cenários que levam à ação

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  • 8/3/2019 Cenrios que Levam Ao

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    HSM Management 32 maio-junho 2002

    ESTRATGIA

    Cenrios quelevem aoUm ponto de partida e quatro mtodos para transformar

    o planejamento de cenrios em estratgias implementadas

    Por Ian Wilson

    o final do segundo semestre de 1976, promovi um encontro entre Pierre Wackque, na poca, chefiava o setor de ambiente de negcios da Royal Dutch/Shell eostaffde planejamento estratgico da General Electric. O assunto em pauta era o

    papel dos cenrios no planejamento empresarial.Naquela ocasio, a GE tinha, segundo muitos, o sistema de planejamento estratgico

    mais elaborado e sofisticado do mundo empresarial, e a Shell gozava de excelente repu-tao internacional por seu trabalho pioneiro na rea de cenrios, mas nos dois casosfaltava alguma coisa.

    Wack estava convencido de que, se quisssemos um engajamento srio e contnuo dosgerentes de operaes, os cenrios precisariam estar mais intimamente ligados ao pro-cesso de planejamento estratgico e tomada de decises. A GE, por sua vez, ainda abala-da e intrigada pela ocorrncia do primeiro choque do petrleo, precisava firmar suaestratgia sobre uma avaliao do futuro que levasse em conta, de forma mais explcita, asincertezas que ento acompanhavam e marcavam o ambiente de negcios do futuro.

    A partir desse encontro, percebi que, embora seja importante desenvolver cenrioscoerentes, imaginativos e teis, a razo ltima e a justificativa desse exerccio realmentetraduzir as conseqncias dos cenrios em decises executivas e, posteriormente, aesestratgicas.

    N

    Embora seja fundamental o planejamento de cenriosfuturos que sejam coerentes, criativos e verossmeis, precisoter sempre em mente que a razo de tal exerccio traduzirtais cenrios em decises acertadas e, finalmente, em ao.Este artigo, escrito por um consultor norte-americano, reforaque os cenrios devem constituir uma ferramenta de gestoque sirva para melhorar a qualidade da tomada de decises epassar ao. Em outras palavras, sem a implementao dasestratgias derivadas dos cenrios, o exerccio intil.Parece uma concluso bvia, mas no o que se nota emmuitas empresas. Este artigo esquematiza o processo detransformao do cenrio em ao. Depois de reconheceras barreiras culturais existentes, o ponto de partida estabelecer um foco de deciso claramente definidopara cada conjunto de cenrios. Ao relacion-los com

    Sinopse

    necessidades especficas do planejamento estratgico,o processo no se dispersa em generalizaes.Em seguida, o aconselhvel aplicar um mtodo passoa passo que inclua avaliaes contnuas e planos deemergncia. Aqui so sugeridas quatro abordagens, damais simples mais sofisticada. O autor recomenda aindaque no se conceba uma estratgia completa para cadaum dos cenrios.

    Ian Wilson diretor da firma de consultoria Wolf Enterprises, com sedeem San Rafael, Califrnia, EUA, especializado em trabalhar com equipes

    de executivos seniores que assumem projetos nas reas de gesto

    estratgica, viso estratgica e planejamento de cenrios. Entre seus livros

    destaca-se The New Rules of Corporate Conduct (ed. Quantum Books).

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    Barreiras culturais implementao

    Os cenrios no so um fim em si mesmos; so uma ferramenta de gesto para melho-rar a qualidade da tomada de decises. No entanto, a experincia mostra que o uso decenrios para essa finalidade cria problemas ainda mais complicados do que o prprioprocesso de desenvolvimento de cenrios. A exemplo do que ocorre no domnio maisamplo da estratgia, a implementao ou seja, a execuo o problema crucial.

    Embora as causas da dificuldade de implementao tenham forte componente de or-dem prtica, tambm apresentam, em grande parte, aspectos culturais e psicolgicos.Em muitas empresas, a cultura do planejamento ainda mostra um forte vis em direo previso nica.

    Nesse contexto, o princpio dos executivos : Diga-me como ser o futuro e eu pode-rei tomar minhas decises. Assim, diante de cenrios que fornecem previses mlti-plas, eles se sentem confusos e descrentes, e reclamam que trs ou quatro prognsticosconfundem mais e ajudam menos do que um. Essa uma percepo errada da naturezae do papel dos cenrios.

    A maior barreira cultural para a implementao de cenrios, porm, est em nossapercepo do que competncia gerencial. Bons lderes, costuma-se dizer, sabem onde

    esto, para onde vo e como chegaro l. Associamos a idia de competncia gerencial aconhecimento e acreditamos que as decises dependero de fatos presentes e futuros. claro, porm, que no h fatos futuros. No h como escapar do dilema de que nossoconhecimento versa sobre o passado e nossas decises dizem respeito ao futuro.

    Ao reconhecer a incerteza, os cenrios escancaram o fato de no ser possvel saber qualser o futuro e, portanto, abalam nossa segurana sobre o saber e nossa idia de compe-tncia gerencial. E como a cultura empresarial quase nunca ou nunca recompensa aincompetncia, os executivos resistem ingerncia do planejamento de cenrios nas for-mas tradicionais de tomada de decises.

    Como enfrentar a resistncia: o foco de deciso

    Um ponto de partida para enfrentar tal dilema delinear claramente o foco de deci-

    so para cada grupo de cenrios. O primeiro passo para o processo no seria rever asforas transformadoras que afetam o ambiente de negcios, mas, sim, chegar a um acordosobre que decises estratgicas os cenrios devem iluminar.

    Se, por um lado, os cenrios podem ser usados como ferramenta de aprendizado paraexplorar reas gerais de risco e oportunidade, por outro, o prprio uso leva geralmente aodesenvolvimento de cenrios mais focados antes da tomada de decises. Esse passo crucialestabelece que a finalidade dos cenrios no apenas elaborar descries e alternativasplausveis para o futuro, mas ajudar os executivos a tomar decises estratgicas melhores,mais flexveis. Ao atrelar cenrios s decises necessrias, ns os ligamos efetivamente anecessidades especficas de planejamento e impedimos que o processo saia do rumo paraabarcar generalizaes muito amplas sobre o futuro da sociedade e da economia mundial.

    Em geral, a discusso sobre o foco das decises mais estratgica que ttica. Isso porque oscenrios normalmente lidam com tendncias e incertezas de longo prazo (horizontes de

    cinco a dez anos) e no com desdobramentos de curto prazo.Podem ser objeto do processo de criao de cenrios todas as decises ou reas de

    preocupao estratgica nas quais os fatores externos so complexos, mutveis e incertos.Mas, quanto mais estreito o escopo da deciso ou estratgia um investimento especficoou uma deciso sobre entrar ou no em um mercado, por exemplo, mais fcil ser cons-truir e interpretar o cenrio. Mais difcil desenvolver cenrios para preocupaes estra-tgicas amplas posicionamento de um portflio de negcios diversificado, por exemplo.

    Mas tome cuidado. Embora esclarecer o foco estratgico dos cenrios seja uma primei-ra etapa de importncia crucial, igualmente importante lembrar que esse no o mo-mento de elaborar estratgias. Os executivos tm uma impacincia natural com as anli-ses e tendem a querer pegar um atalho. Muitas vezes, necessrio coibir essa tendnciapara a ao para que se possa, antes, estabelecer o contexto para a ao, ou os cenrios

    Quanto mais

    estreito o escopo

    da estratgia,

    mais fcil ser

    construir e

    interpretar o

    cenrio

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    em si. Quando os executivos percebem que o processo comea e termina com nfase naao, mais fcil persuadi-los do real valor do planejamento de cenrios.

    O que no fazer

    Concordar que a utilidade dos cenrios depende de sua capacidade de influenciar aes

    executivas um bom incio. Ainda assim, algumas perguntas permanecem sem resposta. Oque fazer com os cenrios depois de criados? Como traduzir aquilo que aprendemos emao? Antes de responder a essas perguntas, vale a pena destacar o que no deve ser feito.

    Em primeiro lugar, no devemos desenvolver uma estratgia completa para cada umdos cenrios para, em seguida, por um meio qualquer, escolher o cenrio que parecetrazer mais promessas de sucesso e lucro.

    Essa linha de ao levaria provavelmente a uma paralisia por excesso de anlise, emvez de aes construtivas. E a abordagem estaria baseada em uma compreenso errada doconceito de planejamento de cenrios: o verdadeiro objetivo desenvolver uma estratgiaflexvel a partir das vrias opes futuras fornecidas pelos cenrios.

    A elasticidade no a nica qualidade que se busca em uma estratgia. Levada ao extre-mo, ela pode significar pouco mais do que o mnimo denominador comum de estratgias

    especficas a vrios cenrios. Em tempos que exigem aes ousadas ou mesmo radicais emmuitos mercados, tal interpretao seria, na melhor das hipteses, uma receita certa para amediocridade.

    Antes de tomar medidas ousadas, a estratgia deveria ser testada tendo como pano defundo vrios cenrios diferentes, para que a equipe diretiva saiba quais os pontos vulne-rveis em potencial. A flexibilidade pode ser ento incorporada estratgia, no pelareduo de sua fora, ou ousadia, mas por meio de medidas que proporcionem proteoou por planejamento de contingncias.

    Em segundo lugar, no se deve atribuir probabilidades aos cenrios para depois desen-volver estratgias para o cenrio mais provvel. Ainda que essa seja uma posio polmi-ca, a probabilidade est mais relacionada a previses do que a cenrios; cenrios no soprevises, j que no possvel, de forma razovel, prever trs ou quatro futuros diferen-tes. Os cenrios so colees de futuros possveis, para que possamos estabelecer as frontei-

    ras de nossa incerteza e os limites para futuros plausveis.Mas no h como negar a forte tendncia humana, baseada em experincias anteriores,

    de atribuir probabilidades no final do processo de elaborao de cenrios. Cada um termi-na com sua avaliao prpria da probabilidade. E quase sempre melhor trazer tais avali-aes tona, para serem discutidas em grupo. Esse exerccio acaba servindo para deixarclara a ampla gama de opinies diferentes existente e a conseqente futilidade de buscarum consenso a esse respeito.

    No entanto, qualquer que seja a linha de ao escolhida engajar-se ou no nessa avalia-o em grupo, o importante evitar jogar o jogo das probabilidades com o fim de seconcentrar num cenrio mais provvel, em detrimento dos demais.

    O que fazer

    O uso de cenrios para a tomada de decises estratgicas exige uma considervel dosede habilidade e sofisticao. Por isso, as organizaes que queiram fazer experincias deplanejamento de cenrios devem comear por uma abordagem passo a passo para trans-formar os cenrios em estratgias.

    Assim como para tocar piano preciso conhecer as notas e praticar escalas, quempretende se dedicar ao exerccio de planejamento de cenrios ter de aprender algumastcnicas bsicas, que ajudaro a eliminar o fosso existente entre cenrios e estratgia,antes de poder se lanar em uma abordagem mais sofisticada.

    A seguir, encontram-se quatro abordagens para o problema da mais elementar maissofisticada.1. Avaliao de risco. Essa abordagem pode ser usada para avaliar determinada decisoestratgica um investimento industrial de porte, por exemplo ou uma iniciativa de desen-volvimento de negcios.

    Os cenrios

    podem

    funcionar como

    central de

    testes para

    avaliar a

    viabilidade

    de uma

    estratgia

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    Nesse caso, a necessidade de tomar uma deciso conhecida previamente. A questo,portanto, proceder ou no, depois de avaliar a flexibilidade da estratgia ou sua vulne-rabilidade em diferentes condies de negcios.

    A primeira providncia identificar as condies-chave como ndice de crescimentodo mercado, mudanas de regulamentao, evolues tecnolgicas s quais

    o futuro mercado ou ambiente industrial teria de atender para justificar uma deciso deir em frente, antes de avaliar tais condies em cada um dos cenrios.Finalmente, possvel avaliar a flexibilidade da deciso de prosseguir com a estra-

    tgia proposta e considerar a necessidade ou quanto seria desejvel contar com umaproteo. Ou modificar a deciso original de alguma maneira, para aumentar talflexibilidade.

    Essa abordagem propicia uma aplicao relativamente direta de cenrios tomada dedecises, usando uma srie de etapas descritivas e de julgamento. preciso, no entanto,contar com um foco de deciso muito claro e especfico, que se preste a um tipo de decisoir/no ir em frente.2. Avaliao de estratgia. Outro papel bastante claro dos cenrios agir como central detestes para avaliar a viabilidade de uma estratgia existente. Ao testar a estratgia em

    vrios cenrios, possvel chegar a uma percepo de sua eficcia nas diferentes condiese, a partir da, identificar alteraes ou planos de contingncia.Em primeiro lugar, necessrio desdobrar a estratgia em suas questes mais im-

    portantes por exemplo, foco nos segmentos de mercado consumidor de alto nvelou diversificar em reas de servio especficas e descrever seus objetivos e metas.Com isso, ser possvel avaliar a relevncia e a probabilidade de sucesso (do ponto devista de chegar aos objetivos desejados) dessas questes, nas diversas condies doscenrios. Ao avaliar os resultados dessa anlise de impacto, os executivos deveriampoder identificar:

    Oportunidades que a estratgia aborda e aquelas por ela perdidas.Ameaas/riscos que a anlise tenha previsto ou deixado de prever.Sucesso ou fracasso competitivo comparativo.Nesse ponto, possvel identificar as opes de mudanas em estratgia e a necessida-

    de de planejamento de contingncias.Essa abordagem oferece um primeiro uso natural e relativamente simples dos cenrios

    em um sistema de planejamento estratgico corporativo. A avaliao da estratgia exis-tente exige menos sofisticao que a criao de uma nova.

    Uma grande rede de lojas de departamentos introduziu o uso de cenrios para explo-rar estrategicamente os padres de mudanas econmicas futuras, os valores dos consu-midores, os estilos de vida e as estruturas nas operaes do varejo. A empresa usou essescenrios de trs formas distintas:

    avaliar a probabilidade de retorno com a presente estratgia;avaliar e comparar as estratgias dos concorrentes mais importantes;analisar as opes de estratgia de varejo, identificando as mais elsticas, para possvel

    incluso na estratgia da empresa. Em resultado, a empresa se expandiu fortemente para

    lojas especializadas.3. Desenvolvimento da estratgia utilizando um cenrio como foco de planejamen-to. Essa abordagem uma tentativa de criar uma ponte para superar o fosso culturalexistente entre o planejamento tradicional, apoiado em uma previso de ponto nico, e oplanejamento de cenrios. Essa abordagem consiste, basicamente, na escolha de um doscenrios como ponto de partida e foco para o desenvolvimento de estratgias e no uso deoutros cenrios para testar a flexibilidade da estratgia e avaliar a necessidade de modi-ficao, proteo ou planejamento para a contingncia. As etapas que fazem parte des-sa abordagem so:1. Rever os cenrios para identificar as principais oportunidades e ameaas aos negcios,olhando um cenrio de cada vez e, em seguida, olhando todos os cenrios.2. Determinar, com base nessa reviso, o que a empresa deveria ou no deveria fazer,em cada caso.

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    3. Escolher um cenrio de foco de planejamento (em geral, o mais provvel).4. Integrar os elementos estratgicos identificados a etapa 2 em uma estratgia coerentepara o cenrio de foco de planejamento.5. Testar essa estratgia em relao aos cenrios remanescentes, para avaliar sua flexibili-dade ou vulnerabilidade.

    6. Rever os resultados desse teste para determinar a necessidade de modificaes naestratgia, de planos de proteo ou de planos de contingncia. bvio que tal abordagem se choca com a afirmao anterior de que os cenrios no

    deveriam lidar com probabilidades. Ela pode, contudo, ser justificada como uma etapatil intermediria entre o planejamento tradicional e aquele realizado com cenrios.4. Desenvolvimento da estratgia sem usar um cenrio como foco de planejamen-to. Nessa abordagem, os executivos aceitam todas as possibilidades propostas pelosdiferentes cenrios sem question-las e sem avaliar suas probabilidades, com o objetivode criar uma estratgia elstica que possa lidar com grandes variaes nas condiesdos negcios. O processo dessa abordagem consiste em:

    Identificar os elementos-chave de uma estratgia de sucesso como abrangncia geo-grfica, foco de mercado, gama de produtos, base de concorrncia.

    Analisar todos os cenrios para determinar a configurao tima para cada elementoestratgico. Por exemplo: qual seria a melhor estratgia de marketing para o

    cenrio A? E para o cenrio B?Rever as configuraes especficas dos cenrios para determinar a opo mais elstica

    para cada elemento estratgico.Integrar essas opes estratgicas em uma estratgia geral e coordenada de negcios.Sem dvida, essa a abordagem mais sofisticada e a mais exigente tambm, aproxi-

    mando-se muito do objetivo de elaborar estratgias dentro do quadro de cenrios, comuso timo dos cenrios no desenvolvimento de estratgias.

    Ian Wilson