celso renno os destinos do supereu no final de uma analise1

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Finais de análise e os destinos do supereu

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  • Os destinos do supereu no final de uma anlise.Celso Renn Lima

    O ideal, e o Ideal de Eu, em suma, seria terminar com o

    Simblico, dito de outro modo, [no] dizer nada de nada. Qual

    a fora demonaca que empurra a dizer algo, dito de outro

    modo a ensinar? Sobre isso eu chego a me dizer que isso o

    Supereu. o que Freud designa como Supereu, que

    seguramente, no tm nada a ver com nenhuma condio que

    se possa designar como natural.

    (...)

    Desde o ponto de vista tico, nossa profisso insustentvel,

    por outro lado por isso que eu estou doente dela, porque

    tenho um supereu, como todo mundo.

    (Jacques Lacan

    L'insu qui sait...Lio del 8 de Fevereiro de 1977)

    Para falar dos destinos do Supereu no final de uma anlise seria

    importante falar do que penso ser a funo do Super Eu e como ele se

    apresenta no comeo de uma anlise. Deixando claro que se trata de

    um recorte particular que aponta para singularidade do sujeito em

    questo, vamos trabalhar alguns conceitos que, por serem produtos da

    observao e experincia clnica, no impedem de serem levados a

    categoria do universal, enquanto matemas.

    Tomo como referncia conceitual um texto de J-A. Miller de

    setembro de 1981. Mesmo sendo to antigo, suas elaboraes

  • continuam atuais e encontram sua ressonncia na nossa clnica do dia-

    a-dia. Trata-se da Clnica do Supereu. Recorto alguns trechos que

    nos ajudaro em nosso trajeto.

    Primeiro preciso distinguir a presena do supereu a partir de

    cada um dos registros: imaginrio, simblico e real.

    Enquanto imaginrio, ele se apresenta como um personagem,

    sombreado como diz Lacan ao introduzir a equivalncia dos trs

    registros logo no incio de seu Seminrio RSI 1. Esclareo que o faz

    assim ao criticar a geometria de bolsa com a qual Freud estabelece as

    estruturas do Id, Eu e Supereu no texto O Eu e o Isso. No entanto,

    este personagem sombreado apresenta uma face que descrita pelo

    sintagma: figura obscena e feroz. assim que as sombras

    imaginrias acabam por encarnar um outro da histria de um sujeito.

    Miller completa esta referncia ao supereu imaginrio definindo-o pela

    comdia dellarte como um Arlequim, para dize-lo ridculo. Talvez

    encontremos em uma passagem do Balco, de Jean Genet, texto

    largamente comentado por Lacan em seu seminrio sobre As

    formaes do inconsciente onde o ridculo da autoridade do Chefe de

    Polcia acaba no palco transvestido em grande pnis com as cores da

    bandeira nacional. Este o resultado da confuso de muitos que se

    fazem identificar, imaginariamente, com a autoridade do Outro.

    Tomando a questo pela vertente do simblico vamos verificar,

    com Miller que Lacan lhe designou grande importncia,

    1 Lacan, J., RSI, Lio de 10 de dezembro de 1974. Ornicar? N.2

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  • principalmente no momento de seu ensino em que estabelecia a

    supremacia do Simblico sobre o imaginrio. Lacan nesta ocasio

    tratou de localizar o simblico como o sustentculo mesmo do

    supereu, enquanto lei pacificadora, socializante. Lei enquanto

    significante unrio S1, cuja significao desconhecemos, pois para

    conhece-la seria necessrio um segundo significante a partir do qual,

    retroativamente, o primeiro toma sentido. Sendo nico, o supereu

    acaba por parecer insensato. Por isso Miller prope localizar o supereu

    em S(A), o que supe que a suposta lei total do Outro pode ser

    percebida em sua falha. portanto quando esta lei falha que se pode

    escutar a voz insensata do Outro. Lembremos que esta referncia ao

    Grafo do desejo abre uma possibilidade para se pensar algumas coisas.

    P. ex. que a voz est colocada por Lacan, em seu Grafo, como sendo

    aquilo que permanece depois que o grito sofre a ao do Outro,

    desnaturalizando a necessidade e a transformando em demanda. H

    uma articulao, portanto, entre o A que se encontra no andar inferior

    como cdigo, como Outro da boa f, garantidor de uma significao e o

    S(A) que se apresenta como ponto de basta ao gozo que est colocado

    na ante-sala do significante em seu trajeto para transformar-se no

    circuito da pulso sob a ao da demanda do Outro.

    Miller destaca que este supereu como lei insensata est muito

    prximo ao desejo da me antes que ele seja metaforizado pelo Nome-

    do-Pai. Esta a posio que se encontra na psicose e que o Caso

    Schreber vem testemunhar.

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  • A terceira vertente a do Real, onde importante assinlar a

    proximidade que existe entre o significante unrio, enquanto insensato

    e o objeto a enquanto fora do sentido. Esta proximidade se d em

    funo do fato de que ambos esto em dificuldades no que diz respeito

    ao sentido.

    Neste momento posso acrescentar que estes dois elementos se

    articulao com o sentido no momento em que uma cena se estrutura e

    toma este significante insensato, enquanto unrio, na articulao de um

    sujeito com o objeto que se constru a partir da interpretao que se faz

    do encontro com o S(A/). Objeto de desejo, marcado pelo

    significante. A cena da fantasia fundamental conseqncia da

    separao interna do campo do significante, do S(A/) que

    poderamos escrever Supereu (A).

    Esta proposta s pode ser feita a partir de um segundo

    movimento no ensino de Lacan que Miller demonstra ao nos dizer que

    o ensino de Lacan comea verdadeiramente quando deixa cair esse

    termo, reconhecimento. Neste processo de desimaginarizar a figura

    do supereu, Lacan vai esclarecer que, se num momento o supereu foi

    entendido como sendo o preo pago pela prevalncia do imaginrio

    sobre o simblico que se caracterizava por dois traos: a beatitude

    sem medida do sujeito e a ameaa que ao mesmo tempo lhe faz o

    supereu, logo em seguida foi possvel estabelecer a relao que existe

    entre esta beatitude e o gozo, definindo que a ameaa acontece por

    atribuir este gozo ao Outro. Afinal o medo dos neurticos, diz Lacan

    4

  • em A subverso do sujeito... exatamente que o Outro lhe pea seu

    pequeno nada. Esta ameaa encontra-se tanto mais presente quanto

    menos funciona o Falo enquanto significante que coordena o desejo.

    neste ponto que Miller introduz o o para dizer da presena do

    desejo da me como funo sem freio simblico. Em outras palavras o

    o escreve um gozo no congelado, no cativo do falo, um gozo que

    no passa pela rede da fantasia fundamental, esta instncia que est ali,

    presente e trabalhando para transformar gozo em prazer, ao mesmo

    tempo que insiste, em seu trabalho, fazer existir a relao sexual

    onde a hincia que se abre no simblico se apresenta como a

    impossibilidade mesmo deste objetivo.

    A clnica de um sujeito mostrou, no inicio, a presena de um

    trao que durante sua vida havia se mostrado eficaz em sustentar o

    funcionamento da cena da fantasia fundamental, na medida que lhe

    proporcionava um prazer. Regido pelo trao, insgnia do Outro, ele

    seguia sua trajetria tentando fazer existir a relao sexual,

    submetendo-se s demandas do Outro. Desta forma sua ao se

    concentrava em aprender a escrever para evitar a bancarrota que se

    apresentava como possibilidade do gozo materno. Regncia

    imperativa, a bancarrota ordenava uma vida fazendo valer o S(A) em

    sua vertente de voz, resto da operao significante que exigia a busca

    constante de um olhar marcado pela falta. Agora por sua conta!

    Sempre dentro da lei do Outro, seu desejo era postergado como

    forma de fazer existir esse Outro que se constitua do sacrifcio de uma

    existncia.

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  • Uma reviravolta ocorrida na anlise esvazia este lugar do olhar

    deixando em evidncia a falta em torno da qual pode circular a pulso

    sem estar mais regida pelos traos do Supereu (A), na medida em

    que pode fazer surgir um novo sujeito. A liberdade que ento se fez

    presente acabou por se estruturar em caminhos balizados por

    significantes de marcam um desejo indito, onde as insgnias do Outro

    permanecem como marcas, referncias que se prestam a uma

    articulao lgica sustentando um lugar vazio.

    Sustentar este lugar vazio um dever que se estrutura na

    responsabilidade, fazendo com que se esteja alerta para as vrias

    formas com que o Supereu (A) se apresenta, ofertando insgnias que

    favorecem ao processo de identificao, com promessa de garantias

    pelo reconhecimento que acabam por apagar as diferenas. Diferenas

    estas que so conquistadas, uma a uma, nos lembrando que uma

    Escola de Psicanlise tem o dever tico de sustentar um espao que

    garanta que um analista advenha de sua formao2. Este ponto

    fundamental para que o espao de criao S(A/) mantenha viva a

    questo: o que o analista?

    2 Lacan,J., Proposio de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola, in Outros Escritos, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2003. Pg. 248.

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