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CENTRO DE CONVIVÊNCIA INFANTIL CASINHA DO SOL:
PENSANDO EM SEUS AVANÇOS E DESAFIOS
Eixo 1 do COPEDI
Marilete Calegari Cardoso (UESB)
Ivana Conceição de Deus Nogueira (UESB)
Lilian Fonseca Lima (UESB)
RESUMO
Este texto apresenta parte de uma pesquisa, em andamento, a qual trata das construções
históricas do papel de creche em locais de trabalho, em especial, do Centro Convivência Infantil
Casinha do Sol da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia do Campus de Jequié- BA.
Trata-se de um trabalho que busca analisar o conceito de creche e sua função a partir das
memórias das professoras. Na metodologia seguiu-se os princípios da pesquisa qualitativa
centrada numa perspectiva do tipo etnográfico, tendo como método histórias de vida. Os dados
foram coletados por meio de relatos escritos e entrevistas semi-estruturadas. Os subsídios
teóricos foram baseados nos autores: Kuhlmann Jr. (1998), Oliveira (2002), Haddad (2002),
Sanches (2003), Raupp( 2004), Gomes (2008) e outros. Com base nos resultados concluimos
que ao longo de sua história sua função seguia os modelos de atendimento assistencialista e
higienista,visando apenas o cuidado e a guarda, pasasndo a ter função educativa, com a
entrada de projetos e pesquisas envolvendo os professores da CCI, graduandos e
docentes da UESB.
Palavras-chave: Creche universitária; Função de Creches; Educação Infantil.
INTRODUÇÃO
Este texto traz em seu cerne reflexões acerca das construções históricas do papel
de creche em locais de trabalho, em especial, de creches universitárias. As idéias nele
contidas é parte de nossa pesquisa1, em andamento, que buscamos investigar a trajetória
do Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia do Campus de Jequié- BA, cujo objetivo é descrever o conceito de
creche e sua função a partir das memórias das professoras.
A história da creche liga-se as modificações na sociedade em suas várias
dimensões: social, política, econômica, cultural, psicológica e ideológica. Nessas
transformações insere-se o papel da mulher na sociedade, a organização no âmbito da
1 Pesquisa financiada (PPG/UESB) intitulada “Construção e Mobilização de Saberes dos Docentes do
Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol- UESB”.
família, principalmente, a educação dos filhos. Insere-se ainda, a expansão do
capitalismo e urbanização.
A primeira creche foi criada na França, por Fimin Marbeu, em 1844.
Denominada de crèche ou salles d’asile – que exprime manjedoura, presépio.
Designação dada aos abrigos para as crianças necessitadas de 0 a 3 anos, com caráter
basicamente custódio-assistencial. No Brasil, nos séculos XVIII e XIX, período da
dominação portuguesa, expandiram–se várias práticas européias, destacando a
instalação de Casa dos Expostos, também chamada de Roda de expostos que eram
destinadas a amparar crianças enjeitadas. A casa da roda oferecia serviços de filantropia
e assistência, com objetivo de reduzir os altos índices de mortalidade infantil.
(KUHLMANN JR.,1998; KISHIMOTO, 1990; CARVALHO,2003, CARDOSO, 2008).
A primeira creche no Brasil, foi inaugurada em 1899, pela Companhia de
Fiação e Tecido Corcovado, no Rio de Janeiro, para filhos de operários. No entanto,
segmentos da sociedade difundiam a creche como uma instituição asiliar, porém, de
forma peculiar, enquanto na França e nos países europeus, a creche era proposta em
nome do trabalho industrial feminino, no Brasil ainda não havia uma demanda efetiva
deste setor. Assim, as instituições asiliares passaram a ser chamadas de creche popular,
mais voltadas para o atendimento das mães trabalhadoras domésticas, do que as
operárias industriais. (KUHLMANN JR., 1998; OLIVEIRA, 2002; HADDAD, 2002).
Nesse sentido, a creche é concebida como entidade de atendimento às classes
populares, com a função de combate à pobreza e à mortalidade infantil, pois entendia-se
que as famílias da classe de trabalhadores não podiam proporcionar cuidados básicos,
como fornecimento de abrigo, alimentação e algum atendimento em higiene e saúde.
Diante dos diversos eventos apontados, definem-se – ao longo da história, ou
mesmo simultaneamente – diferentes funções para as creches no contexto da sociedade
brasileira: como recurso que beneficia a mãe trabalhadora, ou como instrumento social
para prevenir o fracasso escolar das crianças mais pobres, ou ainda como uma instância
educativa, que contribuiria para uma sociedade mais justa e um exercício de cidadania
em prol da população infantil. (VERÍSSIMO & FONSECA,2003).
Entretanto, com a publicação da Constituição Federal de 1988, a creche passa
ser uma instituição educativa, um direito da criança, uma opção da família e um dever
do Estado (artigo 208, inciso IV). Portanto, após a constituição foi analisada a
necessidade da obtenção de garantia de creches e pré-escolas nos locais de trabalho.
(RAUPP, 2004, GOMES, 2008).
Tal mudança é confirmada após aprovação da Lei 9394/96- LDB, na qual o
conceito de creche e seu papel na sociedade passou por modificações relevantes - de
complementação familiar, social e cultural, e que realmente contribua para o
desenvolvimento da criança nos seus diferentes aspectos - isto posto, configurou uma
nova concepção de creche. Isto é, as creches passaram a ser legitimadas como agências
educativas, direito das crianças e das famílias trabalhadoras em usufruírem espaços
coletivos para os cuidados e educação de seus filhos.
Conforme Haddad (2002, p.32) a inclusão da creche no sistema educativo abre
importantes perspectivas ao avanço de propostas que reconheçam as necessidades
específicas das crianças nos programas destinados à faixa etária de 0 a 5 anos, porque
representa, em primeiro lugar a superação do caráter assistencialista dos programas
destinados à essa faixa etária; segundo, porque cria a necessidade de uma política
nacional para esse segmento e terceiro, porque a educação através da creche e pré-
escola deve estar vinculada aos direitos da criança e não da mãe trabalhadora ou da
família pobre, fator tradicionalmente responsável por negligenciar as características
específicas das crianças nesses programas.
Contudo, vale ressaltarmos que nesse mesmo período, em que ocorriam grandes
discussões a respeito do atendimento a crianças de 0 a 6 anos, surgiam novas políticas
para a educação infantil com o intuito de abolir, a concepção assistencialista, em
detrimento da concepção de um espaço sócio-educativo, nasce em 1998, o Centro de
Convivência Infantil o CCI- Casinha do Sol- UESB/Jequié-BA. O que nos provoca
uma certa inquietude, uma vez que o objetivo de seu projeto inicial está pautado numa
concepção de cunho assistencialista, cuja função era: “Proporcionar assistência e
guarda a criança na faixa de quatro meses a seis anos, filhos de professores e
funcionários da UESB- Campus de Jequié”2.
Assim, algumas questões se impõem de imediato: Que função representa hoje o
Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol? Que trabalhos foram construídos ao
longo desse tempo para ressignificar o seu papel ?
Conhecer a história do aparecimento da creche em nossa sociedade poderá
auxilar os professores que hoje nela trabalham a tomarem conciência das funções que
ela foi desempenhando e as perspectivas que se abrem para a sua ação hoje.
2 Trecho retirado do projeto original de implantação da Creche Casinha do Sol (1997).
(OLIVEIRA, et al., 1992). Em especial, a história das creches universitárias, como
aponta Gomes (2008,p 04), já que praticamente “a legislação educacional no que tange
a educação infantil colocou novas demandas para as universidades, como por exemplo,
a pressão da oferta por cursos de pedagogia com habilitação na área de educação
infantil”, e, também, porque pouco sabe-se ainda sobre a creche no local de trabalho,
em particular, nas universidades públicas estaduais da Bahia.
Acreditamos que a investigação sobre a história e o papel da creche universitária
é uma necessidade que se coloca neste momento, em que se busca ressignificar a sua
ação não apenas como um serviço de atendimento, mas como uma instância formadora
e produtora de conhecimento.
Nosso interesse por estudar o processo histórico das creches universitárias, em
especial o centro infantil de tal lócus, surge por corroborar com o pensamento de Raupp
(2001), quando a mesma aponta lacunas de conhecimentos acerca de pesquisas sobre
centros de educação infantil (creches) pertencentes a universidades, bem como, estudos
sobre a formação de saberes de seus profissionais.
Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é analisar o conceito de creche e seu
papel na ótica das professoras do Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia do Campus de Jequié- BA. Em outras
palavras, busca através das memórias das docentes do CCI, resgatar a história do
surgimento desse espaço educativo, reconhecendo sob que função o centro foi instituído
e como hoje ele é concebido.
A METODOLOGIA E OS CAMINHOS PERCORRIDOS
Adotamos como metodologia da pesquisa a abordagem qualitativa centrada
numa perspectiva etnográfica, tendo como método histórias de vida. A escolha pelo
método biográfico das Histórias de Vidas se deu por se considerar o mais apropriado
para investigar a trajetória de vida do Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia do Campus de Jequié- BA, e sua função
nesse processo de construção.
A pesquisa foi desenvolvida no Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol,
da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Campus/Jequié, localizada no
município de Jequié- Bahia. O CCI Casinha do Sol fica num prédio em anexo da UESB.
A Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, é uma universidade
multi-campi, com sedes nos Municípios de Vitória da Conquista, Itapetinga e Jequié. O
campus de Jequié oferece cursos de graduação, cursos de especialização e mestrado sob
diferentes áreas. Entre os cursos de graduação oferecidos pela instituição, destacamos o
Curso de Licenciatura em Pedagogia e o Curso de Licenciatura Plena em Educação
Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental, que atendem parte do professorado de
educação infantil da rede municipal de ensino.
Atualmente, o CCI Casinha do Sol possui estrutura e organização composta de
coordenação administrativa, coordenação pedagógica, quatro professoras, quatro
estagiários, duas pessoas de apoio e um porteiro. Quanto a sua estrutura física, funciona
nos turnos matutino e vespertino, com três turmas de berçário, duas turmas de martenal
I e uma de maternal II, atendendo aproximadamente sessenta crianças na faixa etária de
6 meses a 4 anos. Por se tratar de uma pesquisa qualitativa e considerando o objeto de
investigação, escolhemos o número total do quadro de docentes do Centro.
Selecionamos como técnicas de coleta de dados os seguintes instrumentos:
observação das práticas das professoras, questionários, entrevista semi-estruturada,
escrita autobiográfica e análise de documentos. Contudo, para a análise e discussão
deste trabalho utilizamos questionário e a entrevista semi- estruturada.
Utilizamos como subsídio teórico para compreensão histórica do surgirmento da
creche no contexto internacional e brasileiro, os trabalhos relevantes de Kuhlmann Jr.
(1998), Kishimoto (1990), Carvalho (2003), Cardoso, (2008), Oliveira (2002), Haddad
(2002), Sanches (2003) e que se referem o movimento das creches para trabalhadores e
crecche universitária, Kramer (1995), Raupp( 2004), Gomes (2008), e sobre as funções
atuais da educação infantil Cerisara (1999, 2002), Kuhlmann Jr. (1998, 2002),
Kramer(1995) que reafirmam objetivos pedagógicos próprios e que consideram as
dimensões contextuais das relações estabelecidas nos espaços de convívio das
instituições de educação infantil.
Após, montamos um questionário para conhecermos melhor nossas professoras
pesquisadas. Desses dados destacamos as seguintes informações: idade; estado civil;
formação profissional; e tempo de exercício da profissão.
Com o intuito de qualificar os horizontes de análise do objeto de estudo, na
entrevista foram levantadas as seguintes questões: a) Como surgiu o CCI Casinha do
Sol? b) Quais foram as pessoas envolvidas na construção de seu projeto? c) Qual o
período de criação? d) Que função a creche tinha quando foi criada? e) Qual a função da
creche para você? f) E como você desenvolve essa função no seu cotidiano? g) No
decorrer do tempo de atuação houve alteração na sua forma de conceber o trabalho
docente em creches? h) Na sua opinião o CCI Casinha do Sol já desconstruiu a visão de
creche como lugar de guarda? Apresente situações que confirmam a sua resposta.
As entrevistas individuais foram gravadas, transcritas na íntegra e submetidas à
análise de conteúdo segundo a técnica de Bardin (1977). Ao final da análise, foram
obtidas quatro categorias: Ontem creche, hoje centro infantil; O trabalho no centro;O
centro e a família, e CCI espaço de formação.
Entretanto, considerando o grande volume de dados, a atenção do relato da
pesquisa recaiu para/sobre uma única professora – Profª E.3, que descreverá como
foram os resultados da pesquisa e quais foram as (re)construções realizadas durante sua
trajetória no CCI Casinha do Sol e em sua prática pedagógica. Escolhemos a referida
professora por ser atualmente a única profissional que ingressou no início da construção
da Creche Casinha do Sol.
Portanto, apresentamos neste texto o conteúdo da categoria Ontem creche, hoje
centro infantil, visando subsidiar a reflexão sobre as funções da creche, colocada em
pauta com as mudanças atuais devido à inclusão das creches na educação, enquanto
instituições que visam a formação. Os demais temas serão apresentados em outros
artigos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Um começo da história: Ontem creche, hoje centro infantil
Idealizando um palco reflexivo a respeito do conceito de creche, educação
infantil e a função do Centro de Convivência Infantil – CCI Casinha do Sol a partir das
memórias da professora Profª E., seguimos as idéias de Morin e Ardoino (2007) que nos
sugerem a percorrer um caminho que não tem intenção de ser linear e cronológico, mas
que remete à complexidade4 dos contextos social, cultural e histórico do processo de
formação de nossas docentes pesquisadas, que poderão contribuir para o nosso ‘pensar’
3 Para mantermos a identidade da professora e outras pessoas envolvidas e a integridade do trabalho não
apresentaremos o nomes originais. 4 Sobre o significado do termo “complexo” Ardoino (2007, p.548), define como: “tecido, trançado,
enroscado, mas também cingido, enlaçado, aprendido pelo pensamento. [...]”.
e o nosso ‘fazer’ enquanto professores que formam professores, ou melhor, enquanto
sujeitos que formam sujeitos que formarão sujeitos.
Nesse sentido, para darmos início a história do CCI Casinha do Sol vamos
conhecer um pouco a vida de nossa narradora (Profª E.), na qual destaca alguns dados
sobre sua identidade, formação e experiência profissional e como foi seu ingresso no
CCI Casinha do Sol.
Eu tenho 46 anos, sou solteira, fiz Magistério(quatro anos),depois fiz o curso de
Licenciatura em Letras com enfoque em Inglês. Sou professora contratada
(prestação de serviço), fiz uma seleção para trabalhar na creche da UESB. E,
estou atuando nela há 14 anos. [...] Minha experência fora do CCI foi com o
estágio na 2ª série ( foram 2 meses), mas, por conta da professora ter que se
afastar por ter perdido um bebê, eu consegui ficar mais tempo, sendo
prolongado por dois meses. Voltando atrás um pouco, eu trabalhei também na
igreja ensinando música para crianças[...]. Nessa experiência eu ensinava
música para crianças de 5 a 9 anos.[...] Fiz a seleção para trabalhar na Creche
Casinha do Sol, em fevereiro de 1998[...].Nessa época só tinha magistério,
depois que fiz o curso superior [...]Eu no início fiquei contente, porque foi uma
área que escolhi, eu pensei que iria colocar tudo que vi na teoria na prática.
Mas, quando eu cheguei foi um choque, porque não tinha nada disso na creche.
A angústia era essa, eu não trabalhava com educativo era só o cuidar. Nesse
período que estou trabalhando no CCI já tive turmas com crianças de 2 a 3
anos, de 3 a 4 anos e 5 a 6 anos.[...] Hoje, estou trabalhando com as turmas de
Berçário e Maternal I.
Pela fala da professora, mesmo sendo uma universidade pública estadual, a
forma de seleção da professora não foi por meio de concurso público, mas, sim uma
seleção em forma de contrato. Essa forma de trabalho não oferece benefícios
trabalhistas, não gera estabilidade funcional e não tem progressão de carreira. De acordo
com Cerisara(2002,p.88), “a análise das relações e a viabilização de um trabalho de
qualidade passa pelas condições concretas de organização do trabalho, vínculo, carreira
e experiência profissional”. Assim sendo, entendemos que fica implícito uma situação
de desvalorização, aliada a uma grande instabilidade e à impotência ou frustração diante
da sua condição profissional.
Outro ponto que destacamos foi a formação da professora no início da creche, na
qual a universidade seguiu a exigência mínima da Lei nº 9394/96, conforme no seu Art
625, para contratação de profissionais para atuar na educação infantil. No entanto,
compreendemos por se tratar de uma universidade que traz em seu bojo cursos de
5 Art.62. A formação dos docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de
licenciatura, de graduação plena, em universidade e institutos superiores de educação, admitida, como
formação mínima para o magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.
formação docente, a mesma poderia exigir uma qualificação mais específica para atuar
na educação infantil.
Percebemos ainda pela fala da professora, sua frustração em não poder
desenvolver um trabalho pedagógico com as crianças, visto que a creche foi ancorada
pela concepção assistencialista. Isso fica nítido quando ouvimos a professora E. narrar
sobre os cursos pagos pela universidade como fonte de formação para atuar na creche:
[...] Antes de começar a trabalhar no CCI, uma semana antes fizemos um curso
sobre creche. De como trabalhar na creche, com crianças de educação infantil.
Este curso também trabalhou sobre como lidar com crianças hospitalizadas, os
primeiros socorros. Tivemos dois cursos de primeiros socorros, que a própria
universidade organizou para nos preparar para trabalhar com as crianças. [...]
A UESB depois pagou um curso para nós de Educação Infantil. Foi um curso
com a psicóloga A. e, nesse curso envolvia como trabalhar na educação infantil.
Esse curso foi em 1999.
Pelo relato da professora E que diz respeito a preparação oferecida pela
instituição para o início do trabalho na creche, identificamos uma concepção centrada
no modelo higienista, conforme Kramer (1995,p.77), trata-se de formação que além de
preparar os professores com programa de recreação para combater atitudes anti-sociais,
visa prioritariamente de cuidado e saúde. Logo, os professores tinham a função de
cultivar os “bons hábitos de higiene e asseio”, assim como a “domesticação” ou pré-
educação obteria resultado na saúde e produziria a obediência.
Segundo Kuhlmann Jr. (2000) a educação infantil brasileira, até na quarta
última parte dos anos 1900, a educação infantil passou por grandes movimentos para
seu avanço, sendo essa época o princípio para esta nova fase, que terá seus marcos de
consolidação nas definições da Constituição de 1988 e na tardia Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, de 1996. Um pouco depois, desse momento em que as
creches estão sendo muito difundidas nacionalmente no campo político e científico,
nasce a idéia da construção do Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol. Como é
anunciado a seguir pela professora:
O Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol foi fundado em 19 abril de
1998, com o nome Creche Casinha do Sol. A idéia desse espaço começou a
nascer a partir de meados de 1996 quando a Prefeita de Campus Professora L.
C. e Professora G.B (DCHL6) uniram-se em torno da idéia de implantar uma
Creche para atender as demandas e necessidades dos professores e
funcionários da UESB, no campus de Jequié, com objetivo de prestar
assistência e guarda as crianças de quatro meses a seis anos. Inicialmente, foi
6 Departamento de Ciências Humanas e Letras
instituída uma comissão para elaboração do projeto de implantação com a
participação de professoras G. B. (DCHL) e C R. (DQE7), assim como, a
funcionária O.. Em 19 de abril 1998, abriram-se oficialmente as portas da
Creche Casinha do Sol. O primeiro espaço foi uma casa alugada, localizada na
Avenida Lyons Club, que atendia de forma integral 23 crianças. Esse número
de crianças matriculadas justifica-se, por não ter um espaço maior. Nessa
época a coordenação atuava na área administrativa e pedagógica e quem
desempenhava essa função era R.S.. Os funcionários que trabalhavam eram M.
E., M.P., C.C., C.S., E.S., E.S., M. S., M. R . (Relato da Prô 1)
Conforme o relato da professora, percebemos que o CCI Casinha do Sol foi
implantado seguindo os modelos assistencialista e higienista visando apenas o a guarda
e o cuidado. Raupp (2004), destaca que o objetivo inicial das creches universitárias
federais (RS, SP, RJ ), fundadas na década de 1970, era de atender filhos da
comunidade universitária, porém na década de 1980 o atendimento por elas prestado
busca superar a função de substituição da família e propõe garantir o desenvolvimento
cognitivo, emocional e social das crianças.
Deixa-nos absortas em observar que já no período de 1980 algumas creches
unversitárias, no sul e sudeste do país, estavam mudando suas concepções de
atendimento em creches, entretanto, no auge dessas discussões sobre a LDB e as
Diretrizes Curriculares para Educação Infantil a Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia - UESB constrói um projeto centrado numa concepção assistencialista. Esse fato
é contextualizado a partir do relato da professora, quando ela fala sobre a função da
creche Casinha do Sol:
O CCI foi criado na visão de olhar as crianças. Tanto, que tinha crianças que
estudavam em outra escola em turno oposto. E os pais pediam para nós darmos
banca às crianças, para ajudar nos deveres deles. E isso trazia certa angustia
para nós, pois a gente tinha outra visão. Tal situação se prolongou por muito
tempo.Os pais deixavam as crianças mais para cuidar, dar banho, alimentação.
E, na parte da educação não era muito vista[...]
Contudo, a professora nos aponta que hoje a função da creche está focada sob uma
nova concepção, ou seja, o CCI está focado no educar .
A gente começou a mudar a nossa visão que antes era de guardar criança, hoje
não é mais..[...] hoje eu vejo que a função da creche é educar a criança. Fazer
a criança crescer, não podar a criatividade. Não podar nada da criança, lá no
berçário, por exemplo, quando vamos fazer atividade com pintura, não
escolhemos nem a cor, eles que escolhem tudo. Eu tenho aprendido tanto, tanto
com as crianças, tanto com vocês, tenho aplicado na sala de aula e tenho visto
resultados maravilhosos.
7 Departamento de Química e Exatas
Cabe-nos questionar até que ponto houve avanço de concepção, já que
encontramos na fala da professora indícios de uma visão maturacionista de
desenvolvimento e aprendizagem da criança, quando as tendências recentes enfatizam a
perpectiva do professor aproximar-se do ponto de vista da criança, buscando a mediação
como forma de intervenção docente. (KUHLMANN JR.,2005). Contudo, mesmo a
professora tendo apresentado em seu relato uma visão um tanto quanto ultrapassada da
compreensão do processo de desenvolvimento e aprendizagem na educação infantil,
buscamos entender que elementos contribuíram para a mudança de sua prática, como
segue o relato abaixo:
Eu aprendi muito com as coordenadoras pedagógicas, professoras M., L. e I.
(DCHL/UESB),quando em 2002 iniciaram seus projetos e que trouxeram uma
nova visão do trabalho na educação infantil.Com os estudos da professora S. S.
com seus alunos de Pedagogia da UESB. Eu tenho aprendido tanto com as
crianças, tanto com os alunos e professoras da UESB; tenho aplicado na sala
de aula e tenho visto resultados maravilhosos. Os momentos de estudo e
discussões nas nossas reuniões, pois cada reunião é um aprendizado muito
bom, porque a gente aplica na sala de aula e vê o resultado.
Percebemos na fala da profª E que a formação continuada tem sido um elemento
fundante para as mudanças observadas em sua prática, bem como, da superação da
visão de creche para comunidade universitária. Nesse sentido, concordamos com
Raupp (2004), no que se refere aos objetivos atuais das creches universitárias, enquanto
espaço de educação e cuidado para as crianças e um campo de estágio para cursos da
universidade. Praticamente, todas as unidades são também campo de pesquisa e de
observações, ou seja, dispõem sua estrutura de funcionamento a profissionais das
múltiplas áreas de conhecimento da universidade para coleta de dados para pesquisa ou
para observações.
Portanto, acreditamos que o CCI Casinha do Sol é um espaço que serve não
apenas para demonstrar práticas, mas também para unir os professores de salas de aula e
os alunos da universidade em uma parceria que poderá afetar o desenvolvimento da
educação, tanto para as crianças de hoje quanto para os professores de amanhã.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do nosso estudo acerca do processo histórico da creche e a função das
creches universitária, em especial, o Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol,
podemos considerar que:
as creches universitárias nasceram com o objetivo principal de atender
filhos da comunidade universitária. Contudo, com o aumento das discussões em torno
da qualidade do atendimento a infância e também, de uma formação ampla para o
profissional da Educação Infantil, surgiram novas demandas que direcionam as creches
nas universidades.
O CCI Casinha do Sol foi construído 1998, com a função assistencialista
e higienista, no mesmo período em que formentavam grandes discussões entorno da
infância, educação infantil e da formação do seus profissionais. Foi a partir de 2002
com a entrada de projetos e pesquisas envolvendo os professores da CCI, graduandos e
docentes da UESB que a creche passou a ser vista com a função pedagógica.
Entendemos, que o CCI Casinha do Sol, bem como, a Universidade
Estadual do Sudoste da Bahia precisam ampliar suas ações à pesquisa, extensão e à
própria prática (estágio) ou à observação dos estudantes universitários, nesse espaço
educativo. Por fim, compreendemos que a unidade de educação infantil da universidade
diferencia-se como uma referência, entre outras, para servir como campo dessas funções
à comunidade universitária.
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