em que nasciam.
Apesar de no final dar ênfase à convivência com o fenômeno, o que
predominou foi o imaginário negativo, diferente da reportagem 2: “A vida tornada
possível” cujos titulo e imagens ajudam a reforçar a ideia de convivência no
semiárido. Nela, é mostrada a melhoria de vida do personagem, através das
tecnologias sociais, chamando a atenção para a mudança de discurso que deve
ser tomado em relação ao semiárido, atentando para desconstruir a imagem de
impossibilidade que predomina na região.
A reportagem 3 é diferente das outras duas. Ela faz uma denúncia e
mostra um semiárido dentro do meio urbano que precisa de ajuda. Sobre a visão
e direcionamento dado pela repórter, lembramos o que foi dito antes, sobre a
imprensa direcionar as reportagens e formar o imaginário das pessoas sobre
determinado assunto. Ao informar sobre o semiárido, o jornal Diário do Nordeste
leva sua visão para a sociedade. Nas matérias, podemos ver a opinião do jornal
junto com a da repórter.
Mas, observamos que o jornal ao ter veiculado o conteúdo todo de uma
vez, dando espaço à região semiárida, a ponto de fazer um caderno especial,
favorece a opinião do jornal sobre a região e ajuda na construção positiva do
semiárido cearense. Pois, o leitor tem condições de ler os dois lados do sertão:
aquele antigo, massacrado pela seca e desigualdades sociais e aquele presente,
com ações de desenvolvimento sustentáveis.
O fato de as reportagens terem sido veiculadas de uma única vez
favorece ao leitor a construção do imaginário sobre a região, apesar de não ser
possível saber se ele leu todo o caderno, a questão é que ele tem à disposição
todas as matérias de uma vez. O veiculo ofereceu a possibilidade de folhear, ler
os títulos e ver em cada página uma terra seca, uma em desenvolvimento e até
mesmo uma cachoeira. Se as reportagens tivessem saído uma por dia, a
possibilidade de o leitor ver todas seria bem menor.
Nas reportagens vemos também a voz da repórter, mesmo tendo sido
uma decisão do jornal em veicular, como foi dito antes, coube aos jornalistas
escolherem as falas dos personagens e dá o direcionamento do texto.
Observamos que, em geral, os repórteres deram ênfase aos personagens e
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mostraram uma preocupação em transmitir uma imagem positiva do novo
semiárido. Essa atitude desfaz o conceito dito antes por Capelato (1994) sobre a
mídia para quem é da vontade dos detentores do poder desviar a atenção dos
problemas sociais em proveito próprio.
Por fim, o que vimos, no Retrato Sertanejo/Esperança, foi o maior
jornal local, fundado por um empresário e que faz parte de um dos maiores
grupos empresariais do país voltar a sua atenção e parte da sua equipe tentar
desfazer a imagem negativa do semiárido. Embora, também se saiba que o
discurso em prol do desenvolvimento sustentável vem sendo assimilado pelos
detentores do poder, inclusive, para que não sejam abaladas as estruturas do
status quo.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve por objetivo analisar as matérias do Jornal Diário do
Nordeste sobre a região semiárida cearense, veiculadas no caderno especial
Retrato Sertanejo, de agosto de 2011. Sabemos que essa é a função da mídia: dá
a conhecer a sociedade seus problemas e as soluções desses. Mas, chamou
atenção o fato de o Diário do Nordeste – que faz parte de um grande grupo
empresarial, com grande poder econômico – ter dado tanto espaço ao semiárido,
através do consentimento e da publicação do caderno. Não se pode, contudo,
garantir, aqui, se há interesses políticos ou econômicos por parte do veículo.
Salientamos que é preciso que a mídia divulgue menos medidas de
combate à seca e mais ações que permitam a convivência com o semiárido para
que, nos períodos de estiagem, não se passem dificuldades nem se tenha que
deixar o sertão. E também para não fortalecer o estigma de região inóspita e
decadente. Afinal, as ações de desenvolvimento sustentável colocadas em prática
tornam possível a convivência das pessoas com o semiárido. Dando base para
afirmamos que o problema do semiárido não é a falta de água, já que se trata do
semiárido mais chuvoso do planeta (DUARTE, 2009). Mas sim, a má distribuição
de água (e de renda) e a não aplicação de tecnologias sociais que promovam a
boa convivência.
Com a análise, percebemos que as reportagens trouxeram dois
direcionamentos. Foram mostradas tecnologias sociais, mas também outros
problemas além da seca, como a falta de saneamento. Mas, o estigma da criação
do Nordeste, como lugar seco, ainda ganhou espaço, especialmente, nas falas de
algumas fontes. Pois mesmo trazendo outras abordagens, as pautas giraram em
torno da seca (consequências, combate ou convivência). Porém, foi possível
observar um novo semiárido que tenta sobrepor ao antigo. Um semiárido onde as
pessoas convivem com respeito à natureza e coloca em prática os conceitos de
desenvolvimento sustentável, como os citados por Silva (2007).
Vimos o sertanejo ter sua esperança renovada, quando o próprio
homem do campo tem noção da necessidade de divulgar as tecnologias sociais,
fato que melhora a qualidade de vida e desconstrói o estigma de que a região é
inadequada para viver e se aposta na boa convivência com o sertão.
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Ressaltamos, pois, a responsabilidade desse imaginário ser construído por todos
que vivem na região. Tanto na desconstrução do imaginário negativo em que se
apresenta o semiárido somente em época de secas, como na propagação das
possibilidades de viver bem na região. Não que as secas não devam ser
divulgadas, mas que o fenômeno não seja colocado como a única causa dos
problemas da região.
Vimos, então, que o imaginário sobre o semiárido construído pela mídia
no início da criação do Nordeste, embora de forma mais atenuada, ainda se
perpetua nas entrelinhas das reportagens, através das fotos e de alguns
direcionamentos dados às reportagens. Pois, mesmo o semiárido sendo mostrado
com outras perspectivas, há sempre uma referência à problemática da seca,
associada principalmente a um fenômeno climático.
Importante dizer ainda que o que a imprensa divulga sobre o semiárido
e se torna conhecido no país não diz respeito apenas às pessoas que vivem
naquela região específica, pelo contrário, afeta a todos. Afinal, com disse Fowler
(1991), a notícia é mais que um reflexo da realidade, é também um produto
moldado por forças políticas econômicas e culturais. A forma como esse
imaginário é construído afeta todos e influencia na maneira como, nós sertanejos,
somos vistos, trazendo consequências até mesmo no que diz respeito ao
desenvolvimento da economia na região. Mas, afeta também todo o país, afinal, o
semiárido está contido no Brasil.
As pessoas que habitam a região não podem ser vistas apenas por
habitar uma região inóspita e um estado não pode ser somente representado
assim. Sabemos que há mais coisas para serem divulgadas, como cultura,
tecnologias sociais e formas de desenvolver a região, através do desenvolvimento
sustentável. Malvezzi (2007) já dizia que o semiárido é mais que o clima,
vegetação, sol ou solo. É também povo, é música, festa, arte história, enfim, um
processo social.
Por isso, durante a pesquisa, foram enaltecidas as características
positivas do sertanejo, ressaltando as qualidades do povo que mesmo com
adversidades, continua em suas terras; e muitos dos que imigram voltam quando
têm oportunidade. Isso porque era necessário mostrar que há nesta vasta região
muito mais do que problemas, que há uma natureza de grande biodiversidade,
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como a do bioma Caatinga, e uma rica cultura formulada pela história construída
especialmente pelo povo sertanejo.
Sobre a construção do imaginário do semiárido pelo jornal,
entendemos que embora seja possível visualizar um novo retrato, o antigo
semiárido ainda está presente nas reportagens. Ao analisarmos o Retrato
Sertanejo/Esperança, percebemos a existência de um novo semiárido. Houve
uma mudança visível nas últimas décadas, do tempo de nossos avós até hoje. A
ideia de convivência com o semiárido substituindo a extinção das secas está mais
aprofundada na sociedade. Se foi o mundo que mudou ou as pessoas que
mudaram não é possível responder. Mas afirmamos que mudanças são boas e
trazem melhorias que são muito bem vindas.
Por fim, não é possível tirar conclusões definitivas e fechar o vasto
campo de discussão que gira em torno do imaginário do semiárido brasileiro,
especialmente do semiárido cearense. Nossa ideia é somente acrescentar mais
elementos para futuras reflexões. Entendendo que são necessárias novas
análises ligadas à área da comunicação e do jornalismo, tanto no sentido da
produção como de estudos de recepção.
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