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CENAS DE MOVIMENTOS CONSTRUTIVOS DA FORMAÇÃO E PRÁTICA DE DOCENTES NA EDUCAÇÃO BÁSICA: LINGUAGEM, MEDIAÇÃO E LUDOESTÉTICA Neste painel, propomos debater temas que envolvem, especialmente, a linguagem, a ludicidade, a mediação e a perspectiva ludoestética na formação continuada e a prática pedagógica das docentes da educação básica. Sua problemática encontra-se ancorada à investigação de lacunas de conhecimentos teóricos e práticos que versem sobre as contribuições da ludicidade e suas relações com os diferentes saberes docentes mobilizados no movimento de apropriação dos processos de ensinar e aprender. O primeiro trabalho apresenta uma reflexão acerca do repertório de linguagens que constitui os saberes docentes na prática pedagógica de professoras da Educação Infantil. O segundo, fruto de uma pesquisa de mestrado, tece reflexões acerca das interseções entre a formação continuada docente e a prática pedagógica no contexto de uma escola que se baseia em uma abordagem ludoestética para suas práticas. Em busca da ampliação do olhar sobre o fenômeno pesquisado, este trabalho destaca a dimensão estética como estruturante de uma prática pedagógica e formação docentes que se retroalimentam na construção de um ensino lúdico. O terceiro resulta de uma pesquisa que analisou o movimento de construção da mediação pedagógica das docentes de educação infantil de um centro infantil universitário. Destaca-se um olhar para as concepções de cuidado, educação, criança e trabalho docente, de forma a compreender os saberes das docentes acerca de mediação pedagógica e conhecer como a mediação lúdica está sendo trabalhada no dia a dia do centro. O painel permite afirmar que estamos, professores e pesquisadores, aprendendo a inserir a ludicidade nas escolas e ultrapassando preocupações conteudistas, já que nossas ações vêm priorizado uma prática pedagógica capaz de integrar o sentir, o pensar e o agir no processo de ensinar e aprender, desde a Educação Infantil, Ensino Fundamental e nas propostas de formação de professores tanto nas Universidades, quanto no seio das demais instituições educacionais. Palavras-Chave: Educação Básica, Prática Pedagógica, Ludicidade XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 894 ISSN 2177-336X

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CENAS DE MOVIMENTOS CONSTRUTIVOS DA FORMAÇÃO E PRÁTICA

DE DOCENTES NA EDUCAÇÃO BÁSICA: LINGUAGEM, MEDIAÇÃO E

LUDOESTÉTICA

Neste painel, propomos debater temas que envolvem, especialmente, a linguagem, a

ludicidade, a mediação e a perspectiva ludoestética na formação continuada e a prática

pedagógica das docentes da educação básica. Sua problemática encontra-se ancorada à

investigação de lacunas de conhecimentos teóricos e práticos que versem sobre as

contribuições da ludicidade e suas relações com os diferentes saberes docentes

mobilizados no movimento de apropriação dos processos de ensinar e aprender. O

primeiro trabalho apresenta uma reflexão acerca do repertório de linguagens que

constitui os saberes docentes na prática pedagógica de professoras da Educação Infantil.

O segundo, fruto de uma pesquisa de mestrado, tece reflexões acerca das interseções

entre a formação continuada docente e a prática pedagógica no contexto de uma escola

que se baseia em uma abordagem ludoestética para suas práticas. Em busca da

ampliação do olhar sobre o fenômeno pesquisado, este trabalho destaca a dimensão

estética como estruturante de uma prática pedagógica e formação docentes que se

retroalimentam na construção de um ensino lúdico. O terceiro resulta de uma pesquisa

que analisou o movimento de construção da mediação pedagógica das docentes de

educação infantil de um centro infantil universitário. Destaca-se um olhar para as

concepções de cuidado, educação, criança e trabalho docente, de forma a compreender

os saberes das docentes acerca de mediação pedagógica e conhecer como a mediação

lúdica está sendo trabalhada no dia a dia do centro. O painel permite afirmar que

estamos, professores e pesquisadores, aprendendo a inserir a ludicidade nas escolas e

ultrapassando preocupações conteudistas, já que nossas ações vêm priorizado uma

prática pedagógica capaz de integrar o sentir, o pensar e o agir no processo de ensinar e

aprender, desde a Educação Infantil, Ensino Fundamental e nas propostas de formação

de professores tanto nas Universidades, quanto no seio das demais instituições

educacionais.

Palavras-Chave: Educação Básica, Prática Pedagógica, Ludicidade

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

894ISSN 2177-336X

REFLEXÕES SOBRE FORMAÇÃO CONTINUADA E PRÁTICA DOCENTE

EM UMA ESCOLA COM ABORDAGEM PEDAGÓGICA LUDOESTÉTICA

Camile Viana Vieira (SMED- Salvador)

[email protected]

Resumo Esse artigo propõe-se a refletir sobre as interseções entre a formação continuada docente

e a prática pedagógica no contexto de uma escola que se baseia em uma abordagem

ludoestética para suas práticas. As reflexões aqui apresentadas são oriundas de uma

pesquisa de mestrado que intencionou investigar as contribuições da formação

continuada em uma perspectiva ludoestética para a prática pedagógica de quatro

professoras da escola Waldorf Rural Dendê da Serra, a partir de uma abordagem

qualitativa, cuja estratégia investigativa foi o estudo de caso. A problemática desse

estudo está ancorada na responsabilização atribuída aos professores no sentido de

empreender uma prática pedagógica criativa, autoral e comprometida com a formação

integral dos sujeitos; não obstante, pouco espaço ainda é concedido ao desenvolvimento

de tais habilidades em seu processo formativo. Embora os educadores sejam apontados

como uma das principais forças motrizes para as mudanças sociais, encontramos, na

maior parte das propostas de formação profissional, uma reprodução do modelo escolar

apontado como insuficiente para atender aos desafios de nossa sociedade

contemporânea. A formação continuada que é voltada, especialmente, para os

professores em exercício, deve estar centrada nas necessidades das situações vividas por

eles em seu cotidiano. Nesse contexto, julgamos importante analisar de que maneira as

propostas de formação continuada e a prática pedagógica se relacionam em uma

realidade escolar orientada pelos pressupostos da Pedagogia Waldorf que apregoa a

importância da formação contínua e integral docente para a realização de um ensino

artístico que será impulsionador do desenvolvimento dos educandos nas esferas

cognitivas, afetivas e práticas. A pesquisa apontou-nos para as potencialidades da

abordagem pedagógica ludoestética como propiciadora da superação da noção linear de

que é apenas a formação que realça a prática, nos conduzindo à ideia de que a formação

e atuação docentes nessa perspectiva se entrecruzam e se enriquecem mutuamente.

Palavras- Chave: Formação continuada docente. Prática pedagógica. Abordagem

pedagógica ludoestética.

O presente estudo traz como escopo divulgar as ideias desenvolvidas, a partir de uma

pesquisa em nível de mestrado, acerca das relações entre formação continuada e prática

pedagógica. Formação docente, para nós, é um processo contínuo, que envolve várias

ações e instâncias referentes à construção profissional do sujeito que exerce (rá) uma

atividade relativa ao Magistério. Entretanto, nessa investigação, optamos pela

focalização nas especificidades da formação continuada, compreendida como aquela

dirigida a professores, preferencialmente em exercício profissional e para as

peculiaridades do contexto em que atua.

Desta maneira, a referida pesquisa organizou-se com o propósito de responder a

seguinte questão: de que maneira a formação continuada de professores em uma

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perspectiva ludoestética contribui para a prática pedagógica dos docentes do Ensino

Fundamental da escola Waldorf Dendê da Serra? Buscando subsídios para compreender

melhor esse questionamento, elegemos as seguintes etapas ou objetivos específicos:

identificar as concepções das professoras sobre ludicidade, experiência estética e formação

ludoestética, o que foi feito especialmente através de um questionário individual para cada

uma das quatro professoras colaboradoras da pesquisa; conhecer a percepção das

professoras acerca da dimensão ludoestética em seu processo formativo, o que foi

investigado através de um grupo focal e reconhecer nas práticas pedagógicas dos docentes

como se manifestam os princípios de uma prática pedagógica ludoestética, o que foi

averiguado a partir de uma entrevista semiestruturada com cada uma das colaboradoras.

Para alcançar os objetivos elencados, desenvolvemos uma pesquisa empírica de abordagem

qualitativa com quatro professoras do Ensino Fundamental da Escola Rural Dendê da Serra

e optamos pela metodologia de análise de conteúdos para analisar sistematicamente o

conteúdo das mensagens oriundas da coleta de dados (BARDIN, 2011).

Levando-se em consideração o objetivo principal, esse artigo apresenta a seguinte estrutura,

primeiramente elucidaremos conceitos basilares relacionados com a questão principal da

pesquisa: ludicidade, experiência estética e perspectiva pedagógica ludoestética; em

seguida, trataremos da caracterização do campo empírico dessa pesquisa e finalizaremos

discutindo os dados analisados e suas contribuições para a área dos estudos educacionais,

especialmente no que concerne às interseções entre prática pedagógica e formação

continuada docente em uma perspectiva pedagógica ludoestética.

No intuito de compor uma urdidura através do diálogo entre os dados obtidos na realidade

pesquisada e a teoria, a fim de produzir objetivamente conteúdos que acrescentem

substância às discussões já existentes sobre os temas aqui abordados (VIANA VIEIRA,

2015), dialogaremos, principalmente com os seguintes autores: Luckesi (2000); Veiga

(2012); Morin (2012); Steiner (1974, 2014) e Viana Vieira (2015).

Perspectiva pedagógica ludoestética: proposta coerente para a formação de docentes e

discentes

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Muitos são os desafios enfrentados pela sociedade contemporânea; as novas tecnologias e

os meios de comunicação têm propiciado a difusão de padrões de organização em escala

mundial nos diversos âmbitos, acarretando mudanças em ritmo acelerado e um estilo de

vida instável, que se baseia na promessa da dissolução das fronteiras culturais, econômicas

e políticas. Paradoxalmente, a sociedade da informação que parece oportunizar o acesso à

comunicação e a objetos e ideias culturais, modificando formas de pensamento,

organização e institucionalização, tem criado uma parcela crescente de excluídos de suas

necessidades básicas. De acordo com Veiga (2012):

No mundo globalizado, os interesses políticos subordinam-se aos interesses

mercadológicos. O resultado é o enfraquecimento da cidadania e da participação,

fortalecendo o individualismo e o descompromisso social. (VEIGA, 2012, p. 14).

A área educacional não tem sobrevivido ilesa a tais influências. As instituições

educacionais que deveriam se constituir em espaço de problematização e ressignificação da

ordem estabelecida, tem sido, ao contrário, lugar de perpetuação de uma lógica que

hierarquiza saberes e contribui para a manutenção de uma ordem social excludente.

O número crescente de propostas pedagógicas comprometidas, principalmente com

a geração de resultados quantitativos, no que diz respeito ao desempenho dos estudantes,

tem aberto espaço para pacotes de ensino oriundos de empresas capitalistas que prometem

milagres para aprendizagem dos educandos, a partir de materiais prescritivos que limitam o

papel do professor ao de aplicador de atividades descontextualizadas, que visam treinar os

alunos para avaliações externas.

De acordo com Veiga (2012), a esse contexto é subjacente a formação de uma

identidade profissional docente de caráter meramente técnico-profissional, relacionada com

o projeto de sociedade neoliberal globalizada, que representa uma opção política-teórica,

(...) parte de um projeto político-educacional maior, de abrangência internacional,

com orientações advindas do Banco Mundial, com ênfase na chamada educação

por resultados, que estabelece padrões de rendimento, alicerçada nos chamados

modelos matemáticos, ficando o processo educacional, reduzido a algumas

variações ligadas à relação custo-benefício. (VEIGA, 2012, p. 17).

Nesse cenário, muitas práticas educacionais têm sido esvaziadas de sentido e relação com

os saberes e experiências dos estudantes, do professorado e de nossa cultura, o que

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influencia diretamente a aprendizagem do estudante, que impedido de incluir-se no que se

ensina, pouco articula e organiza para aprender de fato.

Assim como Freire (1996, p.22), concebemos que “ensinar não é transferir conhecimento,

mas criar possibilidades para sua própria produção ou construção”. Desta maneira,

advogamos por uma educação que considere os diversos fatores que influenciam a criação

de saberes por sujeitos que pensam, sentem e fazem; que precisam se reconhecer, nem que

seja para também se desconhecer nos processos de ensino e aprendizagem, validados

apenas quando os aprendizes se tornam capazes de recriar e refazer o ensinado, tornando-se

progressivamente mais criadores (FREIRE, 1996).

Nesse sentido, alimentar uma inteligência que fragmenta e hierarquiza as múltiplas faces do

que se pretende conhecer, apenas atrofia as possibilidades de compreensão e atuação

(MORIN, 2012) e dificulta a realização de uma aprendizagem realmente emancipadora,

capaz de questionar a ordem pré-estabelecida com suas injustiças e contradições.

E é olhando por esse viés, que percebemos como alternativa às práticas pedagógicas

mecânicas vinculadas meramente ao acúmulo de conhecimentos ou treino de habilidades

para avaliações que forjam aprendizagens, uma perspectiva pedagógica ludoestética

comprometida com a aprendizagem real dos educandos, que contribua para a produção de

um conhecimento que verta, principalmente, possibilidades de um viver melhor através de

estados de ludicidade desencadeados, especialmente por experiências estéticas.

A concepção de ludicidade adotada por nós nesse estudo busca ampliar suas acepções mais

comuns de relação com divertimento, prazer, jogo e brincadeira para concebê-la como um

estado de consciência, conforme assevera Luckesi (2000):

Quando estamos definindo ludicidade como um estado de consciência, onde se dá

uma experiência em estado de plenitude, não estamos falando, em si das

atividades objetivas que podem ser descritas sociológica e culturalmente como

lúdica, como jogos ou coisa semelhante. Estamos sim, falando do estado interno

do sujeito que vivencia a experiência lúdica. (LUCKESI, 2000, p.26).

Em outras palavras, ludicidade para nós é entendida como um estado interno do sujeito que

vivencia uma experiência de forma plena, integral, focada naquilo que faz, em que o

pensar, o sentir e o agir encontram-se conectados, a partir de um sentido comum. Tais ideias

transpostas para a prática pedagógica nos conduzem a inferir que:

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A prática educativa lúdica, por ter seu foco de atenção centrado na plenitude da

experiência, propicia tanto ao educando quanto ao educador oportunidade ímpar

de entrar em contato consigo mesmo e com o outro, aprendendo a ser, tendo em

vista viver melhor consigo mesmo e junto com o outro. Para uma prática

educativa lúdica é necessário uma teoria que leve em consideração o ser humano

na sua totalidade biopsicoespiritual, na medida em que se assenta no corpo,

organizando a personalidade e estabelecendo crenças orientadas na vida.

(LUCKESI, 2000, p. 40).

Defendemos que a vivência da ludicidade é singularmente desencadeada por experiências

estéticas, sendo essas compreendidas como aquelas que “suspendem o caráter ordinário de

relação com o mundo real para imprimi-lo com um olhar poético ou estético que encontra

na metáfora sua maior expressão” (VIANA VIEIRA, 2015). A experiência estética propicia

o entrelaçamento entre o contato com o mundo sensorial e a experiência individual interior,

por isso, convida a subjetividade a tonalizar a atuação individual, o que exclui a noção de

neutralidade dos processos e concede relevo às “marcas interpretativas dos protagonistas na

configuração do real” (VEIGA, 2012, p. 35).

Compreendemos que a arte e suas múltiplas linguagens têm papel fundamental na evocação

de experiências estéticas, pois abre espaço para a linguagem simbólica, portadora de

sentidos individuais mais íntimos, muitas vezes escamoteados pela linguagem verbal

(DUARTE JR, 2009); entretanto, a dimensão estética dos fenômenos não se restringe às

linguagens artísticas, mas diz respeito a uma aproximação com o real para além dos

aspectos utilitários e práticos.

Sintetizando, podemos afirmar que a perspectiva pedagógica ludoestética é, portanto,

compreendida como uma:

(...) Concepção e prática de ensino voltadas para o desenvolvimento integral e

integrado do sujeito e que encontra na experiência estética da arte, em suas

múltiplas linguagens, seu mais precioso ingrediente. Uma prática educativa

lastreada por uma concepção ludoestética não despreza o saber advindo da

realidade do educando e é capaz de envolvê-lo plenamente com o conteúdo a ser

aprendido através de atividades que conciliem a motricidade, a emoção e a

cognição. (VIANA VIEIRA, 2015, p.46)

Para o empreendimento de tal prática, faz-se imprescindível repensar acerca dos modelos

de formação docente da atualidade que, na maioria das vezes, reproduzem o modelo escolar

de fragmentação, dissociando teoria de prática como se o necessário para o

desenvolvimento de uma experiência pedagógica significativa estivesse atrelada apenas ao

exercício de transposição direta da teoria dominada para a realidade, como se o contexto

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em seus múltiplos aspectos não fossem elementos constitutivos da práxis. Concordamos

com Veiga (2012):

A formação de professores é uma ação contínua e progressiva que envolve várias

instâncias, e atribui uma valorização significativa para a prática pedagógica, para

a experiência como componente constitutivo da formação. Ao valorizar a prática

como componente formador, em nenhum momento assume-se a visão dicotômica

da relação teoria-prática. A prática profissional da docência exige uma

fundamentação teórica explícita. A teoria também é ação e a prática não é

receptáculo da teoria. Esta não é um conjunto de regras. É formulada e trabalhada

com base no conhecimento da realidade concreta. A prática é o ponto de partida e

de chegada do processo de formação. (VEIGA, 2012, p.27).

Nesse panorama, para que os professores rompam com padrões conservadores de práticas

pedagógicas, torna-se imprescindível que as propostas de formação docente estimulem o

emprego de sua inteligência total (MORIN, 2012), tornando-os capazes de ligar-se de

maneira plena com o processo de construção das habilidades para o exercício profissional

que está articulado com sua formação pessoal, ou seja, necessita-se que a perspectiva

pedagógica ludoestética permeie também a formação docente.

A prática educativa voltada para educadores deve visar à emancipação dos sujeitos e a real

produção de conhecimentos a serem constantemente revisitados no contato com a realidade

prática em seus múltiplos aspectos: contexto social, político, cultural, estético e subjetivo.

Militamos em favor de propostas formativas docentes que incentivem a atuação criativa,

poética e autoral. Para isso, precisamos abrir espaço para a dimensão mais relegada e a

mais potente no sentido de revestir a teoria-prática de beleza: a dimensão estética.

Olhando para a realidade pesquisada

A pesquisa foi realizada com quatro professoras do Ensino Fundamental da escola rural

Dendê da Serra cuja faixa etária era de 30 a 45 anos. Entre as quatro professoras, uma

possui formação de licenciatura em Ciências Biológicas, três em Pedagogia e uma em

Arquitetura, embora esteja cursando Pedagogia. Com relação à formação docente específica

para professores que atuarão orientados pela Pedagogia Waldorf, o denominado Seminário

de aprofundamento, três delas já concluíram e uma tinha planos para começar no ano de

conclusão dessa pesquisa (2015).

O campo empírico que subsidiou as reflexões tecidas nesse artigo foi a escola rural Dendê

da Serra, localizada na Vila de Serra Grande, a 280 km da cidade de Salvador -BA. A

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referida escola é mantida por uma associação beneficente, sem fins lucrativos, formada por

pais, professores e colaboradores da escola. Sua gestão coletiva é realizada pela Associação

Mantenedora, pelo Colegiado de Professores e pelo Conselho de Pais, sendo que os dois

primeiros têm um papel de caráter decisório e, o último, papel de caráter consultivo acerca

de todas as decisões a serem tomadas na escola.

A maioria dos alunos provém de famílias de baixa renda -60% oriundos da vila de Serra

Grande e da zona rural e são marcados por dificuldades de cunho material, social e

nutricional. Além das crianças da comunidade local, a comunidade dessa escola é formada

por uma menor porcentagem - 40% de crianças provenientes de famílias de classe média de

diversas localidades.

A escola é mantida financeiramente através de apoio de empresas estrangeiras, escolas

Waldorf da Alemanha e da Finlândia, que além de apoio financeiro contribuem com

materiais escolares e enviando voluntários para trabalhar na escola. O poder público

restringe seu apoio à disponibilização do transporte escolar, já que a escola localiza-se na

área rural.

Outra modalidade de manutenção é através da doação de empresas e hotéis locais, bem

como Institutos que apoiam a formação dos professores. Há ainda a possibilidade de

pessoas físicas simpatizantes da proposta, apadrinharem uma criança, financiando e

acompanhando seus estudos, além disso, as crianças cujas famílias podem arcar com a

mensalidade da escola, assim o fazem. Atualmente a escola atende as modalidades de

Educação Infantil e Ensino Fundamental, com um total de cento e cinquenta e sete alunos e

doze professores.

A referida escola busca alicerçar suas práticas no método Waldorf; uma pedagogia de

origem alemã, desenvolvida em 1919 pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner, que concebia

que o ensino deve se constituir como elemento impulsionador do desenvolvimento humano

integral- cognição, sentimentos e ações:

Numa educação correta, o homem deve ser reconhecido como colaborador da

humanidade. Foi isso que quis dizer sobre a característica da compreensão do

mundo e da concepção de vida, que mencionei como devendo estar por trás de

todo o ensino e da educação. Daí, porém, se conclui que não conseguimos

compreender o mundo pela capacidade unilateral da cabeça. É errado alguém

dizer que o mundo poderá ser compreendido com ideias, conceitos,

representações mentais. Também é errado dizer-se que o mundo deve ser

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compreendido com o sentimento. Ele deve ser compreendido com ideias,

sentimentos, mas também com a vontade! (STEINER, 1974, p. 87)

Nesse sentido, o ensino Waldorf tem como principal objetivo proporcionar, através da

atuação pedagógica, uma educação voltada para o ser humano integral, evitando ,

prioritariamente a unilateralização de qualquer das expressões da individualidade- pensar,

sentir ou fazer e, atentando para as necessidades de cada fase da vida, recorra à cognição,

sentimento e ação para o crescimento saudável e equilibrado dos diversos aspectos da

personalidade.

Para Steiner (1974), o elemento artístico é o principal aliado no empenho contra a

polarização entre uma educação puramente cognitiva e uma educação essencialmente

prática, já que o sentimento desperto pela experiência estética constitui-se de um elo que

liga às ações ao pensamento ao convidar a subjetividade para participar das experiências

desenvolvidas. E é nesse sentido que consideramos a proposta pedagógica Waldorf como

ludoestética.

Tecendo sínteses: a trama formação-atuação docente em um contexto de perspectiva

pedagógica ludoestética

A partir da análise dos dados coletados, pudemos depreender que no contexto de nosso

campo empírico, a formação continuada não se limita a instantes de cursos com traços

transmissivos. A formação assume um caráter contínuo através de congressos, estágios,

jornadas pedagógicas e seminários, mas, principalmente da preparação para a prática, da

troca entre os pares e da própria atuação. Com o diferencial de que todo esse processo é

permeado pelo viés ludoestético que o dota de significação por instigar profundamente o

professorado, conforme explicita a professora Marina, umas das colaboradoras da pesquisa:

Essa formação continuada que traz esses elementos artísticos, muitas vezes no

próprio professor, cria entusiasmo: Nossa, eu sou capaz! E o professor se

entusiasmando, ele consegue passar esse entusiasmo para os alunos. Eles

também conseguem se ligar, se encantar com aquele conteúdo. Se pra mim

aquilo é mágico e encantador, pra ele também vai ser. Então, muitas vezes essa

formação continuada que tem elementos artísticos, desperta no próprio professor

(...). Eu sou capaz! É o entusiasmo dele com ele mesmo. Então isso reverbera no

conteúdo também. (professora Marina)

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O Seminário de Formação para Professores Waldorf, uma proposta de curso para

aprofundamento nos princípios da pedagogia Waldorf, com duração de três a quatro anos,

representou, para as três professoras que o realizaram , um tempo-espaço de autoeducação e

de mudança de perspectiva em relação ao exercício do Magistério e em relação às próprias

vidas. Nas palavras das professoras: o Seminário é transformador, o que é atribuído,

principalmente, às experiências estéticas que trouxeram sensações jamais vivenciadas. Pela

primeira vez em suas vidas foram estimuladas a serem inventivas, enxergarem as dinâmicas

relacionais entre os diversos fenômenos e associarem tudo isso com atividades artísticas

para empregarem no ensino.

Entretanto, a pesquisa indicou que o processo de formação continuada está mais

intimamente relacionado com a prática do que poderíamos imaginar. Ademais, pouca

referência foi feita à formação universitária. Dessa maneira, a preparação para atuar

especificamente com uma pedagogia de cunho ludoestético nesta escola é mais fortemente

influenciada pela práxis-pedagógica e demais elementos da dinâmica escolar. A professora

Camila corrobora nossas impressões ao atestar:

O professor a cada dia vai aprendendo, porque ele está praticando todos os dias.

Ele tem uma plateia atenta e ávida por aprender. Então ele tem que melhorar a

cada dia e oferecer mais. E uma plateia recompensadora. Que a cada esforço do

professor eles aplaudem, eles vibram também, com cada conquista, com cada

desenho ainda mais bonito que o outro. Então por um lado o professor tem essa

formação continuada com os próprios alunos. E como a gente acompanha a

turma do primeiro até o oitavo ano, a gente também vai crescendo junto. A gente

aprende uma música com duas notas, depois três, depois quatro e depois mais

pra frente, a gente consegue tocar uma flauta, mais ou menos bem. A gente canta

música simples, depois a duas vozes. A gente vai ampliando nosso repertório

musical. A gente começa com desenhos bem simples no primeiro ano até chegar

num desenho bem técnico, os vulcões, os desenhos de mineralogia que você tem

que desenhar um cristal. Quantas facetas tem o cristal? Já tem todo um estudo

por trás. (professora Camila)

As professoras demonstram consciência da necessidade de sua formação contínua para

realizar uma prática ludoestética, especialmente por não contarem com o suporte do livro

didático ou atividades prontas, tendo como referência principal os trabalhos anteriores de

seus colegas, sentem-se instigadas a construir seu próprio caminho na vivificação do

currículo em sua realidade, de forma a convertê-lo em pensamentos, sentimentos e ações

diariamente. Indiscutivelmente, uma prática deveras desafiadora que requer das

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professoras bastante trabalho criativo associado ao cultivo das habilidades artísticas;

entretanto, exatamente por isso, parece ser mais dotada de prazer.

As professoras manifestam entusiasmo pelo trabalho desenvolvido e falam com

empolgação sobre seu próprio crescimento neste caminho com as descobertas de suas

capacidades e limitações. Identificamos na postura de paixão pela atividade docente uma

relação com o fato de expressarem sua individualidade por meio da atividade laboral, que

se converte em uma atividade de renovação constante da vida pessoal.

Outra importante constatação nessa pesquisa foi a potência do trabalho colaborativo como

via de formação contínua no ambiente escolar. Nas reuniões pedagógicas semanais, todo o

corpo docente se reúne para estudar o desenvolvimento humano, desenvolver habilidades

artísticas e discutir com os pares sobre a própria prática, o que também é ampliado em

encontros informais com colegas mais experientes:

Uma coisa muito linda que acontece aqui, desde que eu estou aqui na escola, eu

nunca me senti em meio a uma disputa. É muito orgânico o que acontece. Existe

um respeito à limitação do outro. Mas existe uma consideração em relação a isso

na forma de ajudar. Se um dos objetivos da Pedagogia Waldorf é desenvolver o

ser humano, transformar o indivíduo em livre; isso também acontece com a

gente. Por que é muito legal, sabe Camile?! Você se sentir amparado nessa

técnica. É você saber que você pode contar com o outro. (...) Mas, como é que eu

vou dar minha aula de geografia? E chega o mais experiente e estende a mão pra

você de forma leve: Olha, você pode fazer assim. Tem todo esse aparato didático,

as apostilas, mas esse lado humano e respeitoso que o próprio corpo docente tem

(...). Por que está todo mundo consciente que tem suas limitações. E um ajuda o

outro. Isso é muito legal, (...) é um lado mais humanista mesmo. (...) Não é só

para as crianças. É com o corpo docente também. Que está sempre numa

formação continuada. É uma ajuda mútua. (professora Patrícia).

Atentamos, ao realizar esse estudo, para a complexidade do binômio formação continuada e

prática pedagógica ludoestética. Constatamos que não se trata de um processo linear em

que a formação contribui para a prática, mas que as duas se interpenetram e se enriquecem

mutuamente, forçando um olhar que supere a apreensão dicotômica da realidade.

Ao nosso ver, a contribuição essencial que o enfoque ludoestético pode dar para a formação

docente diz respeito à criação de sustentáculos para que o professor se forme com vias ao

emprego de sua inteligência total, incentivando-o a relacionar os saberes, tonalizando-os

com sua subjetividade e, portanto, acrescentando ânimo e entusiasmo à tarefa educativa,

como bem elucidado pela professora Natália:

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A gente educa através da autoeducação. Isso é esforço do professor em vencer,

às vezes, uma coisa que ele achava que não conseguiria, seja tocar, cantar ou

desenhar. (...) Então é prática, só com o esforço. Não é o resultado em si. (...) A

gente está aqui continuamente se trabalhando, se esforçando, aprendendo, e isso

é o que mais atua na criança em sala de aula. A gente consegue passar de forma

verdadeira, porque a gente está vivenciando também. É vivo, a gente vai passar

com interesse. Interesse que, às vezes, numa aula comum, tradicional, não tem,

porque a gente está passando por isso também. Acho que esse é o diferencial.

(professora Natália)

Apesar das práticas inspiradoras advindas desse contexto, evidenciou-se também, uma

aparente fragilidade na formação política das colaboradoras denotada na pequena atenção

dispensada aos aspectos políticos- sociais e suas relações com as condições de trabalho, o

que tende a obscurecer o olhar frente às injustiças de seus salários, por exemplo, e para a

necessidade da organização coletiva para a conquista e garantia de seus direitos enquanto

profissional docente. Duas professoras chegaram a referenciar o trabalho docente como

missionário, descaracterizando-o de sua dimensão profissional:

Encerrei dois mil e quatorze e entrei dois mil e quinze com a palavra entusiasmo

(é porque trabalhar nesse ramo é um trabalho missionário, né?!). (professora

Natália)

Falar que é bem desafiador, que é muito difícil. Mas que tem um lado de

recompensa que não dá nem para descrever. É cansativo ser professor, que todo

mundo que é professora sabe disso. É meio missionário, você está focado naquilo

o tempo inteiro. Todo mundo fala (...) “Ah, professor Waldorf não tem vida, está

sempre mergulhado.” Mas que quando você tem prazer de estar mergulhado o

tempo inteiro, é muito gratificante. Nossa, ele está conseguindo se entusiasmar

pelo conteúdo também. Isso pra mim não tem preço. (professora Marina)

Com atenção às potencialidades e fragilidades do contexto investigado, desejamos que esta

pesquisa consiga ampliar as reflexões e contribuir para os estudos sobre as práticas

formativas docentes, estimulando-nos a repensá-las no sentido de auxiliar os professores na

construção de uma atividade docente dotada cada vez mais de significado e prazer para

todos os envolvidos, por incitar e permitir expressão de toda complexidade da dimensão

humana.

Considerações finais

As práticas pedagógicas não são receptáculos da teoria. Os fenômenos ensino e

aprendizagem são práticas sociais, circunscritas em seus contextos, situadas historicamente

e construídas nas relações entre os sujeitos que delas fazem parte. Nesse sentido, pensar a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

905ISSN 2177-336X

educação na atualidade é pensar nos desafios impostos em nossa sociedade atual e como as

propostas pedagógicas têm contribuído para ponderar a ordem estabelecida.

Em nossa concepção, para repensar o modelo educacional com suas consequências em

aspectos qualitativos e quantitativos para nossa sociedade, mais do que denunciar a

inadequação do atual sistema na superação de nossos desafios cada vez mais plurais e

multidimensionais, faz-se urgente também investigar experiências que podem auxiliar na

construção de propostas pedagógicas mais significativas.

Nesse contexto, esse estudo com suas nuances particulares, potencialidades e limitações,

representou, para nós, um uma possibilidade de rastrear elementos capazes de contribuir

para uma prática pedagógica e formação docentes mais inovadoras, criativas e construtivas,

em que os sujeitos envolvidos possam expressar sua individualidade e, portanto, se

constituírem enquanto autores da atividade educativa.

As propostas de formação continuada docente na escola pesquisada envolvem experiências

estéticas que, segundo as colaboradoras, ampliam os canais de percepção da realidade,

permitindo o despertar da admiração perante os conteúdos e suas relações com a vida, que

contribuem para a vivificação do ensino. Além disso, as colocam diante de desafios reais

para o desenvolvimento de novas habilidades, que exigem um trabalho autoimplicado e

conduzem à significação da própria prática pela ligação com o que aprendem para ensinar e

enquanto ensinam.

Supomos que a atuação e a formação docentes na Escola Rural Dendê da Serra se

constituam de maneira inseparável em decorrência da concepção ludoestética para a

atuação pedagógica que abre espaço a uma abordagem complexa e estética do ensino.

Realizar um ensino com vias ao desenvolvimento integral dos educandos pressupõe o

desenvolvimento de habilidades para além das intelectivas, tanto para o empreendimento da

prática, como a partir do contato com ela.

Por esse viés, presumimos que propostas de formação continuada ludoestética em um

ambiente onde a prática esteja vinculada a uma visão limitada do fenômeno educativo, no

qual o ensino se restrinja à transmissão de conteúdos e preparo para avaliações internas ou

externas, encontrará maiores dificuldades para afetar o cotidiano escolar. Entretanto terá e

tem muito a acrescentar a esse contexto.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

906ISSN 2177-336X

Imaginamos que uma formação continuada de caráter ludoestético, que emane das

necessidades de cada realidade e permeada pela compreensão de que diversos aspectos

intervém na construção do conhecimento, possa contribuir para o aperfeiçoamento docente,

estimulando o aprendizado do professor pela inclusão de atividades variadas que não

hierarquizem os saberes nem as dimensões humanas. Pensar, sentir e fazer sendo

igualmente considerados no processo de formação e atuação, pode possibilitar a ampliação

do olhar sobre o fenômeno educativo, dignificando-o e enriquecendo-se dele.

Referências

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DUARTE JR., João Francisco. Por que Arte-educação? 20. ed. Campinas: Papirus, 2009.

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experiência interna. In: PORTO, Bernadete de Souza (Org.). Ludicidade: o que é mesmo

isto? Salvador: UFBA/FACED/PPGE/GEPEL, 2002.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 20. ed.

Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

STEINER, Rudolf. [1924] A metodologia de ensino e as condições da vida do educar. 5.

ed. São Paulo: FEWB, 1974.

VEIGA, Ilma Passos Alencastro. A aventura de formar professores. 2. ed. caminas-SP:

Papirus, 2012.

VIANA VIEIRA, Camile. Formação de professores em uma perspectiva ludoestética:

contribuições para a prática pedagógica de docente do Ensino Fundamental da escola

Waldorf rural Dendê da Serra. 2015.184f. Dissertação (Mestrado Educação)- Universidade

Federal da Bahia, Salvador, 2015.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

907ISSN 2177-336X

CENAS DE MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA COM CRIANÇAS PEQUENAS: UMA

COMPOSIÇÃO DE ARTE E LUDICIDADE

Lílian Fonseca Lima (UESB)

[email protected] Marilete Calegari Cardoso (UESB)

[email protected]

Resumo

Esse estudo é um recorte da pesquisa que analisou o movimento de construção da mediação

pedagógica das docentes de educação infantil de um centro infantil universitário, do

Município de Jequié – BA. Traz como problemática a investigação de lacunas de

conhecimentos acerca de pesquisas sobre a premência de discussão das teorias e práticas

pedagógicas e a apropriação dos processos de ensinar e aprender que a educadora necessita

ao desempenhar o trabalho no cotidiano da creche. Destaca-se um olhar para as concepções

de cuidado, educação, criança e trabalho docente, de forma a compreender os saberes das

docentes acerca de mediação pedagógica e conhecer como a mediação lúdica está sendo

trabalhada no dia a dia do centro. Objetivando refletir acerca de concepções de mediação e

do movimento da arte e da ludicidade nas práticas de cuidar e educar crianças pequenas,

este artigo revela imagens traçadas e evocadas pela professora Vilma, através de seus

Diários de aulas. O estudo está ancorado na epistemologia da mediação e prática de

docentes de creches (VYGOTSKY,1991; MALAGUZZI,1999; D‟ÁVILA, 2008, 2010;

DEHEINZELIN, 1994; KRAMER, 2002; KISHIMOTO, 2007; RAUPP, 2004;

OLIVEIRA, 2002). A metodologia qualitativa, considerando a abordagem Sócio-histórica,

a partir das escritas (auto)biográficas das professoras do CCI Casinha do Sol. Os

instrumentos utilizados foram: diário de aulas, observações e fotografias. Os dados

coletados e analisados reforçam que a concepção de mediação que a professora Vilma,

segue os princípios de uma mediação dinâmica, pois desenvolve um trabalho centrado nas

inter-relações, através das diferentes linguagens, explicitadas em suas mais variadas ações.

Palavras- Chave: Centro infantil; mediação; práticas pedagógicas.

Introdução

Atualmente existe uma crescente preocupação com o papel do professor enquanto mediador

dos conhecimentos socialmente construídos e que serão apropriados pelos alunos. No

contexto da educação brasileira, a partir dos anos 1990, a concepção do professor como

mediador garantiu um lugar comum nos textos oficiais e na fala dos educadores. Porém,

podemos constatar, conforme aponta Mello (2008), que são poucos os trabalhos científicos

que se dedicam a conhecer como a mediação vem sendo colocada em prática pelas docentes

de Educação Infantil, especialmente, de creches. Este fato, também é destacado em estudos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

908ISSN 2177-336X

de Cardoso (2013), quando a mesma aponta a necessidade de aprofundar estudos na área,

além de enfrentar os dilemas da formação e saberes da prática educativa das educadoras no

interior da própria creche.

Nesta linha de pensamento, quando tratamos dos problemas específicos sobre mediação

pedagógica na investigação do cotidiano de creches e centros infantis, a melhoria do

processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança aparece como um ponto chave da

prática educativa. Tal problemática nos impulsiona para o campo investigativo, quando

percebemos que por detrás do domínio da aprendizagem existe o mistério do ensino; e,

segundo Fullan e Hargreaves (2000, p.156), “compreendê-lo, desmascarar os mistérios da

prática de ensinar, tem se constituído um desafio persistente e formidável para aqueles que

procuram melhorar a sua qualidade, bem como a da aprendizagem”.

Convém lembrarmos ainda, que o atual papel das creches ou centros infantis é trabalhar de

forma integrada as funções de Cuidar, Educar e Brincar de forma indissociável. Estudiosos

estrangeiros e brasileiros, como (BARBOSA e HORN, 2008, MALAGUZZI, 1999;

ROCHA, 2001; DEHEINZELIN, 1994; KISHIMOTO, 2007), vem apontando a

necessidade de levarmos em conta a especificidade das crianças de 0 a 4 anos, suas

demandas, experiências, produção cultural, a partir de um ambiente produzido para/e com

elas, garantindo a mediação pedagógica, cultural e social estabelecida pela relação

crianças–crianças, criança–adulto e criança-espaço. A creche, portanto, é espaço

constituído de relações educativas entre crianças-crianças-adultos, através das mais diversas

linguagens e experiências, em um espaço de convívio coletivo onde há respeito pelas

relações culturais, sociais e familiares. (BARBOSA, 2007; CARDOSO, 2008).

Dado ao exposto, em consonância com outros levantamentos de mesmo teor, e com base

nas análises da pesquisa “Imagens e Narrativas do Centro de Convivência Infantil Casinha

do Sol: fotografando o movimento de construção da mediação pedagógica de educadoras de

crianças pequenas”i, temos como propósito para o presente artigo, corroborar com as

discussões acerca da concepção de mediação pedagógica, e das docentesii desta creche

universitária. Buscamos compreender o que pensam as docentes acerca de mediação

pedagógica e conhecer como a mediação está sendo trabalhada no dia a dia do centro,

identificando a concepção de mediação que a professora Vilma, em especial, vem

colocando em prática.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

909ISSN 2177-336X

Sobre o estudo da concepção de mediação pedagógica numa creche universitária

As creches universitárias são espaços de atendimento de crianças de 0 a 4 anos, que atende

filhos de professores, funcionários e alunos pertencentes à universidade. Como qualquer

outra creche de local de trabalho, as creches universitárias, evidenciam a necessidade de

aprofundar questões importantes, e, dentre elas, a preocupação com a qualidade do

atendimento ­ educar e cuidar, prestado às crianças e famílias de creche, para a promoção

da cidadania. (RAUPP, 2004; OLIVEIRA, 2002). Conforme Alves (2006), para atender

essa demanda é preciso constituir referenciais teórico­práticos para projetos e ações

educativas que superem criticamente os modelos familiar, hospitalar, educacional

assistencialista e educacional – escolar o que implica considerar a criança em suas

especificidades, necessidades e interesses e expectativas. (CARDOSO, 2008).

Considerando o exposto, partimos do princípio que a creche não é uma imitação da escola e

muito menos um depósito de crianças. Defendemos uma educação infantil que viva num

ambiente que pode ser reconhecido como um lugar constituído de vida, ação, motivação,

prazer e de experiências entre crianças-crianças-adultos. Ele pode ser identificável, como

tempo/lugar instituído de elementos fundamentais do processo educativo, que são, de um

lado, ações da criança, e, de outro, os objetivos, ideias e valores sociais representados pela

experiência do adulto (DEWEY, 1967).

Nesse sentido, dialogar sobre a mediação pedagógica das professoras de creche é, portanto,

tentar interpretar a história sobre as diferentes formas de mediação existentes na pedagogia

da infância. Conforme Kramer (2002, p.25), “nenhuma prática pedagógica é neutra, ao

contrário, ela está sempre referenciada em alguns princípios”. Os princípios que mais

marcaram a educação das crianças de 0 a 5 anos foram: inatismo, empirismo,

construtivismo e histórico-cultural. Com base nessas concepções, ao longo da história da

pedagogia da infância, surgiram diferentes tendências pedagógicas que, por sua vez,

apontavam diversos modos de trabalhar com crianças pequenas, na tentativa de propor um

modelo educacional a ser seguido.

No Brasil, os programas educacionais de educação infantil foram geridos a partir das

seguintes tendências: tradicional/romântica, cognitiva/construtivista e a crítica-social. Nos

estudos de D‟Avila (2008), podemos constatar que seguindo as diferentes trajetórias das

tendências pedagógicas - tradicional/romântica, cognitiva/construtivista e a crítica-social -

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

910ISSN 2177-336X

em linhas gerais, há dois tipos de mediação do professor mediação mecânica (tradicional e

romântica) e a mediação dinâmica (cognitiva/construtivista e a crítica-social). Na mediação

mecânica, figura principal do processo está centrada no professor, da qual emanam os

saberes e as formas de condução das aulas e se baseiam na reprodução de padrões didáticos.

Ensinar significa transmitir informações e regras e aprender significa retê-las. Já na

mediação dinâmica, a principal característica é a interação dos sujeitos (crianças-crianças-

professor).

Em suma, compreendemos que as creches, precisam identificar que imagens (modelos

pedagógicos) estão sendo colocadas em prática, se desses modelos ainda se encontram

marcas de uma educação higienista, compensatória ou preparatória. Com isso, propor uma

pedagogia da infância que reconheça e valorize as diferenças e diferentes linguagens

existentes entre as crianças, acabando com as visões reducionistas, integrando-as em uma

única meta: mediar o desenvolvimento sociocultural de nossas crianças desde o seu

nascimento, independente da sua etnia, gênero ou grupo social.

Imbuídas dessas reflexões, é nossa intenção refletir acerca das seguintes questões: Que

modelo de práticas pedagógicas alicerçam as concepções utilizadas pelas professoras: o

mecânico ou dinâmico? Em que medida suas ações medeiam o movimento da arte e

ludicidade no aprendizado das crianças pequenas?

Considerando os pressupostos da natureza social do desenvolvimento humano e da

construção histórica do conhecimento (VYGOTSKY, 1991), adotamos como metodologia a

pesquisa qualitativa, num paradigma interpretativista, a partir de narrativas das práticas das

professoras do Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol. Para o caminho/método

desse estudo pensamos em estratégias híbridas, pois é provável que várias fontes de

evidências sejam relevantes. Segundo Zabalza (1994), a questão conceitual dessa estratégia

metodológica consiste em analisar as experiências concretas “integrando a dupla dimensão

referencial e expressiva dos fatos” (p. 83). Portanto, os instrumentos metodológicos

utilizados para a coleta dos dados envolveram os seguintes instrumentos: observação,

registro fotográfico e análise documental.

Para a realização da análise documental, buscamos, primeiramente, fazer uma seleção dos

documentos do Centro Convivência Infantil da Casinha do Sol, que evidenciassem

informações a respeito das práticas das professoras. Foram encontrados diversos tipos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

911ISSN 2177-336X

registros com as turmas de Berçário, Maternal I e Maternal II, durante os anos de 1998 até

2012, dentre eles, foram selecionados os seguintes documentos: diários de aulas, projeto

político pedagógico, regimento, projetos temáticos de estudos, planos de aulas, pareceres

descritivos, fotografias e vídeos.

Após a escolha dos documentos realizamos leituras fluentes do material escolhido e ao final

pautamos a análise fudamentada em Bardin (1977). Como foram levantados muitos

documentos, para esse trabalho, apresentamos a análise de dois deles: as escritas

autobiográficas de uma única professora – Profª Vilmaiii

, por ser a educadora com maior

tempo de trabalho no CCI Casinha do Sol; e, do documento diário de aula, datados no

período de 2011 e 2012.

Recortes das análises: visão e ações da professora Vilma sobre mediação com crianças

pequenas

Ao ler o diário com as memórias das aulas da professora Vilma, percebemos várias

recordações de imagens de sentimentos como: alegria, descobertas, encantamento e

incerteza sobre suas experiências no trabalho com as crianças. Com essas imagens,

portanto, narramos aqui um pouco dos segredos e mistérios dos caminhos pelos quais a

professora do Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol vem desenvolvendo suas

práticas com crianças pequenas, e, ao mesmo tempo, desvelando o modelo de mediação que

ela pratica.

Modelo de mediação: o mecânico ou dinâmico?

Partindo do exposto, a concepção de mediação que a professora Vilma registra em seu

diário e que vem colocando em prática, segue os princípios de uma mediação (dinâmica

cognitiva/construtivista e a crítica-social). Como é anunciado a seguir:

Partindo da concepção de que o professor é o mediador no processo de ensino

aprendizagem e que a aprendizagem é o processo pelo qual a criança constrói

conhecimentos, habilidades, atitudes e valores, sendo estes internalizados pela

mesma a partir da sua convivência no meio social, buscamos oferecer no CCI

um ambiente acolhedor, rico em brincadeiras e fantasias, o que facilita o

desenvolvimento das crianças e promove uma aprendizagem significativa. [...]

(Diário de Registro 2008- Professora Vilma).

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912ISSN 2177-336X

Esse registro aponta que a criança é vista como um agente ativo de seu processo de

desenvolvimento e o papel da professora consiste em mediar os instrumentos culturais e a

criança, utilizando um ambiente com diversos recursos disponíveis (OLIVEIRA, 2002).

Entendemos, assim, que na convivência diária a professora é uma pessoa que transmite

segurança para a criança, sendo sua parceira mais experiente, embora tenha presença e a

influência de outras nas relações. Dessa maneira, quando a mediação é concebida enquanto

princípio teórico proporciona segundo Smolka e Nogueira (2002) “a interpretação das

ações humanas como social e semioticamente mediadas”, sendo propiciadora de situações

que gerem desenvolvimento e aprendizagem.

Ratificamos que o diário da professora aponta para um trabalho dinâmico, reflexivo e

lúdico. Em suas escritas é perceptível que a educadora desenvolve suas ações seguindo um

modelo de mediação dinâmica, pois sua prática é como coloca Malaguzzi (1999, p.101),

“uma educação itinerante e de reconhecimento[...] um trabalho que reforça a identidade e

autonomia intelectual”. Como é narrado no trecho a seguir:

[...] trabalhei com as crianças fazendo o reconhecimento, mas não tive muitos

resultados pois muitas crianças faltaram, devido os pais preferirem que as

crianças começassem freqüentar o centro depois do carnaval. Pude observar

nesse período, que algumas crianças já têm coordenação mais desenvolvida que

as outras. E, que elas gostam muito de trabalhar com tintas. As crianças fazendo

arte esquecem do tempo, se entregam com vontade e depois cada uma reconhece

seu trabalho, mesmo que elas não vejam quando você coloco u no varal.

Observei numa conversa de Petra e Letícia, onde uma perguntava de quem é

esse, lê? Leticia respondia aleatoriamente, mas quando chegou o seu ela logo

falou esse é de Lelê. Fiquei encantada! Como ela saberia que é a sua pintura?

Então passei a observar que as crianças conseguem identificar e quando

questionada onde esta sua tarefinha a maioria sabe identificar com precisão.

(Diário de Registro 23 de fevereiro 2008 - Professora Vilma.

Com base na narrativa, podemos também destacar que a atividade de reconhecimento é

“uma forte palavra” (MALAGUZZI, 1999), à prática do professor mediador, pois é por

meio desse trabalho que a criança e adulto vão conhecendo e reconhecendo o centro

infantil. Dessa forma, vão ampliando seus olhares e suas relações com o ambiente, as

pessoas que lá trabalham, os seus coleguinhas, com outras turmas e adultos.

O relato da professora demonstra, também, o quanto as crianças são capazes de se

expressar, criar e recriar. Albano Moreira (1984, p. 38) afirma que enquanto fenômeno

expressivo a criação tem diferentes implicações para criança e para o adulto, o que não

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913ISSN 2177-336X

invalida a importância do processo criativo no que se refere à qualidade do momento em

que se realiza. Assim:

Nas crianças, o criar – que está em todo seu viver e agir – é uma tomada de contato

com o mundo, em que a criança muda principalmente a si mesmo. Ainda que afete

o ambiente, ela não o faz intencio-nalmente, pois tudo que a criança faz o faz em

função da necessidade do seu próprio crescimento, da busca de se realizar

(ALBANO MOREIRA, 1984, p. 38).

De fato, para Deheinzelin (1994), a função da Educação Infantil é a transformação cultural

dos objetos de conhecimento, a criança não pode elaborar seu conhecimento individual a

não ser apropriando-se do conhecimento historicamente produzido e socialmente existente.

A autora ainda ressalta: “a criança não é um vir-a-ser: ela é desde sempre uma pessoa, um

ser pensante, pulsante, que tem o direito de viver com plenitude cada instante de sua

criação.” (DEHEINZELIN,1994, p. 49).

É importante destacarmos, que a professora Vilma também observa o desenvolvimento

motor de sua turma, além de seus gostos pelas atividades de pinturas realizadas, com

destaque para a linguagem e autonomia intelectual de Petra e Letícia, quando dialogam

sobre suas produções. Nesse contexto, a professora prioriza o desejo da criança

demonstrando o que D‟Ávila (2010), nos explica ser uma mediação cognitiva da ordem do

desejo do saber, do aprender, então pertencente ao aprendiz e uma mediação didática, que

consiste em estabelecer as condições próprias à ativação do processo de aprendizagem;

pertencente ao ensino. Dessa forma, a partir do desejo de aprender e de uma ação para

tomar o objeto desejável se estabelece uma relação com o saber entre duas consciências

situadas social e historicamente: professor e aluno.

Mediação lúdica na creche: o movimento do brincar da criança pequena

Outra questão que destacamos neste estudo, relaciona-se às formas de ações que a

Professora Vilma medeia o brincar no aprendizado das crianças. No relato, averiguamos

que a professora trabalha numa perspectiva lúdica, valorizando a linguagem simbólica.

Destacamos uma cena que a professora oportunizou as crianças de brincarem o jogo

simbólico, e, ao mesmo tempo, reflete sobre a importância dessa experiência no processo

de aprendizgem e desenvolvimento de seus alunos:

Nessa semana aconteceu uma coisa engraçada, Petra e Ellen estavam brincando

com algumas sucatas. Então, Petra veio em minha direção e me deu a frasco de

shampoo, automaticamente abrir o shampoo e já ia colocar simbolicamente em

minhas mãos para lavar meu cabelo quando Petra foi e disse como se não

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914ISSN 2177-336X

acreditasse no que eu estava fazendo: _Isso é um telefone tia! pra você ligar,

para o lobo não comer a chapeuzinho, não viu! Eu fiquei sem ação pois nem me

passou pela cabeça que elas estavam no jogo simbólico então pedi desculpas e

fiz logo a ligação para o lobo onde ela ficou esperando minha

resposta.[...]Tenho observado que quase todas elas quando estão brincando com

jogos simbólicos vão para debaixo da mesa e ficam na maior alegria quando um

sai ou entram.[...]Adoram brincar com o telefone cheguei a tirar algumas fotos

desses momentos, pois é uma realidade marcante como eles brincam, conversam

e até dão ordem com quem estão falando. (Diário de Registro 27 de fevereiro

2008 - Professora Vilma)

A narrativa da professora Vilma, deixa claro que na ação do brincar, podemos observar o

prazer de aprender e de experimentar da criança. O brincar envolve o corpo, a linguagem, a

emoção a interação, a continuidade e as relações. Percebemos, através da narrativa da

professora, que o movimento do brincar da criança pequena trata-se de uma educação ativa

em movimento “uma dança dialética entre focalização e ampliação do olhar”. (D‟ÁVILA,

2007, p.27). Para Kishimoto (2007), esse tipo de brincadeira é reconhecido como auto-

atividade, com caráter livre e regado de interação social. Tal cena é evidenciada, quando a

professora Vilma assinala em sua fala: “é uma realidade marcante de como as crianças

brincam, conversam e até dão ordem [...]”; isto é, as crianças necessitam interagir com

pares e parceiros de brincadeiras, participando em grupos organizados de brinquedos, para

que as mesmas possam produzir, conjuntamente, a cultura de pares.

A ação do brincar tem uma importância significativa, porque ela é concebida como

atividade potencializadora e interativa para que a criança possa descobrir, criar e pensar. É

através da brincadeira que as crianças adquirem experiências internas e externas, ou seja, o

brincar é o elo integrador entre a relação da criança com a realidade interior e a sua relação

com a realidade externa ou compartilhada. Toda e qualquer construção do conhecimento

inicia e continua no campo da linguagem. Como nos expressa Maturana e Verden-Zöller

(2004, p.249), “o amor e a brincadeira são modos de vida e relação”, enfim,

compreendemos que ao brincar a criança aprende através de suas relações com outros,

utilizando-se de diversas linguagens como: a fala, a escrita, o desenho, o cantar e o

dramatizar. Portanto, podemos observar que brincar não significa, simplesmente, uma

recreação nos tempos livres, isso porque o brincar é a forma mais completa que todos têm

de comunicarem-se consigo mesmos e com o mundo. (CARDOSO, 2008).

Outro aspecto importante a ser considerado é o ambiente ser acolhedor e rico em

brincadeiras. Isso demonstra que a professora Vilma oportuniza as crianças

experimentarem e aprenderem em um ambiente vivo, alegre e lúdico. Portanto, o espaço de

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

915ISSN 2177-336X

aprendizagem deve ser preparado de forma a interligar o cognitivo ao relacionamento e à

afetividade (HORN, 2004). Desse modo o espaço deve ser pensado de modo a atingir os

objetivos da educação infantil, ainda no entendimento de Horn (2004) isto significa que:

As escolas de educação infantil têm na organização dos ambientes uma parte

importante de sua proposta pedagógica. Ela traduz as concepções de criança, de

educação, de ensino e aprendizagem, bem como uma visão de mundo e de ser

humano do educador que atua nesse cenário. Portanto, qualquer professor tem, na

realidade, uma concepção pedagógica explicitada no modo como planeja suas

aulas, na maneira como se relaciona com as crianças, na forma como organiza seus

espaços na sala de aula (HORN, 2004, p. 61).

Os espaços para brincar e aprender são aqueles que oferecem oportunidades de brincadeiras

de diversas formas, em um ambiente saudável para as crianças interagirem com outras

crianças e adultos; desenvolvendo um relacionamento de confiança e aprendizagem umas

com as outras, sem se preocuparem com autoridade dos adultos. (MARTINS & CAMPOS,

2013). Nesse sentido, é importante pensarmos a organização do ambiente, como é

proposto por Barbosa e Horn (2001, p. 73):

levar em consideração que o ambiente é composto por gosto, toque, sons e

palavras, regras de uso do espaço, luzes e cores, odores, mobílias, equipamentos e

ritmos de vida. Também é importante educar as crianças no sentido de observar,

categorizar, escolher e propor, possibilitando-lhes interações com diversos

elementos.

Entendemos e concordamos, como já apontaram as referidas autoras que sejam também

observados nas caracterizações de tempos e espaços do CCI as marcas das representações

sociais, culturais e históricas impressas pelo uso do seu espaço. Compreendemos, ainda,

que, além da importância da organização do ambiente são necessários outros elementos

para se colocar em prática o brincar como experiência. Esses elementos, portanto, se

manifestam em metodologias de projetos e nos ambientes construídos coletivamente por

seus atores, desse modo “atento ao que surge do grupo, o professor amplia o diálogo com as

crianças e torna-se importante na busca, na organização e mediação dos conhecimentos”

(CORSINO, 2009 p. 106), pois quando as crianças se envolvem numa atividade que lhes

traz prazer, elas assumem um papel ativo na construção, compreensão e aquisição da

aprendizagem.

Portanto, aprender é uma experiência e, também, pesquisa. Nessas circunstâncias, se o

professor mediador envolver o brincar em seus projetos de pesquisa enfocando o

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

916ISSN 2177-336X

desenvolvimento ou as experiências das crianças, estará contribuindo com sua formação e

sua experiência.

Considerações Finais

Com base nos dados levantados por meio do diário e observações da professora Vilma do

Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol, as análises apontam que a concepção de

mediação que a professora vem colocando em prática, segue os princípios de uma mediação

dinâmica cognitiva/construtivista e a crítica-social) já que se percebe um trabalho centrado

nas inter-relações. Aprendemos na troca de saberes, numa relação a dois, a três, ou seja, as

crianças em suas relações com a professora, ou entre seus pares, produzindo conhecimentos

construindo-se subjetivamente ao mesmo tempo.

Acreditamos ser importante pesquisar não apenas o modelo que sustenta a prática

pedagógica das professoras de creches/pré-escolas, mas saber como essa mediação

acontece, que elementos a constituem, de que forma as crianças são estimuladas a expressar

suas produções e seus aprendizados, e assume grande relevância saber se as crianças tem

voz nesses espaços, para, a partir daí propor uma pedagogia da infância que reconheça e

valorize as diferenças e as diferentes linguagens.

Em relação ao brincar percebemos que no CCI, este tem a função de desenvolver o

imaginário e as fantasias, de forma gratuita e natural, visando à formação unificada e

integral da criança, proporcionando a ação da experiência, o prazer e a alegria. Assim

conforme Vygotsky (1991, p. 117) “o brinquedo cria zonas de desenvolvimento proximal

na criança”, pois no brinquedo ela se comporta além do habitual para sua idade. Por isso, o

brincar é uma atividade histórica e cultural, passível de criações e recriações no tempo e no

espaço de uma dada realidade.

Reforçamos a necessidade da professora continuar fazendo seus registros para ampliar sua

fonte de reflexão, assim sendo, não cairá no risco do controle, da centralização e da

onisciência que ocorre com muitas crianças em sala de aula.

Desse modo, o trabalho do professor na educação infantil encontra-se articulado ao caráter

múltiplo que a educação das crianças requer, para promover a apropriação de

conhecimentos, das relações afetivas, das operações lógico-matemáticas, do

desenvolvimento das funções psicológicas superiores, dentre outras.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

917ISSN 2177-336X

Finalizando, entendemos que muitos são os desafios que ainda se impõem no campo da

Educação Infantil, e, em relação ao trabalho pedagógico é imprescindível que a reflexão

sobre a docência se encontre na articulação entre seus saberes e fazeres como também

propicie a ressignificação de sua identidade profissional.

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

919ISSN 2177-336X

LER E ESCREVER, FAZER ARTES E BRINCAR: REFLEXÕES EM TORNO DAS

LINGUAGENS NA PRÁTICA DE PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Fernanda Almeida Pereira (PPGE/FACED/UFBA)

[email protected]

Flávia de Jesus Damião (DMMDC/FACED/UFBA)

[email protected]

Resumo

As linguagens permeiam todas as relações humanas. Permeiam, também, o trabalho na

Educação Infantil e constitui, junto com a brincadeira e a interação, os eixos da ação

didático-pedagógica junto às crianças. O interesse por discutir a temática das linguagens na

prática da educação infantil, surgiu a partir do trabalho de orientação a estudantes da

especialização em Educação Infantil em Salvador, BA. A partir desse trabalho fomos

identificando que dentre as diversas linguagens, duas delas acabam por se destacar na

prática pedagógica, quais sejam a linguagem escrita e a oral. Diante disto nos interessamos

em mapear o repertório de linguagens que constitui os saberes docentes na prática de

professoras da Educação Infantil. Neste movimento, nos questionamos: Qual o repertório

de linguagens que constitui os saberes docentes na prática pedagógica de professoras da

Educação Infantil? Na busca de pistas a nossa questão problematizadora, compartilhamos

um quadro teórico que apresenta e discute a Educação Infantil, os saberes docentes,

linguagens e a prática pedagógica. Os sujeitos participantes deste estudo forma professoras

da Educação Infantil (creche e pré-escola) das redes municipal, federal e particular de

ensino. Na pesquisa de campo utilizamos abordagem qualitativa na produção e análise dos

dados e análise de conteúdo na interpretação dos mesmos. Tal escolha se deu na medida em

que esta abordagem privilegia o mapeamento das linguagens utilizadas por um pequeno

grupo de professoras, a partir de um questionário aberto. A reflexão a partir da experiência

partilhada pelas professoras evidenciou a predominância de duas linguagens – a oral e a

escrita - em detrimentos das demais. Tal achado, nos deu suporte para elaborar ações

extensionistas para este segmento docente, com vistas a problematizar a utilização

exacerbada da linguagem oral e escrita, e refletirmos acerca da necessidade de ampliação

do rol de saberes em torno das linguagens no cotidiano da Educação Infantil.

Palavras-chave: Educação Infantil, linguagens, prática pedagógica.

Introdução

Afagar a terra

Conhecer os desejos da terra

Cio da terra propícia estação

E fecundar o chão

Chico Buarque e Milton Nascimento

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

920ISSN 2177-336X

Este trabalho investigou, sob a perspectiva dos professores, as possíveis linguagens que

compõem a prática pedagógica na Educação Infantil, a partir de Santaella (2013) e,

posteriormente, uma reflexão acerca do repertório docente que proporciona a constituição

de um discurso lúdico, em sua relação com as crianças na Educação Infantil.

A produção de linguagem é uma característica exclusiva do ser humano. O campo da

linguagem é rico em possibilidades de interação, de relação constitutiva, de ações que

modificam e transformam a realidade (ORLANDI, 2009). Mulheres e homens são seres

eminentemente sociais, daí que durante sua vida são produtores e tambem intérpretes de

linguagem, seja da tipologia verbal, visual ou sonora, conforme Santaella (2013) distinguiu

e elencou. Enquanto produtores de linguagens, os seres humanos, em qualquer fase da vida

se constituem em “[...] sujeito social, histórico e ideologicamente situado, que se constitui

na interação com o outro, que constrói sua identidade na relação dinâmica com a alteridade

e para quem o texto é o espaço de interação” (BELTRÃO e ARAPIRACA, 2014, p. 118).

Por linguagem estamos considerando, de um modo geral, a capacidade potencial que

possuímos e vamos desenvolvendo desde o nascimento, de nos comunicar, de expressar

nossos pensamentos, ideias, opiniões e sentimentos. A linguagem, nesta perspectiva enseja

a construção de uma relação de autoria, criatividade e respeito, na produção, na constituição

e no fazer cotidiano, em nossa compreensão, também na Educação Infantil.

A prática da linguagem na Educação Infantil, é desenvolvida a partir de um repertório de

atividades através das quais as crianças podem se expressar, interagir, comunicar e

aprender. Segundo Moruzzi (2014, p. 16-17), falar em linguagens para a educação infantil

é, primeiramente, discutir as formas pelas quais as crianças se expressam e se comunicam,

bem como, a maneira pela qual as crianças interpretam o mundo e constroem seus

pensamentos. As linguagens infantis, abarcam as manifestações infantis que ocorrem

através do desenho, das histórias por elas contadas, da expressividade corporal (danças,

mímicas, brincadeiras gestuais), pela expressividade musical (cantos orais ou as

vocalizações contínuas dos bebês), pelas representações simbólicas (do brincar, do faz de

conta), dentre outras. E, envolve qualquer um dos seguintes elementos: a representação, o

simbolismo, a oralidade, a gestualidade e a construção do pensamento (MORUZZI, 2014).

Apesar disso, em se tratando da Educação infantil, Gonçalves e Antônio (2008) alertam que

às vezes as professoras acabam priorizando apenas duas formas de linguagem na educação

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

921ISSN 2177-336X

das crianças, a linguagem oral e escrita, em detrimento de outras, privando-as de novas

vivências, novas experiências que ampliem seus conhecimentos. Em relação a essa

problemática, Moruzzi (2014) levanta a necessidade de espaço para a abordagem das

linguagens na Educação Infantil. Refletir sobre o repertório de linguagens que constitui a

ação didático-pedagógica de professoras da Educação Infantil, pode ser uma possibilidade

preponderante para promover ações formativas posteriores, que contribuam para o

desenvolvimento profissional destes mesmos docentes e para a uma infância mais lúdica

para as crianças.

Por ações didático-pedagógicas estamos compreendendo as ações no conjunto dos

conhecimentos pedagógicos, defendidas por Libâneo (1994), demonstrando a fundamental

importância do ato de ensinar na formação humana para vivermos em sociedade. Em

termos atuais, demonstrando a importância da mediação docente na prática pedagógica na

Educação Infantil, Libâneo (1994) afirma que há duas dimensões da formação profissional

do professor necessários para o exercício do trabalho didático em sala de aula. A primeira

dimensão é a teórico-científica composta pelos conhecimentos oriundos da filosofia,

sociologia, história da educação e pedagogia. Já a segunda engloba conhecimentos em uma

perspectiva técnico-prática, isto é, está mais ligada ao trabalho docente, ao saber fazer e

inclui a didática, as metodologias, a pesquisa e outras facetas práticas do trabalho docente.

Entendemos que, a docência na Educação Infantil, diferentemente de outros níveis de

ensino demanda das professoras saberes específicos aprendidos e aperfeiçoados a partir da

formação inicial, continuada e da prática. Neste sentido, é possível afirmar que, embora a

dimensão teórico-científica seja fundamental, é a partir da dimensão técnico-prática que

esses saberes se fortalecem, intensificam e podem se transformar novos fundamentos

teóricos e científicos em um movimento de práxis.

Os saberes docentes, por sua vez, incluem o domínio, utilização e produção de diversas

linguagens que, embora “emprestadas” de outras áreas do conhecimento, muito nos

auxiliam na organização didática que contribui para uma prática pedagógica, que se

pretende lúdica, vivencial. Dito de outra maneira, na produção de uma prática pedagógica

para e com as crianças na Educação Infantil, os professores (professoras quase sempre),

tomam de empréstimo elementos da linguagem verbal, sonora e visual (SANTAELLA,

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

922ISSN 2177-336X

2013), através de suas variadas tipologias, embora não tenham grande domínio teórico das

tipologias de linguagem, como os profissionais da área.

Desse modo, o presente estudo busca responder a seguinte questão: Qual o repertório de

linguagens que constitui as ações didático-pedagógicas de docentes da Educação Infantil

que atuam na Bahia. O objetivo principal do estudo é identificar as concepções e usos das

diversas linguagens por professoras na Educação Infantil, permitindo identificar as lacunas

ou pouca abordagem de algumas linguagens no cotidiano educativo.

O enfoque da pesquisa é descritivo interpretativa, seguindo os princípios da pesquisa

qualitativa, tendo como método a fenomenologia. O instrumento de coleta de dados foi o

questionário composto por nove questões abertas, dentre elas uma onde a respondente pode

expressar alguma temática não abordada e que julgam importante para o mapeamento das

tipologias de linguagem utilizadas na Educação Infantil. As participantes da pesquisa são

professoras que desempenham a docência em turmas de creche e pré-escola, das redes

municipal, federal e particular de ensino, todas no Estado da Bahia e que tem algum

vínculo com a especialização em Educação Infantil, na FACED/UFBA. O grupo de

informantes é constituído por cinco professoras, todas com formação inicial nos Cursos de

Licenciatura em Pedagogia.

1. Linguagens, saberes docentes e ludicidade na Educação Infantil

A linguagem em ação é composta por discursos produzidos em um tempo/espaço/contexto,

de modo que há a presença de a) um referente: objeto sobre o que se diz algo; b)

interlocutores: participantes do discurso (pessoas); Os interlocutores produzem processos

do discurso que são constitutivos da tensão que produz o texto. Assim sendo, o texto é o

discurso em ação. Dito desta forma é importante explicar que um discurso pode ser lúdico,

mas o texto não. Então é o texto que vai nos dizer em que medida o discurso é autoritário,

polêmico ou lúdico.

Ao investigar sobre o funcionamento discursivo na escola, Orlandi (2009, p. 29) constatou

que o discurso pedagógico é composto por três tipos de discurso: o autoritário, o polêmico

e o lúdico.

Quadro n° 01 - Tipos dos discursos pedagógicos

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

923ISSN 2177-336X

Tipos de discursos Como ele se estabelece

Discurso autoritário: O referente está “ausente”,

oculto pelo dizer; não há realmente interlocutores, mas

um agente exclusivo. Há a contenção da polissemia, já

que o agente do discurso se pretende único e oculta o

referente pelo dizer. Há uma polissemia contida.

Este tipo de discurso procura estancar a reversibilidade,

uma vez que apenas um dos sujeitos se pretende locutor

(o professor). Seu exagero é a ordem no sentido em que

se diz “isso é uma ordem” em que o sujeito passa a

instrumento de comando.

Discurso polêmico: Mantem a presença do seu objeto,

sendo que os participantes não se expõem, mas ao

contrário, procuram dominar o seu referente

(sujeitos/participantes), dando-lhe uma direção,

indicando perspectivas particularizantes pelas quais se

olha e se o diz, o que resulta na polissemia controlada.

Seu exagero é a injúria, uma vez que estando os

interlocutores em uma constante disputa pelo controle

do referente, pode-se perder o controle da polissemia

esse perca o lugar de autoridade/maior conhecimento

que, se espera, seja do professor.

Discurso lúdico: há a expansão da polissemia pois o

referente do discurso está exposto à presença dos

interlocutores. É o tipo de relação que se estabelece

entre os brincantes, jogadores. Há regras e combinados

a serem negociados e respeitados por ambos.

O lúdico vive da reversibilidade, isto é, da constante

troca possível entre os interlocutores. Entretanto, como

afirmou Orlandi (2009) seu exagero leva ao non sense.

Fonte: Compilação realizada pela autora a partir de Orlandi (2009).

Orlandi (2009) identificou três tipos de discurso que compõem o discurso pedagógico: o

autoritário, o polêmico e o lúdico, mas se engana quem acredita que há um equilíbrio entre

a frequência dos três no cotidiano educativo. Isto porque, a autora aponta para a prevalência

do discurso autoritário na escola, de modo que chega a se conformar uma circularidade do

discurso (ORLANDI, 2009). Segundo ela, o discurso pedagógico é definido como circular,

isto é, é um dizer institucionalizado, sobre as coisas, que se consolida, iniciando e

retornando para a instituição em que se origina e para a qual tende: a escola. Pode ser

originado pela gestão ou pelos professores e, muitas vezes inviabiliza a constituição de uma

relação dialógica, na medida em que desconsidera o lugar/papel do interlocutor, que pode

ser um professor ou aluno(s).

Concordamos em parte com a autora, pois, nos dedicando por mais de duas décadas ao

trabalho educativo na Educação Infantil (em uma creche universitária da rede federal de

ensino), temos um discurso lúdico, embora, na prática façamos uso de diversas linguagens,

atitudes, e atividades variadas que nem sempre são lúdicas e, em alguns momentos, não

pode contemplar a vontade das crianças, entra então o fazer porque tem que fazer, uma

espécie de discurso/prática com uso da autoridade e do convencimento, sem ter que ser

autoritária, exercitando um discurso polêmico.

No mesmo sentido de nem sempre a professora da Educação Infantil conseguir priorizar a

utilização de linguagens e discursos potencialmente lúdicos Bacelar (2012) assevera:

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

924ISSN 2177-336X

Nem sempre, podemos permitir que a criança faça todo o tempo tudo o

que gosta, mas é importante encontrar os caminhos de comunicação

através dos quais, possamos permitir sua expressão e ao mesmo tempo

tentar tornar o que é necessário ser feito, uma vivência lúdica.

(BACELAR, 2012, p. 51)

Mais que um discurso lúdico, precisamos, desde cedo estimular o discurso polêmico, onde

seja valorizada a reversibilidade entre locutor e interlocutor e evitar o uso do discurso

autoritário. No cotidiano é necessário contemplar as diversas linguagens na abordagem de

atividades, técnicas, fundamentos e ações de diversas áreas do conhecimento humano a fim

de promover momentos em que o estado de ludicidade seja possível entre as crianças e

também entre as educadoras.

Os saberes docentes relacionados aos conhecimentos originados da prática, ou seja, saberes

experienciais no contexto da Educação Infantil estão intimamente relacionados à

ludicidade, ao lúdico e aos saberes ludo-sensíveis (LIMA, 2014).

Sobre a ludicidade Luckesi (2014, p. 13) “compreende como experiência interna de

inteireza e plenitude por parte do sujeito.” E, para ensinar ludicamente, o autor ressalta

ainda que “[...] o educador necessita cuidar-se emocionalmente e, cognitivamente, adquirir

as habilidades necessárias para conduzir o ensino de tal forma que subsidie uma

aprendizagem lúdica” (LUCKESI, 2014, p. 13). Esta também é a abordagem adotada neste

estudo.

Lima (2014, p. 119-120) resume características dos saberes ludo-sensíveis em práticas

pedagógicas na Educação Infantil: Contação de histórias de forma brincante e envolvente

com o uso de elementos artísticos como suporte e transmitindo, por meio da corporeidade, a

emoção que a história traz; Proporcionar às crianças momentos de livre expressão por meio

das artes plásticas com o uso de diversos materiais; Realizar um processo de musicalização

infantil, proporcionando momentos de ouvir, cantar, apreciar, tocar, dançar, criar e recriar,

estimulando a livre expressão e a brincadeira; Promover atividades que incluam os jogos

dramáticos, que envolvem o faz-de-conta, o improviso e a criatividade infantis; Escolher e

assistir, junto com as crianças produções artísticas, musicais, filmes e outros,

proporcionando momentos de movimento e interação ou silêncio e concentração.

Beltrão e Arapiraca (2014) defendem a presença da literatura, enquanto arte, na formação

de professoras da Educação Infantil. Iniciam o ensaio destacando uma relação mais

polêmica do que pacífica entre a literatura e o ensino. Entretanto, concordam com

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

925ISSN 2177-336X

Gramacho (2013, p. 45, apud Beltrão e Arapiraca, 2014, p. 121) quando afirma que

Literatura e Educação não são realidades que se excluem. Do nosso lado, concordamos com

as autoras acima e corroboramos a importância de proporcionar às crianças o contato com

literatura e os poemas, no cotidiano educativo da Educação Infantil. Nosso objetivo é

promover a imersão no universo do mágico, do poético, do amedrontador, do riso e das

emoções humanas, desde cedo e nisso, a literatura e a poesia fazem bem.

A literatura e a poesia, enquanto linguagens trazem em si o potencial lúdico para o sujeito

que desses textos se apropriam. Não é sem razão que quando finalizamos a leitura de um

romance/conto/poesia por vezes nos sentimos extasiados e com o desejo de que aquela

narrativa não tenha fim. Esses sentimentos, por si só podem ser considerados como fruto de

uma vivência plena, de uma experiência de plenitude.

Não por acaso, Beltrão e Arapiraca (2014, p. 119) defendem e expressam o “[...] desejo de

que leituras proveitosas configurem gestos e ações curiosos e que seja compreendida a

intenção de privilegiarmos [...] as considerações em torno da presença da Literatura no

processo formativo de professoras.” Só se valoriza e se utiliza, aquilo que de perto se

conhece e as professoras da Educação Infantil necessitam conhecer e se encantar com esse

potencial lúdico proporcionado pela Literatura e também pela poesia.

Do mesmo modo, mas na perspectiva da criança, as autoras ressaltam a importância da

linguagem e suas diversas matrizes ao afirmar que “[...] a cada instante que uma criança se

integra ao mundo, ele se renova, ele se amplia, ele se transforma, ele se recria, ele se

reinaugura, ele se reedita, pela linguagem, de matriz verbal, visual, sonora e corporal”

(BELTRÃO e ARAPIRACA, 2014, p. 120).

Conquanto seja importante para a formação de um „professora lúdica‟, isto é, um professor

com habilidades para promover atividades lúdicas junto às crianças Bacelar (2012) ressalta

que é indispensável que esta professora vivencie e experimente situações em que o estado

de plenitude esteja presente em sua vida através das lembranças da infância, da formação

docente (inicial e continuada), que contemple o lúdico, a fruição artística, criadora,

imaginativa para ser sensível também quanto à necessidade das crianças na Educação

Infantil.

Tais vivências e saberes contribuem, em nosso entendimento, para a criação de uma prática

pedagógica lúdica, como estamos chamando e que envolvem, na Educação Infantil, a

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

926ISSN 2177-336X

promoção de atividades que envolvem o brincar, o jogar, a literatura infantil, a música, a

dança, o teatro e as artes plásticas.

2. Interpretação e análise de dados:

Para esta pesquisa tivemos cinco professoras respondentes. Segue compilação das

informações sócio-demográficas das professoras.

Quadro n° 02 – Informações sócio-demográficas das professoras

Nome Idade Formação Rede de Ensino Anos/Ensino Etapa que ensina Amanda 30 Mestranda/ Educação Municipal Salvador 07 Creche

Rose 44 Pedagoga Municipal Candeias 20 Pré-escola Arlete 25 Pedagoga Particular Salvador 05 Pré-escola Ana 40 Doutoranda/ Educação Federal Salvador 22 Creche

Bianca 35 Especialista/ Educação Municipal L. Freitas 10 Pré-escola Fonte: Dados compilados a partir do instrumento de coleta de dados aplicados às professoras.

No Quadro 2, objetivamos sistematizar os dados sócio-demográficos das docentes que

aceitaram participar da nossa pesquisa. É possível perceber que há uma questão de gênero

demarcada, visto que todas são mulheres, o que confirma a quase exclusividade de

mulheres na docência em Educação Infantil. Outro fato importante é formação das

informantes. Diferentemente da média, temos duas pedagogas, uma especialista em

Educação Infantil, uma mestranda e uma doutoranda, mostrando que entre as informantes

há uma preocupação com qualificação docente. A idade média é de 34,8 anos e o tempo

médio de docência é de 12,8 anos, portanto, de modo geral, são mulheres jovens e

experientes do ponto de vista profissional, a maior parte tem vínculo empregatício na rede

municipal de ensino, duas na capital e uma na região metropolitana.

Ouvimos as professoras quanto a como definem linguagem. As que atuam em creches

utilizam uma compreensão ampliada, associando linguagem a “qualquer recurso que esteja

a serviço da comunicação e da aprendizagem humana.” (Ana) e a “[...] todas as formas de

expressão e comunicação. Compreendo que é a maneira singular que cada ser apresenta a

partir das suas construções ao longo da vida, sejam elas histórico-cultural, biológica e/ou

afetiva”, conforme Amanda nos informa.

Quando o contexto é a Pré-escola, a professora Rose destaca o caráter da linguagem como

expressão e, por mais de uma vez em seu depoimento, afirma a existência de pressão social

(família e direção) pela antecipação da alfabetização nos anos finais da Educação Infantil.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

927ISSN 2177-336X

Retomamos o depoimento de Amanda quando ressalta o seu processo de ampliação do

olhar acerca da linguagem e suas possibilidades ao afirmar que, em seu percurso formativo:

“Por muito tempo achei que a linguagem só compreendia e parte oral e escrita. Foi, em

especial, atuando na Educação Infantil que redescobri a abrangência deste conceito”. Tal

depoimento revela que o exercício da docência é um elemento que favorece o aprender

profissional.

As professoras da pré-escola revelam uma certa cobrança, que não é direta, mas vem nas

entrelinhas, tanto por parte das famílias quanto por parte da gestão escolar para que, ao

final do Grupo 5 ou do Jardim 3, conforme nomenclatura adotada, a criança já tenha

habilidades necessárias para o processo de alfabetização a ser consolidado no 1º ano do

Fundamental. Todas as professoras afirmam fazer uso das diversas linguagens.

Quadro n° 03 - Linguagens na Educação Infantil, por frequência de utilização

Nome Linguagens

Amanda

Formação pessoal e social (Cuidar de si, Relação entre os pares e Meio Ambiente); Brincar e

Imaginar; Linguagem Verbal (Oralidade, leitura e escrita), Linguagem corporal (Expressividade,

Equilíbrio e Coordenação); Linguagens Artísticas (Linguagem musical, Linguagem teatral,

Linguagem visual); Linguagem Matemática; Linguagem da Cultura e da Natureza. Rose Oral e escrita, diálogos, imagens, músicas e movimentos, expressão corporal, gestos.

Arlete Sobretudo oral e escrita, conto história umas duas vezes por semana e trabalho matemática também.

Ana Oral, musical, pictórica, escrita, artística, visual, áudio-visual, corporal, verbal, não verbal,

matemática.

Bianca Linguagem oral e escrita, Literatura Infantil, trava-língua, poesia, música, vídeos diversos. Planejo as

atividades de acordo com o projeto, não tem uma regra, há uma ênfase nas linguagens oral e escrita. Fonte: Dados compilados a partir do instrumento de coleta de dados aplicados às professoras.

Ao observarmos o Quadro 3, é possível perceber a descrição das linguagens utilizadas com

maior frequência pelas professoras na Educação Infantil. Quatro das cinco professoras

afirmam a preponderância da linguagem verbal (oral e escrita) sobre as demais no

cotidiano. Amanda é a única professora que apresenta como principais linguagens a

formação pessoal e social. Desconfiamos que a professora se preocupou em informar qual o

seu principal eixo/objetivo, enquanto docente, ao abordar as linguagens. Assumimos não

considerar o primeiro eixo e sim o segundo enquanto linguagem: Brincar e imaginar, que

fazem parte da linguagem simbólica e só depois a linguagem verbal, seguida da linguagem

corporal, artísticas, matemática e os eixos que envolvem a Cultura e a Natureza.

Por qual motivo as linguagens mais utilizadas são a oral e escrita? Certamente que o uso

intensivo da voz na mediação seja um fator preponderante para o uso da linguagem oral. A

literatura e a poesia necessitam da mediação oral e, por vezes, pictórica, para estimular a

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imaginação. A linguagem musical prescinde da voz e da linguagem corporal, do mesmo

modo que a linguagem teatral. Considerando, entretanto, que as linguagens artísticas

costumam articular mais de uma linguagem, acreditamos na importância da linguagem oral

no cotidiano da Educação Infantil. A linguagem verbal, na modalidade escrita, está

presente, pode comportar a linguagem pictórica e ensejar o uso de diversas outras

linguagens. Por fim, talvez o mais importante seja privilegiar as diferentes linguagens, sem

perder de vista que o objetivo da Educação Infantil, isto é, vivenciar, experimentar, testar,

imaginar, brincar, desenvolver a autonomia e a capacidade de construir e testar hipóteses,

histórias, a vida, em parceria.

3. Conclusão

A condução do trabalho pedagógico na Educação Infantil permite flexibilidade quanto à

metodologia, uso de materiais, linguagens, conteúdos e também flexibilidade quanto à

didática, na forma de conduzir tais abordagens. É possível afirmar que as professoras,

podem ter liberdade para desenvolver a prática pedagógica utilizando diferentes

metodologias, sem deixar de reconhecer a importância da brincadeira e das atividades

lúdicas.

Ao ver as linguagens referidas pelas docentes percebemos a diversidade de compreensão e

de organização da prática pedagógica na Educação Infantil, seja na Creche ou na pré-

escola, de acordo com cada unidade educativa. O Referencial Curricular Nacional para a

Educação Infantil (Brasil, 1998) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Infantil (Brasil, 2010) contribuem para isso na medida em que evitam a disciplinarização do

campo e podem estimular, por outro lado, a criatividade, a autoria docente e o uso das

diversas linguagens.

As atividades pedagógicas desenvolvidas na creche se mostram mais fluidas e lúdicas, o

mesmo já não acontece na pré-escola, segundo as informantes. Quando a professora dá

ênfase apenas aos dois principais tipos de linguagem verbal (oral e escrita, sem valorizar a

literatura e a poesia) na Educação Infantil, corre-se o risco de desenvolver uma prática

pedagógica que objetiva a antecipação do processo de alfabetização, numa tentativa de dar

um cunho escolar-educativo-disciplinador ao trabalho pedagógico, especialmente nos anos

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finais da creche que é por volta dos três anos de idade e de quatro a cinco anos que

correspondem à pré-escola.

O relato da professora Amanda, acerca da organização do seu trabalho pedagógico na

creche demonstra o cuidado em utilizar variado repertório de linguagens a serviço do

desenvolvimento infantil. Em nossa compreensão e experiência, o repertório envolve o

desenvolvimento de saberes específicos que possibilitam a aproximação e utilização da

música por parte da professora da Educação Infantil, mesmo que não sejamos músicos, das

artes plásticas, sem sermos artistas plásticos, do teatro, sem sermos atores, da literatura

infantil e poesia, sem sermos literatos e poetas, enfim, envolve o esforço por desenvolver

uma prática pedagógica que supere a supremacia da linguagem oral e escrita.

Utilizar variadas linguagens no cotidiano educativo pode potencializar uma prática

pedagógica mais lúdica. Tais iniciativas, articuladas e postas em ação transportam a nós e

às crianças ao mundo maravilhoso, do faz-de-conta, desperta a imaginação, mas também,

nos confronta com a necessidade de dialogar, de negociar, de interagir, contribuindo no

processo de educar.

Um processo de lecto-escrita dissociado do encanto pelo mundo das histórias, poesias,

canções, brincadeiras cantadas, artes plásticas, entre outras atividades que possibilitam a

vivência, experiência, transformação de materiais e produção de sentidos pelas crianças,

enquanto protagonistas, empobrece também as possibilidades de diálogo, de

questionamento, de discursos entre crianças e adultos, onde a polissemia seja valorizada e

respeitada.

Mais que o uso de um discurso lúdico, é necessário que, na Educação Infantil, a professora

incorpore à sua prática pedagógica com as crianças, atividades que estimulem uma vivência

lúdica, através das diferentes linguagens acima descritas. Tais atividades podem contribuir

para o desenvolvimento infantil não apenas no aspecto cognitivo, mas, sobretudo, nos

aspectos social, corporal, afetivo, psicológico e emocional.

O mapeamento das linguagens mais utilizadas pelas informantes desta pesquisa em suas

turmas de Educação Infantil, nos permite identificar uma lacuna quando à promoção de

atividades ludo-sensíveis e possibilita que elaboremos projetos extensionistas, na

universidade, com vistas a promover ações que possam ampliar o rol de saberes docentes e,

potencialmente, para ajudar as professoras (das redes municipal, privada e filantrópica) a

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diversificarem o uso das linguagens no cotidiano da Educação Infantil. Mais que

instrumentalizar, é necessário a rever as próprias concepções acerca de infâncias, crianças,

do currículo na Educação Infantil e traduzir essa reflexão em novas ações, nas quais, a

prática pedagógica se constitua em ações cujo protagonismo infantil seja valorizado e as

linguagens, com potencial lúdico estejam presentes.

Por fim, em resposta ao título provocativo deste artigo, a partir dos nossos estudos,

concepções de crianças, linguagens e Educação Infantil podemos afirmar, que, mais do que

ler e escrever, o repertório de linguagens que constitui a prática docente de professoras da

Educação Infantil necessita contemplar todas as linguagens, principalmente as artísticas e o

brincar. Talvez até, devessem começar por estas últimas.

Referências

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formação inicial. 150f. 2012. Tese de (Doutorado) – Faculdade de Educação,

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Presente! In: Revista da FAEEBA. Salvador, v. 23, n. 41, p. 117-127, jan./jun. 2014.

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MEC/SEB, 2010.

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ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas:

SANTAELLA, L. Matrizes da linguagem e pensamento. SP: Iluminuras, 2013.

i A pesquisa “Imagens e Narrativas do Centro de Convivência Infantil Casinha do Sol: fotografando o

movimento de construção da mediação pedagógica de educadoras de crianças pequenas”, foi financiada pela

(FAPESB/UESB). ii Adotaremos o gênero feminino por ser predominante em 100% nessa instituição.

iii Não será apresentado o nome original das pessoas envolvidas com a investigação, na tentativa de se manter

a identidade das professoras e da integridade do trabalho.

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