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CEAP / CURSO DE DIREITO Disciplina: DIREITO PREVIDENCIÁRIO Professor: UBIRATAN RODRIGUES DA SILVA Plano de Ensino: Unidade II. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A SEGURIDADE SOCIAL 1 Conteúdo Programático da Aula Nº 4 A CONSTITUIÇÃO E A SEGURIDADE SOCIAL – PRINCIPAIS DISPOSITIVOS 8. ORGANIZAÇÃO E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS O Direito Previdenciário, como ramo didaticamente autônomo do Direito, possui prin- cípios próprios, os quais norteiam a aplicação e a interpretação das regras constitucionais e legais relativas ao sistema protetivo. Alguns princípios são exclusivos da seguridade social, o que revela sua autonomia didática, enquanto outros são genéricos, aplicáveis a todos os ramos do Direito. Entre os princípios gerais, merecem destaque no âmbito da seguridade social os da igualdade, da legalidade e do direito adquirido. A igualdade aqui tratada não é a mera isono- mia formal, mas sim a material ou geométrica, na qual os iguais são tratados de modo igual e os desiguais de modo desigual, dentro dos limites de suas desigualdades, como bem definiu Rui Barbosa (art. 5º, I, da CRFB/88). 1 É a isonomia material que justifica, por exemplo, alíquotas diferenciadas de contribui- ção para diferentes espécies de segurados e faixas distintas de remuneração. A igualdade ge- ométrica possibilita a restrição de benefícios de acordo com o status econômico do beneficiá- rio, como o salário-família, por exemplo. A legalidade encontra guarida em todos os ramos do Direito, inclusive no Previdenciá- rio (art. 5º, II, da CRFB/88). Qualquer nova obrigação, como um aumento de contribuição, somente poderá ser feito por meio de lei em sentido formal, isto é, aprovada pelo Congresso Nacional ou, excepcionalmente, por medida provisória. Naturalmente, por ser ramo de Direito Público, o Direito Previdenciário sofre evidente influência do princípio da legalidade, já que a autonomia da vontade é muito restrita no cam- po previdenciário. Em casos de urgência e relevância, e desde que não se trate de assunto reservado à lei complementar, a medida provisória também pode ser utilizada, assim como a lei delegada. Aliás, a lei delegada seria excelente instrumento previdenciário, possibilitando à Administra- ção Pública a rápida adequação do sistema a novas demandas sociais. O direito adquirido também assume extrema importância no Direito Previdenciário, em especial devido às constantes alterações da legislação e até da própria Constituição (art. 5º, XXXVI, da CRFB/88). O direito adquirido é aquele que já se integrou ao patrimônio jurídico do indivíduo, sendo defeso ao Estado sua exclusão por qualquer meio. No entanto, o direito somente é adquirido quando o indivíduo enquadra-se com perfei- ção na regra legal concessiva deste. Por exemplo, o segurado somente terá direito adquirido à aposentadoria quando cumprir todos os requisitos legais, não podendo lhe faltar um único dia. De outro modo, terá mera expectativa de direito. [...] Os princípios particulares da seguridade social estão espalhados pela Constituição e leis securitárias. Dentre os mais importantes, têm-se os abordados pelo texto constitucional no parágrafo único do art. 194, que, apesar de serem denominados objetivos, são verdadeiros 1 O significado tradicional da isonomia formal se confunde com a aqui apresentada como material. Na conceitu- ação clássica, advinda de Aristóteles, há a união da ideia de igualdade com a justiça, mas em sentido relativo e formal, visando ao tratamento diferenciado entre os desiguais, caracterizada, assim como isonomia formal. Neste sentido, o princípio de igualdade real e de justiça material visa ao nivelamento completo, tornando todos iguais, eliminando as diferenças individuais, o que certamente não seria desejável. Não obstante, textos mais atuais seguem a definição aqui apresentada, mais intuitiva que a tradicional.

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CEAP / CURSO DE DIREITO Disciplina: DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Professor: UBIRATAN RODRIGUES DA SILVA Plano de Ensino: Unidade II.

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A SEGURIDADE SOCIAL

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Conteúdo Programático da Aula Nº 4

A CONSTITUIÇÃO E A SEGURIDADE SOCIAL – PRINCIPAIS D ISPOSITIVOS 8. ORGANIZAÇÃO E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

O Direito Previdenciário, como ramo didaticamente autônomo do Direito, possui prin-cípios próprios, os quais norteiam a aplicação e a interpretação das regras constitucionais e legais relativas ao sistema protetivo. Alguns princípios são exclusivos da seguridade social, o que revela sua autonomia didática, enquanto outros são genéricos, aplicáveis a todos os ramos do Direito.

Entre os princípios gerais, merecem destaque no âmbito da seguridade social os da igualdade, da legalidade e do direito adquirido. A igualdade aqui tratada não é a mera isono-mia formal, mas sim a material ou geométrica, na qual os iguais são tratados de modo igual e os desiguais de modo desigual, dentro dos limites de suas desigualdades, como bem definiu Rui Barbosa (art. 5º, I, da CRFB/88).1

É a isonomia material que justifica, por exemplo, alíquotas diferenciadas de contribui-ção para diferentes espécies de segurados e faixas distintas de remuneração. A igualdade ge-ométrica possibilita a restrição de benefícios de acordo com o status econômico do beneficiá-rio, como o salário-família, por exemplo.

A legalidade encontra guarida em todos os ramos do Direito, inclusive no Previdenciá-rio (art. 5º, II, da CRFB/88). Qualquer nova obrigação, como um aumento de contribuição, somente poderá ser feito por meio de lei em sentido formal, isto é, aprovada pelo Congresso Nacional ou, excepcionalmente, por medida provisória.

Naturalmente, por ser ramo de Direito Público, o Direito Previdenciário sofre evidente influência do princípio da legalidade, já que a autonomia da vontade é muito restrita no cam-po previdenciário.

Em casos de urgência e relevância, e desde que não se trate de assunto reservado à lei complementar, a medida provisória também pode ser utilizada, assim como a lei delegada. Aliás, a lei delegada seria excelente instrumento previdenciário, possibilitando à Administra-ção Pública a rápida adequação do sistema a novas demandas sociais.

O direito adquirido também assume extrema importância no Direito Previdenciário, em especial devido às constantes alterações da legislação e até da própria Constituição (art. 5º, XXXVI, da CRFB/88). O direito adquirido é aquele que já se integrou ao patrimônio jurídico do indivíduo, sendo defeso ao Estado sua exclusão por qualquer meio.

No entanto, o direito somente é adquirido quando o indivíduo enquadra-se com perfei-ção na regra legal concessiva deste. Por exemplo, o segurado somente terá direito adquirido à aposentadoria quando cumprir todos os requisitos legais, não podendo lhe faltar um único dia. De outro modo, terá mera expectativa de direito.

[...] Os princípios particulares da seguridade social estão espalhados pela Constituição e

leis securitárias. Dentre os mais importantes, têm-se os abordados pelo texto constitucional no parágrafo único do art. 194, que, apesar de serem denominados objetivos, são verdadeiros

1 O significado tradicional da isonomia formal se confunde com a aqui apresentada como material. Na conceitu-ação clássica, advinda de Aristóteles, há a união da ideia de igualdade com a justiça, mas em sentido relativo e formal, visando ao tratamento diferenciado entre os desiguais, caracterizada, assim como isonomia formal. Neste sentido, o princípio de igualdade real e de justiça material visa ao nivelamento completo, tornando todos iguais, eliminando as diferenças individuais, o que certamente não seria desejável. Não obstante, textos mais atuais seguem a definição aqui apresentada, mais intuitiva que a tradicional.

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princípios, descrevendo as normas elementares da seguridade, as quais direcionam toda a ati-vidade legislativa e interpretativa da seguridade social.

Entre os princípios específicos, temos: 1) Solidariedade (art. 3º, I, da CF/88)

Sem dúvida, é o princípio securitário de maior importância, pois traduz o verdadeiro espírito da previdência social: a proteção coletiva, na qual as pequenas contribuições indivi-duais geram recursos suficientes para a criação de um manto protetor sobre todos, viabilizan-do a concessão de prestações previdenciárias em decorrência de eventos preestabelecidos.

Se as pessoas optassem pela proteção individual, sendo cada um responsável por si mesmo, não teriam segurança alguma a curto e médio prazo, pois não haveria tempo satisfató-rio para compor um fundo financeiro suficiente para seu sustento.

Mesmo em longo prazo, grande parte da sociedade também não atingiria um numerá-rio adequado, com evidente deterioração do padrão de vida da população.

A solidariedade impede a adoção de um sistema de capitalização pura em todos os segmentos da previdência social, em especial no que diz respeito aos benefícios não progra-mados, pois o mais afortunado deve contribuir com mais, tendo em vista a escassez de recur-sos e contribuições de outros.

É este princípio que permite e justifica uma pessoa poder ser aposentada por invalidez em seu primeiro dia de trabalho, sem ter qualquer contribuição recolhida para o sistema. Também é a solidariedade que justifica a cobrança de contribuições pelo aposentado que volta a trabalhar. Este deverá adimplir seus recolhimentos mensais, como qualquer trabalhador, mesmo sabendo que não poderá obter nova aposentadoria. A razão é a solidariedade: a contri-buição de um não é exclusiva deste, mas sim para a manutenção de toda rede protetiva.

[..] 2) Universalidade de Cobertura e Atendimento (art. 194, parágrafo único, I, da CF/88)

Este princípio estabelece que qualquer pessoa pode participar da proteção social patro-cinada pelo Estado. Com relação à saúde e assistência social, já foi visto que esta é a regra. Porém, quanto à previdência social, por ser regime contributivo, é, a princípio, restrita aos que exercem atividade remunerada. Mas, para atender ao mandamento constitucional, foi criada a figura do segurado facultativo.

Este princípio possui dimensões objetiva e subjetiva, sendo a primeira voltada a alcan-çar todos os riscos sociais que possam gerar o estado de necessidade (universalidade de cober-tura), enquanto a segunda busca tutelar toda a pessoa pertencente ao sistema protetivo (uni-versalidade de atendimento).

A universalidade de cobertura e atendimento é inerente a um sistema de seguridade social, já que este visa ao atendimento de todas as demandas sociais na área securitária. Além disso, toda a sociedade deve ser protegida, sem nenhuma parcela excluída. Obviamente, este princípio é realizável, na medida em que recursos financeiros suficientes são obtidos. Não há como se criarem diversas prestações sem custeio respectivo. A universalidade será atingida dentro das possibilidades do sistema.

[...] 3) Uniformidade e Equivalência de Prestações entre as Populações Urbana e Rural (art.

194, parágrafo único, II, da CF/88) As prestações securitárias devem ser idênticas para trabalhadores rurais ou urbanos,

não sendo lícita a criação de benefícios diferenciados. [...]

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4) Seletividade e Distributividade na Prestação de Benefícios e Serviços (art. 194, parágra-fo único, III, da CF/88)

Os direitos sociais costumam receber o rótulo de direitos positivos, isto é, direitos que demandam determinada ação do governo, ao contrário dos direitos negativos clássicos do Es-tado liberal, que constituíam obrigações negativas, como não intervir na esfera de liberdade do indivíduo.

Os direitos positivos trazem um custo maior para o Estado, já que os direitos negativos são, basicamente, deveres de abstenção do Poder público.2 Daí, o crescimento das obrigações positivas trouxe, com maior evidência, o conhecido princípio da Reserva do Possível, o qual traz limitação à atuação estatal, dentro das possibilidades orçamentárias.

Caberá ao Legislador efetuar as chamadas escolhas trágicas, ou seja, definir na lei or-çamentária onde aplicar os limitados recursos, dentro das ilimitadas demandas da sociedade. Neste contexto insere-se a seletividade, impondo a concessão e manutenção das prestações sociais de maior relevância, levando-se em conta os objetivos constitucionais de bem-estar e justiça social.

Para Wagner Balera, a seletividade atua na delimitação do rol de prestações, ou seja, na escolha dos benefícios e serviços a serem mantidos pela seguridade social, enquanto a dis-tributividade direciona a atuação do sistema protetivo para as pessoas com maior necessidade, definindo o grau de proteção.

Algumas prestações serão extensíveis somente a algumas parcelas da população, co-mo, por exemplo, salário-família (exemplo de seletividade) e, além disto, os benefícios e ser-viços devem buscar a otimização da distribuição de renda no país, favorecendo pessoas e re-giões mais pobres (exemplo de distributividade).

A seletividade foi corretamente aplicada ao salário-família pela Emenda Constitucio-nal nº 20/98, benefício de baixo valor, mas de importância para segurados de baixa renda. Não há razão para o pagamento desta prestação aos segurados mais abastados.

Já a seletividade imposta ao auxílio-reclusão pela mesma Emenda, não se justifica. A limitação deste benefício, somente a dependentes de segurados de baixa renda, é totalmente desprovida de razoabilidade. A renda elevada da família pode ser totalmente excluída, em virtude da prisão do segurado, e a proteção securitária deveria atuar neste momento. Entendo que esta alteração é inconstitucional, trazendo restrição indevida, em contrariedade aos ideais do bem-estar e justiça sociais.

[...] 5) Irredutibilidade do Valor dos Benefícios (art. 194, parágrafo único, IV, da CF/88)

Diz respeito à correção do benefício, o qual deve ter seu valor atualizado, de acordo com a inflação do período. Muitas das alegações sobre a insuficiência de valor dos benefícios são erroneamente enquadradas como violação deste princípio.

O que acontece é que os benefícios da previdência social têm estrita correlação com o salário-de-contribuição, que é a base-de-cálculo da contribuição. Como o salário-de-contribuição, muitas vezes, não traduz um mínimo necessário de subsistência (especialmente com as exclusões permitidas pela lei), é comum que o benefício calculado também reproduza um valor insuficiente.

2 Para uma explanação detalhada desta distinção e subsequente crítica, ver "O Custo dos Direitos", de Flávio Galdino, in Legitimação dos Direitos Humanos (org.: Ricardo Lobo Torres). São Paulo: Renovar. 2002, p. 139 a 222. Embora este Autor (com razão) aponte uma motivação ideológica para a tradicional diferença entre di-reitos positivos e negativos, é fato que, com a ampliação do escopo de atuação do Estado, aumentou largamen-te a necessidade de financiamento.

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Isto, no entanto, não retrata uma falha do sistema de seguro social, mas sim derivada da má remuneração ao longo da vida, com um salário mínimo que não chega nem perto de atender suas funções, aliada a uma má regulamentação legal do salário-de-contribuição. Na verdade, o que os segurados percebem (o valor pequeno de seus benefícios) é, na maioria das vezes, apenas o efeito do relatado, e não a causa. Se o segurado recolheu contribuições duran-te toda a vida sobre um salário inadequado, de baixo valor, não há como o sistema previden-ciário garantir a ele uma remuneração adequada. Tal situação somente aumenta a importância de, ao menos, o órgão gestor da previdência social aplicar corretamente a correção do benefí-cio e abster-se de reduzi-lo indevidamente.

[...] 6) Equidade na Forma de Participação no Custeio (art. 194, parágrafo único, V, da CF/88)

A equidade no custeio é um dos princípios de mais difícil compreensão. À primeira vista, seria um mero eufemismo para a figura da capacidade contributiva aplicada às contri-buições sociais.

No entanto, deve-se lembrar que o fundamento da cobrança das cotizações sociais é a solidariedade entre o grupo, o que impõe a participação de todos. Alguns até podem ser dis-pensados, se comprovada a condição de miserabilidade, em razão da proteção ao mínimo existencial. De resto, todos devem participar do custeio do sistema, de modo direto ou indire-to.

Em diversas contribuições, a sistemática será análoga aos impostos, havendo a fixação da contribuição maior para aqueles que recebam maior remuneração, lucro ou receita. Em outras situações, a fixação deste princípio implicará uma variação de contribuição de acordo com o risco proporcionado para os segurados.

Como se verá esta ideia é especialmente aplicada no custeio do seguro de acidentes do trabalho, no qual há majoração de alíquota em razão do maior risco de acidentes de trabalho e exposição a agentes nocivos. Quanto maiores os riscos ambientais, maior deverá ser a contri-buição.

Todavia, como boa parte dos benefícios da seguridade social (incluindo aí a previdên-cia social) não tem relação com o risco da atividade (aposentadoria por idade, salário-maternidade, auxílio-doença comum, etc.), justifica-se ainda a fixação de, ao menos, parte das contribuições de modo desvinculado ao risco da atividade, mas com base na maior receita de determinadas empresas e segurados. Não existe na previdência social a mesma estrita correla-ção entre o sinistro e prêmio encontrada no seguro privado.

Da mesma forma, como se verá, a equidade, no custeio, permite ao Legislador alterar a hipótese de incidência de contribuições das empresas em razão de diversos fatores, como a atividade econômica. Quanto menor for a mão-de-obra aplicada, maior deve ser a alíquota, de modo que a tributação seja também equânime.

Um exemplo de aplicação deste princípio na própria Constituição é o art. 239, § 4º, ao prever que o financiamento do seguro-desemprego receberá uma contribuição adicional da empresa cujo índice de rotatividade da força de trabalho supera o índice médio da rotatividade do setor. 7) Diversidade da Base de Financiamento (art. 194, parágrafo único, VI, da CF/88)

Este princípio teve como origem a tríplice fonte de custeio, originada, por sua vez, com a Constituição de 1934, de acordo com a ideia apresentada por Beveridge. A presente normatização constitucional é mais abrangente, falando hoje em diversidade da base de finan-

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ciamento, sendo a fonte tríplice somente um de seus componentes, e envolvendo outras con-tribuições, como concurso de prognósticos e importadores.

No entanto, o substrato do financiamento da seguridade ainda é mantido pela antiga forma tríplice de custeio, que envolve contribuições de trabalhadores, das empresas e do pró-prio governo. A contribuição do empregador, o qual funciona como patrocinador compulsório dos benefícios previdenciários de seus empregados, existe desde a criação da previdência so-cial, pois o seguro social de Bismarck, em 1883, já previa esta fonte de receita. Justifica-se a mesma em razão da empresa ser uma beneficiária indireta do sistema protetivo, na medida em que seus trabalhadores atuam com mais tranquilidade, sabendo da proteção previdenciária existente, lembrando que esta inclui também eventual ônus que poderia ser imposto às empre-sas pela legislação trabalhista, no que diz respeito ao pagamento dos salários no período de afastamento.

A contribuição da empresa, sobretudo no seguro de acidentes do trabalho, é facilmente justificada, também, para evitar que os empreendedores somente obtenham as vantagens da atividade humana, sem arcar com efeitos negativos, como a incapacidade para o trabalho, notadamente quando resultante do trabalho continuado. Exsurge daí a plena justificativa de solidarizar, o risco com os empregadores.

[...] O Poder Público também deve destinar parcela de sua arrecadação tributária, além das

contribuições sociais, ao custeio previdenciário. Isto deve ocorrer pelo singelo fato de o Esta-do ser, também, empregador. É o chamado financiamento indireto da seguridade social (art. 195, caput, CRFB/88).

Nem todos os agentes públicos são dotados de regime próprio de previdência. Mesmo no âmbito federal, há o regime de emprego público que submete o agente ao regime geral de previdência, sendo a União, neste caso, equiparada à empresa para efeitos previdenciários, cabendo a esta reverter recursos ao RGPS.

O mesmo ocorre com Estados e Municípios, em razão de mão de obra remunerada sem regime próprio. Embora, atualmente, todos os Estados possuam seu regime previdenciá-rio, estes podem contratar mão de obra eventual, sem vínculo com o regime próprio, o que gera obrigação de contribuir para o RGPS, já que este trabalhador é segurado do regime geral.

Assim compete ao governo, no âmbito estadual e municipal, recolher contribuições sociais no caso de prestação de mão de obra vinculada ao RGPS. No que diz respeito à União, cabe a esta fixar recursos em seu orçamento fiscais destinados à previdência social, além das contribuições sociais já previstas no orçamento da seguridade social, em virtude de remunerar segurados vinculados ao RGPS.

[...] No caso de eventual falta de recursos para o pagamento de benefícios, cabe à União

compor o saldo necessário, não sendo lícito reduzir ou excluir pagamentos dos segurados, por ser o benefício direito subjetivo deles. Os trabalhadores irão efetuar contribuições a partir de seus salários-de-contribuição, como será visto em capítulo próprio.

[...] A diversidade da base de financiamento é que permitirá a evolução da seguridade so-

cial no sentido de implementar os mandamentos constitucionais, em especial, a garantia efeti-va do bem-estar e justiça sociais. 8) Caráter Democrático e Descentralizado da Administração (art. 194, parágrafo único,

VII, da CF /88)

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Visa à participação da sociedade na organização e no gerenciamento da seguridade so-cial, mediante gestão quadripartite, com participação de trabalhadores, empregadores, aposen-tados e governo (os aposentados foram incluídos pela EC nº 20/98). O estímulo à atuação efe-tiva da sociedade, que já seria consectário natural de um regime democrático, ainda é também expressamente previsto no art. 10 da Constituição ("É assegurada a participação dos trabalha-dores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação").

A atual Constituição brasileira adotou a gestão democrática da seguridade social, co-mo já tinha defendido Beveridge décadas atrás. Nada mais natural que as pessoas diretamente interessadas na seguridade participem de sua administração. A participação das empresas também se justifica, na medida em que essas entidades são responsáveis, em parte, pelo cus-teio securitário. As medidas de ajuste na cotização patronal certamente trazem repercussões na atividade produtiva do País, e as considerações dos empregadores são fundamentais, antes de qualquer alteração das regras existentes.

Essa participação é atualmente realizada por meio do Conselho Nacional de Previdên-cia Social – CNPS, órgão superior de deliberação colegiada, que tem como membros (art. 3º da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 8.619, de 5/01193):

I – seis representantes do governo federal; II – nove representantes da sociedade civil, sendo:

a) três representantes dos aposentados e pensionistas, b) três representantes dos trabalhadores em atividade, c) três representantes dos empregadores.

[...] Já o Decreto nº 5.699/06, ao incluir o art. 296-A do RPS, passou a prever a instituição

dos Conselhos de Previdência Social – CPS, como unidades descentralizadas do Conselho Nacional de Previdência Social – CNPS, que funcionarão junto às Gerências-Executivas do INSS. O Decreto nº 6.722/08 traz algumas inovações, excluindo de sua composição servido-res da Receita Federal do Brasil e membros da Procuradoria Especializada. A Resolução CNPS nº 1.304/08 aprovou o Regimento Interno dos Conselhos de Previdência Social junto às Gerências Executivas do INSS. 9) Preexistência do Custeio em Relação ao Benefício ou Serviço (art. 195, § 5º, da CF/88)

Este princípio visa ao equilíbrio atuarial e financeiro do sistema securitário. A criação do benefício, ou mesmo a mera extensão da prestação já existente, somente será feita com a previsão da receita necessária.

Norma originalmente criada em 1965, inserida na Constituição de 1946, tem sido man-tida nas regras previdenciárias desde então. Na verdade, poder-se-ia dizer que tal princípio é inerente ao sistema previdenciário, pois este deve sempre compartilhar seus benefícios com a respectiva arrecadação.

A concessão de novo benefício ou ampliação de já existente é algo por demais tenta-dor para os governantes em certos períodos, o que justifica a reprodução deste mandamento na Constituição, ainda que óbvio.

Assim, para a criação de benefício previdenciário, de nada adianta a mera edição de lei, pois, sem a previsão da origem dos recursos, a prestação concedida será necessariamente inconstitucional.

Para alguns, este princípio seria, em verdade, uma norma-regra, denominada de regra da contrapartida. Não obstante a autoridade dos que assim se posicionam, acredito que a me-lhor compreensão seja no sentido de tratar-se de um princípio, que visa a manutenção de um

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estado ideal de coisas (um sistema equilibrado), mas admite ponderação com outros princí-pios, sendo esta questão de especial importância no que diz respeito a possíveis extensões judiciais de benefícios assistenciais.3

[...] PREVISÃO CONSTITUCIONAL

A atual Constituição trata, no Título VIII, a partir do art. 193, da Ordem Social, nesta

incluída a seguridade social. Reza que "a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais". Evidencia-se a intenção do constituinte de criar em solo pátrio o chamado Estado de Bem-Estar Social, ou Welfare State.

A regulamentação constitucional do assunto segue tradição dos países desenvolvidos, especialmente europeus, na busca constante do bem-estar de seus nacionais, justificando, in-clusive, uma maior intervenção estatal para a consecução deste objetivo.

No que diz respeito à competência legal, cabe privativamente à União legislar sobre seguridade social (art. 22, XXIII), enquanto a competência sobre previdência social, proteção e defesa da saúde é concorrente (art. 24, XII). A distribuição de competências é confusa, che-gando a parecer contraditória. Já que previdência social e saúde integram a seguridade social, como podem ser de competência privativa e concorrente ao mesmo tempo?

Pode-se dizer que, genericamente, as ações da seguridade social são regulamentadas pela União, a qual é dotada da competência para estipular como será a ação estatal na constru-ção da rede protetiva, objetivo precípuo da seguridade social.

Mas, na área previdenciária, justifica-se a competência concorrente, em razão dos ser-vidores públicos estaduais e municipais vinculados a regimes próprios de previdência. Os Estados e Municípios, a partir de normas gerais da União, irão estabelecer as regras previden-ciárias para seus servidores. Tanto na União, como nos Estados e Municípios, com base no princípio da simetria, o regime previdenciário e suas regras devem ser previstas em lei, ca-bendo a inciativa ao Poder Executivo, na forma ao art. 61, § 1º, II, c, da constituição, já deci-diu também o STF que alterações em regime previdenciário de servidor carecem de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo (ADI 2904/PR, rel. Min. Menezes Direito, 15/4/2009).

A competência concorrente também se justifica pela aptidão dos Entes Federados em criar, por meio de lei própria, as entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, para seus servidores (art. 40, § 15, CRFB/88, com a redação dada pela EC nº 41/03).

Já o regramento legal do Regime Geral de Previdência Social é privativo da União, ou seja, o regime previdenciário dos trabalhadores em geral é de competência exclusiva da Uni-ão, sendo atualmente administrado pelo INSS.

Com relação à saúde, percebe-se uma preocupação do constituinte em delegar aos Es-tados e Municípios uma participação maior nesta área, sendo que cada esfera de governo deve aplicar percentuais mínimos neste segmento da seguridade social (ver art. 198 da CRFB/88). Daí a previsão desta competência concorrente, visando a atribuir esta responsabilidade a todos os entes federativos.

Apesar de os Municípios não serem mencionados no art. 24 da Constituição, ao tratar da competência concorrente, são os mesmos dotados de aptidão pela Lei Maior para tratar de matéria previdenciária e de saúde, assim como os Estados, uma vez que o art. 30 expressa a possibilidade de Municípios legislarem sobre assuntos de interesse local e complementarem a legislação federal e estadual no que couber.

3 Sobre a doutrina tradicional sobre o tema e respectiva crítica, até admitindo ponderação entre regras (rectius, suas razões), ver ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. São Paulo: Malheiros, 3. Ed.

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A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A SEGURIDADE SOCIAL

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O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL Determina a Constituição que a seguridade social será financiada por toda a sociedade,

de forma direta e indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Es-tados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais (art. 195 da CRFB/88).

O financiamento direto é feito pelas contribuições sociais, enquanto o indireto é reali-zado por meio de dotações orçamentárias fixadas no orçamento fiscal. As contribuições soci-ais não são a única fonte de custeio da seguridade social – embora sejam as principais –, os recursos necessários também virão de dotações orçamentárias de todos os entes federativos. Obviamente, tanto em um como no outro caso, os recursos são sempre oriundos da sociedade, a qual arca direta e indiretamente com os custos sociais.

O art. 195, § 1º, da Constituição prevê que as receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União. Não deixa de falar o óbvio, pois todos os Entes são respon-sáveis pela manutenção e expansão da seguridade, tendo cada qual sua responsabilidade em fixar os gastos necessários em seus respectivos orçamentos.

As Contribuições Sociais Competência

Como determina o art. 149 da Constituição, a instituição das contribuições sociais é, em regra, da União. Somente caberá aos Estados, DF e Municípios a criação de contribuições para o custeio de sistema securitário de seus servidores (art.149, § 1º, da CRFB/88). São as contribuições responsáveis pelo sustento dos regimes próprios de previdência destes compo-nentes da federação.4

Atualmente, a União, todos os Estados e em torno da metade dos Municípios brasilei-ros possuem regimes próprios de previdência, em razão de seus servidores, regimes estes que devem adequar-se às regras da Lei nº 9.717/98.

Convém observar que é possível a contratação de servidores desvinculados destes re-gimes próprios, como, por exemplo, no regime de emprego público da União. Neste caso, estes empregados públicos são regidos pela CLT e vinculados, obrigatoriamente, ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS.

[...] Natureza jurídica

O financiamento da seguridade social também é tratado no título constitucional da or-dem social. Tal custeio é feito a partir das chamadas contribuições sociais. Estas exações se-rão, no momento, examinadas perante seu regramento constitucional, tendo sua previsão legal analisada em itens próprios.

De modo amplamente majoritário, tanto perante a doutrina como pela jurisprudência, as contribuições sociais são tratadas como tributo. Tal conclusão decorre, basicamente, do enquadramento desta contribuição no conceito de tributo (art. 3º do CTN) e do regime jurídi-co atribuído às contribuições sociais, previstas dentro do Capítulo referente ao Sistema Tribu-tário Nacional (art. 149 da CRFB/88). 4 De acordo com a Lei nº 10.833/03, compete ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão a normatiza-ção, cobrança e controle da arrecadação da contribuição do servidor federal destinada ao custeio do Regime de Previdência Próprio da União (art. 39).

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O art. 149 da Constituição trata das contribuições especiais (ou sociais, em sentido amplo), as quais se subdividem em contribuições sociais (em sentido estrito), contribuições de intervenção no domínio econômico e contribuições no interesse de categorias profissionais. Em nosso estudo, somente nos interessam as contribuições sociais em sentido estrito, também chamadas apenas de contribuições sociais.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 39/2002, foi inserido na Lei Maior o art. 149-A, que trata da criação da contribuição para iluminação pública. Sem maiores considera-ções sobre a validade da mesma, criada evidentemente para substituir a taxa de iluminação pública, declarada inconstitucional por não se tratar de serviço público divisível, podemos afirmar, de pronto, não se tratar de contribuição social, sendo, portanto estranha à seguridade social. Na melhor das hipóteses, pode-se enquadrar como nova espécie de contribuição espe-cial, ao lado das existentes no art. 149.

Para alguns, as contribuições sociais teriam a natureza de imposto (contribuição do empregador) ou natureza de taxa (contribuição dos trabalhadores). Entretanto, a atual corrente majoritária trata as contribuições especiais como espécie autônoma de tributo, ao lado de im-postos, taxas, contribuições de melhoria e empréstimos compulsórios.

[...]

Criação de Novas Contribuições Sociais A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da

seguridade social, obedecido ao disposto no art. 154, I, da Constituição (art. 195, § 4º, da CRFB/88).

Trata-se da competência residual da União para a instituição de novas contribuições. O constituinte, já prevendo dificuldades na manutenção da seguridade social, possibilitou a cria-ção de novas fontes de custeio, além das contribuições já previstas no texto constitucional. Para tal, fez remissão ao art. 154, I, o qual trata da competência residual da União para a cria-ção de novos impostos. Este dispositivo reza que a União poderá, mediante lei complementar, instituir novos impostos, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprio dos discriminados na Constituição. Em síntese, para criar-se um novo im-posto, a Constituição é clara: deve-se inovar no fato gerador, base de cálculo, ser não-cumulativo e instituído por meio de lei complementar.

Entretanto, com relação à remissão para criação de novas contribuições, a questão não ficou clara. Seria necessário atender todos os requisitos? Ou somente alguns? Esta questão gerou enorme divergência na doutrina e jurisprudência, até ser pacificada pelo STF.

Atualmente, entende o Pretório Excelso que a instituição de novas contribuições soci-ais deve apenas atender ao requisito formal, isto é, sua instituição será, necessariamente, por intermédio de lei complementar. Com isso, a nova contribuição não necessitará inovar no fato gerador e na base de cálculo, exceto em relação às contribuições já existentes.

[...] A Noventena das Contribuições Sociais

De modo a atender ao princípio da não-surpresa, dando tempo aos contribuintes e se-

gurados para a adequada preparação financeira do pagamento da contribuição, esta somente poderá ser exigida após decorridos 90 (noventa) dias da data da publicação da lei que a hou-ver instituído ou modificado, não se lhe aplicando o princípio da anterioridade (art. 195, § 6º, da CRFB/88).

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Pelo princípio da anterioridade (art. 150, III, "b" da CRFB/88), a cobrança de tributo instituído ou majorado somente será feita, em regra, no exercício financeiro seguinte, ou seja, a lei responsável pela majoração ou instituição da exação tem sua eficácia suspensa durante este período. Caso a contribuição seja instituída ou majorada por medida provisória, é a partir da publicação desta que se iniciam os 90 dias, e não da conversão em lei.

Este princípio não é aplicável às contribuições sociais, sendo, porém, a elas estipulado um lapso de tempo distinto, fixo: 90 (noventa) dias. Regra similar acabou sendo estendida aos demais tributos, com algumas exceções, com o advento da Emenda Constitucional nº 42/03, ao inserir o inciso "c" no art. 150, III, da Constituição, prevendo o interregno mínimo de 90 dias para a cobrança dos demais tributos. Todavia, as contribuições sociais continuam fora da regra da anterioridade prevista no art. 150, I1I, "b", da Constituição. Por isso, para os tributos em geral, há, hoje, a anterioridade tradicional e a nonagesimal, que atuam conjuntamente, enquanto, para as contribuições sociais, há somente a noventena.5

Este prazo também é aplicável às contribuições sociais criadas pela União, a partir de sua competência residual (art. 195, § 4º, da CRFB/88). Caso a contribuição seja alterada ou instituída no final do ano, ainda assim terá que atender aos 90 dias, regra esta estendida aos demais tributos pela EC nº42/03.

[...] Orçamento da Seguridade Social

As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade

social deverão constar dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União (art. 195, § 12, da CRFB/88).

Para a União, a lei orçamentária anual irá prever o orçamento da seguridade social, ao lado do orçamento fiscal e de investimentos (art. 165, § 52, da CRFB/88). a orçamento da seguridade social, com a previsão de receitas e despesas, deverá ser autônomo em relação ao Tesouro Nacional, de modo a evitarem-se desvios dos recursos para outros fins.

Infelizmente, esta determinação constitucional tem sido ignorada, com a utilização de recursos da seguridade nas demais despesas. Tal fato acaba por fragilizar a seguridade, que perde o controle da entrada de seus recursos, e ainda serve para criar o suposto "déficit previ-denciário".

[...] Contratação com o Poder Público

A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social não poderá contratar

com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios (art. 195, § 3º, da CRFB/88). Daí a necessidade de obter a certidão negativa de débito (CND) para par-ticipar de licitações.

Aumento e Criação de Benefícios Previdenciários

A Constituição determina, no art. 195, § 5º, que "nenhum benefício ou serviço da se-

guridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de cus-teio total".

5 Cumpre notar que, não raramente, alguns autores adotam classificação diversa, referindo-se à noventena

para os tributos em geral, enquanto a anterioridade nonagesimal seria restrita às contribuições sociais.

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O dispositivo vem ressaltar a importância do equilíbrio financeiro e atuarial da previ-dência social, evitando-se a concessão ou aumento irresponsável de benefícios, muitas vezes com intuito eleitoreiro. Tais condutas no passado foram responsáveis pela fragilização do sistema previdenciário.

[...]

Requisitos Diferenciados para a Aposentadoria É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de apo-sentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos ter-mos definidos em lei complementar (art.201, § 1°, da CRFB/88, com a redação dada pela EC nº 47/05).

Por meio deste dispositivo, criado pela EC nº 20/98, é defeso ao Poder Público traçar

normas de aposentação diferenciadas para os beneficiários do RGPS, evitando-se assim favo-recimentos indevidos e assegurando tratamento equânime a todos os segurados. Esta restrição, que já foi exclusiva ao RGPS, foi estendida aos regimes próprios de previdência pela EC nº 41/03, ao alterar a redação do art. 40, § 4º, da Constituição.

A ressalva expressa visa aos trabalhadores que exercem atividades sob condições es-peciais, que vêm a ser todos aqueles expostos a agentes nocivos, os quais tendem a reduzir de modo acelerado a capacidade laborativa do trabalhador.

Em virtude dessa exposição nociva, o trabalhador goza de requisitos diferenciados pa-ra a aposentadoria, podendo obtê-la mais rapidamente. Este benefício é conhecido como apo-sentadoria especial, e será melhor estudado em capítulo próprio.

[...] A própria Emenda Constitucional nº 20/98, no art. 15, determina a utilização das re-

gras da Lei nº 8.213/91, até que venha a ser publicada a lei complementar sobre o assunto. Não obstante, o citado parágrafo foi novamente alterado, agora pela EC nº 47/05, que

inclui, entre os segurados que poderão gozar de regras diferenciadas de aposentadoria, os por-tadores de deficiência, além da previsão original direcionada àqueles cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

[...]

A Garantia do Salário Mínimo Dispõe a Constituição que "nenhum benefício que substitua o salário de contribuição

ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo" (art. 201, § 2º, da CRFB).

[...] O importante a ser observado, neste dispositivo, é a sua limitação implícita. Na verda-

de, não são todos os benefícios que não poderão ser inferiores ao salário mínimo, mas somen-te os que substituírem o "salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado".

Isto quer dizer o seguinte: todo o benefício que não seja criado para substituir a remu-neração do trabalhador pode ter valor inferior ao mínimo. Na previdência social, há dois bene-fícios que não possuem essa natureza substitutiva: o salário-família e o auxílio-acidente. [...]

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Competência da Justiça do Trabalho Para Cobrança de Contribuições Determina a Constituição que "Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar a

execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e 11, e seus acrésci-mos legais, decorrentes das sentenças que proferir" (art. 114, VIII, CRFB/88, com a redação dada pela EC nº 45/05).

[...]

Contagem Recíproca e Averbação de Tempo de Contribuição De acordo com o art. 201, § 9º, da Constituição, com a redação dada pela EC nº 20/98,

"Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos re-gimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei".

[...] REFERÊNCIA IBRAHIM, Fábio Zambitte. CURSO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO , 17ª edição, re-vista, ampliada e atualizada. Niterói, RJ: Editora IMPETUS, 2012, p. 62-77; 85-131.