cecília meirelesoutorga.com.br/pdf/livro_38_cecília_meireles.pdfcecília meireles pesquisa: luiz...

30
Cecília Meireles Pesquisa: Luiz Antonio Batista da Rocha Academia Barretense de Cultura - ABC Página 1 www.outorga.com.br [email protected] Cecília Meireles Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. * 07/11/1901 RJ + 09/11/1964 RJ - (63 anos) Nome completo Cecília Benevides de Carvalho Meireles Nacionalidade brasileira Parentesco Carlos Alberto de Carvalho e Meireles e Matilde Benevides Cônjuge Fernando Correia Dias (1922-1935) e Heitor Grillo (1940-1972) Filhas: Maria Elvira Meireles, Maria Matilde Meireles e Maria Fernanda Meireles Correia Dias Ocupação Poetisa, jornalista, professora de Literatura Principais trabalhos Ou Isso ou Aquilo / Romanceiro da Inconfidência Escola/tradição Modernismo, Simbolismo - Movimento estético Cecília Benevides de Carvalho Meireles [1] Foi uma poetisa, pintora, professora e jornalista brasileira. É considerada uma das vozes líricas mais importantes das literaturas de língua portuguesa. Índice 1 Biografia 2 Homenagens 3 Obras 4 Outros textos 5 Referências 6 Bibliografia 7 Ligações externas Biografia Órfã de pai e de mãe, Cecília foi criada por sua avó açoriana, D. Jacinta Garcia Benevides, natural da ilha de São Miguel . Aos nove anos, ela começou a escrever poesia. Frequentou a Escola Normal no Rio de Janeiro, entre os anos de 1913 e 1916 e estudou línguas, literatura, música, folclore e teoria educacional .

Upload: hanhu

Post on 08-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 1 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles

Origem Wikipeacutedia a enciclopeacutedia livre

07111901 ndash RJ + 09111964 ndash RJ - (63 anos)

Nome completo Ceciacutelia Benevides de Carvalho Meireles

Nacionalidade brasileira

Parentesco Carlos Alberto de Carvalho e Meireles e Matilde Benevides

Cocircnjuge Fernando Correia Dias (1922-1935) e Heitor Grillo (1940-1972)

Filhas Maria Elvira Meireles Maria Matilde Meireles e Maria Fernanda Meireles Correia Dias

Ocupaccedilatildeo Poetisa jornalista professora de Literatura

Principais trabalhos Ou Isso ou Aquilo Romanceiro da Inconfidecircncia

Escolatradiccedilatildeo Modernismo Simbolismo - Movimento esteacutetico

Ceciacutelia Benevides de Carvalho Meireles[1]

Foi uma poetisa pintora professora e jornalista

brasileira Eacute considerada uma das vozes liacutericas mais importantes das literaturas de liacutengua

portuguesa

Iacutendice

1 Biografia

2 Homenagens

3 Obras

4 Outros textos

5 Referecircncias

6 Bibliografia

7 Ligaccedilotildees externas

Biografia

Oacuterfatilde de pai e de matildee Ceciacutelia foi criada por sua avoacute accediloriana D Jacinta Garcia Benevides natural

da ilha de Satildeo Miguel Aos nove anos ela comeccedilou a escrever poesia

Frequentou a Escola Normal no Rio de Janeiro entre os anos de 1913 e 1916 e estudou liacutenguas

literatura muacutesica folclore e teoria educacional

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 2 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Em 1919 aos dezoito anos de idade Ceciacutelia Meireles publicou seu primeiro livro de poesias

Espectros um conjunto de sonetos simbolistas Embora vivesse sob a influecircncia do Modernismo

apresentava ainda em sua obra heranccedilas do Simbolismo e teacutecnicas do Classicismo Gongorismo

Romantismo Parnasianismo Realismo e Surrealismo razatildeo pela qual a sua poesia eacute considerada

atemporal

No ano de 1922 casou com o artista plaacutestico portuguecircs Fernando Correia Dias com quem teve

trecircs filhas Seu marido que sofria de depressatildeo aguda suicidou-se em 1935

Voltou a se casar no ano de 1940 quando se uniu ao professor e engenheiro agrocircnomo Heitor

Viniacutecius da Silveira Grilo falecido em 1972 Dentre as trecircs filhas que teve a mais conhecida eacute

Maria Fernanda que se tornou atriz de sucesso

Teve ainda importante atuaccedilatildeo como jornalista com publicaccedilotildees diaacuterias sobre problemas na

educaccedilatildeo aacuterea agrave qual se manteve ligada tendo fundado em 1934 a primeira biblioteca infantil

do Brasil

Observa-se ainda seu amplo reconhecimento na poesia infantil com textos como Leilatildeo de Jardim

O Cavalinho Branco Colar de Carolina O mosquito escreve Sonhos da menina O menino azul

e A pombinha da mata entre outros

Com eles traz para a poesia infantil a musicalidade caracteriacutestica de sua poesia explorando versos

regulares a combinaccedilatildeo de diferentes metros o verso livre a aliteraccedilatildeo a assonacircncia e a rima Os

poemas infantis natildeo ficam restritos agrave leitura infantil permitindo diferentes niacuteveis de leitura

Em 1923 publicou Nunca Maishellip e Poema dos Poemas e

Em 1925 Baladas Para El-Rei Apoacutes longo periacuteodo

Em 1939 publicou Viagem livro com o qual ganhou o Precircmio de Poesia da Academia Brasileira de

LetrasCatoacutelica escreveu textos em homenagem a santos como Pequeno Oratoacuterio de Santa Clara

de 1955 O Romance de Santa Ceciacutelia e outros

Em 1951 viajou pela Europa Iacutendia e Goa e visitou pela primeira e uacutenica vez os Accedilores onde na

ilha de Satildeo Miguel contatou o poeta Armando Ceacutesar Cocircrtes-Rodrigues amigo e correspondente

desde a deacutecada de 1940[2]

Homenagens

Preacutemio Machado de Assis (1965)

Soacutecia honoraacuteria do Real Gabinete Portuguecircs de Leitura

Soacutecia honoraacuteria do Instituto Vasco da Gama (Goa)

Doutora honoris causa pela Universidade de Delhi (Iacutendia)

Oficial da Ordem do Meacuterito (Chile)

Nos Accedilores de onde eram oriundos os seus pais[3]

o nome de Ceciacutelia Meireles foi dado agrave escola

baacutesica da freguesia de Fajatilde de Cima concelho de Ponta Delgada terra de sua avoacute-materna Jacinta

Garcia Benevides

Apoacutes sua morte recebeu como homenagem a impressatildeo de uma ceacutedula de cem cruzados novos

Esta ceacutedula com a efiacutegie de Ceciacutelia Meireles lanccedilada pelo Banco Central do Brasil no Rio de

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 3 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Janeiro (RJ) em 1989 seria mudada para cem cruzeiros quando da troca da moeda pelo governo de

Fernando Collor[4]

[5]

Obras

Ceciacutelia Meireles em Lisboa Desenho de seu primeiro marido Fernando Correia Dias

Espectros 1919

Crianccedila meu amor 1923

Nunca mais 1923

Poema dos Poemas 1923

Baladas para El-Rei 1925

Saudaccedilatildeo agrave menina de Portugal 1930

Batuque samba e Macumba 1933

O Espiacuterito Vitorioso 1935

A Festa das Letras 1937

Viagem 1939

Vaga Muacutesica 1942

Poetas Novos de Portugal 1944

Mar Absoluto 1945

Rute e Alberto 1945

Rui mdash Pequena Histoacuteria de uma Grande Vida 1948

Retrato Natural 1949

Problemas de Literatura Infantil 1950

Amor em Leonoreta 1952

Doze Noturnos de Holanda e o Aeronauta 1952

Romanceiro da Inconfidecircncia 1953

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 4 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas Escritos na Iacutendia 1953

Batuque 1953

Pequeno Oratoacuterio de Santa Clara 1955

Pistoia Cemiteacuterio Militar Brasileiro 1955

Panorama Folcloacuterico de Accedilores 1955

Canccedilotildees 1956

Giroflecirc Giroflaacute 1956

Romance de Santa Ceciacutelia 1957

A Biacuteblia na Literatura Brasileira 1957

A Rosa 1957

Obra Poeacutetica1958

Metal Rosicler 1960

Poemas de Israel 1963

Antologia Poeacutetica 1963

Solombra 1963

Ou Isto ou Aquilo 1964

Escolha o Seu Sonho 1964

Crocircnica Trovada da Cidade de San Sebastian do Rio de Janeiro 1965

O Menino Atrasado 1966

Poeacutesie (versatildeo francesa) 1967

Antologia Poeacutetica 1968

Poemas Italianos 1968

Poesias (Ou isto ou aquiloamp ineacuteditos) 1969

Flor de Poemas 1972

Poesias Completas 1973

Elegias 1974

Flores e Canccedilotildees 1979

Poesia Completa 1994

Obra em Prosa - 6 Volumes - Rio de Janeiro 1998

Canccedilatildeo da Tarde no Campo 2001

Poesia Completa ediccedilatildeo do centenaacuterio 2001 2 vols (Org Antonio Carlos Secchin Rio de

Janeiro Nova Fronteira)

Crocircnicas de educaccedilatildeo 2001 5 vols (Org Leodegaacuterio A de Azevedo Filho Rio de Janeiro

Nova Fronteira)

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 5 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Episoacutedio Humano 2007

Uma obra bastante particular e pouco conhecida de Ceciacutelia Meireles eacute o infanto-juvenil

Olhinhos de Gato Baseado na vida de Ceciacutelia conta sua infacircncia depois que perdeu sua matildee

Matilde Benevides Meireles e como foi criada por sua avoacute D Jacinta Garcia Benevides

(Boquinha de Doce no livro)

Ceciacutelia foi uma das maiores poetisas do Brasil Raimundo Fagner gravou vaacuterias muacutesicas tendo seus

poemas como base A exemplo de Canteiros Motivo e tantos outros

Outros textos

1947 - Estreia Auto do Menino Atrasado direccedilatildeo de Olga Obry e Martim Gonccedilalves

muacutesica de Luiacutes Cosme marionetes fantoches e sombras feitos pelos alunos do curso de

teatro de bonecos

19561964 - Gravaccedilatildeo de poemas por Margarida Lopes de Almeida Jograis de Satildeo

Paulo e pela autora (Rio de Janeiro - Brasil)

1965 - Gravaccedilatildeo de poemas pelo professor Cassiano Nunes (New York - USA)

1972 - Lanccedilamento do filme Os inconfidentes direccedilatildeo de Joaquim Pedro de Andrade

argumento baseado em trechos de O Romanceiro da Inconfidecircncia

Referecircncias

1 uarr Na ortografia vigente agrave eacutepoca de seu nascimento seu nome era grafado Cecilia Benevides

de Carvalho Meirelles

2 uarr GOUVEIA 2001187

3 uarr GOUVEIA 2001187

4 uarr httpwwwreleiturascomcmeireles_bioasp

5 uarrhttpwwwbbcombrportalbbpage3870387151016bbcodigoMenu=4686ampcodigoN

oticia=5549ampcodigoRet=4696ampbread=7

Bibliografia

GOUVEIA Margarida Maia Ceciacutelia Meireles um percurso de espiritualidade in

Atlacircntida vol XLVI 2001 p 187-194

Ligaccedilotildees externas

O Wikiquote possui citaccedilotildees de ou sobre Ceciacutelia Meireles

Biografia e poemas de Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles in Projeto Releitura

Ceciacutelia Meireles in Secrelnet

Ceciacutelia Meireles in Pegasos (em inglecircs)

Poemas de Amor - Poemas de Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 6 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 7 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

CECILIA MEIRELES GUILHERME DE ALMEIDA

POESIAS - VOLUME 9

GRAVADORA FESTA - LPP ndash 009 - 10 POLEGADAS

LADO A -CECILIA MEIRELES

1 ndash APRESENTACcedilAtildeO

02 - RETRATO

03 - ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA

04 - GUITARRA

05 - CAVALO MORTO

06 - BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO

07 - ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDEcircNCIA

08- CONTINUACcedilAtildeO

LADO B GUILHERME DE ALMEIDA]

01 - CARTA A MINHA NOIVA

CAPA E DISCO EM BOM ESTADO

Cecilia Meireles Guilherme De Almeida - Poesias-10 Polegadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II

Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara

com desenhos de andar dedicados ao vento

Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia

sombra de som curtindo o seu proacuteprio

lamento

Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado

sobrevivendo ao seu pateacutetico momento

Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio

que de um lado era amor e do outro

esquecimento

Translation in English Presentation

Here is my life - this sand so clear

with drawings of floor dedicated to the wind

Here is my voice - this empty shell

Sound enjoying the shade of your own regret

Here is my pain - this coral broken

surviving its pathetic moment

Here is my heritage - this lonely sea

that on one side was love and the other

forgetting

Cecilia Meireles in Natural Portrait

Traduction en Franccedilais Preacutesentation

preacutesentation

Voici ma vie - ce sable si clair

avec des dessins de sol deacutedieacute au vent

Voici ma voix - cette coquille vide

Son profite de lombre de votre grand regret

Voici ma douleur - ce corail briseacute

survivant son moment patheacutetique

Voici mon patrimoine - cette mer solitaire

que dun cocircteacute lamour et lautre loubli

Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

02 Retrato

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II

Eu natildeo tinha este rosto de hoje

assim calmo assim triste assim magro

nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo

Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila

tatildeo paradas e frias e mortas

eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra

Eu natildeo dei por esta mudanccedila

tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil

Em que espelho ficou perdida a minha face

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III

Como chegavas do casulo

mdash inacabada seda viva mdash

tuas antenas mdash fios soltos

da trama de que eras tecida

e teus olhos dois gratildeos da noite

de onde o teu misteacuterio surgia

Como caiacuteste sobre o mundo

inaacutebil na manhatilde tatildeo clara

sem matildee sem guia sem conselho

e rolavas por uma escada

como papel penugem poeira

com mais sonho e silecircncio que asas

minha matildeo tosca te agarrou

com uma dura inocente culpa

e eacute cinza de lua teu corpo

meus dedos sua sepultura

Jaacute desfeita e ainda palpitante

expiras sem noccedilatildeo nenhuma

Oacute bordado do veacuteu do dia

transparente anecircmona aeacuterea

natildeo leves meu rosto contigo

leva o pranto que te celebra

no olho precaacuterio em que te acabas

meu remorso ajoelhado leva

Choro a tua forma violada

miraculosa alva divina

criatura de poacutelen de aragem

diaacutefana peacutetala da vida

Choro ter pesado em teu corpo

que no estame natildeo pesaria

Choro esta humana insuficiecircncia

mdash a confusatildeo dos nossos olhos

mdash o selvagem peso do gesto

mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos

instintos suacutebitos mdash violecircncias

que o sonho e a graccedila prostram mortos

Pudesse a eteacutereos paraiacutesos

ascender teu leve fantasma

e meu coraccedilatildeo penitente

ser a rosa desabrochada

para servir-te mel e aroma

por toda a eternidade escrava

E as laacutegrimas que por ti choro

fossem o orvalho desses campos

mdash os espelhos que refletissem

mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos

com a ternura humilde e o remorso

dos meus desacertos humanos

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)

Ceciacutelia Meireles

Guitarra barroca Guitarra

Punhal de prata jaacute eras

punhal de prata

Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata

Vi-te brilhar entre as pedras

punhal de prata

No cabo flores abertas

no gume a medida exata

exata

a medida certa

punhal de prata

para atravessar-me o peito

com uma letra e uma data

A maior pena que eu tenho

punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo

mas de saber quem me mata

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

05 Cavalo Morto

Ceciacutelia Meireles

O cavalo morto

Vi a neacutevoa da madrugada

deslizar seus gestos de prata

mover densidades de opala

naquele poacutertico de sono

Na fronteira havia um cavalo morto

Gratildeos de cristal rolavam pelo

seu flanco niacutetido e algum vento

torcia-lhes as crinas pequeno

leve arabesco triste adorno

- e movia a cauda ao cavalo morto

As estrelas ainda viviam

e ainda natildeo eram nascidas

ah as flores daquele dia

- mas era um canteiro o seu corpo

Um jardim de liacuterios o cavalo morto

Muitos viajantes contemplaram

a fluida muacutesica a orvalhada

das grandes moscas de esmeralda

chegando em rumoroso jorro

Adernava triste o cavalo morto

E viam-se uns cavalos vivos

altos como esbeltos navios

galopando nos ares finos

com felizes perfis de sonho

Branco e verde via-se o cavalo morto

no campo enorme e sem recurso

- e devagar girava o mundo

entre as suas pestanas turvo

como em luas de espelho roxo

Dava sol nos dentes do cavalo morto

Mas todos tinham muita pressa

e natildeo sentiram como a terra

procurava de leacutegua em leacutegua

o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro

que faltava agravequele arcabouccedilo

Tatildeo pesado o peito do cavalo morto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser

resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando

algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc

O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais

escolares de literatura querem projetar

O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um

romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien

andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

06 Balada das dez bailarinas do Cassino

Ceciacutelia Meireles

Balada das Dez Bailarinas do Cassino

Dez bailarinas deslizam

por um chatildeo de espelho

Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas

paacutelpebras azuis e dedos vermelhos

Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas

e dobram amarelos joelhos

Andam as dez bailarinas

sem voz em redor das mesas

Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas

Entre a muacutesica e a danccedila escorre

uma sedosa escada de vileza

As dez bailarinas avanccedilam

como gafanhotos perdidos

Avanccedilam recuam na sala compacta

empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo

Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas

de imaginaacuterios chorosos vestidos

A dez bailarinas escondem

nos ciacutelios verdes as pupilas

Em seus quadris fosforescentes

passa uma faixa de morte tranquumlila

Como quem leva para a terra um filho morto

levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila

Os homens gordos olham com um teacutedio

enorme

as dez bailarinas tatildeo frias

Pobres serpentes sem luxuacuteria

que satildeo crianccedilas durante o dia

Dez anjos anecircmicos de axilas profundas

embalsamados de melancolia

Vatildeo perpassando como dez muacutemias

as bailarinas fatigadas

Ramo de nardos inclinando flores

azuis brancas verdes douradas

Dez matildees chorariam se vissem

as bailarinas de matildeos dadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 2 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Em 1919 aos dezoito anos de idade Ceciacutelia Meireles publicou seu primeiro livro de poesias

Espectros um conjunto de sonetos simbolistas Embora vivesse sob a influecircncia do Modernismo

apresentava ainda em sua obra heranccedilas do Simbolismo e teacutecnicas do Classicismo Gongorismo

Romantismo Parnasianismo Realismo e Surrealismo razatildeo pela qual a sua poesia eacute considerada

atemporal

No ano de 1922 casou com o artista plaacutestico portuguecircs Fernando Correia Dias com quem teve

trecircs filhas Seu marido que sofria de depressatildeo aguda suicidou-se em 1935

Voltou a se casar no ano de 1940 quando se uniu ao professor e engenheiro agrocircnomo Heitor

Viniacutecius da Silveira Grilo falecido em 1972 Dentre as trecircs filhas que teve a mais conhecida eacute

Maria Fernanda que se tornou atriz de sucesso

Teve ainda importante atuaccedilatildeo como jornalista com publicaccedilotildees diaacuterias sobre problemas na

educaccedilatildeo aacuterea agrave qual se manteve ligada tendo fundado em 1934 a primeira biblioteca infantil

do Brasil

Observa-se ainda seu amplo reconhecimento na poesia infantil com textos como Leilatildeo de Jardim

O Cavalinho Branco Colar de Carolina O mosquito escreve Sonhos da menina O menino azul

e A pombinha da mata entre outros

Com eles traz para a poesia infantil a musicalidade caracteriacutestica de sua poesia explorando versos

regulares a combinaccedilatildeo de diferentes metros o verso livre a aliteraccedilatildeo a assonacircncia e a rima Os

poemas infantis natildeo ficam restritos agrave leitura infantil permitindo diferentes niacuteveis de leitura

Em 1923 publicou Nunca Maishellip e Poema dos Poemas e

Em 1925 Baladas Para El-Rei Apoacutes longo periacuteodo

Em 1939 publicou Viagem livro com o qual ganhou o Precircmio de Poesia da Academia Brasileira de

LetrasCatoacutelica escreveu textos em homenagem a santos como Pequeno Oratoacuterio de Santa Clara

de 1955 O Romance de Santa Ceciacutelia e outros

Em 1951 viajou pela Europa Iacutendia e Goa e visitou pela primeira e uacutenica vez os Accedilores onde na

ilha de Satildeo Miguel contatou o poeta Armando Ceacutesar Cocircrtes-Rodrigues amigo e correspondente

desde a deacutecada de 1940[2]

Homenagens

Preacutemio Machado de Assis (1965)

Soacutecia honoraacuteria do Real Gabinete Portuguecircs de Leitura

Soacutecia honoraacuteria do Instituto Vasco da Gama (Goa)

Doutora honoris causa pela Universidade de Delhi (Iacutendia)

Oficial da Ordem do Meacuterito (Chile)

Nos Accedilores de onde eram oriundos os seus pais[3]

o nome de Ceciacutelia Meireles foi dado agrave escola

baacutesica da freguesia de Fajatilde de Cima concelho de Ponta Delgada terra de sua avoacute-materna Jacinta

Garcia Benevides

Apoacutes sua morte recebeu como homenagem a impressatildeo de uma ceacutedula de cem cruzados novos

Esta ceacutedula com a efiacutegie de Ceciacutelia Meireles lanccedilada pelo Banco Central do Brasil no Rio de

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 3 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Janeiro (RJ) em 1989 seria mudada para cem cruzeiros quando da troca da moeda pelo governo de

Fernando Collor[4]

[5]

Obras

Ceciacutelia Meireles em Lisboa Desenho de seu primeiro marido Fernando Correia Dias

Espectros 1919

Crianccedila meu amor 1923

Nunca mais 1923

Poema dos Poemas 1923

Baladas para El-Rei 1925

Saudaccedilatildeo agrave menina de Portugal 1930

Batuque samba e Macumba 1933

O Espiacuterito Vitorioso 1935

A Festa das Letras 1937

Viagem 1939

Vaga Muacutesica 1942

Poetas Novos de Portugal 1944

Mar Absoluto 1945

Rute e Alberto 1945

Rui mdash Pequena Histoacuteria de uma Grande Vida 1948

Retrato Natural 1949

Problemas de Literatura Infantil 1950

Amor em Leonoreta 1952

Doze Noturnos de Holanda e o Aeronauta 1952

Romanceiro da Inconfidecircncia 1953

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 4 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas Escritos na Iacutendia 1953

Batuque 1953

Pequeno Oratoacuterio de Santa Clara 1955

Pistoia Cemiteacuterio Militar Brasileiro 1955

Panorama Folcloacuterico de Accedilores 1955

Canccedilotildees 1956

Giroflecirc Giroflaacute 1956

Romance de Santa Ceciacutelia 1957

A Biacuteblia na Literatura Brasileira 1957

A Rosa 1957

Obra Poeacutetica1958

Metal Rosicler 1960

Poemas de Israel 1963

Antologia Poeacutetica 1963

Solombra 1963

Ou Isto ou Aquilo 1964

Escolha o Seu Sonho 1964

Crocircnica Trovada da Cidade de San Sebastian do Rio de Janeiro 1965

O Menino Atrasado 1966

Poeacutesie (versatildeo francesa) 1967

Antologia Poeacutetica 1968

Poemas Italianos 1968

Poesias (Ou isto ou aquiloamp ineacuteditos) 1969

Flor de Poemas 1972

Poesias Completas 1973

Elegias 1974

Flores e Canccedilotildees 1979

Poesia Completa 1994

Obra em Prosa - 6 Volumes - Rio de Janeiro 1998

Canccedilatildeo da Tarde no Campo 2001

Poesia Completa ediccedilatildeo do centenaacuterio 2001 2 vols (Org Antonio Carlos Secchin Rio de

Janeiro Nova Fronteira)

Crocircnicas de educaccedilatildeo 2001 5 vols (Org Leodegaacuterio A de Azevedo Filho Rio de Janeiro

Nova Fronteira)

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 5 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Episoacutedio Humano 2007

Uma obra bastante particular e pouco conhecida de Ceciacutelia Meireles eacute o infanto-juvenil

Olhinhos de Gato Baseado na vida de Ceciacutelia conta sua infacircncia depois que perdeu sua matildee

Matilde Benevides Meireles e como foi criada por sua avoacute D Jacinta Garcia Benevides

(Boquinha de Doce no livro)

Ceciacutelia foi uma das maiores poetisas do Brasil Raimundo Fagner gravou vaacuterias muacutesicas tendo seus

poemas como base A exemplo de Canteiros Motivo e tantos outros

Outros textos

1947 - Estreia Auto do Menino Atrasado direccedilatildeo de Olga Obry e Martim Gonccedilalves

muacutesica de Luiacutes Cosme marionetes fantoches e sombras feitos pelos alunos do curso de

teatro de bonecos

19561964 - Gravaccedilatildeo de poemas por Margarida Lopes de Almeida Jograis de Satildeo

Paulo e pela autora (Rio de Janeiro - Brasil)

1965 - Gravaccedilatildeo de poemas pelo professor Cassiano Nunes (New York - USA)

1972 - Lanccedilamento do filme Os inconfidentes direccedilatildeo de Joaquim Pedro de Andrade

argumento baseado em trechos de O Romanceiro da Inconfidecircncia

Referecircncias

1 uarr Na ortografia vigente agrave eacutepoca de seu nascimento seu nome era grafado Cecilia Benevides

de Carvalho Meirelles

2 uarr GOUVEIA 2001187

3 uarr GOUVEIA 2001187

4 uarr httpwwwreleiturascomcmeireles_bioasp

5 uarrhttpwwwbbcombrportalbbpage3870387151016bbcodigoMenu=4686ampcodigoN

oticia=5549ampcodigoRet=4696ampbread=7

Bibliografia

GOUVEIA Margarida Maia Ceciacutelia Meireles um percurso de espiritualidade in

Atlacircntida vol XLVI 2001 p 187-194

Ligaccedilotildees externas

O Wikiquote possui citaccedilotildees de ou sobre Ceciacutelia Meireles

Biografia e poemas de Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles in Projeto Releitura

Ceciacutelia Meireles in Secrelnet

Ceciacutelia Meireles in Pegasos (em inglecircs)

Poemas de Amor - Poemas de Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 6 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 7 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

CECILIA MEIRELES GUILHERME DE ALMEIDA

POESIAS - VOLUME 9

GRAVADORA FESTA - LPP ndash 009 - 10 POLEGADAS

LADO A -CECILIA MEIRELES

1 ndash APRESENTACcedilAtildeO

02 - RETRATO

03 - ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA

04 - GUITARRA

05 - CAVALO MORTO

06 - BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO

07 - ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDEcircNCIA

08- CONTINUACcedilAtildeO

LADO B GUILHERME DE ALMEIDA]

01 - CARTA A MINHA NOIVA

CAPA E DISCO EM BOM ESTADO

Cecilia Meireles Guilherme De Almeida - Poesias-10 Polegadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II

Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara

com desenhos de andar dedicados ao vento

Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia

sombra de som curtindo o seu proacuteprio

lamento

Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado

sobrevivendo ao seu pateacutetico momento

Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio

que de um lado era amor e do outro

esquecimento

Translation in English Presentation

Here is my life - this sand so clear

with drawings of floor dedicated to the wind

Here is my voice - this empty shell

Sound enjoying the shade of your own regret

Here is my pain - this coral broken

surviving its pathetic moment

Here is my heritage - this lonely sea

that on one side was love and the other

forgetting

Cecilia Meireles in Natural Portrait

Traduction en Franccedilais Preacutesentation

preacutesentation

Voici ma vie - ce sable si clair

avec des dessins de sol deacutedieacute au vent

Voici ma voix - cette coquille vide

Son profite de lombre de votre grand regret

Voici ma douleur - ce corail briseacute

survivant son moment patheacutetique

Voici mon patrimoine - cette mer solitaire

que dun cocircteacute lamour et lautre loubli

Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

02 Retrato

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II

Eu natildeo tinha este rosto de hoje

assim calmo assim triste assim magro

nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo

Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila

tatildeo paradas e frias e mortas

eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra

Eu natildeo dei por esta mudanccedila

tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil

Em que espelho ficou perdida a minha face

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III

Como chegavas do casulo

mdash inacabada seda viva mdash

tuas antenas mdash fios soltos

da trama de que eras tecida

e teus olhos dois gratildeos da noite

de onde o teu misteacuterio surgia

Como caiacuteste sobre o mundo

inaacutebil na manhatilde tatildeo clara

sem matildee sem guia sem conselho

e rolavas por uma escada

como papel penugem poeira

com mais sonho e silecircncio que asas

minha matildeo tosca te agarrou

com uma dura inocente culpa

e eacute cinza de lua teu corpo

meus dedos sua sepultura

Jaacute desfeita e ainda palpitante

expiras sem noccedilatildeo nenhuma

Oacute bordado do veacuteu do dia

transparente anecircmona aeacuterea

natildeo leves meu rosto contigo

leva o pranto que te celebra

no olho precaacuterio em que te acabas

meu remorso ajoelhado leva

Choro a tua forma violada

miraculosa alva divina

criatura de poacutelen de aragem

diaacutefana peacutetala da vida

Choro ter pesado em teu corpo

que no estame natildeo pesaria

Choro esta humana insuficiecircncia

mdash a confusatildeo dos nossos olhos

mdash o selvagem peso do gesto

mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos

instintos suacutebitos mdash violecircncias

que o sonho e a graccedila prostram mortos

Pudesse a eteacutereos paraiacutesos

ascender teu leve fantasma

e meu coraccedilatildeo penitente

ser a rosa desabrochada

para servir-te mel e aroma

por toda a eternidade escrava

E as laacutegrimas que por ti choro

fossem o orvalho desses campos

mdash os espelhos que refletissem

mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos

com a ternura humilde e o remorso

dos meus desacertos humanos

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)

Ceciacutelia Meireles

Guitarra barroca Guitarra

Punhal de prata jaacute eras

punhal de prata

Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata

Vi-te brilhar entre as pedras

punhal de prata

No cabo flores abertas

no gume a medida exata

exata

a medida certa

punhal de prata

para atravessar-me o peito

com uma letra e uma data

A maior pena que eu tenho

punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo

mas de saber quem me mata

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

05 Cavalo Morto

Ceciacutelia Meireles

O cavalo morto

Vi a neacutevoa da madrugada

deslizar seus gestos de prata

mover densidades de opala

naquele poacutertico de sono

Na fronteira havia um cavalo morto

Gratildeos de cristal rolavam pelo

seu flanco niacutetido e algum vento

torcia-lhes as crinas pequeno

leve arabesco triste adorno

- e movia a cauda ao cavalo morto

As estrelas ainda viviam

e ainda natildeo eram nascidas

ah as flores daquele dia

- mas era um canteiro o seu corpo

Um jardim de liacuterios o cavalo morto

Muitos viajantes contemplaram

a fluida muacutesica a orvalhada

das grandes moscas de esmeralda

chegando em rumoroso jorro

Adernava triste o cavalo morto

E viam-se uns cavalos vivos

altos como esbeltos navios

galopando nos ares finos

com felizes perfis de sonho

Branco e verde via-se o cavalo morto

no campo enorme e sem recurso

- e devagar girava o mundo

entre as suas pestanas turvo

como em luas de espelho roxo

Dava sol nos dentes do cavalo morto

Mas todos tinham muita pressa

e natildeo sentiram como a terra

procurava de leacutegua em leacutegua

o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro

que faltava agravequele arcabouccedilo

Tatildeo pesado o peito do cavalo morto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser

resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando

algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc

O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais

escolares de literatura querem projetar

O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um

romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien

andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

06 Balada das dez bailarinas do Cassino

Ceciacutelia Meireles

Balada das Dez Bailarinas do Cassino

Dez bailarinas deslizam

por um chatildeo de espelho

Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas

paacutelpebras azuis e dedos vermelhos

Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas

e dobram amarelos joelhos

Andam as dez bailarinas

sem voz em redor das mesas

Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas

Entre a muacutesica e a danccedila escorre

uma sedosa escada de vileza

As dez bailarinas avanccedilam

como gafanhotos perdidos

Avanccedilam recuam na sala compacta

empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo

Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas

de imaginaacuterios chorosos vestidos

A dez bailarinas escondem

nos ciacutelios verdes as pupilas

Em seus quadris fosforescentes

passa uma faixa de morte tranquumlila

Como quem leva para a terra um filho morto

levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila

Os homens gordos olham com um teacutedio

enorme

as dez bailarinas tatildeo frias

Pobres serpentes sem luxuacuteria

que satildeo crianccedilas durante o dia

Dez anjos anecircmicos de axilas profundas

embalsamados de melancolia

Vatildeo perpassando como dez muacutemias

as bailarinas fatigadas

Ramo de nardos inclinando flores

azuis brancas verdes douradas

Dez matildees chorariam se vissem

as bailarinas de matildeos dadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 3 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Janeiro (RJ) em 1989 seria mudada para cem cruzeiros quando da troca da moeda pelo governo de

Fernando Collor[4]

[5]

Obras

Ceciacutelia Meireles em Lisboa Desenho de seu primeiro marido Fernando Correia Dias

Espectros 1919

Crianccedila meu amor 1923

Nunca mais 1923

Poema dos Poemas 1923

Baladas para El-Rei 1925

Saudaccedilatildeo agrave menina de Portugal 1930

Batuque samba e Macumba 1933

O Espiacuterito Vitorioso 1935

A Festa das Letras 1937

Viagem 1939

Vaga Muacutesica 1942

Poetas Novos de Portugal 1944

Mar Absoluto 1945

Rute e Alberto 1945

Rui mdash Pequena Histoacuteria de uma Grande Vida 1948

Retrato Natural 1949

Problemas de Literatura Infantil 1950

Amor em Leonoreta 1952

Doze Noturnos de Holanda e o Aeronauta 1952

Romanceiro da Inconfidecircncia 1953

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 4 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas Escritos na Iacutendia 1953

Batuque 1953

Pequeno Oratoacuterio de Santa Clara 1955

Pistoia Cemiteacuterio Militar Brasileiro 1955

Panorama Folcloacuterico de Accedilores 1955

Canccedilotildees 1956

Giroflecirc Giroflaacute 1956

Romance de Santa Ceciacutelia 1957

A Biacuteblia na Literatura Brasileira 1957

A Rosa 1957

Obra Poeacutetica1958

Metal Rosicler 1960

Poemas de Israel 1963

Antologia Poeacutetica 1963

Solombra 1963

Ou Isto ou Aquilo 1964

Escolha o Seu Sonho 1964

Crocircnica Trovada da Cidade de San Sebastian do Rio de Janeiro 1965

O Menino Atrasado 1966

Poeacutesie (versatildeo francesa) 1967

Antologia Poeacutetica 1968

Poemas Italianos 1968

Poesias (Ou isto ou aquiloamp ineacuteditos) 1969

Flor de Poemas 1972

Poesias Completas 1973

Elegias 1974

Flores e Canccedilotildees 1979

Poesia Completa 1994

Obra em Prosa - 6 Volumes - Rio de Janeiro 1998

Canccedilatildeo da Tarde no Campo 2001

Poesia Completa ediccedilatildeo do centenaacuterio 2001 2 vols (Org Antonio Carlos Secchin Rio de

Janeiro Nova Fronteira)

Crocircnicas de educaccedilatildeo 2001 5 vols (Org Leodegaacuterio A de Azevedo Filho Rio de Janeiro

Nova Fronteira)

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 5 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Episoacutedio Humano 2007

Uma obra bastante particular e pouco conhecida de Ceciacutelia Meireles eacute o infanto-juvenil

Olhinhos de Gato Baseado na vida de Ceciacutelia conta sua infacircncia depois que perdeu sua matildee

Matilde Benevides Meireles e como foi criada por sua avoacute D Jacinta Garcia Benevides

(Boquinha de Doce no livro)

Ceciacutelia foi uma das maiores poetisas do Brasil Raimundo Fagner gravou vaacuterias muacutesicas tendo seus

poemas como base A exemplo de Canteiros Motivo e tantos outros

Outros textos

1947 - Estreia Auto do Menino Atrasado direccedilatildeo de Olga Obry e Martim Gonccedilalves

muacutesica de Luiacutes Cosme marionetes fantoches e sombras feitos pelos alunos do curso de

teatro de bonecos

19561964 - Gravaccedilatildeo de poemas por Margarida Lopes de Almeida Jograis de Satildeo

Paulo e pela autora (Rio de Janeiro - Brasil)

1965 - Gravaccedilatildeo de poemas pelo professor Cassiano Nunes (New York - USA)

1972 - Lanccedilamento do filme Os inconfidentes direccedilatildeo de Joaquim Pedro de Andrade

argumento baseado em trechos de O Romanceiro da Inconfidecircncia

Referecircncias

1 uarr Na ortografia vigente agrave eacutepoca de seu nascimento seu nome era grafado Cecilia Benevides

de Carvalho Meirelles

2 uarr GOUVEIA 2001187

3 uarr GOUVEIA 2001187

4 uarr httpwwwreleiturascomcmeireles_bioasp

5 uarrhttpwwwbbcombrportalbbpage3870387151016bbcodigoMenu=4686ampcodigoN

oticia=5549ampcodigoRet=4696ampbread=7

Bibliografia

GOUVEIA Margarida Maia Ceciacutelia Meireles um percurso de espiritualidade in

Atlacircntida vol XLVI 2001 p 187-194

Ligaccedilotildees externas

O Wikiquote possui citaccedilotildees de ou sobre Ceciacutelia Meireles

Biografia e poemas de Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles in Projeto Releitura

Ceciacutelia Meireles in Secrelnet

Ceciacutelia Meireles in Pegasos (em inglecircs)

Poemas de Amor - Poemas de Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 6 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 7 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

CECILIA MEIRELES GUILHERME DE ALMEIDA

POESIAS - VOLUME 9

GRAVADORA FESTA - LPP ndash 009 - 10 POLEGADAS

LADO A -CECILIA MEIRELES

1 ndash APRESENTACcedilAtildeO

02 - RETRATO

03 - ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA

04 - GUITARRA

05 - CAVALO MORTO

06 - BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO

07 - ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDEcircNCIA

08- CONTINUACcedilAtildeO

LADO B GUILHERME DE ALMEIDA]

01 - CARTA A MINHA NOIVA

CAPA E DISCO EM BOM ESTADO

Cecilia Meireles Guilherme De Almeida - Poesias-10 Polegadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II

Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara

com desenhos de andar dedicados ao vento

Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia

sombra de som curtindo o seu proacuteprio

lamento

Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado

sobrevivendo ao seu pateacutetico momento

Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio

que de um lado era amor e do outro

esquecimento

Translation in English Presentation

Here is my life - this sand so clear

with drawings of floor dedicated to the wind

Here is my voice - this empty shell

Sound enjoying the shade of your own regret

Here is my pain - this coral broken

surviving its pathetic moment

Here is my heritage - this lonely sea

that on one side was love and the other

forgetting

Cecilia Meireles in Natural Portrait

Traduction en Franccedilais Preacutesentation

preacutesentation

Voici ma vie - ce sable si clair

avec des dessins de sol deacutedieacute au vent

Voici ma voix - cette coquille vide

Son profite de lombre de votre grand regret

Voici ma douleur - ce corail briseacute

survivant son moment patheacutetique

Voici mon patrimoine - cette mer solitaire

que dun cocircteacute lamour et lautre loubli

Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

02 Retrato

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II

Eu natildeo tinha este rosto de hoje

assim calmo assim triste assim magro

nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo

Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila

tatildeo paradas e frias e mortas

eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra

Eu natildeo dei por esta mudanccedila

tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil

Em que espelho ficou perdida a minha face

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III

Como chegavas do casulo

mdash inacabada seda viva mdash

tuas antenas mdash fios soltos

da trama de que eras tecida

e teus olhos dois gratildeos da noite

de onde o teu misteacuterio surgia

Como caiacuteste sobre o mundo

inaacutebil na manhatilde tatildeo clara

sem matildee sem guia sem conselho

e rolavas por uma escada

como papel penugem poeira

com mais sonho e silecircncio que asas

minha matildeo tosca te agarrou

com uma dura inocente culpa

e eacute cinza de lua teu corpo

meus dedos sua sepultura

Jaacute desfeita e ainda palpitante

expiras sem noccedilatildeo nenhuma

Oacute bordado do veacuteu do dia

transparente anecircmona aeacuterea

natildeo leves meu rosto contigo

leva o pranto que te celebra

no olho precaacuterio em que te acabas

meu remorso ajoelhado leva

Choro a tua forma violada

miraculosa alva divina

criatura de poacutelen de aragem

diaacutefana peacutetala da vida

Choro ter pesado em teu corpo

que no estame natildeo pesaria

Choro esta humana insuficiecircncia

mdash a confusatildeo dos nossos olhos

mdash o selvagem peso do gesto

mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos

instintos suacutebitos mdash violecircncias

que o sonho e a graccedila prostram mortos

Pudesse a eteacutereos paraiacutesos

ascender teu leve fantasma

e meu coraccedilatildeo penitente

ser a rosa desabrochada

para servir-te mel e aroma

por toda a eternidade escrava

E as laacutegrimas que por ti choro

fossem o orvalho desses campos

mdash os espelhos que refletissem

mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos

com a ternura humilde e o remorso

dos meus desacertos humanos

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)

Ceciacutelia Meireles

Guitarra barroca Guitarra

Punhal de prata jaacute eras

punhal de prata

Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata

Vi-te brilhar entre as pedras

punhal de prata

No cabo flores abertas

no gume a medida exata

exata

a medida certa

punhal de prata

para atravessar-me o peito

com uma letra e uma data

A maior pena que eu tenho

punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo

mas de saber quem me mata

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

05 Cavalo Morto

Ceciacutelia Meireles

O cavalo morto

Vi a neacutevoa da madrugada

deslizar seus gestos de prata

mover densidades de opala

naquele poacutertico de sono

Na fronteira havia um cavalo morto

Gratildeos de cristal rolavam pelo

seu flanco niacutetido e algum vento

torcia-lhes as crinas pequeno

leve arabesco triste adorno

- e movia a cauda ao cavalo morto

As estrelas ainda viviam

e ainda natildeo eram nascidas

ah as flores daquele dia

- mas era um canteiro o seu corpo

Um jardim de liacuterios o cavalo morto

Muitos viajantes contemplaram

a fluida muacutesica a orvalhada

das grandes moscas de esmeralda

chegando em rumoroso jorro

Adernava triste o cavalo morto

E viam-se uns cavalos vivos

altos como esbeltos navios

galopando nos ares finos

com felizes perfis de sonho

Branco e verde via-se o cavalo morto

no campo enorme e sem recurso

- e devagar girava o mundo

entre as suas pestanas turvo

como em luas de espelho roxo

Dava sol nos dentes do cavalo morto

Mas todos tinham muita pressa

e natildeo sentiram como a terra

procurava de leacutegua em leacutegua

o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro

que faltava agravequele arcabouccedilo

Tatildeo pesado o peito do cavalo morto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser

resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando

algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc

O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais

escolares de literatura querem projetar

O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um

romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien

andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

06 Balada das dez bailarinas do Cassino

Ceciacutelia Meireles

Balada das Dez Bailarinas do Cassino

Dez bailarinas deslizam

por um chatildeo de espelho

Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas

paacutelpebras azuis e dedos vermelhos

Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas

e dobram amarelos joelhos

Andam as dez bailarinas

sem voz em redor das mesas

Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas

Entre a muacutesica e a danccedila escorre

uma sedosa escada de vileza

As dez bailarinas avanccedilam

como gafanhotos perdidos

Avanccedilam recuam na sala compacta

empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo

Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas

de imaginaacuterios chorosos vestidos

A dez bailarinas escondem

nos ciacutelios verdes as pupilas

Em seus quadris fosforescentes

passa uma faixa de morte tranquumlila

Como quem leva para a terra um filho morto

levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila

Os homens gordos olham com um teacutedio

enorme

as dez bailarinas tatildeo frias

Pobres serpentes sem luxuacuteria

que satildeo crianccedilas durante o dia

Dez anjos anecircmicos de axilas profundas

embalsamados de melancolia

Vatildeo perpassando como dez muacutemias

as bailarinas fatigadas

Ramo de nardos inclinando flores

azuis brancas verdes douradas

Dez matildees chorariam se vissem

as bailarinas de matildeos dadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 4 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas Escritos na Iacutendia 1953

Batuque 1953

Pequeno Oratoacuterio de Santa Clara 1955

Pistoia Cemiteacuterio Militar Brasileiro 1955

Panorama Folcloacuterico de Accedilores 1955

Canccedilotildees 1956

Giroflecirc Giroflaacute 1956

Romance de Santa Ceciacutelia 1957

A Biacuteblia na Literatura Brasileira 1957

A Rosa 1957

Obra Poeacutetica1958

Metal Rosicler 1960

Poemas de Israel 1963

Antologia Poeacutetica 1963

Solombra 1963

Ou Isto ou Aquilo 1964

Escolha o Seu Sonho 1964

Crocircnica Trovada da Cidade de San Sebastian do Rio de Janeiro 1965

O Menino Atrasado 1966

Poeacutesie (versatildeo francesa) 1967

Antologia Poeacutetica 1968

Poemas Italianos 1968

Poesias (Ou isto ou aquiloamp ineacuteditos) 1969

Flor de Poemas 1972

Poesias Completas 1973

Elegias 1974

Flores e Canccedilotildees 1979

Poesia Completa 1994

Obra em Prosa - 6 Volumes - Rio de Janeiro 1998

Canccedilatildeo da Tarde no Campo 2001

Poesia Completa ediccedilatildeo do centenaacuterio 2001 2 vols (Org Antonio Carlos Secchin Rio de

Janeiro Nova Fronteira)

Crocircnicas de educaccedilatildeo 2001 5 vols (Org Leodegaacuterio A de Azevedo Filho Rio de Janeiro

Nova Fronteira)

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 5 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Episoacutedio Humano 2007

Uma obra bastante particular e pouco conhecida de Ceciacutelia Meireles eacute o infanto-juvenil

Olhinhos de Gato Baseado na vida de Ceciacutelia conta sua infacircncia depois que perdeu sua matildee

Matilde Benevides Meireles e como foi criada por sua avoacute D Jacinta Garcia Benevides

(Boquinha de Doce no livro)

Ceciacutelia foi uma das maiores poetisas do Brasil Raimundo Fagner gravou vaacuterias muacutesicas tendo seus

poemas como base A exemplo de Canteiros Motivo e tantos outros

Outros textos

1947 - Estreia Auto do Menino Atrasado direccedilatildeo de Olga Obry e Martim Gonccedilalves

muacutesica de Luiacutes Cosme marionetes fantoches e sombras feitos pelos alunos do curso de

teatro de bonecos

19561964 - Gravaccedilatildeo de poemas por Margarida Lopes de Almeida Jograis de Satildeo

Paulo e pela autora (Rio de Janeiro - Brasil)

1965 - Gravaccedilatildeo de poemas pelo professor Cassiano Nunes (New York - USA)

1972 - Lanccedilamento do filme Os inconfidentes direccedilatildeo de Joaquim Pedro de Andrade

argumento baseado em trechos de O Romanceiro da Inconfidecircncia

Referecircncias

1 uarr Na ortografia vigente agrave eacutepoca de seu nascimento seu nome era grafado Cecilia Benevides

de Carvalho Meirelles

2 uarr GOUVEIA 2001187

3 uarr GOUVEIA 2001187

4 uarr httpwwwreleiturascomcmeireles_bioasp

5 uarrhttpwwwbbcombrportalbbpage3870387151016bbcodigoMenu=4686ampcodigoN

oticia=5549ampcodigoRet=4696ampbread=7

Bibliografia

GOUVEIA Margarida Maia Ceciacutelia Meireles um percurso de espiritualidade in

Atlacircntida vol XLVI 2001 p 187-194

Ligaccedilotildees externas

O Wikiquote possui citaccedilotildees de ou sobre Ceciacutelia Meireles

Biografia e poemas de Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles in Projeto Releitura

Ceciacutelia Meireles in Secrelnet

Ceciacutelia Meireles in Pegasos (em inglecircs)

Poemas de Amor - Poemas de Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 6 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 7 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

CECILIA MEIRELES GUILHERME DE ALMEIDA

POESIAS - VOLUME 9

GRAVADORA FESTA - LPP ndash 009 - 10 POLEGADAS

LADO A -CECILIA MEIRELES

1 ndash APRESENTACcedilAtildeO

02 - RETRATO

03 - ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA

04 - GUITARRA

05 - CAVALO MORTO

06 - BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO

07 - ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDEcircNCIA

08- CONTINUACcedilAtildeO

LADO B GUILHERME DE ALMEIDA]

01 - CARTA A MINHA NOIVA

CAPA E DISCO EM BOM ESTADO

Cecilia Meireles Guilherme De Almeida - Poesias-10 Polegadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II

Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara

com desenhos de andar dedicados ao vento

Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia

sombra de som curtindo o seu proacuteprio

lamento

Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado

sobrevivendo ao seu pateacutetico momento

Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio

que de um lado era amor e do outro

esquecimento

Translation in English Presentation

Here is my life - this sand so clear

with drawings of floor dedicated to the wind

Here is my voice - this empty shell

Sound enjoying the shade of your own regret

Here is my pain - this coral broken

surviving its pathetic moment

Here is my heritage - this lonely sea

that on one side was love and the other

forgetting

Cecilia Meireles in Natural Portrait

Traduction en Franccedilais Preacutesentation

preacutesentation

Voici ma vie - ce sable si clair

avec des dessins de sol deacutedieacute au vent

Voici ma voix - cette coquille vide

Son profite de lombre de votre grand regret

Voici ma douleur - ce corail briseacute

survivant son moment patheacutetique

Voici mon patrimoine - cette mer solitaire

que dun cocircteacute lamour et lautre loubli

Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

02 Retrato

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II

Eu natildeo tinha este rosto de hoje

assim calmo assim triste assim magro

nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo

Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila

tatildeo paradas e frias e mortas

eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra

Eu natildeo dei por esta mudanccedila

tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil

Em que espelho ficou perdida a minha face

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III

Como chegavas do casulo

mdash inacabada seda viva mdash

tuas antenas mdash fios soltos

da trama de que eras tecida

e teus olhos dois gratildeos da noite

de onde o teu misteacuterio surgia

Como caiacuteste sobre o mundo

inaacutebil na manhatilde tatildeo clara

sem matildee sem guia sem conselho

e rolavas por uma escada

como papel penugem poeira

com mais sonho e silecircncio que asas

minha matildeo tosca te agarrou

com uma dura inocente culpa

e eacute cinza de lua teu corpo

meus dedos sua sepultura

Jaacute desfeita e ainda palpitante

expiras sem noccedilatildeo nenhuma

Oacute bordado do veacuteu do dia

transparente anecircmona aeacuterea

natildeo leves meu rosto contigo

leva o pranto que te celebra

no olho precaacuterio em que te acabas

meu remorso ajoelhado leva

Choro a tua forma violada

miraculosa alva divina

criatura de poacutelen de aragem

diaacutefana peacutetala da vida

Choro ter pesado em teu corpo

que no estame natildeo pesaria

Choro esta humana insuficiecircncia

mdash a confusatildeo dos nossos olhos

mdash o selvagem peso do gesto

mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos

instintos suacutebitos mdash violecircncias

que o sonho e a graccedila prostram mortos

Pudesse a eteacutereos paraiacutesos

ascender teu leve fantasma

e meu coraccedilatildeo penitente

ser a rosa desabrochada

para servir-te mel e aroma

por toda a eternidade escrava

E as laacutegrimas que por ti choro

fossem o orvalho desses campos

mdash os espelhos que refletissem

mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos

com a ternura humilde e o remorso

dos meus desacertos humanos

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)

Ceciacutelia Meireles

Guitarra barroca Guitarra

Punhal de prata jaacute eras

punhal de prata

Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata

Vi-te brilhar entre as pedras

punhal de prata

No cabo flores abertas

no gume a medida exata

exata

a medida certa

punhal de prata

para atravessar-me o peito

com uma letra e uma data

A maior pena que eu tenho

punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo

mas de saber quem me mata

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

05 Cavalo Morto

Ceciacutelia Meireles

O cavalo morto

Vi a neacutevoa da madrugada

deslizar seus gestos de prata

mover densidades de opala

naquele poacutertico de sono

Na fronteira havia um cavalo morto

Gratildeos de cristal rolavam pelo

seu flanco niacutetido e algum vento

torcia-lhes as crinas pequeno

leve arabesco triste adorno

- e movia a cauda ao cavalo morto

As estrelas ainda viviam

e ainda natildeo eram nascidas

ah as flores daquele dia

- mas era um canteiro o seu corpo

Um jardim de liacuterios o cavalo morto

Muitos viajantes contemplaram

a fluida muacutesica a orvalhada

das grandes moscas de esmeralda

chegando em rumoroso jorro

Adernava triste o cavalo morto

E viam-se uns cavalos vivos

altos como esbeltos navios

galopando nos ares finos

com felizes perfis de sonho

Branco e verde via-se o cavalo morto

no campo enorme e sem recurso

- e devagar girava o mundo

entre as suas pestanas turvo

como em luas de espelho roxo

Dava sol nos dentes do cavalo morto

Mas todos tinham muita pressa

e natildeo sentiram como a terra

procurava de leacutegua em leacutegua

o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro

que faltava agravequele arcabouccedilo

Tatildeo pesado o peito do cavalo morto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser

resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando

algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc

O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais

escolares de literatura querem projetar

O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um

romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien

andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

06 Balada das dez bailarinas do Cassino

Ceciacutelia Meireles

Balada das Dez Bailarinas do Cassino

Dez bailarinas deslizam

por um chatildeo de espelho

Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas

paacutelpebras azuis e dedos vermelhos

Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas

e dobram amarelos joelhos

Andam as dez bailarinas

sem voz em redor das mesas

Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas

Entre a muacutesica e a danccedila escorre

uma sedosa escada de vileza

As dez bailarinas avanccedilam

como gafanhotos perdidos

Avanccedilam recuam na sala compacta

empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo

Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas

de imaginaacuterios chorosos vestidos

A dez bailarinas escondem

nos ciacutelios verdes as pupilas

Em seus quadris fosforescentes

passa uma faixa de morte tranquumlila

Como quem leva para a terra um filho morto

levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila

Os homens gordos olham com um teacutedio

enorme

as dez bailarinas tatildeo frias

Pobres serpentes sem luxuacuteria

que satildeo crianccedilas durante o dia

Dez anjos anecircmicos de axilas profundas

embalsamados de melancolia

Vatildeo perpassando como dez muacutemias

as bailarinas fatigadas

Ramo de nardos inclinando flores

azuis brancas verdes douradas

Dez matildees chorariam se vissem

as bailarinas de matildeos dadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 5 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Episoacutedio Humano 2007

Uma obra bastante particular e pouco conhecida de Ceciacutelia Meireles eacute o infanto-juvenil

Olhinhos de Gato Baseado na vida de Ceciacutelia conta sua infacircncia depois que perdeu sua matildee

Matilde Benevides Meireles e como foi criada por sua avoacute D Jacinta Garcia Benevides

(Boquinha de Doce no livro)

Ceciacutelia foi uma das maiores poetisas do Brasil Raimundo Fagner gravou vaacuterias muacutesicas tendo seus

poemas como base A exemplo de Canteiros Motivo e tantos outros

Outros textos

1947 - Estreia Auto do Menino Atrasado direccedilatildeo de Olga Obry e Martim Gonccedilalves

muacutesica de Luiacutes Cosme marionetes fantoches e sombras feitos pelos alunos do curso de

teatro de bonecos

19561964 - Gravaccedilatildeo de poemas por Margarida Lopes de Almeida Jograis de Satildeo

Paulo e pela autora (Rio de Janeiro - Brasil)

1965 - Gravaccedilatildeo de poemas pelo professor Cassiano Nunes (New York - USA)

1972 - Lanccedilamento do filme Os inconfidentes direccedilatildeo de Joaquim Pedro de Andrade

argumento baseado em trechos de O Romanceiro da Inconfidecircncia

Referecircncias

1 uarr Na ortografia vigente agrave eacutepoca de seu nascimento seu nome era grafado Cecilia Benevides

de Carvalho Meirelles

2 uarr GOUVEIA 2001187

3 uarr GOUVEIA 2001187

4 uarr httpwwwreleiturascomcmeireles_bioasp

5 uarrhttpwwwbbcombrportalbbpage3870387151016bbcodigoMenu=4686ampcodigoN

oticia=5549ampcodigoRet=4696ampbread=7

Bibliografia

GOUVEIA Margarida Maia Ceciacutelia Meireles um percurso de espiritualidade in

Atlacircntida vol XLVI 2001 p 187-194

Ligaccedilotildees externas

O Wikiquote possui citaccedilotildees de ou sobre Ceciacutelia Meireles

Biografia e poemas de Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles in Projeto Releitura

Ceciacutelia Meireles in Secrelnet

Ceciacutelia Meireles in Pegasos (em inglecircs)

Poemas de Amor - Poemas de Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 6 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 7 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

CECILIA MEIRELES GUILHERME DE ALMEIDA

POESIAS - VOLUME 9

GRAVADORA FESTA - LPP ndash 009 - 10 POLEGADAS

LADO A -CECILIA MEIRELES

1 ndash APRESENTACcedilAtildeO

02 - RETRATO

03 - ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA

04 - GUITARRA

05 - CAVALO MORTO

06 - BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO

07 - ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDEcircNCIA

08- CONTINUACcedilAtildeO

LADO B GUILHERME DE ALMEIDA]

01 - CARTA A MINHA NOIVA

CAPA E DISCO EM BOM ESTADO

Cecilia Meireles Guilherme De Almeida - Poesias-10 Polegadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II

Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara

com desenhos de andar dedicados ao vento

Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia

sombra de som curtindo o seu proacuteprio

lamento

Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado

sobrevivendo ao seu pateacutetico momento

Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio

que de um lado era amor e do outro

esquecimento

Translation in English Presentation

Here is my life - this sand so clear

with drawings of floor dedicated to the wind

Here is my voice - this empty shell

Sound enjoying the shade of your own regret

Here is my pain - this coral broken

surviving its pathetic moment

Here is my heritage - this lonely sea

that on one side was love and the other

forgetting

Cecilia Meireles in Natural Portrait

Traduction en Franccedilais Preacutesentation

preacutesentation

Voici ma vie - ce sable si clair

avec des dessins de sol deacutedieacute au vent

Voici ma voix - cette coquille vide

Son profite de lombre de votre grand regret

Voici ma douleur - ce corail briseacute

survivant son moment patheacutetique

Voici mon patrimoine - cette mer solitaire

que dun cocircteacute lamour et lautre loubli

Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

02 Retrato

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II

Eu natildeo tinha este rosto de hoje

assim calmo assim triste assim magro

nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo

Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila

tatildeo paradas e frias e mortas

eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra

Eu natildeo dei por esta mudanccedila

tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil

Em que espelho ficou perdida a minha face

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III

Como chegavas do casulo

mdash inacabada seda viva mdash

tuas antenas mdash fios soltos

da trama de que eras tecida

e teus olhos dois gratildeos da noite

de onde o teu misteacuterio surgia

Como caiacuteste sobre o mundo

inaacutebil na manhatilde tatildeo clara

sem matildee sem guia sem conselho

e rolavas por uma escada

como papel penugem poeira

com mais sonho e silecircncio que asas

minha matildeo tosca te agarrou

com uma dura inocente culpa

e eacute cinza de lua teu corpo

meus dedos sua sepultura

Jaacute desfeita e ainda palpitante

expiras sem noccedilatildeo nenhuma

Oacute bordado do veacuteu do dia

transparente anecircmona aeacuterea

natildeo leves meu rosto contigo

leva o pranto que te celebra

no olho precaacuterio em que te acabas

meu remorso ajoelhado leva

Choro a tua forma violada

miraculosa alva divina

criatura de poacutelen de aragem

diaacutefana peacutetala da vida

Choro ter pesado em teu corpo

que no estame natildeo pesaria

Choro esta humana insuficiecircncia

mdash a confusatildeo dos nossos olhos

mdash o selvagem peso do gesto

mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos

instintos suacutebitos mdash violecircncias

que o sonho e a graccedila prostram mortos

Pudesse a eteacutereos paraiacutesos

ascender teu leve fantasma

e meu coraccedilatildeo penitente

ser a rosa desabrochada

para servir-te mel e aroma

por toda a eternidade escrava

E as laacutegrimas que por ti choro

fossem o orvalho desses campos

mdash os espelhos que refletissem

mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos

com a ternura humilde e o remorso

dos meus desacertos humanos

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)

Ceciacutelia Meireles

Guitarra barroca Guitarra

Punhal de prata jaacute eras

punhal de prata

Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata

Vi-te brilhar entre as pedras

punhal de prata

No cabo flores abertas

no gume a medida exata

exata

a medida certa

punhal de prata

para atravessar-me o peito

com uma letra e uma data

A maior pena que eu tenho

punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo

mas de saber quem me mata

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

05 Cavalo Morto

Ceciacutelia Meireles

O cavalo morto

Vi a neacutevoa da madrugada

deslizar seus gestos de prata

mover densidades de opala

naquele poacutertico de sono

Na fronteira havia um cavalo morto

Gratildeos de cristal rolavam pelo

seu flanco niacutetido e algum vento

torcia-lhes as crinas pequeno

leve arabesco triste adorno

- e movia a cauda ao cavalo morto

As estrelas ainda viviam

e ainda natildeo eram nascidas

ah as flores daquele dia

- mas era um canteiro o seu corpo

Um jardim de liacuterios o cavalo morto

Muitos viajantes contemplaram

a fluida muacutesica a orvalhada

das grandes moscas de esmeralda

chegando em rumoroso jorro

Adernava triste o cavalo morto

E viam-se uns cavalos vivos

altos como esbeltos navios

galopando nos ares finos

com felizes perfis de sonho

Branco e verde via-se o cavalo morto

no campo enorme e sem recurso

- e devagar girava o mundo

entre as suas pestanas turvo

como em luas de espelho roxo

Dava sol nos dentes do cavalo morto

Mas todos tinham muita pressa

e natildeo sentiram como a terra

procurava de leacutegua em leacutegua

o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro

que faltava agravequele arcabouccedilo

Tatildeo pesado o peito do cavalo morto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser

resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando

algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc

O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais

escolares de literatura querem projetar

O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um

romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien

andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

06 Balada das dez bailarinas do Cassino

Ceciacutelia Meireles

Balada das Dez Bailarinas do Cassino

Dez bailarinas deslizam

por um chatildeo de espelho

Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas

paacutelpebras azuis e dedos vermelhos

Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas

e dobram amarelos joelhos

Andam as dez bailarinas

sem voz em redor das mesas

Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas

Entre a muacutesica e a danccedila escorre

uma sedosa escada de vileza

As dez bailarinas avanccedilam

como gafanhotos perdidos

Avanccedilam recuam na sala compacta

empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo

Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas

de imaginaacuterios chorosos vestidos

A dez bailarinas escondem

nos ciacutelios verdes as pupilas

Em seus quadris fosforescentes

passa uma faixa de morte tranquumlila

Como quem leva para a terra um filho morto

levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila

Os homens gordos olham com um teacutedio

enorme

as dez bailarinas tatildeo frias

Pobres serpentes sem luxuacuteria

que satildeo crianccedilas durante o dia

Dez anjos anecircmicos de axilas profundas

embalsamados de melancolia

Vatildeo perpassando como dez muacutemias

as bailarinas fatigadas

Ramo de nardos inclinando flores

azuis brancas verdes douradas

Dez matildees chorariam se vissem

as bailarinas de matildeos dadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 6 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 7 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

CECILIA MEIRELES GUILHERME DE ALMEIDA

POESIAS - VOLUME 9

GRAVADORA FESTA - LPP ndash 009 - 10 POLEGADAS

LADO A -CECILIA MEIRELES

1 ndash APRESENTACcedilAtildeO

02 - RETRATO

03 - ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA

04 - GUITARRA

05 - CAVALO MORTO

06 - BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO

07 - ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDEcircNCIA

08- CONTINUACcedilAtildeO

LADO B GUILHERME DE ALMEIDA]

01 - CARTA A MINHA NOIVA

CAPA E DISCO EM BOM ESTADO

Cecilia Meireles Guilherme De Almeida - Poesias-10 Polegadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II

Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara

com desenhos de andar dedicados ao vento

Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia

sombra de som curtindo o seu proacuteprio

lamento

Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado

sobrevivendo ao seu pateacutetico momento

Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio

que de um lado era amor e do outro

esquecimento

Translation in English Presentation

Here is my life - this sand so clear

with drawings of floor dedicated to the wind

Here is my voice - this empty shell

Sound enjoying the shade of your own regret

Here is my pain - this coral broken

surviving its pathetic moment

Here is my heritage - this lonely sea

that on one side was love and the other

forgetting

Cecilia Meireles in Natural Portrait

Traduction en Franccedilais Preacutesentation

preacutesentation

Voici ma vie - ce sable si clair

avec des dessins de sol deacutedieacute au vent

Voici ma voix - cette coquille vide

Son profite de lombre de votre grand regret

Voici ma douleur - ce corail briseacute

survivant son moment patheacutetique

Voici mon patrimoine - cette mer solitaire

que dun cocircteacute lamour et lautre loubli

Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

02 Retrato

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II

Eu natildeo tinha este rosto de hoje

assim calmo assim triste assim magro

nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo

Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila

tatildeo paradas e frias e mortas

eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra

Eu natildeo dei por esta mudanccedila

tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil

Em que espelho ficou perdida a minha face

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III

Como chegavas do casulo

mdash inacabada seda viva mdash

tuas antenas mdash fios soltos

da trama de que eras tecida

e teus olhos dois gratildeos da noite

de onde o teu misteacuterio surgia

Como caiacuteste sobre o mundo

inaacutebil na manhatilde tatildeo clara

sem matildee sem guia sem conselho

e rolavas por uma escada

como papel penugem poeira

com mais sonho e silecircncio que asas

minha matildeo tosca te agarrou

com uma dura inocente culpa

e eacute cinza de lua teu corpo

meus dedos sua sepultura

Jaacute desfeita e ainda palpitante

expiras sem noccedilatildeo nenhuma

Oacute bordado do veacuteu do dia

transparente anecircmona aeacuterea

natildeo leves meu rosto contigo

leva o pranto que te celebra

no olho precaacuterio em que te acabas

meu remorso ajoelhado leva

Choro a tua forma violada

miraculosa alva divina

criatura de poacutelen de aragem

diaacutefana peacutetala da vida

Choro ter pesado em teu corpo

que no estame natildeo pesaria

Choro esta humana insuficiecircncia

mdash a confusatildeo dos nossos olhos

mdash o selvagem peso do gesto

mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos

instintos suacutebitos mdash violecircncias

que o sonho e a graccedila prostram mortos

Pudesse a eteacutereos paraiacutesos

ascender teu leve fantasma

e meu coraccedilatildeo penitente

ser a rosa desabrochada

para servir-te mel e aroma

por toda a eternidade escrava

E as laacutegrimas que por ti choro

fossem o orvalho desses campos

mdash os espelhos que refletissem

mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos

com a ternura humilde e o remorso

dos meus desacertos humanos

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)

Ceciacutelia Meireles

Guitarra barroca Guitarra

Punhal de prata jaacute eras

punhal de prata

Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata

Vi-te brilhar entre as pedras

punhal de prata

No cabo flores abertas

no gume a medida exata

exata

a medida certa

punhal de prata

para atravessar-me o peito

com uma letra e uma data

A maior pena que eu tenho

punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo

mas de saber quem me mata

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

05 Cavalo Morto

Ceciacutelia Meireles

O cavalo morto

Vi a neacutevoa da madrugada

deslizar seus gestos de prata

mover densidades de opala

naquele poacutertico de sono

Na fronteira havia um cavalo morto

Gratildeos de cristal rolavam pelo

seu flanco niacutetido e algum vento

torcia-lhes as crinas pequeno

leve arabesco triste adorno

- e movia a cauda ao cavalo morto

As estrelas ainda viviam

e ainda natildeo eram nascidas

ah as flores daquele dia

- mas era um canteiro o seu corpo

Um jardim de liacuterios o cavalo morto

Muitos viajantes contemplaram

a fluida muacutesica a orvalhada

das grandes moscas de esmeralda

chegando em rumoroso jorro

Adernava triste o cavalo morto

E viam-se uns cavalos vivos

altos como esbeltos navios

galopando nos ares finos

com felizes perfis de sonho

Branco e verde via-se o cavalo morto

no campo enorme e sem recurso

- e devagar girava o mundo

entre as suas pestanas turvo

como em luas de espelho roxo

Dava sol nos dentes do cavalo morto

Mas todos tinham muita pressa

e natildeo sentiram como a terra

procurava de leacutegua em leacutegua

o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro

que faltava agravequele arcabouccedilo

Tatildeo pesado o peito do cavalo morto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser

resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando

algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc

O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais

escolares de literatura querem projetar

O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um

romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien

andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

06 Balada das dez bailarinas do Cassino

Ceciacutelia Meireles

Balada das Dez Bailarinas do Cassino

Dez bailarinas deslizam

por um chatildeo de espelho

Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas

paacutelpebras azuis e dedos vermelhos

Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas

e dobram amarelos joelhos

Andam as dez bailarinas

sem voz em redor das mesas

Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas

Entre a muacutesica e a danccedila escorre

uma sedosa escada de vileza

As dez bailarinas avanccedilam

como gafanhotos perdidos

Avanccedilam recuam na sala compacta

empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo

Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas

de imaginaacuterios chorosos vestidos

A dez bailarinas escondem

nos ciacutelios verdes as pupilas

Em seus quadris fosforescentes

passa uma faixa de morte tranquumlila

Como quem leva para a terra um filho morto

levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila

Os homens gordos olham com um teacutedio

enorme

as dez bailarinas tatildeo frias

Pobres serpentes sem luxuacuteria

que satildeo crianccedilas durante o dia

Dez anjos anecircmicos de axilas profundas

embalsamados de melancolia

Vatildeo perpassando como dez muacutemias

as bailarinas fatigadas

Ramo de nardos inclinando flores

azuis brancas verdes douradas

Dez matildees chorariam se vissem

as bailarinas de matildeos dadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 7 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

CECILIA MEIRELES GUILHERME DE ALMEIDA

POESIAS - VOLUME 9

GRAVADORA FESTA - LPP ndash 009 - 10 POLEGADAS

LADO A -CECILIA MEIRELES

1 ndash APRESENTACcedilAtildeO

02 - RETRATO

03 - ELEGIA A UMA PEQUENA BORBOLETA

04 - GUITARRA

05 - CAVALO MORTO

06 - BALADA DAS DEZ BAILARINAS DO CASSINO

07 - ROMANCE DA BANDEIRA DA INCONFIDEcircNCIA

08- CONTINUACcedilAtildeO

LADO B GUILHERME DE ALMEIDA]

01 - CARTA A MINHA NOIVA

CAPA E DISCO EM BOM ESTADO

Cecilia Meireles Guilherme De Almeida - Poesias-10 Polegadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II

Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara

com desenhos de andar dedicados ao vento

Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia

sombra de som curtindo o seu proacuteprio

lamento

Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado

sobrevivendo ao seu pateacutetico momento

Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio

que de um lado era amor e do outro

esquecimento

Translation in English Presentation

Here is my life - this sand so clear

with drawings of floor dedicated to the wind

Here is my voice - this empty shell

Sound enjoying the shade of your own regret

Here is my pain - this coral broken

surviving its pathetic moment

Here is my heritage - this lonely sea

that on one side was love and the other

forgetting

Cecilia Meireles in Natural Portrait

Traduction en Franccedilais Preacutesentation

preacutesentation

Voici ma vie - ce sable si clair

avec des dessins de sol deacutedieacute au vent

Voici ma voix - cette coquille vide

Son profite de lombre de votre grand regret

Voici ma douleur - ce corail briseacute

survivant son moment patheacutetique

Voici mon patrimoine - cette mer solitaire

que dun cocircteacute lamour et lautre loubli

Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

02 Retrato

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II

Eu natildeo tinha este rosto de hoje

assim calmo assim triste assim magro

nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo

Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila

tatildeo paradas e frias e mortas

eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra

Eu natildeo dei por esta mudanccedila

tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil

Em que espelho ficou perdida a minha face

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III

Como chegavas do casulo

mdash inacabada seda viva mdash

tuas antenas mdash fios soltos

da trama de que eras tecida

e teus olhos dois gratildeos da noite

de onde o teu misteacuterio surgia

Como caiacuteste sobre o mundo

inaacutebil na manhatilde tatildeo clara

sem matildee sem guia sem conselho

e rolavas por uma escada

como papel penugem poeira

com mais sonho e silecircncio que asas

minha matildeo tosca te agarrou

com uma dura inocente culpa

e eacute cinza de lua teu corpo

meus dedos sua sepultura

Jaacute desfeita e ainda palpitante

expiras sem noccedilatildeo nenhuma

Oacute bordado do veacuteu do dia

transparente anecircmona aeacuterea

natildeo leves meu rosto contigo

leva o pranto que te celebra

no olho precaacuterio em que te acabas

meu remorso ajoelhado leva

Choro a tua forma violada

miraculosa alva divina

criatura de poacutelen de aragem

diaacutefana peacutetala da vida

Choro ter pesado em teu corpo

que no estame natildeo pesaria

Choro esta humana insuficiecircncia

mdash a confusatildeo dos nossos olhos

mdash o selvagem peso do gesto

mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos

instintos suacutebitos mdash violecircncias

que o sonho e a graccedila prostram mortos

Pudesse a eteacutereos paraiacutesos

ascender teu leve fantasma

e meu coraccedilatildeo penitente

ser a rosa desabrochada

para servir-te mel e aroma

por toda a eternidade escrava

E as laacutegrimas que por ti choro

fossem o orvalho desses campos

mdash os espelhos que refletissem

mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos

com a ternura humilde e o remorso

dos meus desacertos humanos

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)

Ceciacutelia Meireles

Guitarra barroca Guitarra

Punhal de prata jaacute eras

punhal de prata

Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata

Vi-te brilhar entre as pedras

punhal de prata

No cabo flores abertas

no gume a medida exata

exata

a medida certa

punhal de prata

para atravessar-me o peito

com uma letra e uma data

A maior pena que eu tenho

punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo

mas de saber quem me mata

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

05 Cavalo Morto

Ceciacutelia Meireles

O cavalo morto

Vi a neacutevoa da madrugada

deslizar seus gestos de prata

mover densidades de opala

naquele poacutertico de sono

Na fronteira havia um cavalo morto

Gratildeos de cristal rolavam pelo

seu flanco niacutetido e algum vento

torcia-lhes as crinas pequeno

leve arabesco triste adorno

- e movia a cauda ao cavalo morto

As estrelas ainda viviam

e ainda natildeo eram nascidas

ah as flores daquele dia

- mas era um canteiro o seu corpo

Um jardim de liacuterios o cavalo morto

Muitos viajantes contemplaram

a fluida muacutesica a orvalhada

das grandes moscas de esmeralda

chegando em rumoroso jorro

Adernava triste o cavalo morto

E viam-se uns cavalos vivos

altos como esbeltos navios

galopando nos ares finos

com felizes perfis de sonho

Branco e verde via-se o cavalo morto

no campo enorme e sem recurso

- e devagar girava o mundo

entre as suas pestanas turvo

como em luas de espelho roxo

Dava sol nos dentes do cavalo morto

Mas todos tinham muita pressa

e natildeo sentiram como a terra

procurava de leacutegua em leacutegua

o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro

que faltava agravequele arcabouccedilo

Tatildeo pesado o peito do cavalo morto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser

resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando

algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc

O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais

escolares de literatura querem projetar

O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um

romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien

andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

06 Balada das dez bailarinas do Cassino

Ceciacutelia Meireles

Balada das Dez Bailarinas do Cassino

Dez bailarinas deslizam

por um chatildeo de espelho

Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas

paacutelpebras azuis e dedos vermelhos

Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas

e dobram amarelos joelhos

Andam as dez bailarinas

sem voz em redor das mesas

Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas

Entre a muacutesica e a danccedila escorre

uma sedosa escada de vileza

As dez bailarinas avanccedilam

como gafanhotos perdidos

Avanccedilam recuam na sala compacta

empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo

Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas

de imaginaacuterios chorosos vestidos

A dez bailarinas escondem

nos ciacutelios verdes as pupilas

Em seus quadris fosforescentes

passa uma faixa de morte tranquumlila

Como quem leva para a terra um filho morto

levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila

Os homens gordos olham com um teacutedio

enorme

as dez bailarinas tatildeo frias

Pobres serpentes sem luxuacuteria

que satildeo crianccedilas durante o dia

Dez anjos anecircmicos de axilas profundas

embalsamados de melancolia

Vatildeo perpassando como dez muacutemias

as bailarinas fatigadas

Ramo de nardos inclinando flores

azuis brancas verdes douradas

Dez matildees chorariam se vissem

as bailarinas de matildeos dadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 8 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

01 Apresentaccedilatildeo - (in Retrato Natural)

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II

Aqui estaacute minha vida mdash esta areia tatildeo clara

com desenhos de andar dedicados ao vento

Aqui estaacute minha voz mdash esta concha vazia

sombra de som curtindo o seu proacuteprio

lamento

Aqui estaacute minha dor mdash este coral quebrado

sobrevivendo ao seu pateacutetico momento

Aqui estaacute minha heranccedila mdash este mar solitaacuterio

que de um lado era amor e do outro

esquecimento

Translation in English Presentation

Here is my life - this sand so clear

with drawings of floor dedicated to the wind

Here is my voice - this empty shell

Sound enjoying the shade of your own regret

Here is my pain - this coral broken

surviving its pathetic moment

Here is my heritage - this lonely sea

that on one side was love and the other

forgetting

Cecilia Meireles in Natural Portrait

Traduction en Franccedilais Preacutesentation

preacutesentation

Voici ma vie - ce sable si clair

avec des dessins de sol deacutedieacute au vent

Voici ma voix - cette coquille vide

Son profite de lombre de votre grand regret

Voici ma douleur - ce corail briseacute

survivant son moment patheacutetique

Voici mon patrimoine - cette mer solitaire

que dun cocircteacute lamour et lautre loubli

Cecilia Meireles dans laquoPortrait naturelraquo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

02 Retrato

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II

Eu natildeo tinha este rosto de hoje

assim calmo assim triste assim magro

nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo

Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila

tatildeo paradas e frias e mortas

eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra

Eu natildeo dei por esta mudanccedila

tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil

Em que espelho ficou perdida a minha face

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III

Como chegavas do casulo

mdash inacabada seda viva mdash

tuas antenas mdash fios soltos

da trama de que eras tecida

e teus olhos dois gratildeos da noite

de onde o teu misteacuterio surgia

Como caiacuteste sobre o mundo

inaacutebil na manhatilde tatildeo clara

sem matildee sem guia sem conselho

e rolavas por uma escada

como papel penugem poeira

com mais sonho e silecircncio que asas

minha matildeo tosca te agarrou

com uma dura inocente culpa

e eacute cinza de lua teu corpo

meus dedos sua sepultura

Jaacute desfeita e ainda palpitante

expiras sem noccedilatildeo nenhuma

Oacute bordado do veacuteu do dia

transparente anecircmona aeacuterea

natildeo leves meu rosto contigo

leva o pranto que te celebra

no olho precaacuterio em que te acabas

meu remorso ajoelhado leva

Choro a tua forma violada

miraculosa alva divina

criatura de poacutelen de aragem

diaacutefana peacutetala da vida

Choro ter pesado em teu corpo

que no estame natildeo pesaria

Choro esta humana insuficiecircncia

mdash a confusatildeo dos nossos olhos

mdash o selvagem peso do gesto

mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos

instintos suacutebitos mdash violecircncias

que o sonho e a graccedila prostram mortos

Pudesse a eteacutereos paraiacutesos

ascender teu leve fantasma

e meu coraccedilatildeo penitente

ser a rosa desabrochada

para servir-te mel e aroma

por toda a eternidade escrava

E as laacutegrimas que por ti choro

fossem o orvalho desses campos

mdash os espelhos que refletissem

mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos

com a ternura humilde e o remorso

dos meus desacertos humanos

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)

Ceciacutelia Meireles

Guitarra barroca Guitarra

Punhal de prata jaacute eras

punhal de prata

Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata

Vi-te brilhar entre as pedras

punhal de prata

No cabo flores abertas

no gume a medida exata

exata

a medida certa

punhal de prata

para atravessar-me o peito

com uma letra e uma data

A maior pena que eu tenho

punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo

mas de saber quem me mata

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

05 Cavalo Morto

Ceciacutelia Meireles

O cavalo morto

Vi a neacutevoa da madrugada

deslizar seus gestos de prata

mover densidades de opala

naquele poacutertico de sono

Na fronteira havia um cavalo morto

Gratildeos de cristal rolavam pelo

seu flanco niacutetido e algum vento

torcia-lhes as crinas pequeno

leve arabesco triste adorno

- e movia a cauda ao cavalo morto

As estrelas ainda viviam

e ainda natildeo eram nascidas

ah as flores daquele dia

- mas era um canteiro o seu corpo

Um jardim de liacuterios o cavalo morto

Muitos viajantes contemplaram

a fluida muacutesica a orvalhada

das grandes moscas de esmeralda

chegando em rumoroso jorro

Adernava triste o cavalo morto

E viam-se uns cavalos vivos

altos como esbeltos navios

galopando nos ares finos

com felizes perfis de sonho

Branco e verde via-se o cavalo morto

no campo enorme e sem recurso

- e devagar girava o mundo

entre as suas pestanas turvo

como em luas de espelho roxo

Dava sol nos dentes do cavalo morto

Mas todos tinham muita pressa

e natildeo sentiram como a terra

procurava de leacutegua em leacutegua

o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro

que faltava agravequele arcabouccedilo

Tatildeo pesado o peito do cavalo morto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser

resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando

algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc

O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais

escolares de literatura querem projetar

O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um

romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien

andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

06 Balada das dez bailarinas do Cassino

Ceciacutelia Meireles

Balada das Dez Bailarinas do Cassino

Dez bailarinas deslizam

por um chatildeo de espelho

Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas

paacutelpebras azuis e dedos vermelhos

Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas

e dobram amarelos joelhos

Andam as dez bailarinas

sem voz em redor das mesas

Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas

Entre a muacutesica e a danccedila escorre

uma sedosa escada de vileza

As dez bailarinas avanccedilam

como gafanhotos perdidos

Avanccedilam recuam na sala compacta

empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo

Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas

de imaginaacuterios chorosos vestidos

A dez bailarinas escondem

nos ciacutelios verdes as pupilas

Em seus quadris fosforescentes

passa uma faixa de morte tranquumlila

Como quem leva para a terra um filho morto

levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila

Os homens gordos olham com um teacutedio

enorme

as dez bailarinas tatildeo frias

Pobres serpentes sem luxuacuteria

que satildeo crianccedilas durante o dia

Dez anjos anecircmicos de axilas profundas

embalsamados de melancolia

Vatildeo perpassando como dez muacutemias

as bailarinas fatigadas

Ramo de nardos inclinando flores

azuis brancas verdes douradas

Dez matildees chorariam se vissem

as bailarinas de matildeos dadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 9 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

02 Retrato

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Paulo Autran I Paulo Autran II

Eu natildeo tinha este rosto de hoje

assim calmo assim triste assim magro

nem estes olhos tatildeo vazios nem o laacutebio amargo

Eu natildeo tinha estas matildeos sem forccedila

tatildeo paradas e frias e mortas

eu natildeo tinha este coraccedilatildeo que nem se mostra

Eu natildeo dei por esta mudanccedila

tatildeo simples tatildeo certa tatildeo faacutecil

Em que espelho ficou perdida a minha face

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III

Como chegavas do casulo

mdash inacabada seda viva mdash

tuas antenas mdash fios soltos

da trama de que eras tecida

e teus olhos dois gratildeos da noite

de onde o teu misteacuterio surgia

Como caiacuteste sobre o mundo

inaacutebil na manhatilde tatildeo clara

sem matildee sem guia sem conselho

e rolavas por uma escada

como papel penugem poeira

com mais sonho e silecircncio que asas

minha matildeo tosca te agarrou

com uma dura inocente culpa

e eacute cinza de lua teu corpo

meus dedos sua sepultura

Jaacute desfeita e ainda palpitante

expiras sem noccedilatildeo nenhuma

Oacute bordado do veacuteu do dia

transparente anecircmona aeacuterea

natildeo leves meu rosto contigo

leva o pranto que te celebra

no olho precaacuterio em que te acabas

meu remorso ajoelhado leva

Choro a tua forma violada

miraculosa alva divina

criatura de poacutelen de aragem

diaacutefana peacutetala da vida

Choro ter pesado em teu corpo

que no estame natildeo pesaria

Choro esta humana insuficiecircncia

mdash a confusatildeo dos nossos olhos

mdash o selvagem peso do gesto

mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos

instintos suacutebitos mdash violecircncias

que o sonho e a graccedila prostram mortos

Pudesse a eteacutereos paraiacutesos

ascender teu leve fantasma

e meu coraccedilatildeo penitente

ser a rosa desabrochada

para servir-te mel e aroma

por toda a eternidade escrava

E as laacutegrimas que por ti choro

fossem o orvalho desses campos

mdash os espelhos que refletissem

mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos

com a ternura humilde e o remorso

dos meus desacertos humanos

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)

Ceciacutelia Meireles

Guitarra barroca Guitarra

Punhal de prata jaacute eras

punhal de prata

Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata

Vi-te brilhar entre as pedras

punhal de prata

No cabo flores abertas

no gume a medida exata

exata

a medida certa

punhal de prata

para atravessar-me o peito

com uma letra e uma data

A maior pena que eu tenho

punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo

mas de saber quem me mata

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

05 Cavalo Morto

Ceciacutelia Meireles

O cavalo morto

Vi a neacutevoa da madrugada

deslizar seus gestos de prata

mover densidades de opala

naquele poacutertico de sono

Na fronteira havia um cavalo morto

Gratildeos de cristal rolavam pelo

seu flanco niacutetido e algum vento

torcia-lhes as crinas pequeno

leve arabesco triste adorno

- e movia a cauda ao cavalo morto

As estrelas ainda viviam

e ainda natildeo eram nascidas

ah as flores daquele dia

- mas era um canteiro o seu corpo

Um jardim de liacuterios o cavalo morto

Muitos viajantes contemplaram

a fluida muacutesica a orvalhada

das grandes moscas de esmeralda

chegando em rumoroso jorro

Adernava triste o cavalo morto

E viam-se uns cavalos vivos

altos como esbeltos navios

galopando nos ares finos

com felizes perfis de sonho

Branco e verde via-se o cavalo morto

no campo enorme e sem recurso

- e devagar girava o mundo

entre as suas pestanas turvo

como em luas de espelho roxo

Dava sol nos dentes do cavalo morto

Mas todos tinham muita pressa

e natildeo sentiram como a terra

procurava de leacutegua em leacutegua

o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro

que faltava agravequele arcabouccedilo

Tatildeo pesado o peito do cavalo morto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser

resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando

algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc

O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais

escolares de literatura querem projetar

O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um

romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien

andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

06 Balada das dez bailarinas do Cassino

Ceciacutelia Meireles

Balada das Dez Bailarinas do Cassino

Dez bailarinas deslizam

por um chatildeo de espelho

Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas

paacutelpebras azuis e dedos vermelhos

Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas

e dobram amarelos joelhos

Andam as dez bailarinas

sem voz em redor das mesas

Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas

Entre a muacutesica e a danccedila escorre

uma sedosa escada de vileza

As dez bailarinas avanccedilam

como gafanhotos perdidos

Avanccedilam recuam na sala compacta

empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo

Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas

de imaginaacuterios chorosos vestidos

A dez bailarinas escondem

nos ciacutelios verdes as pupilas

Em seus quadris fosforescentes

passa uma faixa de morte tranquumlila

Como quem leva para a terra um filho morto

levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila

Os homens gordos olham com um teacutedio

enorme

as dez bailarinas tatildeo frias

Pobres serpentes sem luxuacuteria

que satildeo crianccedilas durante o dia

Dez anjos anecircmicos de axilas profundas

embalsamados de melancolia

Vatildeo perpassando como dez muacutemias

as bailarinas fatigadas

Ramo de nardos inclinando flores

azuis brancas verdes douradas

Dez matildees chorariam se vissem

as bailarinas de matildeos dadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 10 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

03 - Elegia a uma pequena borboleta - ( In Retrato natural )

Ceciacutelia Meireles I Ceciacutelia Meireles II Ceciacutelia Meireles III

Como chegavas do casulo

mdash inacabada seda viva mdash

tuas antenas mdash fios soltos

da trama de que eras tecida

e teus olhos dois gratildeos da noite

de onde o teu misteacuterio surgia

Como caiacuteste sobre o mundo

inaacutebil na manhatilde tatildeo clara

sem matildee sem guia sem conselho

e rolavas por uma escada

como papel penugem poeira

com mais sonho e silecircncio que asas

minha matildeo tosca te agarrou

com uma dura inocente culpa

e eacute cinza de lua teu corpo

meus dedos sua sepultura

Jaacute desfeita e ainda palpitante

expiras sem noccedilatildeo nenhuma

Oacute bordado do veacuteu do dia

transparente anecircmona aeacuterea

natildeo leves meu rosto contigo

leva o pranto que te celebra

no olho precaacuterio em que te acabas

meu remorso ajoelhado leva

Choro a tua forma violada

miraculosa alva divina

criatura de poacutelen de aragem

diaacutefana peacutetala da vida

Choro ter pesado em teu corpo

que no estame natildeo pesaria

Choro esta humana insuficiecircncia

mdash a confusatildeo dos nossos olhos

mdash o selvagem peso do gesto

mdash cegueira mdash ignoracircncia mdash remotos

instintos suacutebitos mdash violecircncias

que o sonho e a graccedila prostram mortos

Pudesse a eteacutereos paraiacutesos

ascender teu leve fantasma

e meu coraccedilatildeo penitente

ser a rosa desabrochada

para servir-te mel e aroma

por toda a eternidade escrava

E as laacutegrimas que por ti choro

fossem o orvalho desses campos

mdash os espelhos que refletissem

mdash vocirco e silecircncio mdash os teus encantos

com a ternura humilde e o remorso

dos meus desacertos humanos

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)

Ceciacutelia Meireles

Guitarra barroca Guitarra

Punhal de prata jaacute eras

punhal de prata

Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata

Vi-te brilhar entre as pedras

punhal de prata

No cabo flores abertas

no gume a medida exata

exata

a medida certa

punhal de prata

para atravessar-me o peito

com uma letra e uma data

A maior pena que eu tenho

punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo

mas de saber quem me mata

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

05 Cavalo Morto

Ceciacutelia Meireles

O cavalo morto

Vi a neacutevoa da madrugada

deslizar seus gestos de prata

mover densidades de opala

naquele poacutertico de sono

Na fronteira havia um cavalo morto

Gratildeos de cristal rolavam pelo

seu flanco niacutetido e algum vento

torcia-lhes as crinas pequeno

leve arabesco triste adorno

- e movia a cauda ao cavalo morto

As estrelas ainda viviam

e ainda natildeo eram nascidas

ah as flores daquele dia

- mas era um canteiro o seu corpo

Um jardim de liacuterios o cavalo morto

Muitos viajantes contemplaram

a fluida muacutesica a orvalhada

das grandes moscas de esmeralda

chegando em rumoroso jorro

Adernava triste o cavalo morto

E viam-se uns cavalos vivos

altos como esbeltos navios

galopando nos ares finos

com felizes perfis de sonho

Branco e verde via-se o cavalo morto

no campo enorme e sem recurso

- e devagar girava o mundo

entre as suas pestanas turvo

como em luas de espelho roxo

Dava sol nos dentes do cavalo morto

Mas todos tinham muita pressa

e natildeo sentiram como a terra

procurava de leacutegua em leacutegua

o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro

que faltava agravequele arcabouccedilo

Tatildeo pesado o peito do cavalo morto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser

resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando

algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc

O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais

escolares de literatura querem projetar

O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um

romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien

andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

06 Balada das dez bailarinas do Cassino

Ceciacutelia Meireles

Balada das Dez Bailarinas do Cassino

Dez bailarinas deslizam

por um chatildeo de espelho

Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas

paacutelpebras azuis e dedos vermelhos

Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas

e dobram amarelos joelhos

Andam as dez bailarinas

sem voz em redor das mesas

Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas

Entre a muacutesica e a danccedila escorre

uma sedosa escada de vileza

As dez bailarinas avanccedilam

como gafanhotos perdidos

Avanccedilam recuam na sala compacta

empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo

Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas

de imaginaacuterios chorosos vestidos

A dez bailarinas escondem

nos ciacutelios verdes as pupilas

Em seus quadris fosforescentes

passa uma faixa de morte tranquumlila

Como quem leva para a terra um filho morto

levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila

Os homens gordos olham com um teacutedio

enorme

as dez bailarinas tatildeo frias

Pobres serpentes sem luxuacuteria

que satildeo crianccedilas durante o dia

Dez anjos anecircmicos de axilas profundas

embalsamados de melancolia

Vatildeo perpassando como dez muacutemias

as bailarinas fatigadas

Ramo de nardos inclinando flores

azuis brancas verdes douradas

Dez matildees chorariam se vissem

as bailarinas de matildeos dadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 11 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

04 ndash Guitarra (Punhal de Prata)

Ceciacutelia Meireles

Guitarra barroca Guitarra

Punhal de prata jaacute eras

punhal de prata

Nem foste tu que fizeste a minha matildeo insensata

Vi-te brilhar entre as pedras

punhal de prata

No cabo flores abertas

no gume a medida exata

exata

a medida certa

punhal de prata

para atravessar-me o peito

com uma letra e uma data

A maior pena que eu tenho

punhal de prata natildeo eacute de me ver morrendo

mas de saber quem me mata

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

05 Cavalo Morto

Ceciacutelia Meireles

O cavalo morto

Vi a neacutevoa da madrugada

deslizar seus gestos de prata

mover densidades de opala

naquele poacutertico de sono

Na fronteira havia um cavalo morto

Gratildeos de cristal rolavam pelo

seu flanco niacutetido e algum vento

torcia-lhes as crinas pequeno

leve arabesco triste adorno

- e movia a cauda ao cavalo morto

As estrelas ainda viviam

e ainda natildeo eram nascidas

ah as flores daquele dia

- mas era um canteiro o seu corpo

Um jardim de liacuterios o cavalo morto

Muitos viajantes contemplaram

a fluida muacutesica a orvalhada

das grandes moscas de esmeralda

chegando em rumoroso jorro

Adernava triste o cavalo morto

E viam-se uns cavalos vivos

altos como esbeltos navios

galopando nos ares finos

com felizes perfis de sonho

Branco e verde via-se o cavalo morto

no campo enorme e sem recurso

- e devagar girava o mundo

entre as suas pestanas turvo

como em luas de espelho roxo

Dava sol nos dentes do cavalo morto

Mas todos tinham muita pressa

e natildeo sentiram como a terra

procurava de leacutegua em leacutegua

o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro

que faltava agravequele arcabouccedilo

Tatildeo pesado o peito do cavalo morto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser

resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando

algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc

O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais

escolares de literatura querem projetar

O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um

romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien

andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

06 Balada das dez bailarinas do Cassino

Ceciacutelia Meireles

Balada das Dez Bailarinas do Cassino

Dez bailarinas deslizam

por um chatildeo de espelho

Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas

paacutelpebras azuis e dedos vermelhos

Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas

e dobram amarelos joelhos

Andam as dez bailarinas

sem voz em redor das mesas

Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas

Entre a muacutesica e a danccedila escorre

uma sedosa escada de vileza

As dez bailarinas avanccedilam

como gafanhotos perdidos

Avanccedilam recuam na sala compacta

empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo

Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas

de imaginaacuterios chorosos vestidos

A dez bailarinas escondem

nos ciacutelios verdes as pupilas

Em seus quadris fosforescentes

passa uma faixa de morte tranquumlila

Como quem leva para a terra um filho morto

levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila

Os homens gordos olham com um teacutedio

enorme

as dez bailarinas tatildeo frias

Pobres serpentes sem luxuacuteria

que satildeo crianccedilas durante o dia

Dez anjos anecircmicos de axilas profundas

embalsamados de melancolia

Vatildeo perpassando como dez muacutemias

as bailarinas fatigadas

Ramo de nardos inclinando flores

azuis brancas verdes douradas

Dez matildees chorariam se vissem

as bailarinas de matildeos dadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 12 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

05 Cavalo Morto

Ceciacutelia Meireles

O cavalo morto

Vi a neacutevoa da madrugada

deslizar seus gestos de prata

mover densidades de opala

naquele poacutertico de sono

Na fronteira havia um cavalo morto

Gratildeos de cristal rolavam pelo

seu flanco niacutetido e algum vento

torcia-lhes as crinas pequeno

leve arabesco triste adorno

- e movia a cauda ao cavalo morto

As estrelas ainda viviam

e ainda natildeo eram nascidas

ah as flores daquele dia

- mas era um canteiro o seu corpo

Um jardim de liacuterios o cavalo morto

Muitos viajantes contemplaram

a fluida muacutesica a orvalhada

das grandes moscas de esmeralda

chegando em rumoroso jorro

Adernava triste o cavalo morto

E viam-se uns cavalos vivos

altos como esbeltos navios

galopando nos ares finos

com felizes perfis de sonho

Branco e verde via-se o cavalo morto

no campo enorme e sem recurso

- e devagar girava o mundo

entre as suas pestanas turvo

como em luas de espelho roxo

Dava sol nos dentes do cavalo morto

Mas todos tinham muita pressa

e natildeo sentiram como a terra

procurava de leacutegua em leacutegua

o aacutegil o imenso o eteacutereo sopro

que faltava agravequele arcabouccedilo

Tatildeo pesado o peito do cavalo morto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser

resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando

algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc

O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais

escolares de literatura querem projetar

O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um

romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien

andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

06 Balada das dez bailarinas do Cassino

Ceciacutelia Meireles

Balada das Dez Bailarinas do Cassino

Dez bailarinas deslizam

por um chatildeo de espelho

Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas

paacutelpebras azuis e dedos vermelhos

Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas

e dobram amarelos joelhos

Andam as dez bailarinas

sem voz em redor das mesas

Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas

Entre a muacutesica e a danccedila escorre

uma sedosa escada de vileza

As dez bailarinas avanccedilam

como gafanhotos perdidos

Avanccedilam recuam na sala compacta

empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo

Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas

de imaginaacuterios chorosos vestidos

A dez bailarinas escondem

nos ciacutelios verdes as pupilas

Em seus quadris fosforescentes

passa uma faixa de morte tranquumlila

Como quem leva para a terra um filho morto

levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila

Os homens gordos olham com um teacutedio

enorme

as dez bailarinas tatildeo frias

Pobres serpentes sem luxuacuteria

que satildeo crianccedilas durante o dia

Dez anjos anecircmicos de axilas profundas

embalsamados de melancolia

Vatildeo perpassando como dez muacutemias

as bailarinas fatigadas

Ramo de nardos inclinando flores

azuis brancas verdes douradas

Dez matildees chorariam se vissem

as bailarinas de matildeos dadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 13 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Ceciacutelia Meireles eacute um pouco como Guimaratildees Rosa uma grande artista brasileira que precisa ser

resgatada de um equiacutevoco criacutetico que vai se repetindo em um eco meio irrefletido e acaba tornando

algo aparente e claro em um misteacuterio que ningueacutem vecirc

O poema Cavalo Morto eacute exemplo de que Ceciacutelia natildeo eacute essa passadista meio morna que os manuais

escolares de literatura querem projetar

O cavalo desse contundente poema faz companhia na minha imaginaccedilatildeo ao cavalo morto de um

romance de Faulkner [As I Lay Dying] aos cavalos mortos do filme de Buntildeuel amp Daliacute [Le chien

andalou] e ao terriacutevel genociacutedio equumlino de Grande Sertatildeo Veredas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

06 Balada das dez bailarinas do Cassino

Ceciacutelia Meireles

Balada das Dez Bailarinas do Cassino

Dez bailarinas deslizam

por um chatildeo de espelho

Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas

paacutelpebras azuis e dedos vermelhos

Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas

e dobram amarelos joelhos

Andam as dez bailarinas

sem voz em redor das mesas

Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas

Entre a muacutesica e a danccedila escorre

uma sedosa escada de vileza

As dez bailarinas avanccedilam

como gafanhotos perdidos

Avanccedilam recuam na sala compacta

empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo

Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas

de imaginaacuterios chorosos vestidos

A dez bailarinas escondem

nos ciacutelios verdes as pupilas

Em seus quadris fosforescentes

passa uma faixa de morte tranquumlila

Como quem leva para a terra um filho morto

levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila

Os homens gordos olham com um teacutedio

enorme

as dez bailarinas tatildeo frias

Pobres serpentes sem luxuacuteria

que satildeo crianccedilas durante o dia

Dez anjos anecircmicos de axilas profundas

embalsamados de melancolia

Vatildeo perpassando como dez muacutemias

as bailarinas fatigadas

Ramo de nardos inclinando flores

azuis brancas verdes douradas

Dez matildees chorariam se vissem

as bailarinas de matildeos dadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 14 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

06 Balada das dez bailarinas do Cassino

Ceciacutelia Meireles

Balada das Dez Bailarinas do Cassino

Dez bailarinas deslizam

por um chatildeo de espelho

Tecircm corpos egiacutepcios com placas douradas

paacutelpebras azuis e dedos vermelhos

Levantam veacuteus brancos de ingecircnuos aromas

e dobram amarelos joelhos

Andam as dez bailarinas

sem voz em redor das mesas

Haacute matildeos sobre facas dentes sobre flores

e com os charutos toldam as luzes acesas

Entre a muacutesica e a danccedila escorre

uma sedosa escada de vileza

As dez bailarinas avanccedilam

como gafanhotos perdidos

Avanccedilam recuam na sala compacta

empurrando olhares e arranhando o ruiacutedo

Tatildeo nuas se sentem que jaacute vatildeo cobertas

de imaginaacuterios chorosos vestidos

A dez bailarinas escondem

nos ciacutelios verdes as pupilas

Em seus quadris fosforescentes

passa uma faixa de morte tranquumlila

Como quem leva para a terra um filho morto

levam seu proacuteprio corpo que baila e cintila

Os homens gordos olham com um teacutedio

enorme

as dez bailarinas tatildeo frias

Pobres serpentes sem luxuacuteria

que satildeo crianccedilas durante o dia

Dez anjos anecircmicos de axilas profundas

embalsamados de melancolia

Vatildeo perpassando como dez muacutemias

as bailarinas fatigadas

Ramo de nardos inclinando flores

azuis brancas verdes douradas

Dez matildees chorariam se vissem

as bailarinas de matildeos dadas

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 15 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

07 ndash Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidecircncia

Ceciacutelia Meireles

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

olhos colados aos vidros

mulheres e homens agrave espreita

caras disformes de insocircnia

vigiando as accedilotildees alheias

Pelas gretas das janelas

pelas frestas das esteiras

agudas setas at iram

a inveja e a maledicecircncia

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas

como peludas aranhas

na gosma das teias densas

raacutepidas e envenenadas

engenhosas sorrateiras

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

brilham fardas e casacas

junto com bat inas pretas

E haacute finas matildeos pensat ivas

entre galotildees sedas rendas

e haacute grossas matildeos vigorosas

de unhas fortes duras veias

e haacute matildeos de puacutelpito e altares

de Evangelhos cruzes becircnccedilatildeos

Uns satildeo reinoacuteis uns mazombos

e pensam de mil maneiras

mas citam Vergiacutelio e Horaacutecio

e refletem e argumentam

falam de minas e impostos

de lavras e de fazendas

de ministros e rainhas

e das colocircnias inglesas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

uns sugerem uns recusam

uns ouvem uns aconselham

Se a derrama for lanccedilada

haacute levante com certeza

Corre-se por essas ruas

Corta-se alguma cabeccedila

Do cimo de alguma escada

profere-se alguma arenga

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 16 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Que bandeira se desdobra

Com que figura ou legenda

Coisas da Maccedilonaria

do Paganismo ou da Igreja

A Santiacutessima Trindade

Um gecircnio a quebrar algemas

Atraacutes de portas fechadas

agrave luz de velas acesas

entre sigilo e espionagem

acontece a Inconfidecircncia

E diz o Vigaacuterio ao Poeta

Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergiacutelio

E daacute-lhe o papel e a pena

E diz o Poeta ao Vigaacuterio

com dramaacutetica prudecircncia

Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam

LIBERDADE AINDA QUE TARDE

ouve-se em redor da mesa

E a bandeira jaacute estaacute viva

e sobe na noite imensa

E os seus tristes inventores

jaacute satildeo reacuteus mdash pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ningueacutem sabe o que seja)

Atraveacutes de grossas portas

sentem-se luzes acesas

mdash e haacute indagaccedilotildees minuciosas

dentro das casas fronteiras

Que estatildeo fazendo tatildeo tarde

Que escrevem conversam pensam

Mostram livros proibidos

Lecircem notiacutecias nas Gazetas

Teratildeo recebido cartas

de potecircncias estrangeiras

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras

Oacute vitoacuterias festas flores

das lutas da Independecircncia

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta

que natildeo haacute ningueacutem que explique

e ningueacutem que natildeo entenda)

E a vizinhanccedila natildeo dorme

murmura imagina inventa

Natildeo fica bandeira escrita

mas fica escrita a sentenccedila

Com este lindo texto extraiacutedo do livro Romanceiro da Inconfidecircncia Editora Letras e Artes - Rio de

Janeiro 1965 paacuteg 70 homenageamos a autora que no dia 07-11-2001 estaria completando 100 anos de

idade

O poema mostra muito bem vaacuterios detalhes do que deveria ser a vida em Vila Rica atual Ouro Preto

naquele tempo peccedilas de vestuaacuterio detalhes dos moacuteveis atitudes da vizinhanccedila A teacutecnica de construccedilatildeo

usada naquele tempo natildeo era tatildeo boa quanto a de hoje em dia e as casas eram proacuteximas umas das ouras Por isso o haacutebito de ouvir a conversa alheia pelas portas existia e a crenccedila de que ―as paredes tecircm ouvidos era

muito real

Ceciacutelia mostra muito bem como os sussurros dos inconfidentes eram vigiados por vizinhos agraves vezes

maldosos Naquela situaccedilatildeo apenas pensar em liberdade era um crime graviacutessimo mas os inconfidentes enfrentaram esse perigoDentre muitos momentos bonitos do poema um eacute para guardar para semprea linda

definiccedilatildeo de liberdade dada por Ceciacutelia ―Liberdade essa palavra que o sonho humano alimenta que natildeo haacute

ningueacutem que explique e ningueacutem que natildeo entenda

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 17 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

08 ndash Continuaccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar para poder voltar sempre

inteira

Liberdade eacute uma palavra que o sonho humano alimenta natildeo haacute ningueacutem que

explique e ningueacutem que natildeo entenda

Haacute pessoas que nos falam e nem as escutamos haacute pessoas

que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas haacute pessoas que simplesmente

aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 18 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Canteiros

Letra Ceciacutelia Meireles Muacutesica e Interpretaccedilatildeo Fagner

Quando penso em vocecirc

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Jaacute me daacute contentamento

Pode ser ateacute manhatilde

Sendo claro feito o dia

Mas nada do que me dizem me faz sentir

alegria

(Refratildeo 2X)

Eu soacute queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moccedilo pra tanta tristeza

E deixemos de coisa cuidemos da vida

Pois se natildeo chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moccedilo

Sem ter visto a vida

Eacute pau eacute pedra eacute o fim do caminho

Eacute um resto de toco eacute um pouco sozinho

Eacute um caco de vidro eacute a vida eacute o sol

Eacute a noite eacute a morte eacute um laccedilo eacute o anzol

Satildeo as aacuteguas de marccedilo fechando o veratildeo

Eacute promessa de vida em nosso coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 19 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Poemas de Ceciacutelia Meireles

Nem tudo eacute faacutecil

Eacute difiacutecil fazer algueacutem feliz assim como eacute

faacutecil fazer triste

Eacute difiacutecil dizer eu te amo assim como eacute faacutecil

natildeo dizer nada

Eacute difiacutecil valorizar um amor assim como eacute

faacutecil perdecirc-lo para sempre

Eacute difiacutecil agradecer pelo dia de hoje assim

como eacute faacutecil viver mais um dia

Eacute difiacutecil enxergar o que a vida traz de bom

assim como eacute faacutecil fechar os olhos e

atravessar a rua

Eacute difiacutecil se convencer de que se eacute feliz assim

como eacute faacutecil achar que sempre falta algo

Eacute difiacutecil fazer algueacutem sorrir assim como eacute

faacutecil fazer chorar

Eacute difiacutecil colocar-se no lugar de algueacutem assim

como eacute faacutecil olhar para o proacuteprio umbigo

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil pedir perdatildeo Mas quem disse que eacute

faacutecil ser perdoado

Se algueacutem errou com vocecirc perdoa-o

Eacute difiacutecil perdoar Mas quem disse que eacute faacutecil

se arrepender

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir Mas quem disse que eacute faacutecil

encontrar

algueacutem que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas Mas quem disse

que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se Mas quem disse que eacute

faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vidaMas com certeza

nada eacute impossiacutevel

Precisamos acreditar ter feacute e lutar

para que natildeo apenas sonhemos Mas tambeacutem

tornemos todos esses desejos

realidade

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 20 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

O Amor

Ceciacutelia Meireles

Eacute difiacutecil para os indecisos

Eacute assustador para os medrosos

Avassalador para os apaixonados

Mas os vencedores no amor satildeo os fortes

Os que sabem o que querem e querem o que tecircm

Sonhar um sonho a dois

e nunca desistir da busca de ser feliz

eacute para poucos

eu sou uma desses poucos

amo avassaladoramente

O AMOR DAS MINHAS VIDAS

Ceciacutelia Meireles

Basta-me um pequeno gesto

feito de longe e de leve

para que venhas comigo

e eu para sempre te leve

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 21 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

LUA ADVERSA

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Fases que vatildeo e vecircm

no secreto calendaacuterio

que um astroacutelogo arbitraacuterio

inventou para meu uso

E roda a melancolia

seu interminaacutevel fuso

Natildeo me encontro com ningueacutem

(tenho fases como a lua)

No dia de algueacutem ser meu

natildeo eacute dia de eu ser sua

E quando chega esse dia

o outro desapareceu

Ceciacutelia Meireles

Despedida

Por mim e por voacutes e por mais aquilo

que estaacute onde as outras coisas nunca estatildeo

deixo o mar bravo e o ceacuteu tranquumlilo

quero solidatildeo

Meu caminho eacute sem marcos nem paisagens

E como o conheces - me perguntaratildeo

- Por natildeo ter palavras por natildeo ter imagens

Nenhum inimigo e nenhum irmatildeo

Que procuras Tudo Que desejas - Nada

Viajo sozinha com o meu coraccedilatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 22 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Natildeo ando perdida mas desencontrada

Levo o meu rumo na minha matildeo

A memoacuteria voou da minha fronte

Voou meu amor minha imaginaccedilatildeo

Talvez eu morra antes do horizonte

Memoacuteria amor e o resto onde estaratildeo

Deixo aqui meu corpo entre o sol e a terra

(Beijo-te corpo meu todo desilusatildeo

Estandarte triste de uma estranha guerra)

Quero solidatildeo

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 23 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Motivo

Ceciacutelia Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida estaacute completa

Natildeo sou alegre nem sou triste

sou poeta

Irmatildeo das coisas fugidias

natildeo sinto gozo nem tormento

Atravesso noites e dias

no vento

Se desmorono ou se edifico

se permaneccedilo ou me desfaccedilo

mdash natildeo sei natildeo sei Natildeo sei se fico

ou passo

Sei que canto E a canccedilatildeo eacute tudo

Tem sangue eterno a asa ritmada

E um dia sei que estarei mudo

mdash mais nada

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 24 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Serenata

Ceciacutelia Meireles

Permita que eu feche os meus olhos

pois eacute muito longe e tatildeo tarde

Pensei que era apenas demora

e cantando pus-me a esperar-te

Permita que agora emudeccedila

que me conforme em ser sozinha

Haacute uma doce luz no silencioe a dor eacute de origem divina

Permita que eu volte o meu rosto para um ceacuteu maior que este mundo

e aprenda a ser doacutecil no sonho como as estrelas no seu rumo

Ceciacutelia Meireles

E minha alma sem luz nem tenda

passa errante na noite maacute

agrave procura de quem me entenda

e de quem me consolaraacute

Ceciacutelia Meireles

A arte de ser feliz

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 25 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Houve um tempo em que minha janela se abria

sobre uma cidade que parecia ser feita de giz

Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco

Era uma eacutepoca de estiagem de terra esfarelada

e o jardim parecia morto

Mas todas as manhatildes vinha um pobre com um balde

e em silecircncio ia atirando com a matildeo umas gotas de aacutegua sobre as plantas

Natildeo era uma rega era uma espeacutecie de aspersatildeo ritual para que o jardim natildeo morresse

E eu olhava para as plantas para o homem para as gotas de aacutegua que caiacuteam de seus dedos magros e

meu coraccedilatildeo ficava completamente feliz

Agraves vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor

Outras vezes encontro nuvens espessas

Avisto crianccedilas que vatildeo para a escola

Pardais que pulam pelo muro

Gatos que abrem e fecham os olhos sonhando com pardais

Borboletas brancas duas a duas como refletidas no espelho do ar

Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega

Aacutes vezes um galo canta

Agraves vezes um aviatildeo passa

Tudo estaacute certo no seu lugar cumprindo o seu destino

E eu me sinto completamente feliz

Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas

que estatildeo diante de cada janela uns dizem que essas coisas natildeo existem

outros que soacute existem diante das minhas janelas e outros

finalmente que eacute preciso aprender a olhar para poder vecirc-las assim

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 26 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

SONETO ANTIGO

Responder a perguntas natildeo respondo

Perguntas impossiacuteveis natildeo pergunto

Soacute do que sei de mim aos outros conto

de mim atravessada pelo mundo

Toda a minha experiecircncia o meu estudo

sou eu mesma que em solidatildeo paciente

recolho do que em mim observo e escuto

muda liccedilatildeo que ningueacutem mais entende

O que sou vale mais do que o meu canto

Apenas em linguagem vou dizendo

caminhos invisiacuteveis por onde ando

Tudo eacute secreto e de remoto exemplo

Todos ouvimos longe o apelo do Anjo

E todos somos pura flor de vento

Ceciacutelia Meireles

Renova-te

Renasce em ti mesmo

Multiplica os teus olhos para verem mais

Multiplica-se os teus braccedilos para semeares

tudo

Destroacutei os olhos que tiverem visto

Cria outros para as visotildees novas

Destroacutei os braccedilos que tiverem semeado

Para se esquecerem de colher

Secirc sempre o mesmo

Sempre outro Mas sempre alto

Sempre longe

E dentro de tudo

Ceciacutelia Meireles

Tu tens um medo

Acabar

Natildeo vecircs que acabas todo o dia

Que morres no amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que te renovas todo o dia

No amor

Na tristeza

Na duacutevida

No desejo

Que eacutes sempre outro

Que eacutes sempre o mesmo

Que morreraacutes por idades imensas

Ateacute natildeo teres medo de morrer

E entatildeo seraacutes eterno

Ceciacutelia Meireles

Se vocecirc errou

Se vocecirc errou peccedila desculpas

Eacute difiacutecil perdoar

Mas quem disse que eacute faacutecil se arrepender

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 27 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Se vocecirc sente algo diga

Eacute difiacutecil se abrir

Mas quem disse que eacute faacutecil encontrar algueacutem

que queira escutar

Se algueacutem reclama de vocecirc ouccedila

Eacute difiacutecil ouvir certas coisas

Mas quem disse que eacute faacutecil ouvir vocecirc

Se algueacutem te ama ame-o

Eacute difiacutecil entregar-se

Mas quem disse que eacute faacutecil ser feliz

Nem tudo eacute faacutecil na vida

Mas com certeza nada eacute impossiacutevel

Ceciacutelia Meireles

Natildeo digas onde acaba o dia

Onde comeccedila a noite

Natildeo fales palavras vatildes

As palavras do mundo

Natildeo digas onde comeccedila a Terra

Onde termina o ceacuteu

Natildeo digas ateacute onde eacutes tu

Natildeo digas desde onde eacutes Deus

Natildeo fales palavras vatildes

Desfaze-te da vaidade triste de falar

Pensacompletamente silencioso

Ateacute a gloacuteria de ficar silencioso

Sem pensar

Ceciacutelia Meireles

Canccedilatildeo do Sonho Acabado

Jaacute tive a rosa do amor

- rubra rosa sem pudor

Cobicei cheirei colhi

Mas ela despetalou

E outra igual nunca mais vi

Jaacute vivi mil aventuras

Me embriaguei de alegria

Mas os risos da ventura

No limiar da loucura

Se tornaram fantasia

Jaacute almejei felicidade

Matildeos dadas fraternidade

Um ideal sem fronteiras

- utopia Voou ligeira

Nas asas da liberdade

Desejei viver Demais

Segurar a juventude

Prender o tempo na matildeo

Plantar o liacuterio da paz

Mas nem mesmo isto eu pude

Tentei poreacutem nada fiz

Muito da vida eu jaacute quis

Jaacute quis mas natildeo quero mais

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 28 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

Epigrama n 2

Ceciacutelia Meireles

Eacutes precaacuteria e veloz Felicidade

Custas a vir e quando vens natildeo te demoras

Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo

e para te medir se inventaram as horas

Felicidade eacutes coisa estranha e dolorosa

Fizeste para sempre a vida ficar triste

Porque um dia se vecirc que as horas todas passam

e um tempo despovoado e profundo persiste

Ceciacutelia Meireles

Sou entre flor e nuvem

estrela e mar Por que

havemos de ser unicamente

humanos limitados em chorar

Natildeo encontro caminhos faacuteceis

de andar Meu rosto vaacuterio

desorienta as firmes pedras

que natildeo sabem de aacutegua e de ar

Ceciacutelia Meireles

Eacute preciso natildeo esquecer nada

nem a torneira aberta nem o fogo aceso

nem o sorriso para os infelizes

nem a oraccedilatildeo de cada instante

Eacute preciso natildeo esquecer de ver a nova borboleta

nem o ceacuteu de sempre

O que eacute preciso eacute esquecer o nosso rosto

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 29 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

o nosso nome o som da nossa voz o ritmo do nosso pulso

O que eacute preciso esquecer eacute o dia carregado de atos

a ideacuteia de recompensa e de gloacuteria

O que eacute preciso eacute ser como se jaacute natildeo focircssemos

vigiados pelos proacuteprios olhos

severos conosco pois o resto natildeo nos pertence

Ceciacutelia Meireles

Tenho fases como a lua

Fases de andar escondida

fases de vir para a rua

Perdiccedilatildeo da minha vida

Perdiccedilatildeo da vida minha

Tenho fases de ser tua

tenho outras de ser sozinha

Ceciacutelia Meireles

A bailarina

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Natildeo conhece nem doacute nem reacute

mas sabe ficar na ponta do peacute

Natildeo conhece nem mi nem faacute

Mas inclina o corpo para caacute e para laacute

Natildeo conhece nem laacute nem si

mas fecha os olhos e sorri

Roda roda roda com os bracinhos no ar

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles

Ceciacutelia Meireles

Pesquisa Luiz Antonio Batista da Rocha ndash Academia Barretense de Cultura - ABC Paacutegina 30 wwwoutorgacombr rochaoutorgacombr

e natildeo fica tonta nem sai do lugar

Potildee no cabelo uma estrela e um veacuteu

e diz que caiu do ceacuteu

Esta menina

tatildeo pequenina

quer ser bailarina

Mas depois esquece todas as danccedilas

e tambeacutem quer dormir como as outras crianccedilas

Ceciacutelia Meireles