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1918 2018 CENTENÁRIO da Pneumónica CENTENÁRIO DA GRIPE PNEUMÓNICA A pandemia em retrospetiva 2.ª Sessão: 15.05.2019 Alexandra Esteves, José Manuel Sobral, Fátima Nunes, Maria Luísa Lima 3.ª Sessão: 25.09.2019 Diogo Ferreira, Edite Soares Correia, Helena da Silva, Ana Maria Correia Sessão de abertura: 13.02.2019 Pedro Aires Oliveira, Fernando Almeida, Helena da Silva, Leonor Furtado 1.ª Sessão: 13.02.2019 Ismael Vieira, Fernando Rosas, Rui M. Pereira, Manuel Cardoso Coordenação Helena da Silva, Rui M. Pereira, Filomena Bandeira CICLO DE CONFERÊNCIAS IGAS, LISBOA 2019 PORTUGAL 1918-1919 CENTENÁRIO DA GRIPE PNEUMÓNICA A pandemia em retrospetiva PORTUGAL 1918-1919 «A evocação da pandemia que dizimou milhares de vidas e gerou uma grave crise demográfica com consequências trágicas para o desenvolvi- mento do País é um dever de memória e merece ser recordada e ana- lisada sob distintas perspetivas, sendo do maior interesse a divulgação des- tes textos como contributo institucional da IGAS e do IHC.» Leonor Furtado, Inspetora-geral das Atividades em Saúde «O IHC está por isso grato à IGAS pela disponibilidade manifestada para darmos o nosso contributo no sentido da revisitação de um epi- sódio tão significativo (mas ainda tão mal conhecido) da história so- cial do século xx. Graças ao empenho e persistência dos coordenadores deste volume, alguns deles envolvidos em projetos e iniciativas que co- locaram a problemática da saúde pública no centro do centenário da Grande Guerra, podemos finalmente dar à estampa este volume de con- tribuições originais de autores do IHC e de colegas de outras instituições.» Pedro Aires Oliveira, Diretor do Instituto de História Contemporânea «Uma vez que o efeito devastador da Pneumónica se tem mantido escuso na nossa memória coletiva, este livro serve de corolário comemorativo, sendo, ao mesmo tempo, um instrumento educativo e de registo de histórias par- tilhadas sobre a pandemia de gripe de 1918-1919. Os textos aqui agrupados permitem-nos aprender com esta pandemia e compreender o seu enquadra- mento nas várias vertentes. Mas, mais importante, poderá ajudar-nos a construir uma matriz estratégica de reflexão sobre modelos de gestão de futuras situações de emergência.» Fernando Almeida, Presidente do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge CENTENÁRIO DA GRIPE PNEUMÓNICA CAPA_CentanerioGripePneumonica_30.10.indd 1 02/11/19 18:00

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C E N T E N Á R I Oda Pneumónica

CENTENÁRIO DA GRIPE PNEUMÓNICAA pandemia em retrospetiva

2.ª Sessão: 15.05.2019

Alexandra Esteves, José Manuel Sobral, Fátima Nunes, Maria Luísa Lima

3.ª Sessão: 25.09.2019

Diogo Ferreira, Edite Soares Correia, Helena da Silva, Ana Maria Correia

Sessão de abertura: 13.02.2019

Pedro Aires Oliveira, Fernando Almeida, Helena da Silva, Leonor Furtado

1.ª Sessão: 13.02.2019

Ismael Vieira, Fernando Rosas, Rui M. Pereira, Manuel Cardoso

CoordenaçãoHelena da Silva, Rui M. Pereira, Filomena Bandeira

CICLO DE CONFERÊNCIASIGAS, LISBOA 2019

PORTUGAL 1918-1919

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L 1918-1919

«A evocação da pandemia que dizimou milhares de vidas e gerou uma grave crise demográfica com consequências trágicas para o desenvolvi-mento do País é um dever de memória e merece ser recordada e ana- lisada sob distintas perspetivas, sendo do maior interesse a divulgação des-tes textos como contributo institucional da IGAS e do IHC.»

Leonor Furtado, Inspetora-geral das Atividades em Saúde

«O IHC está por isso grato à IGAS pela disponibilidade manifestada para darmos o nosso contributo no sentido da revisitação de um epi- sódio tão significativo (mas ainda tão mal conhecido) da história so-cial do século xx. Graças ao empenho e persistência dos coordenadores deste volume, alguns deles envolvidos em projetos e iniciativas que co-locaram a problemática da saúde pública no centro do centenário da Grande Guerra, podemos finalmente dar à estampa este volume de con-tribuições originais de autores do IHC e de colegas de outras instituições.»

Pedro Aires Oliveira, Diretor do Instituto de História Contemporânea

«Uma vez que o efeito devastador da Pneumónica se tem mantido escuso na nossa memória coletiva, este livro serve de corolário comemorativo, sendo, ao mesmo tempo, um instrumento educativo e de registo de histórias par-tilhadas sobre a pandemia de gripe de 1918-1919. Os textos aqui agrupados permitem-nos aprender com esta pandemia e compreender o seu enquadra-mento nas várias vertentes. Mas, mais importante, poderá ajudar-nos a construir uma matriz estratégica de reflexão sobre modelos de gestão de futuras situações de emergência.»

Fernando Almeida, Presidente do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge

CENTENÁRIO DA GRIPE PNEUMÓNICA

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ÍNDICE

Introdução ..................................................................................... 7Helena da Silva, Rui M. Pereira e Filomena Bandeira

No Centenário da Gripe Pneumónica

A Saúde Pública, a História e o diagnóstico de situações problemáticas ........................................................................... 13Leonor Furtado

A Pneumónica em contexto de guerra total ............................. 15Pedro Aires Oliveira

Uma tragédia que importa não esquecer .................................. 17Fernando Almeida

A Pandemia em Retrospetiva. Portugal 1918-1919

Catástrofe e silêncio: a epidemia da Pneumónica em Portugal no seu tempo e no espaço da recordação ................................. 21José Manuel Sobral

Aspetos do estado sanitário em Portugal no primeiro quartel do século xx ............................................................................. 37Ismael Vieira

Ricardo Jorge, o mal -amado. Os serviços de saúde militar no quadro da Grande Guerra e da Gripe Pneumónica ............. 55Rui M. Pereira

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A Pneumónica na Imprensa do distrito de Viana do Castelo ... 87Alexandra Esteves

A epidemia de Gripe Pneumónica (1918 -1919) na região de Coimbra ............................................................................... 109Ana Maria Diamantino Correia

A «Pandemia Esquecida»: a cidade do Sado durante o tempo negro da Gripe Pneumónica (1918 -1919) ................................ 125Diogo Ferreira

A Pneumónica em Macedo de Cavaleiros: o fundo de verdade nas páginas do romance Um Tiro na Bruma ............................ 151Manuel Cardoso

As estruturas hospitalares face à Gripe Pneumónica ............... 164Helena da Silva

A domesticação da ameaça? Estratégias de gestão do risco na Pneumónica ......................................................................... 181Maria Luísa Lima

Notas biográficas ........................................................................... 195

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INTRODUÇÃO

Nenhuma outra doença causou tantas vítimas mortais em tão pouco tempo como a Gripe Pneumónica de 1918 ‑1919, que afetou o mundo, já massacrado pela Guerra, manifestando ‑se em três vagas coincidentes com os derradeiros confrontos militares (a partir de março de 1918), seguidos do Armistício (novembro) e das negociações para a paz (pri‑meiros meses de 1919). Nenhum dos conflitos bélicos deflagrados no século xx, que envolveram nações à escala mundial e surpreenderam pela devastação, provocou tantos óbitos.

Erroneamente conhecida como «gripe espanhola», devido às notí‑cias publicadas na Imprensa daquele país – cuja neutralidade durante a Primeira Guerra Mundial isentou os jornais de censura, ao contrário dos países beligerantes que cercearam a divulgação de informações sobre a pandemia –, o vírus era à época desconhecido, o que dificultou o seu combate, agravado pela falta de meios eficazes de assistência médica e controlo sanitário das populações. O vírus transmitia ‑se por contacto direto com pessoas infetadas, através de espirros ou tosse, tinha um curto período de incubação (um a três dias) e exprimia ‑se por diversos sintomas, desencadeando problemas respiratórios com implicações de alto risco de vida para os contaminados. A Gripe propagou ‑se rapida‑mente entre continentes e países em três vagas sucessivas: a primeira, na primavera de 1918, caracterizou ‑se por uma baixa mortalidade, ape‑sar de um elevado número de doentes; a segunda vaga, no outono de 1918, foi extremamente letal; e uma terceira vaga, no inverno ‑primavera de 1918 ‑1919, que teve menor impacto.

Investigadores de diferentes nacionalidades, com formações acadé‑micas distintas, continuam hoje a analisar este surto de Gripe, como, por exemplo, o número de mortes e o perfil dos engripados ou as consequên‑cias sanitárias da pandemia. Do mesmo modo, continua a debater ‑se a origem geográfica deste surto pandémico. No que respeita ao foco ini‑

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cial, aponta ‑se como hipótese os campos militares nos Estados Unidos da América, no sul de Inglaterra e no norte de França, colocando ‑se ainda a possibilidade de uma origem asiática. Todavia, não restam dú‑vidas de que a Grande Guerra terá contribuído para a propagação do vírus pelo mundo, quer através da circulação de militares e migrantes, quer pela grande concentração de contingentes populacionais em espa‑ços restritos. No caso português, a participação na «guerra total» inscreveu ‑se numa conjuntura de fatores favoráveis à propagação do vírus e que dificultaram a intervenção das autoridades administrativas, em particular as sanitárias, e a respetiva articulação com outros agentes sociais aptos a prestar cuidados de saúde à população. Nesta conjuntura, salienta ‑se a instabilidade política e a conflitualidade social, acentuadas pela carestia de vida e pelas carências estruturais do País. Ademais, Portugal tinha um bom número de profissionais de saúde ausentes, por‑que integravam os destacamentos militares que combatiam na Europa e em África.

A Pneumónica permaneceu na sombra da Grande Guerra e, apesar dos seus impactos demográficos, sociais e económicos, foi sendo esque‑cida. Em Portugal, onde se registou uma das mais elevadas taxas de mortalidade da Europa, o interesse por este fenómeno surgiu nas últimas décadas, com vários estudos e dissertações académicas pluridisciplinares a inscreverem ‑se no espetro temático da Pneumónica.

Cem anos volvidos sobre este desastre humano sem precedentes, vá‑rias iniciativas foram organizadas para evocar o centenário, apesar de ter passado praticamente despercebido em relação ao centenário da Pri‑meira Guerra Mundial, tanto a nível nacional como mundial. Assim, no nosso País, publicaram ‑se artigos em periódicos recordando a Pneumó‑nica, organizaram ‑se congressos e conferências, sobretudo na comuni‑dade académica, e dedicou ‑se um dossier da Ler História – revista cien‑tífica publicada em OpenEdition, com ampla divulgação – ao tema.

Já a iniciativa que se consubstancia na presente edição insere ‑se num contexto celebrativo promovido pelo Governo, que criou a Comissão Nacional para celebração do Centenário da Pneumónica (CNCP) e uma Comissão Executiva, coordenada pelo presidente do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, para levar a cabo um programa evocativo. Foi através da Inspeção ‑Geral das Atividades em Saúde, entidade do Ministério da Saúde representada naquela Comissão, e no âmbito de um protocolo de colaboração firmado, em 2017, entre a Inspeção e o Insti‑

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tuto de História Contemporânea, que nos coube a organização de um Ciclo de Conferências, realizado em três sessões, durante o ano de 2019. Foram assim convidados vários investigadores que se têm cruzado, de forma direta ou indireta, com o tema da Gripe Pneumónica nos seus trabalhos, uns enquadrados por projetos de investigação, outros desen‑volvidos para dissertações de mestrado e teses de doutoramento. Con‑vidámos também o autor de um romance histórico que, para integrar na ficção os efeitos da Pneumónica numa pequena comunidade, pesquisou fontes diversas. Deste modo, partindo daquelas três sessões, foi editada a presente publicação, com a intenção de tornar acessíveis os conteúdos para elas produzidos sobre a Pneumónica em Portugal.

Este volume encontra ‑se dividido em duas partes. A primeira, «No Centenário da Gripe Pneumónica», enquadra esta iniciativa e conta com os textos de Leonor Furtado, inspetora ‑geral das Atividades em Saúde, Pedro Aires Oliveira, diretor do Instituto de História Contemporânea, e de Fernando Almeida, como coordenador da Comissão Executiva para celebração do Centenário da Pneumónica.

Na segunda parte, «A Pandemia em Retrospetiva. Portugal 1918‑‑1919», reúnem ‑se vários estudos sobre esta problemática, através de um olhar pluridisciplinar centrado em leituras de âmbito genérico, à escala do País e da sociedade portuguesa, ou de enfoque mais restrito, à escala regional/local e das instituições e dos indivíduos, trazendo ao público algumas investigações inéditas.

Abrimos com o capítulo da autoria de José Manuel Sobral, membro da equipa que desenvolveu o projeto «Gripe Pneumónica em Portugal: Gestão de risco e saúde pública no Portugal da Primeira República» (Instituto de Ciências Sociais, 2004 ‑2007) e autor de várias publicações sobre o tema, amplamente citadas no presente livro. Neste capítulo é proposta uma explicação para o silêncio que cobriu a Pneumónica no devir histórico – apesar de o número de vítimas mortais ter sido superior a outros acontecimentos e, em particular, à Grande Guerra –, inscreven‑do a sua interpretação em abordagens sobre o modo de construir e re‑produzir memórias sociais (monumentais e traumáticas).

Por considerarmos necessário compreender o contexto da saúde e da higiene em que surge a Pneumónica, o capítulo seguinte descreve o estado sanitário em Portugal. Ismael Vieira traça assim um quadro de epidemias constantes, revelador das deficiências estruturais no âmbito da saúde no País. Esta situação explica, por um lado, a importante mor‑

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talidade e, por outro, o rápido esquecimento da Pneumónica, seguida de outras epidemias.

O capítulo de Rui M. Pereira examina a figura de um protagonista central na definição de políticas públicas de saúde em Portugal – e es‑tratega no combate à Pneumónica –, Ricardo Jorge. Aqui são analisadas as propostas que fez para reorganizar os serviços de saúde militar du‑rante a Guerra e como as autoridades militares ignoraram ostensivamen‑te as suas advertências sobre os riscos sanitários em campanha. Esta rejeição é reveladora da impotência deste higienista para impor as suas ideias e um prognóstico do desaire da Pneumónica. Ao examinar os efeitos da Gripe no vapor Moçambique, que repatriava militares de Lou‑renço Marques para Lisboa, fica uma vez mais demonstrada a relação intrínseca entre a Pneumónica e a guerra.

Seguem ‑se vários estudos de âmbito regional/local. Alexandra Este‑ves aborda assim a Pneumónica no distrito de Viana do Castelo e em alguns dos seus concelhos, delineando um quadro sanitário da época. Partindo da sua análise da Imprensa local e nacional, é possível seguir o avanço da epidemia e os seus impactos no distrito de Viana.

Ana Maria Correia, também recorrendo à Imprensa local, e ainda a ar‑quivos institucionais e pessoais – documentação que trabalhou por via da investigação em curso para a sua tese de doutoramento sobre a Pneumónica em Coimbra –, centra ‑se na análise das dificuldades sentidas neste distrito, bem como nas respostas das autoridades e da sociedade civil à epidemia.

Já Diogo Ferreira confrontou ‑se com os reflexos da pandemia na sua dissertação de mestrado sobre Setúbal e a Primeira Guerra Mundial (1914 ‑1918) (NOVA FCSH, 2015). No presente volume, desenvolve um estudo focado nos impactos da Pneumónica naquele concelho, incluindo a mortalidade causada e algumas das respostas humanitárias.

Uma outra perspetiva é dada por Manuel Cardoso, autor de um ro‑mance histórico que decorre em Macedo de Cavaleiros, em plena pan‑demia de Gripe Pneumónica, e que tem como personagem principal um médico. Manuel Cardoso relata ‑nos o processo de investigação seguido, que usou como base da escrita ficcional. Partindo do levantamento de dados em fontes diversas e de relatos pessoais, o autor deixa ‑nos a sua experiência na reconstrução de eventos e de histórias individuais, reve‑lados em Um Tiro na Bruma (2007).

Um outro estudo de caso é feito por Helena da Silva, que se cruzou com a Pneumónica no seu projeto de investigação sobre saúde e a

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Primeira Guerra Mundial (2015 ‑2020) – Medical and Healthcare servi‑ces in the First World War: Portuguese soldiers during and after the Great War (1914 ‑1960). Neste capítulo, procura aprofundar alguns as‑petos da manifestação da Pneumónica, centrando o esforço empírico na análise dos registos sobre doentes admitidos em duas estruturas hospi‑talares da capital portuguesa, criadas especificamente para receber mi‑litares regressados dos palcos de guerra. Destaca ainda alguns impactos da epidemia na organização destas estruturas hospitalares provisórias.

A encerrar todas as contribuições que compõem esta retrospetiva sobre a pandemia no nosso País, surge o texto de Maria Luísa Lima, que também integrou a equipa do projeto «Gripe Pneumónica em Portu‑gal…», referenciado supra. Com outra abordagem, na perspetiva da Psicologia Social, a autora (re)localiza o problema da gripe no presente, enquanto doença comum que continua a ser banalizada. Assim, revisita a Pneumónica para concluir que não se toma esta experiência traumáti‑ca como aviso ante os riscos de uma pandemia atingir o mundo atual, tão letal como outros fenómenos globais altamente temidos, onde se encontram as ameaças militares e terroristas.

Longe de esgotar o tema em análise, a Pneumónica em Portugal é abordada por várias vertentes neste volume, esperando assim dar um contributo para a memória futura desta epidemia, dirigido não apenas a um público académico, mas crendo que possa chegar a um auditório mais alargado.

Aproveitamos esta ocasião, como coordenadores desta obra, para agradecer aos vários autores a disponibilidade e o empenho com que participaram no Ciclo de Conferências que originou a presente edição, nomeadamente aceitando, num prazo limitado, formalizar por escrito as suas palestras.

Estamos também gratos à Inspeção ‑Geral das Atividades em Saúde (IGAS) – elo de ligação com a Comissão Executiva para celebração do Centenário da Pneumónica –, por todo o apoio dado à organização das conferências e à edição deste livro, cabendo um agradecimento particu‑lar a Elizabet Fernandes (Divisão de Controlo da Atividade e Planea‑mento), pela sua competência e acompanhamento diligente, e à inspetora‑‑geral, Leonor Furtado, pelo acolhimento prestado e pelo seu empenho no melhor desenvolvimento da iniciativa.

Queremos ainda agradecer ao diretor do Instituto de História Con‑temporânea (IHC), Pedro Aires Oliveira, a confiança em nós depositada,

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indicando ‑nos para organizar o programa celebrativo da Pneumónica junto da IGAS. E também a Diana Barbosa, da equipa de gestão do IHC, que produziu os materiais de divulgação, bem como à bolseira de inves‑tigação Bruna Valério, pelo apoio na área multimédia durante as sessões. As gravações das três sessões ficarão disponíveis online no canal You‑Tube do IHC1.

Por último, o nosso reconhecimento aos moderadores das três ses‑sões, Fernando Rosas e Maria Fátima Nunes (historiadores e investiga‑dores do IHC), e a Edite Soares Correia (subdiretora ‑geral da IGAS). A Fernando Rosas acresce um agradecimento particular por, além da referida moderação, ter acedido ao convite para abrir o Ciclo de Confe‑rências com uma palestra inaugural, de contextualização histórica, com o título «A Pneumónica e a crise da Primeira República».

Helena da Silva, Rui M. Pereira e Filomena Bandeira

1 https://www.youtube.com/user/IHChistory

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A SAÚDE PÚBLICA, A HISTÓRIA E O DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÕES PROBLEMÁTICAS

Leonor FurtadoInspetora ‑geral das Atividades em Saúde

O Governo de Portugal entendeu que no Centenário da Gripe Pneu‑mónica, que acaba de cumprir ‑se, deveria haver lugar a iniciativas que evocassem esta pandemia que afligiu a Humanidade nos anos de 1918‑‑1919. Neste sentido, criou a Comissão Nacional para celebração do Centenário da Pneumónica (CNCP) e uma Comissão Executiva para levar a cabo um programa de atividades que assinalassem aquela efemé‑ride em 2018 ‑2019.

Entre outras motivações, esta decisão é justificada no próprio progra‑ma do XXI Governo – tal como se sublinha no despacho n.º 6535/2018 que cria a CNCP –, que «estabelece a valorização da Saúde Pública enquanto área de intervenção, para a boa gestão dos sistemas de aler‑ta e de resposta atempada dos serviços, bem como o diagnóstico de si‑tuações problemáticas», não podendo por isso o Ministério da Saúde alhear ‑se de iniciativas que assinalem o maior problema de saúde públi‑ca que Portugal e o mundo enfrentaram no século xx, com enormes repercussões no desenvolvimento das sociedades da nossa modernidade.

Assumido este desiderato, foram convocados para a Comissão Na‑cional representantes das várias áreas governativas e, para a Comissão Executiva, representantes de diversas entidades do Ministério da Saúde, entre as quais se incluiu a Inspeção ‑Geral das Atividades em Saúde.

A presente edição concretiza ‑se no âmbito deste programa e resulta de uma iniciativa da Inspeção ‑Geral das Atividades em Saúde (IGAS), em parceria com o Instituto de História Contemporânea (IHC) da Facul‑dade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa (NOVA), parceiro protocolado com a IGAS.

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Assim, no âmbito de atuação da IGAS e na sequência do desenvol‑vimento de boas práticas de reflexão e debate em torno de questões li‑gadas à saúde, com vista a melhor preparar e planear a atividade inspe‑tiva, têm sido realizadas ações e programas de formação e conferências, visando uma melhoria na aquisição de conhecimento e abordando áreas de intervenção da IGAS, desde a organização, funcionamento e desem‑penho das unidades de saúde e dos prestadores de cuidados de saúde à qualidade da prestação de cuidados de saúde, sem esquecer a redundân‑cia e sobreposição de funções de auditoria, inspeção, fiscalização e ação disciplinar, entre as várias entidades que, na área da saúde, têm a missão de disciplinar e fiscalizar as diversas dimensões das atividades em saúde.

Por outro lado, a IGAS tem acolhido exposições e lançamentos de livros e vem cuidando do seu património arquivístico, material e arqui‑tetónico, avaliando as questões da sua gestão patrimonial, procurando constituir um espaço de reflexão que permita fazer uma discussão apro‑fundada dos temas de saúde, bem como promover o debate de ideias sobre o trabalho inspetivo e a sua importância na Administração Pública.

A IGAS celebrou um protocolo com a FCSH ‑IHC, nos termos do qual, conjuntamente, as duas instituições se comprometem a colaborar na produção de artigos científicos e na apresentação de comunicações em encontros, seminários e congressos, na edição de publicações e na realização de atividades de divulgação dos resultados dos projetos con‑juntos.

O trabalho que ora se apresenta constitui o fruto dessa colaboração traduzida na apresentação das intervenções que em parceria se têm vin‑do a desenvolver, desta feita, através da realização de um ciclo de con‑ferências – organizado em três sessões –, no âmbito do programa evo‑cativo do Centenário da Pneumónica, que teve lugar nas instalações da IGAS entre maio e setembro de 2019.

A evocação da pandemia que dizimou milhares de vidas e gerou uma grave crise demográfica com consequências trágicas para o desenvolvi‑mento do País é um dever de memória e merece ser recordada e anali‑sada sob distintas perspetivas, sendo do maior interesse a divulgação destes textos como contributo institucional da IGAS e do IHC.

Importa, pois, uma vez mais, agradecer a disponibilidade e a sapiên‑cia de todos os intervenientes, sem as quais não teria acontecido este livro.

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A PNEUMÓNICA EM CONTEXTO DE GUERRA TOTAL

Pedro Aires OliveiraDiretor do IHC

Nos últimos dez anos, o Instituto de História Contemporânea realizou um investimento assinalável na evocação do centenário da Primeira Grande Guerra. Encorajámos estudantes a fazerem disso o seu tema de pós ‑graduação, desenvolvemos projetos de investigação, organizámos exposições, publicámos livros e artigos. Era, como é costume dizer ‑se, uma data incontornável.

Poucos acontecimentos terão sido tão marcantes para a sociedade portuguesa no século xx. Conflito com alcance e ramificações verdadei‑ramente globais, a Grande Guerra terá também inaugurado o conceito de «guerra total», de tal modo os seus efeitos se fizeram sentir nos mais diversos quadrantes das sociedades de então, e em particular nas dos países beligerantes.

Ainda antes de tomada a decisão de levar o País até à Frente Ociden‑tal, em 1916, já a sociedade portuguesa se encontrava exposta às conse‑quências da guerra, tanto no plano dos abastecimentos como na mobili‑zação de contingentes para teatros de operações mais «periféricos», como os de Angola e Moçambique.

A beligerância – imensamente contestada – desencadearia depois uma cascata de acontecimentos que se revelaria fatídica para o instável regime parlamentar republicano. Como é sabido, a fatura económica da guerra com‑prometeu o caminho de consolidação das contas públicas que os primeiros governos pós ‑1910 tinham tentado percorrer e as desavenças em torno da política externa ajudaram a minar de vez a frágil unidade da «família repu‑blicana». O primeiro ensaio de cesarismo político com Sidónio Pais (dezem‑bro de 1917) seria um prenúncio nefasto para a segunda fase da experiência republicana, iniciada na conjuntura tumultuosa do fim da Guerra Mundial.

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Um breve relance à cronologia do período de 1918 ‑1919 devolve ‑nos a imagem de um país sobressaltado por fortes conflitos laborais, violên‑cia política e um agudo desespero social – em suma, o terreno fértil para as revoluções ou até para irrupções de messianismo político. Os diversos surtos da Pneumónica, ou «gripe espanhola», adensaram ainda mais este cenário. Se tivermos em conta que entre a primeira e a terceira vagas de episódios gripais (maio de 1918 e março de 1919), Portugal assistiu à queda do sidonismo, à tentativa de restauração monárquica e ao regres‑so (em modo de ajuste de contas) de uma parte da velha elite republica‑na, não será difícil perceber quão exigente terá sido, para os organismos públicos responsáveis, construir uma resposta adequada à calamidade pública que então se vivia.

O IHC está por isso grato à IGAS pela disponibilidade manifestada para darmos o nosso contributo no sentido da revisitação de um episódio tão significativo (mas ainda tão mal conhecido) da história social do século xx. Graças ao empenho e persistência dos coordenadores deste volume, alguns deles envolvidos em projetos e iniciativas que colocaram a problemática da saúde pública no centro do centenário da Grande Guerra, podemos finalmente dar à estampa este volume de contribuições originais de autores do IHC e de colegas de outras instituições.

Oxalá se possa revestir de utilidade para todos aqueles que encaram a História como uma tentativa plural de reconstituição do passado.

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UMA TRAGÉDIA QUE IMPORTA NÃO ESQUECER

Fernando de AlmeidaPresidente do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge

Coordenador da Comissão Executiva para celebração do Centenário da Pneumónica

A Pneumónica (1918 ‑1919), que aconteceu no final da Grande Guer‑ra, dizimou dezenas de milhares de vidas, tendo sido, até hoje, uma das maiores pandemias mundiais. O seu impacto sem precedentes na Histó‑ria, em contexto mundial, torna importante recordar e analisar esta pan‑demia nas vertentes histórica, sociológica, cultural e científica.

Em 2018 ‑2019, assinalam ‑se os 100 anos desta pandemia de gripe e, neste âmbito, o Ministério da Saúde criou, por via do Despacho n.º 6535/2018, de 4 de junho, a Comissão Nacional para celebração do Centenário da Pneumónica.

Partindo desta oportunidade, a IGAS, em parceria com o Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, promoveu um ciclo de conferências, em três sessões, evocativas do Centenário da Gripe Pneumónica.

Historiadores de várias áreas do saber partilharam as suas investiga‑ções, fazendo memória futura, numa retrospetiva da pandemia e dos seus impactos.

Da relevância e importância desta iniciativa nasce este livro, reunindo, numa abordagem multidisciplinar, uma reflexão plural sobre a Pneumó‑nica, sob o ponto de vista histórico, científico, social e cultural.

Uma vez que o efeito devastador da Pneumónica se tem mantido escuso na nossa memória coletiva, este livro serve de corolário come‑morativo, sendo, ao mesmo tempo, um instrumento educativo e de re‑gisto de histórias partilhadas sobre a pandemia de Gripe de 1918 ‑1919.

Os textos aqui agrupados permitem ‑nos aprender com esta pandemia e compreender o seu enquadramento nas várias vertentes. Mas, mais

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importante, poderão ajudar ‑nos a construir uma matriz estratégica de reflexão sobre modelos de gestão de futuras situações de emergência.

Aprender com o passado é uma forma nos prepararmos melhor para o futuro!

Pela excelente e oportuna iniciativa da IGAS, felicito a Sra. Inspeto‑ra, Dra. Leonor Furtado, na visão que teve da realização destes eventos, e pela decisão de contribuir para uma «memória futura» de uma tragédia que importa não esquecer.

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RICARDO JORGE, O MAL -AMADOA organização dos serviços de saúde militar

no quadro da Grande Guerra e da Gripe Pneumónica

Rui M. Pereira

Introdução

A Grande Guerra (1914 ‑1918) foi assim adjetivada por ser o primei‑ro conflito globalizado, envolvendo efetivos provenientes de todos os continentes, com múltiplas frentes de batalha, numa altura em que a apropriação e o conhecimento da geografia, dos territórios e das gentes do planeta estavam praticamente concluídos.

Todas as rotas e ligações marítimas e terrestres, e, então há poucos anos, também a possibilidade de todas as ligações aéreas, estavam determinadas. A escalada daquele conflito foi, desse modo, muito potenciada pelo desen‑volvimento tecnológico dos meios de transporte terrestre, marítimo e aéreo.

No século xvi, a armada de Fernão de Magalhães necessitou de três anos para dar a volta ao mundo (20 de setembro de 1519 a 6 de setembro de 1522); no culminar da Revolução Industrial, seria possível dar «A Vol‑ta ao Mundo em 80 dias» (1872) na ficção de Júlio Verne; no início da Guerra, em 1914, embora a aviação ainda não fosse intercontinental (a primeira viagem intercontinental aconteceria em 1919, com o voo tran‑satlântico sem paragens de John William Alcock e Arthur Whitten Bro‑wn, no dia 14 de junho, em pouco mais de 16 horas), as distâncias passaram a estar muito encurtadas no tempo.

A possibilidade do acesso geográfico global, em escalas de tempo rela‑tivamente curtas, potenciou o comércio global, assim como a difusão das ideias e das notícias pelo desenvolvimento do telégrafo na segunda metade do século xix e as emissões de rádio na primeira década do século xx via‑bilizaram a perceção da globalização. Mas esses desenvolvimentos tecno‑

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lógicos tiveram uma contraparte evidente: por um lado, a possibilidade de uma expansão mais generalizada de situações de conflitualidade até aí muito ou tendencialmente localizadas; por outro lado, as viagens e a circu‑lação acelerada e generalizada de pessoas e mercadorias também potenciou a expansão de doenças que até então tinham uma circunscrição mais endé‑mica, quando muito continental e num tempo de expansão longo.

A Peste Negra do século xiv foi porventura a que, até ao dealbar do sé‑culo xx, maior expansão geográfica abarcou – praticamente toda a Europa, uma parte considerável da Eurásia e o norte de África. Mas é preciso ter presente que a sua disseminação foi relativamente lenta e antecedida por episódios epidémicos muito circunscritos na Eurásia (Alcon 2003, 30 ‑32). O que tinha mudado na geografia ou na história daquelas partes do Mundo?

[…] by at least 1000 CE, humans in the Old World lived in a unified and relatively stable disease environment. Epidemics occurred periodically, but the diseases themselves became less virulent as time passed and immunities increased. […] All of this changed, around 1200 CE, with the expansion of the Asian caravan trade, the rise of the Mongol Empire, and the creation of new commercial routes across the Eurasian steppe between China and Rus‑sia. As merchants and Mongol armies traversed northern Eurasia, their traveling companions, Indian black rats ant their fleas, introduced the ba‑cilli that cause bubonic plague to the rodent population of that region. The ferocity of the epidemics that followed so devasted the population of Euro‑pe and the Middle East that the «Black Death», as it came to be known, has occupied a central place in the collective memory of those populations for the past six centuries.1 (Alcon 2003, 27 ‑28)

1 Tradução do autor: […] até pelo menos 1000 d.C., os seres humanos no Velho Mundo viviam num quadro de doenças relativamente estável e pouco diversificado. Algumas epidemias ocorriam periodicamente, mas as próprias doenças foram ‑se tornando menos virulentas com o passar do tempo e as imunidades aumentaram. […] Tudo isso mudou por volta de 1200 d.C., com a expansão do comércio das caravanas asiáticas, a ascensão do Império Mongol e a criação de novas rotas comerciais através da estepe eurasiática, entre a China e a Rússia. Enquanto os mercadores e os exércitos mongóis atravessavam o norte da Europa, os seus companheiros de viagem, os ratos‑‑pretos e as suas pulgas, transmitiam o bacilo que causava a peste bubónica entre os roedores dessas regiões. A ferocidade das epidemias que se seguiram devastou tanto a população da Europa e do Oriente Médio que a «Peste Negra», como ficou conhecida, ocupou um lugar central na memória coletiva dessas populações nos últimos seis séculos.

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Mas, como sublinha Suzanne Austin Alcon (2003, 31), foram neces‑sários mais de sete séculos, entre o ano de 541 d.C. – quando, à porta da Europa, a bubónica dizima cerca de 40% da população de Constantino‑pla (Russell 1968, 180 ‑181) – e meados do século xiv, para que a peste bubónica, a terrível «Peste Negra», tomasse a Europa na forma de uma pandemia global.

Em finais do século xix, irrompem na Europa, e também em Portugal, como tinha acontecido episodicamente nos séculos anteriores, novos surtos da peste bubónica. Esta epidemia nunca deixou de ser uma me‑mória viva nas populações europeias, mesmo que os seus efeitos já não fossem tão devastadores como o tinham sido na Idade Média. Mas o que agora havia de diferente era o grande avanço tecnológico no domínio das comunicações e transportes, e, correlativamente, o início da perceção clínica da bacteriologia, que dava os seus primeiros passos.

O surto de peste bubónica no Porto, em junho de 1899, o conjunto de disposições tomadas para o debelar, os reflexos sociais e políticos que então se manifestaram, ajudam a entender de que forma Portugal estaria ou não preparado para enfrentar a primeira pandemia global, a Gripe Pneumónica.

E ocorrendo a Pneumónica em plena Grande Guerra, potenciada, senão mesmo possibilitada, pelo conflito global, importa igualmente compreender até que ponto os serviços de saúde militar estavam prepa‑rados para enfrentar um desafio que se sobrepunha às suas já de si tão exigentes tarefas clínicas nas frentes de combate.

Na antecâmara da pandemia global

Ricardo Jorge, o muito conceituado médico da saúde pública – higie‑nista, como então se dizia – que exerceu diversos cargos na administra‑ção da saúde e detinha uma apreciável influência política, ganhou noto‑riedade depois de ter ocupado o lugar de médico municipal no Porto e, nessa qualidade, ter ajudado a combater, em 1899, conjuntamente com Câmara Pestana, a peste bubónica que a partir de julho daquele ano assolou a cidade do Porto (Jorge 1899).

Sabemos, pela leitura da Imprensa da época, que todas as medidas profiláticas então tomadas (evacuação e isolamento das casas afetadas e sua desinfestação) foram muito mal recebidas pela população da cidade:

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Principiou há dez dias esse espalhafatoso clamor de medidas sanitárias e não há ainda um serviço que funcione regularmente; não há um plano de medidas sanitárias sensatamente estabelecidas e criteriosamente pos‑to em acção, nenhum benefício foi concedido ao Porto senão este: cortaram ‑lhe as comunicações, embargaram o seu comércio, trucidaram‑‑lhe a indústria.2

No seguimento de outra medida, que embora não sendo da lavra de Ricardo Jorge e até com ela não concordando por inteiro, contribuiu fortemente para a oposição que lhe foi movida na Imprensa e nos círcu‑los mais ilustres da economia da cidade: o chamado cerco sanitário à cidade do Porto, iniciado a 27 de agosto («será interrompida a liberdade incondicional das suas relações com o resto do reino por meio dum cordão sanitário, disposto pelo modo mais ajustado»3).

A oposição ao desempenho clínico e sanitário de Ricardo Jorge já tinha ficado bem expressa a 21 de agosto, aquando do funeral de uma das vítimas da peste bubónica que mais populares tinha congregado:

Terminado o enterramento, uma massa de povo, não inferior a 1.000 pes‑soas, desfilou pelas ruas, mas numa atitude agitadíssima, que se traduziu em constantes morras a algumas personalidades que a epidemia mais tem posto em evidência. Em seguida encaminhou ‑se para a casa de um conhecido clí‑nico, residente à rua da Rainha, disposta a fazer ‑lhe uma manifestação hostil.4

O cortejo acabaria por ser disperso pela polícia, não sem que antes tivesse sido apedrejada a casa do pai de Ricardo Jorge, na Rua do Alma‑da, onde o higienista residira até alguns anos antes5.

No dia seguinte, novos incidentes ocorreram defronte do Laboratório Municipal, de onde Ricardo Jorge só conseguiu sair ao final da tarde escoltado pela polícia, após a multidão ter sido dispersada à bastonada6. De resto, nos dias seguintes, e enquanto permaneceu no Porto, Ricardo Jorge passaria a andar permanentemente escoltado pela polícia7.

2 O Comércio do Porto, 29.08.1899.3 Diário de Governo, 27.08.1899.4 Jornal de Notícias, 22.08.1899.5 Jornal de Notícias, 22.08.1899.6 O Comércio do Porto, 23.08.1899.7 Jornal de Notícias, 23.08.1899.

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Como se noticiava em Lisboa:

No Porto parece que até já está sendo alvo de injúrias, de apupos e de ameaças o notável e dedicadíssimo homem de ciência que teve a coragem e a abnegação de dizer a verdade no meio daqueles que a pretendiam tei‑mosamente ocultar, movidos por mesquinhos interesses particulares.8

Nos finais de setembro, Ricardo Jorge apresenta a sua demissão do cargo de diretor municipal de Saúde do Porto:

O dr. Ricardo Jorge enviou hoje ofícios ao governador civil e câmara mu‑nicipal, nos quais mostra a impossibilidade que tem em continuar, pela parte que lhe diz respeito, no combate da doença reinante, atento o desvairamento da opinião pública e da falta de concurso que todas as classes dirigentes do Porto precisam de prestar para que se estabeleça a situação sanitária da cidade.9

De nada valera o muito significativo reconhecimento e consagração dos seus pares nacionais e internacionais, como numa das primeiras manifestações públicas da então muito recente (novembro de 1898) As‑sociação dos Médicos Portugueses10:

A Associação dos Médicos Portugueses, considerando que o professor Ricardo Jorge, na presente epidemia de peste bubónica aparecida no Porto, tem desde o princípio norteado o seu procedimento pelo que a ciência e o dever profissional lhe impunham como iniludível, e considerando que tem procedido assim em circunstâncias que tornam difícil e por vezes perigoso o cumprimento integral e completo das suas obrigações morais e o exercício do seu cargo, louva a S. Ex.ª e afirma ‑lhe a sua admiração e o seu respeito como médico e como funcionário.11

Ainda assim, Ricardo Jorge teve de abandonar o Porto e – utilizemos as palavras certas – buscar refúgio em Lisboa, sendo nomeado inspetor‑

8 Diário de Notícias, 21.08.1899.9 Diário de Notícias, 30.09.1899.10 Antecessora da Ordem dos Médicos, que viria a ser instituída quarenta anos depois

pelo Decreto ‑Lei n.º 29171, de 24.11.1938.11 Diário de Notícias, 24.08.1899.

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‑geral dos Serviços Sanitários do Reino e lente de Higiene na Escola Médico ‑Cirúrgica de Lisboa, além de membro do Conselho Superior de Higiene e Saúde (Costa 2018, 20 ‑29).

Regressaria ao Porto em funções semelhantes, como inspetor ‑geral de Saúde, em 10 de janeiro de 1918 (Sousa et al. 2009, 184), durante o surto epidémico de tifo que assolou aquela cidade em finais de 1917 e nos inícios de 1918, poucos meses antes de se declarar por todo o País, como por todo o mundo, a pandemia da Pneumónica, a «gripe espanhola».

Médicos expedicionários: testemunhos do desastre sanitário

Em meados de 1933, num quadro de evocações memorialistas da Guerra em que aquela década seria tão fértil, Américo Pires de Lima publicava Na Costa de África (memórias de um médico expedicionário a Moçambique).

A obra de Pires de Lima, originário de uma conceituada família de médicos e naturalistas (e não só) do Norte, é uma peça indispensável para ajudar a conhecer e perceber o desastre sanitário da campanha no norte de Moçambique entre 1916 e 1918 (Pereira 2015). Mas o livro de Américo Pires de Lima tem outras virtudes, algumas intrínsecas à pró‑pria edição.

As ilustrações que ponteiam a edição são de Abel Salazar, professor catedrático de Histologia e Embriologia na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, fundador do Instituto de Histologia e Embriolo‑gia daquela Universidade, o mesmo que dois anos depois, em junho de 1935, seria afastado do ensino e do Instituto por Portaria do Governo, dada «a influência deletéria da sua ação pedagógica sobre a mocidade universitária»12. Como se sabe, dedicar ‑se ‑ia então à pintura e à escul‑tura, e o facto de ter aceitado ilustrar o livro de Américo Pires de Lima prenunciava essa sua dedicação às artes.

Mas o que mais releva na «história social» da edição é o prefácio de Ricardo Jorge. Em meados de 1933, quando este prefacia o livro de Américo Pires de Lima, as memórias médicas do que tinham sido as campanhas em África e na Flandres, sobretudo em África e particular‑

12 Diário de Governo n.º 128, 05.06.1935.

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mente em Moçambique, não se deixavam engalanar em epopeias impan‑tes e vitoriosas.

Américo Pires de Lima era apenas um dos vinte e três médicos que acompanharam a Expedição a Moçambique de 191613, comandada pelo general Ferreira Gil, a qual, menos de três meses depois do desembarque no norte de Moçambique (4 de julho de 1916), em Palma, e mesmo antes da entrada em combate com os alemães (19 de setembro) e prati‑camente sem terem disparado um único tiro, já tinha perdido, por doen‑ça e baixas médicas, mais de 30% dos efetivos expedicionários (Pélissier 1988, 388)14.

O relato de Pires de Lima, como o de outro médico militar, Joaquim Alves Correia de Araújo (Araújo 2015), são concordantes quanto ao desastre sanitário das expedições africanas, bem como o menos conhe‑cido relato de Carlos Cincinato da Costa Frias, Sanidade Militar (1919), que, apesar de não relatar casos específicos, deixa perceber, por compa‑ração com os serviços de saúde do exército britânico, como a organiza‑ção dos serviços de saúde do CEP (Corpo Expedicionário Português) era manifestamente precária, fosse na frente europeia, fosse nas campanhas de África.

Costa Frias, pôde, de facto, enquanto oficial de ligação (Sanitary Staff Officer) entre o serviço de saúde militar português e a superinten‑dência de saúde inglesa do 1.º Exército Britânico, dotar ‑se de uma ímpar visão comparativa, propondo, no seu regresso da Guerra, já em 1919, uma reorganização total dos serviços de saúde militar inspirada no mo‑delo britânico:

13 «Mapa das Unidades que fazem parte da Expedição», PT/AHM/2/7/10/8.14 René Pélissier trabalhou exaustivamente os fundos arquivísticos portugueses,

nomeadamente o Arquivo Histórico Militar (PT/AHM) e o Arquivo Histórico Ultramarino, e revela um notável conhecimento das fontes impressas até ao ano (1988) em que fez editar os dois volumes de uma História de Moçambique. Ousou publicar um quadro ‑resumo das baixas portuguesas das expedições portuguesas no norte de Moçambique entre 1914 e 1918, reconhecendo, contudo, que aqueles dados eram pouco consistentes, pela contradição ou inexistência de fontes seguras. De todo o modo, as fontes por nós consultadas em arquivo são concordantes com as deduções de Pélissier, nomeadamente o muito pormenorizado «Corpo Expedicionário a Moçambique, 1916‑‑1918. Diário de Campanha» (PT/AHM/2/7/10/6), bem como, ainda, a «Relação dos oficiais e praças feridos durante as operações realizadas pela Expedição a Moçambique em 1917 ‑1918» (PT/AHM/2/7/10/2).

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Na conflagração europeia, a Inglaterra dotou os seus exércitos com um serviço de higiene modelar e os resultados manifestaram ‑se logo desde o co‑meço. Muitas vezes, batalhões inteiros, estiveram em quarentena, por causa dum único soldado atacado por uma doença infecciosa. Fornecia ‑se toda a gama de aparelhos sanitários, de fácil construção e manipulação, ou eram construídos pelas próprias companhias, para se conseguir uma higiene do acampamento o mais perfeita possível. Aplicaram ‑se penas severas a quem praticasse qualquer acto que fosse contrário aos preceitos de higiene indicados pelas autoridades competentes, e assim se conseguiu na verdade, evitar doenças e epidemias, que à primeira vista se contavam como certas. É evidente que para conseguir tudo isto foi preciso uma organização especial, exclusivamente devotada aos seus fins, servida por bons técnicos e largamente apetrechada; requisitos estes que os ingleses preencheram muito satisfatoriamente. (Frias 1919, 12 ‑13)

Na sua «Dissertação Inaugural», pela qual se submeteu a provas na Faculdade de Medicina do Porto, «verificando o atraso sobre matéria higiénica em que se encontrava o nosso Exército, começamos a coligir dados para a elaboração deste modesto trabalho que se nos afigura ser de algum proveito» (Frias 1919, 3 ‑4), Costa Frias explana em pouco mais de cem páginas todo um plano de reorganização dos serviços de saúde militar em campanha, tomando como exemplo a organização inglesa.

A precariedade da organização ou mesmo a impreparação dos servi‑ços de saúde militar, como manifestamente ficou atestado nas campanhas europeia e africana, colocam a questão de se saber como é que Portugal, que não entra de supetão na Guerra quando esta se desencadeou em julho de 1914, mas apenas em março de 1916, preparou o seu corpo clínico e os serviços para o desafio de uma guerra envolvendo centenas de milhares de efetivos, deslocados para frentes de combate tão clima‑tericamente diferentes, como eram o frio norte da Europa ou o tórrido sul de Angola, às portas do deserto do Namibe, ou o inóspito e insalubre norte de Moçambique, em que a malária e as infeções intestinais ami‑bianas eram absolutamente endémicas.

A preparação sanitária para a guerra

Conhecendo ‑se o lugar de destaque de Ricardo Jorge na definição das políticas de saúde pública em Portugal, desde o momento em que fora

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nomeado, ainda em 1899, inspetor ‑geral de Saúde, incumbido de orga‑nizar e dirigir o Instituto Central de Higiene (o antecessor do que hoje leva o seu nome) em 1903, principal impulsionador e organizador do Congresso Internacional de Medicina em Lisboa, de 1906, presidente da Sociedade de Ciências Médicas em 1914 e 1915, seria de esperar, sublinhe ‑se, que de algum modo estivesse envolvido ou se deixasse en‑volver na organização dos serviços sanitários que acompanhariam as expedições à Flandres e a África.

E, como evoca no «Prefácio» ao livro de Américo Pires de Lima, Ricardo Jorge foi de facto chamado em junho de 1916 pelo ministro da Guerra do 13.º Governo Republicano (o governo da chamada União Sagrada), o general José Maria Mendes Ribeiro Norton de Matos, a fazer uma palestra ao CIM (Campo de Instrução e Manobras) de Tancos, onde, sob as ordens do general Fernando Tamagnini de Abreu e Silva, se preparavam os primeiros corpos expedicionários para a Flandres.

O convite do general Norton de Matos tinha ‑lhe sido dirigido em atenção à experiência recente de Ricardo Jorge com as formações sani‑tárias das forças aliadas, numa visita que teria ocorrido nos meses ante‑riores, já em 1916 e após a entrada de Portugal na Guerra (9 de março daquele ano), naquilo que o próprio Ricardo Jorge designava por «uma primeira excursão pelos arraiais da guerra, desde Étaples à Champanha, na participação das conferências sanitárias interaliadas onde se sentavam os mestres da higiene em acção…» (Lima 1933, XII).

Ora, quando Ricardo Jorge se preparava para corresponder ao pedido do ministro da Guerra, foi confrontado com enormes dificuldades.

[…] mandava ‑me o ministro da guerra fazer uma palestra ao acampa‑mento de Tancos, em que se preparava a primeira leva do corpo expedicio‑nário português. Pois os meus colegas do exército reuniram ‑se – só tarde o soube – para decidir se sim ou não haviam de receber o enviado, em vista da sua falta de divisas na manga do casaco. Essas conferências, [...] não eram mais que a expressão do meu mister de higienista, exercido de muito oficialmente e não oficialmente, dentro da sociedade portuguesa e no meio científico estrangeiro, ao que a minha paisanidade tirava todo o valor efec‑tivo. A pregação pela adopção dos meios de profilaxia anti ‑tifóidica pela vacina T.A.B. cuja remessa gratuita por parte de VINCENT se deixou des‑truir no cais do porto, a opinião de que o regimento de saúde militar vigen‑te tinha de ser substituído pelo regimento britânico, não só pela sua exce‑

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lência, mas porque ao lado de ingleses fomos combater, ergueram celeuma e invectivas. Declinei a nomeação iminente de coronel médico, que em caso nenhum aceitaria, como declinei em seguida qualquer papel activo ou pas‑sivo que me fora oficialmente solicitado na organização sanitária da cam‑panha; tinha compreendido a inutilidade do meu esforço. (As animosidades contra o sincero colaborador chegaram à miséria de, em 1917, me negarem a entrada nos acampamentos portugueses da Flandres; a minha visita, frase oficial do quartel general, foi julgada «inconveniente e impossível»: nas minhas impressões de guerra registei este odiento e baixo episódio. (Lima 1933, XII)

Em resumo, Ricardo Jorge defendia que o modelo de organização dos serviços de saúde em campanha se deveria estabelecer à semelhança do modelo britânico, o que deve ter acicatado as maiores animosidades nos serviços de saúde militar portugueses, que se julgavam autossuficientes e eficientes para as tarefas que teriam de cumprir nos teatros de operações.

Desse primeiro confronto com as estruturas de saúde militar resultou claro para Ricardo Jorge que não conseguiria afirmar as suas ideias e que, apesar do seu reconhecimento e muito prestígio a nível nacional e internacional, não haveria espaço para qualquer (como ele diz) «papel activo ou passivo que me fora oficialmente solicitado na organização sanitária da campanha» (Lima 1933, XII).

A experiência de Tancos deve ‑o ter marcado profundamente, porque em 1936, ou seja, três anos depois de ter escrito o prefácio ao livro de Pires de Lima, Ricardo Jorge republicaria o texto da palestra que tinha proferido vinte anos antes, em 23 de julho de 1916, perante os oficiais médicos dos corpos expedicionários portugueses reunidos em Tancos, depois repetida em agosto de 1916 na Faculdade de Medicina de Lisboa15.

Em primeiro lugar, Ricardo Jorge defendia a densificação e hierar‑quização dos serviços de saúde militar portugueses e evocava, para tan‑to, os exemplos de ingleses e franceses. Os franceses tinham instaurado um ministério suplementar, o secretário de Estado dos Serviços de Saú‑de Militar; os ingleses, que tinham arregimentado para os quadros do exército cerca de dois terços da sua classe médica, tinham criado o lugar

15 Sob o título «Sanidade em Campanha», encontra ‑se publicado em duas edições da revista Arquivos do Instituto Central de Higiene, a primeira em 1917, a segunda em 1936. Todas as referências contemplarão as duas edições.

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de surgeon ‑general, um oficial médico com a patente de tenente ‑general, o que na hierarquia militar britânica da altura era superior a general de divisão.

Contudo, apesar de franceses e ingleses terem sabido, por igual ou semelhantemente, criar estruturas adequadas ao crescimento do corpo mé‑dico militar (sublinhe ‑se que cerca de dois terços da classe médica britâ‑nica tinham sido arregimentados ou viriam a sê ‑lo), desde logo estabele‑ceram uma diferença substancial na própria organização dos serviços.

Os ingleses, ao contrário dos franceses, tinham percebido, em ante‑cipação e desde o primeiro momento que se instalaram em França, a importância dos mandamentos da Higiene e da Epidemiologia, bem como da salubrização em campanha.

Numa linguagem tão característica da época, adjetivada e quase épi‑ca, sempre laudatória, Ricardo Jorge exalta o modelo britânico da orga‑nização dos serviços de saúde militar, através dos quais se dá um lugar de primazia à Higiene:

Não podia deixar de ser uma lição viva e perfeita de medicina sanitária o arraial de um país como a Inglaterra, a pátria da higiene social, onde a saúde é uma espécie de imperativo categórico, característica popular e distintivo nacional, quase um sinal etnológico. O êxodo do exército da Grã ‑Bretanha não é só um testemunho nunca visto do império cívico e bélico; constitui um magnífico ensinamento de sanificação, trazido pela mais alta civilização físi‑ca à Europa continental. (Jorge 1917, 12 ‑13; Jorge 1936, 88 ‑89)

Uma parte substancial da palestra em Tancos, tal como ela se repro‑duz na sua versão publicada nos Arquivos do Instituto Central de Higie‑ne, foi dedicada à demonstração e ilustração do princípio de que a doen‑ça matava mais no campo de batalha do que as armas:

[…] a lei geral da mortandade bélica, até ao advento salvador da Higie‑ne de hoje em dia, tem sido a da proporção inversa: a morte natural sobre‑leva à morte violenta, o soldado está mais exposto a morrer na garra da enfermidade que nas mãos do inimigo. (Jorge 1917, 13; Jorge 1936, 89)

Apesar de a qualidade dos dados coligidos ser muito variável, e de as condições objetivas do terreno e dos conflitos serem muito diversas, Ri‑cardo Jorge estabelece, evocando várias fontes, que em quase um século

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Quadro 1 – «Por uma morte pelas armas, quantas pelas doenças?»

Fonte: Jorge 1917, 12 ‑13; Jorge 1936, 92 ‑93.

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de guerras, entre 1793 e 1865, teriam morrido de doença «seis milhões e meio de soldados, ao passo que de feridos (em combate) sucumbiram milhão e meio. Uma proporção global quadrupla: enquanto a arma der‑rubava 1, a moléstia derrubava 4» (Jorge 1917, 13 ‑14; Jorge 1936, 90).

Para acentuar o seu ponto de vista e aludir aos efeitos da «guerra moderna» (do ponto de vista das técnicas e das armas envolvidas), ilus‑tra a sua comunicação com um quadro, que aqui se reproduz, fazendo opor o número de baixas em combate ao número dos vitimados pela doença nos conflitos bélicos mais recentes, à altura em que fazia a sua exposição em Tancos, em julho de 1916, desde a Guerra da Crimeia (1854 ‑1856) à Guerra Russo ‑Japonesa (1904 ‑1905).

O que ressalta de imediato, numa visão muito geral, é a grande pre‑dominância das baixas por doença sobre os mortos em combate. Mas também se destacam, num segundo olhar, as exceções. E é sobre o que essas exceções significam que Ricardo Jorge se irá deter e retirar as ilações mais significativas.

Em primeiro lugar, a Guerra Franco ‑Prussiana de 1870 ‑1871, entre 19 de julho e 10 de maio do ano seguinte, na qual, pela primeira vez num conflito destas características (concentração de efetivos no espaço e no tempo), o número de mortos em combate do lado alemão (28 210) foi praticamente o dobro dos mortos por doença (14 906). As causas desta inversão explica ‑as Ricardo Jorge:

Foi uma guerra curta e vitoriosa, onde fizera a sua estreia a nova organi‑zação prussiana dum corpo médico dotado de autonomia, competência e recursos – sistema eficaz […] que deixou a perder de vista a medicina mili‑tar francesa, instituição rotineira e caduca, ineptamente subordinada à inten‑dência, deficiente em quadros, em auxiliares e em material, numa impotência funesta a rematar a desgraça das derrotas. (Jorge 1917, 16; Jorge 1936, 92)

Em segundo lugar, o caso da Primeira Guerra da Manchúria em 1904‑‑1905 (5 de fevereiro de 1904 a 5 de setembro de 1905), a Guerra Russo‑‑Japonesa, na qual, do lado japonês, a inversão dos valores foi igualmen‑te muito assertiva, ou seja, menos de metade das baixas foram ‑no por doença, num valor até então nunca alcançado e com maior expressão que o das baixas alemãs na Guerra Franco ‑Prussiana, quer dado o nú‑mero de efetivos envolvidos, quer pela duração do conflito (quase o dobro do tempo, de dez para dezanove meses).

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Ricardo Jorge exulta:

A possibilidade de reduzir a letalidade por morbidez, pondo ‑a abaixo da letalidade por peleja, só veio a ter execução demonstrativa na Guerra da Manchúria 1904 ‑1905, sobretudo da banda japonesa, graças ao esforço fe‑liz do corpo sanitário do seu exército, admiravelmente organizado, treinado e equipado. Nenhum exército europeu ao tempo sobrepujava o nipónico em pontos de sanidade em campanha, e talvez mesmo nenhum o igualasse. (Jorge 1917, 16; Jorge 1936, 92)

O sucesso assentava, como enfatiza Jorge, na rigorosa observância de regras de salubridade, como por exemplo a estrita separação dos soldados doentes dos demais, isolando ‑os do contacto com os restantes camaradas aos primeiros sinais de doença, no cumprimento das normas sanitárias no que se referia à alimentação, ao abastecimento de água e víveres, ao devido tratamento dos dejetos na técnica do «afolheamento», num obsessivo esforço de defesa preventiva das doenças endémicas que se propagam com muita celeridade em qualquer ajuntamento humano, como aquele que caracteriza um exército em campanha.

Ora, da visita de Ricardo Jorge em finais de março de 1916, a tal «excursão pelos arraiais da guerra», em boa verdade uma visita às for‑mações sanitárias das forças aliadas na frente europeia, constata que os ensinamentos da Medicina moderna, sobretudo os da Higiene e Sanida‑de públicas, estavam a dar os seus frutos:

Os hospitais de isolamento que visitei, despovoados, de leitos ermos, quasi diria às moscas […] Como conspecto geral da epidemiologia reinan‑te nas linhas que se desenrolam na Bélgica e em França, pode ‑se dizer que as pestilências militares estão a findar. Basta dizer que os decessos naturais das tropas em campanha se apresentam numa quota inferior à dos tempos de paz – e isso diz tudo. Soube ‑se enfim remir a guerra dos males da guer‑ra no campo das infecções […] Da trindade conjunta que de sempre apavo‑rara a humanidade – peste, fome e guerra – a ciência não pôde prevenir a guerra, nem tem podido valer à fome, mas soube atalhar a peste. (Jorge 1917, 23; Jorge 1936, 99 ‑100)

E estariam os serviços de saúde militar estacionados em Tancos na‑queles meses de treino para as campanhas que se avizinhavam, e peran‑

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te os quais agora Ricardo Jorge discursava, preparados para a missão que teriam de cumprir na Flandres?

Pela avaliação de Ricardo Jorge, de modo algum. Depois de aludir ao pioneirismo na saúde militar de Ribeiro Sanches, o médico cristão‑‑novo que em 1730, acusado de judaísmo pela Inquisição, teve de buscar refúgio no outro extremo da Europa, tornando ‑se médico do Corpo Im‑perial dos Cadetes de São Petersburgo, na Rússia, convidava ‑o a consi‑go inspecionar os serviços de saúde militar portugueses:

Na terra sua, naquela donde a Inquisição o mantinha isolado e o obscurantismo o repelia, que encontraria como sementeira das suas ad‑jurações, volvido vai para dois séculos […] Veria que a marinha portu‑guesa não tem tido navios ‑hospitais nem material sanitário a bordo dos vasos de guerra. Veria no exército de terra o raro arsenal ambulancial reduzido a viaturas anacrónicas, espécie de sucata de refugo, com as caixas de instrumental e drogas, que ele queria apercebidas e arroladas, vazias dos conteúdos. Veria o hospital militar da capital do país, um pardieiro desmantelado, desguarnecido, desdotado, onde tem reinado o percevejo em praga egípcia permanente. Veria o soldado de África, re‑laxado ao sezonismo e aos males dos trópicos […] vítima obscura da doença e da morte, pária militar sem amparo nem glória. Veria tolhido ao oficial médico o acesso ao posto de general, um estigma de inferio‑ridade hierárquica só visto em Portugal, mas franqueadas as promoções de que são inteiramente excluídas a superioridade intelectual, o saber adquirido, a competência técnica, o zelo demonstrado, sem selecção de nenhuma espécie, suprimidos até os exames intercalares de carreira que vigoram nas outras armas […] Onde iremos com estes balanços? (Jorge 1917, 30 ‑31; Jorge 1936, 106 ‑107)

Pois a resposta conhecemo ‑la bem, pelo menos no que se refere ao desastre sanitário das campanhas expedicionárias em África. E se na frente europeia o desastre sanitário foi menor, tal se ficou a dever, por um lado, ao encosto aos serviços sanitários de outras forças alia‑das que, sempre que podiam e lhes era requerido, disponibilizavam meios e recursos, por outro, ao número elevado de mortes em com‑bate que se sobrelevaram às mortes por doença, tornando menor o impacto destas.

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Podemos imaginar, mas apenas imaginar, pois que quase não exis‑te nenhum registo da receção à palestra de Tancos16, os rostos lívidos de raiva nas mais altas patentes que assistiam ao discurso de Ricardo Jorge.

É de crer que todo o corpo de oficiais estivesse presente (chegaram a estar estabelecidos em Tancos 20 000 soldados, pelo que podemos avaliar em centenas o número de oficiais), desde o general que coman‑dava a Divisão, Tamagnini de Abreu e Silva, aos responsáveis dos Ser‑viços de Saúde da Divisão de Instrução, mormente o major médico José Gomes Ribeiro, que a chefiava.

José Gomes Ribeiro, no termo do período de instrução, remeteria ao comandante da Divisão, general Tamagnini, o Relatório dos Serviços de Saúde referente àquele período de instrução em Tancos17.

Numa escrita que se espraia por sessenta e seis páginas datilografa‑das, nem uma referência a Ricardo Jorge ou à sua passagem pelo Polí‑gono de Tancos.

Mas poder ‑se ‑ia pensar que tal até não seria necessário, desde que se percebesse que a palestra de Ricardo Jorge tinha deixado algum eco nas hostes da saúde militar.

Pois nos mais altos comandos do CIM (Campo de Instrução e Mano‑bras), porventura ao nível do seu Estado ‑Maior, as palavras de Ricardo Jorge caíram, todavia, em saco roto.

Mesmo que o oficial médico estivesse preocupado com o destino das fezes e dos excrementos de 20 000 homens e de 5000 animais, onde o médico via um problema, o Estado ‑Maior via uma oportunidade de ne‑gócio: «Informou ‑me o Comando que os estrumes seriam vendidos e que o arrematante faria juntamente com a sua remoção diária a dos de‑jectos humanos e a de todos os detritos.»18

16 A única menção em meio militar contemporâneo da palestra de Ricardo Jorge em Tancos, a 23 de julho de 1916, encontra ‑se no «Relatório da Comissão Técnica de Infantaria», elaborado no termo da visita da Comissão ao CIM de Tancos e que coincidentemente teve oportunidade de assistir à palestra de Ricardo Jorge. Numa breve passagem alude ‑se à excelência da comunicação, uma das poucas passagens elogiosas sobre a organização e preparação das tropas portuguesas em Tancos (cit. em Sousa 2016, nota 52).

17 «Relatório dos trabalhos realizados pela Divisão de Instrução concentrada no Polígono de Tancos em 1916 […]», PT/AHM/3/05/22/209.

18 Idem, s.n.

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Pode ‑se apenas imaginar o espetáculo diário de toneladas de dejetos e fezes despejadas às pazadas para carroças abertas de tração animal, que depois atravessavam vagarosamente o extenso bivaque com milha‑res de tendas de lona onde se acomodavam aquelas duas dezenas de milhares de soldados em instrução.

Ricardo Jorge, na parte final da sua comunicação em Tancos, tinha sido muito claro e assertivo:

O primeiro esforço dessa missão, a realizar nos campos de manobras, é talhar o soldado português pelos moldes da higiene: torná ‑lo saudável, gra‑ças aos preceitos da higiene, e torná ‑lo resistente às infecções, graças aos processos vacinais; impedir com os recursos e a disciplina da profilaxia, actualizada pelo ensino da guerra de hoje, que o soldado seja lenha e acen‑dalha de epidemias. Um treino tão rigoroso como o da instrução militar. (Jorge 1917, 33; Jorge 1936, 109)

Pois tudo isso foi ignorado, como a História se encarregaria de com‑provar, com as consequências que de todos são conhecidas.

Pneumónica, a terceira frente

Nos meios da Saúde Militar, Ricardo Jorge, o conceituado e reconhe‑cido higienista, foi ostracizado, ignorado, quase banido. Nas vésperas da sua ida a Tancos, sob o convite expresso do ministro da Guerra, o corpo médico militar do Polígono discutia com o Comando da Divisão a conveniência da sua palestra naquele local.

Ricardo Jorge deve ter sentido esse clima de rejeição e, por isso mesmo, ele que tanto empenho tinha nas causas públicas da saúde, se afastou de qual‑quer intervenção na preparação ou organização dos serviços de saúde militar durante a Guerra de 1914 ‑1918 e nem quando Norton de Matos o quis aliciar com a patente de coronel médico aceitou integrar e dirigir aqueles serviços.

Ademais, na Imprensa de Lisboa, conclamava ‑se pelo «admirável estado sanitário de Tancos», como escrevia Adelino Mendes, correspon‑dente de A Capital (Mendes e César 1917, 65), em gritante contramão com tudo o que Ricardo Jorge diagnosticara na palestra.

Da classe médica militar e dos comandos do exército português sen‑tiu o mesmo desprezo e hostilidade que tinha sentido no Porto, dezasse‑te anos antes, quando intentava coordenar o combate sanitário ao surto

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de peste bubónica que assolou a cidade. Também nessa altura um médi‑co militar encabeçou a contestação clínica às disposições e metodologias de combate à peste bubónica no Porto.

José Gomes da Silva, coronel médico do exército, com carreira polí‑tica – fora presidente da Câmara de Díli e reitor do Liceu de Macau, além de diretor dos Serviços de Saúde daquela cidade –, regressara do Oriente em outubro de 1899. Desembarcado em Lisboa nos primeiros dias de outubro de 1899, deu uma entrevista ao Jornal de Notícias, des‑valorizando o surto da peste bubónica no Porto:

Ar, muito ar, uma boa alimentação, e não haja medo de morrer de fatal doença. Assim, eu a tenho debelado em Macau e ali a peste não é como a do Porto, que é uma brincadeira ao pé dela.19

Nos dias seguintes, em declarações esparsas na Imprensa do Porto, Gomes da Silva sedimentaria a ideia de que o conjunto de medidas sa‑nitárias tomadas por Ricardo Jorge eram manifestamente exageradas e desadequadas, culminando por afirmar, a 15 de outubro, em entrevista ao Jornal de Notícias, que, «pela sua benignidade», acredita tratar ‑se esta de «uma peste típica, com o carácter da endemia e, portanto, sem os traços devastadores que costuma fazer na China»20.

Ricardo Jorge rumara já a Lisboa, assumindo então a direção dos Serviços de Saúde do Porto o seu amigo, também higienista, Luís da Câmara Pestana, que morreria pouco depois, a 15 de novembro, tocado pela «benignidade» da peste que o coronel médico Gomes da Silva pro‑pagandeara como tal.

Se perante o relativamente localizado surto de peste bubónica do Porto, em 1899, a ignorância, a displicência e a sobranceria fizeram o seu caminho e se impuseram na opinião pública e na sociedade, como enfrentaria Portugal, daí a menos de vinte anos, a pandemia global?

Em Portugal, entre abril/maio de 1918 e maio de 1919, a Gripe Pneu‑mónica grassou impante, com o seu zénite no último trimestre de 1918. Nada do que até então fora observado e registado em território português se poderia comparar à mortandade registada. Embora ainda esteja por determinar com exatidão o número de vítimas, estima ‑se que tenha ron‑

19 Jornal de Notícias, 03.10.1899.20 Jornal de Notícias, 15.10.1899.

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dado os 120 000 mortos, havendo autores que apontaram para 135 257 óbitos (Bandeira 2009, 138). Contudo, as investigações mais recentes, fundamentadas em metodologias comparativas devidamente testadas, mormente o excesso de mortes (diferença entre o número expectável de mortos, na evolução demográfica dos anos anteriores, e o número de mor‑tes efetivamente registado) situa o número de vítimas abaixo das 120 000:

Overall, the 1918 ‑19 pandemic was associated with an estimated 117,764 excess all ‑cause deaths, representing a rate of 195.7 deaths per 10,000 inha‑bitants. The highest impact was observed in the first pandemic period that extends from summer 1918 to winter 1918 ‑19, accounting for 95% of excess deaths (186.88 per 10,000 inhabitants). The second period in spring 1919 accounted for 8.86 deaths per 10,000 inhabitants.21 (Nunes et al. 2018, 2546)

Tratou ‑se, de resto como em todo o mundo, de uma catástrofe epidé‑mica sem comparação com qualquer outra de qualquer outra época:

Global mortality from the influenza pandemic appears to have been of the order of 50 million. However, even this vast figure may be substantially lower than the real toll, perhaps as much as 100 percent understated. The‑re are vast areas of the world for which we have no or little information, and often what information we do have is of dubious quality and contradic‑tory. […] the real pandemic mortality may fall in the range of 50 to 100 million, but it would seem unlikely that a truly accurate figure can ever be calculated.22 (Johnson e Mueller 2002, 115)

21 Tradução do autor: No geral, a pandemia de 1918 ‑19 foi associada a um total estimado de 117 764, acima das mortes por todas as outras causas, representando uma taxa de 195,7 mortes por 10 000 habitantes. O maior impacto foi observado no primeiro período pandémico, que se estende do verão de 1918 até ao inverno de 1918 ‑1919, representando 95% do excesso de mortes por todas as outras causas (186,88 por 10 000 habitantes). O segundo período, na primavera de 1919, foi responsável por 8,86 mortes por 10 000 habitantes.

22 Tradução do autor: A mortalidade global da epidemia da gripe parece ter sido da ordem dos 50 milhões de mortos. Contudo, até a enormidade deste valor pode ser substancialmente mais baixa do que o efetivamente ocorrido, porventura subestimado até 100%. Existem várias áreas do mundo sobre as quais não se tem nenhuma ou pouca informação, e frequentemente a informação que se tem é de qualidade duvidosa e contraditória. […] a verdadeira mortalidade da pandemia deve situar ‑se na faixa entre os 50 a 100 milhões de mortos, mas parece improvável que um número verdadeiramente preciso possa alguma vez ser calculado.

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Quando a pandemia irrompe em Portugal, entre março e maio de 1918 – as dificuldades então sentidas no diagnóstico inicial têm levado a al‑guma incerteza quanto à data mais exata do primeiro caso, apesar de alguns autores continuarem a reiterar os finais de maio de 1918 (Sobral e Lima 2018, 9) –, o País estava, mais do que politicamente, sobretudo económica e socialmente empenhado na guerra.

Todo o contexto político, social e económico do Portugal daqueles anos da Grande Guerra, da instabilidade da Primeira República parla‑mentar, do sidonismo autocrático, do atávico atraso económico que uma incipiente industrialização não conseguia eludir, todos esses fatores como potenciadores da expansão e mortandade da Pneumónica têm sido devidamente sobrelevados nos excelentes textos de José Manuel Sobral, Maria Luísa Lima e outros (Sobral et al. 2009; Sobral e Lima 2018).

Existe, de todo o modo, uma dimensão do fenómeno que não tem sido suficientemente considerada. Como temos relevado nas páginas anteriores, mau grado a preparação e até o reconhecimento internacional e institucional de alguns médicos higienistas e bacteriologistas, como Ricardo Jorge, Luís da Câmara Pestana e Abel Salazar, a opinião públi‑ca, algumas corporações e até mesmo setores da classe médica, ignora‑vam os avanços mais recentes da bacteriologia e as recomendações das melhores práticas sanitárias e higienistas.

A natureza da resposta clínica ao surgimento impante da Pneumónica pode ajudar a explicar a sobremortalidade que adveio desta moléstia. Essa resposta expressou ‑se diversamente, atendendo a um encadear de fatores.

Em primeiro lugar, e como já foi devidamente assinalado (Bandeira 2009, 136), a Pneumónica não teve a mesma expressão fatídica por todo o território nacional: Lisboa e Porto, apesar de constituírem as maiores manchas populacionais de Portugal e de terem tido, em termos absolutos, o maior número de mortos, tiveram, em termos percentuais relativos, menos mortos do que o resto do País. O que se explica por nestas cida‑des existirem mais médicos e mais equipamentos de saúde. Nas zonas do interior, mais periféricas, como Trás ‑os ‑Montes, Algarve e o eixo central composto pelos distritos de Leiria, Santarém, Coimbra e Viseu, por exemplo, as percentagens foram muito mais elevadas (ver quadros detalhados, por distrito, em Bandeira 2009, 146 ‑154; e também em Nu‑nes et al. 2018, 2546 ‑2548).

Em segundo lugar, não deve ser ignorado o facto de uma quantidade apreciável de médicos estarem arregimentados no esforço de guerra.

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Ou seja, num país cuja distribuição de médicos pelo território já era muito deficiente e desequilibrada, com a expressiva maioria dos clínicos no litoral e sobretudo concentrados nas grandes cidades, Lisboa e Porto, a incorporação de médicos nos efetivos militares e o seu envio para as frentes europeia e africana veio fazer rarescer, ainda mais, a já débil distribuição de clínicos pelos distritos rurais do interior. É preciso fazer lembrar que se encontravam mobilizados no esforço de guerra, na Flan‑dres e nas frentes africanas, cerca de 640 médicos (Fraga 2006, 9 ‑13), quando o número de médicos em Portugal não deveria exceder os 2400.

Todos os médicos com idades compreendidas entre os 20 e os 30 anos eram mobilizados, desde que julgados fisicamente aptos por Junta Hos‑pitalar; e, em caso de necessidade, um decreto governamental de abril de 1916 (cit. em Fraga 2016, 6) tinha determinado que, se necessário, também poderiam ser mobilizados, como foram, de resto, médicos de outras classes de idade, primeiro aqueles com idades compreendidas entre os 30 e os 40 anos, depois, se mesmo assim ainda necessário, aqueloutros com idades entre os 40 e os 45 anos (Fraga 2006, 6).

Em terceiro lugar, e em consequência do que acima se expôs, não só o número de médicos disponíveis desceu acentuadamente, com reflexo mais gravoso no interior, onde a sua distribuição já era muito fraca, como também os que ficaram eram de classe etária mais avançada, de formação mais antiga e, portanto, mais avessos aos conhecimentos dos novos ramos da Medicina, como a bacteriologia, a epidemiologia e o sanitarismo.

Com mais de um terço dos seus médicos arregimentados na Grande Guerra, os restantes dois terços concentrados sobretudo na faixa litoral e, principalmente, nas principais cidades, Lisboa e Porto − numa época em que a população rural do interior ainda excedia os 85% (Rodrigues e Pinto 1997, 16 ‑17) e dos 14,2% de população urbana em 1920 (ano do censo existente, mas com razões para acreditarmos que não deveria ser significativamente diferente em 1918), 85,7% estava localizada nas cida‑des de Lisboa e Porto (Rodrigues e Pinto 1997, 21) −, não será de espan‑tar que a mortalidade provocada pela Pneumónica tivesse sido relativa‑mente muito mais elevada, em termos percentuais, no interior rural.

Os distritos de Coimbra, Vila Real, Leiria, Santarém, Faro, Viseu e Bragança lideraram o quadro de mortalidade percentual causada pela Pneumónica (Bandeira 2009, 146 ‑149) e não surpreende que demogra‑ficamente fossem também, nessa época, os distritos com menor taxa de população urbana (Rodrigues e Pinto 1997, 20). Mesmo que nos cause

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estranheza o facto de Coimbra encabeçar a lista, deveremos ter presen‑te que a capital de distrito só atingiu os 20 000 habitantes em 1930 e que no Censo de 1920 revelava ter apenas 7,2% da população do distrito a viver em meio urbano, quando, por exemplo Braga acusava 7,5%, Cas‑telo Branco 7,9% e Évora 11,7% (Rodrigues e Pinto 1997, 16 ‑17).

Mas se com a chegada da Pneumónica a população rural do interior, mais do que a das cidades, parecesse estar apenas entregue à sua sorte, o número de óbitos presumidos por Pneumónica nos distritos de Lisboa (18 338) e Porto (17 865) era muito superior (Bandeira 2009, 146 ‑149), tendencialmente o dobro, ao do distrito de Coimbra (9424), tendo pre‑sente, todavia, que se refere a números absolutos, sendo que a realidade demográfica do distrito de Coimbra era muito inferior.

Mas se podemos atribuir uma parte da elevada taxa de mortalidade provocada pela Pneumónica em Portugal, por comparação com outros países europeus, ao número relativamente baixo de médicos disponíveis, à sua distribuição muito desequilibrada pelo território e, ainda, à falta de atualização do conhecimento, especificamente sobre a bacteriologia e outras matérias associadas, por parte daqueles que não foram mobili‑zados para o esforço de guerra, os de idade mais avançada e formação mais antiga, deveremos agora tentar perceber como é que os médicos portugueses mobilizados nas frentes, na Flandres e em África, enfrenta‑ram a pandemia.

O vapor maldito

As primeiras notas sobre a existência de Pneumónica no contingente do CEP na Flandres chegam a Lisboa em agosto de 1918. No final da guerra, algumas fontes dão conta da existência de 418 casos diagnostica‑dos, com 37 vítimas. Os efetivos do CEP em França, nessa altura, deve‑riam rondar os 45 000, descontando já os mortos, feridos e prisioneiros da Batalha de La Lys (7 a 29 de abril de 1918). O que isso significa é uma percentagem ínfima, quase sem expressão, 0,08%. Nada que se asseme‑lhasse aos números que se registavam em Portugal nessa altura.

De forma muito sintética, deveremos compreender e explicar esta situação com o facto, já por diversas vezes assinalado – até por Frias (1917), com especial enfâse –, de o contingente português estar integra‑do no Comando do 1.º Exército Britânico e beneficiar, por isso mesmo,

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do exemplo da organização dos serviços de saúde militar britânicos e da sua experiência na sanidade em campanha, bem como das suas boas práticas higienistas.

Mas nas frentes africanas, sobretudo em Moçambique, onde o exér‑cito português não estava integrado noutro comando, sequer atuando em conjunto, a situação foi completamente diferente quando a Pneumónica se começou a manifestar, em outubro de 1918.

Com efeito, o dramático caso do vapor Moçambique é bem revelador do preparo e dos conhecimentos sanitários dos serviços de saúde militar nas frentes africanas. Tratava ‑se de um navio que fora fretado à Com‑panhia Nacional de Navegação para trazer de regresso à Metrópole mi‑litares em fim de comissão de serviço ou convalescentes de situações clínicas diversas, mas que também transportava civis.

Quando zarpou de Lourenço Marques, a 25 de setembro de 1918, es‑tavam embarcados 633 militares, 186 passageiros civis e 133 tripulantes.

Depois de tomar água e carvão na sua primeira paragem, em Cape Town, onde se manteve por dois dias, entre 28 e 29 de setembro, entrou na madrugada do dia 30 no Atlântico Sul, com paragens previstas em Moçâmedes, Luanda, São Tomé e Príncipe e Funchal, até atingir o seu destino final, Lisboa.

A 6 de outubro, na latitude aproximada da fronteira sul de Angola, ocorre o primeiro óbito por Pneumónica, que se tinha manifestado pou‑co mais de 24 horas antes: o soldado n.º 406, da 12.ª Companhia do Regimento de Infantaria 23 (Coimbra), António José Serrano23. É de imediato sepultado no mar, anotando ‑se cuidadosa e rigorosamente no livro de registo do «Comando Militar a bordo do vapor Moçambique» as coordenadas geográficas do sepultamento24.

Nos dias seguintes, numa cadência crescentemente galopante e até à chegada a Lisboa, a 21 de outubro, morreriam outros 180 militares, ou seja, 28,59% dos embarcados em Lourenço Marques. Todos, com exce‑ção dos últimos quatro corpos, falecidos à vista de Lisboa, seriam sepul‑tados no mar, continuando a registar ‑se com o mesmo rigor as coorde‑nadas geográficas do sepultamento. O contramestre de corneteiros, Raúl

23 «Militares do Regimento de Infantaria n.º 23 falecidos nas Colónias durante a Grande Guerra», PT/AHM/2/10/38/16.

24 «Comando Militar a bordo vapor Moçambique. Relação dos passageiros militares falecidos a bordo durante a viagem de Lourenço Marques a Lisboa», PT/AHM/2/10/3/179.

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Simões, cabo n.º 595 da 1.ª Companhia do Regimento de Infantaria 18 (Porto), foi o último a ser sepultado no mar, 54 milhas ao largo de Sines, nas coordenadas 37.º57’0’’N 10.º00’0’’W25.

Além dos militares, morreram 12 dos 186 civis embarcados (6,45%) e 2 dos 133 tripulantes (1,5%). É preciso lembrar que a taxa de morta‑lidade devida à Pneumónica em Portugal foi calculada em cerca de 2,2%, mesmo assim uma das mais elevadas da Europa, muito acima da de Espanha, por exemplo, que se quedou pelos 1,3% (Sobral e Lima 2018, 10).

Pelo que os números das ocorrências no vapor Moçambique têm uma dimensão trágica, muito potenciada pelas condições em que os militares, os soldados sobretudo, eram acondicionados no porão do navio. Se tivermos presente que morreram 177 (30,5%) dos 581 sol‑dados embarcados, 4 (14,3%) dos 28 sargentos a bordo e nenhum dos 24 oficiais que ocupavam os camarotes individuais do deck superior, deduziremos, como tantos outros antes de nós, que a Pneumónica era seletiva. Não uma seleção por classe, mas pelas condições sanitárias em que cada uma das três classes (oficiais, sargentos, praças) era alo‑jada no vapor.

Amontoados no porão, com pouca ou nenhuma ventilação, parti‑lhando fétidas latrinas, alimentação deficiente e ausência de quaisquer medidas sanitárias, os soldados que adoeciam eram encaminhados para a exígua enfermaria apenas quando já estavam num estado adian‑tado da doença. Com um período de incubação relativamente curto, três a quatro dias, a Gripe Pneumónica naquela população mal ali‑mentada e mal alojada tinha um efeito devastadoramente rápido: dias houve, como o 11 de outubro, em que foram sepultados no mar 43 corpos. Na enfermaria com quatro camas do Moçambique, dois mé‑dicos, o do navio e um médico militar, o capitão médico Alexandre Rola Pereira, que vinha embarcado de regresso à Metrópole, com a ajuda de três passageiros civis que se voluntariaram para o serviço de enfermaria, não tinham como acudir às dezenas de doentes que sur‑giam todos os dias.

Quando o navio finalmente chega a Lisboa, a 21 de outubro, é mandado fundear a meio do Tejo, defronte da Torre de Belém, e todos os seus passageiros transferidos no dia seguinte para a outra margem,

25 Idem.

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para o Lazareto, onde ficarão de quarentena. Sabe ‑se que no Lazare‑to ainda continuariam a morrer alguns dos que vinham embarcados no Moçambique, como, entre outros, o 1.º cabo n.º 172 da 10.ª Com‑panhia do Regimento de Infantaria 30 (Bragança), Ernesto Teixeira, que morreu poucas horas depois de ter sido ali colocado26, ou o sol‑dado n.º 432 da 12.ª Companhia do Regimento de Infantaria 29 (Bra‑ga), Manuel José Vieira Castro, que ali morre cinco dias depois do desembarque, a 27 de outubro, ou, para se ter uma ideia do tempo de quarentena, ali também morreu o soldado n.º 527 da 11.ª Companhia do mesmo regimento, José Francisco d’Oliveira, no dia 22 de janeiro de 191927.

O desespero e o horror de ver morrer a seu lado dezenas de camara‑das sem que nada os pudesse salvar deve ter sido tanto que, à chegada a Lisboa, perante a ordem de quarentena, alguns se atiram à água e deser‑tam para terra, regressando às suas famílias, porventura contribuindo para a difusão mais acelerada da Gripe que, entretanto, já iniciara o seu segundo e mais mortal surto:

Foi durante esta segunda fase da epidemia que foram observadas formas inusuais de uma patologia mais severa, com o relato de casos de síndrome de dificuldade respiratória aguda, de pneumonia fulminante (antecedida muitas vezes por cianose violácea da face e extremidades), e de mortes súbitas. (Rebelo ‑de ‑Andrade e Felismino 2018, 7)

Podemo ‑nos inquirir sobre a razão da particular virulência da Pneu‑mónica entre os embarcados no vapor Moçambique, extravasando em muito as já de si elevadas taxas de mortalidade do segundo surto da pandemia.

Além dos fatores comummente evocados e também já aqui referi‑dos para a população portuguesa em geral – ausência de boas práticas sanitárias, com deficiente alimentação e insalubridade nos alojamen‑tos, parte da classe médica renitente aos então mais recentes desen‑volvimentos na área da epidemiologia e da bacteriologia –, no caso

26 «Militares do Regimento de Infantaria n.º 30 falecidos nas Colónias durante a Grande Guerra», PT/AHM/2/10/38/21.

27 «Relação numérica e nominal dos militares do Regimento de Infantaria n.º 29 falecidos nas Colónias durante a Grande Guerra», PT/AHM/2/10/38/20.

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do vapor Moçambique pesaram sobremaneira dois fatores que lhe são inerentes.

Em primeiro lugar, a tomada de água e carvão em Cape Town, onde esteve acostado dois dias, entre 28 e as primeiras horas de 30 de se‑tembro. Como atualmente se sabe, o segundo surto da pandemia, o mais virulento, porventura comportando uma mutação genética do ví‑rus ou em associação com outros vírus da mesma estirpe (ver Simonsen et al. 2018, 284 ‑285; Shanks 2015, 218 ‑219; e, sobretudo, Worobey et al. 2014, 8109), surgiu e difundiu ‑se a partir de três localizações já determinadas (Rebelo ‑de ‑Andrade e Felismino 2018, 6), Brest (Fran‑ça), Boston (EUA) e Cape Town (África do Sul). Ora, como se não bastasse essa permanência de mais de quarenta e oito horas em Cape Town, poucas horas depois da chegada à cidade acostaram paralela‑mente ao Moçambique dois vapores britânicos que traziam contingen‑tes africanos provenientes da frente europeia, entre os quais grassava já fortemente a Pneumónica, reforçando a virulência da pandemia na África do Sul, pois todos os soldados africanos foram desmobilizados e mandados regressar às suas terras de origem, sem qualquer período de quarentena. Com um período de incubação de entre quatro a sete dias e, nessa forma mais virulenta do segundo surto, com o desfecho fatal a ocorrer, por vezes, em quarenta e oito horas, não admira que o primeiro óbito a bordo do Moçambique ocorresse sete dias após deixar Cape Town.

Em segundo lugar, o facto absolutamente decisivo de 82% dos sol‑dados que regressavam à Metrópole provirem dos Depósitos de Conva‑lescentes de Goba (367) e da ilha Xefina (111), ambos no sul da colónia. Quase todos eles integravam o Regimento de Infantaria 29 (Braga), que tinha estado colocado nas insalubres frentes de batalha do Rovuma, nor‑te de Moçambique, onde o paludismo e as disenterias campeavam fe‑rozmente. Ora, 85% (153) dos militares falecidos a bordo (181) provi‑nham, precisamente, daqueles Depósitos de Convalescentes, para onde se tinham deslocado em baixa médica por terem adoecido, sobretudo, com disenterias amibianas e paludismo28.

28 Dados cotejados em «Militares falecidos em Moçambique durante a Grande Guerra – 1916 a 1919», PT/AHM/2/7/52/1, e em «Grande Guerra. Mortos. Militares falecidos nas Colónias», PT/AHM/2/10/3/1.

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Debilitados, com períodos de convalescença relativamente curtos – a maioria das baixas médicas não excedia os quinze dias29 –, embarcados como gado nos porões do Moçambique, mal alimentados, sem medidas sanitárias de qualquer espécie, com assistência médica praticamente ine‑xistente, quando o vapor acostou em Cape Town tornaram ‑se pasto fácil do surto mais virulento da pandemia de Pneumónica.

Conclusão

A trágica viagem do vapor Moçambique pode e deve ser encarada como um epifenómeno demonstrativo do que foi o impacto da pandemia em Portugal, de como o País estava, ou não, preparado para suster o embate de uma epidemia tão virulenta e de como a classe médica en‑frentou a amplitude daquele desastre sanitário.

Por tudo quanto expusemos acima, pelos dados que aqui foram con‑vocados e que outros já tinham devidamente exposto, como assinalámos em devido tempo, Portugal atravessava um período politicamente con‑turbado, que revelava ainda mais o atávico atraso económico e social, atraso esse exacerbado pelo esforço da participação na Guerra.

Mesmo que as autoridades da Saúde, com Ricardo Jorge à cabeça, demonstrassem e tentassem exercer o conhecimento da então mais avan‑çada epidemiologia e bacteriologia, com as práticas sanitárias mais re‑comendáveis e «em tudo semelhantes às atuais bases da prevenção e terapêutica da gripe» (Rebelo ‑de ‑Andrade e Felismino 2018, 44), era‑‑lhes muito difícil vencer a inércia, o conservadorismo, a dimensão e persistência de pobreza e miséria do Portugal que provinha de Oitocen‑tos e do Antigo Regime.

Esse atavismo e conservadorismo ficou bem expresso na reação de largos setores sociais e económicos do Porto às disposições de Ricardo Jorge durante o surto de peste bubónica de 1899, a que não foram alheias também algumas tomadas de posição de colegas médicos. E ainda mais formalmente expresso pelo desprezo a que foi votado pelos seus colegas

29 Todas as Ordens de Serviço, nas quais o Comando do Corpo Expedicionário a Moçambique sancionava as baixas médicas atribuídas pela Junta de Inspeção, encontram ‑se agrupadas em «Corpo Expedicionário a Moçambique, 1916 ‑1918. Diário de Campanha. Ordens de Serviço», PT/AHM/2/7/10/5.

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dos serviços de saúde militar quando, em 23 de junho de 1918, palestrou em Tancos.

As consequências são agora conhecidas, pelo menos no que se re‑fere aos efetivos militares. Nas campanhas em África, e sobretudo em Moçambique, o número de mortos por doença, 1945, sobrepôs ‑se e muito aos mortos em combate, 54 (Pélissier 1988, 388). Se tivermos em conta que uma percentagem elevada dos óbitos por doença, como revelado nos mapas nosológicos das Expedições a Moçambique,30 se ficou a dever a enterites e disenterias amibianas, bem como ao omni‑presente paludismo, se as recomendações de Ricardo Jorge em Tancos tivessem sido tomadas em consideração, em muito se teria minimiza‑do o número de baixas por doença. E o mesmo provavelmente suce‑deria com as baixas por Pneumónica, tanto nos aquartelamentos, como nos bivaques, como nos porões dos navios que zarpavam de Lisboa para África e daí para Lisboa: alimentação deficiente, práticas indivi‑duais e coletivas de higiene quase inexistentes, latrinas adjacentes aos assentamentos, enfim, tudo aquilo que Ricardo Jorge verberara na pa‑lestra de Tancos.

Mas Ricardo Jorge era, pelo menos nos meios da Saúde Militar, um mal ‑amado.

Referências

Fontes

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30 «Mapa Necrológico por Armas e Serviços e Meses do Ano», PT/AHM/2/7/10/2.

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«Militares do Regimento de Infantaria n.º 30 falecidos nas Colónias durante a Grande Guerra», PT/AHM/2/10/38/21.

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«Relação numérica e nominal dos militares do Regimento de Infantaria n.º 29 falecidos nas Colónias durante a Grande Guerra», PT/AHM/2/10/38/20.

«Relatório dos trabalhos realizados pela Divisão de Instrução concentrada no Polígono de Tancos em 1916, abrangendo tanto o período preparatório, como o tempo de concen‑tração e nos quais se acham compreendidos o relatório do General Comandante da Divisão de Instrução e os dos Chefes das Repartições do Quartel ‑General da mesma Divisão, dos Chefes de Serviços e dos Comandantes de Unidade», PT/AHM/3/5/22/209.

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