celia soares de sousa - sapientia.pucsp.br soares de... · - agradeço à pastoral da juventude, ao...

122
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO MESTRADO EM TEOLOGIA SISTEMÁTICA NÚCLEO DE DOGMA CELIA SOARES DE SOUSA MÍSTICA CRISTÃ E POESIA NAS OBRAS DE MURILO MENDES São Paulo, 2013

Upload: truonglien

Post on 08-Feb-2019

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

MESTRADO EM TEOLOGIA SISTEMÁTICA

NÚCLEO DE DOGMA

CELIA SOARES DE SOUSA

MÍSTICA CRISTÃ E POESIA NAS OBRAS DE

MURILO MENDES

São Paulo, 2013

Page 2: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

CELIA SOARES DE SOUSA

MÍSTICA CRISTÃ E POESIA NAS OBRAS DE

MURILO MENDES

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do título de

Mestre em Teologia Sistemática na área de

concentração em dogma, sob orientação do Prof.

Dr. Antonio Manzatto.

São Paulo, 2013

Page 3: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

SINOPSE

A presente dissertação tem como objetivo contribuir com a reflexão teológica a partir

do diálogo já existente entre Teologia e Literatura. Buscou promover uma relação entre a

poesia de Murilo Mendes e mística cristã, focando em uma leitura interpretativa da sua poesia

onde se afirmam não apenas a qualidade da sua poesia, mas sua leitura do humano e do

divino. A poesia de Murilo Mendes que abundantemente trata de Deus, da Palavra de Deus,

da religiosidade, do cristianismo e da Pessoa de Jesus marcou a temática humana a partir da

abordagem pelo universo literário. Constatamos a urgência da redescoberta da mística para

uma vivência mais comprometida com o Reino de Deus para sair da inércia e mergulhar no

mistério, tomar consciência que precisamos da presença amorosa do Cristo no nosso no

cotidiano para enfrentar com ternura, porém, com firmeza, os desafios que a modernidade nos

impõe.

Palavras-Chaves: Teologia e Literatura, mística, poesia, Murilo Mendes.

Page 4: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

SYNOPSIS:

The following dissertation has as an objective to contribute to the theological thinking on the

already existing dialogue between Theology and Literature. It sought to promote a relation

between Murilo Mendes’s poetry and Christian mystical, focusing in an interpretive reading

of his poetry, where are affirmed not just the quality of it, but also his reading of the human

and the divine. Murilo Mendes’s poetry, which abundantly talks about God, God’s words,

religiosity, Christianity and about the Person of Jesus, marked the human theme from the

approach through the literary universe. We found the urgency of the mystical rediscovery for

an experience more compromised with the Reign of God, to come out of the inertia and dive

into mystery, acknowledge that we need the loving presence of Christ in our days to face with

tenderness, but also with firmness, the challenges that modernity imposes to us.

Keywords: Literature and theology, mysticism, poetry, Murilo Mendes.

Page 5: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

SINOSSI

L´obiettivo di questa tesi é um contributo alla riflessione teologica pensando nel

dialogo che giá esiste tra la Teologia e a Letteratura. Há voluto sviluppare uma relazione tra la

poesia di Murilo Mendes e la mística cristiana, attraverso uma lettura interpretativa della sua

opera poética non solo a rispetto della qualitá della poesia stessa ma soprattutto della lettura

del dato umano e divino.

La poesia di Murilo Mendes, che parla diffusamente di Dio, della Parola del Signore,

di religiositá, di cristanismo e della persona di Gesú, sviluppó la temática umana com um

approccio próprio dell´ universo letterario.

Troviamo nella sua poesia l´urgenza di riscoprire la mística come mezzo per vivere

com impegno l´esperienza del Regno di Dio, per uscire dall´attivismo e immergersi nel

mistero, per capire che abbiamo bisogno della presenza amorosa di Cristo nel quitidiano e per

affrontare com tenerezza, e al tempo stesso com forza, le sfide che la modernitá ci impone.

Parola-chiave: Letteratura e teologia, mistica, poesia, Murilo Mendes.

Page 6: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

__________________________________ Orientador

__________________________________ 1º examinador

__________________________________ 2º. examinador

Page 7: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

Agradecimentos

Trago agradecimentos porque Deus tem sido sempre muito generoso comigo, guiando-me por

caminhos sempre novos, para novas descobertas no campo da espiritualidade e da vivência no

seguimento a Jesus, o que tem feito da minha pessoa uma mulher com uma certeza maior do

Amor de Deus por mim e por Sua criação. Muitas pessoas participaram deste momento

maravilhoso do qual tive oportunidade de vivenciar e faço aqui meus agradecimentos:

- Um agradecimento especial a Deus, pelo dom da minha vida e por tantas oportunidades.

Com certeza Ele tem feito muito mais do que prometeu (Sl 134,2)

- Agradeço aos meus pais que me acolheram com amor e desde o seio materno me falavam de

Deus.

- Agradeço aos meus familiares por todo interesse em me ajudar de alguma forma.

- Outro agradecimento especial ao meu esposo e aos meus filhos por acreditarem em mim,

pela paciência e ânimo de cada dia.

- Agradeço ao Prof. Dr. Padre Manzatto que com sabedoria e docilidade me abriu caminhos

nesta pesquisa e com todos os méritos de um excelente amigo e orientador.

- Agradeço ao corpo docente desta Instituição, especialmente Prof. Dr. Pe. Valeriano Costa;

Prof. Dr. Matthias Grensler, Profa. Dra. Ir. Maria Freire, Prof. Dr. Pe Marcial

Maçaneiro.

- Agradeço à equipe de secretaria e biblioteca que de forma muito prestativa contribuiu para

soluções administrativas.

- Agradeço aos padres da Diocese de Guarulhos por todo o apoio, incentivo e ajuda

financeira.

- Agradeço aos alunos da Escola de Ministérios Pe. Fernando de Brito – Diocese de

Guarulhos que, me fazem redescobrir a importância da Teologia na minha vida e na vida da

Igreja.

- Agradeço aos amigos da Comunidade Santa Edwiges (Guarulhos) pelo companheirismo e

por me ensinarem a viver na pequena comunidade.

- Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio

Divina que me despertaram para uma espiritualidade encarnada, favorecendo uma formação

humana integral.

- Agradeço à Escola Nova Lourenço Castanho pela trajetória de uma vida.

Page 8: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

SIGLAS

Cat. – Catecismo da Igreja Católica

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CL – Christifideles Laici

Dap – Documento de Aparecida

DV – Dei Verbum

FR – Fides et Ratio

GS – Gaudim et Spes

MC – Marialis Cultus

NMI - Novo millenio ineunte

VB – Verbum Domini

Page 9: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

SUMÁRIO

Introdução 11

CAPÍTULO I: TEOLOGIA E LITERATURA

Introdução 14

1. Teologia 16

1.1 Teologia moderna 17

1.2 Teologia na América Latina 17

1.3 Desafios atuais para a Teologia 20

2. Literatura 21

2.1 Relações entre Teologia e Literatura 23

2.2 Teologia e Literatura no mesmo percurso de busca 24

3. Teologia, poesia e mística 27

3.1 Compreensões da mística 27

3.2 Mística do seguimento de Jesus 32

3.3 Teologia da mística 34

3.4 Mística e teopoética 40

3.5 Poesia: o sagrado toque da alma 42

Conclusão 44

CAPÍTULO II: Uma vida na arte

Introdução 46

1. Biobibliografia sintética de Murilo Mendes 47

1.2 Murilo Mendes e a linguagem religiosa 54

2. Em Murilo Mendes e poesia caminham juntas 57

2.1 Questões de fé na arte 59

2.2 Mística em comunhão com a vida 61

3. A religiosidade na arte de Murilo Mendes 64

Conclusão 69

Page 10: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

CAPÍTULO III: Uma mística na arte

Introdução 74

1. Jesus como companheiro de jornada 78

1.1 Pai Nosso e Meu Pai 80

1.2 Palavra de Deus 85

2. A teologia que se depreende dos poemas e da mística 88

2.1 Comunhão com Deus 89

2.2 Comunhão com os irmãos 91

3. Contribuições específicas para a Teologia na América Latina 92

3.1 Missão dos leigos, sonho do poeta 99

Conclusão 101

Conclusão Final 104

Anexos 108

Bibliografia 113

Page 11: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

11

Introdução

A Teologia, enquanto ciência, se vê desafiada a apresentar ao mundo a Revelação de

Deus, que se tornou Palavra e veio morar no meio de nós. Quando em diálogo com outros

saberes, além de enriquecer-se, ela terá um descortinar-se de possibilidades para deixar Deus

mais próximo da realidade humana. A literatura fala do humano e tem se revelado, portanto,

uma aliada da Teologia na sua tentativa de responder aos anseios do homem. Assim, a

abordagem desta dissertação se faz a partir do interesse de diversos pesquisadores em apontar

as contribuições advindas desse diálogo entre Literatura e Teologia, ambas se enriquecendo

mutuamente.

Particularmente nos deteremos em aprofundar a mística cristã como meio de viver o

cristianismo em plenitude e, para tanto, usaremos a beleza ‘mística’ da poesia de Murilo

Mendes. Acreditamos que uma reflexão teológica a partir dos escritos desse poeta mineiro é

capaz de oferecer um diálogo que não fere a identidade e o objetivo de cada uma das áreas do

conhecimento. Pelo contrário, a arte de Murilo Mendes vem comprovar que a Comunhão com

Deus é indissociável da comunhão com as pessoas, e que o trabalho do poeta e teólogo,

quando em mutualidade, tende a ser mais profícuo no enfrentamento das realidades que

desafiam o homem no seu encontro com Deus, com o outro e consigo próprio. Entrelaçadas,

sem sobreposição ou amarras, a Poesia ‘poderá sinalizar o invisível’, e a Teologia terá mais

subsídios para responder ao seu desafio de dar sentido à caminhada de fé.

O teólogo tem o dever de conhecer a Palavra de Deus e a realidade do mundo,

essenciais para poder apresentar ao homem de hoje uma proposta que não é sua, mas de Deus.

O campo de ação da Teologia é o mundo, pois todo o universo é criação de Deus. Neste

sentido, enquanto ciência, nada mais natural que dialogue com as demais ciências que

habitam essa “casa comum”. De modo particular, a Teologia presta um serviço à Igreja e

contribui com a reflexão sobre Deus e sua presença na história humana, enquanto a Literatura,

como arte, trabalha com a palavra escrita, e está presente em todos os escritos teológicos,

inclusive na própria Bíblia, com seus vários gêneros. A Literatura não pretende criar uma

nova cultura, mas tem como influenciar as pessoas, a sociedade, da mesma forma em que é

influenciada pelo meio em que vive.

Page 12: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

12

Essa visão de conjunto só começou a ser vislumbrada com algum interesse por parte

da Igreja a partir do advento das ciências humanas e com a chegada do século XX. A “virada

antropológica”, que trataremos no capítulo primeiro, foi um dos elementos fundamentais para

a teologia a partir do século XX, especialmente para a teologia latino-americana, carente

ainda hoje de uma urgente prática evangélica. Neste percurso, a Antropologia terá uma

importância significativa para o diálogo convergente entre Teologia e Literatura, na busca de

compreender Deus a partir do humano e compreender o humano a partir de Deus. A Teologia,

a partir do Concílio Vaticano II, se permitiu dialogar com as ciências e com a cultura, e

retomou igualmente o interesse pela espiritualidade e mística, ainda que desde os tempos mais

remotos do cristianismo a experiência mística já estivera presente.

Ao reconhecer a mística enquanto entrega de si mesmo, aquele que tem Jesus como

exemplo é capaz de perceber sinais de vida onde não há mais esperança. Para que a reflexão

teológica seja capaz de manifestar no povo brasileiro e latino-americano o desejo de agir com

justiça, viver a solidariedade e a fraternidade e não se conformar com nenhum tipo de

exclusão, esta pesquisa propõe que a mística cristã seja pautada nos diversos ambientes

eclesiais e sociais. É urgente que haja um despertar em cada pessoa e em cada um desses

ambientes, para que se possa (re)descobrir a alegria de ver Jesus como companheiro de

jornada; de viver em comunhão com Deus e com os irmãos. Esse é o desejo de Jesus, e é o

sonho do poeta.

O poeta mineiro comunicou por meio de seus poemas a reviravolta que o encontro

com Cristo provocou em sua vida. A poesia muriliana é resultado do encontro do universo

literário com uma mística cristã encarnada, que foi capaz de subverter o modo de o poeta

comunicar sua arte, considerando que o que se esperava dele era uma arte literária mais

voltada aos problemas de seu tempo - o início do século XX. E Murilo Mendes fez da poesia

uma arte dinâmica, soube expressar em seus poemas tanto a memória da sua infância como o

momento atual que vivia à luz do Evangelho. Essa dinâmica é fundamental para que a

Teologia não perca sua identidade: rever o passado para preservar a memória dos

acontecimentos da história do povo de Deus, olhar o presente à luz do Evangelho e motivar a

Igreja para promover ações necessárias para que o Reino de Deus aconteça já.

A primeira parte da pesquisa busca apresentar de uma forma geral o caminho que tem

sido percorrido na relação entre Teologia e Literatura. Aplicaremos essa relação a partir da

Page 13: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

13

temática da mística cristã, perpassando pelos exemplos de místicos desde o início do

cristianismo. Por entender que é urgente a retomada da experiência mística, faremos isso

dialogando com a poesia, que igualmente provoca no humano uma transcendência.

A partir da biobibliografia de Murilo Mendes, na segunda parte, a pesquisa procura

fazer uma leitura interpretativa da sua poesia de onde se afirmam não apenas a qualidade de

sua poesia, mas sua leitura do humano e do divino: como ele apresenta o ser humano, Deus e

a relação entre eles enquanto constitutivo do ser humano, aplicando esses critérios para

verificar de que forma a leitura do poeta pode proporcionar uma mística.

A terceira parte procura fazer uma reflexão teológica a partir das poesias de Murilo

Mendes citadas na segunda parte, para verificar a teologia que daí decorre, sobretudo no que

se refere ao ser humano. E, a partir do viés antropológico, indagar como as poesias de Murilo

Mendes poderão proporcionar reflexões místicas e partir daí quais as contribuições específicas

para a elaboração da teologia latino-americana.

Page 14: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

14

CAPITULO I

TEOLOGIA E LITERATURA

Introdução

É perceptível em todo o mundo um renovado interesse pela espiritualidade e suas

expressões religiosas. O homem de hoje carece de entender a ação de Deus na alma humana,

necessidade talvez provocada pela rapidez e intensidade das mudanças culturais, que têm

levado a uma crise da racionalidade e à necessidade de respostas imediatas. A mística,

compreendida como uma experiência profunda de Deus revelada a partir da experiência

humana, pode levar a pessoa a olhar para esse outro rosto de Deus que se faz presente em uma

realidade desumanizadora, de injustiças, opressão e sofrimento. Um místico, na sua

concepção, tende a assumir como sua a missão de Jesus de apresentar um Deus amoroso e

acolhedor à pessoa que sofre e, assim, vivenciar na prática uma espiritualidade encarnada a

partir de Jesus Cristo.

Esse renovado interesse pela espiritualidade e suas expressões religiosas é entendido

por muitos como uma “revanche do sagrado”. A mística cristã, que por um longo período na

vida da Igreja foi desprezada e elitizada, vem adquirindo desde o início do milênio um caráter

dialogal, atraindo mais e mais cientistas da religião e estudiosos de disciplinas afins,

provocando uma significativa e salutar abordagem interdisciplinar também e principalmente

no meio acadêmico.

A presente dissertação pretende promover um diálogo entre Literatura e Teologia, um

caminho de certa forma recente e, por isso, ainda passível de novas descobertas

epistemológicas. A Teologia pós-Concílio Vaticano II apreende ganhos no diálogo com

outros saberes: Ecologia, Ciências Humanas, Antropologia. O ser humano deixa de ser visto

como o receptor de diretrizes e normas e passa a ser visto como o sujeito. Nesse sentido,

escolhemos a Antropologia, por entender que ajuda a situar o humano como lugar da

revelação divina. Assim dará enorme contribuição às pesquisas que tiverem como focos a

pessoa, a presença de Deus nele e tudo o que a circunda.

Page 15: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

15

Da Teologia, destacaremos a mística; e da Literatura, a poesia, mais propriamente a

poesia de Murilo Mendes (1901-1975), poeta que integrava o chamado ‘grupo espiritualista

da segunda geração’; foi um dos poetas que encontraram no cristianismo a resposta para os

dilemas de sua época, dilemas que ainda hoje nos rondam: a crise econômica, política e

ideológica, o analfabetismo, o preconceito e a indiferença. Essa "conversão" deve ser

compreendida não como a simples aceitação do catolicismo, mas como a proposta de um

catolicismo mais voltado para os problemas humanos, terrenos. O chamado grupo

espiritualista da segunda geração contaria ainda com Vinicius de Moraes e Cecília Meireles.1

Mas, por que relacionar Teologia e Literatura? Ou contrapor Mística e Poesia? A

Literatura é uma arte. E todo artista quer comunicar algo à pessoa em seu contexto, a partir do

seu mundo, das suas experiências. Toda obra literária afeta a pessoa, ou seja, propõe,

questiona, emociona, faz vibrar, ou simplesmente a leva a se identificar de alguma maneira

com a obra. Estes aspectos interessam à Teologia, especialmente a uma Teologia que pretende

se colocar em diálogo permanente com o ser humano; dar atenção às suas indagações de fé, de

mundo, de futuro, e fazer com que também as artes, e por que não a Literatura, contribuam

para a sua realização como pessoa.

A pesquisa realizar-se-á a partir da bibliografia relacionada à Teologia e Literatura, à

mística cristã e à poesia de Murilo Mendes. A profunda experiência mística de Murilo

Mendes, que de uma maneira tão particular soube conjugar teologia, mística e literatura

poética, tornou esse tripé a base de seu encontro com o divino, um encontro partilhado com o

outro, o necessitado, o marginalizado.

Pretende-se a partir de uma Teologia poética tentar agregar mais uma dimensão do

humano à reflexão teológica e abrir-se às novas possibilidades de transmitir a experiência de

fé cristã. O caráter místico da obra de Murilo Mendes acentua ainda mais as afinidades com o

contexto contemporâneo da sociedade.

1 Literatura Brasileira. Disponível em:

http://www.literaturabrasileira.net/index.php?option=com_content&view=article&id=129:murilo-mendes-1901-

1975&catid=14:todos&Itemid=27. Acesso em: 04/03/2013.

Page 16: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

16

1. Teologia

A Teologia é elaborada a partir do horizonte da fé, é discurso a partir da fé. O sentido

e significado da Teologia é acreditar, confiar em Deus. Conforme Afonso Murad e Libanio, o

termo ‘teologia’ significa etimologicamente “um discurso, um saber, uma palavra, uma

ciência de ou sobre Deus”.2

O ser humano busca a compreensão da fé: a fé que procura entender (fides quarens

intellectun), conforme expressão de Anselmo de Canterbury.3 Para isso, busca meios para

aprofundar, sistematizar a fé que o liga a Deus. Neste sentido, o que se pretende é esclarecer

seu ato de fé nele, em Deus. Como afirma Santo Tomás: “O ato do que crê não termina no

enunciado, mas na coisa.”4

Crer em Deus é assumir a sua Palavra revelada na humanidade. A teologia define-se

como a reflexão crítica sistemática sobre a intelecção de fé. 5 Não há como fazer teologia sem

um mínimo de adesão ao Deus da Revelação, ao contrário, quem se arriscasse a tal feito seria

um mero pesquisador, sem qualquer envolvimento com a experiência de fé em Deus, e de

Deus na história da humanidade.

Por um longo período na vida da Igreja, o termo Teologia correspondeu à Escolástica

– período em que os cristãos vivenciaram muito mais uma fé a partir dos manuais, o que

provocou um afastamento da vivência a partir da experiência do Êxodo, da Libertação, dos

profetas e da Fé no Deus libertador.

Após o Concílio Vaticano II, a teologia dos manuais deixa de ser atraente e, sobretudo,

eficaz para os acontecimentos que o modelo de sociedade centrada na economia impõe

principalmente à vida dos mais pobres, esquecidos e excluídos.

Com um olhar mais voltado para o humano, a Teologia recebeu uma grande

contribuição de Karl Rahner, teólogo alemão que se serviu da base antropológica para sua

2 LIBANIO, João Batista & MURAD, Afonso. Introdução à Teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo:

Edições Loyola, 1996. p. 63. 3 TAMAYO, Juan José (org.) Novo dicionário de teologia. São Paulo: Paulus, 2009. p. 524.

4 Santo Tomás. Summa teológica II.

5 LIBANIO, João Batista & MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. p. 102.

Page 17: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

17

teologia, consagrando o termo “virada antropológica” Ele parte de uma teologia aberta e

profundamente tradicional, mas fortalecida com um novo alento de vida e cultura moderna.6

1.1 – Teologia Moderna

Karl Rahner abre caminhos para uma teologia “que se alinha sempre em torno dos

problemas do homem de hoje, e o objetivo prático com que procura fazer sua teologia.”7

Convencionou-se chamar sua teologia de “virada antropológica”, pois Rahner aponta a real

necessidade do compromisso de cada pessoa com a transformação de uma sociedade injusta e

desigual para um lugar em que cada pessoa se identifique com o projeto de uma vida melhor

para todos. O que move cada pessoa a fazer a adesão a esse chamado são os elementos da fé

cristã que estão centrados na temática da salvação. Afirma Gutierrez: “Salvação de todo ser

humano, centrada em Cristo Libertador.”8

Neste período, os temas da criação e salvação passam a ser vistos a partir da

experiência do Êxodo. Para Rahner, o homem é ouvinte da Palavra, e quando há vivência em

comunidade no respeito, gesto de gratuidade e alteridade, a história da salvação se concretiza.

O ato de se pôr a caminho foi uma reflexão posterior ao evento do Êxodo, e levou aqueles que

abraçaram a fé a se permitir conhecer o Projeto de Libertação oferecido por Deus.

1.2 – Teologia na América Latina

Na década de 70 a novidade que surge na América Latina é a Teologia da Libertação,

e sua proposta é uma nova maneira de fazer teologia.9 A reflexão crítica da práxis histórica é

uma marca essencial da maneira de se fazer Teologia da Libertação, uma teologia da

transformação libertadora da história da humanidade que se faz, não a partir de um gabinete,

mas a partir do concreto da vida, dos conflitos, da pobreza e das diversas formas de opressão,

iluminados com a Palavra de Deus que aponta sempre o caminho da terra prometida.

6 Teologia Contemporânea. Disponível em: http://teologia-contemporanea.blogspot.com. Acesso em:

15.10.2012. 7 KASPER, Walter. Cristologia abordagens contemporâneas. São Paulo: Edições Loyola, 1990. p. 65 “A virada

antropológica de K. Rahner na Teologia assinala um traço particularmente característico do pensamento

moderno. Este último, enquanto se desagrega a dimensão cosmológica, coloca o homem no centro e procura

compreender toda a realidade a partir dele”. 8 GUTIERREZ, Gustavo. Teologia da libertação. São Paulo: Edições Loyola, 2000. p. 199.

9 GUTIERREZ, Gustavo. Teologia da libertação. p. 73.

Page 18: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

18

A Teologia como instrumento de libertação oferece caminhos por diversos interesses

que passam das individualidades ao ser relacional. Toda esta ênfase deve despertar em cada

pessoa, cada grupo, cada organização o sentimento de responsabilidade do outro, pela vida de

todos, e que seja uma vida saudável e digna.

A Teologia da Libertação é uma reflexão que necessariamente deve buscar a

compreensão do ser humano. Ao falar de uma sociedade nova e de um homem novo é

imprescindível a elaboração de uma antropologia que responda ao projeto salvífico de Deus

para a humanidade.10

Esta teologia continua ainda hoje como apelo e deve ser esta a opção da

Igreja, ou seja, oferecer esperança para os pobres, como sinal de sua grande responsabilidade

social e histórica.

O processo histórico-crítico da Teologia da Libertação imprime na Igreja e na

sociedade uma especial atenção ao pobre como sujeito da história, e um forte desejo de que a

igualdade seja realidade a todo custo. O que distingue a Teologia da Libertação é justamente o

seguimento incondicional de Jesus Mestre por ser Ele o que mais se identifica com o pobre –

mais que isso, Ele foi o Pobre entre os pobres. “Seguir Jesus é refazer em cada momento da

história a atitude fundamental de Jesus. E sua atitude fundamental foi a de ler nos

acontecimentos a vontade do Pai”.11

No entender de um dos maiores teólogos de nosso tempo, Jon Sobrino, a Igreja

encontrará o caminho da salvação somente nos pobres, entendidos por ele como os povos

crucificados de nossa sociedade moderna, verdadeiros servos de Javé pelo sofrimento e pela

possibilidade de salvação. O teólogo espanhol ressalta que nos pobres irrompe o mistério da

realidade e neles irrompe a realidade do próprio Deus. E acrescenta “Deus quer sua salvação e

libertação e faz a opção por eles”.12

Na América Latina, a tomada de consciência surge a

partir da organização dos pobres: “É primeiro aos povos pobres que compete realizar sua

própria promoção”.13

10

VD, 9 – Bento XVI afirma que “a realidade nasce da palavra como creatura Verbi, e tudo é chamado a servir a

Palavra. A criação é lugar onde se desenvolve toda a história do amor entre Deus e sua criatura: por conseguinte,

o movente de tudo é a salvação do homem”. 11

LIBANIO, João Batista. & ANTONIAZZI, Alberto. Vinte anos teologia na América Latina e no Brasil. São

Paulo: Vozes, 1994. p. 41. 12

SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há salvação. São Paulo: Paulinas, 2008. p. 43 13

Mensage de lós bispos..., em Signos. “Devem contar consigo mesmos e com as próprias forças antes que com

a ajuda dos ricos” devem unir-se. Carta de 80 sacerdotes bolivianos; em Signos 1968 In: Teologia da libertação.

GUTIERREZ, Gustavo, p. 182.

Page 19: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

19

O Concílio Vaticano II afirma que a Igreja deve, como Cristo, realizar sua missão “em

pobreza e perseguição”.14

Não é essa a imagem que a comunidade latino-americana apresenta

ao mundo. As consequências na América Latina das Conferências episcopais de Medellín e

Puebla destacam a situação de pobreza e opressão sobre os mais fracos e apontam para a

necessidade de uma Igreja mais acolhedora e disposta a transformar esta realidade, uma tarefa

para as estruturas eclesiais e os leigos.

A Teologia na América Latina fermentou e abriu os caminhos para uma práxis, não

primeiramente a partir da reflexão da fé, mas a partir do compromisso com o chamado de

Jesus para que o Reino aconteça já e entre nós. As Conferências Episcopais de Medellín e

Puebla convocaram a Igreja latino-americana a estar no mundo sem ser do mundo, isto é, a

estar no sistema sem ser do sistema. Chamaram homens e mulheres a experimentar a fé no

Deus do Reino e no Reino de Deus a partir das necessidades do humano. As diretrizes das

Conferências Episcopais e a Teologia da Libertação provocaram em inúmeros leigos,

sacerdotes e bispos o desejo de ser Igreja a partir da compaixão com os mais pobres e

marginalizados e levá-los a uma vida melhor.

Para Jon Sobrino15

, essa busca incessante do divino no humano, de revelar Deus em

tudo, é primeiramente e principalmente obra do humano, e para isso é preciso que esteja

revestido do divino. Assim, suas ações, sua fala, seus sentimentos se configuram não apenas

na compreensão da fé como “Inteligência”, mas como vivência transformadora da fé. Sobrino

chamou isso de mística que se revela em “amores”. Nesta perspectiva de fé, os cristãos

sentem muito claramente que não podem ser cristãos sem assumir um compromisso

libertador.16

1.3 - Desafios atuais para a Teologia

As mudanças na sociedade moderna do século XX contribuíram de certa forma para o

questionamento de diversos paradigmas das ciências, assim como lançaram indagações à

própria Teologia. A Teologia traz como tema central a Revelação e aponta a experiência cristã

como o Caminho da realização humana em todos os sentidos, porém, as promessas da

14

LG, 8. 15

SOBRINO, Jon. O princípio da misericórdia. Descer da cruz os povos crucificados. Petrópolis: Vozes, 1994.

p. 47. 16

GUTIERREZ, Gustavo. Teologia da libertação. p. 197.

Page 20: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

20

modernidade e atualmente a situação social da pós-modernidade17

respondem por tal

comportamento desumano desencadeado pelos sintomas das Grandes Guerras no século XX e

século XXI que conferiram às pessoas e ao conjunto da sociedade uma postura mais explícita

de indiferença e individualismo.

Com o advento do século XXI fez-se necessário procurar respostas para como a

Teologia poderá apontar pistas para os desafios de uma sociedade pluralista, porém que

sugere fortemente o individualismo.18

Temas como pobreza, diálogo religioso, marketing e

meios de comunicação, presença da mulher na sociedade e na Igreja, relação com Deus hoje e

disputa de poder entre países e no meio das religiões desafiam a Teologia, que tem como

dever apresentar o rosto de Deus para a humanidade.

A proposta do Concílio Vaticano II de abertura ao diálogo com a sociedade, tratada no

item 62 da Constituição Gaudium et Spes, aponta também para a questão da literatura e das

artes como uma possibilidade de diálogo da Teologia com outros saberes na perspectiva de

expressar-se e dialogar com eles por meio das artes.19

“A literatura e as artes são também, segundo a maneira que lhes é

própria, de grande importância para a vida da Igreja. Procuram elas

dar expressão à natureza do homem, aos seus problemas e à

experiência das suas tentativas para conhecer-se e aperfeiçoar-se a si

mesmo e ao mundo; e tentam identificar a sua situação na história e no

universo, dar a conhecer as suas misérias e alegrias, necessidades e

energias, e desvendar um futuro melhor. Conseguem assim elevar a

vida humana, que exprimem sob muito diferentes formas, segundo os

tempos e lugares.”20

17

A pós-modernidade pode ser entendida como um movimento intelectual e cultural característico da sociedade

pós-industrial que emerge nas décadas de 60 e 70 muitas vezes associada a um projeto de sociedade que se

propõe a superar a sociedade moderna. (...) Para usar uma expressão do pensamento pós-moderno, a

modernidade pode ser definida por tudo aquilo que constitui objeto da “desconstrução”. Dicionário Brasileiro de

Teologia. Outras definições consultar A modernidade e a Igreja, Urbano Zilles, EDIPUCRS. p. 10. 18

COMBLIN, José. Quais os desafios dos temas teológicos atuais? São Paulo: Paulus, 2005. p. 36. 19

ASSEMBLÉIA PLENÁRIA DOS BISPOS. Via Pulchritudinis. O caminho da Beleza. São Paulo: Edições

Loyola, 2007. A Via Pulchritudinis é um caminho pastoral que não se pode reduzir a um approche (toque/

acesso) filosófico. Mas o olhar do metafísico nos ajuda a compreender por que a beleza é um caminho régio para

conduzir a Deus. (...) Percorrer a Via Pulchritudinis implica empenhar-se em educar os jovens para a beleza,

ajudá-los a desenvolver um espírito critico em face da oferta da cultura da mídia e plasmar sua identidade e seu

caráter para elevá-los e conduzi-los a uma real maturidade”. pp.17-18. 20

GS, 62.

Page 21: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

21

Os escritos bíblicos são Palavra de Deus,21

Palavra que se fez linguagem para se

aproximar do humano. Afirma Mônica Campos: “A Bíblia é literatura, e sendo Palavra de

Deus infere a Deus uma condição de contador de histórias. O Deus Encarnado que habitou

entre nós é um contador de parábolas”.22

As afirmações e provocações da Teologia em um cenário social em que o relativismo

prevalece têm exigido desta um dinamismo para lidar com uma realidade em constante

mudança. Conscientes desse desafio, alguns teólogos vêm desenvolvendo pesquisas no campo

da Teologia e Literatura, a partir de uma perspectiva interdisciplinar.

2 - Literatura

O contato com a leitura poderá proporcionar à pessoa a possibilidade de acumular

conhecimentos, pois as obras literárias nos ajudam a compreender sobre nós mesmos e sobre

as mudanças do comportamento do homem ao longo dos séculos, podendo nos fazer

acrescentar ou mudar nossos valores, conforme afirma Manzatto,

A Literatura é um olhar sobre o mundo, sobre seus valores, suas condições.

Ela é também, mas não formal nem diretamente, um juízo de valores, pois

ela toma uma posição ante os mitos, coisas e realidades da vida e da

sociedade; ela denuncia ideologias, sofrimentos, hipocrisias, falsos valores,

opressão, e prega novos valores.23

No senso comum, a Literatura é definida como a arte das palavras. Enquanto

instrumento de comunicação, ela transmite os conhecimentos e a cultura de uma comunidade.

A obra do escritor é fruto de sua imaginação, embora seja baseado em elementos reais. Da

concretização desse trabalho surge, então, a obra literária.

21

DV, 9. 22

CAMPOS, Mônica Baptista. Possibilidade de encontros teológicos-poéticos a partir da mística na obra de

Adélia Prado In: Teologias e Literaturas. Alessandro Rocha, Eliana Yunes e Gilda Carvalho (orgs.). São Paulo:

Fonte editorial, 2011. p. 61. 23

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: reflexão teológica contida a partir dos romances de Jorge

Amado. São Paulo: Edições Loyola, 1994. p. 38.

Page 22: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

22

A literatura é uma manifestação artística. E difere das demais pela maneira como se

expressa; sua matéria-prima é a palavra, a linguagem. O texto literário se caracteriza pelo

predomínio da função poética. O caminho que a literatura percorre é este.24

Amora25

afirma que a obra literária se caracteriza pelo tipo de conhecimento que

transmite – intuitivo e individual. E acrescenta que só é literatura quando o conteúdo dessa

expressão é uma intuição profunda e original da realidade. Neste aspecto, se difere do

conhecimento racional e universal, como o das Ciências Humanas e Naturais.

Para ele, Amora, o que caracteriza a obra literária são, em princípio, o conteúdo e a

forma:

A forma de linguagem é mais rica e mais variada que a do homem, o que é

mais compreensível, pois o artista, isto é o poeta, o ficcionista, o teatrólogo,

sente a existência com mais sensibilidade, vê as cousas com mais acuidade,

pensa a problemática da vida com mais inteligência; e quem tem mais o que

dizer diz com mais palavras e em mais complexa expressão. ”26

É Manzatto que, baseado em uma fala de Jorge Amado, diz:

eu não sei se esta história é verdadeira ou não, eu sei que ela é bonita”, diz

Jorge Amado em vários de seus romances. Se a literatura é uma arte, ela

deve ter relações com o belo; enquanto arte ela não pode abstrair de sua

realidade estética, e isso em sua forma e em seu conteúdo.27

A finalidade da Literatura não é a de apresentar uma nova cultura. A literatura pode

ser compreendida como uma das formas de conseguirmos expor nossos pensamentos mais

íntimos. Por meio da leitura, torna-se possível descobrirmos a nós mesmos, nos entendermos

melhor e, quem sabe, mudar, quando necessário, já que ela não falaria só à razão, mas ao ser

humano integralmente. Uma boa leitura pode nos proporcionar emoções jamais imaginadas

como: “ver” imagens jamais conhecidas, “sentir” odores nunca cheirados, “degustar” pratos

nunca até então imaginados.

24

O que é Literatura? Disponível em: http://www.brasilescola.com/literatura/o-que-e-literatura.htm. Acesso em:

01.02.2013. 25

AMORA, Antonio Soares. Introdução à Teoria da Literatura. São Paulo: Cultrix, 1994. p. 52. 26

AMORA, Antonio Soares. Introdução à Teoria da Literatura. p. 53. 27

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: reflexão teológica contida a partir dos romances de Jorge

Amado. p. 24.

Page 23: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

23

Importante frisar que a literatura “pode ser teologicamente importante na medida em

que se ocupa da problemática humana”.28

Se a problemática humana interessa ao autor e este

dedica tempo e inspiração para uma possível representação da realidade, também interessa à

teologia, pois tudo o que se refere ao humano interessa à teologia, ainda que o autor não

professe alguma experiência religiosa. Este é o caráter antropológico da literatura que é

importante para a teologia.29

2.1- Relações entre Teologia e Literatura

A literatura, em princípio, é uma relação com a beleza e com o estético, enquanto a

teologia procura se relacionar com a verdade, com a questão do conhecimento.

Uma obra literária não tem como objetivo específico descrever a realidade, como o faz

a ciência, mas ela busca a compreensão, por meio da apresentação que mostra da realidade ou

de um possível sentido da realidade. Assim, a obra não descreve o real, mas a ele se refere,

não no aspecto de descrição fenomenológica, mas na tentativa de compreensão de fenômenos.

Desse modo, pode-se afirmar que a literatura possui referência com a verdade, pois ela, ao

imaginar o que pode ser real, traça um caminho de afirmação da verdade.

Para Paul Ricouer, “qualquer texto está inserido num contexto mais amplo, um

contexto de vida, do qual emerge e para o qual retorna ao ser compreendido”.30

Compreender

que o texto refere-se a alguma coisa e não se esgota em si mesmo é reconhecer que é próprio

da linguagem remeter a um além de si mesma.

A tarefa hermenêutica, para Ricouer, será possível a partir da compreensão do sentido

de uma obra literária. Assim elucida Gentil o ponto de vista de Ricouer:

“O que uma obra de ficção diz não é nem simples cópia de uma realidade já

existente anteriormente fora dela, nem pura invenção, exercício de

imaginação descolado de qualquer relação com o mundo exterior a ela: trata-

28

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: reflexão teológica contida a partir dos romances de Jorge

Amado. p. 68. 29

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: reflexão teológica contida a partir dos romances de Jorge

Amado. p. 69. 30

GENTIL, Hélio Salles. Para uma poética da modernidade. Uma aproximação à arte do romance em Temps et

Récit de Paul Ricoer. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 55.

Page 24: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

24

se de um discurso que é feito por alguém, que nasce portanto de uma

determinada experiência da realidade, que diz algo dessa experiência e dessa

realidade e o diz para alguém, alguém que também vive numa determinada

(outra) realidade, tem sua experiência dessa realidade e vai assimilar o que

lhe é dito de alguma maneira”.31

O que o texto poderá provocar no leitor não está ao alcance ou atrelado à intenção do

autor. O contato da obra literária poderá provocar uma viagem a um mundo antes

inimaginável e realizar descobertas no mundo interior ou exterior ao leitor. Ricouer classifica

esta provocação com a expressão: “do texto em direção ao mundo que ele abre.”

A possibilidade da via hermenêutica, que desperta a relação da obra literária com o

autor, ao mesmo tempo abre um caminho de possibilidades para a relação com a Teologia. A

Revelação de Deus se fez primeiramente por meio de palavras. É compreensível que Deus

tenha privilegiado esta forma de comunicação para que, ao se fazer entender, pudesse garantir

adesão radical ao caminho apresentado por ele. Afirma Manzatto que a Bíblia não é um livro

científico e por isso a importância de “ir além e chegar até os gêneros literários da Bíblia”,

como poemas, orações, sermões, narrativas históricas, provérbios, romances, novelas. Neste

sentido, ela é literária. As narrativas do Primeiro e do Segundo Testamento são referências

fundamentais da fé cristã, afirmadas por meio de um procedimento literário, para falar de

Deus através de forma humana, e para falar do humano que se reveste do Divino. O ser

humano é uma das preocupações da literatura. Seja pela ficção ou pela poesia, ela retrata a

vivência do humano, com suas ansiedades e expectativas, na sua busca do sentido da vida e de

suas relações consigo próprio e com os outros seres. Por outro lado, “a teologia é uma melhor

compreensão da fé e, à sua luz, do homem, do mundo, do universo, da vida”32

, o que

demonstra uma grande proximidade entre teologia e literatura.

2.2 – Teologia e Literatura no mesmo percurso de busca

Vários são os autores que se debruçaram sobre a estreita relação entre poesia e

teologia em busca do sentido da vida. O trabalho de Karl-Josef Kuschel, na Alemanha,

apresenta-nos o método de analogia estrutural, que busca constatar correspondências e

31

GENTIL, Hélio Salles. Para uma poética da modernidade. Uma aproximação à arte do romance em Temps et

Récit de Paul Ricoer. p. 55. 32

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: reflexão teológica contida a partir dos romances de Jorge

Amado. p. 39.

Page 25: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

25

diferenças entre elas na interpretação da realidade. Na América Latina, a obra de Hugo

Baggio, em 1974: A experiência de Deus no poeta. Outro nome é Juan Carlos Scannome, com

o artigo “Poesia popular e teologia: a contribuição de Martin Fierro a uma teologia da

libertação”, na Revista Concilium em 1976. Este artigo busca refletir o valor da poesia

popular para a construção de uma teologia que pretende assumir a sabedoria dos povos.

Outros nomes que publicaram textos na relação teopoética foram: Gustavo Gutierrez,

Pedro Trigo e José Arguello, presentes na obra organizada por Pablo Richard: “Raízes da

Teologia Latino-Americana.” No Brasil, de Norte a Sul, tem crescido de forma célere e com

valorosas contribuições de pensadores e pesquisadores das mais diversas universidades

brasileiras o trabalho de compreensão do texto literário a partir do diálogo com diversas áreas

das ciências humanas, especialmente com a Teologia. Os Encontros teopoéticos e teoliterários

com o objetivo de aprofundar e divulgar a pesquisa em Literatura e Teologia têm como

referências, na região sudeste, os nomes de Eliana Yunes e Maria Clara Bingemer (ambas da

PUC-RJ), Antonio Manzatto, Luiz Felipe Pondé e Waldecy Tenório (PUC-SP), Terezinha

Zimbrão e Faustino Teixeira (ambos da UFJF); no nordeste, Antonio Magalhães e Eli Brandão

(ambos da UEPB); no sul, Rafael Camorlinga Alcaraz e Salma Ferraz (os dois da UFSC), Paulo

Soethe (UFPR) e Kathrin Rosenfield (UFRS); no norte, Douglas Rodrigues da Conceição

(UEPA), e mesmo das associações internacionais como a ALALITE (Associação Latino-

Americana de Literatura e Teologia)33 e a ISRLC (International Society for Religion, Literature

and Culture), ou os Grupos de Trabalhos da ABRALIC (Associação Brasileira de Literatura

Comparada) e da ENANPOL (Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-

Graduação em Letras e Linguística).

Antonio Manzatto é quem inaugura no Brasil essa possibilidade de diálogo entre

Teologia e Literatura.34

A partir dos romances do escritor baiano Jorge Amado, Manzatto

reflete a Revelação a partir da visão antropológica.35

Com ele, essa linha de pesquisa começa

e crescer, e outros pesquisadores, como Antonio Magalhães, na obra “Deus no espelho das

33

Realizou-se o IV Colóquio Latino Americano de Teologia e Literatura, sob o tema Literatura e Teologia em

diálogos e provocações. Organizado pela Alalite (Associação Latino Americana de Literatura e Teologia) em

conjunto com o grupo de pesquisa Lerte da PUC-SP, na PUC-SP entre os dias 1 e 3 de outubro de 2012, contou

com mais de cem participantes de várias regiões do Brasil e do exterior. 34

Sobre esse tema, veja-se Edson Fernando de ALMEIDA & orgs. Teologia para quê?, Instituto Mysterium, Rio

de Janeiro, 2007. Artigo Literatura e Teologia, de José Carlos BARCELLOS. pp. 113-128. 35

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: reflexão teológica contida a partir dos romances de Jorge

Amado. São Paulo: Loyola, 1994.

Page 26: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

26

palavras”36

, irão trabalhar o método da correlação baseada no pensamento do teólogo alemão

e pastor luterano Paul Tillich, um dos mais influentes teólogos protestantes no século XX. Os

trabalhos de José Carlos Barcellos, que estuda a “aproximação” da teologia com a literatura a

partir do fenômeno das “linguagens de empréstimo” da teologia atual, irão demonstrar o

modo de falar de Deus a partir da literatura, que parece ser o ponto em comum da

teopoética.37

Barcellos comenta sobre “um crescente interesse pela aproximação entre

teologia e literatura, tanto no âmbito dos estudos literários, quanto no dos estudos

teológicos”38

, e destaca os ganhos e os desafios para este “processo de constituição de um

campo interdisciplinar”.39

Para Eliane Yunes, “vem se configurando um diálogo promissor, pois o ponto de

partida, a matéria-prima, é o Verbo”.40

Propõe repensar Verbo divino e verbo humano: “Estas

práticas de pensar a literatura e a teologia à luz do verbo humano provocam o repensar o

Verbo divino, o sopro de espírito sobre os mortais: sua expiração é a nossa inspiração”.

Maria Clara afirma que, “com a colocação do humano no centro do pensar teológico,

assim como a consideração da experiência como um convite a fazer teologia, a literatura

passou a ser vista como um campo fértil de diálogo com a Teologia”.41

Rubem Alves não se

propõe a discutir método, e fala sobre teopoética através de um discurso poético. Para ele, a

teopoética é a fala do corpo. Fala da beleza que “mora em nossos corpos”.42

Sugere que a

palavra teologia seja substituída pela palavra teopoesia: “nada de saber, o máximo de

Beleza”.43

Alex Villas Boas, em sua obra “Teologia e Poesia”, irá desenvolver a temática da

Teopoética a partir da “Busca de sentido em meio às paixões em Carlos Drummond de

Andrade como possibilidade de um pensamento poético teológico”.44

Ele acredita que “a

36

MAGALHÃES, Antonio. Deus no espelho das palavras: Teologia e literatura em diálogo. São Paulo:

Paulinas, 2000. 37

MAGALHÃES, Antonio. Deus no espelho das palavras: Teologia e literatura em diálogo. p. 46 38

ALMEIDA, Edson Fernando de & NETO & Luiz Longuini (orgs.). Teologia Para Quê? In: BARCELLOS,

José Carlos. Literatura e Teologia. Rio de Janeiro, Instituto Mysterium, 2007. p. 113. 39

ALMEIDA, Edson Fernando de & NETO & Luiz Longuini (orgs.). Teologia Para Quê? In: BARCELLOS,

José Carlos. Literatura e Teologia. p. 113 40

YUNES, Eliana. “et alii” (orgs.) Murilo, Cecília e Drummond 100 anos com Deus na poesia brasileira. São

Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 9. 41

BINGEMER, Maria Clara. A literatura como um campo fértil de diálogo com a teologia. Disponível em:

http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1640&secao=251. Acesso

em: 14.11.2012 42

ALVES, Rubem. Lições de Feitiçaria meditações sobre a poesia. São Paulo: Edições Loyola, 2003. p. 40. 43

ALVES, Rubem. Lições de Feitiçaria meditações sobre a poesia. p. 40. 44

VILLAS BOAS, Alex. Teologia e Poesia – A busca de sentido em meio às paixões em Carlos Drummond de

Andrade como possibilidade de um pensamento poético religioso. Sorocaba: Crearte Editora, 2011.

Page 27: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

27

poesia pode reconciliar-se com a Teologia quando o sonho de ambas é o de uma nova

humanidade”. No universo teológico apresentado por Villas-Boas45

é possível verificar um

caminho de encontro e de construção já iniciado e percorrido entre Teologia e Literatura. É

um caminho aberto, possível de encantamento e descoberta da forma de apresentar (ou

encontrar) Deus através das palavras.

3 - Teologia, poesia e mística

Para relacionar Teologia, mística e poesia buscar-se-á um estudo sobre as diferentes

compreensões de mística na história, ressaltando o distanciamento e sua reaproximação a

partir das suas matrizes.

Normalmente a mística cristã é definida como a forma e o grau de intensidade que

atingem a experiência e o conhecimento de Deus. Pode-se dizer que a mística é a experiência

de Deus como uma dimensão humana. Deus está presente no profundo de cada ser humano.

Ele envolve, penetra e mora em cada homem e mulher. Qualquer pessoa pode fazer a

experiência com Ele na simplicidade do dia a dia.

3.1 - Compreensões da Mística

Na Patrística, Orígenes é referência, e para ele a vida mística é como uma espécie de

conhecimento experimental da realidade divina. A partir dessa crença, irá desenvolver a

doutrina dos sentidos espirituais. Ele acredita, ainda, que a conversão é a primeira etapa do

itinerário espiritual, ou seja, o retorno do homem a si mesmo. A segunda etapa é simbolizada

por Orígenes no Êxodo: a saída da escravidão do Egito e a entrada na terra prometida.46

Orígenes nasceu em Alexandria do Egito por volta do ano de 185 d.C. Aplicado aos

estudos da Bíblia, tem como exemplo de vida o pai, assassinado em Alexandria durante uma

perseguição aos cristãos no ano de 202 d.C. Os ensinamentos de Orígenes visam

45

VILLAS BOAS, Alex. Teologia e Poesia – A busca de sentido em meio às paixões em Carlos Drummond de

Andrade como possibilidade de um pensamento poético religioso. pp. 25-54. 46

VANNINI, Marco. Introdução à mística. São Paulo: Edições Loyola, 2005. p.43.

Page 28: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

28

exclusivamente ao progresso espiritual do homem, e se tornam muito inovadores em relação

aos dados da tradição.47

Como grande estudioso, com critério científico das Sagradas

Escrituras, apresenta a alegoria como método de interpretação bíblica e também faz uma

analogia com o corpo humano, para nos fazer entender a interpretação literal da Bíblia. Bogaz

afirma que a doutrina de Orígenes lhe faz merecer o título de “fundador da mística cristã”.48

A realidade divina é um tema presente na Teologia de Orígenes. Vannini afirma que

Orígenes apresenta a vida mística como uma espécie da realidade divina, dando início assim à

doutrina dos sentidos espirituais, que permite provar, tocar e ver as realidades divinas.49

No

caminho para Deus, Orígenes apresenta duas etapas do itinerário espiritual: a conversão, ou

seja, o retorno do homem para Deus, e o caminho do Êxodo: sair da escravidão do pecado,

dos vícios e das concupiscências da carne, despojando-se da vida carnal para chegar

progressivamente à vida espiritual.50

Bogaz traz à tona o tema do pecado em Orígenes da

seguinte forma:

Todos os seres humanos tendem ao Sumo bem, que é Deus.

Aos poucos cada ser humano vai se identificando com Deus. Pelo

pecado, o ser humano perde sua imagem divina. De fato, a imagem

não foi perdida, segundo Orígenes, mas somente silenciada pelo

pecado.51

Se Bogaz considera Orígenes o “fundador da mística cristã”, a tradição indica

Gregório de Nissa como “pai da mística cristã”. Ele que nasceu no ano de 335 na Ásia menor,

escreveu muito em vários campos – teológico, exegético, pastoral -, mas é justamente no

âmbito místico, sem dúvida, que deu sua contribuição mais significativa. Gregório aponta

para o epéktase, ou seja, o fato de Deus estar sempre além, e por isso a necessidade de ir para

frente para alcançar a meta, evocando o texto Paulo de Fl 3,13-14 – “esquecendo o que fica

para trás, com todo o meu ser continuo correndo para a frente. Esforço-me para alcançar a

meta (...)”.

47

BORRIELO, L., CARUANA, E., DEL GENIO, M.R.; & SUFFI,N. Dicionário de Mística. São Paulo: Edições

Loyola, 2003. p. 812. 48

BOGAZ, S. Antonio; COUTO A. Márcio. & HANSEN H. João. Patrística caminhos da tradição cristã. São

Paulo: Paulus, 2008. 49

VANNINI, Marco. Introdução à mística. p.45. 50

VANNINI, Marco. Introdução à mística. p. 45. 51

BOGAZ, S. Antonio; COUTO A. Márcio. & HANSEN H. João. Patrística caminhos da tradição cristã. p.

127.

Page 29: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

29

A mística ocidental latina (séc. IV-V), por sua vez, reconhece como seu mestre Santo

Agostinho.52

É uma mística do conhecimento, remonta a Platão, e seus expoentes no

cristianismo são Agostinho e Santo Tomás. A mística de Santo Agostinho está fundamentada

na Encarnação do Verbo na história. Como exemplo desta espécie de mística temos um trecho

das Confissões, de Santo Agostinho:

Ó Deus! Formosura sempre antiga e sempre nova – quão tarde Te amei!...Tu estavas

em meu coração – e eu Te buscava lá fora... Tu estavas comigo mas eu não estava Contigo...

e, então, Tu me chamaste em altas vozes... Rompeste a minha surdez... relampejaste e

afugentaste a minha cegueira...recendeste suave perfumes em torno de mim, e eu os sorvia –

e,agora, vivo a suspirar por Ti... Saboreei-Te, e, agora, tenho fome de Ti... Tocaste-me de

leve – eu me abrasei em tua paz. Quanto mais possuo, tanto mais Te procuro... Que eu me

conheça a mim para que Te conheça a Ti.53

O primeiro a falar de Teologia Mística é Pseudo-Dionísio54

, herdeiro de uma tradição

anterior. Conforme Costa, “toda a sua obra está voltada para o problema do conhecimento de

Deus”.55

Um escritor de língua grega, por volta do século V, provavelmente siríaco, compôs

quatro tratados e dez cartas, afirmando terem sido redigidos por Dionísio. Vannini comenta

que “o fato é que os textos atribuídos a Dionísio são postos como fundamento da mística no

Ocidente”. Ele acrescenta que “a um desses textos, o mais breve, mas talvez o mais

importante, a Teologia mística, deve-se inclusive ao próprio fato de o termo ‘mística’ ter

entrado no uso corrente”.56

Para Dionísio, o conceito fundamental de mística é que “à causa de todas as coisas,

que é superiora a todas as coisas, nenhum nome se destina, e a ela se destinam todos os nomes

das coisas que são”.57

Ou seja, a realidade de Deus é absolutamente transcendente, além de

todo nome, mas cada homem colhe de Deus aquilo que é capaz, na medida em que seu amor –

o ágape cristão – é mais ou menos perfeito.

Inácio de Loyola se destaca pela sobriedade e pela vontade missionária. No “relato de

um peregrino”, ele desenvolve uma espantosa amplitude de experiência interior com a

52

VAZ, Henrique C. de Lima. Experiência mística e filosofia na tradição ocidental. São Paulo: Edições Loyola,

2000. p. 37. 53

PERINE, Marcelo (org.). Diálogos com a cultura contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 2003. pp. 128-

129. 54

VANNINI, Marco. Introdução à mística. p. 49. 55

COSTA, Ricardo da. O Pseudo-Dionísio Aeropagita In: Mística e Paideia. Disponível em:

http://www.revistamirabilia.com/sites/default/files/pdfs/2004_07.pdf. Acesso em: 24.06.2012. 56

VANNINI, Marco. Introdução à mística. p. 49. 57

VANNINI, Marco. Introdução à mística. p. 49.

Page 30: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

30

presença amorosa de Deus. Relata que as suas mais fortes experiências visionárias (Trindade,

Criação e Eucaristia) ocorreram na época da sua conversão, por volta de 1522-1523,

fortemente marcada pela ascese.

Desde os primeiros séculos, o cristianismo defrontou-se com grandes desafios: a crise

interna causada pelas primeiras heresias, os ataques dos filósofos pagãos, a perseguição do

Império Romano e a oposição ao judaísmo. O Cristianismo não nasce nem se apresenta como

uma filosofia. Nasce como uma religião baseada na fé e na revelação divina; anuncia uma

mensagem nova para dentro de um mundo velho, estrutura-se em comunidades, cuidando dos

mais pobres. Jesus, o humilde artesão da Galileia, anuncia a Boa-Nova e instaura o Reino de

Deus para todos os homens. A doutrina cristã respondeu não só às exigências religiosas e

místicas da época, mas também às exigências éticas.

A teologia monástica medieval tem como meta última a contemplação de Deus, ou

seja, a experiência de Deus. Afirma Zilles: Nessa teologia acentua-se a humanidade de Cristo

para restabelecer a unidade originária entre Deus e o homem. A descrição psicológica chega a

um ponto culminante nos tempos modernos com Teresa de Ávila e São João da Cruz.58

O

objetivo da mística é, pois, o itinerário do homem a Deus através das realidades sensíveis e da

Bíblia. Tenta-se conhecer a luz de Deus através da obscuridade humana.

A Escolástica – “ciência que se ocupa em fundamentar e explicar o saber revelado e os

dogmas aceitos pela Igreja”59

– em todo seu desenvolvimento se manteve no terreno do

conhecimento teórico e especulativo da investigação da verdade divina, enquanto a mística

persegue um conhecimento de Deus e de sua presença na profundidade íntima da alma,

baseado numa relação interior e sobrenatural com a divindade, um conhecimento

experimental de Deus, afirma Zilles. A escolástica recebeu esse nome graças às artes

ensinadas nas alturas pelos acadêmicos teólogos e filósofos nas escolas medievais.

Neste período, duas dimensões importantes centralizaram os ensinamentos e os

debates: a fé e a razão. A novidade será a harmonização dessas duas esferas. Agostinho irá

defender uma subordinação maior da razão em relação à fé, enquanto Tomás de Aquino

58

ZILLES, Urbano. Fé e razão no pensamento medieval. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. p. 60. 59

ZILLES, Urbano. Fé e razão no pensamento medieval. p. 56.

Page 31: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

31

apresenta certa autonomia da razão, na obtenção de respostas, por força da inovação do

aristotelismo, apesar de em nenhum momento negar tal subordinação da razão à fé. 60

A partir dessas esferas, a relação entre razão e fé, filosofia e teologia encontra nova

participação de ordens religiosas: a escola franciscana e a escola dominicana. A decadência da

escolástica ocorreu por volta dos séculos XIV e XV, depois da morte de Duns Escoto.61

Nessa

época surgem grandes místicos. Para aqueles que não encontravam respostas na razão o

caminho era o da mística.

Na busca de uma compreensão da relação entre Teologia e mística é preciso verificar

que “a mística cristã se caracteriza por sua relação com o mistério de Cristo”.62

N’Ele e com

Ele todas as coisas alcançam seu desígnio.

A relação entre Teologia e Mística é estreita. O termo teologia, originário do grego,

compõe-se etimologicamente de dois termos: theós + logia = Deus + ciência. Tem por objeto

principal Deus. “Coloca-se Deus em discurso humano. Um saber, uma palavra, uma ciência

de ou sobre Deus”, enquanto o termo mística é a forma grega adjetivada mûstikos do verbo

mûo, que significa fechar os olhos e calar a voz para penetrar no mistério impossível de ser

categorizado, e do verbo mûien, que significa a iniciação, a subida ou ascese. 63

Na Bíblia não encontramos o termo mística, porém, no cristianismo, ela é entendida

como a experiência daqueles que buscam mergulhar no Amor de Jesus derramado.

Normalmente a mística cristã é definida como a forma e o grau de intensidade que atingem a

experiência e o conhecimento de Deus. A mística é um conceito fundamental do cristianismo

como o é de toda religião que admite em seu âmbito o mistério. O místico indica a teologia

60

A Escolástica pré-tomista. Disponível em: http://www.mundodosfilosofos.com.br/escolastica.htm. Acesso em:

01.04.2012. 61

Ele nasceu provavelmente em 1266, em um povoado que se chamava precisamente Duns, nas proximidades de

Edimburgo. Atraído pelo carisma de São Francisco de Assis, entrou na família dos Frades Menores e, em 1291,

foi ordenado sacerdote. Dotado de uma inteligência brilhante e levada à especulação – essa inteligência pela qual

mereceu da tradição o título de Doctor subtilis, “Doutor sutil” -, Duns Scoto foi dirigido aos estudos de filosofia

e de teologia nas célebres universidades de Oxford e de Paris. Concluída com êxito sua formação, dedicou-se ao

ensino da teologia nas universidades de Oxford e de Cambridge, e depois de Paris, começando a comentar, como

todos os Mestres do seu tempo, as Sentenças de Pedro Lombardo. Disponível em:

http://www.franciscanos.org.br/?p=4351. Acesso em: 13.02.2013. 62

SILVA, Maria Freire da. Espiritualidade e Mística em Perspectiva Trinitária. In: Revista de Cultura

Teológica v.13. nº 50 Jan/Mar 2005. 63

SILVA, José Candido da Silva. Teologia e Mística. Revista Semestral do Instituto Santo Tomás de Aquino –

Centro de Estudos Filosóficos e Teológicos dos Religiosos – ISTA In Horizonte Teológico Dez/2002. Ano I nº

02. Belo Horizonte-MG.

Page 32: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

32

como um discurso fundamentado, e uma vivência da experiência de fé cristã como

consequência de uma teologia que encontra sua raiz no mistério pascal. A experiência mística

nasce de um processo que exige a conversão como ponto de partida para o seguimento de

Jesus. No adjetivo mystikós vive-se a verdadeira mística. Então, a mística é, sobretudo, a

transformação disso em experiência: é viver na presença de Deus, é encontrar Deus em todas

as coisas.

A mística é uma atitude diante da vida por parte de quem se permite à entrega do

mistério e se deixa transformar por ela na vida concreta. É essa atitude fundamentada no

mistério, vivida em profundidade, que é chamada de mística. Quando Karl Rahner chama os

cristãos do futuro de místicos, ele quer dizer que eles viverão nessa verdade.64

3.2 - Mística do seguimento de Jesus

Convocado pelo chamado: “Vem e segue-me”, o cristão sente-se impelido a fazer a

experiência profunda e marcante no seguimento a Jesus, “a chave e a síntese da existência

cristã”.65

No “arder do coração”, aqueles que caminham com Jesus aprendem a ouvir, a

acolher, a partilhar e a testemunhar as maravilhas que Jesus reserva para os que o abraçam e o

seguem. O seguimento de Cristo é uma exigência de fé.

Para Jon Sobrino, “o seguimento é categoria cristológica fundamental, lugar

primigênio de toda epistemologia teológica cristã e princípio hermenêutico fundamental”.66

A

vida do cristão torna-se uma marca quando o compromisso de lançar as sementes e de cuidar

delas o leva a abraçar o projeto do Reino de Deus, atuante na história, sobretudo, na vida e na

história daqueles a quem foi negado o direito à vida plena e feliz. (Jo 10,10 e Mt 5,1ss) Os

místicos vivem a dinâmica da entrega de si mesmo, e atualizam o sentimento do apóstolo: “Já

não sou eu quem vivo; é Cristo que vive em mim”.(Gl 2,20)

64

BORRIELO, L., CARUANA, E., DEL GENIO, M.R.; & SUFFI,N. Dicionário de Mística. p. 397. 65

BOMBONATTO, Vera Ivanise. O compromisso de descer da cruz os pobres. Disponível em:

http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/wp-

content/uploads/2009/06/02ocompromissodedescerdacruz.pdf. Acesso em: 13.02.2013. 66

BOMBONATTO, Vera Ivanise. O compromisso de descer da cruz os pobres.

Page 33: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

33

Aceitar o seguimento a Jesus “supõe a coragem de aceitar o desafio de lutar contra as

forças propulsoras do Anti-Reino”.67

Comprometido com o mandato de Jesus “Ide por toda a

terra e anunciai o evangelho a todas as criaturas”(Mc 16,15), mesmo diante dos desafios e

perseguições, o místico é aquele que encontra “luz diante das trevas” e sente-se chamado a

fazer uma profunda experiência de Deus.

Para a teologia, a vida é o que de mais precioso Deus nos reservou, e por isso declarou

a existência humana fruto do seu trabalho e criação (Gn 1). Neste sentido, o cuidado, ele o

encarrega a todo ser vivo, para que não haja necessitados de qualquer espécie. Jesus ordenou

aos discípulos dar de comer à multidão, e não mandá-la embora: “Dai vós mesmos de comer”

(Mt 14,13-21).

A mística cristã imbuída da mensagem de Jesus implica neste compromisso de

transformação social, na busca da realização da justiça para os pobres e para toda a criação.68

A mística não é privilégio de alguns, mas uma dimensão humana à qual todos tem acesso.

Karl Rahner inaugura uma maneira de compreender a experiência mística e afirma que a

mística não pode ser elitista. Todo cristão é chamado a ser místico. Gustavo Gutierrez, em

uma das suas obras mais místicas, afirma: “Seguir a Jesus define o cristão”.69

Os pobres

surgem como questão central da mística: “Com quem me identifico?” O Reino de Deus é dom

gratuito e leva à transformação da pessoa que se identifica com o seguimento de Cristo e se

coloca a caminho para contribuir nesta missão.

A mística do seguimento de Cristo implica abertura ao chamado, colocar-se, sentir-se

participante e disposto a viver no aqui da história as Bem-aventuranças que Jesus prometeu.

Acomodação e descompromisso, portanto, não se inserem na mística do seguimento. Não há

espaço para atitudes contrárias.

67

BOMBONATTO, Vera Ivanise. O compromisso de descer da cruz os pobres. 68

BETTO, Frei & BOFF, Leonardo. Mística e espiritualidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. p. 44. 69

GUTIERREZ, Gustavo. Beber em seu próprio poço. Itinerário espiritual de um povo. São Paulo: Edições

Loyola, 2000. p. 11.

Page 34: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

34

3.3. - Teologia da mística

O núcleo místico do cristianismo se evidencia a partir da mensagem essencial de

Jesus: o Reino de Deus está presente e se encontra dentro de vocês.70

Em sua pregação, Jesus

não anunciou a si mesmo nem a Igreja, mas o Reino de Deus. Ele realizou-se em si. Viveu

com intensidade e com imenso amor a serviço do Projeto Divino do Pai: o Reinado de Deus.

A obediência – escutar – de Jesus ao Pai, por amor, estabelece na relação do Pai com o

Filho o desejo de servir: “Cristo se fez obediente até a morte e morte de cruz” (Fl 2,8); “Desci

do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade de quem me enviou” (Jo 6,38); e “O

mundo saberá que amo o Pai se faço como o Pai me ordenou.” (Jo 14,31). Toda entrega,

escuta e obediência que Jesus anunciou e realizou por causa do Reino tiveram inspiração em

sua experiência mística, na união com o Pai.71

A presença ativa das três pessoas divinas nos místicos é uma verdade intensamente

vivida,72

para que possam “ir e dar frutos” (cf. Jo 15), e se deixem transformar pelo amor

divino experimentando Deus manifestado no seu amor e por sua graça.

O Catecismo da Igreja Católica73

aponta o Cristo como centro da catequese. São

diversos os documentos da Igreja no Brasil e na América Latina que destacam a importância

do seguimento a Jesus, vivenciando, anunciando e testemunhando a pessoa de Jesus – assim

como suas palavras, gestos e sua história – a fim de que muitos possam fazer o encontro

pessoal com Ele. Para o místico, o seguimento a Jesus é comprometimento, “procurando

reproduzir a mística e a conduta do Mestre”.74

Os evangelhos sinóticos destacam que o lugar da pregação de Jesus foram os pobres,

como representantes de uma classe social desprovida e desprotegida pela elite dominante da

época. Era o reinado dos grandes e poderosos. Em contraposição a essa tal elite e porque veio

“dar vida para todos” (cf. Jo 10,10), Jesus anuncia o Reino de Deus. No anúncio da pessoa do

Pai, Jesus O chamou de “Abba”, Pai amoroso. A intimidade de Jesus com o Pai, núcleo de sua

70

GRÜN, Anselm. Mística descobrir o espaço interior. São Paulo: Vozes, 2012. p. 29. 71

ESPEJA, Jesus. A espiritualidade cristã. São Paulo: Vozes, 1995. p. 63. 72

ESPEJA, Jesus. A espiritualidade cristã. p. 161. 73

Cat., 426. 74

ESPEJA, Jesus. A espiritualidade cristã. p. 161.

Page 35: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

35

mística, é a chave para anunciar libertação (cf. Lc 4), anunciar as bem-aventuranças (cf. Mt

5), como demonstração de que acredita na justiça de Deus aos pequenos. O místico cristão, no

seguimento a Jesus e na sua dedicação ao compromisso com o Reino de Deus, precisa buscar

a “eficácia histórica75

a fim de que o ‘Deus do Reino’ possa realizar historicamente sua

vontade para com a humanidade”.76

O Reino de Deus foi anunciado aos discípulos em parábolas para que compreendessem

(Mt 13-31,35), e Jesus sempre comparava com situações do seu tempo. Mas é fato que o

Reino de Deus se constrói no dia a dia, em palavras, atitudes, gestos de amor, de vida, de

perdão, gestos de levantar os caídos “à beira do caminho”. (cf. Lc 10,25-37)

Para a experiência mística de cada pessoa são necessários o interesse pelo Reino de

Deus e a experiência do amor, da doação e do serviço. Como disse Jesus: “Se alguém quer ser

o maior, seja aquele que serve”. (Mc 9,30-37) Esta é a mística do Reino: “Eu tive fome e me

deste de comer. Tive sede e me deste de beber” (Mt 25,31-46).

Ao longo da trajetória do cristianismo muitos místicos, pessoas que experimentaram

uma profunda relação com Deus, foram manifestando em suas vidas e no seu tempo um

êxtase do amor de Deus. Muitos deles viviam em conventos ou monastérios e a partir da

experiência de revelação de Deus em sua vida foram orientados a escrever o que de

extraordinário lhes acontecia.

Na história do Cristianismo, desde o início encontramos exemplos de homens e

mulheres que vivenciaram profundamente o Evangelho. Para os cristãos, é nele que se

encontram os fundamentos da mística cristã. Por este motivo, é interessante notar como

cristãos profundamente interessados em problemas sociais do seu tempo são conhecidos como

os grandes místicos da história. No período antigo, vários são os místicos de referência. Para

citar alguns: Inácio de Antioquia (35 d.C – 107 d.C.) e Gregório de Nissa (330-395), no

Período da Patrística; Bernardo de Claraval77

(1090-1153), Hildegarda de Bingen78

(1098-

75

ESPEJA, Jesus. A espiritualidade cristã. p. 164. 76

ESPEJA, Jesus. A espiritualidade cristã. p. 164. 77

LYON, Henry, L. Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1990. p. 259. 78

Carta apostólica Santa Hildegarda de Bingen de Bento XVI em memória perpétua Em 1979, por ocasião do

800º aniversário da morte da Mística alemã, Hildegarda de Bingen (1098-1179), o Beato João Paulo II a definiu

como “luz do seu povo e do seu tempo”. Além de mística, teóloga e pregadora, foi poetisa e compositora

talentosa. Foi no ano de 1584, sem cerimônia oficial, que seu nome foi incluído no Martirológio Romano como

Page 36: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

36

1179), Juliana de Norwich (1342-1416), São Francisco de Assis (1181-1226) e Mestre

Eckhart (1260-1328), no Período Medieval; e no início da Modernidade, Santa Teresa de

Ávila (1515-1582), São João da Cruz (1542-1591) e Santo Inácio de Loyola (1541-1556). Um

recente exemplo de doação e entrega foi Madre Tereza de Calcutá (1910-1997), que fez da

mística uma vivência. Como afirma Gutierrez, antes de tudo, a mística é um encontro

profundo com o Senhor e sua vontade79

, e são nas situações concretas da vida que este

encontro ocorre. Bernard, ao tratar do divórcio entre a fé e a modernidade, destacou que o

testemunho dos santos e dos mestres espirituais a partir dos condicionamentos naturais da

vida moral e espiritual, que denominou de “realismo sadio”, “não os impediu de nenhuma

maneira de perceber também a ação de Deus ao longo de toda sua existência”.80

Somente a partir do século XVII a mística irá ganhar espaço como área de estudo

dentro da teologia. A Teologia como ciência irá ler esses relatos e interpretar a biografia de fé,

apontando como Deus entrou nesta biografia e fez algo de novo. No cristianismo é comum

encontrar as narrativas: os judeus narram os acontecimentos à luz da Aliança com Deus, os

apóstolos narram as experiências com Jesus de Nazaré, as primeiras comunidades narram as

suas experiências de fé a partir do Ressuscitado e como se organizaram em comunidades de

fé. Os místicos deixam verdadeiras narrativas de salvação. A biografia e a experiência de

relação com Deus vivida pelos místicos são como afirma o apóstolo Paulo na 2Cor 3,3 – “De

fato, é evidente que vocês são uma carta de Cristo, da qual nós fomos o instrumento; carta

escrita não com tinta, mas nas tábuas de carne do coração de vocês”.

A partir das narrativas dos místicos é possível identificar como se falar de Deus a

partir dos êxtases de uma vida concreta, pois a vida do místico é um êxtase, um êxodo de si

mesmo, para o encontro com uma alteridade, com o mistério divino, sobretudo no encontro

com o outro, o mais pobre, o mais infeliz.

santa. Em 2012 o papa Bento XVI reafirmou oficialmente sua santidade e a proclamou Doutora da Igreja. A

Carta apostólica Santa Hildegarda de Bingen de Bento XVI em memória perpétua afirma: “O olhar da Mística

de Bingen não se limita a enfrentar questões individuais, mas pretende oferecer uma síntese de toda a fé cristã.”

E acrescenta: Hildegarda apresenta a si mesma e a nós a questão essencial se é possível conhecer Deus: é esta a

tarefa fundamental da teologia. A sua resposta é plenamente positiva: mediante a fé, como através de uma porta,

o homem é capaz de se aproximar deste conhecimento. (...)Em Santa Hildegarda de Bingen revela-se uma

extraordinária harmonia entre a doutrina e a vida quotidiana. Nela a busca da vontade de Deus na imitação de

Cristo expressa-se como uma prática constante das virtudes, que ela exerce com suma generosidade e que

alimenta nas raízes bíblicas, litúrgicas e patrísticas à luz da Regra de São Bento: resplandece nela de modo

particular a prática perseverante da obediência, da simplicidade, da caridade e da hospitalidade. 79

GUTIERREZ, Gustavo. Beber em seu próprio poço. p. 52. 80

BERNARD, Charles André. Teologia Mística. São Paulo: Edições Loyola, 2010. p. 31.

Page 37: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

37

Os místicos da contemporaneidade são místicos de olhos abertos, atentos, vigilantes.

Estão vulneráveis e expostos a situações mais diversas. Onde a pessoa em geral só verá

destruição, o místico irá ver situações de esperança e de vida. Os místicos são ensinados por

Deus, na oração, a decifrar a linguagem do Amor Divino. Jesus entendeu que o que o Pai

queria era que os pobres, as crianças, os leprosos, os marginalizados estivessem junto de si,

para que, curados de todo tipo de mal e de doenças do seu tempo, pudessem viver

dignamente.

Jesus é o exemplo para os místicos cristãos para perceber os sinais de esperança onde

não há mais sinais de vida; mostrar que a vida é bela onde não há mais desejo de recomeçar.

Hoje os místicos contemporâneos fazem seus claustros nas favelas, na luta política, nas

mediações entre conflitos; nas situações problemáticas dão testemunho. As prisões, os

hospitais e as mais diversas situações de conflito podem ser vistas como novos claustros de

místicos da contemporaneidade para responder aos apelos de Deus com toda sua vida.

A ambiguidade em que vivem os místicos da contemporaneidade os torna atraentes

porque os tornam mais humanos para o homem e a mulher de hoje. Esses místicos assumem o

conflito na sua vida, e o seu testemunho ganha configuração nova, arrastam mais pessoas,

vivem as ambiguidades e levam muitos a se identificar com Jesus Cristo.

A afirmação de São Jerônimo: «Ignoratio enim Scripturarum, ignoratio Christi est»

(Quem não conhece as Escrituras não conhece Cristo)81

revela para o místico cristão a sua

intimidade com a Palavra de Deus. Ao ler as narrativas bíblicas, os místicos cristãos se

identificam e tomam na carne o verdadeiro sentido do caminho do amor que “Deus derramou

em nossos corações”. Ao descobrir o sentido da vida, os místicos buscam compreender o que

Deus espera de cada um e de todos, e como uma grande oferta entregam suas vidas a este

desejo “de ir e dar frutos, e que o fruto de vocês permaneça” (cf. Jo 15), transformando a sua

vida no compromisso, na aliança firmada com Deus.

“Será que é possível construir homens e mulheres novos sem falar de mística? A

mística está para esta questão assim como a química do solo para produzir bons frutos”,

afirma Betto.82

A redescoberta da Bíblia a partir do Concílio Vaticano II tem feito com que

81

DV, 25. 82

BETTO, Frei & BOFF, Leonardo. Mística e espiritualidade. p. 81.

Page 38: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

38

pessoas e comunidades descubram que Deus criou o mundo, mas não apenas isto - que este

Deus caminha e “Está no meio das gentes, em todos os lugares” e quer que muitos o

conheçam e se comprometam com Seu desejo de justiça para todos, que haja esperança em

meio aos fracassos e que não haja competições.

A leitura do texto bíblico é fundamental para o estudo exegético ou orante – Lectio

Divina. Um novo olhar para a Bíblia entrelaçando Teologia e Literatura pode contribuir para a

mística na contemporaneidade como instrumento de aproximação entre o que “a literatura

pode falar da significação do humano e do mundo, e então navegar pelas mesmas águas da

teologia que, ela também, fala do humano e de seu sentido no mundo”.83

A Constituição Dogmática Dei Verbum alerta para a necessidade de se levar em conta

os “gêneros literários” e descobrir a intenção dos autores sagrados. Com efeito, a verdade é

proposta e expressa de modos diferentes, se trata de gêneros históricos, proféticos, poéticos ou

outros. Importa, além disso, que o intérprete busque o sentido que o hagiógrafo, em

determinadas circunstâncias, segundo as condições do seu tempo e da sua cultura, pretendeu

exprimir e de fato exprimiu servindo-se dos gêneros literários então usados.84

Neste sentido, buscamos compreender a mística na relação com a teologia latino-

americana. Mística que é experimentar a ação de Deus presente na história, que é se alimentar

da sua Palavra, da comunhão com aqueles que aderiram ao Projeto de Deus, se realizando no

hoje da nossa história sem deixar de buscar na história do Povo da Bíblia, na Eucaristia e na

Palavra as razões das nossas esperanças.

Como compreender a mística a partir do conflito? Como encontrar Deus na pobreza,

na perseguição, nas injustiças? Boff afirma que “a mística só existe para nos ensinar a lidar

com o conflito e para fazer com que, dentro dele, não sejamos enganados, mas estejamos

acima ou numa relação que não nos quebre a harmonia e a relação com os outros”.85

Esta

experiência pode ser vivenciada a partir de ritos celebrativos e do mistério da fé para o

cristianismo – mistério cristão, Santíssima Trindade, encarnação e Graça, etc.

83

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: Reflexão teológica a partir da Antropologia contida nos

romances de Jorge Amado. p. 89. 84

DV, 12. 85

BETTO, Frei & BOFF, Leonardo. Mística e espiritualidade. p. 33.

Page 39: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

39

Nas pegadas de Jesus, o místico centra sua vida na experiência teologal; sua conduta e

sua crença derivam dessa relação de amor que tem com Deus.86

Assim podemos afirmar que o

místico é por natureza um inquieto, um angustiado profético, subversivo diante de qualquer

compromisso que esvazie a totalidade da vida.

A exigência do amor no místico o leva a uma profunda consciência de que o mistério

do Amor revelado na Trindade é que o faz viver a experiência da graça, da beleza e do

encanto. Mística é abandonar-se no Cristo crucificado e ressuscitado.87

Na economia da salvação a mística cristã é fonte que jorra vontade e coragem para o

cristão viver profundamente a intimidade com Cristo, Aquele que por compaixão desce às

dores da humanidade para resgatá-la de todo mal. Espeja afirma que “para a experiência

mística de cada pessoa, se faltar o interesse pelo Reino de Deus, a mística não será cristã”. 88

As Diretrizes da Ação Evangelizadora no Brasil89

, ao citar o Documento de Aparecida,

recordam que vivemos um tempo de transformações profundas que afetam não apenas este ou

aquele aspecto da realidade, mas a realidade como um todo. Continua afirmando que estamos

diante de uma globalização que não é apenas geográfica. Estamos, na verdade, diante de

transformações que atingem também todos os setores da vida humana, de modo que já não

vivemos uma “época de mudanças, mas uma mudança de época”.

A experiência do encontro pessoal e comunitário com Jesus90

é a chave da alegria91

na

vida de quem pratica profundamente sua fé. Este, por sua vez, busca aprofundar o Mistério

86

BETTO, Frei & BOFF, Leonardo. Mística e espiritualidade. p. 81. 87

“Portanto, o místico é alguém que faz a experiência da unidade-comunidade-presença, enraizado no Cristo

crucificado e ressuscitado. Por ser uma pessoa de fé, vive o sentido da aliança, consciente de que Deus-Pai é o

Deus da misericórdia revelada em Jesus e derramada no Espírito Santo. O místico é alguém que tem consciência

de viver sob a misericórdia e a graça divina. Tem o sentimento de gratidão, de disponibilidade diante da livre

iniciativa de Deus, da necessidade do perdão e da renovação da esperança confiante. Regida pela caridade, a

experiência mística cristã demonstra definitivamente o conhecimento do mistério da caridade, aberta ao

movimento de entrega de si segundo a medida de Cristo.” Revista de Cultura Teológica. V.13 n. 50 – Jan/Mar

2005. Espiritualidade e Mística em Perspectiva Trinitária. Profa. Dra. Ir. Maria Freire da Silva. 88

ESPEJA, Jesus. A espiritualidade cristã. p. 165. 89

CNBB. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da igreja no Brasil 2011-2015, 94 90

Dap, 11 – A V Conferência geral do episcopado Latino Americano e Caribe - 2007, apresenta, entre outras

urgências, a mais relevante que é a de levar os batizados a fazer o despertar da fé a partir de um encontro pessoal

e comunitário com Jesus Cristo, que desperte discípulos e missionários. Afirma o documento que “isso não

depende tanto de grandes programas e estruturas, mas de homens e mulheres novos que encarnem essa tradição e

novidade, como discípulos de Jesus Cristo e missionários de seu Reino, protagonistas de uma vida nova para

uma América Latina que deseja reconhecer-se com a luz e força do Espírito”.

Page 40: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

40

para nele encontrar a beleza. Afirma Oliveira que “a experiência mística pode ser entendida

como um envolvimento de toda a vida da pessoa no mistério da Trindade e na realidade da

salvação que o Filho nos trouxe”.92

De fato, a pessoa envolvida no mistério faz a experiência

de ser amada, com o amor da Trindade se ocupa em amar e espalhar o verdadeiro amor, e que,

a partir disso, se pode dizer que o místico é um crente, isto é, pessoa de fé que faz experiência

da graça e da misericórdia de Deus.

É tarefa da Teologia possibilitar que a pessoa na sociedade atual encontre motivo para

crer e, assim, alimentar a mística, não somente a sua “fides quae” enquanto conteúdo da fé,

mas sim com a sua “fides qua”, seu ato de fé que o abre para a dimensão eclesial da fé.

3.4 – Mística e Teopoética

Redescobrir o caminho da mística bem como ressaltar sua contribuição em meio a

uma sociedade que tratou de abandonar Deus e toda relação com o humano que Seu projeto

propõe implicam uma tarefa para a Teologia disposta a apresentar o conteúdo da fé por meio

de novas linguagens.

Sudbrack ressalta que “ao longo das últimas décadas a palavra ‘mística’ passou de

uma depreciação injusta, como sentimental e anticientífica, a ponto central do interesse”.93

No

início deste milênio, o tema da mística passou a estar presente em pesquisas acadêmicas e no

diálogo entre culturas e religiões. Para a Teologia, este tema tem sido um desafio. Comblin

afirma que “desde a Idade Média, no magistério e na teologia oficial, há grande desconfiança

em relação aos místicos e aos escritos dos místicos”.94

A mística poderá enriquecer-se do

diálogo entre Teologia e Literatura. Afirma Gaspari95

:

Porém, mesmo tendo a religião uma forma diferente de encarar a

verdade, isso não significa que ela só possa existir em oposição à

91

Dap, 29: “A alegria do discípulo é antídoto frente ao mundo aterrorizado pelo futuro e oprimido pela violência

e pelo ódio. A alegria do discípulo não é um sentimento de bem-estar egoísta, mas uma certeza que brota da fé,

que serena o coração e capacita para anunciar a boa nova do amor”. 92

OLIVEIRA, José Lisboa Moreira. Na órbita de Deus. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 46. 93

SUDBRACK, Josef. Mística a busca do sentido e a experiência do absoluto. São Paulo: Edições Loyola,

2007. p. 19. 94

COMBLIN, José. Quais os desafios dos temas teológicos atuais? p. 35. 95

GASPARI, Silvana de. Tecendo comparações entre Teologia e Literatura. In: Anais do III Encontro Nacional

do Gt História das Religiões e das Religiosidades – ANPUH -Questões teórico-metodológicas no estudo das

religiões e religiosidades. In: Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá (PR) v. III, n.9, jan/2011.

Disponível em: http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html. Acesso em: 27/01/2013.

Page 41: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

41

ciência ou às artes. E a Teopoética é um exemplo disso, mostrando-

nos que a religião, a teologia e a literatura têm muito em comum,

podendo dialogar e interagir de forma a enriquecer o mundo com suas

indagações.

A Teopoética96

– estudos comparados entre teologia e literatura97

- não se limita

apenas ao conteúdo bíblico. A teopoética não é crítica literária, não tem como fonte de

pesquisa um autor nem necessariamente um poema, uma novela, um conto, um romance ou

outra forma de literatura qualquer; enquanto literatura, ainda que leve em conta a sua forma,

procura na obra e no autor elementos teológicos.

A teopoética visualizará na obra literária a presença de Deus não como parte de um

conteúdo da área teológica, mas sim como um texto que apenas debate a insurgência do divino na

esfera humana. A teopoética, desta forma, não descambará para o lado das críticas literárias e

jamais também para os aportes de análises críticas de cultura feita pelos teólogos. Como projeto

de interpretação/criação poética, afirma Villas Boas: “a questão da teopoética não se reduz a

fazer poesia com conteúdos teológicos”.98

3.5 – Poesia: o sagrado toque da alma

A Poesia provavelmente é a mais antiga das formas literárias. Etimologicamente, o

termo poesia provém do grego e significa criar.99

Segundo Paz, “a poesia é revelação de nossa

condição e, por isso mesmo, criação do homem pela imagem”.100

96

Termo cunhado pelo pensador germânico Karl-Josef Kuschel com o intuito de não ser mera teologia

explicativa da arte literária, pelo contrário, a teopoética visa “não a substituição do Deus de Jesus Cristo pelo dos

diferentes poetas, mas a questão da estilística de um discurso sobre Deus que seja atual e adequado”. Portanto,

Kuschel se depara com uma poética que reflete as preocupações últimas do homem, o conhecimento que se

busca advém do diálogo frutífero entre o estilo, e não o conteúdo somente, do texto literário de forma a expressar

Deus. A teopoética, assim sendo, não partirá da teologia para chegar à arte, como o queria Tillich, mas parte da

arte poética para alcançar o sagrado. KUSCHEL,K. J. Os Escritores e as escrituras. Retratos Teológicos

Literários. Edições Loyola. 1999, p. 31. . 97

FERRAZ, Salma. A esfinge pejada de mistérios: travessias e travessuras de Judas. In: Estudos da Religião,

São Bernardo do Campo, ano 20, dez. 2006, p. 236. 98

VILLAS BOAS, Alex. Teologia e Poesia – A busca de sentido em meio às paixões em Carlos Drummond de

Andrade como possibilidade de um pensamento poético religioso.p. 44. 99

Escola virtual. O Texto poético. Disponível em: http://www.escolavirtual.pt/assets/conteudos/downloads/10por/otextopoetico.pdf. Acesso em: 11.02.2013. 100

PAZ, Octavio. O arco e a lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982. (Coleção Logos).

Revista Brasileira de História das Religiões – Ano I, n. 3, Jan. 2009 - ISSN 1983-2859. Dossiê Tolerância e

Intolerância nas manifestações religiosas.

Page 42: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

42

A partir da sua experiência, das suas emoções, sentimentos, revoltas, enfim a partir de

algo que experimentou ou deseja vivenciar, o poeta expressa através do texto poético uma

linguagem que se distancia de uma linguagem racional101

para expressar uma visão de mundo.

Na verdade, o texto poético exprime o estado de alma do poeta, isto é, o seu mundo interior.

O seu discurso é claramente emotivo e redundante, pois pretende intensificar a emoção, em

vez de acrescentar informação.

Os poetas e místicos mergulhados na profundidade do que buscam expressar estão

distantes daquilo que se pensa que estão, ou seja, estão distante da realidade e, portanto, da

ação e da presença humana em cada situação atual. Afirma Teixeira102

que “a palavra é frágil

instrumento para expressar a dimensão e o horizonte daquilo que se busca”. Mesmo

reconhecendo a incapacidade de a linguagem comunicar a intensidade da experiência, os

poetas e místicos sabem que apenas através das palavras é que poderão atingir seu objetivo.

Diferentemente do texto narrativo, a poesia poderá comunicar o inexprimível de tal

forma que o leitor não exitará em imaginar tal situação comunicada pelo poeta. Afirma

Manzatto, “(...)uma linguagem que utiliza metáforas e por isso mesmo é a forma mais

adequada para falar do mistério e da experiência religiosa(...) Por isso a poesia pode favorecer

a mística e ajudar na comunicação da experiência espiritual, que não se transmite através de

conceitos”.103

Neste sentido, poesia e mística se entrelaçam porque poderá revelar uma

experiência mística da fé.

O poeta, através da arte que lhe inspira ao captar o real, irá vislumbrar o transcendente

presente na história. Os poemas não se esgotam em si, ao mesmo tempo tocam a realidade e

um algo que a transcende a partir dela. Comunicam a partir da narração e, portanto, podem

levar a uma aproximação do Mistério. Comenta Manzatto que “A poesia expressa de maneira

101

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: Reflexão teológica a partir da Antropologia contida nos

romances de Jorge Amado. p. 77. 102

TEIXEIRA, Faustino. O mistério e a palavra In: Poesia Sempre. nº 31, ano 16, 2009. Ministério da Cultura.

Fundação Biblioteca Nacional. p. 9. 103

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: Reflexão teológica a partir da Antropologia contida nos

romances de Jorge Amado. p. 78.

Page 43: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

43

absolutamente nova o mistério e, através da estética dos versos, convida à contemplação.

Dessa forma, aproxima-se da mística religiosa e teológica”.104

A relação da poesia e a Teologia na América Latina surge a partir deste olhar para o

poeta, assim como para os místicos, que entraram em comunhão com Deus e, ao mergulhar no

Amor manifestado por Deus, se deixaram seduzir para a causa dos pobres na busca da

libertação. Assim define Transferetti:

Sendo o poeta o “testemunho de seu tempo”, ele carrega em si as

marcas mais profundas da vida e da morte do seu povo. Enamorado

das lutas de libertação, amante da causa maior – Deus forasteiro –

pequenino errante solitário, caminha como um monge pelas estradas

da liberdade.105

É possível afirmar que há algo que une a poesia e a mística: a experiência amorosa, o

enamoramento das pequenas e grandes coisas e a atenção aos sinais do cotidiano.106

A título

de ilustração, exemplos muito relevantes destes aspectos encontramos nos poemas de São

João da Cruz e Santa Tereza D’Ávila.

No prólogo do Cântico espiritual, João da Cruz assinala a impossibilidade de explicar

com clareza, por meio de palavras, as expressões amorosas da inteligência mística.

O ponto de partida para a relação entre a poesia e a mística está justamente no

reconhecimento da capacidade daquela em superar a linguagem e assim desvelar o que está

além desta. Neste sentido, há uma estreita vinculação entre poesia e mística. Afirma Teixeira:

“O místico, como o poeta, vive na espreita de um mistério maior,

alimenta-se também do ar, das rochas, do ferro e do carvão. Ele sabe

que é no mundo que o mistério exerce o seu assédio, penetrando e

modelando quem vem tocado por sua graça”.107

104

MANZATTO, Antonio. Pequeno panorama de teologia e literatura. In Teologia e Arte. Expressões de

transcendência, caminhos de renovação. MARIANI, Ceci Baptista e VILHENA, Maria Angela. São Paulo:

Paulinas, 2011. p. 11. 105

TRANSFERETTI, José Antonio. Entre a Po-Ética e a Política. Teologia Moral e Espiritualidade. Petrópolis:

Vozes, 1997. p. 58. 106

Sobre Literatura e vida mística (iniciação aos autores monásticos da Idade Média p. ex. São Jerônimo, São

Gregório, São Bernardo, São João da Cruz, Santa Tereza D’Ávila) ver Jean LECLERCQ. O amor às letras e o

desejo de Deus. São Paulo: Paulus, 2012. pp. 301-318. 107

TEIXEIRA, Faustino. O mistério e a palavra In: Poesia Sempre. nº 31, ano 16, 2009. Ministério da Cultura.

Fundação Biblioteca Nacional. pp. 11-12.

Page 44: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

44

O mesmo autor108

acena para a relação da linguagem artística com a linguagem

poética para tratar da mística, no entanto, cita o diálogo de Thomas Merton109

quando

recordava a seus noviços que a vida contemplativa não podia separar-se de nenhum interesse

humano. “Tratava-se (sic) de algo muito simples e sensível; simplemente viver como peixe na

água”.

Relacionar “A Idade do Serrote”, do poeta Murilo Mendes, com a mistíca cristã,

objeto desta pesquisa, é afirmar o diálogo promissor e aberto entre Teologia e Literatura, sem

necessariamente que uma se sobreponha à outra. A Teologia não irá deixar de ser Teologia, e

a Literatura não deixará de ser Literatura, mas ambas poderão ser relidas a partir do aspecto

antropológico, tendo o ser humano como ponto fundamental, ou seja, de quem se fala e para

quem se fala.

Conclusão

Apropriar-se de uma elaboração teórica capaz de agregar na pessoa, no seu contexto,

não apenas conhecimentos, mas despertá-la para uma experiência profunda de Deus é

preocupação da Teologia. Diante da complexa realidade que temos hoje, a Teologia sente-se

desafiada a dialogar com outros saberes para anunciar o que há de belo e o que essa beleza

manifesta também através da mística, como ressalta Bertelli:

A beleza de Deus se revela na música, na recitação poética dos salmos e

hinos, na dança, pintura e escultura, no rito, celebração e festa, que

inauguram uma dimensão de gratuidade na vida humana, condição para a

eficácia de todas as nossas ações.110

A poesia, através da sua linguagem singular, comunica a beleza interior e exterior a

partir da realidade do poeta, e leva o leitor a vivenciar um “outro mundo” jamais por ele

108

TEIXEIRA, Faustino. O mistério e a palavra In: Poesia Sempre. pp. 11-12. 109

Thomas Merton, um dos maiores místicos do século XX, como um dos precursores da espiritualidade da paz

na América do Norte e da teologia da libertação latino-americana. A teologia espiritual de Merton faz a síntese

harmônica entre espiritualidade e solidariedade, contemplação e ação, tendo por eixo o encontro existencial com

o mistério sublime de Deus, da criação e do ser humano. No encontro com esse tríplice mistério, o ser humano se

constitui como tal. Sem ele, a vida perde profundidade e transparência. Pois ainda hoje, em plena era espacial,

ecológica e nuclear, o centro do universo continua a ser o coração humano, feito para o Transcendente. Cf.

Getúlio Antônio BERTELLI, Mística e Compaixão. A teologia do seguimento de Jesus em Thomas Merton. São

Paulo: Paulinas, 2008. 110

BERTELLI, Getúlio Antônio. Mística e Compaixão. A Teologia do seguimento de Jesus em Thomas Merton.

p. 93.

Page 45: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

45

imaginado. Perceber que os místicos manifestaram sua experiência profunda de Deus,

deixando-nos um legado poético, é reconhecer uma unidade na diversidade, que harmoniza,

aproxima, e envolve Literatura e Teologia. E “quando a teologia se aproxima da arte e a arte

da teologia, nasce uma obra capaz de falar sobre a vida no contexto de Deus”.111

O percurso desta pesquisa, com um olhar particular para a mística cristã, e que será

desenvolvido a partir das poesias de Murilo Mendes, quer ser uma reflexão sobre essa

aproximação. Ambas comunicam ao humano por meio de linguagens, no entanto, a palavra

por excelência é o instrumento capaz de levar o humano a interagir a tal ponto de fazê-lo

sonhar e ser feliz.

Ao ler as poesias de Murilo Mendes, poeta e católico convertido, perceber-se-á a

importância deste gênero literário e como a vivência do catolicismo e uma mística da fé cristã

o influenciaram em seus escritos. É o que trataremos no Capítulo II.

111

MARIANI, Ceci Baptista e VILHENA, Maria Angela. Teologia e Arte, tudo a ver! In: Teologia e Arte.

Expressões de transcendência, caminhos de renovação. São Paulo: Paulinas, 2011. p. 11.

Page 46: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

46

CAPITULO II

UMA VIDA NA ARTE

Introdução

O poeta que, ao falar da vida e da própria vida, faz da arte da poesia um caminho

dinâmico, belo e inovador apresenta-se vulnerável a arrancar aplausos ou “virarem-lhe as

costas”.112

Murilo Mendes não se considera modernista, mas sua visão caminha à frente de

seus pés; onde ele mesmo não alcança, suas palavras atingem um alcance muito maior que o

desejado, pois têm o poder de tocar o íntimo de cada pessoa que toma contato com sua poesia.

Ele mesmo ressalta: “não existe cultura sem penetração individual”. (dE 692) A capacidade

de encantar-se por algo distante da sua realidade de menino fez com que o poeta reconhecesse

o “algo mais” reservado a ele, e decidiu comunicar as suas experiências em poesia e prosa:

“cedo começou minha fascinação pelos dois mundos, o visível e o invisível”. (is 170)113

A

sede do poeta em ver, compreender, comunicar todas as realidades a quem atinge e a quem

não atinge o leva a buscar uma significação da sua vida na arte, o que representa não apenas a

sua realização como pessoa, como também alguém que se identifica com a Pessoa do Cristo:

“O Cristo não tem personalidade. Ele a abandonou para desposar toda a humanidade. Ele é

uma Pessoa”. (dE 642)

É certo que o leitor, ao ser tocado pela poesia, aquilo que era “meu” transfigura-se

naquilo que é nosso, e o que era íntimo assume qualidades que possibilitam alcançar a

coletividade. A obra se concretiza quando há comunicação de duas intimidades, intimidade

112

ANDRADE, Mario Raul Moraes de. A volta do Condor. Diário de Notícias. Rio de Janeiro. 30.06.1940 In:

Vida literária. São Paulo: Edusp, 1993. pp. 220-221. O autor critica severamente o trabalho e o pensamento de

Murilo Mendes: “Já várias vezes tenho sido de indiscreta impertinência com os nossos poetas católicos que, para

ao mesmo tempo se conservarem católicos e se realizarem em boa poesia, mergulham acintosamente nas

nebulosas convulsivas do misticismo. (...) que tem com isso, realizado ótima poesia, me alegro em afirmar. Mas

que hajam realizado ótimo Catolicismo já me parece bem mais duvidoso. (...) Entenda-se: não estou exigindo

que nossos poetas católicos virem versejadores de cromos para revistas paroquiais. Assusta-me verificar que,

excetuados dois ou três, a conjugação que se está fazendo de Catolicismo e lirismo não me parece sadia, não é

varrida por uma clara consciência nem por uma ideologia mística pessoal. O misticismo de tais poetas não deriva

de nenhum sistema orgânico; é, na verdade, sentimentalismo.” As novidades parecem não tão bem-vindas assim.

O mesmo ocorreu com Jesus: em referência ao texto do Evangelho de Jo 6,66 quando os discípulos o

abandonaram ao não aceitarem sua proposta. 113

Nota de esclarecimento: Para referir-me às obras de Murilo Mendes - O discípulo de Emaús (dE) e A idade do

serrote(is), utilizarei as siglas dE seguida do número do aforisma, e is seguido do número da página.

Page 47: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

47

daquele que escreve e intimidade daquele que lê. Nessa perspectiva, escrever é socializar, e a

poesia é a possibilidade de fazer com que a lembrança individual alcance uma irradiação

infinita, irradiação que corresponde ao ímpeto de vencer a morte. Na poesia muriliana, o

anseio de “ver coisas, ver pessoas na sua diversidade, ver, rever, ver, rever” de forma

envolvente é explicado por ele como “o prazer, a sabedoria de ver chegavam a justificar

minha existência”.114

Desde menino Murilo Mendes contempla o mundo desumanizado e se solidariza com

as suas dores. A dura realidade o faz refletir, e, mais do que se sensibilizar com ela, assume a

função de denunciar o caos através da escrita, mas justifica: “o olho armado me dava e

continua a me dar força para a vida”. Enquanto outros poetas buscavam as primeiras páginas

das revistas, ele entendeu que poderia buscar a sua sustentação em Deus. “Deus passou a ser

para mim não o corregedor moral, o severo guardião da lei, mas o Ser infinitamente variado

na sua unidade (...) único ator que não repete diariamente seus papéis”. (is 172) Esse olhar do

humano como uma relação íntima com o sagrado nas obras de Murilo Mendes permite-nos

buscar extrair uma antropologia contida em sua obra.

1. – Biobibliografia sintética de Murilo Mendes

O poeta Murilo Mendes faz parte de um grupo de intelectuais que, na década de 30,

encontraram no cristianismo a resposta para a crise econômica, política e ideológica que o

mundo atravessava. Essa "conversão" deve ser compreendida não como a simples aceitação

do catolicismo, mas como a proposta de um catolicismo mais voltado para os problemas

humanos. Criado no catolicismo, Murilo, embevecido pela juventude rebelde, questionadora e

anarquista de sua época, se vê afastado da Igreja Católica, mas, graças a uma grande amizade

nos idos de 1921, retoma sua fé.

Murilo Monteiro Mendes nasceu em Juiz de Fora (MG), no ano de 1901 exatamente

no dia 13 de maio - "dia do aniversário da Abolição da Escravatura", como ele gostava de

notar. Mal completara um ano, sua mãe, a Sra. Eliza M. de Barros Mendes, morre de parto aos

vinte oito anos de idade, em 20 de outubro de 1902. Quando tinha nove anos Murilo viu o

mundo parar pra ver a passagem do cometa Halley e, segundo ele, foi a visão do cometa que o

114

ANDRADE, Jorge. Labirinto. São Paulo: Manole, 2009. p. 75.

Page 48: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

48

despertou para a poesia. Ele mesmo assim escreveu: “Levo uma vida secreta, começo a

ruptura com o mundo, sou tocado todos os dias pela visão do cometa Halley(...)”(is 167) e no

poema publicado em 1929, na Revista da Antropofagia, nº 14, ele demonstra a importância

desse acontecimento na sua vida:

NOVA CARA DO MUNDO

O cometa Halley vai passar

Toda cidade acorda pra ver o cometa

Ele é enorme e fabuloso

Destrói idades pensamentos de homem(...).

O cometa me traz o anúncio de outros

mundos

e de noite eu não durmo

atrapalhado com o mistério das coisas

visíveis,

No rabo imenso do cometa

passa a luz, passa a poesia, todo mundo passa!115

Murilo começou a Faculdade de Farmácia em 1916, abandonando o curso logo no

segundo ano. No colégio interno de Niterói, iniciou a atividade literária. Comunicou à família

que se recusaria a continuar estudando. Virou problema: o jovem que queria ser poeta. Ele

mesmo relata a sua decisão:

“Não revelo vocação para nenhum ofício, divirto-me em contrariar a opinião comum,

prego partidas a quase todos; padres e professores perdem a cabeça comigo. Declaro

sistematicamente que só quero ser poeta, nada mais.” (is 167)

Em 1917, Murilo vai para o Rio, para o Colégio Santa Rosa, em Niterói, de onde foge

para ver Nijinski dançar no Municipal: "Nijinski dançando no arco-íris / Reconcilia céu e

terra”, outra revelação poética. O pai e a madrasta tentaram colocá-lo em algum emprego, e

Murilo experimentou várias profissões: telegrafista, prático de farmácia, guarda-livros,

funcionário do cartório do pai, professor de francês na cidade mineira de Santos Dumont.

Tentativas inúteis. Em 1921 foi morar definitivamente no Rio de Janeiro com um irmão, que

conseguiu empregá-lo como arquivista de uma repartição pública. Colaborou com alguns

jornais e, em seguida, com a Revista de Antropofagia. Em 1930, seu pai, Onofre Mendes,

115

MENDES, Murilo. Nova cara do Mundo. Revista de Antropofagia, ano 2. nº 14, julho 1929. Disponível em:

http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/060013-24#page/1/mode/1up. Acesso em: 12.08.2013.

Page 49: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

49

conforma-se com o destino do filho e patrocina a publicação do primeiro livro “Poemas”.

Com ele, Murilo conquista o prêmio Graça Aranha.

A década de 20 marca o início do movimento modernista, que eclode com a Semana

de Arte Moderna, em São Paulo, no ano de 1922. Murilo, já no Rio de Janeiro, tem o seu

primeiro contato com poesia modernista brasileira.116

Sem se envolver muito, o poeta admite

ter ficado sensível ao movimento: “Em 1922 eu estava no Rio, olhando de longe e com

simpatia o movimento, mas sem aderir oficialmente, porque nunca tive instinto gregário, o

que sempre me impediu de fazer parte de qualquer grupo”.117

Não demorou muito o pintor

Ismael Nery118

aparece na vida dele e acaba gerando uma grande influência em seu espírito

católico essencialista119

. Aliás, em 1934, foi o próprio Nery que, no leito de morte, provocou

essa reconversão em Murilo em meio a uma grande crise religiosa. Na Revista Ordem, de

fevereiro de 1935, Murilo resgata dois poemas, considerando Ismael Nery e ele próprio

portadores de “uma atmosfera única na poesia brasileira”. Murilo admite:

Ismael Nery conservou-se sempre cristão. A época em que ele viveu

era muito desfavorável ao catolicismo no Brasil. Os intelectuais eram, na

grande maioria, agnósticos, comunistas ou comunizantes (...). A religião

parecia-nos como qualquer coisa de obsoleto, definitivamente ultrapassada.

(...) Não era possível, sobretudo a uma pessoa de bom gosto, ser católica.

Nós todos éramos delirantemente modernos, queríamos fazer tábua rasa dos

antigos processos de pensamentos e instalar também uma espécie de nova

ética anarquista.(...) Mas (Ismael) permanecia firme na sua fé, que

considerava apoiada sobre um valor absoluto, definitivo, eterno. (...)

116

DIAS, André Luiz de Freitas & SILVA, Frederico Spada. Os arquivos de Murilos Mendes: Biblioteca e

filioteca . Disponível em: http://pendientedemigracion.ucm.es/info/especulo/numero44/mmendez.html. Acesso

em: 14.05.2013. 117

FRIAS, Joana Matos. O erro de Hamlet: poesia e dialética em Murilo Mendes. Rio de Janeiro: 7 Letras,

2002. p. 23. Este trabalho recebeu em 2001 o Prêmio de Literatura Murilo Mendes, categoria ensaio, concedido

pelo Centro de Estudos Murilo Mendes – UFJF. 118

Ismael Nery foi não só artista como homem de vanguarda: desenhista, pintor e arquiteto, filósofo e poeta.

Diferente dos outros artistas da Primeira Geração Modernista, ele não buscava uma identidade nacional; antes se

aproximava de valores universais, internacionalistas, de acordo com sua ideias filosóficas e místicas. Disponível

em: http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo2/modernismo/artistas/nery/index.htm.

Acesso em: 30.07.2013. O depoimento sobre a rara e fervorosa entre os dois artistas pode ser lido nos escrito de

Murilo Mendes: MENDES, Murilo & JUNIOR, Davi Arrigucci. Recordações de Ismael Nery. São Paulo:

EDUSP, 1996. 119

A arte de Ismael Nery, diz-nos Jorge Burlamaqui, “não é só uma percepção da vida pelos sentidos. A grande

produção artística deixada por Ismael obedece a um conjunto filosófico gerado de um pensamento

constantemente preocupado com o absoluto, o essencial e com a unidade”. Esse “conjunto filosófico” foi

batizado por Murilo Mendes de essencialismo. (Essencialismo: busca da essência maior de todas as coisas.

Aragem do Sagrado. Deus na Literatura brasileira contemporânea. São Paulo, Edições Loyola, 2011. p. 119).

Não é fácil, no entanto, dizer em que consiste essa filosofia. Ismael não nos deixou nada substancial escrito sobre

o tema. Dizia que “se suas ideias eram verdadeiras, haveria de se transmitir na sucessão das idades, não

importando que aparecessem com o nome dele ou de outro”. Disponível em:

http://escamandro.wordpress.com/2011/11/28/o-essencialismo-de-ismael-nery/. Acesso em: 18.04.2013.

Page 50: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

50

Apresentava-nos o Cristo não só na sua divindade, mas também na sua

humanidade, mostrando-nos constantemente a verdade da encarnação e,

ainda, o Cristo como filósofo e modelo supremo dos poetas e artistas (...).

Pouco a pouco, apesar de nossa rebeldia e nossas indecisões, começamos a

perceber que o evangelho não era um livro remoto e superado, mas uma

fonte de vida, pois contém a doutrina d’Aquele que se declarou a própria

vida.120

A poesia da geração de 30 surgiu imbuída de grande preocupação social, e isso é

especialmente perceptível na poesia de Murilo Mendes, que analisa o destino do ser humano

como um todo. Em 1932, escreve o poema "História do Brasil". Em 1934, desenvolve temas

religiosos e, em 1935, com o poeta alagoano Jorge de Lima, escreve "Tempo e Eternidade". O

título faz referência a uma passagem bíblica, e narra um episódio de solidariedade ao Cristo.

Com esta obra, Murilo parece ter abandonado para sempre o culto do epigrama cortante121

,

que todos retinham na memória e todos os amigos do humor repetiam. Na obra vamos

encontrar, ainda, uma poesia totalmente voltada a Deus; ao contato de Deus, tudo se diviniza.

Todo o seu fervor, todo o seu grande deslumbramento vem de Deus e vai para Deus. É dali

que vem o sentido universal, amplo, envolvente e grandioso da poética de Murilo Mendes,

atento a todas as virtudes cristãs, especialmente a piedade. O coautor da coletânea, Jorge de

Lima, é conhecido como o poeta da serenidade, da majestade e do amor a Deus, o poeta do

deslumbramento divino. Em 1936, Murilo publica “O sinal de Deus”, em sintonia com os

traços religiosos já encontrados em outras obras. Couto comenta que:

O projeto cultural pessoal de Murilo Mendes, compartilhado com outros

artistas como Ismael Nery e Jorge de Lima, comporta concepções que

partem dos arquétipos bíblicos e dos dogmas católicos que, reelaborados na

poesia, são transformados em princípios de exercício crítico e alcançam a

tipificação de apostolado e de messianismo artístico.122

Na Revista A Ordem, edição de 1936, encontramos a publicação de dois poemas que

retratam essa mudança na vida do poeta:

120

NERY, Ismael. Recordação de Ismael Nery. Folha de São Paulo, Folhetim, 28.10.1984. 121

Epigrama (Grego: ἐπί-γραφὼ, literalmente, "sobre-escrever"), é uma composição poética breve que expressa

um único pensamento principal, festivo ou satírico, de forma engenhosa. Disponível em:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Epigrama. Acesso em: 06.08.2013. 122

COUTO, Alda Maria Quadros do. O sinal de Deus na cartografia crítica de Murilo Mendes. Tese de

Doutorado em Letras. Campinas, 1997. Disponível em: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=000120840.

Acesso em: 08.08.2013.

Page 51: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

51

ALPHA E ÔMEGA

Eu amo o princípio e o fim das coisas

Gostaria de estar presente no instante do FIAT

E de assistir ao mesmo tempo

A destruição do mundo pelo fogo do Espírito Santo

Eu mesmo sou o princípio e o fim

Sou a construção e a destruição ao mesmo tempo

Porque trago comigo o orgulho, a concupciência da vida

Que dá a graça e me dará um dia a Glória.

DIANTE DO CRUCIFIXO

Meu Deus, porque me fizestes junto de Ti em oposição a Ti,

Porque me criastes com o céu e o inferno dentro de mim,

Porque me fizestes nascer sobre o signo do amor ideal,

Porque me destes a sede do inatingível e do absoluto

E porque não me integraste desde o princípio,

Através dos tempos e até a consumação dos séculos,

Na Tua verdade, na Tua essência e na Tua vida!... 123

Um ano depois, escreve “A Poesia em Pânico” que recebeu aplauso de Mário de

Andrade. Em 1940, conhece Maria da Saudade Cortesão124

e, em 1947, casa-se com ela. Com

“O Visionário” (1941), Murilo retoma alguns temas já apresentados no seu livro de estreia, ao

questionar o mistério do tempo, “...que se manifesta simbolicamente na mulher, guardiã, em

seu corpo, da semente que faz brotar a vida, pois seu ventre é o depositário do passado e do

futuro, amadurecendo e se renovando a cada gestação”. Sua produção continua com “As

Metamorfoses” (1944) e “Mundo Enigma” (1945). Neste último encontra-se uma coleção de

poemas dedicados à mulher, Maria da Saudade Cortesão.

Sua primeira tentativa na prosa é “O discípulo de Emaús” (1945), composto de

algumas centenas de aforismos, em que diz: “Passaremos do mundo adjetivo para o mundo

substantivo”. É nessa época que o poeta colaborou com frequência na imprensa brasileira,

escrevendo muito sobre música, como no suplemento Letras e Artes, do jornal A Manhã.

Publicou uma longa série de artigos, intitulada Formação de Discoteca, em que revelou seu

123

Disponível em:

http://www.obrascatolicas.com/livros/Revista%20A%20Ordem/Revista%20Completa%20A%20Ordem%20Jane

iro%20de%201937.pdf. Acesso em: 01.04.2013. 124

Maria da Saudade Cortesão, filha do historiador e poeta português Jaime Cortesão (1884-1960), exilado no

Brasil por se opor à ditadura de Antonio Oliveira Salazar (1889-1970).

Page 52: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

52

atuante e profundo conhecimento de música, além de escrever também sobre artes

plásticas.125

Em 1947, publica “Poesia Liberdade” e, em 1949, “Janela do caos”. Em 1952, faz sua

primeira viagem em família à Europa, e inicia amizade com André Breton, René Char,

Camus, Magritte126

e outros. Entre 1953 e 1956, o poeta ministra conferências em

universidades na Bélgica e Holanda. Com “Contemplação de Ouro Preto” (1954), o autor

inaugura uma nova fase em sua poesia: o reencontro com a verdade aparentemente

contraditória de que a tradição pode ser um atalho para o Absoluto. Instala-se na Itália127

(1957), aos 56 anos de idade, contratado pelo Departamento Cultural do Itamaraty para

ministrar aulas de Estudos Brasileiros na Universidade de Roma e afirma-se como crítico de

arte. Com o poema “Tempo espanhol” (1959), Murilo Mendes demonstra sua paixão pela

Espanha, país onde poderia ter se estabelecido em 1956 – um ano antes de radicar-se

definitivamente em Roma – se a Espanha não lhe tivesse negado a residência no país.128

Publica, ainda em 1959, "Siciliana", texto bilíngue traduzido por G. Ungaretti, e, em 1965,

"Italianíssima: 7 murilogrammi". Com sua mulher, a também poeta Maria da Saudade

Cortesão, recebe escritores, artistas, cineastas e intelectuais em seu apartamento da Via Del

Consulato. Muitos deles serão evocados por Murilo em seu “Retratos-relâmpago” (1973).

Mas, afinal, o que o poeta pretendia encontrar na Europa? Vejamos o que diz Fiorezi:

Exatamente as sombras amadas de tudo aquilo que leu, de toda a sua

formação, notadamente francesa. Ele espera encontrar tais sombras

amadas de toda tradição literária, na qual vai se iniciar em seu período

de formação, ainda em Juiz de Fora, e com a qual vai ter contato

125

GILFRANCISCO. Murilo Mendes: Um poeta visionário. Disponível em:

http://www.germinaliteratura.com.br/literaturagfesp_agosto2006.htm. Acesso em: 01/05/2013. 126

André Breton foi um escritor francês, poeta e teórico do surrealismo. 1896-1966, Paris-

França.Obras: Nadja, Manifesto do surrealismo; René Char foi um poeta francês, inicialmente ligado ao grupo

surrealista de Paris, tendo publicado livros em coautoria com alguns destes, como Ralentir Travaux, com André

Breton e Paul Éluard.1907-1988. Paris, França; Albert Camus, foi um escritor, romancista, ensaísta, dramaturgo

e filosofo francês nascido na Argélia. Foi também jornalista militante engajado na Resistência Francesa e nas

discussões morais do pós-guerra. 1913-1960, Villeblevin, França; René François Ghislain Magritte foi um dos

principais artistas surrealistas belgas, ao lado de Paul Delvaux, 1898-1967, Lessines, Bélgica. Obras: The Son of

Man, La trahison des images, Golconda. Disponível em: http://pt.wikipedia.org. Acesso em: 14.07.2013. 127

LUCAS, Fábio. Murilo Mendes: poeta e prosador. São Paulo: EDUC, 2001. “Lírico e prosador

revolucionário de poéticas fortes e chocantes, foi homem de gestos e corajosos e ousados. No dia da entrada das

forças alemãs na Áustria, telegrafou a Hitler protestando em nome de Mozart. E, ao chegar a Roma, declarado

persona non grata pela Espanha, quando o Brasil já mergulhara no pântano da ditadura militar, levantou um

brinde ao fim de todas as ditaduras”. 128

SCHWARTZ, Jorge. Da antropofagia Brasil, 1920-1950. Museu de Arte Brasileira. São Paulo. p. 157-158.

Page 53: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

53

através de alguns artistas europeus que conhece no Rio de Janeiro,

como Vieira da Silva, Arpade Arsenes, entre outros.129

O poeta retorna às suas origens no livro “A idade do serrote”, escrito entre 1965 e

1966, e publicado em 1968. Em 1970, publica “Convergência”. Conforme Santos, “na obra,

percebe-se um diálogo que abarca as obras anteriores do poeta em um processo intratextual e

intertextual com os escritores e artistas de diferentes épocas do ocidente e do oriente e com

pessoas queridas”.130

Como um poeta que busca inovar, Murilo escreve “Poliedro” (1972).

Menezes destaca que nesta obra, “além de variadas memórias e citações de outros autores, o

poeta se reinventa biograficamente por meio de seus animais”.131

Em 1972, Murilo recebe o

Prêmio Internacional de Poesia Etna-Taormina, o maior concedido a um poeta na Itália. Neste

mesmo ano Murilo Mendes fez a última visita ao Brasil, após 17 anos de ausência. Fioreze

acrescenta que Murilo, além da sua vida modesta, com enormes dificuldades financeiras, no

Rio de Janeiro, viajava pouco, ou seja, “seus deslocamentos eram restritos a uma pequena ida

à Bahia, a algumas estações em Petrópolis e a uma permanência um tanto desagradável em

Juiz de Fora”. O ano de 1972 foi igualmente importante para o poeta, pois é o ano que

coincide com a publicação do livro de Laís Corrêa de Araújo132

dedicado à obra muriliana.

Era um bom motivo para reerguer o ânimo do poeta uma vez que um sentimento de angústia

tomava conta dele, pois esperava ver publicada a sua obra completa no Brasil, onde seu nome

caíra no esquecimento. Seu desejo era de que a Imprensa Oficial de Belo Horizonte viesse a

editar seus poemas.133

Por iniciativa do Conselho Estadual de Cultura de São Paulo, sai a

primeira série do livro “Retratos-relâmpago” (1973); a segunda série seria publicada no ano

da morte do poeta. Murilo Mendes veraneava em Portugal, na casa de seu sogro Jaime

Cortesão, quando, em 13 de agosto de 1975, acometido por uma fulminante síncope cardíaca,

falece em Lisboa, cidade descrita em seu livro “Janelas verdes” (1989), publicado

postumamente, como "consabidamente bela”.

129

FIOREZI, Fernando In: Murilo, Cecília e Drummond 100 anos com Deus na poesia brasileira. São Paulo:

Edições Loyola, 2004. p. 108. 130

SANTOS, Rita de Cassi Pereira dos. Diálogo Poético. In: Revista do Grupo GT Teoria do texto Poético, vol.

9, 2010. Disponível em: http://www.textopoetico.com.br. Acesso em: 08.08.2013. 131

MENEZES, Felipe Amaral Rocha de. Animais biográficos: um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes.

Dissertação de Mestrado em Letras, Minas Gerais, 2010. Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/ECAP-

867M3U. Acesso em: 08.08.2013. 132

Poetisa, escritora e jornalista Laís Corrêa de Araújo Ávila, além de artigos de crítica literária, publicou um

livro de ensaios sobre o poeta Murilo Mendes, com quem manteve intensa correspondência. Faleceu em Belo

Horizonte, aos 78 anos. Enciclopédia Itaú Cultural Literatura Brasileira. Disponível em: http://itaucultural.org.br.

Acesso em: 14.04.2013. 133

Murilo Mendes: Modernista desarticulado. Disponível em: http://www.terra.com.br/tremdeminas/murilo.htm.

Acesso em: 01.04.2013.

Page 54: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

54

Deixou mais de vinte livros publicados em português, italiano e francês, bem como

uma vasta biblioteca e uma importante coleção de arte, coleção preciosa, nascida toda da

amizade e do convívio com grandes artistas brasileiros e europeus. Uma parte desses arquivos

- livros e obras de arte - encontra-se no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes (MAM),

criado pela Universidade Federal de Juiz de Fora para abrigá-los.

No ano de 1977, dois anos após a morte de Murilo Mendes, a Universidade Federal de

Juiz de Fora recebeu a biblioteca do poeta, composta de mais de 2.800 volumes das mais

diversas áreas (literatura, artes plásticas, música e filosofia), pelas mãos de sua viúva Maria da

Saudade Cortesão Mendes, fazendo cumprir o testamento do poeta, que destinara seu acervo

pessoal à instituição. O acervo de artes plásticas do escritor, proveniente da Fundação

Calouste Gulbenkian, de Lisboa, só em 1994 veio para Juiz de Fora, por interferência do

governo brasileiro, constituindo, então, o Centro de Estudos Murilo Mendes (CEMM),

abrigado na casa onde o poeta nascera e passara a infância e parte da adolescência.134

1.2 - Murilo Mendes e a linguagem religiosa

Linguagem é o sistema através do qual o homem comunica suas ideias e sentimentos,

seja através da fala, da escrita ou de outros signos convencionais.135

Religiosa: adjetivo de religião (do latim religio, -onis: re-ligar ou ligar novamente), é

conjunto cultural susceptível de articular todo um sistema de crenças em Deus ou num

sobrenatural, e um código de gestos, de práticas e de celebrações rituais.136

Para Finley, “a linguagem religiosa tem um propósito específico: possibilitar que as

pessoas conversem sobre a experiência religiosa humana, em particular, para os cristãos (...),

para que falemos dos mistérios centrais da fé cristã”.137

Finley acrescenta, ainda, que “a

134

DIAS, André Luiz de Freitas & SILVA, Frederico Spada. Os arquivos de Murilos Mendes: Biblioteca e

filioteca Disponível em: http://pendientedemigracion.ucm.es/info/especulo/numero44/mmendez.html. Acesso

em: 14.07.2013. 135

Revista de estudos literários, 2010. Disponível em: http://www.significados.com.br/linguagem. Acesso em:

02.06.2013. 136

BARBOSA, Leila Maria Fonseca & RODRIGUES, Marisa Timponi Pereira. Arte e Espiritualidade – O

discurso religioso na obra de Murilo Mendes. Revista Magis Cadernos de Fé e Cultura, nº 04, 1995, Centro

Loyola de Fé e Cultura. Disponível em: http://www.clfc.puc-rio.br/pdf/fc04.pdf. Acesso em: 05.03.2013. 137

FINLEY, Mitch. O que a fé não é. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 8.

Page 55: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

55

linguagem religiosa pode tanto revelar como esconder; ela é tudo que dispomos para falar de

Deus e da experiência religiosa”. No parágrafo 40, do Catecismo da Igreja, encontramos a

afirmação:

Como nosso conhecimento de Deus é limitado, também é limitada nossa

linguagem sobre ele. Só podemos falar de Deus tomando as criaturas como

nosso ponto de partida, e segundo nosso modo humano limitado de conhecer

e pensar.138

Nas obras de Murilo Mendes a linguagem religiosa cristã é sempre recorrente.

Percebe-se, em grande parte dos seus poemas, a inspiração no Verbo de Deus Encarnado, de

quem apreende a Poesia Máxima.139

Não é de se estranhar que as poesias do período de 1930-

1950 buscavam expressar, de forma mais densa, a verdade humana ou social de cada artista,

fato que levou alguns poetas modernos a entenderam a arte de fazer versos como uma

atividade de caráter religioso, conferindo à poesia a temática religiosa, especificamente a do

pensamento cristão-católico.

É célebre a afirmação de Manuel Bandeira ao apreciar as poesias do autor de “As

Metamorfoses”: “Murilo Mendes é um dos quatro ou cinco bichos-de-seda da nossa poesia,

isto é, os que tiram tudo de si mesmos.”140

A aproximação de Murilo com o Cristo

companheiro e o Cristo da Escritura deixa entrever em seus poemas o interesse em aprender

do Cristo o Caminho e a Vida. Para Murilo, “O espírito de Emaús é o espírito de

companheirismo com o Cristo” (dE 746), e “Ser amigo é repartir a vida” (dE 746). Desta

forma, em seus poemas, ele expõe o que experimentou ao aprofundar no conhecimento da

Escritura: “A vida da Escritura consiste Nele (na pessoa de Cristo), desde a primeira palavra

do Genesis até a última do Apocalipse”. (dE 232)

“Tirar tudo de si mesmo” faz alusão ao Cristo Crucificado na experiência de

esvaziamento para servir mais a Deus. Murilo é um poeta que, na busca da Verdade, de poeta

essencialista para católico convertido e fervoroso, se encontrará criando uma nova linguagem

religiosa – a poesia com profundos traços antropológicos e religiosos. Ele fala a partir da sua

experiência e da sua visão de mundo para o homem moderno, e muitos se identificarão com

138

Cat., 40. 139

SILVA, Francis Paulina In: MORI, Geraldo De., SANTOS, Luciano., & CALDAS, Carlos.(orgs.). Aragem do

Sagrado. Deus na Literatura brasileira contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 2011. p. 115. 140

BANDEIRA, Manuel. Apresentação da Poesia Brasileira In: Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro:

Editora Nova Aguilar, 1990. pp. 630-631.

Page 56: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

56

esse novo jeito de olhar a pessoa no mundo, porque de certa forma ele fala a partir da pessoa

nas suas mais diversas realidades, conforme afirma Rodrigues141

:

A obra de Murilo Mendes é composta de prosa poética e de versos, sendo,

pois, uma obra literária. E literatura é uma prática através da qual o homem,

como indivíduo, realiza sua necessidade de permanência, de imortalidade.

Nela, ele se coloca por inteiro, em toda sua complexidade, ao elaborar o

texto, o tecido, a tecitura que pressupõe os vários fios - sociológicos,

ideológicos, históricos, filosóficos, estruturais, religiosos - que constituem a

unidade Homem.

Ao destacar alguns aspectos da vida e das obras de Murilo Mendes percebemos que há

neste autor, poeta, brasileiro, mineiro, católico, ou como ele mesmo afirmou em

“Microdefinição do autor”: “dentro de mim discutem um mineiro, um grego, um hebreu, um

indiano, um cristão péssimo, relaxado, um socialista amador”, uma preocupação com a pessoa

e sua relação com o mundo. Essa relação interessa à presente pesquisa, que busca perceber na

poesia de Murilo Mendes a mística cristã a partir da Antropologia.142

O tempo de convivência de Murilo com a mística católica culminou na morte de

Ismael Nery, e na conversão de Murilo a um catolicismo entusiasta e messiânico143

, disposto a

“restaurar todas as coisas em Cristo”, como o próprio Murilo se propunha em “Tempo e

Eternidade”. A religiosidade na obra do poeta divide espaço com uma temática cósmica,

social e mística. A figura do poeta como testemunha de Deus ecoa no poema. Murilo se

reconhece como da “raça do Eterno”:144

Eu sou da raça do eterno

Do amor que unirá todos os homens:

Vinde a mim órfãos de poesia,

Choremos sobre o mundo mutilado.

(Filiação)

141

RODRIGUES, Marisa T.P. & BARBOSA, Leila M.F. Revista Magis Cadernos de Fé e Cultura, nº 04, 1995,

PUC/RIO. In: O Discurso Religioso na Obra de Murilo Mendes. Disponível em: http://www.clfc.puc-

rio.br/pdf/fc48.pdf. Acesso em: 14.03.2013. 142

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: reflexão teológica contida a partir dos romances de Jorge

Amado. p. 93. 143

SILVA, Francis Paulina In: MORI, Geraldo De., SANTOS, Luciano., & CALDAS, Carlos.(orgs.). Aragem do

Sagrado. Deus na Literatura brasileira contemporânea. p. 115. 144

SILVA, Rosana Rodrigues da. Tempo e Eternidade: a poesia religiosa de Jorge de Lima e de Murilo Mendes.

In: Revista de Estudos Literários Terra roxa e outras terras. Vol. 3.2003. p. 120. Disponível em:

http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/g_pdf/vol3/vol3_te.pdf. Acesso em: 15.04.2013.

Page 57: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

57

Aparentemente hermético Murilo Mendes é um dos nossos poetas que viveram em

comunhão mais estreita com o mundo, com as variações sociais, políticas e morais do tempo.

Esta era uma das características de seu trabalho desde “Poesia Liberdade” (1943-1945),

publicada em 1947. Nesse livro, Murilo Mendes apresenta duas séries de poemas enfeixados,

que testemunham e refletem o que houve de mais terrível nesses dois anos: a guerra e as

decepções provenientes dos efeitos da própria guerra e da paz ainda longínqua. Murilo sabe

que a função do poeta é a de ser aquele ouvido resistente que poderá perceber “o choque do

tempo contra o altar da eternidade”145

.

Bosi afirma que “Murilo perfura a crosta das instituições e dos costumes culturais”146

para irromper a linguagem religiosa que de tal modo se configura como sua linguagem

poética. “A poesia pode favorecer a mística e ajudar na comunicação espiritual, que não se

transmite através de conceitos”147

comenta Manzatto, e, neste caso, Murilo Mendes expressa

sua mística religiosa numa linguagem mística, que é também poética. À afirmação de Bosi de

que “a linguagem religiosa faz a ligação do homem com sua totalidade”,148

complementamos

afirmando que religião, mística e poesia contribuem para que a pessoa enxergue o humano na

sua totalidade. Quando esses elementos se separam, deixam de prestar um serviço ao

individuo e à coletividade. Muito mais que isso, nem a religião, nem a mística e nem a poesia

existem para afastar a pessoa do real; quando a afastam, existem problemas. Para Murilo,

deixar de promover a profunda relação entre mistério e vida partindo do cotidiano, das crises

e dos questionamentos é romper com a possibilidade de uma dimensão nova de abertura das

pessoas entre si, com o mundo e com Deus.

2. - Em Murilo Mendes, vida e poesia caminham juntas

“Se não nos elevamos, o peso do mundo nos esmagará.”

A poesia de Murilo Mendes, com características do cristianismo, mantém-se de mãos

dadas com a realidade. Em 1945 torna-se visível a aproximação do poeta com a passagem

145

MENDES, Murilo. Poesia Liberdade. Rio de Janeiro: Agir, 1947. 146

BOSI, Alfredo. História Concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 447. 147

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: reflexão teologia contida a partir dos romances de Jorge

Amado. p. 77. 148

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. p. 447.

Page 58: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

58

neotestamentária do evangelho de Lucas. Murilo Mendes escreve o poema “Emaús” e a obra

“O discípulo de Emaús”, deixando transparecer que faz experiência semelhante à relatada no

texto bíblico em que aquele forasteiro, que vai abrindo os ouvidos e depois os olhos, se toma

como o discípulo de Emaús.149

Para Yunes: “O discípulo vai resgatar o ‘espírito de Emaús’

para poder pensar o mundo moderno, as relações entre arte, poesia, pintura, música, dança,

arquitetura e a fé, a Igreja católica, a vida material e a eterna, principalmente”.

Escrita em prosa, a obra O discípulo de Emaús, através de suas comparações, indica

mais semelhanças que diferenças entre o religioso cristão e o poético. Murilo Mendes

demonstra que o caminho proposto pelo Cristo é o que há de melhor a ser anunciado e a ser

seguido. Para ele, “o espírito de Emaús é o espírito de companheiro com o Cristo” (dE 234):

O espírito de Emaús é o contrário do espírito de gabinete e de laboratório: é o

espírito antitécnico, de desprendimento, de improvisação e de fraternidade no essencial.A

vida poética pela contemplação das obras divinas, pelo aprofundamento das Escrituras, o

companheirismo a céu aberto, o pão eterno, uma posta de peixe e um favo de mel. É o

complemento e a plenitude do espírito do Sermão da Montanha, o mais alto e perfeito

exemplo de vida poética jamais proposto aos homens.

Benício comenta que “o espírito de Emaús, contrário a todo academicismo, foi o que

inspirou Murilo Mendes a escrever O discípulo de Emaús” 150

. Fomentando em seu artigo um

diálogo entre Jesus Cristo e Murilo Mendes, apresenta-nos o poeta como “essencialmente

cristocêntrico, declarando-se eternamente seduzido pela humanidade do Filho de Deus”, ou

seja, assumindo uma vida poética compatível com a teologia.

Murilo encontra sentido no entrelaçamento das relações dos diversos “mundos” e,

principalmente, no que se refere à religião. Esta não deve ser estanque, mas relacional, a fim

de contribuir excepcionalmente com o desenvolvimento da pessoa, do contrário: “Os que

persistem em considerar a religião, a arte e a ciência como compartimentos estanques pouco

avançarão no conhecimento do universo”.(dE 562)

149

YUNES, Eliana. (org.). Murilo, Cecília e Drummond. 100 anos com Deus na poesia brasileira. p. 101. 150

BENÍCIO, Paulo José. Cristo e o discípulo de Emaús. In: Fides Reformata6/1.2001. Disponível em:

http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_VI__2001_/Benicio.pdf. Acesso em:

01.04.2013.

Page 59: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

59

2.1 – Questões de fé na Arte

Nas poesias de Murilo Mendes, especialmente a partir da sua conversão ao

catolicismo, verificamos muitos relatos de uma vivência religiosa, ou ao menos de um

interesse por questões da fé, porém, como afirma Junior: “Os modos murilianos de

representação do sagrado não se fazem convencionais, uma vez que divergem daquilo que

está colocado pelo discurso religioso tradicional”.151

Junior acrescenta: “nota-se que o poeta não quer formular respostas religiosas”152

, fato

que identificamos em suas poesias, porém, ao resgatar aspectos contemporâneos, o poeta

ressalta alguns elementos fundamentais para a Teologia:

o cristianismo,

a Igreja,

o Reino de Deus,

o mundo moderno,

a aceitação da cruz de Jesus,

a criação,

Filiação – Deus-Pai,

A relação humano e sagrado,

Palavra de Deus,

A teologia

Percebe-se que há um esforço entre irromper através das palavras a busca da

humanidade para encontrar a mensagem do evangelho que, segundo ele, “antes de ser escrito

foi encarnado, vivido, sentido, anunciado, crucificado e ressuscitado” (dE 547) mas que

continua indecifrável. A resposta para a pergunta fundamental que tantos ainda hoje fazem:

“Onde encontrar o Cristo?” (dE 745), para o poeta, “está no Cristianismo, que ultrapassou

qualquer doutrina, para ser o caminho, a verdade e a vida”. (dE 201) Para ele, a modernidade

é tida como uma perda de referencial do sagrado, e, portanto, uma perda da ação do bem. Para

151

JUNIOR, Edson Munck. A heterodoxia muriliana na dança com o sagrado. Anais da III Jornada Interna do

PPG Letras: Estudos Literários da UFJF, realizada na Universidade Federal de Juiz de Fora de 05 a 09 de

novembro de 2012. Disponível em: http://www.ufjf.br/darandina/files/2013/04/do.pdf. Acesso em: 17.07.2013. 152

JUNIOR, Edson Munck. A heterodoxia muriliana na dança com o sagrado.

Page 60: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

60

Murilo, “o mundo moderno perdeu a crença no Espírito Santo e no mal. Por isso a ação do

primeiro sofre constrangimento, e o segundo pode operar à vontade”. (dE 205)

Merquior153

salienta que a ética da caridade, que permeia toda a poesia de Murilo

Mendes e que está presente na mensagem do cristianismo, é tão atual hoje como foi nos

tempos de Jesus. Trata-se de uma ética que vê os indivíduos como dependentes uns dos outros

e, sendo assim, impossibilita pensar nos “outros” como estranhos. O crítico salienta que nossa

sociedade “planetária” não admite (ou não deveria admitir) qualquer visão que rejeite o outro.

Como dependentes uns dos outros, somos impelidos a tratar o outro como semelhante.

A temática do reino de Deus presente na obra de Murilo demonstra que a experiência

pessoal é condição para um alcance coletivo: “se o reino de Deus não estiver em cada um de

nós, não poderá estar na coletividade”. (dE 287). Como um cristão convertido não se exime

de expor abertamente através de sua poesia a missão do Cristo, para ele, “O Cristo veio

anunciar a caridade e a justiça individual, social e cósmica”. (dE 238)

No artigo intitulado O Discurso religioso na obra de Murilo Mendes154

, Marisa

Rodrigues e Leila Barboza afirmam que a religião, para o menino Murilo, não era quase

nunca carregada de repressão ou terror, mas doutrina forte e plena de ensinamentos

proveitosos para sua vida. É na obra “A idade do serrote” que Murilo expressa sua relação

com o culto: “Não topo o culto de São Luís de Gonzaga, modelo suave demais proposto aos

alunos; de resto, o padre Julio Maria já me imunizara contra e pieguice e o

sentimentalismo”.(is 53 )

Interessante acrescentar o que Manzatto expõe: “Podemos identificar aqui um real

campo de interesse da literatura para a teologia, até porque as referências fundamentais da fé

cristã estão afirmadas através de um procedimento eminentemente literário”.155

Também para

os poetas e místicos, a palavra é o singular instrumento, afirma Teixeira156

, e apresentam-se

indícios muito fortes nos poemas de Murilo Mendes de que a sua linguagem poética quer

153

MERQUIOR, José Guilherme. Notas para uma muriloscopia. In: Murilo Mendes poesia completa e prosa.

Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995. 154

RODRIGUES, Marisa T.P. & BARBOSA, Leila M.F. Revista Magis Cadernos de Fé e Cultura, nº 04, 1995,

PUC/RIO. In: O Discurso Religioso na Obra de Murilo Mendes. Disponível em: http://www.clfc.puc-

rio.br/pdf/fc04.pdf. Acesso em: 10.04.2013. 155

VILHENA, Maria Ângela & MARIANI, Ceci Baptista. Teologia e Arte. Expressões de transcendência,

caminhos de renovação. São Paulo: Paulinas, 2011. p. 90. 156

TEIXEIRA, Faustino. O mistério e a Palavra, In Poesia Sempre. N. 31. p. 9.

Page 61: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

61

comunicar uma realidade que ele mesmo experimentou: ele “deixou-se conduzir para as

coisas do alto”157

, acenando para uma visão de mundo além do que ele viveu na carne. Murilo

“viveu na carne” essa experiência tumultuada quando entendeu que Deus quer muito mais que

uma religião sentimentalista: Deus quer atitudes e chama cada pessoa a experimentar a alegria

e a vida que Ele oferece.

2.2 – Mística em comunhão com a Vida

A poesia de Murilo Mendes ainda na juventude retrata a inquietude que conclama

mentes e corações para reconhecer a vívida presença de Deus entre os homens, um sentimento

tão intenso que o poeta se sente comovido e busca na poesia a forma de expressar de maneira

absolutamente nova esse mistério.

Murilo Mendes, ao escrever "A idade do serrote", seu livro de

memórias, vai resgatar a sacralidade na medida em que busca a

restauração de forças exauridas, recupera a pureza de sua infância e

adolescência, utiliza o lúdico e tudo aquilo que se reveste de

felicidade. O sagrado é uma categoria da sensibilidade sobre a qual

repousa a atitude religiosa.158

A experiência mística cristã não é desligada da história e convoca a pessoa a assumir

um compromisso de solidariedade para com os pobres, assim como o próprio Jesus. Implica

no compromisso de transformação social, e a partir desta prática podemos afirmar que o

místico é por natureza um inquieto, um angustiado profético, subversivo diante de qualquer

compromisso que esvazie a totalidade da vida.

Em sua obra “A idade do serrote”, Murilo Mendes apresenta-nos a pessoa como “ator

teológico”, ou seja, aquele que faz da compreensão da fé não apenas uma obrigação, mas uma

busca incessante do Deus que se revela a cada um. A linguagem mística brota de uma

experiência particular, mesmo assim Murilo, em suas poesias, busca comunicar a experiência

contida na alma. Nesta obra “A idade do serrote”, faz o resgate da sua trajetória poética. Na

autobiografia muriliana, destaca: as lembranças da meninice; a saudade da mãe; a afeição pela

157

CRUZ, São João da. Poema “Noite escura” In TEIXEIRA, Faustino. O mistério e a Palavra. In Poesia

Sempre. N. 31. p .9 158

YUNES, Eliana. Dimensões da fé na Poesia Modernista Brasileira. In: Teoliterária. v1 n. 1, 2011. Disponível

em: www.teoliteraria.com.br. Acesso em: 15.05.2013.

Page 62: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

62

segunda esposa de seu pai; a ternura da família; os costumes da terra mineira; a religiosidade,

que lhe foi comunicada na mais remota idade; a passagem do cometa Halley, que marca

profundamente a alma do menino, como momento epifânico da poesia; a adolescência

rebelde.

A grande parte dos capítulos desta obra recebe como título o nome de pessoas com as

quais Murilo Mendes teve algum tipo de relação e que, de alguma forma, contribuíram para

seu percurso existencial, semelhança possível com os livros bíblicos sagrados intitulados com

nomes próprios de pessoas que marcaram a vida do povo da Bíblia e se comprometeram com

o projeto de Deus.

Importante relação se observa porque, ao falar do outro, o autobiógrafo fala de si

mesmo, ou seja, o outro é um espelho: desvelando o outro, desvela-se a si mesmo. Outro

aspecto diz respeito à importância do outro no percurso poético de Murilo Mendes. Não resta

dúvida de que o amadurecimento do sujeito se dá no contato com o outro; esse processo fica

evidente na organização do relato. A aproximação entre o que nos sugere a obra muriliana e

os objetivos da Teologia nos remete à Revelação. Deus, ao se revelar ao humano, mostra um

caminho de vida. O contato com os textos bíblicos leva o leitor a compreender algo maior que

ele mesmo, ou seja, conhecendo a Deus, ele conhecerá a si mesmo.

No poema Dudu, o poeta faz uma aproximação com a parábola do Bom Samaritano

em Lc 10,25-37. Ao sair para passear, o pai encontra um mendigo ameaçado por três

meninões. O pai de Dudu, o senhor Onofre, liberta e adverte os agressores: “Tratem de

respeitar o próximo, estão ouvindo? Este homem, como vocês, como qualquer outro, foi

criado à imagem e semelhança de Deus”.(is 34)

A preocupação do autor visa à transformação do ser humano. Do ponto de vista

antropológico, a poesia de Murilo Mendes apresenta a denúncia de uma sociedade que trata o

ser humano com profundo descaso:

O destino e a sociedade reduziram Dudu ao estado vegeto animal. Não chega a ser um corpo,

não chega a ser uma fisionomia; é um resto de pessoa, um resto de roupa, um resto de nome. Saberá

ler? Não, a fome é sempre analfabeta.(is 34)

Page 63: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

63

Dudu como personagem, pode ser relacionada com a figura de tantos homens e

mulheres a quem o destino lhes reservou uma vida ingrata. Murilo chama a atenção em sua

poesia que a vida das pessoas não poderia jamais estar reduzida ao estado vegeto animal e

reflete sobre o mundo em caos, onde seres iguais, semelhantes a Deus, recebem tão diferentes

destinos. Para o poeta, independentemente da nacionalidade, os pobres, os loucos e os

desvalidos ocupam uma posição marginal.

O poeta presenciou a morte de muitas pessoas queridas, e essas perdas o levaram a

refletir sobre o sentido da vida e da morte. No poema Claudia, ele conta: “Era a terceira

maravilhosa morta em minha vida; depois de minha mãe e de Prima Julieta”.(is 66).

Acrescenta Murilo:

A morte de uma pessoa amada não só nos confronta com o absoluto, como nos

fornece uma experiência antecipada da nossa própria morte. O choque então recebido

provém de que passamos da comunidade com a vida à comunidade com a morte. (dE 608).

Murilo utilizou-se de nomes de pessoas para compor “A idade do serrote”, e uma das

exceções nesta obra é o titulo A Lagartixa. O poeta questionou-se diante da lagartixa: “Que

brinquedo propor à lagartixa? A lagartixa não tem mãos como as nossas. Além disto, trata-se

de uma anarco-individualista: nunca vi lagartixas em bando; magnificamente só”. (is 109) Ao

falar da lagartixa relembra sua infância, assim como muitos de seus poemas. Ao mesmo

tempo nos faz pensar no individualismo de pessoas-lagartixas que se encostam a pedras ou

caminham isoladas.

Ao relatar como vê a experiência do mistério divino no humano, Murilo Mendes

expressa um sentimento de intimidade e de encanto em relação a Deus, e contagia o leitor

com a alegria dessa descoberta. Mais que isso, com sua obra, descortina um panorama para se

pensar a Revelação a partir do humano, e este movimento impulsiona quem o lê a também

buscar redescobrir o significado de ‘ser humano’ no mundo. A Escritura Sagrada afirma que é

no humano que Deus se revela, por este motivo compreendê-lo bem é exigência para se

compreender a Revelação.159

Para a obra muriliana, falar da criação e da presença de Deus é

159

“A própria revelação cristã, que nos fala de Jesus Cristo como o Filho de Deus encarnado e de nosso encontro

com Ele na fé, pressupõe um conhecimento e uma experiência do que significa ser humano como sujeito livre e

Page 64: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

64

revelar um Deus livre, criativo, presente e apaixonado pelo ser humano, e que, através deste

humano, se revela. Este aspecto permite-nos afirmar que “o humano expresso pela literatura

poderá ser, então, o revelador de Deus, e a teologia que daí decorre se constituirá em relação

com o literário”.160

3 – A religiosidade na arte de Murilo Mendes

De resto penso que fomos feitos para pesquisar o que existe de humano em

Deus e de divino no homem.(is 65)

Como vimos, a poesia de Murilo Mendes é a expressão da experiência interior do

sujeito. É uma força que vem de dentro, revelando sentimentos e uma mistura de impulso

humano com o que ele, Murilo, herdou da educação religiosa. A relação humana confunde-se

com o mistério divino. Para o poeta, a religião promove a ligação entre o homem e Deus,

entre a vida humana e a vida eterna.

Educam-me na religião católica, aos seis anos meu pai e o catequista transmitem-me uma

informação fundamental, todos os homens são filhos do Pai celeste, iguais diante dÊle, irmãos,

remidos pelo sangue do Cristo,sem diferença de raça, credo, classe ou ideologia, mais tarde leio

bibliotecas sobre religião cristã e outras, nenhuma doutrina me pareceu tão atual como aquela;(...)

(is 52)

Do pai, Murilo recebe desde criança diversas lições. É orientado, por exemplo, para o

respeito à opinião de pessoas de outras crenças, sem exceção, seja “um ateu, um positivista,

um maçom, um espírita”. A prática de “assistir diariamente à missa sem entender o rito”(is

52) fazia com que o menino ficasse pensando em outras coisas – ironiza ele: “até hoje! depois

de instruído em liturgia” costumava dizer. Ficava observando as decorações da capela,

“figuras inspiradas no profeta Ezequiel, quatro rostos juntos, quatro asas, rodas, animais,

línguas de fogo, triângulos, há também peixes(...)” A luta contra a dispersão dos pensamentos

tinha lá suas razões e ele conferia análises aos detalhes que considerava ‘perturbadores’:

o anjo da guarda é nosso cúmplice ou dorme muito: aos domingos suporto melhor a

obrigação do rito(...) celebro então a glória de Deus(...) detesto a música dita religiosa,

responsável por si mesmo”. LADARIA, Luis. F. Introdução à antropologia teológica. São Paulo: Edições

Loyola, 1998. p. 12. 160

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: reflexão teológica contida a partir dos romances de Jorge

Amado. p. 41.

Page 65: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

65

antigregoriana, em particular o cântico delambido “com minha mãe estarei”; aprovo o incenso que

entretanto às vezes me enjoa; admiro as roupas litúrgicas(...)(is 53)

Murilo Mendes repugnara a ideia de uma religião sentimentalista, vazia e desligada da

realidade. Os padres citados em “A idade do serrote” deixam rastros importantes no

aprendizado de Murilo Mendes, motivo pelo qual ele os cita em suas recordações. O primeiro,

O padre Matias, redentorista alemão de alta estatura, arregaça a batina para vir à casa do

meu pai na rua alagada. Afirma Teixeira que Padre Matias “ligado ao arco-íris de após o

temporal, seria o mediador entre o céu e a terra”.161

Outro é Padre Alberto, que surge no relato da morte de uma pessoa muito querida da

família, Sebastiana. No poema que leva o nome da mulher, Murilo relembra que “Sebastiana

morre cercada pela nossa família, seu corpo vira um jardim(...)”. Padre Coelho é citado como

aquele que é desafiado por “Amanajós, bêbado, grandão, sinistro,(...) Tem muitos apelidos:

lobisomem, bode, cachorrão, flagelo de Deus; já que usa voz atenoarada, alguns também

chamam-no o tenor da cachaça”. (is 26)

No poema “Julio Maria”, Murilo deixa-nos uma fugaz impressão de que o poeta tenta

justificar tal relevância desta figura religiosa e pública na sua iniciação ao religioso: “O Padre

Julio é um dos personagens mais presentes à memória reconstituída da minha infância e

adolescência”:

O padre Julio Maria servira-me o vinho forte, desmamando-me para sempre da elite de uma

religião afeminada e frouxa. Comecei aos poucos a compreender que a fé não nos traz o descanso,

mas sim uma inquietude que somente cessará no último dia. Ou quem sabe nos sobreviverá? (is 45)

Murilo Mendes retoma a lembrança da religião em que foi educado desde criança e

confessa que “repugna a ideia de Deus como uma espécie de cabide onde pendurar nossos

problemas”. (is 53) Interessante notar a visão de Deus e de religião que o autor apresenta: um

cristianismo incapaz de responder aos problemas humanos. O poema “Julio Maria” parece ser

uma forte denúncia do que lhe representava a religião católica:

(...) o padre Julio Maria saboreava o café despedindo raios contra certos colegas acusados de

deformar a religião, contra o beatério, os políticos, o governo. Abominando as figurações correntes

do Cristo meigo Nazareno e da virgem moça pálida de olheiras vestida sempre de azul ou cor de rosa,

161

TEIXEIRA, Elisângela Rodrigues. O poeta Murilo Mendes na revelação autobiográfica de A idade do

serrote. Tese para Mestrado em Letras na Fundação Universidade Federal do Rio Grande. Agosto/2005.

Disponível em: http://www.ppgletras.furg.br/disserta/elizangelateixeira.pdf. Acesso em: 13.01.2013.

Page 66: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

66

o padre desenhava de maneira forte a fisionomia dessas pessoas sagradas, com as citações do Novo

testamento; além dos Evangelhos, apoiava-se nas epístolas de São Paulo e no Apocalipse. Condenava

certos teólogos que a partir da Reforma alteraram a versão do Cristo e da Virgem como a Escritura

nos propõe. (is 43)

De fato, em relação à Virgem Maria, que, segundo Murilo, ela “é o maior teólogo” (dE

395)162

, a Encíclica Marialis Cultus do Papa Paulo VI nº 37 reconhece que “ Maria é uma

mulher forte, que conheceu de perto a pobreza e o sofrimento, a fuga e o exílio”. A Encíclica

ainda convoca a “mulher contemporânea desejosa de participar com poder de decisão nas

opções da comunidade” a observar o exemplo de Maria de Nazaré que:

Apesar de absolutamente abandonada à vontade do Senhor, longe de ser uma

mulher passivamente submissa ou de uma religiosidade alienante, foi, sim,

uma mulher que não duvidou em afirmar que Deus é vingador dos humildes

e dos oprimidos e derruba dos seus tronos os poderosos do mundo.163

A relação com Deus e com o sagrado, em Murilo Mendes, vai se desenvolvendo por

meio de pessoas inseridas no catolicismo e outras não. Os diversos ensinamentos que recebera

da própria família, por meio de exemplos do pai, da mãe e de pessoas que se preocupavam

com o próximo, muda a espiritualidade do menino para uma espiritualidade encarnada. E seu

compromisso com a religião torna-se bem cedo muito mais do “simplesmente” ir à missa. Ele

relembra Padre Julio repudiando a atitude de beatas que permaneciam na Igreja mesmo após o

término da missa:

Chega de reza, vão para casa trabalhar, vão tratar de seus maridos, de seus filhos, de quem

precisar de assistência: esta é a melhor maneira de servir a Deus. Rezar quer dizer ajudar o próximo.

(is 44)

A força mística contagiante relatada por Murilo demonstra uma espiritualidade

desinstaladora que também para ele irrompeu como uma novidade: “O sermão abriu um

caminho de fogo no meu espírito: comecei a perceber a grandeza, a virilidade de uma religião

que suscita ao longo da história as questões mais altas e dramáticas”. (is 45)

Padre Julio pregava o juízo final e a Segunda vinda de Cristo e foi, para Murilo, o

inaugurador do elenco de homens que o fariam enxergar a substância do catolicismo vivo:

162

MENDES, Murilo. A idade do serrote. A expressão literal do poeta é: “A Virgem Maria é o maior teólogo”. 163

MC, 37.

Page 67: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

67

alguns padres professores da Academia do Comércio de Juiz de Fora; Ismael Nery; os abades

beneditinos, Dom Tomaz Keller e Dom Martinho Michler; o padre Paulo Lecourieux, vigário da

Igreja de São Paulo Apóstolo em Ipanema; além de alguns outros. (...) Mas o padre Julio Maria, a

quem pude conhecer de perto num momento decisivo para a formação do meu espírito, (...) foi o

primeiro portador do fogo, o destruidor da imagem convencional do suave Nazareno e da lânguida

Madona, o anunciador do catolicismo como força violenta destinada a subverter a nossa

tranquilidade e as próprias bases do mundo físico; o speaker164

do Apocalipse. (is 46)

Murilo comenta que só depois de adulto aprendeu, informado por dois teólogos

beneditinos, que “a confissão se define como um ato litúrgico de reconhecimento da

divindade de Jesus Cristo”. (is 100). Achava justo participar da confissão, mas, segundo ele,

“o confessionário era escuro que nem ventre de baleia, e não dispunha da técnica de Jonas a

se mover ali”, e segue descrevendo as diversas dificuldades para cumprir o sacramento da

confissão.

Ozana afirma que “o pensamento de São Paulo influenciou sobremaneira a concepção

religiosa muriliana, principalmente no que concerne à solidariedade, à insubmissão à lei e à

admiração pela figura messiânica de Cristo”.165

O respeito, a caridade e o amor ao próximo

foram elementos importantes ensinados pelo próprio pai, o que fez com que ele pudesse

projetar no presente, para o passado e para o futuro, a valorização da pessoa a partir da

imagem do Cristo. Sacramento supõe que “a noção de caridade, em Murilo Mendes, atende

àquele seu desejo de transformação social profunda, porque ela deve fazer com que o homem

ultrapasse aquilo que o escraviza ou o leva a oprimir o outro em direção à liberdade e à

solidariedade de onde nasce uma sociedade justa e humana”.

Para Murilo Mendes, dialogar com Deus é dialogar com o tempo presente. Por isso,

seu Deus não exige que se recorra à memória de um passado, mas permite que o homem se

abra para o horizonte totalizante do presente, que se apresenta como tempo eterno e mesclado,

pois conjuga em seu interior o passado, o presente e o futuro, o início e o fim. O Deus clássico

da revelação cristã se apresenta como um Deus excessivamente histórico e pessoal. É o Deus

de um povo, particular, revelado aos hebreus, aos cristãos, projetado, portanto, no tempo

passado de um povo. A divindade em Murilo Mendes rompe com a imagem do classicismo

164

Speaker: locutor, narrador, orador, falador, aquele que fala. Disponível em:

http://www.dicionariodoaurelio.com/Speaker.html. Acesso em: 01.06.2013. 165

SACRAMENTO, Ozana Aparecida. A memória solidária: Uma leitura de A idade do Serrote de Murilo

Mendes. Em TESE. Belo Horizonte V.4, p.1-96, dez/2000. Disponível em:

http://www.letras.ufmg.br/poslit/08_publicacoes_pgs/Em%20Tese%2004/Ozana%20Aparecida%20do%20Sacra

mento.pdf. Acesso: em 23.06.2013.

Page 68: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

68

cristão, com a figura de Deus criada pela escolástica ocidental, ao mostrar um Ser que se

entrega à experiência, mesmo que seja no mundo do sonho.

Os temas ligados à fé percorrem toda a obra do poeta mineiro e facilmente percebemos

as marcas em sua poesia da relação com o sagrado. Publicado na coletânea Poemas (1925-

1929), o poema “Vidas Opostas de Cristo e de um homem” transcende a relação horizontal

com Cristo e propõe um diálogo a partir de uma realidade, em que o homem das palavras,

enquanto poeta, é capaz de dialogar com o “Senhor do Mundo” como verificamos no poema:

Senhor do mundo,

Cada vez que ressuscitas um homem, me destruo a mim mesmo.

Enquanto o demônio te tenta no deserto

Eu sonho com os corpos que a terra criou.

Enquanto passas fome e sede quarenta dias

Os meus sentidos se desalteram.

Cada vez que cais ao peso da cruz

Eu caio com uma mulher de última classe

Enquanto te multiplicas na humanidade

Não saio dos limites de minha pessoa

Depois da morte voltas pra absolver o justo e o pecador,

Eu antes da morte já condenei o pecador, o justo e eu mesmo.

Senhor do mundo,

Me tira de mim pra que eu possa olhar os outros e eu mesmo.

(Poemas 1925-1929)

O poeta parece abrir um diálogo ao utilizar a expressão “Senhor do mundo”, ao

mesmo tempo em que permite que seu poema seja lido como a sugestão de uma pretensa

prece. Outra percepção que o poeta deixa transparecer é o contraste entre o sentimento e as

ações humanas, ao compará-las ao Deus-homem Jesus Cristo. O uso das expressões “cada

vez”, “Enquanto” e “Depois” aponta para um paralelismo entre homem e Cristo. O tempo,

portanto, promove a comparação entre o finito e o infinito, entre o limitado e o ilimitado,

entre o chronos e o kairós.

Page 69: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

69

As referências aos textos bíblicos permeiam mais este poema muriliano. A

ressurreição de Lázaro é evocada mediante o verso “cada vez que ressuscitas um homem”; a

tentação de Cristo no deserto se ‘presentifica’ em “Enquanto o demônio te tenta no deserto e

Enquanto passas fome e sede de quarenta dias”. Os versos “Cada vez que cais ao peso cruz”,

“Enquanto te multiplicas na humanidade” e “Depois da morte voltas pra absolver o justo e o

pecador”, por sua vez, fazem ecoar, respectivamente, as passagens da via crucis, mediante o

testemunho dos discípulos, e a volta de Cristo, parousia, no final dos séculos.

Em meio às marcas de textualidade bíblica, o poeta se deixa levar pela coloquialidade

de sua dicção modernista e, quem sabe, por sua espiritualidade subversiva, construindo uma

confissão de sua humanidade sem o uso dos chavões e/ou repetições que permeiam o discurso

religioso. Reinventando ou reforçando o vigor da fala com o Senhor com a divindade, o poeta

solta o verbo: “me destruo a mim mesmo”; “eu sonho com os corpos que a terra criou”; “os

meus sentidos se desalteram”; “eu caio com uma mulher de última classe”; “não saio dos

limites de minha pessoa”, “eu antes da morte já condenei o pecador, o justo e eu mesmo”.

Esse embate entre o profano e o sagrado, que é intensificado mediante a confissão das marcas

tipicamente humanas, é, justamente, o traço que gera a concepção religiosa de mundo no texto

do poeta. Concluindo sua oração de confissão, o poeta dirige uma petição paradoxal a Deus:

“Senhor do mundo, / me tira de mim pra que eu possa olhar os outros e eu mesmo”.

Conclusão

A partir do apresentado neste Capítulo acerca da linguagem religiosa na poesia de

Murilo Mendes, torna-se perceptível a preocupação do poeta em deixar claro que teve uma

educação religiosa católica e que foi por meio dela que suas descobertas da religião e da

profissão encontraram sentido para o seu desenvolvimento como um ser humano questionador

diante do ritualismo católico, porém disposto a compreender a mística e assim mergulhar no

mistério de Deus. Neste sentido, sua contribuição como poeta ultrapassa a singular

importância de cunho literário, um fato, por si só, de relevância significativa. O poeta, assim

como os místicos tomados de admiração e amor pelas coisas sagradas, traduz em palavras um

amor radical pelos pequenos e grandes sinais do cotidiano e tudo o que nele existe. E ao

mergulhar na profundidade da presença de Deus em todas as coisas passa a partilhar, por meio

Page 70: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

70

da sua criação literária, aquilo que guardava em seu interior, para que outros descubram e se

identifiquem com a beleza de um Deus acolhedor e amoroso.

A concepção muriliana de Deus vai além de uma fé baseada em ritos ou milagres e

missas dominicais. Para o poeta, a religião o levaria a colocar em prática a ajuda ao próximo e

o cuidado com as pessoas mais humildes e a preocupar-se com a comida para todos. A

educação religiosa que Murilo Mendes recebeu contribuiu para que vivesse uma experiência

de Deus a partir da pessoa e do cotidiano, e isso fez com que tivesse uma relação com Deus

bem diferente daquela de grande parte dos católicos da época, que enxergavam apenas os

rituais e viviam a religião de aparências, sem a preocupação de uma profunda conversão,

mudança de vida, do ponto de vista social, político e cultural.

E essa descoberta de uma maneira diferente de enxergar o divino se deu para Murilo

no início do século XX, quando o mundo se via diante de descobertas na economia, na

indústria, na cultura e na ciência. A passagem do cometa Halley foi um aspecto fundamental

na mudança de visão de mundo e de Deus para Murilo Mendes que, com sua sensibilidade

singular, consegue ir decifrando em seus poemas a necessidade de a pessoa se identificar com

uma fé, no seu caso o cristianismo a partir da religião católica. Na mão inversa do

Modernismo, Murilo usa a poesia como subterfúgio para refirmar Deus, vale-se de uma

linguagem suave para falar de uma realidade profunda. Nosso século busca e não encontra,

insiste e não vê que Deus não está nas práticas do individualismo, do fechamento sem a

disposição do diálogo, e nem mesmo nos diversos significados que o mundo moderno atribuiu

a Ele, tais como a teologia da retribuição irá mencionar. Tão atual, Murilo insiste que não há

como seguir vivendo da mesma maneira e provoca o leitor para romper a mesmice em direção

ao mistério maior que o convoca. Retoma uma práxis baseada no encontro e no encanto das

ações de Jesus, sobretudo da partilha do pão e de toda a sua vida - certo de que, ao assumir a

condição de assemelhar-se ao Cristo, “o que é humano em Cristo será divino no homem”. (dE

117)

A poesia de Murilo Mendes revela que ele foi uma pessoa profundamente convertida

ao seguimento de Jesus, uma pessoa capaz de fazer das suas palavras uma revelação, um

anúncio da Palavra de Jesus, ou melhor, da pessoa de Jesus Cristo. Murilo evoca em sua

poesia aquilo que é o centro da Teologia cristã: a pessoa de Jesus Cristo, Verbo de Deus feito

carne, reconhecido como Filho de Deus e Deus mesmo pela comunidade cristã, desde os

Page 71: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

71

primeiros tempos, comenta Bingemer.166

Esta forma de fazer poesia, além de expressar um

sentimento, traz afirmações de fé no Cristo presente e vivo que caminha com as pessoas e faz

um chamado a transformar sua vida, como Ele mesmo prometera: “Eis que estarei com vocês

todos os dias, até os fins dos tempos”. (Mt 20,20).

Murilo Mendes promove uma verdadeira catequese poética. Para ele, “O Cristo

transforma o mundo, não menos pela sua vida obscura que pela sua vida pública”. (dE 745)

Acredita ser a ação o melhor aprendizado, o testemunho, beber da própria fonte, por isso, “é

necessário tocar de qualquer maneira o Cristo”. (dE 716) Conviver com o Cristo é como ouvir

música, compara o poeta. “Não basta ouvir uma música assim como se ouve um eco distante:

é necessário participar da sua vida própria, fazê-la circular dentro de nós” (dE 704), na busca

do essencial, pois “o supérfluo do místico e do poeta é o essencial de muitos outros homens”.

(dE 702).

Podemos notar que a poesia de Murilo Mendes não é um tratado sobre mística, porém

seus versos e prosas são carregados de uma mística cristã, despojando-se da preocupação de

púlpito e se permitindo dialogar com Jesus a partir de uma sensibilidade que procura verificar

mais semelhanças do que diferenças entre o religioso cristão e poético. Para ele, “o maior

púlpito do mundo é a cruz, de onde Cristo disse as sete palavras essenciais”. (dE 261) Muitos

místicos têm apontado um caminho para se chegar à verdade, mas, para Murilo Mendes,

“Cristo é a verdade, o próprio Caminho, a Verdade e a Vida” (dE 525) A conversão para essa

verdade ele a assume sem medo: na poesia, na prosa, sem temor de afirmar no que crê e

como, através da sua poesia, poderá alcançar um limite inimaginável de anúncio da sua

compreensão do Verbo.

Murilo Mendes aproximou Deus da poesia. O poeta entende que é neste mundo que a

pessoa deve crescer, encantar-se e espalhar a beleza e, por isso, conclama a todos a

reconhecer a grandeza de Deus para não se deixar corromper pelas situações de desânimo,

injustiças e de morte. Entende que precisamos de Deus para ser mais humanos, por isso é

necessário falarmos de Jesus, da Palavra de Deus, vivermos e seguirmos seus ensinamentos.

Diz Murilo: “Se não nos elevamos, o peso do mundo nos esmagará”. (dE 324)

166

YUNES, Eliana. “et alii” (orgs.) Murilo, Cecília e Drummond 100 anos com Deus na poesia brasileira. p. 93.

Page 72: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

72

Murilo declara abertamente no que crê, e em seus poemas deixa as marcas de uma

espiritualidade encarnada, como alguém que busca encontrar na vida a presença da relação

com o sagrado. Enxerga em um irmão necessitado mais próximo o sofrimento de Cristo na

cruz, o que, para a Teologia católica, é união de mística e compaixão.167

O texto bíblico de Lc 24,33-35 relata que Jesus teve muita dificuldade para abrir o

coração dos discípulos a um amor que não buscasse o próprio interesse, mas sim uma nova

forma de agir. Tomemos por exemplo Jesus ressuscitado com os discípulos na partilha do pão

em Emaús: os olhos dos discípulos se abriram, pois estavam cegos sem reconhecer o Cristo

no sinal mais evidente que Jesus deixou na partilha do pão, do amor, da doação, da entrega de

si mesmo.168

Eles precisavam vê-lo com os olhos da compaixão e da fé. Em sua obra “Os

discípulos de Emaús”, Murilo põe Deus para caminhar com a gente e Deus mesmo se revelar

pelas linhas da poesia. Com ousadia, audácia, Murilo revela-se um porta-voz da poesia para

conduzir o leitor a enxergar Deus na sua existência. Ele desnuda o Cristo para o leitor,

expressa de maneira absolutamente nova o mistério e, através dos versos, convida à

contemplação169

, a abrir os olhos e sentir a aproximação e o aconchego de um Deus próximo,

que se põe a caminhar com seu povo: “Os discípulos de Emaús reconheceram o Cristo no

partir do pão, isto é, na Eucaristia, na observação da Lei e da unidade” (dE 233). Reconhecer

Cristo exige do discípulo uma atitude nova de imitar o Mestre nos gestos de partilha e de

compaixão com os que mais sofrem, e a poesia, como já afirmamos, é um convite ao leitor a

desvendar essa dimensão profunda da mística cristã, como fez Murilo:

Onde encontrar o Cristo?

Encontrei-o na Igreja Católica. Encontrei-o no evangelho, na revelação da doutrina integral,

mantida ininterruptamente, através dos séculos, pela sucessão apostólica; na comunicação

sacramental e litúrgica; nos atos e nos escritos dos mártires, santos e doutores, membros gloriosos do

Corpo místico; na solidariedade sobrenatural que circula entre os fiéis, participantes de um só Deus,

uma só fé, um só batismo; na universalidade do espírito fecundo da igreja que extrai o homem da

rotina e o estabelece como centro de relações, imprimindo-lhe, sem cessar, o movimento e a vida; em

alguns sacerdotes exemplares; na fisionomia de certos pobres; em qualquer lugar onde existe alguém

167

BERTELLI, Getúlio Antônio. Mística e Compaixão. A Teologia do seguimento de Jesus em Thomas Merton.

São Paulo: Paulinas, 2008. Este é um livro que presta à teologia e à espiritualidade no Brasil e fora dele uma

contribuição à altura dos desafios de nosso tempo, não como livro de receitas, mas de grande iluminação para a

presença fecunda do cristão no coração do mundo, presença mística e profética. A mística do seguimento de

Jesus leva à compaixão pela humanidade e por todas as criaturas, num dos frutos mais maduros da mística de

Merton, e desdobra-se no empenho em promover a paz, a justiça e o cuidado responsável pela criação/ecologia.

Revista de Cultura Teológica - v. 16 - n. 65 - OUT/DEZ 2008. 168

HERBSTRITH, Waltraud. Demorar-se com Deus. São Paulo: Edições Loyola, 1987. p. 24. 169

VILHENA, Maria Ângela & MARIANI, Ceci Baptista. Teologia e Arte. Expressões de transcendência,

caminhos de renovação. p. 91.

Page 73: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

73

que sofre, que necessita de um copo de água ou de uma palavra de ânimo; enfim, em todos aqueles

que, segundo a expressão sublime de S. Paulo, completam na sua carne o que falta à própria Paixão

do Cristo.(dE 749-750)

Page 74: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

74

CAPITULO III

UMA MÍSTICA NA ARTE

Introdução

A Teologia que nasce da reflexão das poesias de Murilo Mendes remete às

necessidades humanas sejam espirituais, materiais. São expressões fortes que marcam a

realidade social na América Latina. Neste continente, falar de Jesus de Nazaré

necessariamente implica olhar para uma realidade de pobreza e de injustiças. A Teologia da

Libertação, há décadas motivando cristãos a se engajarem na transformação por uma

sociedade mais justa e mais humana por meio da produção de uma vasta literatura teológica

latino-americana, propunha trazer Deus para perto do homem, para que cada pessoa O

reconhecesse como Ele é: O Deus Libertador. Era preciso dar consciência aos leigos do seu

direito de participação no meio eclesial; para muitos, isso já era uma realidade no meio social;

para outros, nem tanto. A presença e a participação dos leigos nas Comunidades de Base, nos

grupos de reflexão bíblica, nos movimentos sociais despertaram muitos homens e mulheres

para uma fé ativa e atuante – ou militante, como se costumava dizer, militante no que diz

respeito a questões como o resgate da dignidade humana, o anúncio do Reino de Deus aqui e

agora, a presença da mulher na Igreja, as relações de opressão e exploração no mundo do

trabalho, na política e nos diversos ambientes da sociedade, assim como o diálogo com outras

religiões, preocupações nascentes deste momento histórico da Igreja. Murilo Mendes, que não

respirou desta “atmosfera”, pois precede este “novo jeito de ser Igreja”, desnuda em seus

poemas e com singular leveza essa mesma necessidade de uma Igreja Povo de Deus que, a

partir do modelo da Trindade, viva em comunhão com Deus e com os irmãos.

Por isso, associar Teologia e poesia ajuda a desvendar uma linguagem, há muito

conhecida na história da Igreja, porém retomada com uma tônica dialogante para tentar

responder aos anseios do homem na modernidade. Se há o interesse do teólogo neste diálogo,

fica mais fácil falar de Deus a partir do humano que a Literatura nos apresenta, e é preciso

reconhecer que quando a Teologia se propõe a trilhar esse caminho ela também estará mais

Page 75: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

75

enriquecida com essa proposta. Se a poesia é a voz da alma170

e é no ser que habita Deus

(1Cor 6,19), então, não há como negar a relevante contribuição advinda do entrelaçamento

entre Teologia e Literatura.

Tudo na arte de Murilo Mendes remete ao humano e ao divino; o poeta tinha claro que

falar do humano sem afirmar o que de divino nele existe é negar a sua existência a partir da

concepção de Deus. A arte de Murilo Mendes apenas comprova que a Comunhão com Deus é

indissociável da comunhão com as pessoas, e que o trabalho do poeta e teólogo tende a ser

mais profícuo quando em mutualidade, quando em diálogo entre si e o mundo e voltado para

as realidades que desafiam o homem no seu encontro consigo, Deus e o outro. Só assim,

entrelaçadas, sem sobreposição ou amarras, a Poesia ‘poderá sinalizar o invisível’, deixando

para a Teologia o papel de dar sentido à caminhada de fé rumo ao sagrado.

É nesse viés que a mística cristã marcou a trajetória pessoal e artística do poeta. A

conversão ao catolicismo foi fundamental para uma “virada” não só à religião católica, mas a

uma aproximação maior com a Palavra de Deus. Atraído pela espiritualidade cristã, ele se

entrega a uma relação íntima de amizade com o Cristo, e a partir deste encontro imprime em

seus poemas expressões tão belas e profundas do ponto de vista da fé. Esse movimento de

busca da comunhão com o Mistério e mística encarnada lhe permitiu afirmar e viver sua fé em

diálogo com o mundo. De acordo com Carvalho:

A apologética muriliana não cai no proselitismo, mas antes serve de meio

para vivenciar a fé cristã: “A prática da vida cristã de Murilo consistia

justamente no fazer poético”. Em outras palavras, a “regra monástica”

seguida pelo poeta era aquela que enxergava na poesia uma prática ascética.

“O Murilo dizia ‘ver é tocar’. É justamente isso que fazia em sua obra:

sinalizava que pela poesia o homem pode ver o invisível. E isto é o

sagrado”.171

Como o povo do Êxodo – na Bíblia – fez a experiência do Deus-Libertador, e deixou

evidente o quanto é necessário investir em uma Teologia que fale do Deus da vida, do Deus

que cria, que dialoga com os homens, que desce para vivenciar as dores e alegrias de cada

vivente porque os conhece, um Deus caminheiro presente em cada passo das travessias do

170

PEIXOTO, Sergio Alves. A consciência criadora na poesia brasileira: do barroco ao simbolismo. São Paulo:

Annablume, 1999. p. 99. 171

CARVALHO, Luiz Fernando Medeiros. Religiosidade na poesia de Murilo Mendes. Museu de Arte Murilo

Mendes. Juiz de Fora/MG. Disponível em: http://www.ufjf.br/secom/2013/03/26/religiosidade-na-poesia-de-

murilo-mendes-e-tema-de-palestra-no-mamm/. Acesso em: 20.07.2013.

Page 76: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

76

caminho. A ação de Deus é sempre uma ação voltada para a vida; Ele quer que cada pessoa se

identifique e se realize na sua existência. A existência para o ser humano é oferecido como

dom, como graça de Deus. A graça de Deus é para que cada pessoa se sinta como que

abraçada por Ele, amparada em todas suas necessidades. Deus não quer a vida ameaçada.

Neste sentido, na América Latina, palco de tantas situações degradantes da vida humana, onde

imperam a pobreza, a exclusão social, o desrespeito ao papel da mulher, a falta de

oportunidade para jovens, a exploração sexual de crianças e o trabalho infantil172

, a Teologia

deve levar a pessoa a acreditar na presença de um Deus-Amor que exige o compromisso de

cumprir o que Ele antes nos ordenou: amor a Deus e amor ao próximo (Mc 12,33), porque ele

nos amou por primeiro (1Jo 4,19). Aqui se defende um amor capaz de afetar todas as

dimensões do ser, como afirmou São Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive

em mim” (Gl 2,20), para comprometer-se com os fatos do cotidiano. Bertelli, ao questionar

qual é a vocação dos seguidores de Jesus hoje, irá ressaltar que, “num mundo de violência e

injustiça, devemos implantar o Reino de Deus de justiça e paz”. E acrescenta:

Atualmente, precisamos resistir também à contrautopia manifestada na

religião do mercado, que apresenta uma mística intramundana, e uma visão

beatífica não de leite e mel, mas de consumo beatífico. Para isso, é

fundamental a conversão pessoal a uma vida mais simples e pobre, que

elimine o supérfluo. Enfim, somos convidados a levar uma vida mais

evangélica, que nos capacite melhor ao seguimento de Jesus hoje.173

Assim, a conversão é a primeira resposta ao convite que Deus faz. Ele ama e conhece

cada pessoa, respeita suas escolhas, mas, espera um Sim como resposta (Lc 1,38), para que

assim possa viver na perfeita liberdade de filhos e filhas de Deus (Rm 8,21). Mais que isto,

Ele ama de forma incondicional e não cessa de estar atento à sua criação. Deus se revela na

história e o faz através da comunicação verbal com o ser humano, para que a pessoa possa de

fato compreendê-Lo e aderir ao Seu convite. Deus foi revelado em Jesus de Nazaré, que

morreu e ressuscitou para a salvação de todos. Ele não tem preconceitos e não faz acepção de

172

Acrescenta Feller: A crise da modernidade, a injustiça social, o terrorismo, a violência urbana e rural, o

narcotráfico, a corrupção política, o fracasso da ciência e da técnica na solução efetiva de doenças e problemas

crônicos, a destruição do meio ambiente, os males cometidos contra as crianças, entre outros, são problemas

próprios de nossa época que demandam uma resposta salvífica da parte das religiões. FELLER, Vitor Galdino. O

sentido da salvação. Jesus e as religiões. São Paulo: Paulus, 2005. p. 102. 173

BERTELLI, Getúlio Antônio. Thomas Merton: um precursor da espiritualidade da libertação. Ciberteologia

Revista de Teologia & Cultura - Ano II, n. 13. Disponível em:

http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/wp-content/uploads/2009/06/03thomasmerton.pdf. Acesso em:

18.07.2013.

Page 77: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

77

pessoas porque faz nascer o sol sobre os bons e sobre os maus e faz chover sobre os justos e

os injustos.174

Afirma Feller:

Deus é fonte primária e permanente de salvação e de revelação. Poder--se-ia,

então, dizer: quanto mais Deus se revela, mais o ser humano se liberta e, ao

inverso, quanto mais o ser humano é libertado, mais Deus é revelado em seu

ser e em sua ação salvífica. Irinei de Lião175

tornou precisa essa relação com

a sentença admirável: “A glória de Deus é a vida do ser humano e vice-

versa”.176

No Antigo Testamento, a conversão é uma exigência para mudar de rumo, ou seja,

obediência à vontade de Deus e confiança nele, renunciando a todo mal (Os 14,1). No Novo

Testamento, a exigência de Jesus é “Convertei-vos” (Mc 1,15). O chamado e a exigência de

Jesus têm um sentido preciso: a fé como condição fundamental para o perdão e a salvação177

,

e o seguimento como opção fundamental para deixar-se modelar por seus ensinamentos.

Para que a Teologia dê sentido à caminhada de fé, a adesão ao convite de Jesus “vem e

segue-me” (Mt 4,21) deve ser carregada de uma mística de olhos abertos, capaz de atuar nas

diversas situações de dor, sofrimentos e alegrias; em outras palavras, uma mística encarnada,

engajada, de pessoas cheias de esperança, e com alegria na busca de colher frutos de paz e

justiça; com a mesma esperança de Paulo apóstolo quando diz que “a esperança não

decepciona” (Rm 5,5). É este mesmo sentimento que deverá mover o coração de cada pessoa

ligada ao Deus da vida. Foi esta mística engajada, encarnada, que norteou os escritos poéticos

de Murilo Mendes, deixando para trás “o homem velho” (Ef 4,22-24) e assumindo um Cristo

amigo.

174

PRETTO, Hermilo Eduardo. Um Deus misericordioso e compassivo. Ciberteologia - Revista de Teologia &

Cultura - Ano VIII, n. 38. Disponível em: http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/wp-

content/uploads/downloads/2012/03/01-Um-Deus-misericordioso-e-compassivparte06.pdf. Acesso em:

18.07.2013 175

BORRIELO, L. “et alli”. Dicionário de mística. “Irineu de Lião nasce provavelmente por volta no ano 130

d.C., na Ásia Menor. Não é filosofo, mas é pastor e homem de Igreja. Contra o dualismo dos gnósticos, Irineu

enfrenta diretamente o tema da bondade da carne. Põe o fundamento do ser cristão na regra recebida com o

Batismo. Para ele existe o dom da caridade e da profecia, viver é participar da vida de Deus, o importante é

relacionar-se com Deus.” 176

FELLER, Vitor Galdino. O sentido da salvação. Jesus e as religiões. São Paulo: Paulus, 2005. p. 103. 177

BAUER, Johannes Baptist. Dicionário Bíblico-Teológico. São Paulo: Edições Loyola, 2000. pp. 68-69.

Page 78: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

78

1. – Jesus como companheiro de jornada

Murilo expressa a pessoa de Jesus como amigo, como companheiro. Para ele, “ser

amigo é repartir a vida” (dE 746). Retomando o texto bíblico, encontramos no evangelho de

São João a palavra de Jesus que diz: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que

seu senhor faz; mas eu vos chamo amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu vos dei a

conhecer” (Jo 15,15). Ele também se mostrou atento ao Cristo Pobre: “Poucos poetas, em

todos os tempos, terão compreendido e amado tão bem o Cristo como Pobre” (dE 677). A

pessoa de Jesus de Nazaré a partir dos textos bíblicos nos é apresentada como uma pessoa

obediente ao Pai (Jo 6,38), ativa e constantemente em defesa da vida (Jo 10,10). Sua missão é

sempre em favor dos menos favorecidos (Lc 4,18-19), tem compaixão com os que sofrem,

com os maltratados, com os abandonados à beira do caminho (Lc 10,25-37), pois entende que

a vida é dom e graça de Deus e deve ser vivida de forma digna. Afirma que serão benditos os

que acolherem os estrangeiros, sem roupa, sem comida e sem casa, e malditos os que não

fizerem nada para um de seus irmãos (Mt 25,31-46). O “Cristo Pobre” assumiu as dores da

humanidade para resgatá-la de todo mal. Em outras palavras, para Murilo, “O Cristo não tem

personalidade. Ele a abandonou para desposar toda a humanidade. Ele é uma Pessoa” (dE

642). Murilo Mendes, diferentemente dos poetas do seu tempo, se permite experimentar a

beleza e o Amor do Cristo e o evoca em suas poesias, contemplando a Criação, a pessoa, o

Criador-Deus, e o entrelaçamento dessas realidades. O reconhecimento da pessoa de Jesus,

para Murilo Mendes, torna-se um alicerce, como afirma Silva:

Essas bases cristãs católicas sempre emergem na escrita muriliana, evocando

o cristianismo das origens, fundado na essência do evangelho. O poeta

elabora sua cristografia evocando e convocando a Cristo, como essência da

Vida, da Poesia, Deus e Homem, para quem tudo converge.178

Na Bíblia encontramos narrativas de Marcos (8,29) e Mateus (16,15) que se

caracterizam por mostrar Jesus, antes do anúncio a seus discípulos de sua paixão iminente,

fazendo-lhes a seguinte pergunta decisiva: “E vós, quem dizeis que eu sou?”179

Neste diálogo,

dirão para Jesus que “alguns o consideram João Batista, Elias ou alguns dos profetas”. Mas a

profissão de fé vinda de Pedro irá confirmar a missão de Jesus: “Tu és o Cristo o filho do

178

SILVA, Francis Paulina In: MORI, Geraldo De., SANTOS, Luciano. & CALDAS, Carlos(orgs.). Aragem do

Sagrado. Deus na Literatura brasileira contemporânea. p. 135. 179

DUPUIS, Jacques. Introdução à Cristologia. São Paulo: Edições Loyola, 1999. p. 7.

Page 79: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

79

Deus vivo” (Mt 16,16)180

. Jesus, ao revelar o mistério do Pai, assumindo sua missão como

Filho, apresenta o Caminho de uma vida em que todos são amados; em que aqueles que não

têm poderão viver com dignidade, poderão ser chamados de filhos; os frutos do trabalho serão

acolhidos pelo Pai; os erros serão perdoados; e todos os que fizerem a vontade do Pai poderão

fazer parte desta grande família. Afirma Quevedo: “O nosso Deus é o Deus de Jesus Cristo.

Com toda tradição cristã, nós cremos que, no nome Jesus de Nazaré, Deus se tornou

presente”.181

Ele, que aprendeu do Pai o Caminho, a Verdade e a Vida, revela e convida cada

pessoa a fazer a experiência de trilhar o caminho de realização. Desta forma, a cristologia

remete não apenas a uma “teoria sobre como deveria ser a vida do Filho de Deus, mas ela

parte de Jesus, Filho de Deus encarnado na história e na condição humana”.182

Se a mística

cristã imbuída da mensagem de Jesus implica compromisso de transformação social, busca da

realização da justiça para os pobres e para toda a criação, como afirmamos anteriormente,

torna-se vital o conhecimento da Pessoa e do testemunho de Jesus Cristo. A prática que se

espera de um cristão é baseada no Projeto que Jesus anunciou: Ele chamou de Reino de Deus,

que é para todos, ricos e pobres e para pessoas de todas as religiões. Jesus é a comunicação do

Pai com a humanidade, e quer que todos participem do seu reinado, como afirma Rubio:

Jesus vive e anuncia a chegada do Reino, em íntima união com Deus

invocando como “Abba” Paizinho. O anúncio da chegada do Reino de Deus

vem acompanhado de sinais que demonstram já, agora, a atuação desse

reinado. O anúncio e os sinais do Reino estão a serviço da libertação de cada

ser humano, especialmente dos marginalizados de todo tipo.183

A mística cristã, portanto, não poderá estar desligada do mistério e da comunhão com

o divino, que se realiza no humano, especialmente nos mais necessitados. A realização efetiva

da promoção e dignidade humana é pressuposto para uma espiritualidade que permita ver no

180

“O Cristo, o Senhor, o Filho de Deus, esses três títulos constituem o núcleo da fé cristológica primitiva e

evidenciam claramente o lugar central que essa confissão ocupou, desde o início, na fé da igreja cristã. O

essencial consiste em atribuir ao homem Jesus, cujo nome próprio era Yeshua (Yesua), um título particular

(Masiah, o ungido, o Cristo), emprestado da terminologia teológica do Antigo Testamento. Nasceu assim a

confissão da fé “Jesus é o Cristo”, que só mais tarde evoluiria, semanticamente, para a aposição “Jesus, o Cristo”

e, posteriormente, para o nome composto “Jesus Cristo”. RUBIO, Alfonso Garcia. O encontro com Jesus Cristo

vivo. Um ensaio de cristologia para nossos dias. São Paulo: Paulinas, 2001. p. 8. 181

QUEVEDO, Luiz Gonzalez. Experiência de Deus: presença e saudade. São Paulo: Edições Loyola, 2000. p.

57. 182

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: reflexão teológica contida a partir dos romances de Jorge

Amado. p. 230. 183

RUBIO, Alfonso Garcia. O encontro com Jesus Cristo vivo. Um ensaio de cristologia para nossos dias. São

Paulo: Paulinas, 2001. pp. 25-26.

Page 80: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

80

rosto de cada irmão a alegria de viver. Fazer com que a vida transcorra de forma plena é

missão dos que vivem as dimensões da mística cristã, capaz de “ver além das aparências”

(1Sm 16,7) aquilo que Deus tem a oferecer à humanidade.

1.1 - Pai Nosso e Meu Pai184

A revelação que “Deus é amor” (1Jo 4,8) foi manifestada pelos atos e palavras de

Jesus. Ela foi de tal modo vivenciada para que outros também pudessem acolher em sua vida

o amor oferecido incondicionalmente por Ele a todos, em todo o tempo, na integridade do ser

delas. Assim como Ele nos chama, quer também que permaneçamos no seu amor, aponta

exigências e garante alegria plena, o que, para a Teologia, é a salvação.

Diante de tantos caminhos que o ser humano pode escolher – e a escolha também é

dom de Deus, na liberdade –, Ele quer que se escolha a “melhor parte” (Lc 10,42), ou seja,

que o ser humano esteja disponível, aberto a aceitar sua proposta de ação salvífica e a se

comprometer no seguimento de Jesus. Na escuta dos ensinamentos de Jesus, a comunidade

dos discípulos mostrou que uns poucos lhe eram fiéis, enquanto outros escolheram seguir por

outro caminho, até mesmo deixar para trás a garantia da vida eterna para continuarem

apegados a seus bens (Mt 19,16-22). Jesus falava com clareza sobre as renúncias e sobre a

solidão que seus seguidores poderiam encontrar no Caminho, porém, apontou a certeza de

estar presente para toda a eternidade com aqueles que escolheram permanecer com Ele (Mt

28,20).

O Concílio Vaticano II, em sua Constituição Dogmática Gaudium et Spes, põe no

centro da concepção cristã do homem a condição de ser criado à imagem e semelhança de

Deus. Evidencia a capacidade humana de conhecer e amar o Criador, a capacidade de

relacionar-se com Deus, de entrar em comunhão com Ele. A isso se soma o que diz o nº 12

dessa mesma Constituição: “A Sagrada Escritura ensina que o homem foi criado ‘à imagem

de Deus’, capaz de conhecer e amar o seu Criador, e por este constituído senhor de todas as

criaturas terrenas, para as dominar e delas se servir, dando glória a Deus” (GS 12). Além de

ser criada à imagem e semelhança do Criador, a criatura humana é “a única criatura sobre a

terra, querida por Deus por si mesma” (GS 24). Diz o CIC em seus números 356, 357 e 359:

184

MENDES, Murilo. MEU PAI. Anexo 1.

Page 81: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

81

De todas as criaturas visíveis, só o homem é ‘capaz de conhecer e amar o seu

Criador’; ele é ‘a única criatura na terra que Deus quis em si mesma’; só ele

é chamado a compartilhar, pelo conhecimento e o amor, a vida de Deus. Foi

para este fim que o homem foi criado, e aí reside a razão fundamental da sua

dignidade (356). Por ser à imagem de Deus, o indivíduo humano tem a

dignidade de pessoa: ele não é apenas alguma coisa, mas alguém. É capaz de

conhecer-se, de possuir--se e de doar-se livremente e entrar em comunhão

com seu Criador, a oferecer-lhe uma resposta de fé e de amor, que ninguém

mais pode dar em seu lugar. Deus criou tudo para o homem, mas o homem

foi criado para servir e amar a Deus e para oferecer-lhe toda a criação (357).

Na realidade o mistério do homem só se torna claro verdadeiramente no

mistério do Verbo Encarnado. Jesus Cristo é a máxima prova do amor do Pai

pelos seres humanos. É só n’Ele que o homem descobre sua vocação

sublime. Em Cristo, Deus Pai ‘nos reconciliou consigo e uns com os outros e

nos arrancou da escravidão e do pecado’ (GS 22). Por sua morte e

ressurreição, a vida e a morte são santificadas e recebem um novo sentido. É

Ele quem nos revela nossa vocação divina (359).185

Vimos que os místicos são pessoas que fizeram essa experiência de conhecer e amar

Deus: ao contemplarem o mundo sabem que o fazem com os olhos de Deus e com o sonho de

Deus; ao se questionarem diante das situações da falta de fé, de conflitos e desesperanças,

imaginam como Deus se aproximaria das pessoas para uma comunicação capaz de ir ao fundo

do coração e contagiar do mais simples ao mais intelectual, para assim participar da

construção de um mundo melhor para todos, o Reino de Deus anunciado por Jesus. Os

místicos, na sua cotidianidade, buscam não perder a semelhança com o Criador, uma vez que

somos todos criados à imagem de Deus – “o imago Dei”. É a semelhança com os gestos e

atitudes de Jesus que revela o humano ao divino e o divino ao humano.

Um alimento para fortalecer a fé e a comunhão com Deus é a oração. É por ela que

Deus nos concede generosamente e em abundância a sua graça e nada nos nega se o pedirmos.

O maior exemplo de como viver em oração vem do próprio Jesus. Aos 12 anos deixa pai e

mãe para orar no Templo de Jerusalém (Lc 2,41-52); durante o batismo, ora (Lc 3,21); antes

de iniciar a vida pública procura a solidão para entregar-se a Deus. Em várias passagens na

Bíblia vemos um incansável caminhante em oração. Ficou em oração até o fim. Na condição

de homem, Jesus teve medo e, por um instante, implorou ao Pai que afastasse dele o cálice,

para depois entregar-se aos seus desígnios. Passou seus angustiantes momentos na Cruz em

oração. E mesmo quando vê Maria e João ao pé da Cruz, o bom ladrão, quando pede perdão

pelos seus algozes, deixa de lado sua dor e ora pela humanidade que representam.

185

Cat., 356, 357 e 359.

Page 82: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

82

Conforme o Catecismo da Igreja Católica, “É que Deus, nosso Pai, transcende as

categorias do mundo criado. Transpor para Ele, ou contra Ele, as nossas ideias neste domínio

seria fabricar ídolos, a adorar ou a derrubar”.186

O desejo de Jesus é de que cada pessoa o

reconheça como Pai, se encante e em comunhão com Ele e com o seu Filho Jesus Cristo

cumpra os desígnios de Deus – e isso só é possível pela oração. Acrescenta o Catecismo:

“Orar ao Pai é entrar no seu mistério, tal como Ele é e tal como o Filho no-Lo revelou”.

Ao ensinar aos seus discípulos a mais bela oração, Jesus tirou Deus da posição de

justiceiro implacável e lhe conferiu um caráter amoroso de pai, derrubou qualquer convenção

e revelou-nos um Deus próximo e disposto a nos ouvir como filhos que somos. Santo

Agostinho, depois de ter mostrado como os Salmos são o alimento principal da oração cristã e

convergem para as petições do Pai-nosso, conclui, referindo-se à oração do Pai-Nosso:

“Percorrei todas as orações que existem na Sagrada Escritura; não creio que possais encontrar

uma só que não esteja incluída e compendiada nesta oração dominical”.187

Na Bíblia, encontramos citada a expressão Pai/pai 1288 vezes, o que demonstra a

importância da relação paterna, seja Deus, o Pai, seja o pai da família humana. Quando chama

Deus de Pai-nosso (Mt 6,9), Jesus inclui todos na sua família, doa a todos a condição de

participar dessa realidade: ter um Deus como nosso Pai. Portanto, ninguém é órfão, pois Deus

é aquele que abraça e acolhe a todos. Ele é Santo, e Santo é seu nome. Ora, se o Pai é santo e

acolhe a todos como filhos, logo todos são chamados à santidade (Mt 5,48). Assim todos

podem vivenciar a alegria de caminhar com Jesus e descobrir no caminhar de cada dia a

vontade do Pai.188

Jesus ensina a pedir o pão e o perdão e a não desanimar diante das tentações. Na sua

vida pública, narrada nos Evangelhos, encontra-se o relato dos discípulos e das primeiras

comunidades. Jesus traduz o pão não apenas como alimento para o corpo, do qual o ser

humano tem significativa necessidade, mas revela o alimento necessário, como o seguimento

à Sua Palavra, a obediência ao Pai e a missão de curar, de libertar e especialmente de amar ao

próximo. Jesus adverte que é preciso perdoar infinitamente para garantir a liberdade e para

que prevaleça o Amor traduzido no perdão. Muitas opções e estilos de vida oferecidos ao

186

Cat., 2779-2881. 187

Cat., 276. 188

MAGAÑA, José. Jesus Libertador dos Oprimidos. São Paulo: Edições Loyola, 1990. p. 144.

Page 83: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

83

povo do passado (e dos tempos atuais) não os levavam (e não os levam) ao compromisso com

a partilha, com a compaixão, com o acolhimento e particularmente com a opção por seguir a

Jesus. Então, o Mestre afirma que é preciso escolher entre a porta larga sem renúncias, mas

que leva à perdição, e a porta estreita, deixar tudo para seguir a Jesus e garantir a vida. (Mt

7,13-14) Jesus viveu em profunda relação com o humano, seja em família seja na grande

comunidade, na tentativa de levar o ser humano a compreender que o próprio Deus viveu em

comunidade na Trindade Santa. Portanto, a partir de seu santo exemplo, nossa vida não é para

ser vivida de forma isolada, mas em contínua relação com o outro.

Feller afirma que “em toda a sua vida Jesus faz referência absoluta a Deus-Abbá, que é

para ele sua bússola, seu norte, seu eixo de compreensão da vida e de compromisso com sua

missão”.189

Para compreender a Palavra e as ações de Jesus, é preciso conhecer o rosto que

Deus-Pai apresenta. Através de Jesus é possível conhecer melhor o Pai. Como ele disse,

“Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6) e “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30). Por sua

unidade com Deus, Ele revela o Deus verdadeiro. Feller acrescenta:

Jesus conheceu, pela educação recebida na família e na sinagoga, as

múltiplas imagens que o povo de Israel havia elaborado sobre Deus no

decorrer de seus doze séculos de história, desde o tempo dos patriarcas até a

época da apocalíptica: o Deus ligado às pessoas, dos pais, de Abraão, Isaac e

Jacó; o Deus ligado a lugares como o deserto, o oásis e os montes; o Deus da

terra, do êxodo, do Sinai e da Aliança(...) o Deus que defende os pobres, os

órfãos e os estrangeiros, o Deus do direito e da justiça, o Deus que condena

os latifundiários e opressores, o Deus que critica o culto falso e vão,

anunciado pelos profetas; (...) o Deus do cotidiano, do bem-viver, da

moralidade familiar e comunitária, o Deus que não cria para a morte, mas

para a vida.190

As grandes mudanças sociais e culturais ao longo dos séculos “têm exigido uma

atenção muito especial por parte da Igreja, dos teólogos e dos homens de fé, motivada pelo

estabelecimento de um mundo secularizado, à elaboração e à compreensão de uma doutrina

sobre Deus”.191

Em nossa sociedade, percebe-se cada vez mais a busca pelo estilo de vida

pessoal e independente, pelo ter em detrimento do ser, e a crescente desvalorização de

instituições tidas antigamente como sólidas e respeitáveis para a formação do indivíduo, como

189

FELLER, Vitor Galdino. O sentido da salvação. Jesus e as religiões. São Paulo: Paulus, 2005. p. 166. 190

FELLER, Vitor Galdino. O sentido da salvação. Jesus e as religiões. p. 168. 191

LAVALL, Luciano Campos. A afirmação de “Deus Pai” na Teologia Rahneriana. Revista Perspectiva

Teológica 18 (1986) 193-213. Disponível em:

http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/viewFile/1820/2138. Acesso em: 16.06.2013.

Page 84: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

84

a família e a escola. Essa mudança de foco dos interesses coletivos distancia mais e mais as

tradições religiosas dos costumes modernos, como destaca o Documento 80 da CNBB:

A afirmação de um estilo de vida independente, autônomo, caracterizado por

escolhas livres, deu origem a um indivíduo instável, de convicções voláteis e

compromissos fluidos. Por isso, o indivíduo pós-moderno não quer conviver

com disciplinas e enquadramentos, com a obediência a prescrições antigas.

Os sistemas ideológicos muito estruturados não cessam de perder autoridade,

configurando-se uma desafeição pelos sistemas de sentido. Não somente os

valores das tradições religiosas foram perdendo terreno, mas qualquer

sistema de significado que exigisse disciplina, rigor, sacrifício, fidelidade

aos compromissos assumidos começou a ser posto de lado.192

Um grande desafio é o de apresentar a pessoa do Pai para o homem e a mulher de

hoje: “Como falar de Deus quando as questões do homem são mais urgentes?”193

Lavall,

pesquisador da fundamentação teológica de Karl Rahner sobre a afirmação de Deus Pai na

Teologia, afirma que esta é a tese fundamental de Rahner que vem elucidada no estudo de

quase todos os textos neotestamentários em que o problema entra em discussão:

O conceito cristão de Deus aparece, pois, na revelação e na

experiência da realidade do Pai vivenciada pelos homens bíblicos,

sobretudo os do Novo Testamento que, na plenitude da revelação

trazida pelo mistério do Filho encarnado, significam com o nome "ó

Théos" a pessoa do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo. Só o nome

"Pai" pode manifestar a novidade do Deus de Jesus Cristo. De tal

modo a Encarnação trouxe, por meio do Verbo, a revelação de Deus

Pai que, quando o Cristo se revelou aos homens como Filho de Deus,

não fez outra coisa senão revelar o mistério do Pai, qual princípio sem

princípio da realidade divina, em sua inefável monarquia, ao qual ele

chamou propriamente com o nome de "Deus”.194

Falar de Deus é falar do homem e das suas necessidades e realizações, por isso é

possível afirmar que o testemunho de vida daqueles que vivem os valores do Reino de Deu, e

com isso revelam o rosto de Deus, deixa transparecer Jesus e reconhecer verdadeiramente

Deus, “o outro sempre maior”195

, no encontro com os irmãos pequeninos da América Latina.

Ao contrário de uma sociedade que os exclui, que considera os pequeninos gente sem valor,

192

CNBB. Evangelização e missão profética da Igreja. p. 43. 193

CNBB. Evangelização e missão profética da Igreja. p. 43. 194

LAVALL, Luciano Campos. A afirmação de “Deus Pai” na Teologia Rahneriana. 195

SUDBRACK, Josef. Mística a busca do sentido e a experiência do absoluto. p. 55.

Page 85: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

85

para Jesus não é assim: ele ama, acolhe e se faz pequeno com os pequeninos e exige dos seus

seguidores uma postura coerente com sua pregação. (Mt 25, 31-46)

No poema Meu Pai, Murilo Mendes evoca a figura do pai carregada de um grau de um

encantamento. As palavras do poeta revelam a importância que ele, o pai, teve como

referência, como modelo e como motivador na sua vida e nas suas decisões. O encantamento

brota especialmente do desprendimento e da disponibilidade do seu pai em colaborar com

obras sociais para acolher os pobres, cuidar dos doentes, e dar-lhes “injeções de vida”.

Murilo fala do pai como um ser quase perfeito, pois de certo deveria ter defeitos como

qualquer outra pessoa, mas a paixão que revela por um grande homem e, muito mais, por suas

opções e atitudes o leva a uma profunda admiração.

Os escritos deixam entrever que o poeta herda do pai a sensibilidade, o respeito e o

amor que move a dedicação ao próximo. Ao relembrar detalhes da história de seu pai, que

provavelmente foram contados pela família, já que se referem a um período anterior ao seu

nascimento, Murilo destaca as qualidades que, na sua formação, ele mesmo tenta incorporar.

Sudbrack afirma que “precisamos da poesia e da música para tocar no mistério de Deus, para

fazer jus a ele”; sendo assim, a poesia de Murilo diz o que a alma vive, o que o ser todo

experimenta, e ele traduziu na pessoa do seu pai o que de Deus ele manifestava através de

uma práxis. Para a Teologia, essa relação com Deus Pai é tida como mistério da fé, e se

realiza efetivamente quando há no ser humano a disposição de despojar-se e deixar ser

plenamente humano. Como afirmou Leonardo Boff a respeito de Jesus, que viveu plenamente

sua humanidade: “Tão humano assim, só Deus mesmo”.

1.2 - Palavra de Deus

O anúncio do cristianismo é afirmar Jesus Cristo como o Logos, aquele se encarnou e

veio habitar neste mundo, a fim de que todos conheçam o rosto de Deus. A Palavra que se faz

carne (Jo 1,1) comunica, interage, emociona e transforma. Gutiérrez afirma que “Comunicar

essa alegria é evangelizar. Trata-se de transmitir, comunitária e pessoalmente, a Boa-Nova do

Page 86: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

86

amor de Deus que se transformou em vida”.196

A teologia, disposta a prestar este serviço na

proclamação do Reino de amor e de justiça, aponta na Palavra de Deus o centro da missão do

cristão, por ser esta que revela Deus presente na história.

A Palavra de Deus é promessa e realização, por isto, a teologia afirma que ela é

cristocêntrica. Em Jesus, o Verbo, a Palavra encarnada, realiza-se a promessa de vida, pois a

Palavra é viva. A Dei Verbum197

não só diz que Deus se revelou em Cristo, mas que ele é a

Revelação por ser ao mesmo tempo revelador e revelado. Ele é e realiza a Revelação, isto é, a

salvação. "Consuma a obra salvífica que o Pai lhe confiou", a saber: "que Deus está conosco

para libertar-nos das trevas do pecado e da morte e para ressuscitar-nos para a vida eterna".

Diaz-Mateos, ao tratar da Palavra Cristocêntrica, afirma:

Colocar no centro a Palavra é deixar-se julgar por ela, fazer um ato de

pobreza e de obediência para deixar-se transformar por seu dinamismo e

invadir por seu poder de dar a vida. Por isso a citação seguinte de São João

não é simples citação, é proclamar a irrupção, na história dos homens, de

uma Palavra que é vida. Já desde o começo nos é dita qual a concepção que

tem o Concílio sobre a palavra: cristocêntrica, encarnada, histórica e

poderosa. “A vida se manifestou" (1 Jo 1,2).198

O próprio Concílio se pôs a escutar a Palavra e a ela se submeteu em busca de uma

profunda conversão e transformação para responder às exigências do mundo

contemporâneo199

, conforme DV nº 1: “O Concílio se põe à escuta da Palavra de Deus para

proclamá-la como anúncio de salvação a fim de que o mundo inteiro, ouvindo, creia; crendo,

espere; esperando, ame”.200

A grande conquista do Concílio Vaticano II foi sem dúvida colocar no centro da vida

da Igreja a Palavra que dá vida, juntamente com a consciência de que o povo unido em torno

da Palavra e da Eucaristia é a força viva da Igreja. Para Altemeyer, “o Evangelho torna-se um

alimento diário e familiar de todo o povo de Deus, torna-se palavra viva e uma porta de

196

GUTIERREZ, Gustavo. Teologia da libertação. p. 38. 197

DV, 4. 198

DÍAZ-MATEOS, Manuel. A vinte anos do Concílio. A Palavra de Deus no Concílio Vaticano II. Disponível

em: http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/viewFile/1819/2137. Acesso em:

26.07.2013. 199

LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II - Em busca de uma primeira compreensão. São Paulo: Edições

Loyola, 2005. pp. 87-88. 200

DV, 1.

Page 87: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

87

diálogo para penetrar nos segredos de Deus”.201

Conhecer a Palavra de Deus desperta na

comunidade reunida “o compromisso de uma Igreja consciente da necessidade de proclamar e

construir uma paz baseada na justiça para todos, especialmente para aqueles que hoje mais

sofrem”.202

Neste sentido, torna-se imperativa a ação de levar a Palavra a todos, como afirma

a Encíclica Fides et Ratio, do Papa João Paulo II: “A Palavra de Deus não se destina apenas a

um povo ou só a uma época”.203

É fundamental compreender que Deus não se limita ao tempo

e espaço estabelecido pelo humano, mas ele é presença em cada pessoa. Aceitar essa verdade

muitas vezes torna-se um desafio para as Igrejas que se sentem detentoras da graça de Deus.

Torna-se boa a teologia que se alimenta da Palavra da Salvação, a escuta, nela crê e

nela vive. Quando esta teologia se apresenta de forma compreensível e próxima das pessoas,

deixa de ser interesse exclusivo dos acadêmicos, deixa de ser “patrimônio” das universidades;

e ao chegar às mãos e ao coração do povo, “deixa” Deus comunicar a sua Boa Notícia a todos

e saciar a fome de Deus e da sua Palavra, como afirma Díaz-Mateos:

Mas é sobretudo na Bíblia onde aprendemos que o homem vive da "palavra

de Deus" (Dt 8, 4 ; Jo 6). O pão é então um símbolo eloquente para falar do

poder, da força e da vitalidade da palavra. Como o pão é a vida do homem, e

ganhar o pão é assegurar a vida, a palavra é pão de vida para um mundo

faminto. É imensa a responsabilidade de uma Igreja, esposa e servidora da

Palavra que é pão da vida, num mundo que morre de fome: de fome material

e de fome de justiça, de dignidade, de Deus. A Palavra de Deus vem saciar a

fome mais radical do homem, a fome de Deus e de sua palavra na qual

encontra a vida (Am 8, 11). Mas a própria Palavra de Deus, sobretudo a

Palavra encarnada em Cristo, nos remete à história dos homens na qual a

Palavra encarnada se fez solidária com a fome e com a dor dos pobres (Mt

25, 31s).204

É certo que Murilo Mendes insistia em se aprofundar no conhecimento da Escritura,

porém é salutar considerar que não o fazia pelo cunho teológico ou pelo prazer de escrever.

Como vimos, sua formação religiosa contribuiu para uma espiritualidade encarnada e

contemplativa e de cunho místico, capaz de olhar o sofrimento do outro e ter compaixão;

preocupar-se com o próximo nas pequenas situações da vida e reconhecer em Jesus o Filho de

Deus, vivo e atuante na história da humanidade. Mas o que significa Escritura na concepção

teológica muriliana? Ele afirma que “O evangelho é o único livro que age, ensina, transforma

201

JUNIOR, Fernando Altemeyer. Concílio Vaticano II. Disponível em:

http://familiacrista.org.br/blog/3316.html. edição Julho/2013. Acesso em: 26.07.2013. 202

GUTIERREZ, Gustavo. Teologia da libertação. p. 39. 203

FR, 95. 204

DÍAZ-MATEOS, Manuel. A vinte anos do Concílio. A Palavra de Deus no Concílio Vaticano II.

Page 88: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

88

e ama – exatamente como uma pessoa” (dE 561). Tratar o Evangelho como Pessoa, como faz

Murilo, é reconhecer o Cristo na Palavra. Ele afirma que Cristo é uma Pessoa. (dE 642). Para

ele, “A Palavra de Jesus Cristo brota tanto do evangelho como do nosso próprio coração” (dE

543), ou seja, para aqueles que abriram a porta e deixaram Jesus entrar, a Palavra pode sair de

dentro de si. Em sintonia com as afirmações da Igreja, Murilo também compreende que A

Palavra de Cristo é propriedade de todos. (dE 162) Demonstra-se preocupado com a falta de

crença que alguns demonstravam:

É necessário que todos os que possuem um resto de crença rezem para que o mundo futuro se

revista do ESPÍRITO DE EMAÚS – isto é, para que se lhe abra o entendimento, e ele se penetre no

sentido da Escritura. (dE 231)

Murilo refere-se ao Evangelho como algo íntimo, próximo dele e do seu

conhecimento, não apenas intelectual ou literário, mas da proximidade que buscava ter com a

Palavra de Deus. Tanto que ele afirma que “O Evangelho antes de ser escrito foi encarnado,

vivido, sentido, comunicado, crucificado e ressuscitado” (dE 547) e também “O evangelho é

uma vasta oração em marcha: e nada existe nele que não seja essencialmente vital”. (dE 696)

Os bispos, na 48º Assembleia Geral da CNBB no ano de 2010, motivaram toda a

Igreja para que todos “deixemo-nos cativar pela Palavra. Ela faz arder nossos corações, abrir

nossas mãos e torna velozes os nossos pés na missão”. A fim de que todos descubram a

presença imanente de Deus, o Papa Bento XVI, na Encíclica Verbum Domini, exorta os

cristãos:

Não podemos guardar para nós as palavras de vida eterna que recebemos no

encontro com Jesus Cristo: são para todos, para cada homem. Cada pessoa

de nosso tempo – quer o saiba quer não – tem necessidade deste anúncio. A

nós cabe a responsabilidade de transmitir aquilo que por nossa vez tínhamos,

por graça, recebido.205

Murilo não se sente envergonhado ao expor em seus poemas a alegria de conhecer e

apaixonar-se por esse Deus presente nessa Palavra, que encanta, que move os corações, que

aquece e traz esperança.

205

VD, 91.

Page 89: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

89

2.- A teologia que se depreende dos poemas e da mística

A Teologia como um discurso que se propõe a falar sobre Deus pode e deve falar para

o humano, na sua vivência, na sua realidade. O que se almeja é uma Teologia que alcance o

mais profundo do ser humano, para que se possa reconhecer e encontrar Deus em todas as

coisas, como um Deus que pode ser reconhecido e vivenciado206

, onde tudo flui com amor –

mas um amor que não pode ser fixado em conceitos, conforme expressou Dionísio. Tendo o

Amor como elemento fundante da mística cristã, aquele que se revela na comunhão com Deus

e na comunhão entre as pessoas, a teologia fará sua reflexão para despertar no humano o que

está escondido (debir) no seu eu mais profundo. É o ponto de encontro entre o imanente e o

transcendente.207

2.1 - Comunhão com Deus

O ser humano preso aos limites de tempo e espaço busca compreender a dimensão da

sua vida. Ao reconhecer Deus como o Autor da vida e da criação, aquele que busca fazer o

encontro com Jesus poderá experimentar uma novidade jamais imaginada: o jeito próprio de

Jesus de falar, de ensinar e de acolher cada um, especialmente os mais pobres. O encontro

íntimo com Jesus transforma a vida da pessoa e esta é chamada a colocar em prática o amor e

a caridade manifestados em seu coração. Esta é a mística que irrompe e leva a pessoa a uma

vivência amorosa, tal qual o próprio Jesus. O ser humano é limitado e não é Deus, afirma a

Teologia, mas na profunda comunhão com Deus, na pessoa do Filho Jesus Cristo, ele é capaz

de transcender seus limites humanos para testemunhar o amor de Deus, pois “ele foi

derramado em nossos corações”.

Sabemos que a Teologia afirma as verdades da fé cristã, e esta nos revela o Pai

Criador, o Filho Jesus Cristo, Salvador da humanidade, e o Espírito Santo, Santificador,

Inspirador e Motivador para os que aderem ao cristianismo como forma de vida. A Teologia

da Trindade, das três pessoas em um só Deus, comunica a profunda comunhão existente em

‘os Divinos três’, e os reafirma como modelo para os cristãos. Sciadini afirma que “Deus é

206

SUDBRACK, Josef. Mística a busca do sentido e a experiência do absoluto. p. 128. 207

CATALAN, Josep Otón. A Experiência mística e suas expressões. São Paulo: Edições Loyola, 2008. p. 16.

“Essa dupla conotação de debir, por um lado, aquilo que está oculto, e por outro, o sagrado onde se manifesta a

Presença divina – evoca o interior humano por sua dimensão inconsciente e misteriosa e também por ser

santuário e morada de Deus”.

Page 90: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

90

modelo de nosso amor humano e referencial de todo nosso agir. No entanto, não é possível

viver a plenitude da comunhão com Deus sem deixar-se possuir pela Três Divinas

Pessoas.”208

A teologia afirma a presença no meio da humanidade de um Deus comunidade;

ora, ninguém está só, porque é parte integrante desta comunidade de amor que se realiza no

amor e que se doa.

Na poesia muriliana, encontra-se o apelo desta comunhão com Deus, vislumbra--se

um cristão que, longe de apenas conhecer a teoria da sua fé, vive uma relação de amizade e

amor em nome do Deus, comunidade perfeita209

. Para o poeta, “A religião católica começa na

sociedade perfeita das Três Pessoas Divinas”. (dE 560)

A experiência do encontro com Deus leva o místico a não fechar os olhos para a

beleza de Deus. Ele enxerga a partir da contemplação de olhos abertos, denunciando todas as

atitudes que desfiguram a imagem de Deus em cada ser. O nº 43 da Carta Novo Millennio

Ineunte ressalta a necessidade da espiritualidade da comunhão para dar sentido às ações

humanas:

Antes de programar iniciativas concretas, é preciso promover uma

espiritualidade da comunhão, elevando-a ao nível de princípio educativo em

todos os lugares onde se plasmam o homem e o cristão, onde se educam os

ministros do altar, os consagrados, os agentes pastorais, onde se constroem

as famílias e as comunidades. Espiritualidade da comunhão significa em

primeiro lugar ter o olhar do coração voltado para o mistério da Trindade,

que habita em nós e cuja luz há de ser percebida também no rosto dos irmãos

que estão ao nosso redor. Espiritualidade da comunhão significa também a

capacidade de sentir o irmão de fé na unidade profunda do Corpo místico,

isto é, como « um que faz parte de mim », para saber partilhar as suas

alegrias e os seus sofrimentos, para intuir os seus anseios e dar remédio às

suas necessidades, para oferecer-lhe uma verdadeira e profunda amizade.

Espiritualidade da comunhão é ainda a capacidade de ver antes de mais nada

o que há de positivo no outro, para acolhê-lo e valorizá-lo como dom de

Deus: um « dom para mim », como o é para o irmão que diretamente o

recebeu. Por fim, espiritualidade da comunhão é saber « criar espaço » para

o irmão, levando « os fardos uns dos outros » (Gal 6,2) e rejeitando as

tentações egoístas que sempre nos insidiam e geram competição, arrivismo,

suspeitas, ciúmes. Não haja ilusões! Sem esta caminhada espiritual, de pouco

servirão os instrumentos exteriores da comunhão. Revelar-se-iam mais como

estruturas sem alma, máscaras de comunhão, do que como vias para a sua

expressão e crescimento.210

208

SCIADINI, Patrício. Uma hora com Elisabete da Trindade. São Paulo: Edições Loyola, 2000. p. 53. 209

MENDES, Murilo. Luminárias de Ouro Preto. O poeta em prece ao Deus trinitário. Murilo Mendes, Poesia

completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. ANEXO II. 210

NMI, 44.

Page 91: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

91

2.2 - Comunhão com os irmãos

Um dos pontos altos da poesia muriliana é a tentativa de sobressaltar a sensibilidade

ao citar em seus versos a solidariedade e a caridade como essência do cristianismo. Esses

aspectos do cristianismo, como vimos, converteram o homem e o poeta para o seguimento de

Jesus, já que Murilo Mendes não se contentava com uma religiosidade descompromissada

com Jesus e com o próximo. A compreensão de Jesus como servidor expressa em seu poema

um Cristo que se coloca a serviço e ensina seus discípulos a imitação radical de seus gestos e

palavras.211

A Sagrada Escritura narra a dificuldade de os discípulos compreenderem a paixão

de Jesus anunciada por Ele mesmo, o que levou muitos deles a agir de forma contrária ao que

Jesus pretendia. Neste poema, Murilo Mendes expressa uma reação semelhante das pessoas

do seu tempo:

O Cristo declarou expressamente que veio a este mundo para ser o Servidor do Homem. É tão

espantoso o alcance desta palavra que seu destino revolucionário não tem sido por culpa nossa

devidamente cumprido. (dE 440)

A mudança de comportamento que se espera de um cristão, para Murilo Mendes, é

motivada “pela palavra de Jesus Cristo que brota tanto do Evangelho como do nosso coração”

(dE 543) quando o humano se abre e se permite acolher o Evangelho, que, para o poeta,

“antes de ser escrito foi encarnado, vivido, sentido, comunicado, crucificado e ressuscitado”.

(dE 547)

A pedagogia de Jesus foi ensinar para cada um assimilar em si e no próximo a pessoa

do Pai, ponto central para construir o reino de paz e de justiça no hoje da história, a partir da

necessidade do próximo. Ele mesmo questiona o cego: “Que queres que eu te faça” (Mc

10,46-52), como quem está preocupado com a realização do outro. A mística cristã não se

realiza sem uma vivência amorosa na presença do Cristo ressuscitado e no acolhimento mútuo

entre irmãos, por isso, o “outro” é lugar teológico. Neste sentido, a solidariedade exigida por

Jesus é compromisso primeiro de cada cristão empenhado por concretizar uma ordem de Jesus

aos discípulos. Referindo-se à multidão que caminhava com eles, ao anoitecer, os discípulos

sugeriram que Jesus a dispensasse, mas ele disse aos seus seguidores: “vocês é quem têm de

lhes dar de comer” (Mc 6,37). Ainda hoje a fome, as injustiças e toda forma de exploração

211

BARBOSA, Francisco de Barros. A experiência do “Cristo Servo” na América Latina. Uma cristologia de

serviço e de seguimento. São Paulo: Edições Loyola, 2003. p. 17.

Page 92: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

92

renegam aos mais pobres e sofridos o direito a uma vida digna. Murilo, olhando para a

realidade do seu tempo, também exclamou: “É tão necessário saciar a fome e a sede” (...). (dE

554)

Mediante uma cultura do imediatismo, do individualismo, do ter mais do que do ser,

do sucesso e da produção da moda, o cristão não deve submeter-se a tais exigências, a fim de

não sufocar a beleza de Deus, da criação e do humano.212

É nessa dimensão de abertura para o

outro que a fé em Deus desenvolve a nossa profunda identidade em resposta à sua Palavra.

Sabemos que a fé cristã fundamenta-se em Deus, e não nos homens, Deus, porém, espera o

engajamento humano para realizar sua entrega total. Zilles, ao destacar a participação do

humano neste movimento, afirma:

Crer em Deus significa encontrar um sentido e um valor profundo para o

mundo, o qual deixa de ser uma máquina abandonada a seu próprio

movimento e começa a ser uma realidade destinada ao amor. (...) Mas crer

em Deus significa também crer no próximo, no mundo e em si mesmo. Crer

em Deus significa reconhecer-se e aceitar-se na fragilidade; significa ser

livre para construir sua vida. Quem crê em Deus não pode aceitar a

escravidão e o totalitarismo.213

A experiência de comunhão com os irmãos far-se-á a partir da comunhão do encontro

com Deus. Essa comunhão exige um dinamismo de nossa parte, pois não é uma realidade

estática. São Paulo é quem descreve mais explicitamente essa experiência. E a doutrina sobre

o dinamismo da vida cristã, através da expressão “tornar-se adultos em Cristo”, quer significar

a maturidade cristã como comunhão de vida com Cristo (Ef 4,11-16). Ser um cristão adulto

significa aderir a Cristo e deixar-se guiar por seu Espírito.214

Para Murilo Mendes, “Só Jesus

Cristo pode ser, para o homem que chegou à madureza de espírito, a exata medida do valor

absoluto, o único mestre, o supremo modelo do humano e do divino”. (dE 214)

3. - Contribuições específicas para a elaboração da teologia latino-americana

No seguimento de Jesus, Murilo Mendes se compreende como cristão católico. Para

ele, viver a religiosidade e a mística é ser solidário aos ideais de libertação do povo

212

BERTELLI, Getúlio Antônio. Mística e Compaixão. A Teologia do seguimento de Jesus em Thomas Merton.

p. 92. 213

ZILLES, Urbano. A modernidade e a Igreja. EDIPUCRS, 1993. p. 10. 214

PALAORO, Adroaldo. A experiência espiritual de Santo Inácio e a dinâmica interna dos exercícios. São

Paulo: Edições Loyola, 1992. p.16.

Page 93: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

93

oprimido215

. A partir do seu grande desejo de mudança, destaca seu entendimento sobre a

essência do papel dos teólogos. Na visão de Murilo:

Os teólogos têm justamente insistido na necessidade de acompanhar o Cristo nos seus

sofrimentos, paixão e morte. Mas é também necessário acompanhá-lo nas suas alegrias – que não

podemos, de resto, separar da sua paixão (...). (dE 598)

Acompanhar o Cristo, para o poeta, em seu catolicismo engajado e consciente, estava

muito mais voltado para a interpelação de Cristo no rosto e na vida dos mais pobres e

oprimidos. Murilo, que “apesar de ter nascido e vivido muito antes em que na América Latina

se configurou a Teologia da libertação”,216

trazia em seus poemas a interlocução entre Cristo e

a humanidade.217

Encantado com as palavras e com os gestos de Jesus, ele se permite

questionar e até mesmo se considerar “Mau samaritano”.

Quantas vezes tenho passado perto de um doente,

Perto de um louco, de um triste, de um miserável,

Sem lhes dar uma palavra de consolo.

Eu bem sei que minha vida é ligada à dos outros,

Que outros precisam de mim, que preciso de Deus

Quantas criaturas terão esperado de mim

Apenas um olhar – que eu recusei.218

No evangelho de Lucas (Lc 17,21) Jesus disse aos seus discípulos que o Reino de

Deus está próximo, e no mesmo evangelista encontramos outra expressão em que Jesus

afirma que o Reino de Deus está no meio de vós (Lc 10,11). Na poesia muriliana, pode-se

verificar a importância destas duas passagens do Evangelho. O poeta irá afirmar que O reino

de Deus está em nós (dE 33), em sintonia com o apóstolo Paulo. Os seguidores de Jesus hoje,

comprometidos com a mesma missão d’Ele de dar de comer a quem tem fome, dar de beber a

quem tem sede, vestir os nus, acolher os estrangeiros, libertar os prisioneiros, dar vistas aos

cegos, devem primeiramente estar dispostos a implantar o Reino de Deus de justiça e paz. O

próprio Jesus, enquanto ensinava aos seus discípulos, explicou através de parábolas o Reino

de Deus e o fez a partir da realidade e das necessidades do seu povo e do seu tempo: doentes,

órfãos, mulheres e crianças, parte da sociedade excluída dos seus direitos sociais e religiosos,

e mostrou a importância de cada pessoa assumir a concretização do “novo céu e da nova

215

SILVA, Francis Paulina Lopes In: Aragem do Sagrado. Deus na Literatura brasileira contemporânea. p. 120. 216

BINGEMER, Maria Clara. A argila e o espírito. Ensaios sobre ética, mística e poética. Rio de Janeiro:

Garamond, 2004. pp. 134-135. 217

MENDES, Mendes. O Cristo da pedra Fria e Cristo subterrâneo. ANEXO III. 218

MENDES, Murilo. A poesia em pânico. Rio de Janeiro: Cooperativa Cultural Guanabara, 1938. Disponível

em: http://www.jornaldepoesia.jor.br/mu4.html. Acesso em: 03.08.2013.

Page 94: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

94

terra” (Is 65,17) no hoje e aqui da história. Jesus não se distanciou da vida e da caminhada do

ser humano. Ele, Deus feito homem, sentiu as dores e as alegrias, caminhou com o povo, foi

humilhado, perseguido, caluniado, assumiu sua cruz como sinal de entrega e de amor a Deus e

à sua criação e ordenou: “Vá e faça a mesma coisa” (Lc 10,37).

A gritante realidade de pobreza e exploração na América Latina, acobertada por uma

produção midiática que valoriza a religião do mercado, em que o consumo desenfreado

procura mascarar a identidade de um povo, desvalorizando a pessoa e sua cultura, afronta a

pastoral219

que pretende acolher e acompanhar as pessoas nas suas mais diversas necessidades

humanas, sociais e especialmente religiosas. Em um século marcado pelo individualismo, a

Igreja Católica motiva seus fiéis a intensificar a vida em comunidade, e de forma integrada

com as demais, ser “comunidades de comunidades”. O documento de Aparecida destacou a

necessidade de renovação, revitalização e mesmo transformação das estruturas da Igreja, a

começar pela Paróquia, e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil teve o mesmo tema em

sua assembleia no ano de 2013, e indicou pelo menos sete desafios especialmente para a

Igreja católica:

o desafio da vida urbana;

o desafio da identidade;

o protagonismo dos leigos;

novas expressões;

novos métodos;

novo ardor (família e missão), e

anúncio e catequese.220

Recentemente em visita ao Brasil, o Papa Francisco, em suas colocações claras e

profundas, comentou alguns aspectos, por exemplo, sobre o papel da Igreja na América

Latina:

Quero que as Igrejas saiam às ruas, quero que nos defendamos de tudo que

seja mundanismo, do que seja instalação, do que seja comodidade, do que

seja clericalismo, do que seja estar fechados em nós mesmos. As paróquias,

as escolas, as instituições são para sair; se não o fizerem, tornam-se uma

ONG, e a Igreja não pode ser uma ONG. 221

219

As pastorais são uma ação concreta de evangelização da Igreja do Brasil e na América Latina, contando com

pessoas de boa vontade, comprometidas com o Evangelho de Jesus Cristo e chamadas a ser fermento na massa. 220

Disponível em: http://www.cnbb.org.br/site/articulistas/dom-pedro-luiz-stringhini/12007-comunidade-de-

comunidades-uma-nova-paroquia. Acesso em: 04.08.2013. 221

Palavras do Papa FRANCISCO no Brasil. São Paulo: Paulinas, 2013. p. 44.

Page 95: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

95

Assim como a poesia muriliana encontrou nos discípulos de Emaús um novo impulso,

o Papa Francisco reanima toda a Igreja a estar presente, de olhos e ouvidos abertos e atentos.

E, como Jesus, caminhar com os aflitos, descobrindo novas maneiras de aquecer o coração e

fazer da Igreja a casa do acolhimento mútuo e da amizade, para voltar hoje a Jerusalém, não

mais o lugar geográfico, mas a todos os lugares onde haja conflitos, injustiças, ódio e

opressão. Diz o Papa Francisco, de certo modo poético, mas também profético:

Precisamos de uma Igreja capaz de fazer companhia, de ir para além da

simples escuta; uma Igreja que acompanha o caminho pondo-se em viagem

com as pessoas; uma Igreja capaz de decifrar a noite contida na fuga de

tantos irmãos e irmãs de Jerusalém; uma Igreja que se dê conta de como as

razões, pelas quais há pessoas que se afastam, contém já em si mesmas

também as razões para um possível retorno, mas é necessário saber ler a

totalidade com coragem. Jesus deu calor ao coração dos discípulos de

Emaús.

O Papa conclamou os jovens na Jornada Mundial da Juventude Rio 2013 para “pôr

Cristo em sua vida” e “Deixar-se amar por Jesus, pois ele é um amigo que não desaponta”. E

acrescentou: “Amigos queridos, a fé é revolucionária e eu lhe pergunto, hoje: está disposto,

está disposta a entrar nesta onda da revolução da fé? Só entrando, sua vida jovem terá sentido

e, assim, será fecunda”.222

Na cidade de Aparecida, o Papa disse que “precisamos transmitir

aos nossos jovens os valores que farão deles construtores de um País e de um mundo mais

justo, solidário e fraterno” e chamou a atenção de todos para três posturas: conservar a

esperança; deixar-se surpreender por Deus; viver na alegria”.223

No discurso aos participantes

do Congresso Eclesial da Diocese de Roma, o Papa Francisco pediu que “não tenhais medo

do diálogo com outras comunidades”:

A Igreja esteve sempre presente nos lugares onde se elabora cultura. Mas o

primeiro passo é sempre a prioridade aos pobres. Devemos ir também às

fronteiras do intelecto, da cultura, na altura do diálogo, do diálogo que traz a

paz, do diálogo intelectual, do diálogo racional. O Evangelho é para todos!

Foram muitos os questionamentos sobre a presença contagiante do Papa Francisco

com seu jeito simples, humilde e amoroso. A identificação com a pessoa do Papa aproximou

as pessoas especialmente da Pessoa e da mensagem de Jesus, pois se apresentou não apenas

como um bom comunicador, mas como um evangelizador e seguidor de Jesus. A presença do

Papa no Brasil demonstrou a necessidade de uma mística encarnada, pois ele, ao dirigir-se aos

222

Palavras do Papa FRANCISCO no Brasil. p. 57. 223

Palavras do Papa FRANCISCO no Brasil. p. 22.

Page 96: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

96

mais pobres, ofereceu alegria e clamou por resistência contra todo tipo de violência e

injustiças. Atualmente as relações profundamente fragilizadas pela concorrência e competição

impedem muitas vezes de as pessoas sensibilizarem-se com o sofrimento ou conquistas de

outrem, o que causa uma carência não apenas material, mas também afetiva e espiritual.

Exemplos como o do Papa, que ao chegar ao Brasil pediu licença para entrar224

, mostram

como a compaixão e o acolhimento devem ser vertentes fundamentais da ação pastoral no

Brasil e na América Latina.

Para que a ação pastoral provoque efetivamente uma mudança na vivência comunitária

e social implica assumir efetivamente e afetivamente a Pessoa do Cristo no próximo, em todos

os momentos, assim como quando fazemos memória do sofrimento, a paixão e a Páscoa de

Jesus. Disse o Papa Francisco que viver a Semana Santa é “sair de nós mesmos para ir em

direção à periferia e ao encontro dos mais afastados, dos esquecidos, dos que necessitam de

compreensão, consolo e ajuda”.225

A pobreza não é desejo de Deus, pois impede de se viver dignamente; e a expressão de

amor mais latente é viver a solidariedade em forma de protesto contra a pobreza. Como diz

Paul Ricouer, não se está realmente com os pobres senão lutando contra a pobreza.226

Jesus

falou do Reino de Deus, e um dos critérios para se entrar nesse Reino é o desprendimento dos

apegos contra o espírito da pobreza evangélica.227

Nas “bem-aventuranças” (Mt 5,3) Jesus

falou dos “pobres em espírito” e que o Reino dos céus pertence a eles. Os “pobres em

espírito” estão de coração aberto, disponíveis para deixar tudo, para, na sua humildade, seguir

a Jesus. Os pobres são a base teológica já que é neles, por eles e para eles que Deus se revela

na história humana.228

Uma teologia a serviço da vida precisa estar atenta e disposta a cuidar

224

Palavras do Papa FRANCISCO no Brasil. pp. 15-16. “Aprendi que para ter acesso ao povo brasileiro é

preciso ingressar pelo portal do seu imenso coração; por isso, permitam-me que nesta hora eu possa bater

delicadamente a esta porta. Peço licença para entrar e transcorrer esta semana com vocês. Não tenho ouro nem

prata, mas trago o que de mais precioso me foi dado: Jesus Cristo! Venho em seu nome, para alimentar a chama

de amor fraterno que arde em cada oração; e desejo que chegue a todos e a cada um a minha saudação: a paz de

Cristo esteja com vocês!” 225

Primeira Audiência Geral do Papa Francisco: Disponível em:

http://www.news.va/pt/results?q=sair+de+n%C3%B3s+mesmos+para+ir+em+dire%C3%A7%C3%A3o+%C3%

A0+periferia+e+ao+encontro+dos+mais+afastados%2C+dos+esquecidos%2C+dos+que+necessitam+de+compre

ens%C3%A3o%2C+consolo+e+ajuda. Acesso em: 01.08.2013 226

GUTIERREZ, Gustavo. Teologia da libertação. p. 361. 227

Cat., 2544. 228

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: reflexão teológica contida a partir dos romances de Jorge

Amado. p. 229.

Page 97: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

97

de duas fomes: “uma de pão, que é saciável, e outra de beleza, insaciável”.229

A fome de pão

não implica somente distribuir o alimento, pois “só podemos falar de libertação do pobre

quando o pobre mesmo surge como sujeito principal de sua caminhada, mesmo apoiado por

outros aliados”230

, a conseguir o alimento, o emprego, a casa e outros direitos.

A busca da beleza, também compreendida como “a busca do sentido da vida como

exercício de liberdade”231

, transcende o olhar aparente e as palavras, para ecoar no interior de

cada um, através do silêncio e da contemplação, o agir amoroso de Deus. Bingemer ressalta

que “graças à espiritualidade, a poesia entra no jogo inventivo do espírito e da beleza que se

comunicam através das palavras”232

, assim a espiritualidade, área da teologia que estuda a

relação do ser humano com Deus, terá sentido se guiar a pessoa para encontrar o belo em uma

mística e em uma práxis, a partir de Jesus, através de uma maneira nova de se relacionar com

Deus, experimentando os frutos de uma a espiritualidade que anima e motiva a vida cristã.233

A Lumen gentium convida-nos a buscar em Cristo o sentido mais profundo da pobreza cristã:

Como Cristo realizou a obra da redenção na pobreza e na perseguição, a

Igreja é chamada a seguir pelo mesmo caminho para comunicar aos homens

os frutos da salvação. Cristo Jesus “que era de condição divina... despojou-se

de si próprio tomando a condição de escravo” (Fil. 2, 6-7) e por nós, “sendo

rico, fez-se pobre”(2 Cor. 8,9): assim também a Igreja, embora necessite dos

meios humanos para cumprir sua missão, não foi instituída para buscar a

glória terrestre, mas para proclamar a humildade e a abnegação, também

com o seu próprio exemplo.234

Viver essa pobreza cristã é Acompanhar o Cristo desde a sua encarnação, que se

realizou como um ato de amor para toda a humanidade em toda sua vida pública até o

calvário, morte e ressurreição, como fazia Murilo Mendes, que procurou viver plenamente o

cristianismo buscando inspiração no Cristo e em sua Palavra. Havia em Murilo um sentimento

que o instigava a acompanhar a vida toda do Cristo. Essa exigência nasce de uma mística que

o faz uma pessoa mais sensível aos apelos do homem e da mulher do seu tempo. Porque

incomoda ver o sofrimento, a exclusão, doentes abandonados, enquanto cristãos deveriam

229

ANJOS, Marcio Fabri dos. “et alli” (org.) Teologia e novos paradigmas. São Paulo: Edições Loyola, 1996. p.

81. 230

ANJOS, Marcio Fabri dos. “et alli” (org.) Teologia e novos paradigmas. p. 82. 231

BOGAZ, Antonio S. & COUTO, Marcio A. “et alli” (orgs.) Vinho novo, odres velhos. São Paulo: Edições

Loyola, 200. p. 31. 232

BINGEMER, Maria Clara. A argila e o espírito. Ensaios sobre ética, mística e poética. Rio de Janeiro:

Garamond, 2004. p. 126. 233

MURAD, Afonso & MAÇANEIRO, Marcial. A espiritualidade como caminho e mistério. Os novos

paradigmas. São Paulo: Edições Loyola, 1999. p. 15. 234

LG, 8.

Page 98: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

98

estar comprometidos com a própria causa de Jesus Cristo. O poeta irá, ele mesmo, fazer a

experiência de “acompanhar o Cristo” na cruz dos que sofrem, pois deseja ver uma sociedade

mais justa e mais humana.

Morrer e ressuscitar com Cristo é vencer a morte e entrar em uma vida nova (Rm 6,6-

11), na qual a cruz e a ressurreição selam nossa liberdade. Porém, os primeiros discípulos de

Jesus tiveram dificuldades em compreender e aceitar a Cruz de Cristo. A rejeição se deu

porque os discípulos entenderam a cruz como sinal de fracasso do homem em quem tinham

colocado todas as suas esperanças de vida; na verdade demoraram a crer que até mesmo o

Filho de Deus sofreria a tão humilhante morte de cruz. Na verdade, os discípulos representam

todos aqueles que ignoram a cruz de Cristo, ou utilizam-se dela como meio de alcançar seus

desejos imediatos, pois estarão “desvirtuando a cruz de Cristo” (1Cor 1,17) e por isso mesmo

distorcendo o cristianismo.235

A cruz de Jesus é sinal de anúncio de felicidade somente para

aqueles que conseguem enxergar nela a novidade do Reino de Deus, que se encontra na

renúncia de bens e de satisfação pessoal.

Jesus, ao compreender sua missão como Filho de Deus, levava a Boa Notícia a todos.

Porém, como seu anúncio exigia, para alguns, renunciar a farturas que acumulavam, estes não

queriam deixar sua riqueza e seus excessos para seguir Jesus. Foram os pobres e

marginalizados os que o compreenderam e se sentiram acolhidos pelas palavras e ações do

Mestre. O seguimento no caminho de Jesus, porém mostrava-se exigente também para os

pobres - que pouco possuíam para renunciar do ponto de vista material, mas, ainda assim lhes

era exigido renunciar a outros “deuses” para servir a um só Deus. Essa decisão talvez não

fosse também muito fácil para os mais pobres, que se encontravam subordinados ao poder

vigente e eram seduzidos em troca de “pão e circo”, preservando a pobreza da maioria dos

excluídos da época de Jesus e ao mesmo tempo se aproveitando dela. Pagola comenta que

“colocar a cruz de Cristo no centro do cristianismo não significa centralizar o cristianismo no

sofrimento, renunciando a toda busca de felicidade”.236

A cruz de Cristo exige renúncia a uma

felicidade egoísta e aponta para uma realização do ser humano, exige compromisso com o

bem e a felicidade do outro. Reduzir o sofrimento provocado por um sistema de exploração,

promover a dignidade humana, construir a paz e a justiça, acreditar e espalhar a alegria que

nasce do encontro fraterno, acreditar na vida são compromissos de quem assume a cruz de

235

PAGOLA, José Antonio. É bom ter fé – uma teologia da esperança. São Paulo: Edições Loyola, 1998. p. 66. 236

PAGOLA, José Antonio. É bom ter fé – uma teologia da esperança. p. 67.

Page 99: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

99

Cristo, e devem estar certos de que não estarão privados de perseguição e sofrimento. A

certeza da vitória sobre todo tipo de mal levou Paulo apóstolo a afirmar que “outra coisa não

quero senão Jesus Crucificado e Ressuscitado” e é esta mesma certeza que anima homens e

mulheres a “acompanhar os passos do Senhor Jesus”, da Encarnação à Morte, da Cruz à Vida,

do humano ao Divino, das trevas à Luz, do sofrimento à alegria, como ressaltou Murilo, no

lugar de se debruçar no sofrimento e esquecer-se de promover a vida de tantos que necessitam

de uma Boa notícia em sua vida. Forte expressa a profundidade da experiência da cruz: “No

silêncio da cruz, Deus fala. Na morte, a vida vence”.237

3.1 – Missão dos leigos, sonho do poeta

O interesse do poeta pela religião e especialmente pela vida de Jesus assemelha-se ao

que os documentos da Igreja, especialmente a partir do Concílio Vaticano II, especificam

como missão dos leigos. A Lumen Gentiun oferece a compreensão que o Concílio Vaticano II

tem dos leigos:

Pelo nome de leigos aqui são compreendidos todos os cristãos, exceto os

membros da ordem sacra e do estado religioso aprovado na Igreja. Estes fiéis

pelo batismo foram incorporados a Cristo, constituídos no povo de Deus e a

seu modo feitos partícipes do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo,

pelo que exercem sua parte na missão de todo povo cristão na Igreja e no

mundo.238

O Concílio Vaticano II afirmou que a vocação/missão do leigo é sua índole secular.239

O leigo é chamado a testemunhar sua fé e a ser luz do mundo nos diversos campos da

sociedade, como na saúde, política, educação, artes, vida internacional, meios de comunicação

social e, ainda, em outras realidades abertas para a evangelização, como a família, a educação

das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento240

, para que a Igreja

possa promover um diálogo com a sociedade e assim oferecer uma resposta evangélica aos

seus anseios. Os leigos são convocados a transformar o mundo, pois o Evangelho, inspiração

e força de todo cristão, deve penetrar e aperfeiçoar as realidades terrenas.

237

FORTE, Bruno. Teologia em diálogo. Para quem quer saber e para quem não quer saber nada disso. São

Paulo: Edições Loyola, 2002. p.76. 238

LG, 32. 239

GS, 62. 240

CL, 23.

Page 100: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

100

A Christifidelis Laici, exortação apostólica pós-sinodal, define que a identidade dos

leigos só pode ser compreendida a partir da comunhão na Igreja,241

e da participação da

missão da Igreja, colaborando com os pastores. Dos leigos espera-se que sejam protagonistas

e, em certa medida, criadores de uma nova cultura humanista. O leigo deve viver o evangelho

servindo à pessoa e à sociedade para que o Reino se torne, de fato, fonte de libertação e de

salvação total para todos os homens.242

Como vimos anteriormente muitos que marcaram a história da mística cristã tiveram

uma trajetória de vida mais ligada a mosteiros ou a conventos, porém, com um olhar mais

voltado para as realidades temporais que os levaram a experimentar Cristo nos diversos

desafios. No contexto das transformações do mundo da economia e do trabalho, os leigos

devem empenhar-se na solução dos problemas do crescente desemprego, lutando em favor da

superação das injustiças, assumindo o dever de serem construtores da paz.243

Diante de tais desafios, o mundo é o locus da mística cristã especialmente para os

cristãos que se sentem chamados a fazer uma profunda experiência do chamado de Deus no

seguimento a Jesus, refazendo, na sua atividade cotidiana, a unidade de uma vida que

encontra no Evangelho inspiração e força para se realizar em plenitude.244

A superação do

relativismo entre o sagrado e o profano, existente desde os tempos mais remotos do

cristianismo, continua sendo um dos desafios para o cristão consciente da sua missão

profética. O despertar dos cristãos para a necessidade de fazer ressoar a mensagem de fé – em

Jesus e na sua mensagem – torna-se um imperativo a fim de desabrochar uma vivência mística

a partir, principalmente, da religião e da religiosidade.245

A essência da religião para Murilo Mendes é ser cristão. Ele ressalta que “Poeta

cristão não é sempre o que escreve versos sobre assuntos religiosos: é o que opera como

cristão ante qualquer tema profano”. (dE 434). Na visão do poeta, “a religiosidade ultrapassa

o nível de doutrina para ser Caminho, Verdade e Vida”, realidade que exige uma

compreensão muito mais profunda. Em consonância com o documento Evangelização e

missão profética da Igreja, destacamos:

241

CL, 113. 242

CL, 36. 243

CL, 42. 244

CL, 34. 245

BOGAZ, Antonio S. & COUTO, Marcio A. “et alli” (orgs.) Deus Onde está?A busca de Deus numa

sociedade fragmentada. São Paulo: Edições Loyola, 2001, p. 129.

Page 101: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

101

Faz-se necessário aprofundar a dimensão profética da ação evangelizadora

diante dos desafios que a nova cultura coloca. Sobre isso nos alerta João

Paulo II: “uma fé que não se torna cultura é uma fé não plenamente acolhida,

não inteiramente pensada e nem fielmente vivida”.246

Todo cristão é ungido pelo Espírito, no batismo, para que sua vida seja configurada a

Cristo, por ele e nele plenificado pelo Espírito. Como porção do povo de Deus247

, nenhum

batizado tem o direito ao descompromisso, porque é chamado a viver em serviço e

comunhão248

. Como já afirmamos anteriormente, a exigência que se impõe ao cristão de viver

profundamente uma mística cristã para responder primeiramente ao apelo de Deus e ao

mesmo tempo os clamores da atualidade é um desafio; no entanto, deve ser maior a alegria de

contemplar o mundo movido pelo Espírito.

Murilo Mendes demonstra em seu poema a necessidade de tirar do papel o

aprendizado da Palavra, a necessidade do ser católico e deixar-se mover pela novidade de

Deus, de fazer a experiência do encontro com o Cristo ressuscitado e Nele e a partir dele

tornarmo-nos melhores pessoas, para que o mundo seja um lugar melhor para se viver, sempre

no seguimento a Jesus:

Essa pequena aldeia de Emaús é a tenda da catolicidade, onde aprendemos a

compreender tudo o que é útil ao aperfeiçoamento do nosso espírito.

Passamos a perceber a totalidade e a universalidade da Pessoa de Cristo, e

que a vida da Escritura consiste Nele,249

desde a primeira palavra do Gênesis

até a última do Apocalipse.(dE 232)

Conclusão

Importante ressaltar que a experiência mística que, por sua vez, se esforça por atingir o

real em si mesmo, captado como um absoluto, não se fixa na razão. A exigência é de colocar-

se na presença de Deus; dispor-se à escuta e ao acolhimento. Bernard escreveu: “Tal é a

atitude que distingue radicalmente o metafísico, que se esforça por pensar Deus, e o homem

246

CNBB, Evangelização e Missão da Igreja, 22. 247

LIBANIO, João Batista. Concilio Vaticano II. Em busca de uma primeira compreensão. São Paulo: Edições

Loyola, 2005. p.115. Libanio desenvolve a importância da expressão povo de Deus porque influenciou muito a

eclesiologia do Vaticano II. “Esse chamado de Deus a toda humanidade para ser povo de Deus e viver em

comunhão filial com ele afeta cada indivíduo na sua realidade ontológica. K. Rahner vai chamá-lo de existencial

sobrenatural” 248

FORTE, Bruno. A Igreja ícone da trindade – breve eclesiologia. São Paulo: Edições Loyola, 1987. p. 47 249

VD, 7 – “A expressão “Palavra de Deus” acaba aqui por indicar a pessoa de Jesus Cristo, Filho eterno do Pai,

feito homem.”

Page 102: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

102

religioso, que se situa numa atitude de disposição e de receptividade a qual, nos místicos,

toma a forma de passividade”.250

A experiência mística não vive de uma ideia de Deus, mas mergulha em uma

receptividade radical em relação a uma realidade transcendente e desta nasce o testemunho

dos místicos que, com simplicidade, “julgam que sua união com Deus radica-se na fé; eles

não possuem a Deus, mas Deus se lhes dá por graça e da maneira que ele quer”.251

Contudo,

para chegar à elaboração de uma teologia mística, existiram esforços para uma unificação

doutrinal,252

pois a reflexão da experiência mística movida pela fé passa necessariamente pela

ideia de Deus elaborada pelo sujeito, assim como toda a Teologia. No entanto, a vida mística

não se reduz a um conhecimento, mas engloba uma instância afetiva, o que se torna um

desafio para uma Teologia que, para sobreviver, deve tornar-se receptiva a uma realidade

dinâmica em que a linguagem do amor seja um elemento de unidade.

A Teologia mística, por meio do método antropológico, irá demonstrar que o teólogo

só é verdadeiramente teólogo quando se colocar em posição de humildade na certeza de que

Deus poderá lhe revelar algo de grandioso por meio de suas pesquisas e conhecimento, mas a

real necessidade é a de vivenciar o mistério de Deus.253

Essa constatação permite ao místico

alguns questionamentos que contribuirão de forma mais efetiva na sua elaboração teológica:

O místico não pode escapar de um questionamento fundamental: que relação

estabelece a sua experiência com sua vida de fé essencial e permanente?

Consequentemente, como conceber uma relação com Deus diferente por sua

modalidade da relação que assegura o exercício comum da fé? Todo místico

cristão abordou estas questões de um modo ou de outro. Nenhum jamais

viveu no nível puramente empírico. Ele necessariamente passa ao plano da

reflexão crítica e, de bom grado ou não, chega ao nível teológico.254

A sede da presença de um Deus libertador, um Deus amoroso, um Deus presente e um

Deus Fiel desafia nosso continente latino-americano a “encontrar uma linguagem sobre Deus

que nasça da situação e dos sofrimentos criados pela pobreza injusta em que vivem as grandes

maiorias, e ao mesmo tempo um discurso alimentado pela esperança que levante um povo

250

BERNARD, Charles André. Teologia Mística. p. 29. 251

BERNARD, Charles André. Teologia Mística. p. 53. 252

BERNARD, Charles André. Teologia Mística. p. 107. 253

SUDBRACK, Josef. Mística a busca do sentido e a experiência do absoluto. p. 56. 254

BERNARD, Charles André. Teologia Mística. p. 107.

Page 103: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

103

rumo à libertação”.255

Na poesia de Murilo Mendes verificamos que o poeta, encorajado pelo

espírito de Emaús, deixou a experiência - mística - cristã traduzir-se em versos, desta forma,

levando ao íntimo das pessoas a beleza do mistério de Deus. Esse diálogo promissor entre

Teologia e Literatura tem demonstrado avanços para a Teologia que pretende interagir com o

mundo, a fim de que ele seja transformado num Reino de Amor, de paz e de liberdade, por

meio da vivência amorosa de Deus.

Bernard comenta que “A afirmação antropológica cristã fundamental é que o homem

foi criado à imagem e semelhança de Deus e situa-se diante dele como alguém capaz de

responder pelo seu próprio destino”.256

Percebemos que a poesia auxilia na aproximação do

homem moderno com a mística cristã, por meio de uma linguagem artística que esconde o que

pretende revelar, porém, profunda porque fala de Deus, e este se revela também por meio da

poesia.

Murilo Mendes nos revela, no movimento de sua poesia, um Deus que se quer

próximo de nossos anseios, e que se faz humano na partilha.

255

GUTIERREZ, Gustavo. A verdade vos libertará. Confrontos. São Paulo: Edições Loyola, 2000. p.72. 256

GUTIERREZ, Gustavo. A verdade vos libertará. Confrontos. p. 33.

Page 104: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

104

CONCLUSÃO GERAL

Apesar de existir uma vasta literatura sobre a mística cristã, ela é muito mais para ser

vivenciada do que para ser estudada. Os escritos de Murilo Mendes não versam sobre a

mística em si, mas são um sinal de como vivê-la em plenitude, ou seja, a serviço do outro.

Diante dos desafios de sua época, tão próprios também dos nossos dias, ele, mais do que

imprimir em versos toda sua indignação com a indiferença, a pobreza, a desigualdade, tornou-

se adepto de uma religião a serviço da vida, voltada para os problemas humanos, terrenos.

Mística é isso: atitude diante do outro, diante da natureza e diante de Deus, é compromisso

com o Deus da vida, com a Cruz de Jesus como significado da Sua entrega em favor da

humanidade. Desde os primeiros séculos do cristianismo muitos homens e mulheres

dedicaram sua vida a colocar em prática a vontade do Pai revelada por Jesus. Este revelou,

por meio de palavras e ações, que a vontade do Pai é a “libertação aos presos, aos cegos a

recuperação da vista e a libertação dos oprimidos”. (Lc 4,18-19)

Os místicos se empenham em dar um sentido autêntico à vida, exigência fundamental

para os que decidiram seguir Jesus Cristo como único Mestre e Senhor. Esta oração que Jesus

rezou resume a maneira como vivem o discipulado e contribuem para que o Reino de Deus se

realize na história: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas

coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”. (Mt 11,25-27)

Por ser o seguimento de Jesus, para os cristãos, a maneira mais autêntica de viver a

existência humana, seja no âmbito pessoal e familiar, seja no engajamento sociopolítico, é

urgente e desafiador o que o apóstolo Paulo escreveu: “Tenham em vós os mesmos

sentimentos de Cristo”. (Fl 2,5) Quando o homem assumir os mesmos sentimentos e atitudes

de Cristo, acolhendo os pequeninos e ao compadecer-se de suas dores, tomar a coragem de

levantar todos os caídos do caminho, poderá afirmar que compreendeu o verdadeiro sentido

da mística cristã, pois é no encontro com o próximo que se encontra Deus.

Encontrar Deus que “está no meio de nós” é “deixar-se seduzir”(Jr 20,7) por seu

chamado, é encantar-se diante da beleza e das maravilhas da criação; é cuidar para não ser

seduzido por ídolos e não permitir que atitudes contrárias ao Projeto de Deus se oponham à

Page 105: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

105

concretização do Seu Reino, atitudes como a indiferença diante da vida ameaçada por tantas

situações degradantes como as que vivemos hoje.

Deus não quer a vida ameaçada. Neste sentido, na América Latina, palco de tantas

situações degradantes da vida humana, onde imperam a pobreza, a exclusão social, o

desrespeito ao papel da mulher, a falta de oportunidade para jovens, a exploração sexual de

crianças e o trabalho infantil,257

a Teologia deve levar a pessoa a acreditar na presença de um

Deus-Amor que exige o compromisso de cumprir o que Ele antes nos ordenou: amor a Deus e

amor ao próximo.

Ao “deixar-se seduzir por Deus”, Murilo entendeu que o Evangelho anunciava um

Novo Caminho, um novo jeito de viver, e este novo jeito incluía comprometer-se com o que

Ele antes nos ordenou: amar a Deus e amar ao próximo. Ele, que vivia em meio a agnósticos,

comunistas ou comunizantes, e se considerava delirantemente moderno, confessa que via a

religião como algo obsoleto, ultrapassado. Ele, que nascera em berço católico, admitia o quão

difícil era entender como alguém de bom gosto pudesse ser católico. Mas foi pelo exemplo de

um católico que se permitiu descobrir Deus como um Pai amoroso, e Jesus como o Amigo a

ser seguido; permitiu-se, assim, contaminar pela solidariedade e compaixão de Jesus para com

as pessoas, especialmente para com os mais pobres e sofridos. É somente a partir da prática de

sua descoberta que Murilo consegue fazer ecoar em sua poesia a mística cristã. Essa mística

percebida na poesia de Murilo Mendes tem motivado pesquisadores de diversas áreas do saber

(Literatura, Teologia, Ciências da Religião, Antropologia) a verificar em suas obras o que

levou o poeta a uma conversão ao cristianismo: uma conversão que o encorajou a falar de

Deus sem preocupar-se com os coloquialismos literários da sua época.

A beleza própria da poesia muriliana possibilitou uma compreensão da mística muito

mais a partir do cotidiano e das coisas pequenas da vida, do que exigências restritas a

tradições e ritualismos sejam na poesia ou no cristianismo. A poesia de Murilo Mendes que

abundantemente trata de Deus, da Palavra de Deus, da religiosidade, do cristianismo e da

Pessoa de Jesus marcou a temática humana a partir da abordagem pelo universo literário.

257

Acrescenta Feller: A crise da modernidade, a injustiça social, o terrorismo, a violência urbana e rural, o

narcotráfico, a corrupção política, o fracasso da ciência e da técnica na solução efetiva de doenças e problemas

crônicos, a destruição do meio ambiente, os males cometidos contra as crianças, entre outros, são problemas

próprios de nossa época que demandam uma resposta salvífica da parte das religiões. FELLER, Vitor Galdino. O

sentido da salvação. Jesus e as religiões. p. 102.

Page 106: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

106

Como a poesia é a voz da alma, Murilo além de compreender a dinâmica do que a

poesia pode causar em sua vida, fez dela um livro aberto ao fazer memória da sua vida e da

experiência de Deus. Essa abertura é fruto do Espírito Santificador que o levou a amadurecer,

compreendendo o papel do ser humano no mundo e sua efetiva contribuição com Deus, no

seguimento a Jesus e fazendo da poesia uma oportunidade para falar de Deus e do seu infinito

Amor.

A Palavra de Deus que desentranhada em forma de poesia e prosa nas obras de Murilo

Mendes demonstrou um homem muito mais que convertido: um apaixonado por Cristo. É esta

necessidade que se impõe para a Teologia hoje: contribuir para que seja apaixonante descobrir

Deus, seguir Jesus, buscar a justiça, o amor ao próximo e amar a vida e a criação como dom

de Deus. Se assim for, esse seguimento e amor poderão se traduzir em gestos de partilha e

solidariedade.

É graças a escritos como os de Murilo Mendes que percebemos a recuperação da

Mística em nosso dias, essa mesma mística que por séculos despertou homens e mulheres

para testemunharem uma experiência profunda de Deus e igualmente por outros séculos foi

rejeitada pela Igreja. Os desafios para esse resgate da mística parecem maiores em nossos

tempos do que foram em outros. Um deles apresentado ao cristianismo e aos que desejam

viver em seguimento de Jesus nos nossos dias é o desvio de interesses. O ser humano torna-se

mais vulnerável e deixa de se importar com a essência das coisas, sua busca desenfreada é por

prazer e satisfação pessoal e essa atitude reflete também na escolha da sua vivência

religiosa.258

A experiência de Deus a partir dos pobres que a Teologia pós-Concílio Vaticano

II, na América Latina, despertou na Igreja e em diversos movimentos sociais foi o motor da

retomada da mística cristã, de uma mística encarnada na realidade para comunicar Deus de

diversos modos, com o desejo da realização da justiça e da paz em lugares que apresentam

situações tão opressoras e injustas. Enquanto a sociedade mercantilista trata a pessoa como

mercadoria, a mística cristã abre um Caminho para o ser humano reconhecer o brilho nos

olhos de Deus e sentir-se amado por Ele.

Nesta análise da mística cristã ficou claro o que disse Karl Rahner “o cristão do futuro

será místico ou não será”, porque é preciso sair da inércia e mergulhar no mistério, tomar

258

FONTES, Sonia. Problemas do Cristianismo na Pós-Modernidade. Centro Loyola, Rio de Janeiro.

Disponível em: http://www.clfc.puc-rio.br/artigo_fc48.html. Acesso em: 12.08.2013.

Page 107: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

107

consciência que precisamos da presença amorosa do Cristo no nosso no cotidiano para

enfrentar com ternura, porém, com firmeza, os desafios que a modernidade nos impõe.

Constatamos a urgência da redescoberta da mística nos leigos cristãos, para uma vivência

mais comprometida com o Reino de Deus, e um processo de metanoia259

a fim de evitar os

exageros em ritos vazios, superficiais que não dizem nada à sensibilidade de hoje e por outro

lado demasiadamente espiritualizantes, marcas de uma Igreja descomprometida com a

pregação e exemplos de Jesus. Esta é a nossa tarefa como “Igreja” de hoje.

259

FORTE, Bruno. Teologia em diálogo. São Paulo, Edições Loyola, 2002. p. 151 Metanoia: em grego

conversão, mudança de mentalidade. Ver também Lexicon Dicionário teológico enciclopédico , 2003. p. 487

Page 108: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

ANEXO I

Meu Pai

Meu pai deixa cedo a fazendola familiar em

Santo Antonio da Pedra, no Oeste de Minas. Impele-o entre menino

e adolescente o desejo de ajudar meu avô que por motivo de saúde

descuidara-se de seus bens: interrompendo os seus estudos

emigra para a zona da Mata.

Possuindo inteligência intuitiva,

força de vontade, amor ao trabalho e o dom da comunicação,

dentro de poucos anos fixa-se, funcionário público, em Juiz de Fora,

casando-se (duas vezes) numa das mais antigas famílias do Brasil.

Desenvolvendo suas qualidades de simpatia humana e senso de

solidariedade com o próximo, torna-se um personagem querido (...)

Depois de determinada época, dispondo de situação segura,

poderia escolher o descanso.

Mas, prefere movimentar-se, tomar iniciativas, colaborar em obras sociais. É um dos

fundadores do Politeama, o vasto cinema-teatro local; faz abrir algumas ruas; ajuda a

liquidar a mendicância, à frente da criação, nos arredores da cidade, de um asilo em moldes

modernos; propõe melhoramentos que, por demais ousados, nem sempre se realizam.

Pensando na educação dos filhos, liga-se aos homens mais cultos de Juiz de Fora.

Independente por tendência e convicção, vive alheio à política; ignora o aulicismo1. (...).

Perdoa sempre.

Lê habitualmente vidas de santos ou de grandes figuras leigas do catolicismo, sabe de cor

histórias de São Vicente de Paulo, São João Bosco (então dom Bosco), Fréderic Ozanam,

humanista comentador de Dante, fundador das Conferências vicentinas.

Uma vez, sendo eu já moço, criticando diante de meu pai esta associação que ele presidia em

Juiz de Fora, respondeu-me com lucidez que Ozanam ao criar aquela entidade não pretendia

resolver a questão social, mas por seus membros e contato imediato com a realidade da vida,

fazendo-os tocar a miséria, treinando-os para futuros samaritanos.

Reportei-me então a uma época anterior, quando meu pai nos levava (cada semana um filho,

rotativamente) a uma ampla casa onde se recolhiam doentes, paralíticos, aleijados, tortos,

manetas, pernetas, cancerosos, (...), todos sustentados pela Conferência vicentina.

Meu pai (...) toma mil providências, trata-os com carinho, dando-lhes injeções de vida.

Alimentado (...) do leite da ternura humana, não se contenta em pastorear seus filhos. Tendo

dois de seus irmãos enviuvado, faz vir do interior alguns sobrinhos que recebe em nossa

casa, instruindo os à sua custa nos melhores colégios; isto durante vários anos.

1 Aulicismo: do latim “aulicus”, de “aula” = corte; frequentador da corte. Os áulicos eram os parasitas que

infestavam as cortes dos reis e viviam exclusivamente dos seus favores. Desempenhavam uma tríplice função:

contribuir para o esplendor da corte, lisonjear os monarcas e, eventualmente, participar das maquinações

políticas e conchavos de bastidores.

Fonte: Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo – Fundação Nacional de Material Escolar – Rio de Janeiro –

1972

Page 109: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

Meu pai é de uma paciência absoluta com o adolescente estranho que sou (...)prego partidas

a quase todos: padres e professores, perdem a cabeça comigo. Declaro sistematicamente que

só quero ser poeta, nada mais.

(...) pergunto-me como seria minha mãe, morta no meu primeiro ano de idade;(...)

Mais tarde alegra-se diante do sucesso dos filhos. (...) quanto a mim, alheio às maquinações

literárias, (...) ele me manda então para o rio uma bela carta, reclamando que eu deveria

escrever mais, publicar outros livros, fazer frutificar meus dons.

Meu pai morre imprevistamente aos 70 anos, cercado do afeto de todos; sendo seu corpo, a

pedido da Câmara Municipal, conduzido a pé ao distante cemitério a fim de que o povo possa

acompanhá-lo. Para que apoteose ao que sempre se distribuiu pelos outros; ao que, tendo

seguido a lição do samaritano, prolongou além da sua casa o círculo da família, sem jamais

fechar ao pobre o olhar e a bolsa.

Que me legou meu pai de grande e permanente? Sem dúvida a religião católica, apresentada

por ele, ao invés de certos padres, mais na flexibilidade do que na sua rigidez, incluindo o

respeito pelas crenças ou descrenças alheias; o interesse pela pessoa espantosa de Jesus

Cristo; a sensação, sempre renovada no catolicismo, de que me acho diante de questões

formidáveis. Moviam meu pai, conservador-progressista, a tradição, a grandeza de ânimo, a

tolerância, a ternura antissentimental, o bom senso. Ouvindo-o nunca reparei que lhe faltava

o canudo de doutor. Praticou a paz, não a paz telegráfica e a de comícios, viveu a paz em

musica de câmara, amando-a total na sua carne e no seu espírito.

Page 110: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

ANEXO II

Luminárias de Ouro Preto

No amor ocultas,

Ó planetárias!

Tu, Pai antigo,

Pastor eterno;

Geraste a luz;

Roda gigante,

Moves o mundo,

Nume pensante,

Grão propulsor,

Que tudo podes,

Menos parar,

Tu, Jesus Cristo,

Verbo encarnado,

Louco da Cruz,

Deus Alumbrado

Traz nova luz:

Lumeia logo

Toda a criação

Que vem ao mundo,

Segundo João;

O santo Espírito

Dos dois procede

Sopra a verdade,

Solda a unidade

Que liga os Dois;

O amor gerando

Page 111: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

ANEXO III

O Cristo da Pedra Fria

O Cristo da pedra fria

Sentou-se agora aqui em frente

Com a chaga do ombro aberta.

O mundo do demônio cai no chão,

O Cristo de manhã

Sentou-se na pedra fria,

O frio que sinto pela queixa dos mortos,

O frio da fome dos outros,

O frio do extremo desconsolo

Do desconsolo do Cristo em mim, em vós, em todos,

Na pedra fria, nossa alma

Que omite, que espanca.2

Cristo Subterrâneo

Descubro um Cristo secreto

Que nasce na Espanha súbito

Não é o Cristo vitorioso

Dos afrescos catalães,

Nem o Cristo de Lepanto

Suspenso por uma torre

De espadas, velas, paixões,

Não investe uma colina,

Não brilha no meio do altar

Entre ornamentos de prata.

Nem, no palácio dos ricos,

Nem no báculo dos bispos.

É um Cristo quase secreto

Que nasce das catacumbas

Da Espanha não-oficial.

Nasce da falta de pão

Nasce da falta de vinho,

Nasce da funda revolta

Contida pela engrenagem

Da roda de compressão

Nasce da fé maltratada,

Vagamente definida.

É um Cristo dos operários

Atentos, em pé de greve,

Filhos de outros operários

Mortos na guerra civil.

É um Cristo dos estudantes

2 Disponível em: http://uol.amaivos.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=3520&cod_canal=30.

Acesso em: 01.08.2013

Page 112: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

Sem dinheiro para as taxas.

É um Cristo dos prisioneiros

Que no silêncio cultivam

A pura flor da esperança.

É um Cristo de homens-larvas,

Famintos, inacabados,

Morando em covas escuras

De Barcelona e Valência.

É um Cristo da experiência

De padres inconformistas

Que não abençoam espadas

Nem incensam o ditador,

É um Cristo do tempo incerto,

É um Cristo do vir-a-ser,

Formado nos corações

Da Espanha que não se vê.

Page 113: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

11

BIBLIOGRAFIA

1. DE MURILO MENDES

Poemas, 1930

História do Brasil, 1932

Tempo e Eternidade, 1935 (em colaboração com Jorge de Lima)

O sinal de Deus – 1936

A Poesia em Pânico, 1937

O Visionário, 1941

As Metamorfoses, 1944

O Discípulo de Emaús, prosa, 1945

Mundo Enigma, 1945

Poesia Liberdade, 1947

Janela do Caos, 1949

Contemplação de Ouro Preto, 1954

Poesias (1925-1955), 1959

Siciliana – 1959

Tempo Espanhol, 1959

Poliedro, 1962

Alberto Magnelli – 1964

Italianíssima (7 murilogrammi) – 1965

Calderara: pitture dal 1925 al 1965 – 1965

Idade do Serrote, memórias, 1968

Convergência, 1970

Poliedro – 1972

Retrato Relâmpago, 1973

Marrakech – 1974

MENDES, Murilo & JUNIOR, Davi Arrigucci. Recordações de Ismael Nery. São Paulo:

EDUSP, 1996.

Livros publicados postumamente

Ipotesi, Org. de Luciana Stegagno Picchio 1977

Transistor. Seleção do autor e de Maria da Saudade Cortesão Mendes – 1980

Janelas verdes (primeira parte). Ilustração de Vieira da Silva – 1989

Page 114: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

12

2. SOBRE MURILO MENDES

ANDRADE, Jorge. Labirinto. São Paulo: Manole, 2009.

FIOREZI, Fernando In Murilo, Cecília e Drummond 100 anos com Deus na poesia brasileira.

São Paulo: Edições Loyola, 2004.

FRIAS, Joana Matos. O erro de Hamlet: poesia e dialética em Murilo Mendes. Rio de

Janeiro: 7 Letras, 2002.

LUCAS, Fábio. Murilo Mendes: poeta e prosador. São Paulo: EDUC, 2001.

MERQUIOR, José Guilherme. Notas para uma muriloscopia. In: Murilo Mendes poesia

completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.

NERY, Ismael. Recordação de Ismael Nery. Folha de São Paulo, Folhetim, 28.10.1984.

SCHWARTZ, Jorge. Da antropofagia Brasil, 1920-1950. São Paulo: Museu de Arte

Brasileira.

3. SOBRE TEOLOGIA E LITERATURA

ALVES, Rubem. Lições de Feitiçaria meditações sobre a poesia. São Paulo: Edições Loyola,

2003.

AMORA, Antonio Soares. Introdução à Teoria da Literatura. São Paulo: Cultrix, 1994.

ANDRADE, Mario Raul Moraes de. A volta do Condor. Diário de Notícias. Rio de Janeiro.

30.06.1940 In: Vida literária. São Paulo: Edusp, 1993.

BANDEIRA, Manuel. Apresentação da Poesia Brasileira. In: Poesia Completa e Prosa. Rio

de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1990.

BINGEMER, Maria Clara. A argila e o espírito. Ensaios sobre ética, mística e poética. Rio

de Janeiro: Garamond, 2004.

BOSI, Alfredo. História Concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.

CAMPOS, Mônica Baptista. Possibilidade de encontros teológicos-poéticos a partir da

mística na obra de Adélia Prado. In: ROCHA, Alessandro; YUNES, Eliana; CARVALHO,

Gilda (orgs.). Teologias e Literaturas. São Paulo: Fonte Editorial, 2011.

FERRAZ, Salma. A esfinge pejada de mistérios: travessias e travessuras de Judas. In:

Estudos da Religião. São Bernardo do Campo: ano 20, dez. 2006.

Page 115: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

13

GENTIL, Hélio Salles. Para uma poética da modernidade. Uma aproximação à arte do

romance em Temps et Récit de Paul Ricoer. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

KUSCHEL,K. J. Os Escritores e as escrituras. In: Retratos Teológicos Literários. São Paulo:

Edições Loyola. 1999,

MAGALHÃES, Antonio. Deus no Espelho das Palavras: Teologia e literatura em diálogo.

São Paulo: Paulinas, 2000.

MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: reflexão teológica contida a partir dos

romances de Jorge Amado. São Paulo: Edições Loyola, 1994.

MARIANI, Ceci Baptista e VILHENA, Maria Angela. Teologia e Arte, tudo a ver! In:

Teologia e Arte. Expressões de transcendência, caminhos de renovação. São Paulo: Paulinas,

2011.

PEIXOTO, Sergio Alves. A consciência criadora na poesia brasileira: do barroco ao

simbolismo. São Paulo: Annablume, 1999.

SILVA, Francis Paulina In: MORI, Geraldo De., SANTOS, Luciano., & CALDAS,

Carlos.(orgs.). Aragem do Sagrado. Deus na Literatura brasileira contemporânea. São Paulo:

Edições Loyola, 2011.

TEIXEIRA, Faustino. O mistério e a palavra. In: Poesia Sempre. nº 31, ano 16, 2009.

Ministério da Cultura. Fundação Biblioteca Nacional.

TRANSFERETTI, José Antonio. Entre a Po-Ética e a Política. Teologia Moral e

Espiritualidade. Petrópolis: Vozes, 1997.

VILHENA, Maria Ângela & MARIANI, Ceci Baptista. Teologia e Arte. Expressões de

transcendência, caminhos de renovação. São Paulo: Paulinas, 2011.

VILLAS BOAS, Alex. Teologia e Poesia – A busca de sentido em meio às paixões em Carlos

Drummond de Andrade como possibilidade de um pensamento poético religioso. Sorocaba:

Crearte Editora, 2011.

YUNES, Eliana. “et alii” (orgs.) Murilo, Cecília e Drummond 100 anos com Deus na poesia

brasileira. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

4. SOBRE TEOLOGIA E MÍSTICA

ALMEIDA, Edson Fernando de & NETO & Luiz Longuini (orgs.). Teologia Para Quê? In:

BARCELLOS, José Carlos. Literatura e Teologia. Rio de Janeiro, Instituto Mysterium, 2007.

ANJOS, Marcio Fabri dos. “et alli” (org.) Teologia e novos paradigmas. São Paulo: Edições

Loyola, 1996.

Page 116: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

14

BARBOSA, Francisco de Barros. A experiência do “Cristo Servo” na América Latina. Uma

cristologia de serviço e de seguimento. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

BETTO, Frei & BOFF, Leonardo. Mística e espiritualidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.

BERTELLI, Getúlio Antônio. Mística e Compaixão. A Teologia do seguimento de Jesus em

Thomas Merton. São Paulo: Paulinas, 2008.

BERNARD, Charles André. Teologia Mística. São Paulo: Edições Loyola, 2010.

BOGAZ, Antonio S. & COUTO, Marcio A. “et alli” (orgs.) Deus Onde está?A busca de Deus

numa sociedade fragmentada. São Paulo: Edições Loyola, 2001.

BOGAZ, Antonio S. “et alli” (orgs.) Vinho novo, odres velhos. São Paulo: Edições Loyola,

2000.

BOGAZ, S. Antonio; COUTO, Márcio Alexandre & HANSEN, João Henrique. Patrística

caminhos da tradição cristã. São Paulo: Paulus, 2008.

CATALAN, Josep Otón. A Experiência mística e suas expressões. São Paulo: Edições

Loyola, 2008.

COMBLIN, José. Quais os desafios dos temas teológicos atuais? São Paulo: Paulus, 2005.

DUPUIS, Jacques. Introdução à Cristologia. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

ESPEJA, Jesus. A espiritualidade cristã. São Paulo: Vozes, 1995.

FELLER, Vitor Galdino. O sentido da salvação. Jesus e as religiões. São Paulo: Paulus,

2005.

FINLEY, Mitch. O que a fé não é. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

FORTE, Bruno. A Igreja ícone da trindade – breve eclesiologia. São Paulo: Edições Loyola,

1987.

FORTE, Bruno. Teologia em diálogo. Para quem quer saber e para quem não quer saber

nada disso. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

GRÜN, Anselm. Mística descobrir o espaço interior. São Paulo: Vozes, 2012.

GUTIERREZ, Gustavo. Teologia da libertação. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

GUTIERREZ, Gustavo. Beber em seu próprio poço. Itinerário do espiritual de um povo. São

Paulo: Edições Loyola, 2000.

HERBSTRITH, Waltraud. Demorar-se com Deus. São Paulo: Edições Loyola, 1987.

KASPER, Walter. Cristologia abordagens contemporâneas. São Paulo: Edições Loyola, 1990.

LADARIA, Luis. F. Introdução à antropologia teológica. São Paulo: Edições Loyola, 1998.

Page 117: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

15

LECLERCQ, Jean. O amor às letras e o desejo de Deus. São Paulo: Paulus, 2012

LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II - Em busca de uma primeira compreensão. São

Paulo: Edições Loyola, 2005.

LIBANIO, João Batista. & ANTONIAZZI, Alberto. Vinte anos teologia na América Latina e

no Brasil. São Paulo: Vozes, 1994.

LIBANIO, João Batista & MURAD, Afonso. Introdução à Teologia: perfil, enfoques, tarefas.

São Paulo: Edições Loyola, 1996.

MAGAÑA, José. Jesus Libertador dos Oprimidos. São Paulo: Edições Loyola, 1990.

MURAD, Afonso & MAÇANEIRO, Marcial. A espiritualidade como caminho e mistério -

Os novos paradigmas. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

OLIVEIRA, José Lisboa Moreira. Na órbita de Deus. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

PAGOLA, José Antonio. É bom ter fé – uma teologia da esperança. São Paulo: Edições

Loyola, 1998.

PALAORO, Adroaldo. A experiência espiritual de Santo Inácio e a dinâmica interna dos

exercícios. São Paulo: Edições Loyola, 1992.

QUEVEDO, Luiz Gonzalez. Experiência de Deus: presença e saudade. São Paulo: Edições

Loyola, 2000.

RUBIO, Alfonso Garcia. O encontro com Jesus Cristo vivo. Um ensaio de cristologia para

nossos dias. São Paulo: Paulinas, 2001.

SCIADINI, Patrício. Uma hora com Elisabete da Trindade. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

SOBRINO, Jon. Fora dos pobres não há salvação. São Paulo: Paulinas, 2008.

SOBRINO, Jon. O princípio da misericórdia. Descer da cruz os povos crucificados.

Petrópolis: Vozes, 1994.

SUDBRACK, Josef. Mística a busca do sentido e a experiência do absoluto. São Paulo:

Edições Loyola, 2007.

TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. São Leopoldo: Sinodal, 2005.

VANNINI, Marco. Introdução à mística. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

VAZ, Henrique C. de Lima. Experiência mística e filosofia na tradição ocidental. São Paulo:

Edições Loyola, 2000.

ZILLES, Urbano. Fé e razão no pensamento medieval. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.

Page 118: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

16

ZILLES, Urbano. A modernidade e a Igreja. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1993.

5. SAGRADA ESCRITURA

BIBLIA SAGRADA – Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990.

6. DOCUMENTOS MAGISTERIAIS

ASSEMBLÉIA PLENÁRIA DOS BISPOS. Cidade do Vaticano, 27-28 de Março de 2006.

Via Pulchritudinis. O caminho da Beleza. São Paulo: Edições Loyola, 2007. BENTO XVI. Verbum Domini. São Paulo: Paulinas, 2010.

BENTO XVI. CARTA APOSTÓLICA. Santa Hildegarda de Bingen. 2012.

Disponível In:

http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/apost_letters/documents/hf_ben-

xvi_apl_20121007_ildegarda-bingen_po.html.

Acesso em: 10.08.2013.

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Vozes, 1992.

COMPÊNDIO DO VATICANO II. Petrópolis: Vozes, 2000.

CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes da Ação

Evangelizadora no Brasil 2011-2015. (Documentos da CNBB n. 94). São Paulo: Paulinas,

2011.

CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Evangelização e Missão

Profética da Igreja. (Documentos da CNBB n. 80). São Paulo: Paulinas, 2005.

DOCUMENTO DE APARECIDA. Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado

Latino-Americano e do Caribe. São Paulo: Paulus, 2007.

JOÃO PAULO II. Christifideles Laici. São Paulo: Edições Loyola, 1989.

JOÃO PAULO II. Fides et ratio. São Paulo: Paulinas, 2009.

JOÃO PAULO II. Novo Millennio Ineunte. São Paulo: Edições Loyola, 2001.

FRANCISCO. Palavras do Papa FRANCISCO no Brasil. São Paulo: Paulinas, 2013.

PAULO VI. Marialis Cultus. São Paulo: Paulus, 1974.

Page 119: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

17

7. ARTIGOS

SILVA, Maria Freire da. Espiritualidade e Mística em Perspectiva Trinitária. In: Revista de

Cultura Teológica. V.13 n. 50 – Jan/Mar 2005.

8. DICIONÁRIOS

BAUER, Johannes Baptist . Dicionário Bíblico-Teológico. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

BORRIELO, L., CARUANA, E., DEL GENIO, M.R.; & SUFFI,N. Dicionário de Mística.

São Paulo: Edições Loyola, 2003.

LOYN, Henry Royston. Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora,

1990.

TAMAYO, Juan José (org.). Novo dicionário de teologia. São Paulo: Paulus, 2009.

9. SITES

BARBOSA, Leila Maria Fonseca & RODRIGUES, Marisa Timponi Pereira. Arte e

Espiritualidade – O discurso religioso na obra de Murilo Mendes.

Disponível em: http://www.clfc.puc-rio.br/pdf/fc04.pdf.

Acesso em: em 05.03.2013.

BENÍCIO, Paulo José. Cristo e o discípulo de Emaús.

Disponível em:

http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_VI__2001_/Benic

io.pdf .

Acesso em: 01.04.2013.

BERTELLI, Getúlio Antônio. Thomas Merton: um precursor da espiritualidade da

libertação.

Disponível em: http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/wp-

content/uploads/2009/06/03thomasmerton.pdf.

Acesso em: 18.07.2013.

BINGEMER, Maria Clara. A literatura como um campo fértil de diálogo com a teologia.

Disponível em:

http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1640&se

cao=251.

Acesso em: 14.11.2012.

Page 120: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

18

BOMBONATTO, Vera Ivanise. O compromisso de descer da cruz os pobres. Disponível em:

http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/wp-

content/uploads/2009/06/02ocompromissodedescerdacruz.pdf.

Acesso em: 13.02.2013.

BRASIL ESCOLA. O que é Literatura.

Disponível em: http://www.brasilescola.com/literatura/o-que-e-literatura.htm.

Acesso em: 01.02.2013.

CARVALHO, Luiz Fernando Medeiros. Religiosidade na poesia de Murilo Mendes. Museu

de Arte Murilo Mendes. Juiz de Fora/MG.

Disponível em: http://www.ufjf.br/secom/2013/03/26/religiosidade-na-poesia-de-murilo-

mendes-e-tema-de-palestra-no-mamm/.

Acesso em: 20.07.2013.

COUTO, Alda Maria Quadros do. O sinal de Deus na cartografia critica de Murilo Mendes.

Disponível em: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=000120840.

Acesso em: 08.08.2013.

DIAS, André Luiz de Freitas & SILVA, Frederico Spada. Os arquivos de Murilos Mendes:

Biblioteca e filioteca.

Disponível em:

http://pendientedemigracion.ucm.es/info/especulo/numero44/mmendez.html.

Acesso em: 14.05.2013.

DÍAZ-MATEOS, Manuel. A vinte anos do Concílio. A Palavra de Deus no Concílio Vaticano

II.

Disponível em:

http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/viewFile/1819/2137.

Acesso em: 26.07.2013.

ESCOLA VIRTUAL. O Texto poético.

Disponível em :

http://www.escolavirtual.pt/assets/conteudos/downloads/10por/otextopoetico.pdf .

Acesso em: 11.02.2013.

ESCOLÁSTICA(A), pré-tomista.

Disponível em: http://www.mundodosfilosofos.com.br/escolastica.htm.

Acesso em: 01.04.2012.

FONTES, Sonia. Problemas do Cristianismo na Pós-Modernidade.

Disponível In http://www.clfc.puc-rio.br/artigo_fc48.html.

Acesso em: 12.08.2013.

Page 121: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

19

GASPARI, Silvana de. Tecendo comparações entre Teologia e Literatura

Disponível em: http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html.

Acesso em: 27.01.2013.

JUNIOR, Fernando Altemeyer. Concílio Vaticano II.

Disponível em: http://familiacrista.org.br/blog/3316.html. edição Julho/2013.

Acesso em: 26.07.2013.

JUNIOR, Edson Munck. A heterodoxia muriliana na dança com o sagrado. Anais da III

Jornada Interna do PPG Letras: Estudos Literários da UFJF, realizada na Universidade

Federal de Juiz de Fora de 05 a 09 de novembro de 2012.

Disponível em: http://www.ufjf.br/darandina/files/2013/04/do.pdf.

Acesso em: 17.07.2013.

LAVALL, Luciano Campos. A afirmação de “Deus Pai” na Teologia Rahneriana.

Disponível em:

http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/perspectiva/article/viewFile/1820/2138.

Acesso em: 16.06.2013.

LITERATURA BRASILEIRA. Murilo Mendes (1901 – 1975)

Disponível em:

http://www.literaturabrasileira.net/index.php?option=com_content&view=article&id=129:mu

rilo-mendes-1901-1975&catid=14:todos&Itemid=27.

Acesso em: 04.03.2013.

MENDES, Murilo. Nova cara do Mundo.

Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/060013-24#page/1/mode/1up.

Acesso em: em 12.08.2013.

MENEZES, Felipe Amaral Rocha de. Animais biográficos: um estudo de Poliedro, de Murilo

Mendes.

Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/ECAP-867M3U.

Acesso em: 08.08.2013.

PAZ, Octavio. O arco e a lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

(Coleção Logos). In Revista Brasileira de História das Religiões – Ano I, n. 3, Jan. 2009 -

ISSN 1983-2859. Dossiê Tolerância e Intolerância nas manifestações religiosas.

Disponível em: http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf2/texto%202.pdf.

Acesso em: 11.02.2013.

PRETTO, Hermilo Eduardo. Um Deus misericordioso e compassivo.

Disponível em: http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/wp-

content/uploads/downloads/2012/03/01-Um-Deus-misericordioso-e-compassivparte06.pdf.

Acesso em: 18.07.2013.

Page 122: CELIA SOARES DE SOUSA - sapientia.pucsp.br Soares de... · - Agradeço à Pastoral da Juventude, ao Movimento dos Focolares, e à Equipe da Lectio Divina que me despertaram para uma

20

REVISTA DE ESTUDOS LITERÁRIOS, 2010.

Disponível em: http://www.significados.com.br/linguagem.

Acesso em: 02.06.2013.

SACRAMENTO, Ozana Aparecida. A memória solidária: Uma leitura de A idade do Serrote

de Murilo Mendes.

Disponível em:

http://www.letras.ufmg.br/poslit/08_publicacoes_pgs/Em%20Tese%2004/Ozana%20Apareci

da%20do%20Sacramento.pdf.

Acesso em: 23.06.2013.

SANTOS, Rita de Cassi Pereira dos. Diálogo Poético.

Disponível em: http://www.textopoetico.com.br

Acesso em: 08.08.2013.

SILVA, José Candido da. Teologia e Mística. Revista Semestral do Instituto Santo Tomás de

Aquino – Centro de Estudos Filosóficos e Teológicos dos Religiosos – ISTA In Horizonte

Teológico Dez/2002. Ano I nº 02. Belo Horizonte – MG.

Disponível em: http://ista.edu.br/beta/publicacoes/revista-horizonte-teologico/. Acesso em:

14.05.2013.

SILVA, Rosana Rodrigues da. Tempo e Eternidade: a poesia religiosa de Jorge de Lima e de

Murilo Mendes In Revista de Estudos Literários Terra roxa e outras terras. Vol. 3.2003.

Disponível em: http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/g_pdf/vol3/vol3_te.pdf.

Acesso em: 15.04.2013.

TEIXEIRA, Elisângela Rodrigues. O poeta Murilo Mendes na revelação autobiográfica de A

idade do serrote. Tese para Mestrado em Letras na Fundação Universidade Federal do Rio

Grande. Agosto/2005.

Disponível em: http://www.ppgletras.furg.br/disserta/elizangelateixeira.pdf.

Acesso em: 15.03.2013

TEOLOGIA CONTEMPORÂNEA.

Disponível em: http://teologia-contemporanea.blogspot.com.

Acesso em: 15.10.2012.

TREM DE MINAS. Arte e Cultura de Minas Gerais. MURILO MENDES: Modernista

desarticulado.

Disponível em: http://www.terra.com.br/tremdeminas/murilo.htm.

Acesso em: 01.04.2013.

YUNES, Eliana. Dimensões da fé na Poesia Modernista Brasileira.

Disponível em: www.teoliteraria.com.br.

Acesso em: 15.05.2013.